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Artigo Coorte

This document describes the methodology of two cohort studies conducted in Pelotas, Brazil in 1982 and 1993 to study trends in maternal and child health. Both studies identified mothers and newborns in the city's maternity hospitals, with over 99% of births included. In 1982, 5,914 live births were included and in 1993 it was 5,249 live births. The studies prospectively monitored mortality and hospitalizations. They provide a unique dataset to assess the impact of social, economic and healthcare changes on maternal and child health in Brazil.

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Camila Rodrigues
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This document describes the methodology of two cohort studies conducted in Pelotas, Brazil in 1982 and 1993 to study trends in maternal and child health. Both studies identified mothers and newborns in the city's maternity hospitals, with over 99% of births included. In 1982, 5,914 live births were included and in 1993 it was 5,249 live births. The studies prospectively monitored mortality and hospitalizations. They provide a unique dataset to assess the impact of social, economic and healthcare changes on maternal and child health in Brazil.

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ARTIGO ARTICLE 7

Tendências e diferenciais na saúde


Cesar G. Victora 1 materno-infantil: delineamento e metodologia
Fernando C. Barros 1
Elaine Tomasi 1
das coortes de 1982 e 1993 de mães e crianças
Ana Maria Menezes 1 de Pelotas, Rio Grande do Sul
Bernardo L. Horta 1
Elizabeth Weiderpass 1
Juraci A. Cesar 4
Trends and defferentials in maternal and child
Juvenal S. D. Costa 1 health: design and metodology of the 1982 and
Maria Teresa Olinto 1 1993 birth cohort studies in Pelotas,
Ricardo Halpern 1
Rio Grande do Sul
Maria del Mar Garcia 3
J. Patrick Vaughan 2

1 Departamentos de Abstract Important changes have taken place in both the economy and health care in Brazil since
Medicina Social, Materno-
1980 and may have affected maternal and child health. Two studies in the city of Pelotas in South-
Infantil e de Clínica Médica,
Faculdade de Medicina, ern Brazil provide a unique opportunity for assessing these issues. Cohorts of mothers and infants
Universidade Federal de from 1982 and 1993 were studied from the time of delivery. In both years, all mothers identified in
Pelotas. C. P. 464, Pelotas, RS
the city’s maternity hospitals answered a standardized questionnaire, and their infants were exam-
96001-970, Brasil.
2 Department of Public ined. Over 99% of all children born in the city in each of the two years were included in the cohorts,
Health and Policy, London totalling 5,914 live births in 1982 and 5,249 in 1993. Deaths among these children were monitored
School of Hygiene and
prospectively, as were all hospital admissions in the 1993 cohort. In 1982, attempts were made to lo-
Tropical Medicine. Keppel
Street, London WC1E 7HT, cate a 25% sample of the children at the mean age of 12 months, as well as all of the cohort children
UK. at the mean age of 20 months; 82% of the former were located, and thanks to a change in strategy,
3 Escuela Andaluza de Salud
Publica, Campus
87% were traced at 20 months. In 1993, a search was made at 12 months of age for 20% of all chil-
Universitario de Cartuja. dren plus all low birthweight infants, and 95% were successfully traced. This paper presents the
Apartado de Correos 2070, main methodological aspects of both cohort studies, the principal results of which are presented in
Granada 18080, España.
4 Departamento Materno- the subsequent articles in this supplement.
Infantil, Universidade do Rio Key words Epidemiology; Cohort Studies; Maternal Health; Child Health
Grande. Rua Engenheiro
Alfredo Huch, 475. Rio
Grande, RS, 96201-460, Resumo Mudanças ocorridas na última década em termos econômicos e assistenciais podem
Brasil. haver afetado a saúde materno-infantil. Dois estudos foram realizados em Pelotas, Rio Grande
do Sul. As coortes de mães e recém-nascidos nos anos de 1982 e 1993 foram estudadas desde o
nascimento. As mães foram identificadas nos hospitais-maternidade e responderam a um ques-
tionário padronizado, sendo seus filhos examinados. Mais de 99% dos recém-nascidos foram in-
cluídos nas coortes, totalizando 5.914 nascidos vivos em 1982 e 5.249 em 1993. A mortalidade
das crianças foi monitorizada, e em 1993 as hospitalizações também o foram. Em 1982, tentou-
se localizar cerca de 25% das crianças aos 12 meses de idade e todas com a idade média de vinte
meses. Foi possível encontrar cerca de 82% das crianças aos 12 meses e, graças a uma mudança
de estratégia, 87% aos vinte meses. Em 1993, tentou-se acompanhar 20% das crianças e mais to-
dos os recém-nascidos de baixo peso aos 12 meses de idade, sendo 95% localizados. Este artigo
descreve os principais aspectos metodológicos de ambos os estudos, cujos principais resultados
estão incluídos nos próximos artigos desse suplemento.
Palavras-chave Epidemiologia; Estudos Longitudinais; Saúde Materna; Saúde da Criança

Cad. Saúde Públ., Rio de Janeiro, 12(Supl.1):7-14, 1996


8 VICTORA, C. G. et al.

Introdução no de unidades sanitárias, foram acompanha-


das de uma vasta crise no setor saúde, com o
O acompanhamento da evolução dos indica- sucateamento das instituições públicas e um
dores de saúde materno-infantil é essencial crescimento marcado na assistência privada
para avaliar o impacto de mudanças sociais e através dos convênios e seguros saúde.
econômicas, assim como de eventuais avanços Ao mesmo tempo, o estudo de tendências
ou retrocessos na disponibilidade e qualidade de mortalidade infantil com base no registro
dos serviços de saúde. A monitorização deve civil, assim como através de técnicas indiretas
incluir o estudo das tendências em indicadores baseadas nos censos demográficos, mostram
de saúde baseados em estatísticas de rotina. importantes declínios em nível nacional, em-
Tais estatísticas, no entanto, podem ser afeta- bora os patamares atuais ainda sejam insatis-
das por problemas (Laurenti et al., 1985), como fatórios. O Unicef estima que a mortalidade de
o sub-registro, a cobertura incompleta e a falta menores de cinco anos decresceu em 3% ao
de padronização na determinação das causas ano, no Brasil, entre 1980 e 1992 (Grant, 1995).
de óbitos e de hospitalizações. A questão do Para o Estado do Rio Grande do Sul, o coefi-
sub-registro, por exemplo, prejudica o estudo ciente de mortalidade infantil caiu de 33,2 por
das tendências de mortalidade perinatal devi- mil nascidos vivos em 1982 para 19,2 em 1993
do à freqüente omissão dos óbitos fetais. As es- (SSMA, 1995). Os estudos no nível agregado
tatísticas vitais são também apresentadas de impedem a constatação dos diferenciais entre
forma agregada, o que impede a verificação de os distintos grupos sociais, os quais, no entan-
diferenciais de saúde entre, por exemplo, crian- to, podem ser evidenciados valendo-se de pes-
ças de distintas categorias sócio-econômicas quisas como as descritas no presente artigo.
ou de peso ao nascer. Os dois estudos longitudinais aqui descri-
Assim, é essencial subsidiar os estudos de tos representam um conjunto único de dados
tendências baseados em estatísticas vitais com em nosso país. Tanto a coorte de 1982 quanto a
pesquisas de base populacional, especifica- de 1993 iniciaram com a identificação, nos hos-
mente delineadas para evidenciar diferenciais pitais-maternidade de Pelotas, de todas as
intrapopulacionais, e que apresentem cuidado crianças nascidas de mães residentes na área
metodológico na mensuração e análise dos urbana, totalizando 6.011 nascimentos (5.914
eventos em estudo. O presente artigo descreve nascidos vivos) em 1982 e 5.304 (5.249 nasci-
o delineamento, a metodologia e os principais dos vivos) em 1993. Ambos os estudos acom-
resultados de dois amplos estudos de coortes panharam prospectivamente amostras destas
de base populacional sobre saúde materno-in- crianças.
fantil realizados na cidade de Pelotas, RS, nos A experiência de 1982 mostrou que as mais
anos de 1982 (Victora et al., 1989; Barros et al., importantes alterações na saúde infantil ocor-
1990; Victora et al., 1996). riam durante o primeiro ano de vida, o que
No período entre 1982 e 1993, ocorreram no orientou o estudo de coorte de 1993 a concen-
país mudanças paradoxais, tanto em termos trar-se nesta faixa etária.
sócio-econômicos quanto assistenciais. Por Os principais objetivos do estudo compara-
um lado, programas de ajuste econômico fo- tivo da evolução da saúde materno-infantil fo-
ram incriminados como tendo importante im- ram:
pacto sobre a qualidade de vida da população, 1o) caracterizar as populações de mães que de-
principalmente de seu segmento mais vulnerá- ram à luz nos hospitais-maternidade da cidade
vel, o materno-infantil (Macedo, 1988). Entre nos anos de 1982 e 1993, em termos sócio-eco-
1980 e 1992, o crescimento anual do Produto nômicos, demográficos, ambientais e relativos
Interno Bruto per capita foi estimado em ape- à utilização de serviços de saúde;
nas 0,4% (Grant, 1995). Na cidade de Pelotas, 2 o) descrever diversos indicadores de morbi-
por exemplo, a economia foi marcadamente mortalidade, crescimento e desenvolvimento
afetada durante esta década, com o fechamen- em amostras populacionais de suas crianças;
to de diversas indústrias alimentícias que re- 3o) desagregar os indicadores de saúde e assis-
presentavam a principal atividade manufatu- tenciais de mães e crianças conforme grupos
reira no Município. sócio-econômicos, e os indicadores infantis
A década testemunhou também importan- conforme categorias de peso ao nascer;
tes mudanças na qualidade e no acesso aos 4 o) comparar os indicadores de 1993 com os
serviços de saúde por parte da população. Mu- obtidos em 1982 e interpretar as eventuais mo-
danças positivas, como a universalização do dificações de acordo com as mudanças econô-
atendimento previdenciário e o aumento tanto micas e assistenciais;
no número de profissionais de saúde quanto 5 o) subsidiar o planejamento local e nacional

Cad. Saúde Públ., Rio de Janeiro, 12(Supl.1):7-14, 1996


TENDÊNCIAS E DIFERENCIAIS NA SAÚDE MATERNO-INFANTIL 9

de ações de saúde materno-infantil e identifi- cos recém-formados, o qual incluía informa-


car grupos de risco para intervenções sanitá- ções sobre fatores sócio-econômicos e demo-
rias. gráficos, assim como dados sobre a gestação e
O presente artigo descreve o delineamento suas intercorrências. As crianças e suas mães
e a metodologia dos dois estudos de coorte, as- foram pesadas e medidas na maternidade. Em-
sim como os resultados iniciais referentes ao bora a equipe de pesquisa não estivesse pre-
número de crianças incluídas inicialmente no sente nas pesagens – que eram realizadas nas
estudo e as perdas de acompanhamento. Os 24 horas do dia – as balanças utilizadas foram
principais resultados das duas pesquisas en- calibradas regularmente. A renda familiar men-
contram-se resumidos nos demais artigos do sal foi calculada pela soma das rendas indivi-
presente suplemento. duais e expressa em cinco grupos: < 1,0 salário
mínimo (SM); 1,1 a 3,0 SM; 3,1 a 6,0 SM; 6,1 a
10,0 SM e >10,0 SM.
Delineamento e metodologia A mortalidade das crianças foi monitoriza-
da através de visitas regulares a todos os hospi-
Pelotas é uma cidade de porte médio localiza- tais, cemitérios, cartórios de Registro Civil e à
da no extremo sul do país. Sua população ur- Delegacia Regional de Saúde, onde os registros
bana aumentou de 214.164 em 1982 para de óbito eram centralizados.
274.285 em 1993 (dados não publicados, Pre- As crianças nascidas em 1982 foram acom-
feitura Municipal de Pelotas). As principais ati- panhadas em diversas ocasiões. O primeiro
vidades agrícolas na região são as plantações acompanhamento realizou-se no início de
de arroz, a fruticultura e a horticultura; há tam- 1983, incluindo as crianças nascidas de janeiro
bém a atividade pecuária. Na área urbana, o a abril de 1982, que então apresentavam entre
setor de serviços é o mais desenvolvido, com nove e 15 meses de idade (idade média de cerca
duas Universidades e diversos órgãos públicos. de 12 meses). Acompanhamentos subseqüen-
Pelotas é ainda um centro comercial servindo a tes foram realizados em 1984 (idade média de
todo o extremo sul do país. As atividades in- aproximadamente vinte meses) e 1986 (idade
dustriais incluem principalmente o beneficia- média de cerca de 42 meses). A maior parte dos
mento de alimentos (engenhos de arroz, frigo- resultados descritos no presente volume diz
ríficos, fábricas de conservas) e a construção respeito aos acompanhamentos de 1983 e
civil. Seu produto interno bruto per capita é de 1984. No primeiro, tentou-se localizar as 1.820
quase US$ 2.700 (Klering, 1992). Mais de 90% crianças nascidas nos quatro primeiros meses
dos domicílios dispõem de água tratada e qua- de 1982 por intermédio dos endereços forneci-
se metade de rede de esgotos (Unicef/IBGE, dos pelas mães na entrevista perinatal. No se-
1994). O serviço de saúde é oferecido de forma gundo, realizou-se um censo, visitando todos
gratuita através de 43 unidades básicas de saú- os 68.590 domicílios da zona urbana em busca
de, cinco ambulatórios especializados e cinco de todas as crianças da coorte que ainda resi-
hospitais, havendo um médico para cada 260 dissem em Pelotas. Os percentuais de perdas
habitantes. Apesar dessa infra-estrutura, na pe- de acompanhamento nos dois estudos estão
riferia da cidade existem bolsões onde se con- descritos na seção de resultados.
centra a população de baixa renda, cujos níveis Durante os estudos de acompanhamento,
de saúde, como será visto nos demais artigos aplicava-se à mãe ou à pessoa responsável pela
desse suplemento, deixa bastante a desejar. criança questionários padronizados incluindo
Nessa seção, discutem-se os principais as- perguntas sobre variáveis sócio-econômicas,
pectos metodológicos dos dois estudos de demográficas, ambientais e referentes a aspec-
coorte. Maiores detalhes das metodologias es- tos da dieta, da saúde, do uso de serviços mé-
tão disponíveis em outras publicações (Victora dicos (consultas preventivas, curativas e hospi-
et al., 1989; Victora et al., 1996) e nos artigos talizações) e do desenvolvimento da criança.
que se seguem. Os questionários eram aplicados por universi-
tários das áreas da saúde e serviço social. As
Coorte de 1982 crianças eram pesadas com balança CMS tipo
Salter, especialmente projetada para esse tipo
A primeira coorte incluiu todas as crianças de pesquisa domiciliar, e eram medidas deita-
nascidas entre 1o de janeiro e 31 de dezembro das com um infantômetro AHRTAG (Barros &
de 1982 nas quatro maternidades então exis- Victora, 1991). A metodologia de pesagem e
tentes em Pelotas. As mães foram entrevistadas mensuração era padronizada ( Jelliffe, 1966) e,
logo após o parto através de um questionário antes do início de cada fase do trabalho de
aplicado por estudantes de Medicina e médi- campo, os entrevistadores foram treinados du-

Cad. Saúde Públ., Rio de Janeiro, 12(Supl.1):7-14, 1996


10 VICTORA, C. G. et al.

rante diversas sessões realizadas em creches. de, em seus domicílios, mediante os endereços
Cerca de 5% das entrevistas e mensurações coletados durante a entrevista hospitalar. As vi-
eram repetidas por um supervisor para contro- sitas incluíam a aplicação de um questionário
le de qualidade. e o exame antropométrico das crianças, ambos
Durante o censo de todos os domicílios ur- com metodologia similar à da coorte de 1982.
banos realizado em 1984, tentou-se também No primeiro e terceiro meses, tentou-se acom-
identificar crianças nascidas em 1982 de parto panhar uma amostra de 655 crianças, selecio-
domiciliar. Apenas 46 dessas crianças foram nadas sistematicamente de acordo com o dia
encontradas, o que garante a representativida- de seu nascimento. Para o acompanhamento
de populacional da coorte hospitalar, por ha- do sexto e 12o meses, tentou-se localizar uma
ver incluído cerca de 99,2% de todos os nasci- amostra sistemática de 20% da coorte, incluin-
mentos do ano. do as crianças visitadas nos acompanhamen-
tos anteriores. Incluíram-se ainda todas as de-
Coorte de 1993 mais crianças nascidas com peso inferior a
2.500 g, pois esse grupo havia sido identificado
O delineamento do estudo de coorte de 1993 como de alto risco na coorte anterior. O sub-
foi mais complexo do que o anterior, havendo projeto iniciou em fevereiro de 1993 – quando
incluído cinco subprojetos: perinatal, de acom- a primeira criança completou um mês – e ter-
panhamento, de mortalidade infantil, de hos- minou ao final de dezembro de 1994 – quando
pitalizações e de desenvolvimento psicomo- a última completou um ano de vida. Os acom-
tor. panhamentos foram realizados por equipes de
O subprojeto perinatal foi muito similar ao entrevistadores das áreas de Nutrição, Enfer-
de 1982. As cinco maternidades da cidade fo- magem e Medicina, treinados em técnicas de
ram visitadas diariamente de 1o de janeiro a 31 entrevista e de antropometria. Amostras alea-
de dezembro de 1993, sendo as mães entrevis- tórias de 5% das entrevistas foram repetidas
tadas através de um questionário padronizado por supervisores.
com perguntas sobre variáveis sócio-econômi- O subprojeto de mortalidade incluiu os
cas, demográficas, reprodutivas, comporta- óbitos fetais tardios, neonatais e pós-neona-
mentais, assistenciais e sobre morbidade. Os tais. Todos os hospitais, cemitérios, cartórios
recém-nascidos foram pesados ao nascer com de Registro Civil e a Delegacia Regional de Saú-
balanças pediátricas de mesa com precisão de de foram visitados regularmente durante 1993
10 g, aferidas semanalmente com pesos-pa- e 1994 para detectar óbitos de crianças da
drão. Os recém-nascidos foram examinados coorte de 1993. A causa básica do óbito foi
pela equipe de pesquisa, sendo seu compri- identificada através de revisão de prontuários
mento medido na posição supina com material ambulatoriais e hospitalares e de entrevistas
padronizado (infantômetros ARTHAG (Barros com a família e os médicos que assistiram à
& Victora, 1991), e o perímetro cefálico, com fi- criança, quando se coletava uma história clíni-
ta métrica inelástica, ambos com precisão de 1 ca completa dos eventos que precederam o
mm. A idade gestacional foi avaliada no pri- óbito, baseada numa adaptação dos questioná-
meiro dia de vida por meio do método de Du- rios utilizados na Investigação Inter-America-
bowitz (Dubowitz et al., 1970). As mães foram na de Mortalidade na Infância (Puffer & Ser-
pesadas e medidas pela equipe de entrevista- rano, 1973). Dois árbitros independentes de-
dores que incluiu médicos residentes e estu- terminaram as causas do óbito, sendo que em
dantes de Medicina, previamente treinados nas caso de discordância estes se reuniam com um
técnicas de entrevista e mensuração. Cinco por terceiro árbitro para a decisão final. As causas
cento das entrevistas e avaliações da idade ges- eram codificadas conforme a 9a Versão da Clas-
tacional foram repetidas por dois pediatras, sificação Internacional de Doenças (OMS,
com a finalidade de verificar a qualidade e ve- 1980). Para melhor estudar a mortalidade entre
racidade dos dados. Durante todo o estudo, não os sete e 364 dias, delineou-se dentro do sub-
se encontrou nenhuma entrevista forjada, e o projeto de mortalidade um estudo de casos e
índice kappa (Fleiss, 1981) para o escore de Du- controles aninhado na coorte de nascimentos.
bowitz entre os entrevistadores e a revisita foi Para cada óbito, eram selecionadas duas crian-
0,71, o que garante a qualidade da informação. ças-controle nascidas no mesmo dia, imedia-
O subprojeto de acompanhamento foi con- tamente antes e após o nascimento do caso. No
centrado no primeiro ano de vida. Amostras domicílio, entrevistavam-se então as mães de
dos nascidos vivos urbanos foram seleciona- casos e controles a fim de avaliar fatores de ris-
das, sendo estas crianças acompanhadas ao co, tais como dieta, moradia, cuidados da
completarem um, três, seis e 12 meses de ida- criança e uso de serviços.

Cad. Saúde Públ., Rio de Janeiro, 12(Supl.1):7-14, 1996


TENDÊNCIAS E DIFERENCIAIS NA SAÚDE MATERNO-INFANTIL 11

O subprojeto de morbidade hospitalar in- Tabela 1


cluiu a monitorização de todas as admissões
hospitalares de crianças da coorte. De janeiro Número de crianças nascidas vivas nos hospitais de Pelotas conforme a renda
de 1993 até dezembro de 1994, os hospitais da familiar e o peso ao nascer, 1982 e 1993.
cidade foram visitados regularmente. A causa
da internação era determinada por dois pedia- Grupos Número de nascidos vivos
tras independentes, com base nas informações 1982 1993 Diferença (%)
do prontuário, da entrevista com as mães e, se (1993-1982)

necessário, da entrevista com o pediatra. Em


Renda familiar
caso de discordância, um terceiro árbitro dava (salários mínimos)
o parecer final após reunião conjunta com os ≤1 1.288 967 -321 (-24,9%)
dois outros pediatras. Os diagnósticos eram co- 1,1 – 3 2.789 2.148 -641 (-23,0%)
dificados conforme a Classificação Internacio- 3,1 – 6 1.091 1.203 112 (10,3%)
nal de Doenças (OMS, 1980). 6,1 – 10 382 433 51 (13,4%)
Para investigar os fatores de risco para as > 10 335 385 50 (14,9%)
internações por doenças infecciosas ocorridas
após o primeiro mês de vida, realizou-se um Peso ao nascer (g)
segundo estudo de casos e controles aninhado < 2.500 534 510 -24 (-4,5%)
na coorte. Através de visita domiciliar, as mães 2.500 – 2.999 1.393 1.311 -82 (-5,9%)
dos casos hospitalizados respondiam ao ques- 3.000 – 3.499 2.219 2.050 -169 (-7,6%)
tionário usado no estudo de acompanhamen- ≥ 3.500 1.763 1.361 -402 (-22,8%)
to. Para as crianças internadas com idades en-
tre trinta e 89 dias, usava-se o questionário do Total 5.914 (a) 5.249 (b) -665 (-11,2%)

acompanhamento de um mês de vida. Para as (a) Em 1982, não foi possível obter dados sobre a renda familiar para 29 crianças
crianças hospitalizadas com noventa a 179 e e sobre o peso ao nascer de cinco crianças.
(b) Em 1993, não foi possível obter dados sobre a renda familiar para 113 crianças
180 a 364 dias, aplicavam-se os questionários e sobre o peso ao nascer de 17 crianças.
dos acompanhamentos dos três e seis meses,
respectivamente. O grupo-controle incluiu to-
das as crianças do subprojeto de acompanha-
mento. Tabela 2
O subprojeto de desenvolvimento psico-
motor incluiu a aplicação do Teste de Denver II Número de crianças nascidas (incluindo natimortos) nos hospitais de Pelotas
(Frankjenburg & Dodds, 1992) durante os estu- conforme a renda familiar e o peso ao nascer, 1982 e 1993.
dos de acompanhamento de um, três, seis e 12
meses. Os entrevistadores foram treinados na Grupos Número de nascidos totais
administração do teste, utilizando material pa- 1982 1993 Diferença (%)
dronizado, e 5% das testagens foram repetidas (1982-1993)

para garantir a qualidade da informação.


Renda familiar
(salários mínimos)
≤1 1.321 984 -337 (-25,5%)
Resultados 1,1 – 3 2.837 2.166 -671 (-23,7%)
3,1 – 6 1.105 1.217 112 (10,1%)
A Tabela 1 mostra o número total de crianças 6,1 – 10 383 437 54 (14,1%)
incluídas no estudo em cada categoria de ren- > 10 336 386 50 (14,9%)
da familiar e de peso ao nascer, para as duas
pesquisas. A Tabela 2 mostra o número de nas- Peso ao nascer (g)
cidos vivos, para as mesmas categorias. Não fo- < 2.500 585 525 -60 (-10,3%)
ram registradas perdas ou recusas no estudo 2.500 – 2.999 1.407 1.312 -95 (-6,8%)
hospitalar de 1982, mas em 1993 foram conta- 3.000 – 3.499 2.233 2.057 -176 (-7,9%)
bilizadas sete perdas e nove recusas, ou seja, ≥ 3.500 1.779 1364 -415 (-23,3%)
0,3% do total.
O número absoluto de nascimentos caiu Total 6.011 (a) 5.304 (b) 707

durante a década, apesar do crescimento na (a) Em 1982, não foi possível obter dados sobre a renda familiar para 29 crianças
população urbana. O número de nascimentos e sobre o peso ao nascer de sete crianças.
(b) Em 1993, não foi possível obter dados sobre a renda familiar para 114 crianças
no grupo de renda mais baixa caiu, havendo e sobre o peso ao nascer de 46 crianças.
aumentado nos grupos de alta renda. Houve
redução no número de crianças em todos os
grupos de peso ao nascer.

Cad. Saúde Públ., Rio de Janeiro, 12(Supl.1):7-14, 1996


12 VICTORA, C. G. et al.

Tabela 3 fatores que facilitaram a realização das pesqui-


sas aqui descritas, encontram-se o alto percen-
Percentuais de crianças localizadas nos estudos de acompanhamento conforme a tual de nascimentos hospitalares (superior a
renda familiar e o peso ao nascer, 1982 e 1993. 99%), o tamanho médio da cidade estudada, a
ausência de grandes fluxos migratórios e a pre-
Grupos Percentuais de crianças localizadas valência relativamente baixa de pobreza extre-
em cada estudo de acompanhamento
ma, se comparada com o restante do país. O ta-
1982 1993 (a)
1o 2o manho da cidade propicia estudos de coorte
por ser, por um lado, suficientemente grande
Renda familiar (SM) para a ocorrência de um número razoável de
≤1 81,0 84,6 92,3 eventos (por exemplo, óbitos) e não ser, por
1,1 – 3 84,8 89,4 92,8 outro, uma metrópole com os conseqüentes
3,1 – 6 80,2 89,4 95,0 problemas de alta mobilidade populacional,
6,1 – 10 81,3 83,3 93,3 fluxo imigratório e dificuldades de desloca-
>10 82,8 83,0 95,5 mento e segurança das equipes de entrevista-
dores.
Peso ao nascer (g) Mesmo assim, diversas estratégias tiveram
< 2.500 85,2 89,0 92,2 que ser utilizadas para minimizar as perdas de
2.500 – 2.999 86,0 86,2 92,7 acompanhamento. No primeiro acompanha-
3.000 – 3.499 81,9 87,6 94,2 mento da coorte de 1982, a utilização dos en-
≥ 3.500 79,7 87,4 95,1 dereços obtidos nos hospitais levou a um índi-
ce de perdas de quase 18%, o que – embora ain-
Total 82,3 87,3 93,4
da razoável no contexto de um estudo brasilei-
(a) Estudo de acompanhamento dos 12 meses. ro de uma coorte populacional acompanhada
por um ano – colocava em risco os acompanha-
mentos subseqüentes, nos quais as perdas se-
riam provavelmente ainda maiores devido ao
A Tabela 3 mostra como variou o percentual decurso do tempo. Para o segundo acompa-
de crianças localizadas nos estudos de acom- nhamento dessa coorte, portanto, optou-se
panhamento conforme a renda familiar e o pe- por uma estratégia radicalmente diferente, que
so ao nascer. As perdas diminuíram marcada- consistiu em visitar todos os domicílios urba-
mente entre os dois estudos. Mesmo no pri- nos em busca das crianças de 1982, cujas infor-
meiro acompanhamento de 1982, quando as mações seriam posteriormente ligadas aos
perdas foram as mais altas, não houve grande questionários hospitalares. Isto resultou em se-
variabilidade entre o percentual de crianças lo- rem as perdas do segundo acompanhamento
calizadas em cada grupo de renda ou peso ao substancialmente inferiores às do primeiro.
nascer. Em 1993, optou-se por estudar uma suba-
mostra das crianças com maior freqüência de
visitas. Isto impediu o uso do método do censo
Discussão domiciliar utilizado com sucesso para acompa-
nhar a coorte anterior. A experiência do primei-
Estudos de coorte ainda são raros em nosso ro acompanhamento de 1982 levou a equipe de
país. Em relação aos demais delineamentos de pesquisa a ter um cuidado ainda maior na defi-
estudos epidemiológicos observacionais, os es- nição dos endereços domiciliares. Durante o
tudos de coorte apresentam algumas vanta- estudo perinatal de 1993, solicitavam-se às
gens. As exposições são medidas antes do iní- mães informações detalhadas referentes a seu
cio da doença ou problema em questão, evi- endereço e sobre como encontrá-lo (linha e pa-
tando a causalidade reversa, ou seja, o fato de a rada de ônibus, referências locais), sobre o lo-
ocorrência do desfecho modificar a exposição. cal de trabalho do pai e mãe, endereço de pa-
Os viéses de seleção e de memória, que geral- rentes próximos, telefones para contato e – caso
mente afetam estudos de casos e controles, são a família pretendesse mudar-se – endereço fu-
também menos freqüentes. As principais des- turo. Esses cuidados resultaram em um aumen-
vantagens dos estudos de coorte incluem seu to substancial no percentual de crianças locali-
alto custo e as dificuldades de acompanha- zadas, sendo alcançadas mais de 93% das crian-
mento. ças após um ano, um índice surpreendente-
Os presentes resultados, no entanto, mos- mente alto, mesmo para países desenvolvidos.
tram ser possível realizar estudos de coorte em Diz um adágio da epidemiologia que “a me-
nosso meio, dadas certas condições. Entre os lhor solução para as perdas é não tê-las”. Sen-

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TENDÊNCIAS E DIFERENCIAIS NA SAÚDE MATERNO-INFANTIL 13

do isto inviável, a alternativa é pelo menos ca- clínio evidencia a redução na fecundidade, fe-
racterizar os indivíduos perdidos, para verifi- nômeno observado em todo o país nas últimas
car se algum subgrupo populacional estaria décadas (Frias & Carvalho, 1994).
sendo deixado de fora, o que poderia distorcer O presente artigo demonstrou ser possível
os resultados. Os resultados acima ( Tabela 3) realizar em nosso meio estudos de coorte de
mostram haverem sido as perdas relativamen- base populacional. A existência de dois estu-
te similares nos diferentes grupos de renda fa- dos realizados com um intervalo de 11 anos na
miliar e de peso ao nascer, o que sugere ser vá- mesma cidade fornece uma oportunidade úni-
lido o estudo das associações entre estas variá- ca para o entendimento das mudanças ocorri-
veis e os desfechos. Embora as diferenças de das nos indicadores de saúde materno-infantil
acompanhamento para os grupos de renda fa- e em seus principais determinantes. Os artigos
miliar em 1982 tenham sido estatisticamente que se seguem nesse suplemento resumirão os
significativas, isto se deve mais ao grande ta- principais resultados desta comparação, em
manho da amostra do que à magnitude das ta- termos das características das mães e suas fa-
xas de acompanhamento, que variaram no má- mílias, do peso ao nascer, da mortalidade peri-
ximo em seis pontos percentuais. natal e infantil, das hospitalizações, do aleita-
É ainda digna de nota a queda de mais de mento e dieta, do crescimento, do desenvolvi-
10% no número de nascimentos, apesar do mento psicológico e da utilização de serviços
crescimento populacional da cidade. Esse de- de saúde.

Agradecimentos Referências

Em suas diversas fases, o estudo da coorte de 1982 foi BARROS, F. C. & VICTORA, C. G., 1991. Epidemiologia
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