#133 Agentic commerce: o comércio conversacional já começou. Será que o consumidor vai sair da jornada?

#133 Agentic commerce: o comércio conversacional já começou. Será que o consumidor vai sair da jornada?

AI

Google, OpenAI, Microsoft, Perplexity… todo mundo parece testar a mesma hipótese: que o próximo grande canal de vendas vai ser conversacional. A Perplexity já permite comprar com um clique direto no app. O ChatGPT embutiu checkout nas conversas. O modo AI da busca do Google já compara, escolhe, adiciona ao carrinho e finaliza a compra sem abrir uma aba sequer.

Por enquanto, essas experiências ainda são pontuais. Mas o shift em curso é mais amplo: a forma como se decide o que comprar está mudando. A navegação dá lugar à delegação. Os cliques desaparecem. Quem percorre os sites, cada vez mais, são os bots e não os usuários.

As marcas já perceberam e começaram a reescrever descrições, otimizar URLs, acelerar o carregamento das páginas. Não só para agradar pessoas, mas para não serem cortadas por agentes de AI. O SEO virou semântico e a descoberta virou interface.

O mais curioso? Tudo isso acontece fora do campo de visão do consumidor. A AI faz a triagem, monta uma shortlist, sugere um caminho e às vezes, compra. Até parece uma experiência personalizada mas a verdade é que o espaço de escolha acaba encolhendo.

É cedo pra dizer que esse é o novo e-commerce. Mas o embrião de uma nova superfície transacional já está aí. Uma onde pesquisa, comparação e compra deixam de ser etapas. E viram prompt.

Se agentes de AI estão se tornando a nova camada entre marcas e consumidores, não surpreende que as plataformas comecem a levantar muros. A Amazon atualizou silenciosamente seu arquivo robots.txt para bloquear bots de empresas como Google, Meta, Huawei, Mistral e Perplexity numa tentativa de impedir que agentes externos coletem dados do seu marketplace.

O gesto pode parecer técnico, mas o que está em jogo é estratégico. A Amazon não quer ser intermediada por ninguém. Seu catálogo é, possivelmente, o maior acervo de dados de e-commerce do mundo e também o alicerce de um negócio de anúncios que já fatura mais de 50 bilhões de dólares por ano. Se agentes de AI começam a oferecer produtos diretamente ao usuário, Amazon perde tráfego. E, com ele, receita publicitária, visibilidade de marca, controle da experiência e do relacionamento com o consumidor.

Shopify seguiu um caminho parecido, mas menos hostil. Adicionou restrições aos seus arquivos robots.txt e passou a exigir que bots cometam ao menos um ato simbólico de humanidade: incluir um passo de revisão humana antes da compra. O motivo é o mesmo, evitar que a jornada aconteça 100% fora de casa. Ainda assim, Shopify tem se mostrado mais flexível, com parcerias públicas com a Perplexity e testes de integração com o ChatGPT.

A a16z traz uma leitura mais precisa sobre onde a AI realmente ameaça o varejo: nem toda categoria de compra está igualmente exposta. Eles dividem o consumo em cinco tipos, de decisões por impulso até escolhas altamente consideradas, como uma casa ou um curso universitário. E mostram que a disrupção começa no meio, onde já existe intenção, mas ainda há fricção.

A AI começa a ocupar bem o “meio do caminho”: compras de rotina, lifestyle e funcionais... Onde há intenção clara, variedade de escolha e atrito suficiente para justificar um agente que pesquisa, compara, recomenda ou até compra por você. É também onde estão as queries mais rentáveis para o Google.

Para que agentes virem compradores reais, será preciso mais do que LLMs. Falta dado confiável, APIs, memória contextual e sistemas capazes de capturar preferência em tempo real. Ou seja, ainda falta estrutura.

Esse post do Alex Rampell funciona quase como uma nota de rodapé provocativa ao artigo da a16z.

Ele reforça um ponto simples: o AI commerce não vai começar com grandes disrupções, mas com algo que já existe, o alerta de preço. Muita gente que valoriza mais o dinheiro do que o tempo já usa ferramentas como camelcamelcamel para monitorar SKUs e comprar na hora certa. A única peça que falta é o “do it for me”.

O que hoje é notificação, amanhã vira delegação. A AI não precisa prever o futuro do varejo, só automatizar o que já está acontecendo.

A pesquisa mais robusta até aqui sobre agentes de AI no varejo mostra o que começa a escapar nos debates mais otimistas: esses sistemas tomam decisões enviesadas, inconsistentes e, muitas vezes, irracionais. O paper da Columbia e Yale testou modelos como GPT-4.1, Claude e Gemini num ambiente controlado e encontrou falhas básicas como escolher produtos mais caros ou pior avaliados, mesmo quando a alternativa superior era óbvia.

Mais do que bugs, os testes revelam um novo tipo de opacidade. Modelos diferentes escolhem coisas diferentes, reagem de formas distintas à mesma posição na tela e tratam badges como “patrocinado” ou “escolha do site” com pesos que mudam de forma arbitrária. Um produto pode dobrar sua chance de ser escolhido só por mudar de linha. Outro pode ser ignorado por causa de uma palavra no título.

O gráfico abaixo traduz bem esse deslocamento. Com todos os fatores constantes, só a posição no grid já altera de forma significativa a probabilidade de um produto ser escolhido. Claude favorece o centro da tela. GPT-4.1 se fixa no canto superior esquerdo. Gemini se inclina para o lado direito. A escolha parece racional mas também é geográfica.

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No limite, o paper sugere o que nenhum release corporativo diz. Delegar também é perder parte do critério. A promessa de conveniência vem acompanhada de uma nova camada de assimetria mais difícil de auditar, menos ligada ao mérito e invisível para o consumidor final.

Se a gente fizer um exercício de corte seco, o progresso em AI dos últimos 15 anos cabe numa linha: Deep nets → Transformers → RLHF → Reasoning. O resto é escala, tuning e engenharia de sistema.

O salto qualitativo, quando acontece, vem de um novo tipo de dado que a gente aprendeu a explorar e não de um breakthrough técnico inédito. Primeiro foi imagem (ImageNet), depois texto (a web), depois preferência (feedback humano), e agora validação (código que compila, contas que batem).

Se o próximo salto depende de dados, e não de ideias, o que ainda falta explorar?

AI x Mídia

Sem avisar, o YouTube começou a usar AI para “melhorar” vídeos. Suaviza a pele, ajusta tecidos, define contornos... às vezes distorce um rosto, afina um olho, dá um brilho que ninguém pediu. Os criadores não foram consultados, só perceberam depois.

A empresa chama de “machine learning tradicional”, diz que é só pra desembaçar e melhorar a nitidez, como num celular. O problema é que a AI entra no meio, entre quem grava e quem assiste, sem consentimento ou transparência. E o que se perde, nesse processo é a confiança, né?

Netflix publicou esta semana seu primeiro conjunto de regras públicas para o uso de gen AI em produções originais. A motivação veio depois da controvérsia envolvendo o documentário What Jennifer Did, que usou imagens geradas para simular arquivos reais, sem deixar claro o que era real e o que não era.

O curioso é o tom: o texto fala em “inovação responsável”, mas repete, com ênfase, que o público precisa confiar no que vê e ouve na tela. A frase aparece quase como um lembrete de que, mesmo com aviso e governança, o risco persiste.

Não se trata de opacidade, como no caso do YouTube. Mas a mediação algorítmica continua lá, agora travestida de procedimento. O que muda é que, neste caso, o filtro passa pelo jurídico antes de chegar ao espectador.

Outros

O index mindset nasceu nos mercados públicos, mas hoje já respinga em quase tudo. Começa com a lógica passiva dos fundos de índice (diversificação, preservação, apostas seguras) e vai se espalhando para o venture capital, o mercado de trabalho, as escolhas pessoais. É uma mentalidade que privilegia o possível ao invés do decidido. Evita errar mas também evita cravar.

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Esse gráfico mostra como essa lógica se manifesta em diferentes camadas da vida e dos negócios. De um lado, o comportamento indexado: mais distribuído, defensivo, incremental. Do outro, o concentrado: mais comprometido, seletivo e, na melhor das hipóteses, transformador.

No X…

O hype da AI já deu um gás nos hyperscalers. Agora começa a respingar em outras camadas do stack. A MongoDB, conhecida por seu banco de dados usado em apps modernos, viu o Atlas (sua versão cloud, gerenciada e escalável) voltar a acelerar depois de trimestres de desaceleração. O motivo? Startups de AI usando a ferramenta para lidar com busca vetorial em escala - peça técnica essencial pra quem trabalha com embeddings e recuperação semântica.

Só nos últimos dois trimestres, a empresa adicionou 10% da base total de clientes. O que parecia só infraestrutura virou motor de receita real.

Agora tem mais ETFs do que ações listadas nos EUA. A analogia do Sam Ro é certeira: virou um cardápio com mais receitas do que ingredientes.

O gráfico do Scale, do Geoffrey West, mostra que a curva de sobrevivência é impiedosa: o risco de sumir com o tempo é alto, do seed ao late stage. A maioria das empresas desaparece em menos de 10 anos.

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