A Antropologia
e Comunicação
para o
fortalecimento
de novos campos
[ ARTIGO ]
Luciene Oliveira Dias
Ralyanara Moreira Freire
[ RESUMO ABSTRACT RESUMEN ]
A partir das teorias antropológicas e comunicacionais, propomos diálogos e
distanciamentos entre Antropologia e Comunicação com o objetivo de fortalecer um
campo de conhecimento, em termos epistemológicos e metodológicos. As inquietações
surgem de nossas atuações como antropólogas e jornalistas em cursos de graduação e
mestrado em Comunicação Social/Jornalismo e os trabalhos são realizados no Núcleo de
Pesquisa em Comunicação e Diferença, da Universidade Federal de Goiás. Considerando
a chamada inter-poli-transdisciplinaridade, mas sem negligenciar a etnografia como
proposta teórica e metodológica, abordamos cultura na contemporaneidade como
elemento constitutivo do campo comunicacional, lido a partir da Antropologia.
Metodologias de investigação e interpretação da Comunicação e da cultura, na
perspectiva antropológica, também são exploradas neste trabalho com o objetivo de
ampliar campos e construir saberes.
Palavras-chaves: Antropologia. Comunicação. Entrecampos. Dialogicidade. Ensino..
With the anthropological and communicative theories we propose dialogues and
distances between anthropology and communication. We want to strengthen a
knowledge´s field in epistemological and methodological terms. These concerns start
with our role as anthropologists and journalists. The systematization happens in the
Research Group on Communication and Difference, in the Universidade Federal de
Goiás. Here we consider interdisciplinarity and ethnography to read the communication
culture from anthropology. We would like to extend knowledge´s field and present
new ways.
Keywords: Anthropology. Social communication. Interdisciplinarity. Dialogicity.
Education.
Salimos de las teorías antropológicas y de la comunicación para proponer
conversaciones y autorizaciones para fortalecer un nuevo campo de conocimiento,
tanto la epistemología como para la metodología. La investigación surgió de nuestro
trabajo, mientras que los antropólogos y periodistas. Todo comienza en el Centro de
Investigación para la Comunicación y la Diferencia, en la Universidade Federal de
Goiás. Buscamos en la interdisciplinariedad y en la etnografía abordar cultura como
un elemento constitutivo del campo de la comunicación. Queremos ampliar el campo
de conocimiento de la metodología de la investigación, la epistemología y la cultura.
Palabras clave: Antropología. Comunicación. Interdisciplinariedad. Dialogicidad.
Educación.
39 Antropologia e Comunicação
[EXTRAPRENSA]
INTRODUÇÃO
O Adotando como passo inicial para com o advento da televisão enquanto
esta proposta os recortes realizados em representação máxima da midiatização
pesquisas nos campos antropológico cede lugar para uma espécie de febre de
e comunicacional, sinaliza-se atividade e interatividade construída
significativa ampliação dos estudos da e mantida pelas novas tecnologias
cultura, entendida aqui como o saber/ da comunicação. Esse processo por
fazer cotidiano destes entrecortes e muitos chamado de global provoca
ainda como essencialmente semiótica transformações no imaginário do consumo
e passível de interpretação, como e agora a capacidade de se comunicar está
nos assegura Geertz (1989). São novos diretamente ligada ao bem-estar. Ficamos,
caminhares que desafiam os cânones então, reféns de uma busca desenfreada
teóricos e disciplinares que sustentam as pela capacidade de codificação,
Ciências Humanas e Sociais, sendo que decodificação e atribuição de valores em
nesta proposta ampla e aberta passam escala mundial/global e, muitas vezes,
a se mover também produções a partir abandonamos nossos referenciais locais,
de novas abordagens epistemológicas e paroquiais. A dificuldade de se propor
metodológicas. Registra-se, a partir de uma teoria crítica que não seja pega por
então, nos exercícios de reelaboração armadilhas hegemônicas (Santos, 2009)
dos campos de conhecimento, um chega até nossos empenhos reflexivos e de
processo de revisões e rearranjos pesquisa porque agora nos vemos diante
disciplinares, mas mantendo-se da necessidade, muitas vezes, de ter que
especialmente na Antropologia o apresentar nossas comunicações, inclusive
que Carvalho (2001) categoriza como as acadêmicas, de uma forma também global
“olhar etnográfico”. Considerando e única, para alcançar um sem-número de
que estas novas abordagens chegam pessoas diversas. Enfim, a pergunta a se
ao campo dos fazeres e saberes – fazer é como manter as especificidades, a
inclusive os acadêmicos e científicos localidade, a paroquialidade e, ao mesmo
– compreendemos que também a tempo, garantir a profundidade conceitual
Antropologia e a Comunicação não estão e o diálogo mundial.
fora do campo da cultura. A proposta
deste ensaio é encontrar pontes que Se para a Antropologia
sustentem novos caminhares entre contemporânea o olhar etnográfico resulta
Antropologia, a partir principalmente do processo de descentramento da cultura
das teorias e metodologias, e ocidental uma vez que a etnografia no
Comunicação, considerando-se a sentido clássico requer deslocamento
centralidade atual de seu objeto, no geográfico, cultural e ideológico,
sentido de construir campos fortes e exatamente a partir deste deslocamento
afirmados. da cultura hegemônica é que passamos
a ter a separação definitiva entre os
Na contemporaneidade, tem dois sujeitos constitutivos da disciplina
espaço considerável o que é chamado de antropológica. Não mais podemos fazer
sociedade da comunicação. Aqui, toda a simples oposição etnógrafo–civilizado
a imagem de passividade construída versus nativo–primitivo. Na mesma
40 Antropologia e Comunicação
[EXTRAPRENSA]
Se há pouquíssimo tempo a
comunicação midiática era facilmente
direção reflexiva, não é mais possível interpretada como possibilidade de (in)
falar-se sem constrangimentos diversos formação – dado ao próprio viés educativo
em observadores e observados. Mudam- que marcou a produção jornalística no
se os campos, mas ainda é fundamental início do século XX – a comunicação
questionar até que ponto a perspectiva social na atualidade e da perspectiva da
do descentramento na busca de um recepção pouco se vincula a transmissão
“outro” subalternizado e exótico de serviço. Quando acionada, esta
continua dominando nossos estudos, comunicação alimenta expectativas de
nossas pesquisas. O questionamento criar usos que agilizem e deem visibilidade
faz sentido quando percebemos o quão às tarefas individuais e às relações sociais.
corrente ainda é a necessidade de se Isso é facilmente percebido a partir da
estranhar o familiar e tornar familiar contratação de assessorias de comunicação
exótico para a realização da etnografia. para projetar individualidades, a exemplo
Este ensinamento clássico é passado de políticos, artistas e empresas. Parece
no processo de formação como técnica contraditório que no campo das análises,
eficaz de captura do objeto de pesquisa, estudos e pesquisas em comunicação a
chegando mesmo a marcar um ponto interatividade seja a palavra de ordem,
zero para o empenho etnográfico. mas este é tema para outro ensaio.
Em outra ponta da proposta Na contramão da centralidade das
deste ensaio, e seguindo as mesmas mídias no processo comunicacional, a
trilhas já iniciadas pela Antropologia, perspectiva que trazemos para o debate é
também o campo da Comunicação vem a da Comunicação enquanto dialogicidade
realizando mapeamentos que querem capaz de garantir “solidariedade,
marcar a disciplina como um campo horizontalidade e confiança entre
autorreflexivo. De acordo com Cláudia os seres humanos” (Dias, 2014: 339).
Lago (2003), estudar o Jornalismo, e Entendemos que técnica e tecnologia são
no sentido mais stricto a Comunicação, importantíssimas para uma abordagem
a partir de dentro pode conduzir um comunicacional e antropológica, mas
processo de conquista de credibilidade adotamos a compreensão de que o ato
teórica e conceitual para este campo. de tomar a palavra para transformar as
Acrescentamos, neste ponto, que esta relações é a base para bloquear o silêncio
construção autorreflexiva pode também enquanto condição de subalternidade.
desmistificar a adesão automática entre Fazemos coro com Spivak (2010) quando
comunicação e mídia, o que resulta em esta afirma a impossibilidade da fala
complexificação de ambas. Ao propor subalterna e ainda avança ao propor que
um mapeamento utilizando-se dos a busca cotidiana, uma vez rompido o
métodos e percursos da Antropologia, a silêncio, é pelo fim da subalternidade. Para
autora traz à luz da discussão encontros esta tomada da palavra “é preciso primeiro
importantes e sistematiza que enquanto que, os que assim se encontram negados
a Antropologia pode contribuir com no direito primordial de dizer a palavra,
métodos e teorias, a Comunicação tem reconquistem esse direito, proibindo que
um objeto que é sempre acionado pela este assalto desumanizante continue”
Antropologia nos estudos das sociedades (Freire, 2005: 91). Diante do exposto, é
complexas. Destacamos aqui que este pertinente afirmar que a dialogicidade e a
objeto é necessariamente a mídia, humanização são as guias que conduzem a
que se constitui em uma centralidade presente abordagem.
globalizante.
41 Antropologia e Comunicação
[EXTRAPRENSA]
2. Guias
não há construções conclusivas no sentido
de fortalecer e consolidar a própria área
de conhecimento. Reforçamos que nossa
busca é por caminhar pela autorreflexão
Seguindo, então, as guias da no sentido proposto por Morin (1986) de
dialogicidade e da humanização, pensar o fazer, mas também pensar o
e sustentadas pela perspectiva de próprio pensamento.
construção de uma nova pedagogia,
compreendemos que os campos da Muito embora a Antropologia
Comunicação e da Antropologia se apresente como um campo mais
devem estar constituídos enquanto consolidado nos estudos aprofundados
sinalizadores da circularidade do sobre a humanidade e na sistematização do
pensar-fazer comunicacional. Buscar conhecimento sobre sociedades e grupos
respostas para o que seja este pensar- humanos, a mesma encontra-se ainda
fazer comunicacional nos impulsiona enclausurada em seu campo disciplinar e, a
até o campo das epistemologias, priori, indisposta a aberturas colaborativas
extrapolando a aplicação do para o fortalecimento de entrecampos e/ou
conhecimento e caminhando no sentido entrelugares, esta observação fica latente
de pensar o próprio pensamento. Nesta nos editais que conduzem os processos
busca, faz-se necessário “compreender seletivos dos mestrados e doutorados. Vale
que regras, que princípios regem o ressaltar que tal clausura não é generalizada
pensamento que nos faz organizar o e especialmente na Antropologia praticada
real, isto é, selecionar/privilegiar certos no Brasil, já são perceptíveis aberturas
dados, eliminar/subalternizar outros” dialógicas, especialmente a partir dos
(Morin, 1986: 111), numa atitude de estudos sobre etnicidades e antropologia
humanização do próprio pensar-fazer. urbana. Isso equivale afirmar que, embora
Tal afirmativa nos assegura o lugar
do recorte e das escolhas conscientes,
mas jamais limitantes ou esgotadoras
das possibilidades no processo de “...nos estudos
produção do conhecimento em campos
disciplinares ou não. sobre os grupos
O anseio com este exercício humanos e a
é a trazer à superfície da discussão
os conhecimentos práticos/técnicos, diversidade cultural,
as teorias e as epistemologias com
o propósito de oxigenar os campos a multiplicidade
e ampliar os horizontes. Para tal,
partimos de indagações gerais sobre disciplinar foi o
o que sejam epistemologias e teorias;
sobre a relação entre Comunicação combustível para
enquanto Ciência Social Aplicada
e uma ciência da Comunicação e a consolidação
sobre o que vem a ser uma ciência da
Comunicação. Neste terreno instável, da própria
ainda que já orientado para os debates
do chamado campo comunicacional, Antropologia...”
42 Antropologia e Comunicação
[EXTRAPRENSA]
oferece para o campo da Comunicação
uma possibilidade de se pensar em cultura
midiática, cultura comunicacional e/ou
reconheçamos a força e a relevância cultura jornalística. Se concordarmos
dos relatos de viajantes, comerciantes e ainda com Laraia (2006), para quem
missionários sobre hábitos dos nativos delimitar o conceito de cultura é propor
das novas terras descobertas, ainda no o conhecimento da própria natureza
século XVIII, o desenvolvimento dos humana, a Comunicação chega ao campo
estudos antropológicos é hoje marcado da natureza e esta dicotomização não nos
por novas investidas. interessa aqui. Localizada e disciplinar,
a Comunicação que vislumbramos neste
Mantendo a coerência com ensaio é um campo que quer – essa hipótese
reações adversas ao que é novo, ainda está sendo construída aqui – se abrir sem
registramos alguns “estranhamentos” a abandonar suas especificidades.
estas novas produções em Antropologia.
Mas não podemos abandonar o fato de Também no campo da Comunicação,
que nos estudos sobre os grupos humanos embora de maneira não tão sistematizada,
e a diversidade cultural, a multiplicidade registramos uma multiplicidade disciplinar
disciplinar foi o combustível para a constitutiva. Contudo, é fundamental
consolidação da própria Antropologia, dizer que na Comunicação este registro é
quando esta ainda marcava bem suas muito mais recente e sua sistematização
dimensões biológica, social e cultural. Foi está sustentada nos estudos midiáticos e
a partir desta multiplicidade disciplinar das novas tecnologias da Comunicação
que passamos a conviver com divisões e da informação. Dessa forma, se hoje é
como Antropologia Física ou Biológica, corrente a busca pela chamada inter-poli-
que priorizava os aspectos genéticos transdisciplinaridade, o movimento mais
e biológicos; Antropologia Social, corrente na Comunicação parece ser o da
que se dedicava ao comportamento necessidade de afirmação e consolidação
humano em sociedade, bem como com do campo disciplinar. Este movimento
organização social e política, relações causa uma instabilidade enorme uma vez
sociais e instituições sociais; e ainda que na prática cotidiana das pesquisas
Antropologia Cultural, mais focada em Comunicação é quase impossível não
nas culturas no tempo e no espaço, lançar mão de teorias, epistemologias
envolvendo costumes, mitos, valores, e metodologias de outros campos.
crenças, rituais, religião, língua. Especialmente a Antropologia, muito em
função da formação cambiante de quem
Quando Laraia (2006) se empenha lida com estas pesquisas, tem contribuído
de forma tão intensa em sistematizar para novas construções.
um histórico do desenvolvimento do
conceito de cultura, traçando uma reta No Brasil, o campo da Comunicação
que parte dos iluministas e chega até é recente, sendo que somente na década
os autores modernos, e na sequência de 1970 – com a expansão da mídia
mostra com muita propriedade a impressa, do rádio, da televisão, das
influência da cultura no comportamento agências de publicidade e das relações
social, ele está na verdade comprovando públicas – surgem os primeiros cursos de
a centralidade da cultura para a graduação, totalmente focados no preparo
Antropologia. Ao lidar com a cultura de profissionais a serem ofertados para as
tanto como sistema adaptativo quanto grandes empresas de comunicação de massa.
como sistema cognitivo, estrutural Com o surgimento das escolas e a criação
e simbólico, o antropólogo brasileiro de um ambiente de elaborações sobre o
43 Antropologia e Comunicação
[EXTRAPRENSA]
fazer, é também a partir deste momento
que começam a vir à luz os primeiros
estudos de Comunicação no Brasil, em
uma dinâmica interdisciplinar, avesso como uma prática social. De acordo com
à definição de campo institucional, o seus ensinamentos, é muito comum,
que relativiza sua própria autonomia. especialmente na academia, a teoria ser
Assim é que suas incursões teóricas se instrumentalizada para que se consolidem
amparam, historicamente, em outras hierarquias, ou até mesmo linhagens,
áreas de saber, abrindo temas, unidades de pensamento que negligenciam as
teóricas e marcos reflexivos que trocas cotidianas. Ao propor nos ensinar
afunilem o debate quando falamos em a transgredir algumas fronteiras, e bell
epistemologias da Comunicação. hooks (2013) as delimita como raciais,
sexuais e de classe, ela estabelece “a
Uma proposta que trazemos educação como prática da liberdade” e sela
para se chegar a esta discussão dos definitivamente sua aproximação com a
conhecimentos práticos, das teorias e das pedagogia freireana, mas falando do lugar
epistemologias, considerando-se este das epistemologias.
caráter transitivo, é pautar a reflexão
a partir do que pode ser chamado de Nesta abordagem da diferença,
perspectiva da diferença. Nossa hipótese alinhamo-nos ainda com Carneiro da Cunha
é de que esta perspectiva mantém uma (2009) que nos ajuda a pensar a situação
ética de inclusão, lida com a ciência sem como uma forma de organização política,
ignorar a sensibilidade e a estética, além o que nos conduz à percepção de cultura
de pensar sempre de forma propositiva, como algo dinâmico, constantemente
elaborando novos conhecimentos sim, reelaborado, semiótico e público, uma vez
mas para a vida. O próprio Paulo Freire que seu significado é público, conforme nos
(2005) nos assegura acerca da existência ensina Geertz (1989). A diferença, étnica
das epistemologias emergidas e neste caso, torna-se uma importante
orientadas para a práxis, o que extrapola forma de manifestação política. Lançamos
a obtenção do poder pelo poder. Se a mão então da nossa capacidade de
Comunicação, e em seu sentido mais estabelecer princípios de igualdade e
stricto que é o diálogo, é a expressão diferença como estratégia política que nos
do que chamamos de representação, habilita a formular ideias mais complexas e
texto, linguagem, conhecimento enfim, organizá-las dentro de diferentes sistemas
é fundamental investir na compreensão classificatórios, inclusive na Antropologia
desta em tarefa orientada para uma vida e na Comunicação como campos que se
pela diferença. É dessa forma que fazer interceptam. Este é um dos sentidos em
a junção destes pontos do pensar-fazer que o pessoal se torna política e deve, por
comunicacional torna-se tarefa urgente isso, ser expresso, conhecido, falado.
e necessária.
Ainda para complexificar as
Ao propor um movimento discussões sobre a diferença enquanto
autorreflexivo sobre a Comunicação categoria de análise e perspectiva de
estendemos nossas mãos ao que defende vida, concordamos que “temos o direito
bell hooks (2013) quando argumenta de ser iguais sempre que a diferença nos
que as proposições teóricas somente inferioriza; temos o direito de ser diferentes
emergem de reflexões profundas sobre sempre que a igualdade nos descaracteriza”
vividos. Uma atitude transgressora uma (Santos, 1999: 44). Daí que a busca pela
vez que a teorização é aqui concebida diferença tende a ser pendular entre os
44 Antropologia e Comunicação
[EXTRAPRENSA]
“...Antropologia
e Comunicação
processos de estabilização e subversão,
ou seja, a afirmação das identidades se tocam, se
e da diferença é sempre necessária e
estratégica, mas deve partir do local de interceptam, mantém
fala da pessoa/grupo pronunciante. A
partir deste movimento acreditamos suas especificidades
ser possível fortalecer, e muitas
vezes tornar perceptíveis, agência e e caminham na
política dos processos invisibilizados,
inferiorizados ou descaracterizados mesma direção
ao longo da trajetória histórica. Tais
reflexões ajudam-nos a reorientar que caminham as
campos e novos saberes.
pessoas que fazem
Pensando diferença e
diversidade, “parece difícil que uma Antropologia e
perspectiva que se limita a proclamar a
existência da diversidade possa servir Comunicação”
de base para uma pedagogia que coloque
no seu centro a crítica política da
identidade e da diferença” (Silva, 2000: descritivo da vida e das organizações sociais
73). Então, a aposta na construção de de nossos outros” (Lago, 2003: 27). Para
uma pedagogia que celebre a identidade confirmar sua hipótese de intersecções
e a diferença pode localizar-nos pelo entre Antropologia e Comunicação, a
que somos e não pelo que não somos autora aponta duas direções possíveis,
e, consequentemente, caminhar para sendo a primeira o procedimento em que a
a construção de identidades afirmadas, Antropologia “captura” o objeto constituído
propositivas. O respeito às diferenças pela Comunicação quando vai estudar
é condição sem a qual é impossível as sociedades complexas, e uma segunda
construir dinâmicas diversas, o que direção marcada pelo momento em que
equivale a afirmar neste ensaio que a Comunicação “captura” os métodos
Antropologia e Comunicação se tradicionais da Antropologia para realizar
tocam, se interceptam, mantém suas suas pesquisas. Com movimento mútuo de
especificidades e caminham na mesma capturas e instrumentalizações iniciais,
direção que caminham as pessoas que estes campos disciplinares se tocam e esta
fazem Antropologia e Comunicação. aproximação torna possível a condução
Ambas se modificam e crescem juntas, afetada de ambos. Sair modificada de um
mas sem que sejam descaracterizadas contato é dar vida à dialogicidade e garantir
ou inferiorizadas. o processo de humanização.
Em sua análise sobre o que chama Há convergência de pensamento
de “dilemas antropológicos”, Cláudia quando afirmamos que a Comunicação,
Lago avalia que a Antropologia é mais mesmo configurando-se como um campo
“palpável” e que seu resultado é marcado em construção, já conquistou a centralidade
preferencialmente pela etnografia, que do seu objeto. Sendo assim, definimos aqui
é traduzida por ela como “um registro o objeto da Comunicação em sintonia com
45 Antropologia e Comunicação
[EXTRAPRENSA]
Lago (2003) quando esta afirma que
os processos sociais que envolvam a
Comunicação relacionada aos estudos todo cadente, musical, lógico, complexo e
de mídia e os processos culturais que múltiplo.
envolvam a produção e a recepção dos
estudos de mídia constituem o objeto da Exatamente neste campo amplo,
pesquisa em Comunicação. Um objeto aberto, difuso passam a se mover as
extremamente abrangente uma vez pesquisas que buscam manter o diálogo
que todos os processos sociais passam entre Comunicação e Antropologia.
necessariamente pela Comunicação, Mudam-se e ampliam-se os campos, mas
embora teçamos aqui a crítica de mantém-se o olhar etnográfico que, para
que ainda aderido a compreensões a Antropologia contemporânea defendida
instrumentalizadas e diretamente aqui, resulta do descentramento da
relacionadas a produto midiático e cultura ocidental. Se para a Antropologia
mídia. Garantir a centralidade deste chamada clássica, a etnografia requer
objeto é admitir caminhos diversos um deslocamento geográfico, cultural e
na forma de construção de saberes e ideológico, esta não parece ser a opção
considerar possibilidades de junções mais buscada na contemporaneidade. E
diante das sistematizações necessárias isso aproxima a Antropologia do objeto
para a construção dos campos destes centralizado da Comunicação. Dessa
saberes. forma, ampliam-se substancialmente os
estudos antropológicos sobre processos e
Esta multiplicidade toda nos produções midiáticas.
remete ao conceito de polifonia
que, em linguística, é exatamente a A partir do aprofundamento dos
presença de outros textos dentro de estudos antropológicos, chegamos até a
um texto que conduz à adesão a um Antropologia urbana e as pessoas que
contexto referenciado e vivido. Há uma fazem as pesquisas muitas vezes são parte
intertextualidade nas ações e pesquisas do grupo estudado. Contudo, a perspectiva
desenvolvidas disciplinarmente por do descentramento continua, uma vez que
Antropologia e Comunicação, sendo metodologicamente ainda é necessário
que esta intertextualidade deve ser estranhar o familiar e tornar familiar o
mantida quando as mesmas se tocam exótico para a etnografia. Carvalho (2001)
uma vez que aqui também se encontra o propõe um avanço quando, em diálogo
respeito à diferença. Considerando que com Clifford (2002), faz uma viagem pelas
elaboramos e reelaboramos os fazeres e metamorfoses por que passou a etnografia
os pensares disciplinares como forma de ao estudar etnomusicologia – que em uma
fortalecer a própria disciplina, quando leitura apressada está muito mais próximo
avançamos neste processo provocando das pesquisas em Comunicação – e
aproximações estratégicas com outros contribui para uma atualização teórica da
campos estamos contribuindo para a própria Antropologia. A etnografia passa a
consolidação de perspectivas ainda ser então possível a partir da “experiência”
disciplinares, mas agora o caminho se e, enquanto tal, somente pode ser vivida.
torna mais complexo, entrecortado e A experiência etnográfica não carrega o
em profundo diálogo com tudo o que risco de ser tachada de “Antropologia do
o cerca. A polifonia aqui faz sentido umbigo”, como já se ouviu no Brasil para se
porque atua para a constituição de um fazer críticas às etnografias de dentro.
46 Antropologia e Comunicação
[EXTRAPRENSA]
quem a tece, e trabalhamos a Comunicação
enquanto cultura comunicacional.
Ainda hoje nas escolas de
Já a Comunicação, lida neste Comunicação brasileiras aceitamos sem
ponto da discussão a partir dos veículos muitos questionamentos clichês como
institucionalizados de comunicação “aconteceu, virou notícia”, que pode muito
social ou mídias, tem tradicionalmente bem ser reformulado em algo do tipo “se
construído uma forma de organizar virou notícia é porque aconteceu”, limitando
não somente o que chamamos de o nosso universo de compreensão sobre a
acontecimentos, mas, sobretudo, os própria existência a partir do que acessamos
sentidos destes acontecimentos, o pelo jornalismo ou pela publicidade. Assim
que nos coloca em um lugar teórico é que consumidores de produtos midiáticos
de estranhamentos sistemáticos, tendem a considerar mais importantes
objetivamente distante dos vividos. os temas veiculados, ou seja, os meios de
Dessa forma, questionamos a obviedade comunicação agendam nossas conversas,
e transparência dos sentidos dos constroem nossas referências e intimidam
relatos midiáticos, uma vez que questionamentos contrários ao que está
compreendemos os sentidos como exposto. Embora reconheçamos o poder de
múltiplos porque “todos os sentidos grupos organizados e indivíduos também
são possíveis e, em certas condições de pautarem o que está veiculado na chamada
produção, há a dominação de um deles” grande mídia, faz-se necessário um
(Orlandi, 2001: 144). Assim, é possível trabalho de vigilância – especialmente por
afirmar que os sentidos não circulam parte dos profissionais da Comunicação –
livremente uma vez que estão sujeitos para que esta não se mantenha a serviço
às representações das relações de poder dos grupos hegemônicos na sociedade
– e são os poderes institucionalizados corrente. Conhecer a Comunicação que
que têm dominado os sentidos da produzimos pode nos aproximar de ação-
Comunicação social de nossos tempos reflexão rumo à cidadania.
– mesmo que, corriqueiramente,
os meios de comunicação busquem Para uma breve discussão sobre
fortalecer o imaginário de que são o cidadania, destacamos que, para Suárez
registro da realidade e resultado de e Bandeira (2001), esta é negada à pessoa
um trabalho objetivo de narração dos negra, a título de exemplo, quando signos
fatos. Relembramos aqui o caráter constitutivos da violência são veiculados
profundamente semiótico da cultura, midiaticamente pelos estereótipos.
essa teia de significados suspensa por Provocar a estigmatização da negritude,
pela vinculação jornalística da imagem
da pessoa negra ao sangue, à morte e à
“Conhecer a violência, faz da mídia agente de restrição
de cidadania. “A mídia jornalística vem
Comunicação que expressando as marcas de cor, de classe e
de gênero das vítimas da violência policial e
produzimos pode mediando a percepção da moral social e da
justiça predominante” (Suaréz y Bandera,
nos aproximar de 2001: 137). Fica evidente aqui é que o
racismo que direciona as ações do aparelho
ação-reflexão rumo policial do estado. De acordo com Guimarães
(1999), a cidadania é compreendida, de um
à cidadania.” lado, por direitos ignorados, expropriados
47 Antropologia e Comunicação
[EXTRAPRENSA]
e ainda limitados por uma ampla
vitimização; mas há também outro lado
em que a cidadania pode ser definida
pela plenitude da garantia dos direitos Comunicação na busca pela integridade
formais e da proteção do aparelho da vida. Aliás, também a educação deve
policial do estado. caminhar, de acordo com a perspectiva
freireana, no sentido de emancipar para
Desde o processo de formação a tomada da palavra. A relação ainda
de profissionais da Comunicação identificável atualmente e que percebe
nas escolas de ensino superior até, e aprendizes como tábulas rasas onde
consequentemente, a leitura cotidiana devem ser depositados os conhecimentos
que fazemos das mais diferentes não pode ser tratada como educação sob o
mídias que nos são disponibilizadas, é risco de deixar de transgredir um sistema
que embora o discurso midiático nos que nivela por baixo e cria uma cidadania
apareça sempre revestido por uma aura de segunda categoria ou até mesmo a
de objetividade, bem o sabemos que ausência completa de cidadania.
ele nunca é neutro. Este discurso está
sustentado por fortes disputas de poder, Exatamente a humanização é a
saber e dizer que constroem zonas de busca sugerida por Medina (2002) nas
domínio que enrijecem o status quo e, chamadas entrevistas de “compreensão”,
consequentemente, mantêm os locais que priorizam o “perfil humanizado” em
de falas e de privilégios. Basta um estudo suas construções. Em contraponto desta
rápido sobre as mídias que acessamos orientação para a humanização, existem
para constatar que a objetividade do as entrevistas de espetacularização, que
texto midiático é falsa, mesmo com as podem ser identificadas segundo o “perfil
investidas marcadas pelo uso da terceira pitoresco”, que propõe uma caricatura da
pessoa e outras estratégias e técnicas de pessoa entrevistada; o “perfil do inusitado”,
construção da narrativa. Reforçamos de onde se extrai sempre o exótico, o
que o uso da terceira pessoa ainda é excêntrico; o “perfil da condenação”, em
repassado aos aprendizes deste campo que a pessoa entrevistada é reduzida de
do conhecimento como técnica eficaz forma maniqueísta entre o bem e o mal; e
para se alcançar a objetividade. São usos ainda o “perfil da ironia intelectualizada”,
estratégicos de palavras que, desde que que condena a fonte a priori extraindo da
publicadas em jornais, revistas e outras mesma uma forma de condenação. Uma
mídias, constroem o imaginário de leitura rápida das mídias no Brasil, nos
credibilidade que ainda impera sobre os mostra que ainda estamos distantes do
veículos de comunicação. alcance do perfil humanizado, mas já há
sinalizações possíveis, majoritariamente
Foge-se, pelo modelo mantido fora dos meios de comunicação de massa.
pela comunicação de massa, da
dialogicidade e se esta é a essência da Comunicar pela diferença e não
educação como prática para a liberdade, pela massificação ou homogeneização
a não existência da dialogicidade na é o grande desafio uma vez que não
grande maioria dos processos midiáticos nos é possível afirmar o “ser” se não em
os distancia do processo comunicacional permanente diálogo com o “não ser”
integral, capaz de humanizar e educar que nos corresponde, num processo
para a vida, sem negar domínios constante de construção de alteridades. A
técnicos e tecnológicos. Daí a concreta manipulação hegemônica deste processo é
aproximação entre educação e o que conduz os veículos de comunicação
48 Antropologia e Comunicação
[EXTRAPRENSA]
“O desafio é
ressignificar esta
de massa, por exemplo, a exibirem com
muita frequência no Brasil pessoas
cultura midiática
negras como forma de retratar a
pobreza, a miséria, a delinquência,
em cultura
o analfabetismo, a ignorância, a
indigência humana. Com esta ação
comunicacional.”
“antidialógica” constrói-se um “não ser”
que em absolutamente nada contribui
para modificar o ser e reorientar ações
para o respeito à diferença. Se não há
modificação mútua e constante, não há
interação humana, não se constrói o também, seus elementos constitutivos”
processo comunicacional efetivamente. (Freire, 2005: 89). E não há dúvida de que
buscar os elementos que nos constituem
Este movimento de reorientação significa nos reaproximar de nós mesmos
marca o contexto de todas as pessoas sem ignorar nossos outros.
envolvidas no processo de interlocução,
resgatando a figura do que chamávamos, Se a relação é horizontal, de trocas,
até pouco tempo, de receptor. O que em solidariedade, as transformações
passamos a ter são sujeitos em interação positivas e afirmativas do mundo vêm na
e coparticipantes ativos dos/nos sequência, o mundo volta-se modificado.
processos comunicacionais. Com esta Nesta constante mudança, alteram-
perspectiva, e ocupando o lugar de fala se denominações e palavras em toda
nas atualizações e construções de novos a sociedade que alcança a chamada
saberes torna-se essencial sistematizar cibercultura ou vida digital, em uma onda
o pensar-fazer comunicacional e ainda de homogeneização pela sensação de
provocar reflexões sobre a pedagogia acesso à informação. Palavra por palavra,
desta ação. Na mesma proporção em que vamos nos incorporando ao processo de
os meios contribuem para a construção construção da cultura midiática. O desafio
de seres hegemônicos, podem ser é ressignificar esta cultura midiática
apreendidos como viabilizadores de em cultura comunicacional. Isso porque
construção da diferença enquanto mais que nomenclaturas e conceitos,
elemento constitutivo de identidades interessam-nos os processos e os contextos.
afirmadas. Os meios de comunicação Por esta cultura comunicacional, pessoas
social, se reorientados, também podem têm suas vidas afetadas por um conjunto
contribuir para o alcance de uma vida de tecnologias definidoras de sentidos, mas
mais digna e cidadã. Aí entra o caráter estas mesmas pessoas não precisam abrir
vinculado à educação enquanto prática mão de suas especificidades e diferenças
de liberdade pois, na medida em que na construção de novos sentidos. Temos,
é tratada como fenômeno humano, então, que compreender as significações
a dialogicidade se revela como o ato destas mudanças – de novo a semiótica
libertário de tomar a palavra. “Mas, ao conduzindo a reflexão – antes da ação
encontrarmos a palavra, na análise do concreta de construir o respeito à diferença
diálogo, como algo mais que um meio pela intersecção entre Antropologia e
para que ele se faça, se nos impõe buscar, Comunicação.
49 Antropologia e Comunicação
[EXTRAPRENSA]
Para que a dialogicidade se
estabeleça é necessário tomar a
palavra como um ato educativo e, CONDIDERAÇÕES FINAIS
consequentemente, um ato político
capaz de gerar o compromisso social
tão necessário para a transformação Se o pontapé inicial da ação dialógica de
e a libertação. Tal processo é possível fato tem início no universo temático
a partir da consciência crítica que, protagonizado por Freire (2005) e na busca
por sua vez, impede que o processo dos conteúdos pragmáticos que compõem
educativo seja neutro, pois se o for os fazeres humanos, cabe às pessoas
passa a ser pura repetição, distancia-se imbuídas no processo de aprendizagem
da ação reflexiva, do fazer-pensar e da questionamentos constantes acerca de
práxis. Dessa forma, não há educação qual seja este universo temático nos
neutra, da mesma forma que não processos comunicacionais. A partir de
há e nem pode haver Comunicação estudos implementados por Mattelart
neutra, antidialógica e não dialética. (1999), a defesa deste universo se
O pensar-fazer comunicacional, explicita pela reavaliação da abordagem
seja na prática mercadológica, nas excessivamente cronológica de uma
interações cotidianas ou no processo de história das teorias da Comunicação e
aprendizagem da própria Comunicação o investimento perceptível está focado
social, requer uma aprendizagem na circularidade das problemáticas de
conjunta, trocas e corresponsabilidades. pesquisa. Neste sentido, percebemos
Aqui vale reafirmar que a tomada da uma aproximação entre este universo e o
palavra pode conduzir à libertação. próprio universo do vivido, numa junção
Sendo esta premissa também válida buscada entre o pensar-fazer que pode,
para a Comunicação, que deve apostar definitivamente, conduzir à ação-reflexão.
na consciência crítica. Pensando especialmente nos campos da
Antropologia e da Comunicação, mais que
ação-reflexão nossa proposta aqui converge
para uma verdadeira transgressão, capaz
de reorientar o sentido massificador e
globalizante de ambos para chegarmos aos
campos do vivido e do contextualizado.
No caso específico dos processos
comunicacionais propomos um
deslocamento, conforme sugerido
por Martín-Barbero (1997), do foco de
atenção. O deslocamento proposto, em
termos técnicos, partiria dos estudos da
Comunicação, como se esta existisse para
além dos seres em interação, em direção
ao universo das mediações socioculturais.
Ousamos fazer a defesa de que a partida
deve estar localizada na noção de produtos
midiáticos, mídias e interação subordinada
à mediação das novas tecnologias e a
chegada se ampara na dialogicidade e na
humanização. Ao referendarmos a ideia
50 Antropologia e Comunicação
[EXTRAPRENSA]
de que “frequentemente é nas regiões Caminho positivo é também o apontado por
fronteiriças que as coisas acontecem” Canevacci (2004) que, fundamentando-
(Hannerz, 1997: 8), não há como ignorar se em James Clifford, chega à experiência
a força destas mediações para se pensar etnográfica como uma meta-observação,
epistemologias comunicacionais. Mas que invade todos os lados da pesquisa. Nesta
convém perguntarmos, o tempo todo, ausência de separação entre observadores
quais são as bordas destes limites, e observados, a proposta é fazer da pesquisa
destas fronteiras. Uma boa analogia etnográfica uma experiência etnográfica.
para pensar fronteiras, e que aproxima Estamos assim, ainda seguindo as pistas
Antropologia e Comunicação, é a que deixadas por Canevacci (2004), diante de
nos foi oferecida por Barth (1969), que um momento muito especial, de passagem,
propõe o debate sobre o pluralismo em que o modelo velho já está ultrapassado
cultural a partir da etnicidade. Para ele, e o modelo novo ainda não se delineou.
afirmar o pertencimento tanto pode O que não significa que não possamos
significar estar dentro como quer dizer ousar transgredir campos, entrecampos e
estar fora de um grupo étnico, sendo os fronteiras para construir uma educação
limites sempre nitidamente demarcados. libertadora.
Assim é que diante da afirmação do “ser”,
está implicitamente colocada uma série
de “não ser”, o que conduz à instituição [Luciene Oliveira Dias]
Professora Adjunta da Faculdade de Informação e
da diferença, inclusive quando falamos Comunicação, da Universidade Federal de Goiás.
de campos disciplinares e propomos Membro do Programa de Pós-Graduação em
diálogos. Comunicação da UFG. Doutora em Antropologia
pela Universidade de Brasília. Coordenadora de
Uma das contribuições para Ações Afirmativas da UFG e coordenadora de
Núcleo de Pesquisa em Jornalismo e Diferença da
os desafios de tais entrecampos UFG.
é a sinalização encontrada nos
apontamentos de Maria Immacolata [Ralyanara Moreira Freire ]
Vassalo Lopes (2000), quando esta Professora do curso de Jornalismo das Faculdades
diz que a Comunicação estabelece Alfa. Membro do Núcleo de Pesquisa em
Comunicação e Diferença da Universidade Federal
suas especificidades no momento de Goiás.
em que a regra é a fragmentação e a
interface das diversas perspectivas. A
pesquisadora diz que há aí um paradoxo
que marca a necessidade de se discutir
a interdisiciplinaridade como caminho
emancipatório. Nesta perspectiva
um novo campo se abre, agora sem
receio de que suas brechas signifiquem
abertura para a fragmentação. Não mais
contabilizaremos, neste novo campo,
parte por parte para se constituir
um todo, mas realizaremos todas as
interconexões e buscaremos alianças no
processo de leitura das diferenças.
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