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Inteligência Artificial

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#intern

Inteligência artificial e a ininteligência natural


Fernando Procópio Palazzo

A sociedade tem enfrentado temas complexos que requerem uma análise dialética e
aprofundada. Faz-se necessária a construção de um debate reflexivo, amplo e fraterno
visando o crescimento e a construção de um futuro melhor.
quarta-feira, 9 de junho de 2021

O século 20 foi um período marcado por grandes transformações sociais,


revoluções culturais, remodelações econômicas, reviravoltas políticas e,
sobretudo, pelo desenvolvimento tecnológico. Em meio às diversas rupturas
paradigmáticas que se sucederam, observou-se, especialmente após a
Segunda Guerra Mundial, um vigoroso aprofundamento nas ciências
computacionais e nos estudos da denominada "inteligência artificial".
Objeto de fascínio na literatura, destacando-se as obras Inteligência Artificial,
Eu, Robô e Homem Bicentenário  - todas, inclusive, retratadas pela indústria
cinematográfica -, a programação da execução de tarefas por mecanismos
autômatos aprimorou-se e, hoje, faz parte do cotidiano da sociedade.
Instituições financeiras, departamentos militares, centros de logística e até
mesmo empresas varejistas têm se valido da interação artificial. Um palpável
exemplo da inserção corriqueira dessa tecnologia é o  chatterbot, comumente
utilizado para conversar com clientes que buscam sanar dúvidas e problemas
envolvendo produtos e serviços.
É certo que o elemento nuclear da inteligência artificial é a sua prévia
programação no intuito de conseguir interpretar dados externos e utilizá-los
para fins específicos. Trata-se de comandos direcionados a determinadas
funções e a ela adstritos. Vale dizer, ainda que se busque um aprimoramento
e maior autonomia desses sistemas, a razão de ser da artificial intelligence
está condicionada à programação que lhe foi imposta.
Em contrapartida a esse cenário tecnológico, não é difícil perceber não ser o
espírito humano fruto de programações mecânicas e preordenadas. Nessa
linha, vale lembrar o pensamento do filósofo inglês John Locke, o qual
apresenta a ideia de que o entendimento é uma "tábula rasa" e toda pessoa,
desde a sua infância, vai sendo modelada a partir das experiências. O
processo de compreensão, deveras, é amplo, contínuo e objeto de
acentuados debates filosóficos e sociológicos.
A evolução da humanidade perpassa pela ininterrupta tarefa de aprender. O
ser humano tem um espírito livre e a oportunidade de se desenvolver. A
amplitude heurística dos conceitos permite descobertas e conhecimento que
propiciem o bem de todos e um avanço social. No entanto, ao mesmo tempo
em que se vislumbra essa latitude cognitiva, em tempos de disseminação
de fake news tem se observado em determinados segmentos um regressivo
processo de desinformação e limitação epistemológica. Diferentemente de
#intern
a

outros tempos, o conhecimento oriundo de pesquisas, livros e debates tem


sido suplantando em detrimento do disparo de mensagens automatizadas
desprovidas de conteúdo revestido de base empírica minimamente razoável.
Uma pletora de informações viciosas tem sido disseminada e, em vez de
gerar um ponto crítico de resistência, tem encontrado terreno fértil para
aceitação e irreflexão. Ao contrário da programada inteligência artificial,
depara-se, pois, com uma "ininteligência natural", isto é, um estado livre de
rejeição ao conhecimento e a qualquer filtragem teórica do conhecimento.
Essa ininteligência natural pode ser entendida como um estado de
acomodada resignação, no qual o indivíduo, paradoxalmente, resiste ao
conhecimento, baseando-se em juízos meramente sensoriais, precipitados e
sem qualquer análise investigativa e demonstração empírica. O problema está
na aceitação dessa condição, em não verificar os fatos, confrontá-los. O
próprio indivíduo assujeita de forma simplista o conhecimento às suas
percepções. Em vez de um cauteloso estudo dos fatos, emergem argumentos
ad hoc e resilientes às paixões do momento.
René Descartes, considerado o pai da filosofia moderna, assentou a
proposição cogito, ergo sum ("penso, logo existo"). Em sua obra Discurso do
Método, explicita uma vigorosa preocupação em buscar a verdade e rejeitar
opiniões que não tivessem fundamentos sólidos. Em Meditações Metafísicas,
coloca sob escrutínio todo o conhecimento, partindo, pois, da ideia de que um
"gênio maligno" poderia ter subvertido o mais comezinho conhecimento no
intuito de tudo averiguar. Em ambos os trabalhos, contudo, chama a atenção
a humildade intelectual e a abertura ao debate. Colocando-se sempre como
um estudioso e aprendiz, abre oportunidade para críticas e contrapontos.
Inúmeros exemplos poderiam ser elencados na história como pessoas que
buscaram se aprofundar nas densas águas do conhecimento. A sociedade é
marcada por conflitos de natureza complexa, plurifatorial e policêntrica.
Temas relacionados à ciência, economia e política não podem estar presos a
um indivíduo solipsista que define o mundo de forma limitada aos seus juízos
sensoriais. É preciso, pois, sair desse estado hobbesiano que apenas incita
uma "guerra de todos contra todos" e restringe conceitos a posições binárias
e sem qualquer rigor conceitual.
A deficiência epistemológica aliada a um orgulho pseudointelectual resultam
na formação de juízos de valores e asserções estéreis. A abertura ao debate
é inerente ao progresso humanitário. Urge, pois, interromper o juízo formado
com base no "encaminhamento" de mensagens e vídeos. A programação
intelectual requer uma refutação socrática, no contexto de conhecer a si
mesmo e descontruir analiticamente definições em ordem a se alcançar a
melhor compreensão. Não se trata de uma tarefa hermética, mas sim de um
saber progressivo e produtivo.
No discernimento entre o verdadeiro e o falso faz-se necessária uma abertura
ao debate sem agressividade. O entendimento sobre questões relativas à
#intern
a

ciência e à sociedade demanda uma reverência e humildade argumentativa.


Igualmente, no campo político, importa superar limitações focadas em pontos
cardeais ideológicos, posicionando-se em torno de ideias que permitam à
sociedade avançar e debater consigo mesma. E, ressalte-se, debater não é
um duelo, mas uma construção de uma dialética contínua de teses e
antíteses, na melhor acepção hegeliana. Onde o orgulho prepondera,
desfalece a razão. Sócrates, com toda a sua sabedoria, afirmava que nada
sabia. A consciência da limitação do indivíduo é um passo redentor na busca
pelo conhecimento. O crescimento pessoal é o objetivo de todos e requer
humildade, autocrítica, fraternidade e perseverança.
Nos últimos anos o desenvolvimento da inteligência artificial tem crescido em
escalas exponenciais. Todavia, os computadores são limitados em regras e
lógica, de modo que carecem da criatividade e inovação que um ser humano
pode proporcionar. O potencial humano destoa de qualquer software ou robô.
Os elementos sensíveis que justamente individualizam a natureza humana
devem convergir para a formação de uma comunidade socialmente e
solidariamente inteligente. É tempo de rompermos com a involução cognitiva
e ousar aprofundar no crescimento existencial para prosseguirmos na
construção de uma sociedade pacífica e pautada na busca pelo conhecimento
e bem-estar coletivo.
Atualizado em: 9/6/2021 12:24

Fernando Procópio Palazzo


Assessor jurídico no Tribunal de Justiça do Estado do Paraná. Especialista em Direito
Penal e Criminologia pelo Instituto de Criminologia e Política Criminal (ICPC).

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