0% acharam este documento útil (0 voto)
124 visualizações26 páginas

Primeira Cruzada: Testemunhos Históricos

O documento descreve o primeiro apelo do Papa Urbano II à Cruzada em 1095 no Concílio de Clermont. Ele pede ajuda para os cristãos do Oriente que estão sendo atacados pelos turcos seljúcidas e oferece a remissão dos pecados para quem participar da Cruzada ou morrer durante ela. A Cruzada é vista como uma causa justa contra os infiéis que ameaçam os territórios cristãos.
Direitos autorais
© © All Rights Reserved
Levamos muito a sério os direitos de conteúdo. Se você suspeita que este conteúdo é seu, reivindique-o aqui.
Formatos disponíveis
Baixe no formato PDF, TXT ou leia on-line no Scribd
0% acharam este documento útil (0 voto)
124 visualizações26 páginas

Primeira Cruzada: Testemunhos Históricos

O documento descreve o primeiro apelo do Papa Urbano II à Cruzada em 1095 no Concílio de Clermont. Ele pede ajuda para os cristãos do Oriente que estão sendo atacados pelos turcos seljúcidas e oferece a remissão dos pecados para quem participar da Cruzada ou morrer durante ela. A Cruzada é vista como uma causa justa contra os infiéis que ameaçam os territórios cristãos.
Direitos autorais
© © All Rights Reserved
Levamos muito a sério os direitos de conteúdo. Se você suspeita que este conteúdo é seu, reivindique-o aqui.
Formatos disponíveis
Baixe no formato PDF, TXT ou leia on-line no Scribd
Você está na página 1/ 26

TESTEMUNHOS

E DOCUMENTOS
130 T E S T E M U N H O S E D O C U M E N T O S
TESTEMUNHOS E DOCUMENTOS 131

A primeira Cruzada ocasiões fazendo-lhes guerra. M u i t o s agora, por u m a c a u s a justa, c o n t r a


l o m b a r a m sob seus golpes; m u i t o s os bárbaros, aqueles que se b a t i a m
Acontecimento fundador, a primeira Cruzada loram reduzidos à escravidão. Estes contra seus irmãos e seus pais!
lurcos d e s t r o e m as igrejas, s a q u e i a m o São as recompensas eternas que
é conhecida por numerosos textos ocidentais, n i n o de D e u s . ganharão aqueles que se ofereciam
Se vos demoráveis ainda m a i s c o m o mercenários por alguns tostões
bizantinos e orientais. Todos mostram o inacreditável a l g u m t e m p o s e m n a d a fazer, o s f i é i s miseráveis. Trabalharão por u m a
sucesso de um movimento que ninguém no Oriente de D e u s s e r ã o a i n d a m a i s a m p l a m e n t e dupla honra aqueles que se c a n s a v a m
vítimas dessa invasão. D e m o d o e m d e t r i m e n t o de s e u c o r p o e d e s u a
compreendeu e que apanhou todos de surpresa. q Lie v o s e x o r t o e v o s s u p l i c o — e n ã o a l m a . Aqui e r a m tristes e pobres;
sou eu q u e m vos e x o r t a a isso, é o lá serão felizes e ricos. A q u i e r a m
Primeiro apelo à Cruzada de Urbano i r m ã o s q u e m o r a m n o s p a í s e s do Nosso Senhor, Ele próprio q u e m vos i n i m i g o s do S e n h o r ; l á s e r ã o s e u s
II, em 1095: o concílio de Clermont Oriente e que já c o m muita freqüência exorta — , vós, os a r a u t o s de C r i s t o , amigos.
t ê m reclamado vosso auxílio. .i c o n v e n c e r t o d o s , de q u a l q u e r F o u c h e r de C h a r t r e s , Historia
D e fato, c o m o a m a i o r i a d e n t r e v ó s classe da sociedade a q u e pertença, Hierosolymitana, i n Recueil des
Tal como o relata Foucher de Chartres,
já t e m c o n h e c i m e n t o / u m povo vindo cavaleiros o u pedestres, ricos ou historíens des croisades, historiens
o discurso pronunciado pelo papa
da P é r s i a — o s t u r c o s — i n v a d i u o p a í s pobres, por m e i o de v o s s a s f r e q ü e n t e s occidentaux, v o l u m e III.
Urbano 11 no concílio de Clermont,
d e l e s . A v a n ç o u a t é o M e d i t e r r â n e o e, pregações, a p a r t i r e m a t e m p o e m
em 27 de novembro de 1095, dirigia-
mais precisamente, ao que c h a m a m o s s o c o r r o d o s c r i s t ã o s e de r e c h a ç a r e m
se a uma assembléia de bispos e de A primeira Cruzada vista pelos
de B r a ç o d e S ã o J o r g e . N a s t e r r a s e s s e p o v o n e f a s t o p a r a l o n g e de n o s s o s
abades. bizantinos
da R o m â n i a , e l e s a u m e n t a m s e u s t e r r i t ó r i o s . E digo a o s q u e a q u i e s t ã o
territórios c o n t i n u a m e n t e , e m e c o m u n i c o aos que estão ausentes:
E i m p o r t a n t e q u e , s e m tardar, o s Cristo o ordena. Ana Comneno foi autora da A l e i x í a d e ,
d e t r i m e n t o das terras de cristãos,
s e n h o r e s p a r t a m e m socorro de v o s s o s A todos os que partirem nessa história da vida de seu pai, Aleixo I.
depois de t e r e m - n o s v e n c i d o e m sete
jornada e que m o r r e r e m n o c a m i n h o , Ela relata sob a forma de testemunho
quer seja e m terra o u no mar, ou que ocular a passagem dos francos por
v e n h a m a perder á v i d a c o m b a t e n d o Constantinopla.
os pagãos, será concedida a r e m i s s ã o
de seus pecados. E o c o n c e d o a o s q u e Era o Ocidente inteiro, tudo o que
participarem nessa viagem, e m virtude existe de n a ç õ e s bárbaras vivendo n a s
da autoridade que m e v e m de D e u s . regiões situadas entre a o u t r a m a r g e m
Q u e vergonha seria, se u m povo tão do Adriático e as C o l u n a s de H é r c u l e s ,
desprezado, tão degradado, escravo era tudo isso e emigrava e m massa,
dos d e m ô n i o s , levasse a m e l h o r sobre c a m i n h a v a m famílias inteiras e
a n a ç ã o que se dedica a o c u l t o de m a r c h a v a m sobre a Ásia, atravessando
D e u s e q u e s e h o n r a d e t e r o n o m e de a E u r o p a de u m a p o n t a à outra.
cristã! Q u e censuras o N o s s o Senhor, Ora, eis aqui e m suas l i n h a s gerais
Ele próprio, n ã o vos dirigiria se n ã o a c a u s a de t a m a n h o m o v i m e n t o de
encontrásseis h o m e n s dignos, que populações. U m celta, c h a m a d o Pedro
s e j a m d i g n o s , c o m o v ó s , de t e r o n o m e e de s o b r e n o m e Pedro do Coador,
de c r i s t ã o s ! tinha partido para venerar o Santo
Portanto, que partam para o c o m b a t e S e p u l c r o : d e p o i s de t e r s o f r i d o m u i t o s
contra os infiéis — u m c o m b a t e que m a u s - t r a t o s por parte dos turcos e
vale a pena empreender e que merece sarracenos que faziam estragos na
findar e m vitória — todos aqueles Á s i a inteira, só c o n s e g u i u retornar
que até aqui se entregavam a guerras c o m grande dificuldade a sua terra
privadas e abusivas, para grande natal. C o m o não podia suportar a
prejuízo dos fiéis! idéia de ter deixado de c u m p r i r seu
Q u e sejam doravante cavaleiros objetivo, decidiu refazer a m e s m a
de Cristo aqueles que nada m a i s viagem. M a s ele c o m p r e e n d e u que
e r a m que salteadores! Q u e lutem n ã o deveria refazer s o z i n h o o c a m i n h o
132 T E S T E M U N H O S E D O C U M E N T O S TESTEMUNHOS E DOCUMENTOS 133

para o Santo Sepulcro, por t e m o r que os s e n h o r e s c o m suas palavras m e


lhe acontecesse ainda pior infortúnio, v ê m c o m cada idéia! Q u e estão m e
e concebeu u m plano. Era pregar e m dizendo? Se eles vierem para m e u s
todos os países latinos: " U m a voz d o m í n i o s , terei de arcar c o m e n o r m e s
divina m e ordena proclamar, diante despesas, para equipar os navios que
d e t o d o s o s c o n d e s de F r a n ç a , q u e e l e s
irão transportá-los para a África, para
d e v e m t o d o s a b a n d o n a r s e u s l a r e s e ir
l h e s dar reforços c o m m e u s e x é r c i t o s
venerar o Santo Sepulcro, e empregar
t a m b é m , e se eles c o n q u i s t a r e m a
todas as suas forças, b e m c o m o todo o
região, ela s e r á deles, o a b a s t e c i m e n t o
s e u ardor, p a r a l i b e r t a r J e r u s a l é m d a s
de víveres e m u n i ç ã o produzido pela
m ã o s dos agarenos." Ele efetivamente
conseguiu. C o m o se tivesse feito c o m S i c í l i a irá p a r a e l e s e e u d e i x a r e i d e
que u m a voz divina fosse ouvida n o receber a renda da v e n d a a n u a l das
c o r a ç ã o de todos, c o n s e g u i u r e a l m e n t e colheitas; e se n ã o c o n q u i s t a r e m ,
r e u n i r , v i n d o s de t o d a p a r t e , o s c e l t a s voltarão para m e u s Estados e sofrerei
que c h e g a v a m u n s após os outros g r a n d e s p r e j u í z o s . T a m i m (o p r í n c i p e
c o m suas a r m a s , cavalos e o resto do m u ç u l m a n o da Tunísia) dirá que violei
e q u i p a m e n t o militar. Esses h o m e n s o tratado e que o enganei, e isso será
t i n h a m t a n t o ardor e elã que todos o fim das boas relações e dos bons
os c a m i n h o s foram cobertos; esses acordos comerciais que existem entre
soldados celtas v i n h a m a c o m p a n h a d o s n ó s desde que c o n s e g u i m o s ter forças
de u m a m u l t i d ã o de g e n t e s e m a r m a s , para conquistar a Sicília." E Rogério
m a i s n u m e r o s a q u e o s g r ã o s de a r e i a m a n d o u c h a m a r o embaixador de
e que as estrelas, trazendo p a l m a s e
Balduíno e disse-lhe: " S e tendes a
cruzes sobre as costas: mulheres
i n t e n ç ã o de f a z e r a g u e r r a s a n t a
e crianças que abandonavam suas
contra os muçulmanos, é melhor
terras.
c o n q u i s t a r Jerusalém,- a s s i m a
Ana Comneno libertareis de s u a s m ã o s e c o m isso
Alexíade, X v o s cobrireis de glória. N o que diz
respeito à África, existe entre m i m
e seus habitantes a palavra dada e
As origens da primeira Cruzada
segundo o historiador muçulmano tratados a honrar." E n t ã o eles fizeram
Ibn al-Athir (século XIII) seus preparativos e se p u s e r a m e m
m a r c h a para a Síria.
S e u rei B a l d u í n o h a v i a r e u n i d o
D i z e m t a m b é m que os senhores
u m g r a n d e exército f r a n c o . Ele era
a l m ó a d a s do E g i t o , q u a n d o v i r a m O s quatro chefes da p r i m e i r a C r u z a d a : Godofredo de B o u i l l o n , R a i m u n d o de T o u l o u s e ,
p a r e n t e de Rogério, o F r a n c o , que
crescer o poder dos seljúcidas e B o e m u n d o de T a r e n t o e Tancredo de H a u t e v i l l e .
havia conquistado a Sicília, e m a n d o u
avisá-lo que, tendo reunido u m grande a s s i s t i r a m à c o n q u i s t a da S í r i a a t é
G a z a por estes ú l t i m o s , a i n d a q u e O único relato conservado de uma abandonarei n e m vos deixarei." O
exército, iria até s e u país, para de
não restasse entre o Egito e eles testemunha ocular nativa da tomada braço todo-poderoso de D e u s tornou-se
lá f a z e r a t r a v e s s i a p a r a a A f r i c a
n e n h u m outro Estado para protegê-los de Antioquia pelos cruzados s e u g u i a . E l e s t r o u x e r a m o s i n a l da
(Tunísia), conquistá-la e assim
tornar-se seu vizinho. Rogério e que Atsiz tivesse invadido o Egito, C r u z d e C r i s t o e, t e n d o - a l e v a n t a d o
convocou seus companheiros e f i c a r a m t e m e r o s o s e f o r a m pedir aos Relato do monge armênio Jean n o mar, m a s s a c r a r a m u m a m u l t i d ã o
pediu-lhes que o aconselhassem sobre f r a n c o s que i n v a d i s s e m a Síria, de Hovannes ao fina! de um manuscrito de infiéis e p u s e r a m os o u t r o s e m
a questão. "Pelo Evangelho", estes m o d o que t o m a s s e m posse dela e se copiado por ele no monasterio de fuga e m terra. T o m a r a m a cidade de
disseram-lhe, "veja c o m o é excelente i n t e r p u s e s s e m e n t r e os m u ç u l m a n o s e Saint-Barlaam, na cidade alta Nicéia, que h a v i a m sitiado durante
para nós e para eles: a m a n h ã a África esses inimigos. de Antioquia, durante as operações cinco m e s e s . Depois vieram para
será terra cristã". E n t ã o Rogério, o militares de 1098. n o s s o país, nas regiões da Cilicia e da
O s francos se p u s e r a m a c a m i n h o .
Franco, levantou o pé, deu u m grande
I b n a l - A t h i r , Kamil, X, ano 4 9 7 Síria, e investiram, e s p a l h a n d o - s e ao
peido e disse: "Palavra de h o n r a ,
Este a n o o Senhor visitou seu povo, r e d o r d e l a a m e t r ó p o l e de A n t i o q u i a .
Éditions Tornberg
c o m o estava escrito: " E u n ã o vos D u r a n t e nove meses infligiram a
134 T E S T E M U N H O S E D O C U M E N T O S TESTEMUNHOS E DOCUMENTOS 135

i n s o l e n t e s e, a e x e m p l o d o f a r a ó , Tomada e massacre de Maarat escondidos no ventre; outros cortavam


l a n ç a r a m - l h e s na cara a seguinte frase: An Noman s u a s c a r n e s e m pedaços e as
" E u os matarei c o m m i n h a espada, c o z i n h a v a m para comê-las.
0-, m i n h a m ã o os d o m i n a r á . "
Sobre os acontecimentos de Maarat História anônima
D u r a n t e 1 5 dias, reduzidos à m a i o r An Noman, os depoimentos de
das angústias, e s t a v a m massacrados testemunhas ocidentais ("História Os francos se apoderam de Maarat
de aflição, porque f a l t a v a m os a n ô n i m a d a p r i m e i r a Cruzada,) e An Noman
a l i m e n t o s necessários para a vida dos orientais (Ibn al-AthirJ convergem.
h o m e n s e das éguas. E g r a v e m e n t e Mas somente a História anônima O s francos m a r c h a r a m sobre M a a r a t
enfraquecidos e assustados pela menciona os atos de canibalismo. A n N o m a n e a sitiaram. O s habitantes
m u l t i d ã o de i n f i é i s , e l e s s e r e u n i r a m combateram vigorosamente. Vendo-os
n a grande basílica do apóstolo São tão firmes e valorosos e m sua
Tudo isso ocorreu n o sábado, n a h o r a resistência, tão obstinados n a luta,
Pedro, e c o m u m c l a m o r poderoso e
de dizer as v é s p e r a s , a o p ô r do s o l , os francos c o n s t r u í r a m u m a torre
u m a c h u v a dc lágrimas a b u n d a n t e s
do d i a 11 de d e z e m b r o . B o e m u n d o de m a d e i r a que chegava à altura
produziu-se até m e s m o u m a vacilação m a n d o u avisar, p o r i n t e r m é d i o d e das m u r a l h a s ; dali, c o m b a t i a m s e m
de vozes. Suplicavam m a i s ou m e n o s u m intérprete, aos sarracenos que se causar grande m a l aos m u ç u l m a n o s .
o seguinte: " N o s s o S e n h o r e Salvador, refugiassem, eles, suas m u l h e r e s e M a s , à noite, certos m u ç u l m a n o s
Jesus Cristo, e m quem confiamos e seus filhos, c o m suas bagagens, e m dominados pelo medo, desmoralizados
p e l o n o m e de q u e m s o m o s c h a m a d o s u m palácio situado s o b r e o p o r t ã o e se e desencorajados, acreditaram
n e s t a cidade de cristãos, tu n o s dedicou a salvá-los da m o r t e . que poderiam se defender m e l h o r
t r o u x e s t e a e s t e lugar. S e t i v e r m o s Depois nossos h o m e n s entraram entrincheirando-se nas edificações
p e c a d o c o n t r a ti, t e n s m u i t o s m e i o s todos n a cidade e se apropriaram de m a i s elevadas; de m o d o que
de n o s punir; cuidai para q u e n ã o tudo o que e n c o n t r a r a m de a l g u m desceram das m u r a l h a s e deixaram
c a i a m o s n a s m ã o s dos infiéis para que valor nas casas ou nos esconderijos. desguarnecidas as posições que
t o m a d o s de orgulho n ã o p o s s a m dizer: N o dia s e g u i n t e , p o r t o d a p a r t e controlavam. Outros imitaram
Onde está o D e u s deles?" E dominados que descobrissem u m inimigo, seu exemplo e u m outro ponto
pela graça da prece, e n c o r a j a r a m u n s fosse h o m e m ou mulher, eles o d a s m u r a l h a s foi a b a n d o n a d o ; e
1 aos outros, dizendo: " O S e n h o r dará m a s s a c r a v a m . N ã o h a v i a u m c a n t o da a s s i m u m grupo seguiu o outro,
força a seu povo; o S e n h o r abençoará cidade e m que n ã o se e n c o n t r a s s e m de tal m a n e i r a que as m u r a l h a s
seu povo na p a z . " E cada u m deles, cadáveres sarracenos, e m a l se podia ficaram s e m defensores. O s francos
lançando-se sobre seu cavalo, correu circular pela cidade s e m pisar sobre subiram usando escadas, e quando
os cadáveres. B o e m u n d o aprisionou os m u ç u l m a n o s os v i r a m n o alto das
avançando sobre os inimigos que
m u r a l h a s , perderam a c o r a g e m e se
os ameaçava e os dispersaram, os a q u e l e s a q u e m t i n h a d a d o a o r d e m de
fecharam e m suas casas.
p u s e r a m e m fuga e os m a s s a c r a r a m entrar no palácio e lhes t o m o u tudo
a t é o p ô r do s o l . I s s o f o i u m a g r a n d e que possuíam — ouro, prata e outros D u r a n t e três dias, o s f r a n c o s
si próprios e às regiões v i z i n h a s alegria para os cristãos, e h o u v e u m a adereços — , m a n d o u m a t a r alguns e p a s s a r a m - n o s a fio d c e s p a d a ,
provações consideráveis. Finalmente, a b u n d â n c i a de t r i g o e d e c e v a d a , c o n d u z i r o u t r o s a A n t i o q u i a p a r a ali m a t a n d o m a i s de 1 0 0 m i l p e s s o a s
c o m o a captura de u m lugar tão c o m o n o t e m p o do Eliseu às portas serem vendidos. e fazendo u m grande n ú m e r o de
fortificado n ã o estava ao a l c a n c e do de S a m a r i a . E p o r e s s e m o t i v o que O s francos ficaram estacionados prisioneiros.
poder dos h o m e n s , D e u s , poderoso n e s t a cidade durante u m m ê s e quatro Ibnal-Athir, X, 190
eles próprios se d e d i c a r a m a o c â n t i c o
por seus conselhos, encontrou d i a s , e foi e n t ã o q u e m o r r e u o b i s p o
profético: " E u Te glorifico, Senhor,
a s a l v a ç ã o e a b r i u a p o r t a da de Orange. H o u v e entre os nossos
porque T u velaste por m i m , e T u n ã o
misericórdia. Eles t o m a r a m a cidade q u e m n ã o e n c o n t r o u ali a q u i l o d e q u e
deste por m i n h a causa a alegria a m e u
e c o m o g u m e da e s p a d a m a t a r a m p r e c i s a v a , t a n t o e m v i r t u d e da l o n g a
inimigo."
o arrogante dragão c o m suas tropas. duração desta estada quanto pela
E depois de u m o u dois dias, u m a T r a d u z i d o d o l a t i m da t r a d u ç ã o d i f i c u l d a d e de s e a l i m e n t a r e m , p o i s
i m e n s a m u l t i d ã o foi r e u n i d a e t r o u x e feita d o t e x t o a r m ê n i o p e l o f o r a da c i d a d e n ã o p o d i a m e n c o n t r a r
socorro a seus congêneres; por causa padre Pecters, Miscellanea n a d a de q u e p u d e s s e m s e a p r o p r i a r .
de s e u g r a n d e n ú m e r o , d e s p r e z a n d o histórica Alberti de Meyer, E n t ã o p a s s a r a m a cortar os cadáveres
o p e q u e n o n ú m e r o dos outros, f o r a m Louvain, 1 9 4 6 p o r q u e neles se e n c o n t r a v a m b e s a n t e s
136 T E S T E M U N H O S E D O C U M E N T O S

As tomadas de Jerusalém
Jerusalém, cidade três vezes santa, para os judeus,
os cristãos e os muçulmanos, foi tomada duas vezes,
pelos cruzados em 1099 epor Saladino em 1191, mas
em condições muito diferentes.

A tomada de Jerusalém pelos o c o n d e R a i m u n d o fez o m e s m o . Eles


cruzados m a n d a v a m trazer m a d e i r a de terras
distantes. Os sarracenos, vendo nossos
Nossos senhores então estudaram h o m e n s construir essas máquinas,
os m e i o s de atacar a cidade c o m o f o r t i f i c a v a m de m a n e i r a admirável
auxílio de m á q u i n a s , de m o d o a poder a cidade e reforçavam as defesas das
n e l a e n t r a r para adorar o sepulcro de t o r r e s d u r a n t e a n o i t e . (...)
n o s s o Salvador. F o r a m c o n s t r u í d o s
N a quarta e n a quinta-feira, a t a c a m o s
dois castelos de m a d e i r a e u m n ú m e r o
f o r t e m e n t e a cidade por todos os
considerável de outras m á q u i n a s de
l a d o s , m a s a n t e s q u e a t o m á s s e m o s de
guerra. O duque Godofredo m o n t o u
assalto, os bispos e os padres fizeram
u m c a s t e l o g u a r n e c i d o de m á q u i n a s e o dia i n t e i r o , a t a l p o n t o q u e t o d o o
c o m q u e s e d e c i d i s s e p o r m e i o de s u a s Por seu lado, o conde R a i m u n d o ,
prédicas e exortações que faríamos e m posicionado na parte meridional, templo ficou banhado c o m o sangue
h o n r a de D e u s t u n a procissão ao redor conduziu seu exército e o castelo de deles. F i n a l m e n t e , depois de ter
d a s m u r a l h a s da p r a ç a - d e - g u e r r a de madeira até junto da m u r a l h a . M a s derrotado os pagãos, n o s s o s h o m e n s
J e r u s a l é m e que esta seria a c o m p a n h a d a entre o castelo e a muralha estendia-se aprisionaram n o templo u m grande
de p r e c e s , e s m o l a s e j e j u n s . u m fosso, e m a n d a r a m anunciar aos n ú m e r o de h o m e n s e m u l h e r e s , e os
gritos que todos os que c o n s e g u i s s e m m a t a r a m ou deixaram vivos a seu bel-
N a sexta-feira, e m p l e n a luz da
a t i r a r t r ê s p e d r a s d e n t r o do f o s s o prazer. N o terraço n o alto do t e m p l o de
m a n h ã , f i z e m o s u m a s s a l t o geral
g a n h a r i a m u m denário. Para e n c h ê - l o S a l o m ã o havia se refugiado u m grupo
à cidade s e m conseguir causar-lhe
f o r a m necessários três dias e três n u m e r o s o de pagãos, de a m b o s os
danos,- e f o m o s d o m i n a d o s p e l a
noites. Finalmente, c o m fosso cheio, sexos, aos quais Tancredo e G a s t ã o de
estupefação e por u m grande temor.
levou-se o castelo até a m u r a l h a . N o B é a m t i n h a m dado seus estandartes.
D e p o i s , quando se aproximava a hora
interior, os defensores c o m b a t i a m Pouco depois, os cruzados c o r r i a m por
e m que Nosso Senhor Jesus Cristo
c o m vigor c o n t r a os n o s s o s u s a n d o toda a cidade, se apoderando do ouro,
c o n s e n t i u c m sofrer por n ó s o suplício
fogo e pedras. O c o n d e , ao t o m a r da prata, dos cavalos, das m u l a s e
da c r u z , n o s s o s c a v a l e i r o s p o s t a d o s
c o n h e c i m e n t o de q u e o s f r a n c o s pilhando as casas que t r a n s b o r d a v a m
s o b r e o c a s t e l o c o m b a t i a m c o m ardor,
e s t a v a m dentro da cidade, disse a seus de riquezas.
entre outros, o duque Godofredo c o
c o n d e E u s t á q u i o , seu i r m ã o . N e s s e homens: "Por que demoram tanto? História anônima da
m o m e n t o , u m de n o s s o s c a v a l e i r o s , S a i b a m que todos os franceses já estão primeira Cruzada
de n o m e L i é t a u d , e s c a l o u a m u r a l h a dentro da cidade."
da c i d a d e . P o u c o d e p o i s d e e l e t e r O almirante que c o m a n d a v a a
Fragmentos de uma carta judia
s u b i d o , t o d o s o s d e f e n s o r e s da c i d a d e Torre de D a v i se r e n d e u a o c o n d e
escrita no dia seguinte à tomada de
f u g i r a m d a s m u r a l h a s p a r a d e n t r o da e abriu-lhe a porta n a qual os
Jerusalém pelos cruzados
cidade c nossos h o m e n s seguiram-nos p e r e g r i n o s t i n h a m o c o s t u m e de
e perseguiram-nos, niatando-os e p a g a r o t r i b u t o . D e p o i s de e n t r a r n a D e v e s e recordar, S e n h o r , q u e j á h á
acutilando-os c o m o sabre até o templo cidade, nossos peregrinos perseguiram m u i t o s anos abandonei m e u país para
de S a l o m ã o , o n d e h o u v e t a m a n h a e massacraram os sarracenos até o btiscar a misericórdia de D e u s , prover à
carnificina que nossos h o m e n s t e m p l o de S a l o m ã o , o n d e eles e s t a v a m m i n h a pobreza, contemplar Jerusalém
Procissão e a s s a l t o por o c a s i ã o do cerco à a n d a v a m mergulhados n o sangue deles reunidos e onde travaram contra os e d e p o i s voltar. [...] E n t r e t a n t o , o f i m foi
Cidade Santa. até os tornozelos. n o s s o s o m a i s furioso dos c o m b a t e s b o m , pois o sultão — D e u s glorifique
138 T E S T E M U N H O S E D O C U M E N T O S
TESTEMUNHOS E DOCUMENTOS 139

s u a s v i t ó r i a s — r e t o m o u a c i d a d e e ali m a l h a v i a m a c a b a d o de q u e i m á - l a
fez reinar u m a justiça até e n t ã o s e m quando u m a m e n s a g e m chegou, c o m
precedentes n a história de qualquer u m p e d i d o u r g e n t e de a j u d a , p o i s a
rei d o m u n d o : n ã o h o u v e u m dirham cidade h a v i a sido t o m a d a pelo outro
q u e t i v e s s e s i d o tomado d e a l g u é m . lado: de fato, ela caiu pelo lado norte,
A s s i m , eu havia começado a esperar n a m a n h ã d e s e x t a - f e i r a , d i a 2 2 do
q u e D e u s , e m v i r t u d e de s u a j u s t i ç a e m ê s de s h a b â n , 4 9 2 [ 1 5 d e j u l h o d e
c

de sua força, devolver-lhe-ia a região e 1 0 9 9 ] . A p o p u l a ç ã o foi p a s s a d a a f i o


q u e e u p o d e r i a ir a Jerusalém,- p o r e s t e de espada e os francos m a s s a c r a r a m os
m o t i v o , portanto, v i m de Alexandria
m u ç u l m a n o s da c i d a d e d u r a n t e u m a
p a r a o C a i r o , p a r a e m p r e e n d e r dali
s e m a n a . U m a pequena tropa havia se
a viagem. M a s , quando D e u s lhe
e n t r i n c h e i r a d o n o Oratório de Davi;
devolveu Jerusalém, a Bendita, esta
e l a r e s i s t i u ali d u r a n t e v á r i o s d i a s . O s
situação durou m u i t o pouco para
francos lhe concederam salvo-conduto
autorizar a viagem. Pois os francos
p a r a a s a í d a e, t e n d o c u m p r i d o a
chegaram e m a t a r a m todo m u n d o n a
palavra, p e r m i t i r a m que p a r t i s s e m
cidade, quer fosse i s m a e l i t a ou israelita;
durante a noite para Ascalão, onde se
os poucos sobreviventes f o r a m feitos
estabeleceram. N a m e s q u i t a al-Aqsa,
prisioneiros. Alguns foram comprados
pelo contrário, os francos m a s s a c r a r a m
de v o l t a d e s d e e n t ã o , m a s o u t r o s a i n d a
m a i s d e 7 0 m i l p e s s o a s [!] e n t r e as
estão e m cativeiro e m todas as partes
do m u n d o . E v i d e n t e m e n t e , t o d o s n ó s quais u m a grande m u l t i d ã o de i m ã s e I A retomada de Jerusalém por p a r t i a m das bandejas das catapultas
havíamos contado, antecipadamente, de d o u t o r e s m u ç u l m a n o s , d e d e v o t o s I Saladino segundo seu secretário a b a t i a m as bases das m u r a l h a s e
q u e n o s s o s u l t ã o — D e u s glorifique s u a s e de a s c e t a s q u e t i n h a m a b a n d o n a d o d e s t r u í a m o s d e n t e s d a s s e t e i r a s . [...]
o país para vir viver e m piedoso retiro N a s e x t a - f e i r a 2 0 rajab [25 de
vitórias — m o n t a r i a u m a c a m p a n h a Q u a n t o s bólidos c a í r a m do
I setembro], o sultão passou para o
contra os francos e os expulsaria. M a s , naqueles lugares sagrados. N o R o c h e d o céu, q u a n t a s pedras j o r r a r a m da terra,
l a d o n o r t e e ali a r m o u sxias t e n d a s ,
u m a vez após a outra, n o s s a esperança e l e s r o u b a r a m m a i s de q u a r e n t a quantos tições ardentes lançaram
f e c h á n d o o s c a m i n h o s dos francos
foi d e c e p c i o n a d a . c a n d e l a b r o s de prata, cada u m p e s a n d o suas centelhas! N a d a igualava os
e abrindo a m p l a m e n t e os c a m i n h o s
Citado por Claude C a h e n segundo 3 . 6 0 0 dracmas, u m grande lampadário desastres que partiam das plataformas
I da m o r t e . Ele a r m o u catapultas para
D . S. Goitein, " C o i i t e m p o r a r y Letters de prata p e s a n d o q u a r e n t a libras sírias de l a n ç a m e n t o , os prodígios de
ordenhar o leite dos desastres, fez
on the Capture of Jerusalém" in e outros candelabros m e n o r e s , 1 5 0 de suas devastações, os efeitos de suas
I gritar o R o c h e d o sob os j a t o s de pedras
]omnal of Jewish Studies, III, 1 9 5 2 . p r a t a e m a i s d e v i n t e de o u r o , p o r t a n t o , c o n c e n t r a ç õ e s , o v e n t o de sua partida,
! e obrigou a maldita tropa inimiga a
u m a enorme pilhagem. o r u í d o d e s u a c h e g a d a . [...]
se refugiar atrás das m u r a l h a s . Eles
n ã o puderam m a i s se arriscar fora O i n i m i g o foi d e s t r u í d o , s u a s
A tomada de Jerusalém relatada por O s sírios fugitivos c h e g a r a m a
I das m u r a l h a s s e m c o l h e r a m o r t e , o f i l e i r a s p o s t a s e m d e s o r d e m , o f o s s o foi
um historiador árabe B a g d á n o m ê s do r a m a d a c o m o c á d i
j dia da i n f e l i c i d a d e e d a p e r d i ç ã o d e atravessado e o ataque lançado: para
Abü Sa d al-Hârawi e fizeram diante
c

I suas almas. O s Templários gritaram, os m u ç u l m a n o s revelou-se a vitória,


O historiador Ibn al-Athii (século da c h a n c e l a r i a do c a l i f a u m d i s c u r s o
para os infiéis, a m o r t e . A b r e c h a foi
c a p a z de t r a z e r l á g r i m a s a o s o l h o s e os barões c a í r a m n o i n f e r n o , o s
XIII), autor de H i s t o i r e p a r f a i t e , t o m a d a de a s s a l t o p o r c o m b a t e n t e s
i Hospitalarios entregaram-se à
confirma a narrativa de autores de e m o c i o n a r o s c o r a ç õ e s . N a s e x t a - v a l o r o s o s . O q u e era difícil t o r n o u - s e
maldição, os " I r m ã o s " não puderam
ocidentais, mas dando ênfase, feira, eles v i e r a m à G r a n d e M e s q u i t a fácil; todos os esforços f o r a m realizados
escapar da m o r t e . N e n h u m a tela
evidentemente, aos massacres. e imploraram socorro chorando, e o o b j e t i v o p l e n a m e n t e alcançado,- o s
se interpôs entre as pedras que
f a z e n d o chorar, relatando tudo que os que resistiam obstinadamente foram
l a n ç á v a m o s e s e u objetivo,- d o s d o i s
m u ç u l m a n o s h a v i a m sofrido n a cidade feridos, os o b s t á c u l o s v e n c i d o s à força,
D e m o d o que os francos m a r c h a r a m l a d o s , o f o g o do d e s e j o a r d i a n o s
s o b r e J e r u s a l é m , d e p o i s de s e u s santa: h o m e n s massacrados, mulheres corações; os rostos se ofereciam a obra concluída, o alvo alcançado
assaltos e m vão contra Acre, e sitiaram e crianças prisioneiras, bens pilhados. a o s b e i j o s d a s a r m a s , a p a i x ã o do m u i t o a l é m do q u e s e p o d e r i a t e r
a cidade d u r a n t e m a i s de q u a r e n t a E m virtude das graves desgraças que c o m b a t e torturava os corações, as concebido, as c o n t a s f o r a m acertadas.
dias. C o n s t r u í r a m duas torres, das h a v i a m suportado, foi-lhes permitido m ã o s e s t r e i t a v a m a e m p u n h a d u r a das O inimigo temia ser massacrado
quais u m a , do lado de Sion, que os quebrar o jejum. e s p a d a s n u a s , as a l m a s s e l a m e n t a v a m e abandonou a saúde pela doença.
muçulmanos incendiaram, matando I b n a l - A t h i r , Histoire parfaite, d a l e n t i d ã o do f ô l e g o p a r a s e A cidade tornou-se m u ç u l m a n a e o
todos os q u e e s t a v a m d e n t r o dela; m a s , X, 193-195 e n t r e g a r e m t o t a l m e n t e , as pedras que cinturão que constituía o fosso dos
140 T E S T E M U N H O S E D O C U M E N T O S TESTEMUNHOS E DOCUMENTOS 141

i n f i é i s foi i s o l a d o . E n t ã o I b n B a r z a n da e s p e r a n ç a do sucesso, q u a n d o o s iiais de 1 0 0 m i l p e s s o a s , i n c l u í d a s O destino dos cristãos que quiseram


saiu para pedir ao sultão que desse sua m a l e s só p o d e m ser curados pela paz! is m u l h e r e s e c r i a n ç a s . F e c h a m o s a s ficar
palavra garantindo o salvo-conduto Quantos, tendo empreendido viagem ortas a todos e os lugares-tenentes os
Q u a n d o J e r u s a l é m foi purificada
de sua gente. O sultão recusou-se a n a s trevas, perderam-se n a escuridão ' a s s a r a m e m revista para exigir o que
da sujeira dos francos i m u n d o s
fazê-lo e m a n t e v e exageradas suas da n o i t e a n t e s que surgisse a a u r o r a ! " lies e r a d e v i d o . E m c a d a p o r t a f o r a m
e abandonou a vestimenta do
pretensões: "Para os senhores, n ã o Então o sultão convocou seu jloeados u m e m i r e u m grande chefe
a v i l t a m e n t o p e l o s t r a j e s da h o n r a ,
haverá n e m garantias, n e m perdão! conselho e mandou chamar os chefes para f a z e r a c o n t a d o s q u e e n t r a v a m
o s cristãos, depois de t e r e m pago a
N o s s o ú n i c o desejo é reduzi-los das tropas vitoriosas para c o n s u l t á - dos q u e s a í a m : q u e m p a g a v a s a í a ,
s o m a acordada, se r e c u s a r a m a sair e
a u m a abjeção perpétua; a m a n h ã los sobre a questão e c o n h e c e r suas iuem n ã o podia saldar s u a dívida foi
suplicaram que lhes fosse permitido
t o m a r e m o s a cidade pela força, n ó s opiniões, fossem elas francas ou i.igadona prisão s e m possibilidade de
ficar s e m s e r e m molestados.
os m a s s a c r a r e m o s e os capturaremos, secretas: ele os convidou a dar-lhe e c u r s o . [...]
Eles f o r a m pródigos e m serviços e
derramaremos o sangue dos h o m e n s e c o n h e c i m e n t o de s e u s s e n t i m e n t o s esforços, acolhendo c o m disciplina
reduziremos à escravidão as crianças e m a i s í n t i m o s , a revelar s e u s m a i s saída dos francos e boa vontade qualquer nova obrigação
as m u l h e r e s . " secretos desígnios, ele quis iluminá-los, q u e l h e s f o s s e i m p o s t a . [...]
)s f r a n c o s p u s e r a m - s e a v e n d e r s e u s
C o m o o sultão n ã o queria conhecer seus pensamentos; F o r a m reduzidos ao estado de
bens e a tirar de seus e s c o n d e r i j o s
absolutamente lhes conceder solicitou-lhes que se p r o n u n c i a s s e m contribuintes e recorreram à proteção
>s o b j e t o s de v a l o r q u e l i q u i d a v a m
garantias de vida, eles s u p l i c a r a m sobre a solução mais conveniente, [do E s t a d o m u ç u l m a n o ] . F o r a m - l h e s
ior n a d a n o m e r c a d o d a a b j e ç ã o .
humildemente e fizeram-no temer d i s c u t i u c o m e l e s a s c o n d i ç õ e s de p a z atribuídas tarefas de criados e f o r a m
<\s p e s s o a s n e g o c i a v a m c o m e l e s e
as c o n s e q ü ê n c i a s de u m a decisão m a i s f a v o r á v e i s . [...| e m p r e g a d o s e m atividades vis, e
c o m p r a v a m a p r e ç o s m u i t o b a i x o s . [...]
demasiado precipitada: " S e tivermos m e s m o esta ú l t i m a provação, eles
E a s s i m , depois de u m g r a n d e O grande patriarca reuniu tudo
que desesperar de o b t e r garantias de ainda c o n s i d e r a v a m u m a dádiva.
n ú m e r o de preces, de e n c o n t r o s , de o que se e n c o n t r a v a s o b r e o S a n t o
v i d a , t u d o t e m e r p o r p a r t e de v o s s o I m a d ad-Din, secretário
m i s s õ e s , de súplicas e de i n t e r c e s s õ e s , Sepulcro que fosse feito de placas de
poder, r e n u n c i a r a q u a l q u e r e s p e r a n ç a , de S a l a d i n o e autor de
c o n s e g u i u - s e fixar u m a s o m a que o u r o e d e t e c i d o s d e o u r o e de p r a t a e
s e e s t i v e r m o s d e f a t o c o n v e n c i d o s de u m a h i s t ó r i a de s e u reinado
n o s dava plena satisfação e todas as recolheu tudo o que havia de m e t a i s
que n ã o h á m a i s possibilidade, n e m garantias, c o m a qual eles c o m p r a r i a m e tecidos preciosos n a igreja da
de p a z , n e m d e s a l v a ç ã o , n e m d e de v o l t a s u a s pessoas e s e u s b e n s , e Ressurreição. E n t ã o e u disse ao sultão:
perdão, n e m de generosidade, e n t ã o s a l v a r i a m os h o m e n s , as m u l h e r e s e as — Ali estão grandes riquezas que
buscaremos a morte e venderemos c r i a n ç a s , c o m a c o n d i ç ã o de q u e q u e m v i s i v e l m e n t e c h e g a m a m a i s de 2 0 0
c a r o n o s s a v i d a . [...] a o f i n a l de q u a r e n t a d i a s n ã o t i v e s s e m i l dinares, nós lhes autorizamos
" A n t e s de ser abatido, cada p o d i d o o u q u e r i d o p a g a r s u a dívida a saída dos bens, m a s n ã o dos bens
u m de n ó s a b a t e r á d e z a m ã o d o
; tornar-se-ia incondicionalmente nosso das igrejas e dos conventos,- é preciso
exterminador não nos apanhará e s c r a v o . A t a x a foi f i x a d a e m d e z que não os deixemos nas m ã o s desses
a n t e s q u e os n o s s o s j á t e n h a m dez dinares para os h o m e n s , c i n c o para celerados. — M a s ele m e respondeu:
vezes exterminado. Queimaremos as m u l h e r e s , dois para as crianças, — Se i n t e r p r e t a r m o s os tratados de
as casas, d e s t r u i r e m o s a C ú p u l a e m e n i n a s ou meninos. Ibn Barzan, o m a n e i r a que lhes seja desvantajosa,
vos d e i x a r e m o s a v e r g o n h a de n o s patriarca e o s chefes dos Templários seremos acusados de termos faltado
reduzir à escravidão. Abateremos o e dos Hospitalarios apresentaram-se à p a l a v r a de h o n r a d a d a , p o i s o
R o c h e d o e vos f a r e m o s sentir a dor c o m o fiadores e Ibn Barzan contribuiu f u n d o da q u e s t ã o s e r á i g n o r a d o : é
de sua perda; m a t a r e m o s todos os c o m 3 0 m i l dinares para os pobres, cumprir à letra as garantias que lhes
nossos prisioneiros m u ç u l m a n o s , e cumprindo assim fielmente seu concedemos, desse m o d o n i n g u é m
h á m i l h a r e s deles, u m a vez q u e todos c o m p r o m i s s o , s e m e m nada faltar a poderá a c u s a r os fiéis de t e r e m violado
s a b e m que nos repugna a desonra e ele. A q u e l e s que p a g a r a m , e m seguida a b o a - f é dos t r a t a d o s ; e m v e z d i s s o , o s
que s o m o s amigos da honra. Nossos s a í r a m l i v r e m e n t e de s u a s c a s a s e cristãos tornarão públicos os benefícios
bens, n ó s os destruiremos para não vos n u n c a m a i s voltaram a viver nelas. que lhes concedemos.
entregá-los; n o s s a s crianças, nós as D e s s e m o d o , e l e s a b a n d o n a r a m todos
D e p o i s de ser acertada a taxa, eles
faremos perecer e elas nos suplicarão o s o b j e t o s de m a i o r p e s o , m a s l e v a r a m
e n t r e g a r a m a cidade, n a sexta-feira 2 7
que o façamos. Q u e vantagem podereis consigo o que havia de precioso e
rajab |2 d e o u t u b r o ] , p a s s a n d o - a a n ó s
tirar de v o s s a avara recusa, vós que de leve, s a c u d i n d o a p o e i r a d e s e u
c o m constrangimento, c o m o se devolve
perdereis todas as vantagens? Q u a n t a s p a t r i m ô n i o e as i m u n d í c i e s de s u a Saladino, depois da t o m a d a de Jerusalém,
u m b e m indevidamente adquirido,
desilusões j á n ã o d e i x a r a m de n a s c e r " I m u n d í c i e " [isto é, o S a n t o S e p u l c r o ] . obriga os cruzados a desfilarem a seus pés.
n ã o u m b e m depositado. N e l a havia
142 T E S T E M U N H O S E D O C U M E N T O S TESTEMUNHOS E DOCUMENTOS 143

Hospitalarios e Templários se dividiam e m padres, cavaleiros


e sargentos, confrades ou donatos.

As ordens dos Hospitalarios e dos Templários T o d a s as c a s a s d o s H o s p i t a l a r i o s


eram conventos, situados e m u m a
representavam o único exército permanente dos francos. circunscrição ou comendadoria. Estas
e r a m agrupadas e m províncias, que
Constituídas de monges — o que não deixou de criar por sua vez e r a m repartidas e m sete
grandes comendadorias. A o r d e m era
problemas de consciência para alguns dentre eles dirigida p o r u m g r ã o - m e s t r e a s s i s t i d o
por u m capítulo de oito bailios
—, receberam a guarda da maioria das fortalezas em conventuais. E m sua organização, a
virtude de sua riqueza, que os tornava os únicos capazes o r d e m dos Elospitalários era m u i t o
p r ó x i m a da dos Templários, m a s sua
de mantê-las. Os Hospitalarios permaneceram fiéis à v o c a ç ã o caridosa era s e m dúvida m a i s
marcante.
sua vocação militar até os dias de hoje. Os Templários, A fortuna rápida da o r d e m
demasiado poderosos e demasiado ricos, tiveram um fim explicava-se pelos favores que
recebia dos peregrinos, que, desde
trágico durante o reinado de Tilipe IV, o Belo. 1 1 1 0 , concederam aos Hospitalarios
b e n s dispersos pelas diversas terras
s e n h o r i a i s do r e i n o d e J e r u s a l é m .
Os Hospitalarios d o s a m a l f i t a n o s para c u i d a r d o s Foram abertos hospícios n o Ocidente,
doentes e dos peregrinos. O papado os n o s grandes portos de embarque
A f u n d a ç ã o da o r d e m dos Hospitalarios para a Terra Santa. Efetivamente,
reconheceu c o m o ordem independente
r e m o n t a a a n t e s da primeira Cruzada. a ordem organizava o transporte
e m 1 1 1 3 . A t r a n s f o r m a ç ã o de u m a
E f e t i v a m e n t e , por volta de 1 0 7 0 , r e g u l a r d e p e r e g r i n o s e, a t r a v é s d i s s o ,
i n s t i t u i ç ã o de c a r i d a d e e m u m a o r d e m
mercadores amalfitanos construíram aceitava depósitos e m dinheiro,
militar operou-se progressivamente:
n a s v i z i n h a n ç a s da i g r e j a d o S a n t o reembolsáveis no ultramar. Adquiriu
protegendo os peregrinos c o n t r a os
Sepulcro dois m o n a s t e r i o s e u m grandes domínios nos Estados francos
ataques sarracenos, guardando as
hospício para abrigar os peregrinos. e n t r e H e b r o n e A s c a l ã o , a oeste de
estradas, recrutando essencialmente
E s t e ú l t i m o e s t a b e l e c i m e n t o deu Jerusalém, ao redor do K r a k dos G r ã o - m e s t r e dos T e m p l á r i o s .
e n t r e o s m e m b r o s da a r i s t o c r a c i a ,
origem à o r d e m dos Hospitalarios. Cavaleiros e de M a r g a t . D e d i c a v a u m a
os cavaleiros-clcrigos são levados a
D e p o i s de 1 0 9 9 , u m c a v a l e i r o grande a t e n ç ã o às culturas de víveres,
p a r t i c i p a r n o c o m b a t e de t o d o s n a T e r r a indispensáveis para o abastecimento
provençal, Géraud, e alguns A o r d e m dos Hospitalarios
S a n t a . D e s d e 1 1 2 6 , a e x i s t ê n c i a de u m d o s i r m ã o s e de s e u s c r i a d o s e d e u m
companheiros retomaram a fundação sobreviveu ao d e s a p a r e c i m e n t o dos
c o n d e s t á v e l da o r d e m e r a m e n c i o n a d a . grande n ú m e r o de pobres. N o C o n d a d o Estados francos na Terra S a n t a .
D e z a n o s m a i s t a r d e , foi c o n f i a d a a de Tripoli, adquiriu u m a p o s i ç ã o A p o d e r o u - s e da i l h a de R o d e s
e s t e ú l t i m o p e l o rei F o u l q u e s a g u a r d a excepcional ao controlar as grandes e m 1 3 0 9 , onde permaneceu até a
do castelo de Bclhgibelin, p r ó x i m o fortalezas, tais c o m o M a r g a t o u o K r a k c o n q u i s t a o t o m a n a , que a obrigou a
d e A s c a l ã o . A n t e s de 1 1 5 3 , a o r d e m dos Cavaleiros. C o m o os Templários,
seguir para M a l t a . N o s dias de hoje,
e l a b o r o u p a r a si u m a r e g r a b a s e a d a n a os Hospitalarios c o n s t i t u í a m u m
a i n d a , o s c a v a l e i r o s do S a n t o S e p u l c r o
de S a n t o Agostinho, m a s , a t é 1 1 7 9 , exército b e m equipado e quase
s ã o o s h e r d e i r o s d o s i r m ã o s da c a p a
cavaleiros m e r c e n á r i o s a s s u m i a m as permanente. Desempenharam u m
v e r m e l h a c o m u m a c r u z b r a n c a de
tarefas militares. grande papel na evolução política
o i t o pontas, os cavaleiros da o r d e m do
S o m e n t e nesta data, os Hospitalarios dos Estados francos: o grão-mestre,
Gilberto dAssailly, i n f l u e n c i o u o rei H o s p i t a l de S ã o J o ã o d e J e r u s a l é m .
tornaram-se u m a ordem militar,
A m a u r y I, l e v a n d o - o B a l a rd, Les Croisades,
consagrando-se totalmente à luta
a empreender suas expedições M A . Editions
contra os infiéis, n ã o s e m enfrentar
aventureiras n o Egito. N o século XIII,
reservas de u m a parte dos i r m ã o s
a o r d e m apoiou as iniciativas de Os Templários
que a c e i t a r a m m a l u m processo de
Frederico II e dos imperiais, e desse
militarização, acelerado pela entrega, m o d o se posicionou n o partido oposto A instituição da O r d e m dos
à ordem, dc n u m e r o s a s fortalezas ao doslèmplários. Templários, a s s i m c o m o a das outras
Regra da o r d e m do T e m p l o .
n o c o n d a d o de Tripoli. O s i r m ã o s o r d e n s m i l i t a r e s , n a s c e u da e x p e r i ê n c i a
144 T E S T E M U N H O S E D O C U M E N T O S
TESTEMUNHOS E DOCUMENTOS 145

da T e r r a S a n t a e d a C r u z a d a . S e u s capelães — e os que t r a b a l h a v a m — os n a q u a l i d a d e de g u a r d i ã das g r a n d e s


primeiros anos são mal conhecidos. i rmãos de profissão. fortalezas da Terra S a n t a (Tortose,
P o r volta de 1 1 1 8 , u m cavaleiro
O d e s e n v o l v i m e n t o da o r d e m f o i Safed, C a s t e l o Peregrino, Beaufort,
da região de C h a m p a g n e , H u g o de
resultado d e d o a ç õ e s q u e l h e f o r a m Castelo Branco, Castelo Vermelho etc.),
Payens, talvez pai de São Bernardo, se
leitas: o p a l á c i o do rei, l o c a l i z a d o n a ela d e s e m p e n h o u u m p a p e l d e c i s i v o n a
c o n s a g r o u c o m alguns a m i g o s a dar
e s p l a n a d a do T e m p l o , a c a b o u p o r d a r defesa dos Estados francos da Síria e da
proteção aos peregrinos nas estradas
n o m e a t o d a a o r d e m . A s v i s i t a s de Palestina.
que conduziam a Jerusalém e a Jericó.
inspeção de H u g o de Payens e seus D o p o n t o de v i s t a p o l í t i c o , a
Esses "pobres cavaleiros de C r i s t o "
c o m p a n h e i r o s ao O c i d e n t e r e s u l t a r a m i m p o r t â n c i a da ordem do T e m p l o era
receberam apoio de ilustres cruzados,
n a f o r m a ç ã o de u m p a t r i m ô n i o m u i t o i g u a l m e n t e g r a n d e . A f r a q u e z a do
c o m o Foulques d'Anjou e H u g o de
g r a n d e de b e n s de raiz, q u e s e r v i u d e poder real e m J e r u s a l é m foi t a m a n h a
C h a m p a g n e . Eles decidiram viver
base para a rede das c o m e n d a d o r i a s durante os anos 1 1 7 0 que o grão-mestre
n a p o b r e z a e a d o t a r a s regras d o s
i m p l a n t a d a s n o O c i d e n t e . A riqueza G i r a r d d e R i d e f o r t d e c i d i u i n i c i a r as
canonicatos regrantes augustinos. O
os Templários t a m b é m cresceu através hostilidades contra Saladino e provocou
r e i e a s a u t o r i d a d e s r e l i g i o s a s da T e r r a
de o u t r o s m e i o s : o d i r e i t o p e d i t ó r i o , a s a derrota do exército franco n a batalha
S a n t a os o r i e n t a r a m a a s s u m i r tarefas
rendas de d o a ç õ e s f e i t a s e m de H a t t i n . O s T e m p l á r i o s p o r v e z e s
de proteção e de c o m b a t e .
( e s t a m e n t o , a o r g a n i z a ç ã o de m a n t i n h a m relações diplomáticas
Essas n o r m a s de vida s u s c i t a r a m transportes para os peregrinos para diretas c o m os sarracenos, s e m levar
reticências n o Ocidente e m e s m o ultramar, a s o p e r a ç õ e s b a n c á r i a s e d e e m c o n t a os outros interesses e m jogo.
entre os m e m b r o s da ordem, que se câmbio que se tornaram necessárias N o século XIII, favoreceram o partido
s e n t i r a m perturbados c o m os n o v o s entre o Oriente e o Ocidente. Dispondo a n t i i m p e r i a l dos barões n o reino de
objetivos designados para pessoas que e f e t i v a m e n t e de c a s a s e m a m b a s a s Jerusalém, opondo-se nessa questão aos
se consagravam a D e u s . A exaltação regiões, a o r d e m d o s T e m p l á r i o s t i n h a Hospitalários, mais legitimistas. E m
d a " c a v a l a r i a d e C r i s t o " , a idéia d e q u e u m a organização s e m e l h a n t e à de u m resumo, no século XIII, t o m a r a m - s e os
a C r u z a d a e r a u m a e s p é c i e de estabelecimento c o m múltiplas v e r d a d e i r o s s e n h o r e s do O r i e n t e l a t i n o .
s u b l i m a ç ã o da p r o f i s s ã o g u e r r e i r a , a sucursais. Recebia depósitos regulares
A queda dos Estados francos e m
p r o t e ç ã o de S ã o B e r n a r d o , f a c i l i t a r a m e m dinheiro de príncipes e d c
1 2 9 1 pôs e m questão a própria ordem.
a f o r m u l a ç ã o da regra, adotada e m s o b e r a n o s : o s reis d e F r a n ç a e da
S u a m i s s ã o n ã o era ligada à C r u z a d a ?
1128. Os irmãos deviam combater I nglaterra c o n f i a r a m o t e s o u r o r e a l a o s
E n t ã o houve u m r e s s u r g i m e n t o das
de m a n e i r a intrépida os i n i m i g o s Templários d e Paris e de L o n d r e s .
a c u s a ç õ e s de orgulho, de arrogância,
da fé; s u b m e t i d o s a o m e s t r e , a o Recebia t a m b é m j ó i a s , o b j e t o s
de avareza, e t a m b é m dos projetos de
c a p í t u l o da o r d e m e a o p a p a , e s t a v a m preciosos, p a g a m e n t o de r e n d a s e d e
f u s ã o das d i v e r s a s o r d e n s m i l i t a r e s .
eximidos de responder a qualquer c a u ç õ e s , fazia t r a n s f e r ê n c i a s de
Conhecemos bem a maneira como
a u t o r i d a d e e c l e s i á s t i c a , e x c e t o à do dinheiro a distância de acordo c o m as
o s c o n s e l h e i r o s d e Filipe, o B e l o ,
p a p a d o . I n o c ê n c i o II c o n f i r m o u a r e g r a necessidades e c o m a participação dos
utilizaram essas críticas, às quais
e m 1139, enquanto São Bernardo, mercadores italianos. E m resumo, a
acrescentaram acusações infundadas
a t r a v é s de s e u t r a t a d o De laude novae ordem ocupava u m papel de destaque
de heresia, para abater os Templários
militiae, desfez as ú l t i m a s dúvidas n a vida f i n a n c e i r a da E u r o p a e a d q u i r i u
e m o u t u b r o de 1 3 0 7 e c o n v e n c e r o
c o m relação à m i s s ã o dos i r m ã o s . u m a r e p u t a ç ã o de riqueza, s e m d ú v i d a
fraco papa C l e m e n t e V a suprimir
exagerada; esta provocaria sua perdição.
A organização da O r d e m dos a o r d e m n o c o n c í l i o de V i e n a , e m
Templários repousava sobre N a h i s t ó r i a das C r u z a d a s , a o r d e m 1 3 1 2 . O s b e n s dos T e m p l á r i o s f o r a m
comendadorias, agrupadas e m do T e m p l o o c u p o u u m l u g a r e s s e n c i a l . d o a d o s à O r d e m do H o s p i t a l ; q u a n t o
províncias, que, p o r sua vez, e r a m D o ponto de vista militar, representava ao g r ã o - m e s t r e , Jacques de Molay, foi
c o l o c a d a s s o b a a u t o r i d a d e de u m exército experiente, quase q u e i m a d o vivo, e m 1 8 de m a r ç o de
c o m e n d a d o r e s de terras o u preceptores. profissional, e q u e podia ser mobilizado 1314, alguns
A o r d e m era governada p o r u m m e s t r e a qualquer m o m e n t o : trezentos sjK^Ê^^fe . m e s e s a n t e s da
e l e i t o p e l o s 1 3 d i g n i t á r i o s da o r d e m . cavaleiros, s a r g e n t o s , u n i d a d e s n a t i v a s V ••• * m o r t e de seu
:

D e n t r e os irmãos, distinguiam-se de c a v a l a r i a ligeira a r m a d a s d e a r c o s : " a c u s a d o r , Filipe


os que c o m b a t i a m — cavaleiros e e t r o p a s de i n f a n t a r i a . E s t a f o r ç a e r a IV o B e l o , e de
sargentos — , os que o r a v a m — os m a i s ou m e n o s independente da 'Jv, il\ 4 t seu cúmplice,
a u t o r i d a d e real, algo q u e , e m c a s o \^f/r*y fWfí^ ° papa
de c o n f l i t o , criava o p r o b l e m a d e ySTi,y^ , ; \ ' V
;
S
Clemente V
E s t á t u a j a c e n t e de u m T e m p l á r i o . u n i d a d e de c o m a n d o . P o r o u t r o l a d o , B a l a r d , op. cit.
146 T E S T E M U N H O S E D O C U M E N T O S
TESTEMUNHOS E DOCUMENTOS 147

Jihad e guerra santa que se e s f o r ç a m para roubar as


i n e s t i m á v e i s riquezas q u e J e r u s a l é m
Jihad e guerra santa, duas ideologias de guerra religiosa reserva ao povo cristão, aqueles que
querem profanar os lugares santos e
que aparentemente aproximam o Islã e o Ocidente se apropriar do santuário de D e u s .
enquanto Bizâncio a recusa. Na verdade, elas não Q u e as duas espadas dos fiéis
s e j a m l e v a n t a d a s sobre a c a b e ç a dos
se assemelham em nada: ojiliad tem como objetivo inimigos, para destruir q u e m quer
que s e l e v a n t e c o n t r a a fé de D e u s ,
a defesa e mesmo a ampliação do domínio do Islã, o u seja, a dos cristãos, "para que as

enquanto que a guerra santa deve conseguir obter a nações não digam: onde está o D e u s
deles?".
salvação para aqueles que a empreendem e por vezes S ã o B e r n a r d o , De laude novae
citado por Jean Richard, in
resulta, para os muçulmanos, em uma escolha entre a mílitiae,
L'Esprit de croisade, Paris, 1 9 6 9 .
conveisao ou a morte.
Bizâncio e a idéia de Cruzada
No momento em que os Templários p r ó p r i o s forem m o r t o s . Q u e r a m o r t e
A própria n o ç ã o de Cruzada é
se transformaram em ordem militar, seja sofrida, quer ela seja i m p o s t a a
incompreensível para u m bizantino:
São Bernardo tentou dissipar as outrem, será sempre u m a morte por
as lutas do império c o n t r a os persas e o
inquietações de certos monges que se C r i s t o : e l a n a d a t e m de c r i m i n o s a , e l a
Islã n u n c a se revestiram do caráter de
questionavam, sobre a legitimidade de é m u i t o gloriosa. N o primeiro caso, é
g u e r r a s a n t a . A s g u e r r a s p e r s a s de
seu engajamento militar. para servir a Cristo, no outro, permite
H e r á c l i o j a m a i s f o r a m as " C r u z a d a s "
que se g a n h e o próprio C r i s t o : este
que o Ocidente quis ver nelas a partir
p e r m i t e que, para vingá-lo, s e m a t e
São Bernardo se pronuncia contra a d a I d a d e M é d i a . N o f i n a l do s é c u l o X ,
u m i n i m i g o , e e l e p r ó p r i o s c dá a i n d a
no m o m e n t o e m que Nicéforo Focas
oDjeçao ae consciência de m a i o r boa v o n t a d e ao cavaleiro buís VII, aos pés de S ã o B e r n a r d o , e m p r e e n d i a , n a S í r i a do N o r t e ,
Para os cavaleiros de Cristo, pelo p a r a c o n s o l á - l o . D e s s e m o d o , eu •regando a C r u z a d a .
expedições que seu sucessor João
contrário, é c o m toda a segurança d i z i a , o c a v a l e i r o d e C r i s t o dá a m o r t e T z i m i s c e s estenderia até a Palestina, o
que c o m b a t e m por seu Senhor, s e m s e m nada t e m e r ; m a s m o r r e c o m patriarca se r e c u s o u a a c e d e r a o pedido
c o m que v e n h a a si o cavaleiro p a i a
precisar t e m e r pecar ao m a t a r seus ainda m a i s segurança: é ele q u e m se recompensá-lo. N o primeiro caso, o do imperador e a honrar, c o n c e d e n d o o
adversários, n e m perecer, s e eles beneficia c o m sua própria morte, e justo se regozijará ao ver o castigo; título de mártir, os soldados m o r t o s
C r i s t o da m o r t e q u e e l e e x e c u t a . no s e g u n d o , ele d i r á : " U m a v e z q u e c o m b a t e n d o os infiéis. Fiel ao
Pois n ã o é s e m motivo q u e ele o justo recebe o fruto de s u a justiça, c r i s t i a n i s m o primitivo, a Igreja
e m p u n h a a espada: é o executor da há s e m dúvida u m D e u s q u e julga os b i z a n t i n a era hostil â o e m p r e g o de
v o n t a d e divina, quer seja p a r a castigar homens na Terra." a r m a s p e l o s l e i g o s — o c â n o n e de S ã o
os m a l f e i t o r e s ou para glorificar os Contudo, não convém matar os Basílio priva da c o m u n h ã o d u r a n t e
b o n s . Q u a n d o leva à m o r t e u m pagãos s e f o r p o s s í v e l e n c o n t r a r três anos aqueles que " c o m e t e r a m u m
malfeitor, ele n ã o é u m h o m i c i d a , u m outro m e i o de impedi-los de assassinato durante a guerra" — e a
e s i m , o u s o dizer, u m m a l i c i d a . E l e p e r s e g u i r o u de o p r i m i r o s f i é i s . fortiori [por m o t i v o d e f o r ç a m a i o r ]
vinga Cristo daqueles que f a z e m o Mas, por enquanto, m a i s vale que os pelos clérigos.
m a l ; d e f e n d e o s cristãos. Se ele próprio pagãos s e j a m m o r t o s , a n t e s isso que C é c i l e M o r r i s s o n , Les Croisades,
for morto, não perece: atinge s e u permitir a ameaça que representam " Q u e sais-je?", PU.F.
objetivo. A m o r t e que ele inflige é e m os pecadores elevados a c i m a da cabeça
benefício de Cristo; a que ele recebe, dos justos, por m e d o de ver os j u s t o s
e m s e u p r ó p r i o b e n e f í c i o . D a m o r t e do se d e i x a r e m ser l e v a d o s a c o m e t e r a Conceito de Cruzada, conceito
pagão, o cristão pode o b t e r glória, u m a i n i q ü i d a d e . [...] de jihad
vez que ele age pela glória de C r i s t o ; Q u e sejam repelidos para longe N a realidade, a C r u z a d a n ã o é u m a
n a m o r t e do c r i s t ã o , a g e n e r o s i d a d e da c i d a d e d o S e n h o r a q u e l e s q u e
C a r t a circulai do m u n d o árabe ( 1 1 9 3 ) . resposta à guerra santa islâmica: no
do rei p e r m i t e livre c u r s o : e l e f a z c o m e t e m a iniqüidade, aqueles f i n a l d o s é c u l o X I , o ideal do j i h a d
148 T E S T E M U N H O S E D O C U M E N T O S
TESTEMUNHOS E DOCUMENTOS 149

havia perdido seu poder de atração e todos os anos a atacar os territórios


maioria dirigidos o u inspirados por s a n t a . Por outro lado, se Z e n k i
só era m a n t i d o nas fronteiras orientais dos infiéis e a expulsá-los de lá, a s s i m
Alepo. conduziu u m a c a m p a n h a para se
e n a Ásia M e n o r pelos turcomanos, c o m o é ordenado a todos os chefes
T a n t o o s l o g a n da u n i d a d e q u a n t o a p o d e r a r da S í r i a , a p r o p a g a n d a n ã o
s o b a f o r m a d e ghazwa (razia], e [muçulmanos] que doravante seja
o m é t o d o de s u a d i f u s ã o p a r e c e m , d e s e m p e n h o u nisso o m e n o r papel, e o
n o Saara pelos marabutos. E m e x a l t a d a a p a l a v r a da fé e r e p r i m i d a a
s e m a m e n o r dúvida, ser a m b o s u m a s l o g a n do j i h a d j a m a i s f o i p r o n u n c i a d o .
contrapartida, o Ocidente latino havia dos descrentes, enfim, que os inimigos
inovação de N u r e d - D i n . S e u pai, de A ú n i c a vez e m q u e ele se serviu da
e n t r a d o e m u m a fase de e x p a n s ã o d a r e l i g i ã o de A l á s e j a m d i s s u a d i d o s
q u e m ele d e s e n v o l v e u v á r i o s e s b o ç o s , jihad na luta contra seus vizinhos
à s c u s t a s do I s l ã , n a S i c í l i a e n a de desejar empreender n o v a m e n t e
não tivera deles n e n h u m lampejo. n ã o foi n a qualidade de palavra de
E s p a n h a . N o nível das doutrinas, a u m a expedição semelhante. Somos
Z e n k i e m i t i u as duas idéias de base, o r d e m de persuasão, e s i m c o m o u m a
situação era inversa: a guerra santa dominados por u m profundo espanto
"mugãhid ú n i c o " e reconquista, a r t i m a n h a de u m c i n i s m o flagrante,
católica só pode ser defesa e libertação ao ver esses soberanos que c o n t i n u a m
mas não extraiu delas, n o entanto, a t ã o c a r a c t e r í s t i c a de s e u s m é t o d o s .
dos cristãos oprimidos e da Terra a levar u m a vida confortável e
palavra de o r d e m que parece decorrer
S a n t a n o q u e diz respeito à C r u z a d a , tranqüila quando sobrevêm u m a E m m a n u e l Sivan,
l o g i c a m e n t e da u n i d a d e p a r a a g u e r r a
m e s m o se esses m o t i v o s servem para catástrofe de t a m a n h a s proporções, VIslam e la Croisade
justificar conquistas,- o jihad, pelo a saber, a c o n q u i s t a do p a í s p e l o s
contrário, é u m a guerra ofensiva i n f i é i s , a e x p a t r i a ç ã o f o r ç a d a [de u n s ]
destinada a s u b m e t e r os infiéis até e a v i d a d e h u m i l h a ç ã o [de o u t r o s ]
q u e eles r e c o n h e ç a m a lei do Islã. M a s sob o jugo dos infiéis, c o m tudo q u e
a sociedade m u ç u l m a n a medieval isso comporta: carnificina, cativeiro
era m e n o s fechada que o Ocidente e suplícios que c o n t i n u a m por dias e
cristão; ela reconhecia a e x i s t ê n c i a noites.
de c o m u n i d a d e s n ã o - c r e n t e s e m seu
Por al-Sulami, e m D a m a s c o Sivan,
seio, oferecendo u m lugar particular
Journal asiatique, 1 9 9 6 , citado por
para os "Povos da Bíblia", judeus e
C l a u d e C a h e n , i n Orient et Occídent
cristãos, aos quais concedia, por m e i o
au temps des Croisades
d a áhimma, hospitalidade e proteção,
desde que eles r e c o n h e c e s s e m a
a u t o r i d a d e e s t a b e l e c i d a p o r m e i o do O jihad e Nur ed-Din
p a g a m e n t o da taxa por cabeça que os
d i s t i n g u i a , a jizya. O j i h a d n ã o c o n d u z , Para a l c a n ç a r seus objetivos, N u r
c o m o a Cruzada, à escolha entre a e d - D i n julgou que seria b o m apoiar-se
conversão ou a m o r t e oferecida aos e m grande medida sobre a força
m u ç u l m a n o s vencidos por ocasião das das idéias e seu poder de atração.
primeiras Cruzadas, n e m resulta na A distância entre seu p ot e nc ial
i n t o l e r â n c i a de d i r e i t o , s e n ã o de f a t o , verdadeiro n o início e a tarefa
dos Estados cruzados c o m relação aos e n o r m e que se p r o p u n h a a realizar
muçulmanos. o impeliu a tentar preenchê-la por
m e i o da propaganda. D e m o d o q u e se
C é c i l e M o r r i s s o n , op. cit. engajou n u m a ação de grande estilo
para trazer c o m o aliados para sua
causa a opinião dos países vizinhos,
Excerto de um tratado de jihad
enfraquecendo assim a resistência
redigido por volta de 1105
à sua dominação ou à sua tutela.
V ó s deveis agora estar seguros q u a n t o D e s s e m o d o , a propaganda do jihad
à v o s s a obrigação p e s s o a l de guerrear ultrapassa, pela p r i m e i r a vez, de
pela fé. E s t a tarefa p e r t e n c e m a i s u m a m a n e i r a séria, o e s c o p o de u m a
especialmente aos soberanos, u m a vez entidade política e se endereça a
q u e Alá lhes confiou o destino de seus outras entidades. Essa "propaganda
s ú d i t o s e p r e s c r e v e q u e c u i d e m de e x t e r n a " deveria funcionar, fosse p o r
seus interesses e defendam o território m e i o s de difusão e m a n a n d o de seu
muçulmano. E absolutamente c e n t r o alepino, fosse por m e i o de
necessário que o soberano se dedique agentes locais, voluntários, e m sua
150 T E S T E M U N H O S E D O C U M E N T O S TESTEMUNHOS E DOCUMENTOS 151

Prática do combate ou ciência militar E s t a m a n u t e n ç ã o da f o r m a ç ã o


c o n s t i t u i u u m p r o b l e m a a ser superado
c o m v a n g u a r d a s , guardas de f l a n c o
e retaguardas, n a s quais os arqueiros
p a r a o s f r a n c o s s í r i o s ao l o n g o de de i n f a n t a r i a a d q u i r i r a m u m p a p e l
A concepção da guerra não era a mesma para os todo o século XII, n ã o s o m e n t e para predominante. Conseqüentemente,
orientais e para os ocidentais. Para os primeiros, permitir ao c o m a n d a n t e exercer "fiebat juxta preceptum processio."
sua autoridade, m a s t a m b é m para E m 1 1 9 1 , os turcos c o n h e c e r a m
bizantinos ou muçulmanos, a guerra era uma arte que neutralizar as táticas turcas descritas u m novo sucesso semelhante. N o
n o capítulo anterior. A utilização dia c m q u e o r e i R i c a r d o d e i x o u
era objeto de tratados. Para os ocidentais era sobretudo por G u i l h e r m e de T i r o da expressão Acre para empreender sua m a r c h a
o u adem mostra
uma questão de coragem, e eles se limitavam a agmen dissolvere
b e m a i m p o r t â n c i a que os francos
r u m o ao sul, a c o l u n a — n a qual
h a v i a m sido n o m e a d a s vanguardas e
observar os princípios elementares. a t r i b u í a m à p r e s e r v a ç ã o da c o e s ã o e da retaguardas — foi atacada por u m a
c o m p a c i d a d e de s u a o r d e m d e b a t a l h a p a r t e do e x é r c i t o de S a l a d i n o . A l i n h a
era impossível para o c o m a n d a n t e o u d e m a r c h a . O d e s m e m b r a m e n t o da de m a r c h a estava a b s o l u t a m e n t e s e m
Bom senso e disciplina militarís
formação e m esquadrões organizados coesão e os m u ç u l m a n o s só foram
c o n t r o l á - l o s d e p o i s da p r i m e i r a c a r g a .
O a t a q u e dos cavaleiros da Idade era o prelúdio ou, m e l h o r dizendo, o repelidos c o m m u i t a dificuldade.
U m e s q u a d r ã o [acies] de cavaleiros
Média, cujos efeitos, s e m dúvida, indício da derrota. Para resistir aos A l i ç ã o foi a p r e n d i d a , e o e x é r c i t o
era, n a s suas m ã o s , c o m o u m projétil
repousavam sobre a m a s s a coletiva turcos, era de capital i m p o r t â n c i a cristão prosseguiu seu progresso e m
que, dirigido c o n t r a o i n i m i g o , só
dos participantes, era e s s e n c i a l m e n t e impedi-los de separar os francos u n s o r d e m m a i s c o m p a c t a . O m a i o r dos
podia golpeá-lo u m a vez. A l é m disso,
u m a s o m a de múltiplas cargas dos outros. E m 1 1 7 0 , A l m a r i c a s s u m i u elogios que A m b r ó s i o podia fazer
para ter sucesso, ele devia golpeá- o c o m a n d o de u m exército que devia
individuais, e seu sucesso dependia a u m exército era dizer q u e t i n h a
l o e d e s t r u í - l o uno impetu, em um fazer b a r r a g e m à i n v a s ã o da P a l e s t i n a
do c o n f r o n t o c o m u m i n i m i g o que, "fileiras cerradas e b e m ordenadas".
ao resistir, seria e s m a g a d o pelo peso único assalto. As táticas de esquiva do S u l p o r S a l a d i n o . O s m u ç u l m a n o s M e n c i o n o u por duas v e z e s (por
desta m a s s a . Se o inimigo, c o m o os dos turcos conduziram os francos a t e n t a r a m destruir os francos, m a s ocasião da b a t a l h a de S a i n t - M a r t i n ,
t u r c o s , era c a p a z de s e afastar de m i n u t a r sua carga, que era sua a r m a estes ú l t i m o s se d e f e n d e r a m graças à d e 1 1 9 0 , e p o r o c a s i ã o da b a t a l h a de
sua trajetória, os francos ficavam tática m a i s poderosa, para conseguir coesão de suas fileiras. Arsuf), e m termos laudatórios, u m a
vulneráveis a u m contra-ataque, percutir o corpo principal do i n i m i g o . A necessidade para os francos o r d e m de b a t a l h a tão d e n s a que era
pois sua f o r m a ç ã o relaxava à m e d i d a A carga franca era r e n o m a d a e t e m i d a de p e r m a n e c e r e m "solidius inter impossível atirar u m a a m e i x a ou u m a
que a v a n ç a v a m . Por outro lado, e m t o d o o O r i e n t e M é d i o [...]. te conglobati" era ainda m a i s m a ç ã n a s fileiras s e m atingir u m
indispensável quando deviam h o m e m ou u m cavalo.
c o m b a t e r e m m a r c h a do q u e n o A m a n u t e n ç ã o de u m a o r d e m
c a m p o de b a t a l h a previsto. Q u a l q u e r c e r r a d a d i a n t e d a s p r o v o c a ç õ e s do
brecha aberta na coluna permitia i n i m i g o era u m a f a ç a n h a à qual os
aos turcos fracionar as forças historiadores não atribuíram crédito
latinas de m o d o a poder atacá-las s u f i c i e n t e m e n t e aos c o m a n d a n t e s
separadamente. O s peregrinos do século X I I n a Síria. Suportar u m
conduzidos através da Á s i a M e n o r ataque s e m responder aos golpes do
por L u í s V I I d e F r a n ç a , e m 1 1 4 7 , i n i m i g o exige o difícil r e c a l c a m e n t o
descobriram isso à própria custa. dos instintos h u m a n o s normais,-
E m u m d a d o m o m e n t o , o c h e f e da os soldados de todas as épocas
v a n g u a r d a , G e o f f r o y de R a n c o g n e , só p u d e r a m suportar s e m e l h a n t e
infringiu as ordens do rei e a v a n ç o u situação c o m m u i t a dificuldade. Ora,
demasiado à frente do corpo principal: isto, para n e n h u m deles, foi m a i s
isto p e r m i t i u aos turcos desenvolver i n s u p o r t á v e l d o q u e p a r a o c a v a l e i r o da
u m a v i o l e n t a ofensiva c o n t r a os Idade M é d i a , que, diante da guerra,
que o seguiam, criar confusão na era u m individualista c i u m e n t o de
coluna inteira e m m a r c h a e lhe suas proezas e de sua h o n r a pessoais.
infligir severas perdas. D e m o d o a R.C. Smail,
evitar a repetição deste desastre, Crusading Wazfare,
a partir de e n t ã o o r g a n i z o u - s e m a i s the LatínArmies,
M a n t e r a c o m p a c i d a d e da o r d e m de b a t a l h a . c u i d a d o s a m e n t e a l i n h a de m a r c h a , • traduzido por M a r i a n n e B o n n e a u
152 T E S T E M U N H O S E D O C U M E N T O S
TESTEMUNHOS E DOCUMENTOS 153

A prática da guerra na época de c o m b a t e novo para os francos, que postos. C o n s e r v a n d o - s e u m pouco de os sobreviventes e recolher s e m
Nur ed-Din n ã o s a b i a m , p o r falta de m o b i l i d a d e , lado, e s p e r a n d o o m o m e n t o d e intervir, resistência a s bagagens do i n i m i g o .
combater ao m e s m o t e m p o e m q u e m a n t i n h a m - s e a s abtal, a s t r o p a s d e
Combate em campo A ação de defesa contra essa
seguiam e m m a r c h a perseguindo elite m a i s e s p e c i a l m e n t e encarregadas manobra consistia e m posicionar
Face ao adversário, era necessário ter o inimigo a distância, os cavaleiros ile p r o t e g e r a r e t i r a d a , e o s sug'an, o adversário de tal m a n e i r a q u e
e m campo u m a infantaria competente, tucomanos e r a m pouco vulneráveis. i ropas d e c h o q u e p r o n t a s p a r a a t a c a r ele tivesse atrás de si u m terreno
c o m u m a p r o t e ç ã o de soldados [...] ; c a m p o i n i m i g o . A h a b i l i d a d e do impraticável para executar seu
avançando a descoberto e elementos Ao longo dos séculos VI-XII, para chefe consistia e m estudar b e m as s i m u l a c r o de fuga.
de vigilância para evitar as surpresas lutar contra a tática de perseguição de condições que determinavam a ação
A m a n o b r a d e al-karr wa'1-farr,
e impedir o cerco. Era recomendado N u r ed-Din, os francos multiplicaram m combate e que iriam desencadear
apesar de ser simples e de prática
que se evitasse o c o m b a t e e m terreno as unidades constituídas de nativos, os .i m a n o b r a . U m a v e z i n i c i a d a a
corrente, era sempre bem-sucedida;
plano, onde as possibilidades do "turcópolos", elementos de cavalaria batalha, a dificuldade era conservar o
contudo, o sucesso desse m o v i m e n t o
i n i m i g o n ã o podiam ser avaliadas, ligeira a r m a d o s de arco. A d a p t a n d o c o n t r o l e das t r o p a s , d e o n d e p r o v i n h a
ficava c o n d i c i o n a d o à agilidade, à
t e r b o a s t r o p a s d e r e s e r v a e protegei- material e m é t o d o s ao adversário com muita freqüência a incerteza
ousadia e à vontade do e x e c u t a n t e .
o s flancos. N u n c a c o m b a t e r c o m o s oriental, os cruzados n ã o tiraram que planava sobre o resultado final
Q u a n d o a s tropas de N u r ed-Din
flancos ou a retaguarda descobertos, n e n h u m proveito dos esquadrões de u m combate,- o c h e f e devia s a b e r
atacavam n a planície, elas buscavam,
escolher o local do c o m b a t e , s e m p r e rápidos para m a i s tarde modificar s u a
I imitar o s riscos e conservar b e m os sobretudo, mobilidade. D e fato, as
se dispor de m a n e i r a q u e o inimigo tática no Ocidente.
h o m e n s sob controle. N o m o m e n t o disposições de c o m b a t e variavam de
tivesse o sol nos olhos e o vento s c o l h i d o , a s fileiras d e s o l d a d o s d e acordo c o m a situação geográfica e as
soprando c o n t r a ele, c o m b a t e r c o m as ifantaria do centro, depois de t e r e m forças que se apresentavam. S e o t e m a
O c o m b a t e e m linha de batalha
retaguardas protegidas por obstáculos ontido o adversário, s e a f a s t a v a m , da m a n o b r a q u e c o n s i s t i a e m d e s t r u i r
n a t u r a i s c o m o u m c u r s o d'água, u m Al-Turtusi ( u m c o n t e m p o r â n e o de • posicionavam n a s alas e deixavam a coesão entre a infantaria e a cavalaria
p â n t a n o o u falésias, para evitar u m a infância de N u r ed-Din) era partidário era sempre o m e s m o , sua execução
I I c a m i n h o livre p a r a o s c a v a l e i r o s
m a n o b r a q u e p e r m i t i s s e a f o r m a ç ã o de de u m exército ordenado e m três conhecia variantes.
e f e t u a r e m a m a n o b r a d e al-kair wa'l-
u m cerco; fortificar s e u campo, j a m a i s partes: u m a central e duas alas. Ele fiirr (carga e d e b a n d a d a d a c a v a l a r i a ] . N i k i t a Elisseeff,
se l a n ç a r n u m a perseguição d e m a s i a d o preconizava para o c o m b a t e e m linha
rápida, n e m separar i n f a n t a r i a e Nur ed-Din, Dumas, 1967
de batalha a f o r m a ç ã o e m três fileiras.
cavalaria, n ã o permitir de n e n h u m a A primeira fileira e r a c o m p o s t a de Al-karr wa'1-farr
m a n e i r a o f r a c i o n a m e n t o do exército. soldados de infantaria equipados c o m
[...] E m u m a carga r e p e n t i n a , a cavalaria
b o n s e s c u d o s : hanuwiya o u taríqa,
dc N u r e d - D i n , p o s i c i o n a d a n o centro,
U m a das manobras principais dc h o m e n s que a s s u m i a m posição
n i t r a v a e m contato c o m o adversário.
N u r ed-Din, se n ã o a mais freqüente, atrás de seus escudos, c o m o j o e l h o
I )epois, fingindo fraqueza, ela se
era separar a cavalaria da infantaria esquerdo apoiado n o chão, portando
retirava, s i m u l a v a a f u g a a r r a s t a n d o
e destruir a coesão do adversário p o r longas lanças fixadas n o solo e m u m
consigo, irresistivelmente, e m u m a
m e i o da perseguição e provocação. ângulo p r ó x i m o a 4 5 graus, e t i n h a m
ivalgada p a r a l o n g e d e s u a s b a s e s , o s
t a m b é m , a o alcance da m ã o , azagaias
N a s operações desse gênero, logosos cavaleiros f r a n c o s .
pontudas. Esses h o m e n s constituíam
os cavaleiros zângidas, armados N a m a n o b r a da debandada, inspirada
u m a primeira l i n h a de defesa. N a
e s s e n c i a l m e n t e de arcos e flechas, na e s t r a t é g i a d o s p o v o s d a s e s t e p e s , o
s e g u n d a fileira, a t r á s d e c a d a g r u p o
e x e c u t a v a m u m a verdadeira cavalgada II l o m e n t o d e l i c a d o e r a a q u e l e e m q u e
d e dois h o m e n s , f i c a v a u m a r q u e i r o
ao redor da c o l u n a e m m a r c h a . cavalaria de N u r e d - D i n fazia a
a t i r a d o r d e a r c o d e m ã o [garh] m u n i d o
Atacando pelos flancos, perseguindo e meia-volta para contra-atacar. Este
d e f l e c h a s [rúbal); o p a p e l d e s s a f i l e i r a
m o l e s t a n d o a retaguarda, eles f a z i a m m o v i m e n t o devia ser e x e c u t a d o
e r a repelir a t r a v é s do l a n ç a m e n t o d e
c a i r u m a v e r d a d e i r a saraivada de [liando a s a l a s , q u e t i n h a m
suas setas as cargas do adversário. M a s ,
flechas, depois se retiravam. Q u a n d o permanecido n o local do confronto,
se certos elementos conseguissem
as fileiras i n i m i g a s e s t a v a m desfeitas, já h a v i a m p o s t o f o r a d e c o m b a t e o s
entrar e m contato c o m a primeira
os cavalos m o r t o s o u feridos, a elementos francos que n ã o t i n h a m
fileira, o s c a v a l o s s e c h o c a v a m c o m
cavalaria t u r c o m a n a se reorganizava p a r t i c i p a d o da p e r s e g u i ç ã o . Q u a n d o
as l a n ç a s , e c a v a l e i r o s e m o n t a r i a s
e m esquadrões e atacava violenta e i cavalaria franca retrocedia, ficava
e r a m abatidos c o m golpes d e azagaia.
i m p e t u o s a m e n t e o adversário, pondo presa c o m o n a a r m a d i l h a de u m laço
N a t e r c e i r a fileira, p r o t e g i d a p e l a
fora de c o m b a t e os e l e m e n t o s isolados, mi e m u m t o r n o ; e n t ã o n ã o faltava
infantaria, m a n t i n h a - s e a cavalaria a D e s t r u i r a c o e s ã o do adversário p o r m e i o
u m após outro. Era u m m o d o de mais nada, exceto fazer prisioneiros de p r o v o c a ç ã o e p e r s e g u i ç ã o .
154 T E S T E M U N H O S E DOCUMENTOS TESTEMUNHOS E DOCUMENTOS 155

Retrato de Saladino i scassez e t a m b é m e m t e m p o s de


abundância, e seus tesoureiros

Saladino não tinha somente partidários no mundo m a n t i n h a m guardadas algumas


-ervas de d i n h e i r o p o r t e m o r de v e r
islâmico. O califa ficou enciumado e temeroso de seu j brevir u m a d e s p e s a u r g e n t e , p o i s
sabiam m u i t o b e m que se ele tivesse
poder, e os partidários dos zângidas continuaram a o inhecimento da existência desse
d i n h e i r o , o t e r i a g a s t o . [...]
considerá-lo um usurpador. Com o tempo, contudo,
ele viria a tornar-se um personagem mítico cujo : a coragem e sua firmeza

exemplo inspirou muitos chefes de Estado árabes Relata-se que o Profeta disse as
seguintes palavras: " D e u s a m a a
contemporâneos. Junto aos francos, pelo contrário, coragem, m e s m o quando se trata
de m a t a r u m a s e r p e n t e . " S a l a d i n o
seu prestígio foi imediato. Eis aqui o depoimento c i a u m h o m e m dos m a i s c o r a j o s o s ,

de seu secretário, Baha ad-Din Ibn Shaddad. o coração forte, o espírito valente, a
iiIma f i r m e , i n t r é p i d a d i a n t e d e t o d a s
iis p r o v a s . E u o v i c o m b a t e r c o n t r a
Alguns aspectos de sua generosidade ignoro. Ele dava de p r e s e n t e províncias u m g r a n d e n ú m e r o de f r a n c o s p a r a
inteiras. C o n q u i s t o u A m i d a [na os q u a i s i n c e s s a n t e m e n t e c h e g a v a m
O Profeta disse: " Q u a n d o o h o m e m M e s o p o t â m i a ] ; o f i l h o de Q a r a A r s l a n .i p o i o s e r e f o r ç o s , a l g o q u e a p e n a s
generoso tropeça, D e u s o t o m a pela [ M u h a m m a d Ibn Qara Arslan, e m i r o ijudava a m u l t i p l i c a r s u a f o r ç a
m ã o " , e várias tradições canónicas a r t ú q u i d a de H i s n Kaifa, 1 1 7 4 - 1 1 8 5 ] terreno; t a m b é m se aproximava
ilc a l m a e s u a r e s i s t ê n c i a t e n a z . N a
f a l a m da generosidade. A de Saladino pediu-lhe que dela lhe fizesse presente, do inimigo quando não estávamos
m e s m a tarde c h e g a r a m m a i s de
era d e m a s i a d o m a n i f e s t a para que a e S a l a d i n o o p r e s e n t e o u c o m ela. Vi, longe dele; e m p l e n o fragor da
M lenta embarcações inimigas, as
registremos aqui, f a m o s a d e m a i s para c o m m e u s próprios olhos, toda u m a i|ii.iis c o n t e i , d a h o r a d a p r e c e d o asr c
b a t a l h a , p a s s a v a e m m e i o às f i l e i r a s ,
que dela f a ç a m o s m e n ç ã o : v o u m e s é r i e de d e p u t a ç õ e s r e u n i d a s d i a n t e 11 >i i n t e i r a s h o r a s d a t a r d e ] a t é o p ô r acompanhado apenas por u m único
dele, e m J e r u s a l é m , q u a n d o h a v i a di i sol, e p o r i s s o S a l a d i n o t o r n o u - s e p a j e m que conduzia u m cavalo de
limitar a u m a visão de c o n j u n t o . C o m
d e c i d i d o ir r e s i d i r e m D a m a s c o , e ainda m a i s obstinado. N o princípio do batalha pelas rédeas; m o v i m e n t a v a - s e
t o d o s o s o b j e t o s de v a l o r q u e e s t i v e r a m
e m seu tesouro não havia nada para inverno, ele t i n h a c o n c e d i d o l i c e n ç a a da a l a d a d i r e i t a p a r a a a l a d a e s q u e r d a ,
e m sua m ã o , por ocasião de sua m o r t e
d a r a e s s a s deputações,- i n s i s t i t a n t o suas tropas e s ó havia c o n s e r v a d o u m p u n h a e m o r d e m as unidades e lhes
só f o r a m e n c o n t r a d o s e m seu tesouro
c o m ele, q u e Saladino v e n d e u u m a pi i|i.ieno d e s t a c a m e n t o p a r a e n f r e n t a r ordenava que avançassem ou que
4 7 d r a c m a s de prata n a s i r i t a e u m
aldeia, propriedade do t e s o u r o p ú b l i c o , .is g r a n d e s f o r ç a s i n i m i g a s . [...] p a r a s s e m n o s lugares oportunos.
único lingote de ouro de Tiro, cujo peso
e distribuímos o produto dessa venda l o d o s o s dias, u m a ou duas vezes, D o m i n a v a do alto e seguia de p e r t o o s
s e m conservar u m único dracma. ele i n s i s t i a i m p e r i o s a m e n t e e m s a i r m o v i m e n t o s do i n i m i g o ; ao m e s m o
S a l a d i n o q u e i m a s e u s c a n h õ e s e galeras,
e parte c o m seu e x é r c i t o . Ele distribuía dinheiro e m t e m p o s de 11.iia f a z e r o r e c o n h e c i m e n t o d o t e m p o e m q u e dirigia a b a t a l h a ,
escutava u m p a j e m ler u m f r a g m e n t o
das tradições c a n ó n i c a s . Tudo isso foi
fruto de m i n h a s observações; eu tinha
dito que as tradições já h a v i a m sido
lidas n o s lugares m a i s n o b r e s , m a s q u e
n u n c a s e o u v i r a f a l a r de a l g u é m q u e a s
tivesse lido e m m e i o às tropas
e n f i l e i r a d a s e m c a m p o d e batalha,-
portanto, "se Sua Majestade aceitasse
que relatássemos esse seu costume,
seria r e a l m e n t e m a r a v i l h o s o " . Ele
autorizou que isso fosse feito; m a n d o u
trazer u m a coletânea e m a n d o u
que alguém lhe lesse, e n q u a n t o n o s
encontrávamos todos montados a
cavalo, avançando o u parando entre os
156 T E S T E M U N H O S E D O C U M E N T O S TESTEMUNHOS E DOCUMENTOS 157

e s t a v a de serviço, p a r a ler as t r a d i ç õ e s — Isso não custa nada: nós


c a n ó n i c a s o u obras d e direito: p o r satisfizemos seu desejo e por isso
111'''' e x e m p l o , e l e leu c o m i g o u m c o m p ê n d i o recebemos a recompensa.
r e s u m i d o d e S u l a i m ar-Razi, q u e Se u m fato s e m e l h a n t e tivesse
c o m p r e e n d i a as q u a t r o s e ç õ e s de direito. ocorrido c o m u m s i m p l e s particular,
C e r t o dia, S a l a d i n o d e s m o n t o u este c e r t a m e n t e teria perdido seu
do c a v a l o e, c o m o d e c o s t u m e , f o i sangue-frio, e q u e m j a m a i s teria sido
descansar. Ele queria se levantar, m a s capaz de responder desse m o d o a u m
d i s s e r a m - l h e q u e a h o r a da p r e c e s u b o r d i n a d o ? E s t e a t o é u m nec plus
estava próxima. Voltou para sentar-se ultra d e b o a v o n t a d e e d e i n d u l g ê n c i a ,
dizendo: " E n t ã o f a ç a m o s a prece e e " D e u s não p e r m i t e que se perca a
vamos dormir!" Sentou-se e continuou r e c o m p e n s a daquele que faz o b e m "
a conversa suavemente. Todo m u n d o [Corão, IX, 1 2 1 ] .
já h a v i a s e r e t i r a d o , e x c e t o o p e s s o a l Por vezes, a almofada sobre a qual
de s e r v i ç o . F o i e n t ã o q u e s e a d i a n t o u Saladino sentava acabava sob os pés
u m velho m a m e l u c o que ele estimava daqueles que se acotovelavam ao seu
m u i t o , a p r e s e n t a n d o - l h e a súplica de redor para apresentar-lhe súplicas,
u m c o m b a t e n t e da guerra santa. m a s ele n ã o se ofendia. C e r t a ocasião,
— Estou cansado — disse o sultão e n q u a n t o e u estava de serviço a s e u
— , deixemos isso para m a i s tarde. lado, m i n h a m u l a assustou-se c o m
M a s o outro não obedeceu ao convite e os camelos e deu-lhe u m coice na
estendeu a súplica, até quase tocar o coxa machucando-o muito: Saladino
a u g u s t o r o s t o do s u l t ã o , a b r i n d o - a p a r a l i m i t o u - s e a sorrir. N u m dia de c h u v a
que ele pudesse lê-la. Saladino leu o e v e n t o , entrei c o m ele e m Jerusalém,-
n o m e que estava escrito n o cabeçalho, havia m u i t a l a m a e a m u l a fez
reconheceu-o e disse: espirrar t a n t a l a m a e m c i m a dele que
dois exércitos dispostos e m o r d e m de dos m u ç u l m a n o s . Então, concedeu a — E u m h o m e m de m é r i t o . estragou as v e s t i m e n t a s que Saladino
c o m b a t e n o c a m p o de b a t a l h a . paz que o inimigo pedia. Este ú l t i m o — Então — disse o m a m e l u c o — , u s a v a ; e l e s o r r i u , e q u a n d o e u q u i s ir-
N u n c a percebi que ele achasse que estava ainda m a i s fatigado e havia ]ue V o s s a M a j e s t a d e i n c l u a a q u i a m e embora por causa desse incidente,
o inimigo fosse demasiado n u m e r o s o sofrido m a i s perdas que n ó s , m a s declaração de v o s s o c o n s e n t i m e n t o ! ele n ã o permitiu de m o d o algum.
ou forte demais; entretanto, meditava esperava reforços e n q u a n t o n ó s não — M a s n ã o tenho tinteiro — Segundo Baha
e refletia, fazia c o m q u e todos os e s p e r á v a m o s nada; p o r t a n t o , era de respondeu Saladino, que estava sentado ad-Din Ibn Shaddad
p r o b l e m a s l h e f o s s e m e x p o s t o s e, p a r a n o s s o i n t e r e s s e fazer a paz, c o m o ;i p o r t a do p a v i l h ã o , d e m o d o q u e
cada u m deles, t o m a v a as providências se viu claramente quando o destino n i n g u é m p u d e s s e entrar, e n q u a n t o o
T ú m u l o de S a l a d i n o
necessárias, s e m a c e s s o s de irritação m o s t r o u o que guardava de reserva. inteiro e n c o n t r a v a - s e n a o u t r a p o n t a da
em Damasco.
ou de cólera. N o dia da grande b a t a l h a renda, q u e e r a m u i t o g r a n d e . M a s s e u
n a planície de Acre, os m u ç u l m a n o s Alguns aspectos de sua humanidade i n t e r l o c u t o r fez o s e g u i n t e c o m e n t á r i o :
f o r a m derrotados até o c e n t r o de e de sua indulgência — E s t á ali, o t i n t e i r o , n o f u n d o da
sua formação. Tambores e bandeiras onda! — Algo que n ã o significava
t o m b a r a m , m a s ele se m a n t e v e f i r m e D e u s disse "... e aqueles dentre os i iada m a i s q u e c o n v i d a r o s u l t ã o a ir
c o m u m p u n h a d o de h o m e n s , até que h o m e n s que perdoam, e D e u s a m a b u s c a r ele m e s m o o t i n t e i r o .
pôde se retirar e m boa o r d e m sobre a q u e m age b e m " [ C o r ã o , III, 1 2 8 ] . Ele e r a Saladino se virou, viu o tinteiro e
m o n t a n h a c o m todos os seus h o m e n s , indulgente para c o m os faltosos e pouco disse:
chamá-los aos brios e conduzi-los de d a d o à raiva. E u e s t a v a de s e r v i ç o a s e u — Por Alá! E verdade! — depois se
volta ao c o m b a t e , tão b e m que D e u s lado e m M a r i U y í i n , a n t e s do a t a q u e
c
ipoiou n o braço esquerdo, e s t i c o u o
f i n a l m e n t e deu aos m u ç u l m a n o s a dos f r a n c o s c o n t r a A c r e — q u e D e u s direito, a p a n h o u o tinteiro e a s s i n o u . . .
vitória sobre seus inimigos naquele facilite s u a r e c o n q u i s t a ! — Ele t i n h a lintão e u disse:
dia e m que m a t a m o s perto de 7 m i l o h á b i t o de sair a c a v a l o s e m p r e q u e o — D e u s disse de seu profeta: " T e n s
h o m e n s , t a n t o soldados de i n f a n t a r i a t e m p o p e r m i t i a , depois d e s c e r p a r a fazer erdadeiramente b o m coração" [Corão,
q u a n t o cavaleiros. E ele n ã o deixou a refeição c o m s e u s h o m e n s e p a r t i r l o g o i VIII, 4 ] e m e p a r e c e q u e V o s s a
de fazer frente ao i n i m i g o , que e m seguida p a r a d o r m i r e m s u a t e n d a Majestade compartilha c o m ele essa
d i s p u n h a de forças m a s s a c r a n t e s , até particular. A s s i m q u e a c o r d a v a , fazia qualidade.
o m o m e n t o e m que c o n s t a t o u a fadiga s u a prece, depois s e i s o l a v a , q u a n d o e u E Saladino respondeu:
158 T E S T E M U N H O S E D O C U M E N T O S
159

II i
Os francos vistos pelo Oriente basileu, que c h a m o u u m de seus
intérpretes para a língua latina e lhe
Para os orientais, bizantinos ou árabes, não há discussão pediu que traduzisse o significado
dessas palavras. Q u a n d o t o m o u
sobre a questão: os francos são seres grosseiros, brutais e c o n h e c i m e n t o do q u e o l a t i n o t i n h a
dito, n ã o lhe fez de i m e d i a t o n e n h u m a
ignorantes. Osama, emir de Sheizar, reconhece, todavia, o b s e r v a ç ã o , m a s g u a r d o u p a r a si
m e s m o suas reflexões. Q u a n d o todos
que os cavaleiros tinham qualidades de coragem e de despediram-se dele, o basileu c h a m o u

franqueza, bem como eram fiéis à amizade por aqueles o orgulhoso e impudente latino e lhe
perguntou q u e m era, de que região
que residiam no Oriente há muito tempo. vinha, a que linhagem pertencia.
"Sou u m franco puro", respondeu
o o u t r o , " e da n o b r e z a ; e sei de u m a
Os francos vistos pelos bizantinos " T u n ã o deverias", disse-lhe,
coisa: é que, e m u m a encruzilhada na
"agir dessa maneira, tanto m a i s que
S e g u n d o o depoimento deAna terra onde nasci, existe u m santuário
a c a b a s de j u r a r v a s s a l a g e m a o b a s i l e u .
Comneno, os cruzados chamam a h á m u i t o s a n o s erigido, onde qualquer
Efetivamente, n ã o é c o s t u m e dos Godofredo de B o n i l l o n , respeitado pelos
atenção sobretudo por sua grosseria e u m q u e deseje se b a t e r e m duelo vai
b a s i l e u s dos r o m a n o s p e r m i t i r q u e s e u s m u ç u l m a n o s p o r sua s i m p l i c i d a d e e p o r
sua brutalidade se postar c o m e s s e objetivo, e ali ele
súditos sentem-se ao m e s m o t e m p o que sua piedade.
pede a D e u s s u a ajuda, e n q u a n t o
eles; a q u e l e s q u e s e t o r n a r a m v a s s a l o s
D e p o i s de t o d o s t e r e m sido reunidos, espera n o local o h o m e m que ousaria
de S u a M a j e s t a d e d e v e m o b s e r v a r
inclusive o próprio Godofredo, e depois desafiá-lo. N e s s a encruzilhada, passei
t a m b é m o s c o s t u m e s do p a í s " . características e as peculiaridades de
de o j u r a m e n t o ter sido prestado por m u i t o t e m p o s e m t e r n a d a q u e fazer,
sua mentalidade.
O h o m e m nada respondeu a esperando u m protagonista; m a s o
cada conde, u m nobre teve a audácia N o e x é r c i t o do rei F o u l q u e s , f i l h o d e
Balduíno, m a s lançou u m olhar furioso h o m e m suficientemente audacioso
de sentar-se na cadeira do basileu. O Foulques, havia u m honrado cavaleiro
p a r a o b a s i l e u e, f a l a n d o s o z i n h o para tanto jamais apareceu".
basileu tolerou isso s e m dizer u m a franco que, t e n d o v i n d o de suas terras
e m m u r m ú r i o s , dirigiu-lhe a l g u m a s D i a n t e dessas palavras, o basileu
palavra, pois c o n h e c i a h á m u i t o t e m p o para fazer a peregrinação, ia voltar p a r a
palavras e m sua própria língua. "Vede", replicou:
a natureza arrogante dos latinos. M a s lá. Ele t o r n o u - s e m e u c o n h e c i d o e
disse ele, " q u e h o m e m grosseiro; ele " S e buscaste c o m b a t e r s e m poder
o conde Balduíno interveio, puxou o a p e g o u - s e a m i m , c h a m a n d o - m e de
senta-se sozinho quando tão valorosos encontrar ocasião p a r a isso, eis que
outro pela m ã o e o fez se levantar, seu i r m ã o . T e n d o e m vista o fato de
capitães se m a n t ê m de pé a seu lado". chegou o m o m e n t o e m que serás que a amizade havia criado entre n ó s
fazendo-lhe severas censuras.
O m o v i m e n t o d o s l á b i o s do satisfeito à força de t a n t o s c o m b a t e s ; r e l a ç õ e s p r o l o n g a d a s , e ele p r ó p r i o
latino não passou despercebido ao recomendo-te, vivamente, que não estivesse decidido a viajar por m a r
A n i m a i s q u e p o s s u e m a v i r t u d e da força.
te p o s i c i o n e s n e m n a r e t a g u a r d a para retornar à s u a terra, m e disse:
n e m à frente das fileiras, m a s que "Irmão, v o u - m e embora, volto para
permaneças no centro." casa. Gostaria que deixasses que teu
A n a C o m n e n o , Mexíade, X filho partisse c o m i g o (este ú l t i m o , c o m
14 anos, m e acompanhava); e m m i n h a
terra, ele observaria os cavaleiros,
Os francos vistos pelo emir de Sheizar
seria instruído n o s c o n h e c i m e n t o s e
n a f o r m a ç ã o d a c a v a l a r i a e, q u a n d o
Osama, emir de Sheizar, é sensível, voltasse, teria aprendido o m o d o de
sobretudo, à ignorância deles, mas proceder de u m h o m e m sensato."
estabeleceu uma diferença entre os
antigos e os recém-chegados. M i n h a orelha ficou chocada ao
ouvir tais sugestões, que não poderiam
e m a n a r de u m a c a b e ç a razoável.
N o q u e diz r e s p e i t o a o s f r a n c o s , Pois se m e u filho tivesse sido feito
q u a n d o s e t r a t a d a m a n e i r a d e ser, p r i s i o n e i r o , n a d a de p i o r p o d e r i a t e r - l h e
pode-se apenas exaltar e santificar o acontecido e m seu cativeiro do que
Altíssimo, pois v e m o s neles a n i m a i s ser levado para a terra dos francos.
q u e p o s s u e m a v i r t u d e da f o r ç a e Respondi:
da r e s i s t ê n c i a p a r a c a r r e g a r g r a n d e s " Q u e curioso, isso era e x a t a m e n t e
fardos. V o u evocar a l g u m a s de s u a s o que eu tinha e m m e n t e . M a s estou
160 T E S T E M U N H O S E D O C U M E N T O S TESTEMUNHOS E DOCUMENTOS 161

impedido de fazê-lo pela afeição que a o médico examinou a mulher, sobre a medicina coisas que, até " U m amigo meu, u m franco, m e
avó t e m pelo m e n i n o : ela só p e r m i t i u declarou que ela t i n h a n a c a b e ç a u m então, m e eram desconhecidas." convidou. Venha comigo, para ver
que ele v i e s s e c o m i g o depois de m e d e m ô n i o que a possuía e exigiu que Entre os francos, existem aqueles c o m o se c o m p o r t a m essas pessoas."
ter feito jurar que eu o levaria de volta. lhe rapassem a cabeça. Q u a n d o isso que se a c l i m a t a r a m e a d q u i r i r a m " E u fui c o m ele", r e l a t o u - m e m e u
— D e m o d o q u e t u a m ã e a i n d a vive? — estava feito, ela s e p ô s a comer, e n t r e o h á b i t o de c o n v i v ê n c i a c o m o s c o m p a n h e i r o , " e c h e g a m o s à casa de
m e perguntou o cavaleiro. outras coisas que se c o m e entre os m u ç u l m a n o s . Esses ú l t i m o s são u m c a v a l e i r o da v e l h a g e r a ç ã o , u m
— Sim. — Então não a contrarie." francos, alho e mostarda. A mulher m e l h o r e s que os outros, r e c e n t e m e n t e daqueles que t i n h a m partido de suas
Agora falemos das estranhezas emagreceu ainda m a i s e o médico instalados e m suas terras, m a s
terras c o m as primeiras expedições
da m e d i c i n a dos francos. O s e n h o r disse: ' O d e m ô n i o já l h e h a v i a e n t r a d o c o n s t i t u e m a exceção que não se
francas. Afastado de f u n ç õ e s especiais
de a l - M u n a y t ' i r a escreveu a m e u n a cabeça.' Ele pegou u m a navalha, fez deveria considerar c o m o regra.
e d i s p e n s a d o de s e r v i ç o , e l e p o s s u í a ,
tio pedindo que lhe enviasse u m sobre o crânio u m a incisão e m forma A propósito disso, direi q u e
e m A n t i o q u i a , u m a p r o p r i e d a d e de
medico que pudesse tratar alguns de c r u z e, n o m e i o , u m a e s f o l a d u r a t ã o havia enviado a Antioquia, onde
cujos frutos vivia. A p r e s e n t o u - n o s u m a
de seus c o m p a n h e i r o s d o e n t e s . M e u profunda que o osso apareceu. Então se e n c o n t r a v a o c h e f e T h e o d o r o s
beía m e s a e pratos tão limpos e tão
tio despachou u m m é d i c o cristão esfregou t u d o c o m sal e a m u l h e r Sophianos, que m a n t i n h a comigo laços
finos q u a n t o se podia imaginar. Ao ver
c h a m a d o T h a b i t . Ele n ã o havia se morreu imediatamente. Eu perguntei de a m i z a d e e t i n h a p l e n a a u t o r i d a d e
aos francos se eles ainda precisavam q u e e u m e a b s t i n h a de comer, ele m e
ausentado n e m sequer dez dias na c i d a d e , u m d e m e u s c o m p a n h e i r o s ,
de m i m . C o m o respondessem que disse: " C o m a , n ã o faça cerimônia! Eu
quando retornou. D i s s e m o s a ele p a r a c u i d a r de a l g u n s n e g ó c i o s . E l e
não, v i m - m e embora, tendo aprendido t a m b é m não c o m o a comida franca.
que havia curado aqueles doentes d i s s e c e r t o dia a m e u c o m p a n h e i r o : '
T e n h o cozinheiras egípcias, s ó c o m o o
m u i t o depressa. M a s pedimos que nos
que elas p r e p a r a m e a c a r n e de porco
explicasse c o m o : "Trouxeram-me
não entra e m m i n h a casa." E assim
u m cavaleiro e m cuja perna havia
eu comi, ainda que c o m cautela,
se formado u m abscesso e u m a
m u l h e r que estava sofrendo de u m m a n t e n d o - m e e m guarda, e depois
m a l de e m a g r e c i m e n t o , m i n g u a n d o , f o m o s e m b o r a . A l g u m t e m p o depois,
ressequida. Preparei, para o cavaleiro, a o passar pelo mercado, fui agarrado
u m pequeno emplastro, o abscesso por u m a m u l h e r f r a n c a que se pôs a
se abriu e c o m e ç o u a evoluir b e m . v o c i f e r a r n a l í n g u a deles,- e u n ã o s a b i a
Para a mulher, receitei u m a dieta o q u e e l a d i z i a . U m g r u p o de f r a n c o s
especial e comecei a acalmar-lhe o s e f o r m o u e s u a h o s t i l i d a d e m e fez
temperamento. Entretanto, chegou acreditar que, c o m toda certeza, iria
u m médico franco, que declarou morrer. M a s eis que chegou aquele
que eu não conhecia nada capaz de c a v a l e i r o : a d i a n t a n d o - s e , e l e m e v i u e,
curá-los. ' Q u e preferes', perguntou ele a p r o x i m a n d o - s e da mulher, disse-
ao cavaleiro, 'viver c o m u m a perna lhe: "Qual é teu problema c o m este
s o o u morrer c o m as duas?' O outro m u ç u l m a n o ? " — "Ele m a t o u m e u
respondeu que preferia viver c o m u m a i r m ã o H u r s o , " respondeu ela.
só. 'Eu quero', disse e n t ã o o médico, E s t e H u r s o era u m cavaleiro de
' u m cavaleiro robusto e u m m a c h a d o A p a m é i a , que tinha sido m o r t o
b e m cortante e afiado!' Quando ambos
p o r a l g u é m do exército de H a m a .
e s t a v a m lá, eu m e s m o a s s i s t i n d o à
O cavaleiro, gritando, respondeu à
cena, o médico colocou a perna do
mulher: "Este h o m e m é u m burguês
doente sobre u m cepo de m a d e i r a e
[ele q u e r i a d i z e r : u m m e r c a d o r ] ,
disse ao cavaleiro: 'Acerte-lhe a perna
que não combate, que j a m a i s viu
c o m u m golpe de m a c h a d o , u m ú n i c o
u m a b a t a l h a ! " E o cavaleiro, s e m p r e
q u e a c o r t e f o r a ! ' V i o c a v a l e i r o golpear,
gritando m u i t o alto, partiu para c i m a
u m a primeira vez, s e m que a perna
dos outros que h a v i a m se agrupado
fosse cortada. N o segundo golpe, a
a o n o s s o redor. E l e s s e d i s p e r s a r a m ,
m e d u l a da p e r n a f o i e s p a r g i d a e o
paciente morreu n a hora. Depois, e n q u a n t o ele m e levava consigo,
m i n h a m ã o apertada n a dele. Esses
f o r a m os b o n s resultados de t e r m o s
N o s domínios científicos, comparado compartilhado u m a refeição: eu havia
c o m o O c i d e n t e , o Islã estava m u i t o e s c a p a d o da m o r t e .
avançado.
O s a m a , Ensinamentos da vida
162 T E S T E M U N H O S E D O C U M E N T O S TESTEMUNHOS E DOCUMENTOS 163

As fortalezas francas
De todas as fortalezas construídas pelos francos na
Síria e na Palestina, o Krak dos Cavaleiros, na Síria, é
a mais célebre e a mais bem conservada. Cedida aos
Hospitalarios, não pôde resistir a Baybars, a despeito
do poderio de suas defesas.
Função, origem e descendência e, s i m , i n d i v i d u a l m e n t e , p o r
dos castelos francos da Síria e da cavaleiros e m busca de terras. N e s s e
Palestina sentido, a c o n s t r u ç ã o de fortificações
francas n a Terra Santa teve c o m
O historiador francês Paul D e s c h a m p s , f r e q ü ê n c i a u m a origem, e c o n ô m i c a e
a q u e m devemos u m admirável não p u r a m e n t e militar. Era o m e i o
estudo sobre o Krak dos Cavaleiros, d e e x i g i r da p o p u l a ç ã o d o s a r r e d o r e s
havia ressaltado a e x i s t ê n c i a de u m rendas anuais e serviços para as
verdadeiro s i s t e m a de defesa da necessidades pessoais e militares
Terra Santa, organizado e m função do do s e n h o r . A l é m d i s s o , a f o r t a l e z a
traçado da fronteira, das características tornou-se rapidamente u m centro de
do relevo, das p a s s a g e n s e das c o l o n i z a ç ã o e de d e s e n v o l v i m e n t o , Fortaleza de Sidon.
estradas. Atualmente, r e e x a m i n a m o s atraindo novos habitantes pela
essas afirmações: os francos ocuparam, segurança que ela garantia. C o n t r i b u i u
por necessidade prática, as fortalezas t a m b é m para estender os l i m i t e s do A origem contestada das fortalezas a zona costeira, de capital
que balizavam a fronteira noroeste do reino ao estabelecer o controle dos importância, u m a vez que assegura
Islã e o l i m i t e sudeste dos territórios A localização das fortificações suas comunicações c o m o Ocidente.
ocidentais sobre novos territórios.
bizantinos; ora, esta l i n h a n ã o coincide responde, contudo, a u m n ú m e r o D e lá, eles p r o c u r a r a m e s t e n d e r a
D e s s e m o d o , os castelos dos cruzados
c o m a de seu m a i o r a v a n ç o . Por outro d e t e r m i n a d o de i m p e r a t i v o s fronteira continental até o deserto,
r e s p o n d e r a m a c o n s i d e r a ç õ e s de
lado, as praças fortificadas n ã o f o r a m ordem administrativa, econômica e estratégicos, eles próprios ligados às quase sempre s e m sucesso. N ã o
todas adquiridas pelo poder público, social, a n t e s de s e r e m integrados e m p r i n c i p a i s c a r a c t e r í s t i c a s do r e l e v o p u d e r a m c o n t r o l a r as p l a n í c i e s de
de a c o r d o c o m u m p l a n o s i s t e m á t i c o , u m s i s t e m a geral de defesa. da região. Esta c o m p r e e n d e u m a Alepo, de H a m a e de H o m s , do o u t r o
planície litorânea m a i s ou m e n o s lado do Oronte. Fracassaram diante
estreita, entrecortada por p o n t a s de d e D a m a s c o e s ó s e a p r o x i m a r a m da
contrafortes, u m a zona m o n t a n h o s a g r a n d e r o t a de c a r a v a n a s n o s u d e s t e
e s t e n d e n d o - s e de n o r t e a sul que do m a r M o r t o , ao s e e s t a b e l e c e r e m n o
P l a n t a do c a s t e l o de M a r k a b (Margat).
domina a profunda depressão ocupada K r a k de M o a b e n o K r a k d e M o n t r e a l .
pelo m a r M o r t o e o v a l e do r i o J o r d ã o . A l é m disso, d u a s l i n h a s de defesa
Ao n o r t e , o v a l e do rio L i t a n i e d e p o i s de n o r t e p a r a sul f o r a m n e c e s s á r i a s ,
() c u r s o s u p e r i o r do O r o n t e p r o l o n g a m u m a n a c o s t a e m que todas as cidades
a bacia do Jordão. M a i s além, e m litorâneas e r a m fortificadas, outra
MODERNA direção ao leste, depois de u m planalto sobre o flanco oriental das m o n t a n h a s
e da c a d e i a do A n t i - L í b a n o , c o m e ç a o q u e d o m i n a m a g r a n d e b a c i a da S í r i a ,
C>'
d e s e r t o . N a b o r d a do d e s e r t o , a G h u t a d o vale do O r o n t e ao m a r M o r t o .
de D a m a s c o é u m o á s i s fértil p e l o q u a l M a s a barreira m o n t a n h o s a que se
passa a rota das caravanas, fazendo e s t e n d e do A m a n u s , p r ó x i m o d e
i > p e r c u r s o da M e s o p o t â m i a p a r a a A n t i o q u i a , à s c o l i n a s da J u d e i a , p e r t o
Arábia o u para o Egito. de Jerusalém, n ã o é contínua: grandes
O s francos inicialmente passagens põem e m contato o mundo
estabeleceram sua d o m i n a ç ã o sobre do deserto c o m a planície litorânea.
164 T E S T E M U N H O S E DOCUMENTOS TESTEMUNHOS E DOCUMENTOS 165

D o controle dessas passagens, através grandes b l o c o s de pedra p r o v e n i e n t e s estrutura de c o n s t r u ç ã o s i m é t r i c a . torres quadradas, isolava u m pátio
de sólidas praças-fortes, d e p e n d i a a de m o n u m e n t o s da é p o c a h e l e n í s t i c a , M a s eles são t a m b é m u m i n s t r u m e n t o central, onde foi c o n s t r u í d o o grande
sobrevivência dos Estados francos. u m portão baixo, aberturas reduzidas de defesa ativa; n ã o p o d e n d o salão. N o f i m do s é c u l o X I I e n o s
F i n a l m e n t e , sendo os m u ç u l m a n o s d a v a m grande solidez a essas torres resistir a u m cerco i m p o s t o por u m primeiros anos do século XIII, u m a
a m p l a m e n t e superiores e m n ú m e r o , refúgios, que ofereciam u m a defesa exército poderoso, os defensores segunda área, m u i t o maior, cercada
era i m p o r t a n t e ser r a p i d a m e n t e passiva e de curta duração diante e r a m obrigados a fazer n u m e r o s a s de muralhas, encerra a primeira,
i n f o r m a d o sobre os m o v i m e n t o s de tropas n ã o regulares o u de surtidas para impedir a aproximação q u e foi r e m o d e l a d a . G r a n d e s
do a d v e r s á r i o e criar p o n t o s c o m saqueadores. Enquanto no Ocidente os das m á q u i n a s de guerra e m a n t e r reformas internas modificaram a
população fixa para facilitar a torreões eram, ainda no século XI, suas ligações c o m a retaguarda. O capela, o grande salão, os depósitos
m o b i l i z a ç ã o rápida n a retaguarda de m a i s f r e q ü e n t e m e n t e torres de p r o j e t o de c o n s t r u ç ã o d o castrum de s u b t e r r â n e o s e as vias de a c e s s o
u m exército de i n t e r v e n ç ã o . N e s s a s madeira, a escassez dessa matéria- Belvoir responde e x a t a m e n t e a essas n a frente oriental, enquanto u m a
c o n d i ç õ e s , os castelos da Terra S a n t a p r i m a n a Síria levou os francos a p r e o c u p a ç õ e s . [...] fortificação de sacada v i n h a proteger
ocupavam posições estratégicas, eram utilizarem pedra e a c o n s t r u í r e m a f r e n t e sul, m a i s difícil de defender.
diques de r e s i s t ê n c i a e t i n h a m valor abóbadas que s u s t e n t a v a m os dois F i n a l m e n t e , n a s e g u n d a m e t a d e do
a n d a r e s do t o r r e ã o . A o redor deste,
Um modelo para o Ocidente?
somente por sua situação e suas século XIII, quando os recursos da
relações c o m as outras praças-fortes, u m a m u r a l h a de pedra d e l i m i t a v a u m o r d e m dos Hospitalários se reduziram,
O ú l t i m o tipo era o das grandes
c o m as cidades e c o m o s e x é r c i t o s de pátio muito pequeno. u m a fortificação p e n t a g o n a l foi
fortalezas, o u castelos esporões.
c a m p o . [...] O Oriente Próximo há muito tempo Elas g e r a l m e n t e o c u p a v a m u m construída no ângulo meridional
c o n h e c i a o u t r o t i p o de f o r t i f i c a ç ã o , promontório c o m encostas muito da fortaleza. Praças desse porte
o castrum de p l a n t a quadrada, íngremes que c o n s t i t u í a m , de n e c e s s i t a v a m de u m a g u a r n i ç ã o
O torreão "normando" n u m e r o s a para resistir a u m cerco
comportando u m a torre e m cada três lados, as defesas naturais,
ângulo. O s a c a m p a m e n t o s das enquanto o quarto, no ponto e m que prolongado: e m 1 2 7 1 , o sultão Baibars
Q u a n d o v i e r a m do O c i d e n t e , os
legiões r o m a n a s , as praças-fortes o contraforte s e ligava ao planalto foi o b r i g a d o a r e c o r r e r a u m a f a l s a
cruzados trouxeram consigo suas
da fronteira b i z a n t i n a o u dos califas ou à m o n t a n h a , devia ser reforçado m e n s a g e m do c o n d e deTrípoli aos
t é c n i c a s d e f o r t i f i c a ç õ e s ; n o final do
o m í a d a s t i n h a m sido c o n s t r u í d o s de pela c o n s t r u ç ã o de u m fosso e sólidas defensores para obter sua r e n d i ç ã o .
século XI, a m a i s característica era
o torreão " n o r m a n d o " , torre isolada acordo c o m esse modelo. O s francos m u r a l h a s . Safed, M o n t f o i t , Subciba, B a i a r d , i n Les Croisades,
ou cercada por u m a p e q u e n a área adotaram-no e acrescentaram-lhe o K r a k de M o a b e, s o b r e t u d o , o Points Seu i 1
protegida por m u r a l h a s , q u e era m a i s sensíveis modificações para adequá-lo Krak dos Cavaleiros são as m a i s
adequada para a defesa de aldeias à n a t u r e z a do t e r r e n o e ao objetivo de célebres. O Krak, o u "fortaleza dos
ou pequenas povoações. Ainda s u a estratégia. A maioria dos castra ' Iospitalários", ocupou o local de u m As etapas da construção do Krak
sobrevivem, h o j e e m dia, e m t o r n o foi edificada rapidamente, e m c a m p o mitigo c a s t e l o m u ç u l m a n o . T e n d o dos Cavaleiros
de vinte n a Terra S a n t a : u m a aberto, o que implicava u m a defesa pertencido, inicialmente, ao c o n d e
A que época remonta a primeira
estrutura quadrada, c o m de todos os lados, p o r t a n t o , u m a de T r i p o l i , f o i c e d i d o , e m 1 1 4 2 , à
c a m p a n h a de c o n s t r u ç õ e s francas? O
muralhas de 10 a 15 m e t r o s i i d e m dos Hospitalários, responsável
posto, ocupado pela colónia militar
de c o m p r i m e n t o , 1 0 por t r ê s f a s e s s u c e s s i v a s d a
dos curdos, estabelecido pelos sultões
m e t r o s de altura, 3 (instrução. A n t e s de 1 1 7 0 , u m a
muçulmanos em IIosn-el-Akrad,
m e t r o » dc ON|v-»iir.i pifei',, área m u r a d a interior, balizada p o r
"o castelo dos Curdos", t e r m o que
que, c o m freqüência,
os cronistas árabes continuaram
reutilizam
a empregar durante toda a Idade
M é d i a para designar o Craque, devia
ser a p e n a s u m f o r t i m de p o u c a
importância e e n c o n t r a m o s vestígios
d i s s o . [...]

C a s t e l o dc M a r k a b ( M a r s a l ! : vista da face
sudoeste.
166 T E S T E M U N H O S E D O C U M E N T O S
TESTEMUNHOS E DOCUMENTOS 167

O s cruzados foram obrigados a se até n o s s o s dias, pois, e m 1 1 5 7 e


contentar, durante u m certo tempo, e m 1 1 7 0 , grandes t r e m o r e s de terra
c o m as fortificações de que h a v i a m c a u s a r a m grandes estragos entre
se apoderado, tais c o m o o castelo a s f o r t a l e z a s f r a n c a s da S í r i a . U m
dos Curdos e a fortaleza bizantina cronista árabe insiste n a e x t e n s ã o do
ainda conservada na área cercada por desastre de 1 1 7 0 n o Krak, onde, dizia
m u r a l h a s do c a s t e l o d e S a y u n , l u g a r e s ele, n ã o restou n e n h u m a m u r a l h a
que os cruzados o c u p a r a m a partir dos de pé, a c r e s c e n t a n d o q u e o terrível
p r i n i e i r o s a n o s do s é c u l o X I I . t r e m o r o c o r r e u e m u m dia de festa e
É preciso, portanto, n o que diz que os cristãos v i r a m c o m pavor as
respeito ao Krak, descer até a época a b ó b a d a s de s u a s i g r e j a s d e s a b a r e m .
da o c u p a ç ã o pelos Hospitalarios, que C o m o o a u t o r a c a b a v a d e f a l a r do
s e t o r n a r a m p r o p r i e t á r i o s do K r a k Krak, p o d e m o s p r e s u m i r que a
e m 1 1 4 2 , para e n c o n t r a r as partes i g r e j a do c a s t e l o e s t a v a e n t r e a s q u e
c o n s e r v a d a s m a i s a n t i g a s do c a s t e l o . f o r a m destruídas. Ora, a igreja que se
D e resto, a primeira construção dos m a n t e v e conservada até n o s s o s dias é
franceses nesse local não pôde resistir o e l e m e n t o p r i n c i p a l do q u e n o s r e s t a
de m a i s antigo do Krak. Ela seria,
p o r t a n t o , posterior a 1 1 7 0 e deve ter
sido construída, m u i t o provavelmente,
l o g o d e p o i s do a c i d e n t e , u m a v e z q u e
os Hospitalarios eram tanto u m a
o r d e m religiosa q u a n t o m i l i t a r e n ã o
p o d e r i a m v i v e r s e m u m a i g r e j a . [...]

Desse modo, chegamos à conclusão


de que as c o n s t r u ç õ e s m a i s antigas
que conseguiram chegar aos nossos
dias d a t a r i a m s o m e n t e de depois de
1 1 7 0 . Elas são caracterizadas pelo
trabalho e m relevo e a espessura das
pedras. E x i s t e m vestígios m u i t o mais
consideráveis do que se imaginava, e
q u a s e toda a área i n t e r n a primitiva
cercada por muralhas, dissimulada,
salvo nas v i z i n h a n ç a s da capela, por
a c r é s c i m o s feitos ao longo da segunda
c a m p a n h a , se m a n t e v e c o n s e r v a d a .
A segunda c a m p a n h a é representada
pelas três vultosas torres do sul,
pelos grandes taludes n o s quais elas
se encaixam, taludes que o c u p a m
igualmente a face oeste, e pela
construção da primeira área murada.
Acreditamos que esses diferentes
trabalhos de c o n s t r u ç ã o , c o m p o s t o s
p o r u m a disposição de pedras lisas de
grande e de m é d i a espessura, d a t a m
d o s p r i m e i r o s a n o s do s é c u l o X I I I .
N o v o s t r e m o r e s de terra, e m 1 2 0 1
e 1 2 0 2 , devem ter causado estragos
A g u l h a de S a y u n . à fortaleza e levado os arquitetos a
TESTEMUNHOS E DOCUMENTOS 169

conceberem esses grandes taludes que, filho de Baybars que o s u c e d e u d u r a n t e


c o m o d i s s e m o s , deveriam reforçar as dois a n o s , de 1 2 7 7 a 1 2 7 9 , ao t r o n o
muralhas. do E g i t o ] . E m s e g u i d a , as c a t a p u l t a s
Paul D e s c h a m p s foram içadas até a fortaleza e
Le Krak des Chevaliers disparadas e m bateria c o n t r a o torreão.
O sultão então escreveu aos defensores
falsas cartas, i m i t a n d o as f ó r m u l a s e
A tomada do Krak dos Cavaleiros a letra do chefe dos f r a n c o s de Tripoli,
H i s n al-Akrad n ã o fez p a r t e d o s que lhes ordenavam que se rendessem.
territórios conquistados aos francos Eles pediram para sair livremente, o
pelo sultão Saladino, e o c a s t e l o só foi que l h e s foi concedido sob a c o n d i ç ã o
libertado n o dia e m que a l - M a l i k de que todos r e t o r n a s s e m ao seu país.
Az-Zahir Ruim ad-Din Baybars N a t e r ç a - f e i r a 2 4 s h a b a n [7 d e a b r i l ]
c

conduziu [em 669/1271] a expedição os francos abandonaram o torreão e


c o n t r a T r i p o l i , a r e s p e i t o da q u a l j á f o r a m m a n d a d o s de v o l t a p a r a seu
falamos. Ele fez de H i s n al-Akrad país, e n q u a n t o o sultão t o m a v a posse
da fortaleza.
0 n o v o rajab d a q u e l e a n o [ 2 1 d e
l e v e r e i r o ] ; n o dia 2 0 [ 4 de m a r ç o ] , o s Segundo Ibn al-Fuzat
arrabaldes da cidade e s t a v a m ocupados (século XIV)
c vimos chegar al-Malik al-Mansur,
s e n h o r d e H a m a [tio d o h i s t o r i a d o r
Abu al-Fida]. O sultão foi ao seu
ncontro, d e s m o n t o u do cavalo ao
m e s m o t e m p o q u e e l e e, p o r c o r t e s i a ,
n a r c h o u sob suas bandeiras s e m
'.uarda-costas n e m e s c u d e i r o s . E l e ,
i'ni s e g u i d a , l h e e n v i o u u m p a v i l h ã o
fez c o m q u e o l e v a n t a s s e . C h e g a r a m
igualmente o e m i r Sayf a d - D i n ,
e n h o r de Sayun, e o g r ã o - m e s t r e dos
ismaelitas, N a j m ad-Din.
A o f i m do rajab, a m o n t a g e m de u m
; >m n ú m e r o de m á q u i n a s d e g u e r r a
lara sítio estava t e r m i n a d a ; n o dia
s h a b a n [ 2 2 de m a r ç o ] , o b a s t i ã o
c

loi t o m a d o d e a s s a l t o e e s t a b e l e c i d a
1 m a p o s i ç ã o da q u a l o s u l t ã o p o d i a
itirar n o i n i m i g o c o m a r c o - e - f l e c h a .
laibars e n t ã o c o m e ç o u a d i s t r i b u i r
o r n o p r e s e n t e dinheiro e trajes de

i erimônia.
N o dia 1 6 s h a b a n [31 de m a r ç o ] ,
c

I oi a b e r t a u m a b r e c h a e m u m a d a s
lorres d a fortaleza; n o s s o s h o m e n s
i lartiram para o ataque, e s c a l a r a m
i fortaleza e se a p o d e r a r a m dela
• n q u a n t o o s f r a n c o s se r e f u g i a r a m
io torreão. O sultão então pôs e m
II h e r d a d e u m g r u p o de f r a n c o s e de
r i s t ã o s , c o m o o b r a de c a r i d a d e e m
n o m e d e a l - M a l i k S a i d [o p r i m e i r o
c Torre n o r o e s t e do Krak dos C a v a l e i r o s
170 T E S T E M U N H O S E D O C U M E N T O S TESTEMUNHOS E DOCUMENTOS 171

Lawrence da Arábia
Lawrence daArábia
escreveu uma tese
consagrada às fortalezas
francas da Síria e da
Palestina, da qual foram
extraídos alguns destes
desenhos e fotografias.

O K r a k dos C a v a l e i r o s (abaixo, à
e s q u e r d a e a c i m a ) e o C a s t e l o Peregrino
(abaixo).
D e s e n h o a t i n t a e a lápis do C a s t e l o de Sayun.
172 T E S T E M U N H O S E D O C U M E N T O S
TESTEMUNHOS E DOCUMENTOS 173

Que balanço se pode fazer das Cruzadas?


Depois de, por muito tempo, terem considerado as
Cruzadas como um acontecimento positivo para a
cristandade, os historiadores especialistas tanto do
Oriente como do Ocidente atualmente chegaram a
conclusões muito mais reservadas. O ponto de vista
dos orientais, contudo, jamais se alterou.

A grande ruptura com o Oriente m a n e i r a duradoura as relações entre


cristãos e judeus.
A s m u l t i d õ e s de c a m p o n e s e s q u e s e A p e s a r de s e r n a T e r r a S a n t a , o s
puseram em marcha e m 1086 m e s m o s abusos se reproduziram, e a
i m p u s e r a m à s c o m u n i d a d e s j u d i a s da
t o m a d a de J e r u s a l é m foi a c o m p a n h a d a
A l e m a n h a e da E u r o p a c e n t r a l a
do m a s s a c r e d e q u a s e a t o t a l i d a d e d a s
apostasia ou a morte. Massacres,
populações judias e m u ç u l m a n a s que
p i l h a g e n s , s e v í c i a s d e t o d o s o s t i p o s do
h a v i a m c o m b a t i d o j u n t a s n a d e f e s a da
princípio da C r u z a d a , u m dos m a i o r e s
cidade. N o entanto, passada a exaltação
pogmms d a h i s t ó r i a da E u r o p a
dos primeiros a n o s da conquista,
medieval, conhecido nas fontes
os m a s s a c r e s e as destruições cegos
h e b r a i c a s s o b o n o m e d e Gzerot de
cessaram, enquanto, na Europa, cada
4856. S e m dúvida, u m a vez que as
p r e g a ç ã o de C r u z a d a , e s p e c i a l m e n t e a d a
multidões partiam, a situação
segunda, reacendeu o anti-semitismo.
retornava ao n o r m a l — pois j a m a i s a
I g r e j a n e m a a l t a h i e r a r q u i a do c l e r o N o s Estados criados na'Iérra Santa A t o m a d a dc C o n s t a n t i n o p l a e m 1 2 0 4 , quadro de E u g e n e D e l a c r o i x .
encorajaram esse m o v i m e n t o — , m a s pelos cruzados, pouco a pouco
o ódio e o horror desse m o d o estabeleceu-se u m a sociedade
A queda de Constantinopla, e m 1 2 0 4 , O início de um longo ódio
engendrados influenciaram de " c o l o n i a l " m a i s r e s p e i t o s a para
havia se tornado talvez inevitável e m
c o m a população nativa não-cristã,
virtude da situação i n t e r n a do império; Q u a l foi e n t ã o o d e s t i n o d a s o u t r a s
c u j a atividade era indispensável
a quarta Cruzada e as empreitadas c o m u n i d a d e s da c r i s t a n d a d e
para a m a n u t e n ç ã o da classe franca
antibizantinas que se seguiram lhe oriental? As relações dos cruzados
dominante. O s judeus, deixados e m
desfecharam u m golpe igualmente c o m as c o m u n i d a d e s sírias n ã o
p a z d e p o i s de 1 1 1 0 , i n s t a l a r a m - s e e m
mortal. ortodoxas [jacobitas, nestorianas,
Ascalão, Tiro, Acre e n a Galileia, m a s
E s s e episódio t r a n s f o r m o u e m ódio arménias! foram relativamente
tiveram a estada e residência proibidas
inextinguível e universal o que, até cordiais. R e t o m a n d o o c o s t u m e de
e m Jerusalém, e s o m e n t e Saladillo lhes
aquele m o m e n t o , havia sido s o m e n t e seus predecessores m u ç u l m a n o s ,
p e r m i t i r i a v o l t a r a e n t r a r n a c i d a d e . [...]
preconceitos e ressentimentos os reis de J e r u s a l é m c o n t r o l a v a m
populares ou desprezo por parte da essas diferentes hierarquias ao se
Os francos e os cristãos do Oriente elite. N o plano religioso, então, foi r e s e r v a r e m o direito de c o n f i r m a r as
s o m e n t e " p o r c a u s a d e 1 2 0 4 , e do q u e eleições dos patriarcas e dos bispos,
O s papas t a m b é m t i n h a m u m se seguiu, que o c i s m a viria a a s s u m i r m a s d a v a m - l h e s t o d a l i b e r d a d e de
interesse sincero n a defesa dos cristãos sua importância e significado". c u l t o e de jurisdição, i s e n t a n d o - a s
do O r i e n t e . O r a , c o m r e l a ç ã o a e s t e D e simples querela entre prelados i n c l u s i v e do p a g a m e n t o do d í z i m o . [...]
ponto, as Cruzadas fracassaram mais i m b u í d o s da própria autoridade, a
N ã o obstante, o conjunto dos
que redondamente, u m a vez que nada divisão das Igrejas t o r n o u - s e a divisão
cristãos do O r i e n t e t o r n o u - s e suspeito
m a i s fizeram que contribuir para dos povos, e o s e n t i m e n t o antilatino, o
a o s o l h o s do I s l ã . O e s t a t u t o d o s
a r r u i n á - l o s e r e d u z i - l o s à s e r v i d ã o . [...] c i m e n t o do p a t r i o t i s m o b i z a n t i n o .
dhimis ("protegidos", desde que
174 T E S T E M U N H O S E D O C U M E N T O S TESTEMUNHOS E DOCUMENTOS 175

p a g a s s e m o i m p o s t o q u e os distinguia], surgiram n o século XIII: a bússola, O pesado passivo das Cruzadas


e m b o r a s e m a n t i v e s s e inalterado de conhecida na C h i n a no final do século
direito, deteriorou-se de fato. E m XI, apareceu na Europa c e m anos mais S e m dúvida, a C r u z a d a p a r e c e u a o s
m u i t o s países do O r i e n t e P r ó x i m o , tarde, s e m que se saiba c o m o chegou c a v a l e i r o s e a o s c a m p o n e s e s do s é c u l o
lá. [...] X I u m exutório para o e x c e d e n t e
sobretudo n o Egito, os cruzados
o c i d e n t a l , e o d e s e j o de t e r r a s , de
f i z e r a m d o s c r i s t ã o s (e d o s j u d e u s ) O s algarismos "árabes", que estes
r i q u e z a s , d e f e u d o s n o u l t r a m a r foi u m
aquelas minorias violentadas e m caso últimos t o m a r a m emprestados aos
atrativo irresistível. M a s as C r u z a d a s ,
de c r i s e e s u b m e t i d a s a u m g r a n d e indianos, b e m c o m o o zero (então a n t e s m e s m o de s e t r a d u z i r e m
n ú m e r o de v e x a ç õ e s , até e n t ã o j a m a i s c h a m a d o d e cyfie, da p a l a v r a á r a b e finalmente e m u m fracasso completo,
levadas àquele ponto n o m u n d o significando vazio), f o r a m introduzidos n ã o resolveram a sede de terra dos
m u ç u l m a n o d o p r i n c í p i o da I d a d e n o O c i d e n t e p e l a t r a d u ç ã o l a t i n a do ocidentais, que tiveram rapidamente
M é d i a . [...] t r a t a d o d e c á l c u l o d e a l - K h w a r i z m i . [...( que buscar na Europa, c primeiramente
D o p o n t o de vista das i n s t i t u i ç õ e s , A Síria t a m b é m foi o n d e os n a e x p a n s ã o das atividades agrícolas, a
o f o r t a l e c i m e n t o do poder do rei, de ocidentais se familiarizaram c o m solução que a m i r a g e m ultramarina n ã o
fato, c o i n c i d i u c o m as C r u z a d a s : foi o n o v a s t é c n i c a s c o m o a f a b r i c a ç ã o do l h e s h a v i a t r a z i d o . (...]
próprio rei q u e m r e u n i u e c o m a n d o u vidro — i m p l a n t a d a e m Veneza — e As Cruzadas não trouxeram
os c o n t i n g e n t e s das segunda, terceira, produtos agrícolas (cana-de-açúcar, à cristandade n e m o progresso
s é t i m a e o i t a v a C r u z a d a s e, n e s s a a l g o d ã o , f r u t a s ) o u a r t e s a n a i s (as s e d a s c o m e r c i a l n a s c i d o de r e l a ç õ e s
Os grandes beneficiários
ocasião, consolidou sua autoridade e chamalotes, púrpuras, brocados). A s a n t e r i o r e s como m u n d o m u ç u l m a n o
sobre grandes vassalos, ao m e s m o As Cruzadas não foram somente, e d o d e s e n v o l v i m e n t o i n t e r n o da
relações m a i s ativas estabelecidas por
t e m p o que se fazia c o n h e c e r pelos convém recordarmo-nos, a dezena e c o n o m i a ocidental, n e m as t é c n i c a s
intermédio dos cruzados contribuíram
pequenos vassalos. A Cruzada t a m b é m de expedições célebres que e os produtos vindos por outras vias,
p a r a d i f u n d i r e s s e s p r o d u t o s de l u x o
deu oportunidade, n a França e na c o n h e c e m o s , m a s t a m b é m aquelas n e m as f e r r a m e n t a s i n t e l e c t u a i s
na Europa, enquanto, por sua vez,
Inglaterra, para que se l e v a n t a s s e m " t r a v e s s i a s " regulares que, todos f o r n e c i d a s pelos c e n t r o s de t r a d u ç ã o
os produtos ocidentais p e n e t r a r a m
" c o n t r i b u i ç õ e s de a u x í l i o " q u e , os a n o s , na p r i m a v e r a e n o verão, e as bibliotecas da G r é c i a , da
n o s mercados do O r i e n t e P r ó x i m o
d e s v i a d a s de s u a d e s t i n a ç ã o i n i c i a l e l e v a v a m p e r e g r i n o s , a r m a d o s ou I t á l i a j s o b r e l u d o da S i c í l i a ) e da
m u ç u l m a n o ou bizantino, provocando
institucionalizadas n o final do século não, à Palestina. Essas travessias e Espanha, onde os c o n t a t o s e r a m
u m a brusca inversão decisiva n a
XII, estão na origem do i m p o s t o direto, a s d e s p e s a s o u as t r a n s f e r ê n c i a s d c muito mais estreitos e fecundos
b a l a n ç a de p a g a m e n t o s .
u m d o s f u n d a m e n t o s do p o d e r r e a l . do que na Palestina, n e m m e s m o
fundos que elas e x i g i a m c o n t r i b u í r a m
C e n t r o s de trânsito c o m e r c i a l e aquele gosto pelo luxo e aqueles
O papado, ele t a m b é m , p a r a a d i f u s ã o de t é c n i c a s b a n c á r i a s
financeiro m u i t o ativos, os Estados hábitos delicados que os moralistas
f u n d a m e n t o u sobre as Cruzadas e m toda a Europa. O s pisanos, os
cruzados latinos f o r a m dos primeiros lúgubres e m e l a n c ó l i c o s do O c i d e n t e
u m a doutrina teocrática e u m a genoveses e os v e n e z i a n o s foram,
a cunhar moedas de ouro — u m a acreditavam ser apanágio do O r i e n t e
autoridade crescente que, e x a t a m e n t e e f e t i v a m e n t e , os grandes beneficiários
i m i t a ç ã o do d i n a r — , q u a s e u m s é c u l o e o presente envenenado dos infiéis
por seus excessos, contribuiriam d a s C r u z a d a s . [...] A s C r u z a d a s f o r a m aos cruzados ingênuos e s e m defesa
para enfraquecê-lo. N o domínio a o p o r t u n i d a d e para a m a i o r i a a d q u i r i r a n t e s do retorno ao ouro c o m o m o e d a
diante das seduções e das sedutoras
religioso, dois t e r m o s r e s u m e m quartéis-generais c estabelecimentos n a I t á l i a , q u e m a r c o u o a p o g e u da
d o O r i e n t e . [...]
deploravelmente essa influência: c o m e r c i a i s privilegiados n o s Estados expansão medieval e a perturbação
inquisição e indulgências. A primeira latinos e criaram condições favoráveis do equilíbrio mediterrâneo a favor Q u e e l a s tenham, pelo contrário,
n a s c e u ao longo da " C r u z a d a c o n t r a os para o d e s e n v o l v i m e n t o do c o m é r c i o do O c i d e n t e . E m o u t r o s d o m í n i o s d a contribuído para o e m p o b r e c i m e n t o
albigenses" e tornou-se generalizada civilização material, os cruzados d e v e m do O c i d e n t e , e m p a r t i c u l a r da c l a s s e
do Levante.
e m 1 2 3 1 . As outras, ou, mais t a m b é m ao O r i e n t e u m a m u d a n ç a de cavalheiresca, q u e longe de criar a
Por c a u s a d e s s e s c o n t a t o s , novas
exatamente, a indulgência plenária hábitos na indumentária, b e m c o m o u n i d a d e m o r a l da c r i s t a n d a d e , e l a s
técnicas ou novos produtos foram
— r e m i s s ã o total da p e n i t ê n c i a devida n a a l i m e n t a ç ã o e n a experiência de u m t e n h a m f o r t e m e n t e c o n t r i b u í d o para
i n t r o d u z i d o s n o O c i d e n t e e, e m m e n o r e n v e n e n a r e acirrar as oposições
pelos pecados cometidos —, concedida luxo até então desconhecido n a Europa.
n ú m e r o , n o O r i e n t e . [...] E m m a t é r i a n a c i o n a i s n a s c e n t e s |...|, q u e t e n h a m
pela primeira vez por U r b a n o II no Por m u i t o t e m p o objeto de c e n s u r a s
de n a v e g a ç ã o , é m a i s o u m e n o s c e r t o escavado u m fosso definitivo entre
c o n c í l i o de C l e r m o n t , t o r n a r a m - s e feitas aos "Potros", por influência
q u e os latinos d e v e m a B i z â n c i o o tipo o s o c i d e n t a i s e o s b i z a n t i n o s (de
objeto de c o m p r a s o u de doações, italiana, este luxo penetrou até o norte
d e b a r c o e s p e c i a l p a r a o t r a n s p o r t e de Cruzada e m Cruzada acentuou-se a
e l e m e n t o essencial do f i n a n c i a m e n t o da E u r o p a e c a r a c t e r i z o u a e r a g ó t i c a
tropas e de cavalos, o " n a v i o porteiro", hostilidade entre latinos e gregos que
das Cruzadas n o século XIII, e m seu florescimento.
pelo fato de t e r e m - n o v i s t o por ocasião resultaria n a I V Cruzada e na tomada
p o s t e r i o r m e n t e a fonte d e u m t r á f i c o
da e x p e d i ç ã o d e A l e x a n d r i a . [...] N o v o s Cécile Morrisson, de C o n s t a n t i n o p l a pelos cruzados
q u e e s c a n d a l i z a r i a L u t e r o . [...]
i n s t r u m e n t o s e t é c n i c a s de navegação Lés Crohades, P.U.F. e m 1 2 0 4 ) , que longe de suavizar e
176 T E S T E M U N H O S E D O C U M E N T O S TESTEMUNHOS E DOCUMENTOS 177

t e m p e r a r o s c o s t u m e s , a r a i v a da politicamente o Bilad al-Sham, a


guerra s a n t a t e n h a c o n d u z i d o os Síria, no sentido medieval do t e r m o .
cruzados aos piores excessos, desde os Esse Estado virtual, que corresponde
pogroms perpetrados e m seu c a m i n h o a o p r o j e t o da G r a n d e S í r i a , l a n ç a d o
a t é o s m a s s a c r e s e a s p i l h a g e n s (de p o r volta de 1 9 4 2 , pelo e m i r Abd
Jerusalém, por exemplo, e m 1099, e Allah, daTransjordânia, engloba o
de Constantinopla, e m 1 2 0 4 , sobre o c o n j u n t o das terras árabes e n t r e
q u a l p o d e m o s 1er t a n t o n a s n a r r a t i v a s o Iraque e o Mediterrâneo. Assad estava
de c r o n i s t a s cristãos q u a n t o n a s de pronto para manter e m compasso
m u ç u l m a n o s ou bizantinos), que o de espera por u m l o n g o período sua
f i n a n c i a m e n t o da Cruzada t e n h a sido guerra contra Israel de m o d o a poder
o m o t i v o ou o pretexto para que os conseguir efetuar esta unificação.
exageros de direitos de fisco pontifical Thierry Blanquis,
se t o r n a s s e m m a i s pesados, para a Point de vue des chercheurs, 1991
prática d e s a b u s a d a de i n d u l g ê n c i a s ,
e que f i n a l m e n t e as ordens militares,
impotentes para defender e conservar O Oriente ainda em estado
a Terra Santa, t e n h a m - s e expandido de choque
p e l o O c i d e n t e p a r a ali s e e n t r e g a r e m
E n q u a n t o para a Europa ocidental a
a todo tipo de e x a ç õ e s f i n a n c e i r a s ou Propaganda política: S a d d a m H u s s e i n se faz r e t r a t a r lado a lado c o m S a l a d i n o .
época das C r u z a d a s era o início de
m i l i t a r e s , e i s , de f a t o , o p e s a d o p a s s i v o
u m a verdadeira revolução, a o m e s m o
dessas expedições. N ã o vejo nada além influenciada, ainda hoje, por do p r e s e n t e q u a n d o se trata da luta
t e m p o e c o n ô m i c a e cultural, n o
do abricó c o m o possível fruto trazido acontecimentos que são considerados entre D a m a s c o e Jerusalém pelo
Oriente essas guerras santas iriam
das Cruzadas pelos cristãos. c o m o tendo chegado a seu t e r m o h á
d e s e m b o c a r e m l o n g o s s é c u l o s de c o n t r o l e d a s c o l i n a s d e G o l a n o u do
J a c q u e s Le Goff, d e c a d ê n c i a e o b s c u r a n t i s m o . [...] S e r i a sete séculos. vale de B e k a a ? C o m o n ã o se entregar
La Civilisation de l'Occident médiéval, necessário afirmar sua identidade Ora, nas vésperas do terceiro a d e v a n e i o s c a r r e g a d o s de p r e o c u p a ç ã o
Arthaud cultura] e religiosa rejeitando aquele m i l ê n i o , as autoridades políticas e a o ler a s r e f l e x õ e s de O s a m a s o b r e a
m o d e r n i s m o que simbolizava o r e l i g i o s a s do m u n d o á r a b e s e r e f e r e m superioridade militar dos invasores?
O c i d e n t e ? O u , pelo contrário, seria c o n s t a n t e m e n t e a Saladino, à queda No mundo muçulmano,
O projeto da Grande Síria
necessário engajar-se resolutamente n a I de J e r u s a l é m e à s u a r e t o m a d a . I s r a e l p e r p e t u a m e n t e agredido, n ã o se
Podíamos, ao ouvir os discursos via da m o d e r n i z a ç ã o , correndo o risco l é c o m p a r a d o , n a a c e p ç ã o popular, p o d e i m p e d i r a e m e r g ê n c i a de u m
de A s s a d p r o n u n c i a d o s n o f i n a l d a de perder sua identidade? N e m o Irã, b e m c o m o e m certos discursos s e n t i m e n t o de p e r s e g u i ç ã o , q u e , e n t r e
década de 1 9 7 0 , reconstituir, através n e m a Turquia, n e m o m u n d o árabe oficiais, a u m novo Estado cruzado. c e r t o s f a n á t i c o s , a s s u m e a f o r m a de
dos propósitos v o l u n t a r i a m e n t e tiveram sucesso e m solucionar este D a s t r ê s d i v i s õ e s do E x é r c i t o d e u m a perigosa obsessão: não vimos,
estereotipados e obscuros, u m projeto dilema; e é por causa disso que ainda libertação palestina, u m a ainda t e m
n o d i a 1 3 d e m a i o de 1 9 8 1 , o t u r c o
político de m u i t o longo t e r m o , m a s hoje c o n t i n u a m o s a assistir a u m a o n o m e de H i t t i n e o u t r a de A i n
M e h e m e t Ali Agca atirar contra o
relativamente coerente. O presidente alternância, c o m freqüência brutal, I Jalut. O presidente Nasser, e m seus
e n t r e fases de o c i d e n t a l i z a ç ã o forçada e papa depois de ter explicado e m u m a
sírio s e m p r e foi m u i t o i m b u í d o , da t e m p o s de g l ó r i a , e r a c o n s t a n t e m e n t e
m e s m a f o r m a que os israelenses e fases de f u n d a m e n t a l i s m o exacerbado, c a r t a : "Decidi matar João Paulo II,
c o m p a r a d o a Saladino, que, c o m o ele,
pelos m o t i v o s inversos, da história fortemente xenófobo. comandante supremo dos cruzados."
havia reunido a Síria e o Egito — e até
d a s C r u z a d a s . T r ê s p e r s o n a g e n s do Para a l é m desse ato individual, fica
Ao m e s m o tempo fascinado m e s m o o Iêmen! Q u a n t o à expedição
século X I I , o s e n h o r t u r c o de Jezire, claro que o Oriente árabe vê sempre n o
e t e m e r o s o c o m a q u e l e s franj d e S u e z de 1 9 5 6 , f o i c o n s i d e r a d a , d a
Zangi, o primeiro vencedor dos Ocidente u m inimigo natural. Contra
[estrangeiros], que c o n h e c e u ainda m e s m a f o r m a que a de 1 1 9 1 , u m a
cruzados e m Edessa, seu filho N u r bárbaros, que ele v e n c e u , m a s que ele, todo ato hostil, quer seja político,
Cruzada conduzida pelos franceses e
ed-Din, o unificador, face aos francos, depois c o n s e g u i r a m d o m i n a r a terra, o m i l i t a r ou de países produtores de
pelos i n g l e s e s .
d e J e z i r e e da S í r i a , e o g e n e r a l c u r d o m u n d o árabe n ã o c o n s e g u e se decidir petróleo, nada m a i s é que vingança
É verdade que as s e m e l h a n ç a s s ã o
deste último, Salah al-Din, nascido q u a n t o a considerar as C r u z a d a s c o m o legítima. E não devemos duvidar que
perturbadoras. C o m o n ã o pensar n o
e m Takrit e vitorioso e m Hattin, u m s i m p l e s episódio de u m passado a ruptura entre esses dois m u n d o s
presidente Sadat, ao ouvir Sibt Ibn
inspiraram todos os chefes de Estado que está morto, desaparecido. C o m d a t e das C r u z a d a s , c o n s i d e r a d a s p e l o s
árabes do século X X , principalmente a l - J a w z i d e n u n c i a r , d i a n t e do p o v o d e
freqüência, f i c a m o s surpreendidos ao árabes, ainda hoje, u m a violação.
Nasser, Assad e S a d d a m Hussein. I D a m a s c o , a " t r a i ç ã o " do s e n h o r do
descobrir a que ponto a atitude dos A m i n Maalouf,
( A Ú W , al-kamel, que ousou reconhecer
A o s o l h o s de A s s a d , para abater árabes, e dos m u ç u l m a n o s e m geral,
.i s o b e r a n i a d o i n i m i g o s o b r e a C i d a d e Les Croisades vues par lesÁrabes,
Israel, era necessário primeiro unificar c o m relação ao Ocidente, p e r m a n e c e
Santa? C o m o distinguir o passado Jean-Claude Lattés

Você também pode gostar