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Adriano - Misterium e Sacramentum

Texto importante que faz uma síntese sobre esses dois conceitos teológicos.
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Porianto, & importante que os tedlogos € as tedlogas pesquisem e escrevam ‘mais, Neste sentido, a Revista de Cultura Teoldgica continua sendo um instrumento Gtil, a fim de animar o debate cientifico nesta area de pesquisa. Desejo a todos os envolvidos na teologia - professores, alunos e outros {nteressados ~ um feliz, ano 2004. Prof, Dr. Matthias Grenzer Redator 8 Revista ne Cunrura Teovoarea - v. 11 =n. 45 - ovr/pez 2003 SACRAMENTOLOGIA FUNDAMENTAL: DO MYSTERION AO SACRAMENTUM Cén. Dr. José Adriano 1, QUESTOES HODIERNAS DOS SACRAMENTOS. Hoje, estamos diante do desafio de sintonizar a mensagem da salvagio ‘com a mentalidade do homem contempordneo, no mundo em que vive. Ha, também, 0 desafio do secularismo: apesar do valor positivo do reconhecimento da autonomia das realidades criadas, estamos diante de muitas outras questées como, por exemplo, de ruptura com o transcendente, da indiferenga religiosa, da niio participagio eclesial e, portanto, do isolamento. Dai, o intimismo: ape- sar da valorizago da pessoa ¢ de sua consciéncia individual, consideradas como critério ¢ norma iltima de conduta moral, perde-se o dado da comunhiio, da partilha, da solidariedade, do destino comum da existéncia humano-crista. © relativism que campeia livremente: a Verdade, 0 Bem, a Salvagio, sio relativizades a ponte do homem modemo satisfazer-se com uma religiao pri- vada de um deus servidor de interesses individuais, deus comerciante, etc. Ainda, » pragivatisme ¢ 0 imediatismo: a participagio na Fgreja no possui o mesmo atrativo © 0 mesmo interesse, nflo compete com as ofertas do mercado e da sociedade de consumo. A esas observagdes, pode-se juntar outras anilises, tais como, o pansexualismo, o liberalismo, ete. Ao lado disso, grande parte da atividade pastoral dos agentes eclesiais esta vinculada a atividade sacramental: os encontros de preparago a0 batis- mo, @ preparagio catequética aos sacramentos da Confirmacio ¢ da Bucaris- tia, todo © processo a vida e a pritica cristi, a atividade do exercicio do perdio, a escolha de um projeto de vida conjugal ou na vida consagrada, 0 ministério presbiteral, o desafio do sofrimento enfrentado com 2 dignidade da £8; toda essa atividade se expressa sempre como atitude sacramental, Até ‘mesmo a evangelizagio das realidades terrestres supe o testemunho da vivéncia sacramental. As tiltimas Conferéncias Episcopais Latino-americanas, com efeito, ; Revista pe Cuttuna TroLocica-v. 11-N.45-our/oez 2003 9 Seeramentologia fundamental condenam a oposiciio entre evangelizagao ¢ sacramentalizagao (Puebla 901, 916-923) e a contradig2o entre £6 e vida (Santo Domingo a. 130). Dessa forma, vemos a necessidade de uma Teologia Fundamental que nos reporte ds origens do sacramento, & “economia historia da salvagao”, isto & a0 Mystérion proclamado no Novo Testamento. 2. PERSPECTIVAS © tema biblico deve constituir 0 momento intrinseco da teologia sacramentéria, 0 que supe recuperar 0 testemunho escrituristico do ponto de vista da “Economia da Salvagio”, & qual a Igreja e os sacramentos pertencem de modo constitutive, Em seguida, acolher o contributo dos Padres da Igreja © da Histéria do dogma para um aprofundamento especulativo e organico da verdadle ¢ para a aplicagao do significado e atualidade dessa mesma verdade para © nosso tempo, Os caminhos possiveis para tanto, sio: 0 fundamento antropolégico (homem como ser que se apresenta simbolicamente ¢ ritualmente); © Sacramento cm perspectiva histérico-universal; a anammese da fé da Igreja (Revelagio ¢ Tradigdio cristé) e a Sistematizacdo da teologia sacramentéria (conteiido salvifico dos sacramentos na Beonumia da Saivacio) 2.1 Antropologia: do simbolo humano ao simbolo religioso © axioma teolégico “sacramenta sunt propter homines” ja indicava ~ ‘nos antigos manuais — que os sacramentos correspondem a natureza © & condiglo histérica do homem, De fato, segundo Schillebecckx, os sacramentos so o modo propriamente humano do encontro com Deus (ef. Cristo, Sacra- mento do Encontro). Os sacramentos, existem em raziio do ser humano, vem. a0 encontro de sua condigdo histérica ¢ a0 modo de como os homens se relacionam ¢ se comunicam com os outros no mundo, Do mesmo modo, Chenu, afirmando um principio tomista, dizia: “A transcendéneia da salvagio realizada por Deus na histéria ¢ a gratuidade da graga que ele doa a huma- nidade em Cristo néo implica de modo algum num cancelamento ou numa 10 Revista pe Curtura TeoLdaiea- v. 11 -N.45-our/nez, 2003, ie diminuigéo da estrutura do humano; ao contririo, € lei geral da economia reveladla que Deus se faga presente ao homem segundo a sua condigao real” (M-D. Chenu, Por uma antropologia sacramental). O proprio Deus, quan- do fala ao homem, fala de modo a ser entendido em linguagem humana, assim, @ economia sacramental pertence a essa synkatdébasis, a essa condescendén- cia divina, manifestando-a em ato, em realidade. A razio de ser, pois, dos sacramentos ~ num primeiro sentido —é de ordem radicalmente antropol6gica. Siio Joo Criséstomo afirmava que Deus sé nos dé dons espirituais em rea- lidades sensiveis por setmos homens. Se fossemos incorpéreos, nos daria dons invisiveis, intangiveis. A sacramentologia contemporanea, portanto, deve ter sempre presente © humano para poder colher plenamente 0 sentido dos sa- cramentos da Tgreja ¢ © seu modo de operar nos erentes. Autores como Martin Buber, Lévinas, Gabriel Marcel, Emmanuel Mounier siio concordes em afirmar que “a verdade mais profunda do ser humano consiste na relacionalidade”. © homem nao se percebe ¢ niio se realiza de modo plenamente humano sendo na relagio de encontro com 0 outro, isto é, nna alteridade. A antropologia do “eu-solitério” (cartesiana), fechado em si ‘mesmo, que imagina poder abstrair dos outros no corresponde a verdade do ser hurnano, Mounier afirma que, nesse tipo de antropologia, 0 alter (outro, igual semeihante) se toma alienus (estranho) No Ambito da Teologia Trinitéria se pode perfeitamente conceber uma antropologia das pessoas humanas como seres relacionais, criadas que foram imagem e semelhanga de Deus, pessoas divinas em alteridade distintiva e comunb&o unitiva. Essa antropologia permite mostrar que a possibilidade de encontrar-se com Deus por parte do homem se radica definifivamente em sua natureza aberta ao outro. Sem essa abertura ao outro € ao transcendente de Deus ¢ sem o significado humano que isso comporta para o homem, a nogio {colégica de “encontro com Deus” seria privada de contetido real. | Dessa forma, os sacramentos devem ser entendidos essencialmente ‘como “eventos de encontro” entre Deus eo homem na continuidade do evento de Cristo “sacramento primordial” do encontro de Deus com 0 homem ¢ do evento da Igreja, “sacramento fundamental” do encontro do Kyrios glorioso \ Revista DE Currura TroLoaica -v. 11-n.45-our/pez 2003 LL ‘Sacramentologia fundamental ‘com os figis, Assim afirmava Schillebeeckx: “os sacramentos sio 0s momen- 10s fundamentais nos quais se exprime ¢ se atua a companhia de Deus com co homem, ¢ o homem se realiza como filho no Filho”. 3. ESCHATON E MYSTERION, A “AUTOCONSCIENCTA SACRAMENTAL DE ISRAEL”, A economia sacramental da Igreja se radica essencialmente no éschaton de Cristo; € tal éschatom, de fato, que funda a razio de ser e a especificidade do evento sacramental cristo, No entanto, a comunidade crista das origens & herdeira do judaismo e elege o éschaton de Cristo no contexto da fé velerotestamentaria e ai coloca sua espera messidnica. 3.1 Vocagio a liberdade: © apelativo com o qual Israel se qualifica 6 sam JAWH, povo que deve a sua origine a iniciativa livre e gratuita do Senhor 20 qual pertence de modo exclusive; uma pertenga expressa nos motivos recorrentes: “Fir cow 0 vaccn Neus. @ wis a meu nove" Israel & portanto, ‘obra de JHWH, existe gragas sua chamada ¢ & sua intervengao libertadora TI verbo redimir (g@’a), que tinha 0 significado imediato de Whertar de wm perigo, implica mais profundamente o sentido de fazer ser, de fazer viver “Eramos escravos, 0 Senhor nos libertou”, significando: “ramos um ndo- povo, 0 Senhor nos fez existir como 0 seu povo”. 3.2 Vocagiio A Alianga: A escolha e a Alianga especial de JHWH estabeleceram Israel numa posigéo ‘inica como uma comunidade radicalmente cultural; tal 6 0 significado da denominagéo q°hal JHWH: uma assembléia convocada pelo Senhor que vive a sua presenga (¢ na sua presenga). Entre (08 povos pagios (goim), JHWH escolheu esse grupo como povo a ele con- sagrado; diante de uma tal ¢ imediata eleigio (Dt 7,7) os fiis so chamados a aderir ao Senhor com reconhecimento e amor (Dt 6,6; 6,4;1 1,1). As tra- digées J ¢ E, confluem om Ex 19,3-8, sublinhando como a alianga de:Deus com Israel tenha feito do povo uma comunidade de singular pertenga 20 12 Revisra pe Cuntura Teovoaica- v. Hn. 45 -ovr/oez 2003 | | i ; i ibaa Cin. Dr. José Adriano Senhot: “Vos sereis para mim wm reino de sacerdotes, uma nacio santa” (19,6). A tradigtio P reclama 0 mesmo tema em relagio a santidade de Deus (Ly 19,2) e se difunde no deserever os rituais que Israel deve se ater como sinal da ligago exelusiva com JHWH. 3.3 O “credo de Israel” dé testemunho de sua autoconsciéneia: “Mew pai era um arameu errante; desceu ao Egito ¢ vivew como estrangeiro...” (Dt 26,5b-9); uma historia que tem por protagonista o proprio Deus-JHWH, aquele que é para o sew povo. A profissio de f& de Dt 26,5b-9 evoca antiga formula do “fazer sair”, ja testemunhada nos ditos de Balad: “Deus os fez sair do Egito” (Nm 23,22; 24,8), e que aparece como titulo da introdugao do Decélogo (Ex 20,2; Dt 5.6), Os elementos que o compdem se encontram, em termos anélogos, nas confissdes de f de Dt 6,20-23 e Nm 9,7-25. O cardter historico de tais proclamagdes manifesta a especificidade do culto israelita em relagio aos outros cultos que, de tanto em tanto, o povo hebreu encontrava & sua volta, 3.4 O eulto hebrew, como afirma G, von Rad (Ieologia dell'Antico Testamento, 1, 26) “sabe fundar-se em fatos da historia, tem consciéneia de ser plasmada por acantecimentas nos qnais percehe a intervenciia das mBos de Deus”. © evento historico (diferente daquele mitico) & expresso da inici- ativa divina que, por sa vez, intrnduz uma novidade absoluta na historia: o povo hebreu pod romper com a cicticidade da histéria na qual o mundo antigo estava preso por ter feito a experiéneia de um acontecimento ‘nico, singular, que nao se’ reproduziré jamais e que mudou de uma vez para sempre a sua existéncia, dando-lhe um sentido ¢ uma diregao. E por isso que o Bxodo representa um evento central a partir do qual Israel pode relegar o passado (cativeito no Bgito) desde os primérdios da Criago e preanunciar o faturo até 0 fitimos tempos. 3.5.0 tempo biblico: Assim, enquanto © mundo extrabiblico represen- tava © tempo com a figura geométrica do cireulo, a concepsiio bibliea do tempo é expressa pela “linha” (¢ uma histéria linear em curva ascendente), Como conseqiténcia, a salvagio no acontece num mundo atemporal ou im- pessoal, mas na histéria, segundo o tempo estabelecido por JHWH, ¢ como : Revista oe Cuntura TxoLoaica-¥.11-N.45-our/oez 2003 13, mentologia Fundamental expressiio das intervengdes milagrosas que ele realiza em favor de seu povo. Israel vive na natureza — nota R. Latourelle (Teologia della Rivelazione. Assisi: 1967, p.397) —, mas 0 seu centro de attagio é a historia. O que conta no é tanto 0 ciclo anual onde tudo recomega, mas o que Deus faz, tem feito ¢ faré segundo a sua promessa. Promessa e cumprimento nem 0 dinamismo deste tempo numa triplice dimensio: 0 presente anuncia o futuro, anunciado © prometido no passado. As festas anuais (péscoa na primavera, festa dos tabernaculos em outono) nfo sio tanto atos do drama ciclico da natureza, mas recordagaa dos atos salvificos de Deus. 3.6 Um Povo “sinal-sacramental: A teologia da comunidade de Israel faz do povo eleito uma manifestagao particular da autotomunicagio de Deus na Historia como um “sacramento” que ag mesmo tempo revela ¢ esconde © mistério de Deus em meio a0 povo. Na perspectiva da teologia cristt da historia, & indiscutivel que Israel tenha desempenhado um papel particular entre as nagdes e na histéria religiosa da humanidade. Se em nivel soctolé- gico © povo hebreu pode ser caracterizado como um povo entre outros, com sua prdpria cultura, sua propria lingua e sua propria terra, em nivel histérico- salvifico cle se manifesta como objeto de uma Alianga tinica da parte de JHWH. Chamado a ser “sinai e instrumento de Deus” na manifestacio do designio universal da salvago ¢ de seu cumprimento em Cristo. Diante disso. dois pontos se destacam: a) A novidade em reiago aos outros povos: a sua eleigao implicou numa chamada particular de Deus que fez desse povo um “sinal” privilegiado da sua promessa salvifica no mundo; b) Cristo supera a tempo de Israel: ele representa 0 cumprimento da promessa esperada e da inauguragio da iltima fase da histéria; ao antigo povo sucedeu um “novo Israel” incrustado no tronco do “testo fiel” (Rm 11,16-24), chamado, esse sim, a estender-se & todos os povos da terra. 3.7 A perspectiva da Tradicio demonstra a possibilidade da existén- cia de um “remédio salvifico” antes de Cristo. A posquisa dos sinais biblicos como ilustragio dos sinais sacramentais, na impostagio hodiema procura re- colher — em consondncia com 0 NT — a novidade do culto veterotestamentirio em relagao ao culto das religives extrabiblicas para mostrar a originalidade & 14 Revista pe Currura Teowdaica-v. L1 =n. 45-ourioez 2003 por em evidéncia a unidade histérico-salvifica de Israel com o evento de Jesus Cristo e a praxis celebrativa da Igreja Primitiva. A comunidade crista primitiva considerow a economia do Antigo Testamento como uma economia sacramen- tal em “figura” (ef 1Cor 10.1-6.11 € Hb 10,1). Quanto & tradigao cristé a presenga dos “sacramentos” no AT aparece no pensamento de autores fais como Santo Agostinho € Santo Tomas ¢ dos documentos magisteriais como 0 “Decreto para os Arménios” do Concilio de Firenze e o canon 2 da sess, VIL mo que de vez em quando se acentua a diferenga jova Lei. Entre os sacramen- do Concilio de Trento, m entre os sacramentos da antiga lei e aqueles da tos do AT véem elencados em particular a Pascoa Hebraica ¢ a circuncisio, considerada que foi como um “temédio” (phérmakon) em ordem ao cance- lamento do pecado original e muito proxima, na sua eficécia, ao Batismo cristo, com a capacidade de comunicar a geaga, desde que em relagio a paix de Cristo. 3.8 Autoconsciéneia de Israel; E no quadro da visio histotica de Israel e, portanto, do dinamismo das intervengdes salvificas de JHWH que se funda a autoconsciéneia que Israel tem das proprias ages celebrativas: nfo so somente recorilagdes do pasado, mas um “hoje” vivo e atual. Nessas ayes, israel revive as grandes obras do Senhor e re-mventa continuamente © povo de JHWH, a comunidade cleita, chamada a proclamar diante de todas as genies as “maravilhas de Deus”. Essa f€ € celebrada com formas estruturas, portanto podem ser qualificadas como "‘sacramentais” por atuar com forte simbolismo a fé que assumem ¢ pelo papel que desempenham em ordem al antincio do evento escatoligico da salvacio. Assim sto considerados, em particular: a bengio (berdkd) © a meméria (zikkardn), destinadas a falar da vida de Israel e @ cumprir num modo sempre novo, preparando 0 futuro esperado. 3.9 O evento Cristo: Como se coloca 0 éschaton de Cristo frente @ economia sacramental de Israel e a sua espera messifnica? A resposta para essa pergunta implica num esforga de avangar até 0 evento origindrio, De fato, no se pode esquecer que na base da experiencia vivida pela Igreja Primitiva ~ e pelo testermunho dos escritos do Novo Testamento ~ esti a forga 7 Revista pe CuLrura Troubsica v.11 -6.43-ourforz 2008 15 “in. Dr. Joss Adriano Scramentologia fundamental das afirmagies (verba) e dos atos (gesta) de Jesus de Nazaré com 0 seu cumprimento nos eventos da paixo, morte e ressurreigto. B essa a referéncia fontal ¢ fundamental da praxis sacramental da comunidade erist das origens Dai a importincia de religar-se a esse evento ¢ as coordenadas fundamentais {que 0 caracterizam, especialmente ao “mistério” que tal evento comporta A religido biblica & a religido do ephapax: 0 gesto de salvagio de JHWH vem celebrado, se faz dele meméria, se rende gragas, repete. As ages rituais de Israel nfio so ligadas a fatos arquétipos que recorrem a prazos pré-fixados ou ao repetit-se cictico dos fendmenos da natureza; esse gesto se apresenta como a proclamagio de acontecimento ‘inico, cumprido pelo Senhor “uma vez para sempre” 4. MYSTERION, FONTE DOS SACRAMENTOS. O'TESTEMUNHO NEOTESTAMENTARIO 4.1 O vocébulo mystérion e seu significado © vociibulo mystérion, deriva de myein (fechar a boca), correspondendo a uma realidade secreta, incompreensivel ou ainda nfio revelada. O mundo grego antigo conheceu, pelo menos, trés aplicagdes fundamentais do vocibu- lo; a) Filos6fica: Platio 0 utiliza no sentido doutrinal para falar das verdades inacessiveis e da via de conhecimento do ser imutavel. Mysiérion, para Platio, ho outra coisa sendo “o divino fundamento do mundo”, b) Gnéstica: Mystérion significa conhecimento mistico capaz de transformar o homem no “divino contemplado”, Tal conhecimento é reservado aos “perfeitos”. c) Cultual: designa 0s “cultos mistéricos” (Iside, Attis, Mitra) que prometiam salvagéio aos iniciados. Na época intertestamentiria 0 termo foi usado de diversos modos. A Septuaginta recorre ao termo Mystérion apenas no periodo helenfstico (Tobias, Judite, Sapienciais, Siricide, Daniel ¢ 2° Macabeus). O termo, muitas vezes, 16 Revista neCurtuaa TroLoGtca - v.11 =. 45 -our/oez 2003 | Cin, Dr. José Adriano faz referéncias aos culios idolétricos (Sb 14,15.23). E também utilizado no sentido profano para indicar os “segredos dos homens” (Jd 2,2). No entanto, duas passagens que utilizam Mystérion num sentido teolégico merecem ser assinaladas: a) Sb 6,22, onde a origem ¢ @ natureza da sabedoria so empre- gadas como uma revelagiio escondida, porém aberta a todos ~ iniciados ou niio — Essa revelago nio & fruto do esforgo humano, mas “dom de Deus 20 homem” em resposta a sua invocagdo. b) Dn 2,27-30.46-48, onde 0 vocabulo assume o sentido de “segredo escatolégico” ou anlincio de eventos estabele- cidos por Deus para o futuro. © sonho de Daniel (2,14-49) faz emergir, nesse sentido, trés clomentos essenciais: 1) Deus é 0 “tevelador” do mistério (2,47); 2); a revelagaio do n demonstrando a sabedoria que vem do alto (2,28.29); 3); 0 conhecimento do significado de mystérion requer a mediagio humana (2,27-30.46-48). stério implica uma linguagem dle sinai © mystérion na literatura apocaliptica esti, sobretudo, ligado ao seu uso em Daniel: se trata sempre de um segredo reservado, expresso numa lingua- gem simbélica, que Deus revela através de seus representantes. mystérion € um arcano escatol6gico, © aniincio velado dos acontecimentos futuros es- tabelecidos por Deus, A misteriologia apocaliptica parece encontrar a sua expresso mais completa em Qumian, onde os mistérius correspondem as devisdes secretas de Deus sobre 0 mundo (1QH 1,9;1 QH 3,15), das suas obtes (IQH 4.29) ¢ es cultuais, interpretadas em perspectiva messiinica (CD 3,14) Para Qumran, 0 mistério comporta uma rigida separagio entre os “filhos da jjustiga” destinados a luz da salvagio ¢ os “filhos da injustiga” condenados as trevas. 0 judaismo rabinico também utiliza 0 termo mistérfo em relago & Lei. Palam do “mistério da Torah”, chegando a considerar tal mistério como o “fundamento” das prescrigdes dadas por Deus na Torah, 4.2.0 testemunho dos Sindticos: Nos Sinéticos, o vocibulo se encon- tra em Me 4,11 © nas passagens paralelas de Mt 13,11 e Le 8,10, referindo- se sempre ao evento do “reino de Deus em Jesus”. a) A redagio de Marcos: Revista pr CurTura TeoLdeica-v. 11 -.45-our/oez 2003 17 __ Sacramentologia fundamental “A vos foi dado o mistétio do Reino de Deus...” (hymin 1 mystérion dédotai 1és basileias tof Theott). © tema do “segredo messianico” é fundamental no Evangelho de Marcos; somente aos Doze & dado a conhecer tal “segredo” a0 qual esté ligado a “vinda do Reino” (4,11; 8,17). Misiério do Reino significa, pois, 0 itromper conereto do Reino mediante a palavra ¢ agdo de Jesus; 0 “mistério” ¢ Jesus mesmo! Enquanto inauguragdo do tempo escatolégico da salvacdo, 0 mistério & “dado” aos discipulos como dom do alto, nfo sendo, portanto, resultado do esforgo humano, b) A redagio de Mateus ¢ Lucas: “A vos & dado conhecer os mistérios do Reino dos céus” (Le: “de Deus”) — (lomin dédotai gndnai ta mystéria ts basileias ton ourandn (toi Theoti. Em Mateus ¢ Lucas, 0 termo vem no plural (ta mystérja) e os mistérios sio objeto de um conhecimento especial (dédotai gndnai). No que diz respeito a Marcos, Mateus ¢ Lucas colocam em maior relevo o significado escondido, enigmatico, das palavras e a sua relago com “os mistérios”. A revelagiio dos mistérios & puro dom de Deus, comunicada por Jesus‘aos diseipulos. O plural é utilizado, provavelmente, em relagio aos “des{gnios de Deus” eseondidos nos esctitos do Antigo Testamento € que foram realizados por Jesus ¢ inter- pretados pelos discfpulos. 44 A Literatura paulina: termo mystérion aparece 21 vezes no epistolério Paulino, Nota-se um significative desenvolvimento semantien entre as cartas mais antigas (Ts, Cot, Rm) € as cartas da prise (Cle Ef) ¢ as pastorais (1'Tm), Trés vezes 0 termo aparece no plural (Cor 4,1; 13,2; 14,2), Bis alguns exemplos: 27s 2,1 - O mistério da impiedade (ti mystérion t@s anomias) jd est agindo, mas 6 necessério que seja afastado aquele que ainda o retém. 1Cor 2,7 ~ Ensinamos a sabedoria de Deus, misteriosa e oculta (Theod sophian en mystério tén apokekrymménén), que Deus, antes dos séculos, de anieméo destinou para a nossa gléria. O mystérion tofi Theott €0 evento da crucifixio ¢ glorificagdo de Cristo que introduziu uma novidade absoluta na historia com o inicio da nova humanidade, escatologicamente orien- tada a Cristo como Cristo escatologicamente otientado ao Pai (ef. 3,22-23). 18 Revista peCuttuRa TeoLOaIca -v. 11 =N.45 - our/pez 2003 _Cin, Dr, Jost Adriano 1Cor 4,1 ~ Cada um se considere como ministro de Cristo e dispensadores dos misiérios de Deus (oikonémous mystérion Theot)). En- quanto discipulos de Cristo, os apéstolos sio administradores dos mistérios de ‘Deus, O miimus apostélico ~ pelos menos implicitamente — refere-se também. 20 servigo do culto, especialmente em relagio a0 Batismo ¢ A Eucaristia, Cor 13,2 — Ainda que eu tivesse... 0 conhecimento de todos os mistérios... (ta mystéria panta). 1Cor 14,2 - Quem fala com 0 dom das Iinguas diz por inspiragiio palavras misteriosas (Ialet mystéria), As “pala ‘ras misteriosas” carecem sempre de interpretacio. 1Cor 15,51 ~ Bis que vos dow a conhecer um misiério (mystérion): nem todos morreremos, mas todas seremos transformados.O. termo evoca © “segredo apocaliptico”, irupgao do dia da ressurreigtio no tempo; uma inrupedo que transformard a todos, também aqueles que forem encontrados ainda em vida. Rm 11,25 - Nao quero que ignoreis, irmaos, este mistério (t® mystérion toGto) para que ndo vos tenhais na conta de sdbios: 0 endurecimento atingiu uma parte de Israel a1é que chegue a plenitude dos gentios. ‘Uma parte do povo eleito recusou a salvagdo, mas o apdstolo se coloca na perspectiva do designio total da salvagao «para todas as gentes) Rin 16,25-26 — Aquele que tem 0 poder de vos conftrmar segundo © mew evangelho ea mensagem de Jesus Cristo, segundo a revelagdo do mistério, envolvido em siléncio desde os séculos eternos (apochdlypsin mystériou chrénois aidnfois sesighéménou) agora (nyn), porém, manifestado ©, pelos escritos profétices, e por disposigiéo do Deus eterno, dado a conhecer a todos os gentios... Neste caso, 0 mistério & usado segundo uma cevidente ética histérico-salvifica e, a revelagio de tal misiério se identifica com o querigma do Evangelho: um querigma que tem coma seu centro a vinda de Cristo como cumprimento da promessa, C1 1,26-27 — O mistério escondido (ti mystérion (® apokekrymménon) desde os séculos e desde as geragdes, mas agora manifestado aos seus santos. A estes quis Deus tornar conhecida qual ¢ entre os gentios a " Revista pe Cuntera Trowooica- v. L-n.45-our/pez 2003 19 ___ Seeramentologia fundamental riqueza da glévia deste mistério (W plodtos ts doxés tol mystériou toutou), que é Cristo em vbs, a esperanca da gléria! O mistério &, pois, 0 Senhor glorioso presente no batizado como num templo, primicia da gléria futura, Na revelagio do mistério foi superada toda discriminagao, jé que a riqueza extra- ordindtia desse mistério consiste na admissiio dos pags 4 patticipagio da promessa feita no pasado a Israel. Cl 2,2 — para que eles cheguem 4 rigueza da plenitude do enten- dimenio e @ compreensiio do mistério de Deus, Cristo (to mysteriou too Theod, Christot) em quem se acham escondidos todos os tesouros da sabedoria e do conkecimento!; Cl 4,3 - ..para que Deus nos abra uma porta d Palavra, para falarmos do mistério de Cristo (tou mystérion tof Christo). Os dois textos falam do “mistério de Dous” como o “mistério de Cristo”, O mistério & Cristo assim como Cristo é mistério: nele se mani- festa, se alua © se condensa todo o mistétio, vale dizer, todo o designio salvifico. Ef 1,9-10 ~ dando-nos a conkecer 0 mistério da sua vontade (ti mystérion tof thelématos autofl), conforme decisdo prévia que the aprowe tamer para Tevar 0 tempo & sua plenitde a de em Cristo recapitular todas as coisas, as que estio nos céus € as que esto na terra. O mistério se manifesta em Cristo, reconduzindo toda a realidade, visfvel e invisivel, sob a sua senhoria, para ser transfigurada e reportada, na forga do Espirito, ao Pai Tal € 0 mistério que foi revelado na “plenitude dos tempos”, o mistério da vontade do Pai, estabelecido para sempre no seu amor, 0 designio de “reca- pitular” (anakefalaidsasthai) em Cristo todas as coisas, as do céu ¢ as da terra, Estd presente, de fato, uma economia trinitéria, da qual a Igreja seré 0 prolongamento. Ef 3,3-5 - Por uma revelacio me foi dado a conkecer o mistério. (t® mystétion) lendo-me podeis compreender a percepgiio que eu tenho do mistério de Cristo (em t6 mystériou tod Christot), ds géragées e aos ho- mens do passado ele ndo foi dado a conhecer, como foi agora (nn) revelado aos seus santos apdstolos € profetas, no Espirito. Mistério aqui esti num contexto de “revelacdo” em ordem ao “hoje” da comunidade criti. 20 Revista pe Cutuna Teowocica -v. 11 -n.45-our/ne2 2003 Cn. Dr. José Adriano nogiio de mistério que cra antes historico-salvifica e cristologico-trinitaria, vem entendida, agora, num sentido eclesial-ecuménico: 0 tempo presente (njin) € 0 tempo que realiza a salvagdo integral, implicando a certeza que, por meio de Cristo, 08 pagios ~ ao lado dos judeus ~ tém acesso ao Pai (3,15) como pedras vivas do edificio da Tgreja& ser implantada no mundo (cf. 2,19-22; 35-12), Ef3,8-10 — A mim... me foi dada esta graca de anunciar aos gentios a insondével riqueza de Cristo ¢ de por em luz a dispensagiéo do mistério (oikonomia tof mystériou) oculto desde as séculos em Deus, criador de todas as coisas, para dar agora a conhecer aos Principados ¢ as auto- ridades nas regides celestes, por meio da Igreja (dia tés ekkléstas), a ‘multiforme sabedoria de Deus... A Igreja, assim, aparece, ao mesmo tempo, como objeto da manifestagdo do mistério © sua testemunha entre os povos. Ef 5,32 — Este mistério é grande (1 mystérion todo mega): refiro-me 4 relacdo entre Cristo a sua Igreja (eis Christon kai eis tén ekklésian). A. afirmagaio “este mistério & grande” se refere diretamente ao texto de Gn 2,24. E uma prefiguragao tipolégica da unido de Cristo e da Igreja: mistério que permaneceu escondido ao longo da histéria, mas agora revelado como 0 mis- trio escauslogico. Assim, 0 mistéric onistéo implica a consciéncia da Nova Alianga inaugurada pelo evento pascal e que deu origem a Igreja, “sponsa Christi". © batismo faz entrar em tai comunidade e, a0 mesmo tempo, a regenera como uma “Igreja toda gloriosa, santa ¢ imaculada” (5,23-27). Ef 6,19 — Orai também por mim, para que, quando eu abrir os meus labios, me seja dada a palavra para anunciar com ousadia 0 mistério do Bvangetho (to mystérion to cuanghetiou). 1Tm 3,9 ~ Conservando 0 mis- tério da fé (s6 mystérion t8s pisteds) com uma conseténcia pura, 1Tm 3,16 ~ Seguramente grande é 0 mistério da piedade (to mystérion t€s eusebeias) Eusebeias pode ser traduzido por “nossa ££", jd que a frase introduz a homologhia cultual na qual se proclama o evento de Cristo na sua totalidade, da encamagio (vinda na carne) até a ascensio na gloria. Assim, em Paulo, 0 mistério € amplamente tratado. Fala do mistério de Deus, mistério de Cristo ou Economia do mistério, reclamando aspectos REVISTA DE Cutrura Troréoica - v. L1-w.45-our/nez 2003 21 dames _Sacramenologa fondanee aes do mest evento: a primeira cue indica especialmente-0 are do projeto da salvagdo; a segunda se refere aquele que o fez autor © @ OF" jimento a revelagio e 0 cumpriu em si mesmo; a terceira passar do scl sessvo alua-se na histria em comespondéneia a etapas evoca 0 se PRT us, a8 quais encontram sua plenitude no éschaton de extend Paso no “ja” e no “ainda no” da Iereja risto € 0 § regi de mstrion no NT assume uma caracteritea unit: do A cate oo de “Tealidade escondida”, a categoria passa a designar a significado oi peas operante na profunidade da histria até indicar/revelar eee iano tal de Deus, da eleridade até 0 “hoje da fre, na are esperanga da pus fin xo mista de Deus abraga a ctiagdo, a redenglo e a perfeigio Enquan’ mistrio€ um projeto divino total, escondido em Deus desde seal dpi ade «una realizagio progressiva, a mais vasa possivel, seja ae complement mnisfrio € ago eriadora e salvadora de Deus em Cristo e na a humanidade historica, ago que constitui o contetide do da revelacio divina, da promessa veterotestamentaria como ccaydo apostolica € que Se torna acessivel aos erentes através J: 0s sactamentos, Assim, 0 Iereja em favor signin eter. também da pred do simbolo cullua! o monte te isto &0 amor diving Ene ream desseainor que yn iexpuendvel mistrio e, ao entanto, revelado, vivido,ex- ‘O nisro participa, pois, da natureza mesma de Deus que, por ‘-sescondido” (Is 45,15); tal mistério foi revelado segundo uma salvifica correspondente a0 plano divino mesmo (1Cor se encont perimentado. sua esséncis, trajetéria” histbrieo 2,1; B31). 5, A TEOLOGIA DO MYSTERION ficamente teol6gico do mystérion neotestamentario nao deriva io termo, mas do éschafon de Cristo. Isso pode ser verti todo das cinco dimensdes seguintes: 0 expec do sentido gs? & ceado a parr do & 59 eepeianeCurtuRa TEOLODICA -V. 11-N.45 -cur/pE2 2003 én, De. Jost Adriano 5.1 Dimensio teolégica: O mistério & “de Deus”, se radica nele, fui dele, © genitivo “de Deus” deve ser entendido como genitivo de autor: o mistério & de Deus porque foi ele que o concebeu, predispds ¢ atuon (of. EF 1,9: 0 mistério da sua vontade). Em sua natureza, 0 mystérion é transcendéncia, ainda que se manifestando e atuando-se na historia através das mediagées dos acontecimentos ¢ em forma humana, O mystérion & em si mesmo, um evento portador do absolutamente nove com respeito ao que & criagio ¢ a histéria jamais podiam suscitar por si mesmas. De outro lado, também depois da revelagio de Cristo, ele permanece como mystérion, a tal ponto que somente na fé € que pode ser reconhecido e, a oragao para uma methor compreensio do mesmo deve ser sempre feita a Deus: se, de fato, 0 mystérion & um evento do seu amor, somente ele pode dar-nos a plena inteligéncia (Rm 16, 25-27: dquele que tem 0 poder de vos confirmar segundo 0 meu evangelho e a mensagem de Jesus Cristo ~ revelagao de um mistério envolvido em siléncio desde os séculos eternos, agora, po- rém, manifestado e, pelos escritos proféticos € por disposigé&io do Deus eterno, dado a conhecer @ todos os gentios, para leva-los @ obediéncia da fé — a Deus, 0 iinico sdbio, por meio de Jesus Cristo, seja dada a gloria, pelos séculvs dos sécuius’ Amém’) 5.2 Dimensao cristolégiea’ Se a locuglo mystérion toa Christo’ se encontra apenas duas vezes no Novo Testamento, © componente cristologico do mystérion esta presente em ao menos trés niveis: a) no evento da cruz no qual se manifestou a sabedoria misteriosa de Deus (ICor 2, 1.7: “..Quan- do fui ter convosco, irmios, no me apresentei com o prestigio da palavra ou da sabedoria para vos anunciar 0 mistério de Deus... Ensinamos a sabedoria de Deus, misteriosa e oculta que Deus, antes dos séculos, de antemdo destinou para a nossa gléria”). b) 0 senhorio do Ressuscitado, com o nivel césmico que ela implica (Bf 1,9-10.20-22: dando-nos a co- nhecer 0 mistério da sua vontade, conforme decisao prévia que Ihe aprouve tomar, para levar o tempo & sua plenitude: a de em Cristo recapitular todas as coisas, as que extiio nos céus e as que esto na terra... que ele fez operar em Cristo, ressuscitando-o de entre 08 mortos e fazendo-o : Revista pe Cutruea Tpo.ouica-y. 11-n.45 -our/onz 2008 23 ‘Secrmmentologia fandamental assentar & sua direita nos céus, muito acima de qualquer Principado Autoridade e Poder e Soberania e de todo nome que se pode nomear niio sé neste século, mas também no vindouro, Tudo ele pos debaixo dos seus vpés, € 0 ps, acima de tudo, como Cabeca da Igreja, que é 0 seu Corpo: a plenitule daguele que plenifica tudo em todos”; Cl 1, 19-20: “pois nele aprowve a Deus fazer habitar toda a plenitude e reconciliar por ele e para ele todos 08 seres, os da terra e os dos céus, realizando a paz pelo sangue da sua cruz”), €) a pessoa de Cristo considerada como o mesmo “mistério de Deus” presente na histéria (Cl 2,2-3: para que eles cheguem @ riqueza da plenitude do entendimento ¢ & compreensito do misiério de Deus, Cristo em quem se ackam escondidos todos os tesouros da sabedoria e do conhe- cimentol; C143 - ..para que Deus nos abra uma porta d Palavra, para {falarmos do mistério de Cristo”; Bf 3,4: lendo-me padeis compreender a pperceppiio que eu tenho do mistério de Cristo”). Assim, hi uma ligagio estteita entre o Reino de Deus proclamado por Jesus ¢ o mystérion realizado na sua pessoa: o Reino € 0 contetido do mystérion; 0 mystérion é a presenga do Reino © a sua revelagio; um exige o outro! 5.3 Dimensio ectesiologica: O texto de Ef 2.19-22 (“Jd nao sois estrangeiros ¢ adventicios, mas concidadéos dos santos ¢ membros da familia de Deus. Estais edificados sobre 0 fundamento dos Apostolos e dos Profetas. di qual é Cristo Jesus a pedra angular. Nete, bem articulado, todo 0 edificio se ergue em santudrio sagrado, no Senhor, e vés, também, anole sois co-edificados para serdes uma habitagdo de Deus no Espirito”) apresenta a Igreja como componente constitutive do mysiérion. Ainda que nfo ulilizando a expressio “mistério da Igreja”, a passagem diz. como a Igreja deve a sua existEncia ¢ a sua missio entre ox povos ao “mystérion”. Araiz do mistério da Igreja é a Nova Alianga inaugurada por Cristo com a sus oblago pascal; tal oblago é nascedouro da Igreja, assim como no batismo nascem as novas criaturas que a compiem (cf. Ef 5,25: ...Cristo amou a Igreja e se entregou por ela, a fim de purifica-la com o banko da <égua e santifica-la pela Palavra...”). Uma tal ¢clesiologia implica atengao especial aos seguintes componentes da Igreja: a) 0 seu fundamento 24 Rewsra vs Curruna Ten.6atca- v. LI =n. 45 -ovr/oez 2003 | | | Cin. Dr. José Adriano cristolégico-pascal (Ef 2,15-16: ...a fint de criar em si mesmo um sd Homem Novo, estabelecendo a paz, e de reconciliar a ambos com Deus em um sé Corpo, por meio da cruz, na qual ele matou a inigiiidade”); b) a sua misstio universal (Ef 3,6: ...08 gentios siio co-herdeiros, membros do mes- mo Corpo e co-participantes da Promessa em Cristo Jesus, por meio do Evangetho”; Cl 1,27: A estes quis Deus tornar conhecida qual é entre os gentios a riqueza da gloria deste mistério, que é Cristo em vés, esperanca da gloria”); ¢) a sua relagao esponsal com seu fundador (Ef 5,32: grande este mistério: refiro-me 4 relaciio entre Cristo e a sua Igreja”). Desse modo, a novidade da Igteja, coincide com a novidade do evento da piiscoa! 5.4 Dimensio antropolégica: © mystérion possui um contetido an- tropoldgico essencial: ele € dado a conhecer 20 homem, Ihe revela o “se- gredo” da sua historia e & evento de salvaco a seu favor. Esse componen- te & particularmente expresso no texto de Cl 1,27 (“A estes quis Deus tornar conhecida qual é entre os gentios a riqueza da gloria deste misté- rio, que é Cristo em vds, esperanca da gléria”) que proclama a presenga do mystérion no intimo dos batizados, chamando a atengao para a profun- didade existencial atingida pela atuagio do mistério no homem. Plena de significado @ a abertura do mystérion transfiguragio do Cosmo, do momento que em Cristo todas as coisas sio renovadas ¢ que ele subiu acima de todos os céus, a fim de plenificar todas as coisas (ef. Ef 4,10). 5.5 Dimensio escatolégiea: © mystérion nao consiste simplesmente num evento do passado: ele & um “hoje” (iin) de vibrante atualidade. Se, de fato, em Cristo 0 mystérion foi plenamente realizado, ele continua a manter no presente a sua eficécia como m centre “as duas vinda siérion anunciado e comunicado no tempo ”. O mystérion escondido se transmutou, nese tempo, no mystérion revelado, a set proclamado para todos os homens, A Igteja entra nesse “hoje” do mystérion: ¢ 0 fruto admiravel disso como lugar no qual ¢ mediante 0 qual o mystérion se estende em beneficio de cada homem “até os confins do mundo...". 0 escopo iltimo do mystérion, ao qual esté ordenada @ vocagio mesma da Igreja, & a recapitulagio de todas as coisas em Cristo i Revista ps CuLrurs Tsovoatea -v. 11 -n.45 -oun/pez 2003 25, scrnmentoogia fundamental (cf. Ff. 1,10), com a plena e definitiva redenedo da humanidade e do cosmo ¢ de sua entrega a0 Pai no Espirito (1Cor 15,28: “E, quando todas as coisas the tiverem sido submetidas, entéo, 0 proprio Filho se submeterd dque- Te que ilo the submeteu, para que Deus seja tudo em todos"). Como bem diz em Ap 10,7: “Enido se cumpriré 0 mistério de Deus como ele anunciou aos seus servos, os profetas”. A gloria de Cristo, hoje envolta em mistério (ef. Cl 1,27; 2,3), se manifestard entio em todo 0 seu esplendor, transfigurando 0 cosmo & tornando-o 0 templo no qual “Deus serd tudo em todos” (Cor 15,28) € os redimidos cantardo etemamente 0 seu Jouvor (of. Ap 19,1-10). 6. MYSTERION: CRIAGAO, HISTORIA E TIPOLOGIA. 6.1 Criagio: A Criagdo & um evento incluido no projeto escondido em Deus desde a etemidade e revelado em C mado 4 existéncia no/paravem vista de Cristo, isso signifiea que foi destinado desde 0 inicio & manifestagtio do “mysiérion thoi Theoti”. E, pois, cocrente gue @ realizagio do mysiérion se explique no mundo criado € mediante 0 mundo ctiado. A ctiagdo, nfo é apenas o “pano de iundo” da irrupyao de 10, Se o mundo eriado foi dl Deus na Historia, mas constitu’ o fundamento dutico tremuncidvel. O mystérion € um evento do alto; a ordem criaiutai, wdavia, iwrua possivel a sua atuagao, fornecendo-lhe, por assim dizer, a matéria, O “mystérion” se exprime € se cumpre na forma do ser criado. 6.2 Historia: Se a criagdo est’ no “mystérion”, 0 “mystérion” esté na Hist6ria. Deus age no mundo por ele eriado, entrando em diflogo com 0 homem que Ele mesmo colocou no centro da criago como seu interlocutor privilegiado. © “mystérion” implica num esseneial contetido antropoligico. De fato, 0 designio que Deus realiza para o homem, no o realiza sem 0 homnem. Tal & a dialética do “mystérion™. A redengio de Cristo representa, desse pponto de vista, o pleno desvelar do “segredo” escondido na condig&o historica do ser humano ¢ 0 evento que toma possfvel a comunicagio da vida de Deus ao homem, A historia se manifesta como o “lugar” e “meio” da revelagéo 26 Revista ve CucTuna Trowoatca - v, LI =x. 45 -our/ne2 2003 S aEEEEIEEEEEE | ' divina, quase “um sacramento” da presenga ¢ da ago de Deus no mundo. 0 “mystérion” neotestamentario, na medida em que revela um Deus que se torna presente na histéria ¢ realiza a sua promessa de salvagiio, afirma, ao mesmo tempo, o carter “sacramental” de tal histéria como uma realidade que mani festa ¢, ao mesmo tempo, esconde o invisivel, destinada a transformar-se em acontecimento de revelagdo salvifica De tal “sacramentalidade” da histéria, Cristo representa o vértice © a plenitude. Na perspeetiva do NT 0 “mystérion™ recupera e fala do sentido histérico-salvifico da aventura humana total, em ‘rés momentos: a expectativa do mundo pagdo como caminko incerto ¢, toda- via, “sacramental” quanto a criagao © @ historia em diregio da salvagio; a expectativa de Israel como preparagio imediata “sacramentalmente” antecipativa da salvagio messianica; o tempo da Igreja como tempo “sacra- mental” que contém em si o acontecimento salvifico jé realizado e agora proclamado como misséo, 6.3 Tipologia: Trata-se de ler os eventos da salvagiio em relagio aos tipos do agir de Deus na economia salvifica. O temo “tipologia” deriva de passagens do NT onde € dito que Adio 6 “i¥pos” de Cristo (Rm 5,14) © © batismo & “antitypos” do ditavio (Pd 3.21). Trata-se de uma relagio teologica ¢ no 6 analégica entre dois eventos: promessa ¢ cumprimento da promessa. Mais que um significado da Biblia, & um significado dos eventos dos quais a Biblia dé testemunho, Falamos, pois, de uma analogia teolégica que pesquisa sobse © agit de Deus na economia historica do “mystérion™ a partir de trés critérios fundamentais: trata das modalidades do agir que so proprios somente de Deus; essas modalidades esto presentes nos trés niveis fundamentais da hist6ria da salvagao (Antigo Testamento, Novo Testamento © Tempo da Igreja); 0 centro interpretativo de uma tal leitura tipologica dos eventos da salvagiio se referem sempre e em iiltima instincia ao evento central de Cristo (mystérion tori Christoii. 7. HISTORIA E CRONOLOGIA: DA PATRISTICA A PRIMEIRA ESCOLASTICA. 7.1 A tradigio grega: Os primeiros trés séculos foi um periodo funda-» mentalmente caracterizado pela impostagao seméntica com acento particular 27 Revisra pe Cunruma TeoLOaica - v.11 -s.45-ovr/pe2 2003 Sacramentologis fundamental em relagio as controvérsias com a gnose € com os cultos mistéricos pagitos. Permanece, porém, a yerdade teolégica de que 0 mystérion designa os fatos salvificos da vida de Cristo, manifestado € atuado no tinico mystérion toit Theot. Fis alguns nomes mais significativos: indcio de Antioquia (+ 170) — fala de tria Mystéria (virgindade de Maria, seu parto ¢ morte de Jesus na Cruz) cf, Eph. 19,1. Fala também do ingresso dos cristéios na vida de Cristo pelo batismo como mystérion (cf. Magn. 9,1). Os diéeonos so ministros dos mistérios de Jesus Cristo (cf. Tra 2,3). Justino (+ 165) — refere 0 termo mysterion aos episddios fundamentais, da redengdo: nascimento e morte de Jesus (ef, Apol. 1,13; Dial, 74,91). Justino usa abundantemente uma teologia tipolégica para demonstrar como Jesus & © cumprimento perfeito das promessas passadas, 0 “mistério do Logos” (cf. Dial. 24,40,111). Irinea_de“Lion (+ 202) — contra 0 dualismo gnéstico elabora uma teo- logia da historia centrada na idéia da “recapitulagao” de tudo em Cristo. Toda a historia € evento de revelagio (Adv. Haer. III, 20,2; IV, 6,6) na qual Deus se autocomunica com © homem e 0 homem participa da vida de Deus (Adv. Haer. TY, 20. 6-7), trinew possui uma elaborada teologia saciamentaria sobre a cucaristia (cf. Adv. Haet. IV, 18,5). Clemente (+ 215) — utitiza a mystérion para designar a religido cristi e seus ritos em oposigdo a religito mistérica. O batismo, por exemplo, é um Mistério em contraposigo aos falsos mistérios pagiios (cf. Prot. 12, 118-120). Fala no Stromata 4,3,] de “mistérios maiores” acessiveis somente aos ver- dadeiros gnésticos e “mistérios menores” acessiveis a todos. Otigenes (+ 254) ~ acentua 0 sentido filos6fico-mistico do mystérion. ‘Toda realidade sensivel é, para ele, mystérion enquanto expressio visivel do mundo invisivel. f 0 equivalente categoria de simbolo ou tipo através da qual o Logos se comunica com os homens. Origenes se refere ao batismo & & cucatistia e também aos ritos litdirgicos da comunidade eristi como verda- deiros mistérios. Enfim, para ele, Cristo & 0 mistério mesmo, pois é o divino manifestado plenamente na realidade visive. 28 Revista ve CuuTuRa TroLotea -v. 11 -¥.45 -ovr/psz 2003, i Con, Dr. José Adriano Na tradiedo grega dos séculos IV a VI, tanto os ritos eristios quanto os mistérios pagiios se referem a mesma categoria conceitual de “hulteidos”. A comunidade crista, jé vitoriosa no mundo romano, pode agora assimilar, sem medo, elementos ciilticos mistéricos sem 0 perigo de perder sua identidade, Atandsio (+ 373) — no culto cristo, o mystérion & um termo posi significa uma “realidade escondida’’, especialmente referida a encamagio do Logos, & predicagtio do Evangelho, a (6 e a verdade cristis, a celebragio littrgica € em particular ao batismo e & eucaristia, Os padres da Capadicia (Basilio +379; Gregorio Nazianzeno +390 Gregério Nisseno +394) possuem verdadeira “teologia sacramentiiia”. A “economia” da salvagio tem um cariter essencialmente mistérico-simbélico enquanto é uma irrapgéo da realidade divina na realidade deste mundo e, consegiientemente, uma elevagao da realidade deste mando a ordem celeste. ‘Trés so, para esses padres, os mistérios fundamentais: a encamnagio, a mis- sio do Espirito © a cucaristia. Em cada um desses mistérios se prociama 0 ‘grande mystérion que Deus realizou no seu Unigénito pela morte ¢ ressurreigio. Iofio Criséstomo (+407) A categoria de mysiérivu nv Auibito valiual, espeui em seus escritos se refere constantemente ne quanso av batismo © A cucaristia Para ele © mysiérion implica duas dimensées: & aisthétén (sensivel) e noéidn (inieligivel) - of 1 Ep. Ad Cor.. Hom. 1,7. A cucaristia 60 grande mistétio ligado ao mistério da pascoa de Cristo como evento tnico atualizado na agio cclebrativa (cf. Ep. Ad Hebr. 10, hom. 17,3). Cirilo de Jerusalém (+ 386) - em sua catequese mistagégica faz wma teologia da iniciagio crista, expressando uma teologia sacramentiria jé conso- lidada. © mystérion indica 0 evento salvifico, acessivel somente na £8, reali- zado por Deus nos fatos da vida de Cristo e em ato nos ritos da Igreja. Para ele 0 mistério, no rito, & sempre expressado em forma simbélica, isto 6, realiza ‘verdadeiramente 0 que significa. Pseudo Dionisio (+ 520) ~ fax prevalecer a concepgio platinica de -mystérion sobre a concepeio biblica numa tentativa de conciliar cristianismo © platonismo, especialmente cultivando uma teologia contemplativa, adequando Revista ne CutTura TeoLocica-v. 11 -n.45-ounez 2003 29

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