Dinis
Terra Morta
Castro Soromenho (Chinde, Moçambique, 1910 - São Paulo, Brasil, 1968], jornalista,
escritor e etnólogo. Em Angola, foi agente da Companhia de Diamantes, funcionário do
quadro da administração colonial e, mais tarde, redactor do Diário de Luanda. Deixa
Angola em 1937, para fixar residência em Lisboa.
Colaborou na revista Seara Nova e nos jornais O Diabo e O Primeiro de Janeiro, O
Século, A Noite, Jornal da Tarde e Diário Popular. Fez parte da redacção do jornal
literário brasileiro D. Casmurro. Abandonou o jornalismo para se dedicar
exclusivamente à literatura de ficção e à investigação histórica e etnológica.
A sua atitude intelectual perante a ditadura, que governava Portugal e Colónias,
salientava-se por uma crítica frontal, escalpelizadora, tanto a nível social como a nível
cultural, com particular incidência sobre a realidade colectiva dos povos africanos,
questionando os tabus do etnocentrismo cultural europeu e, sobretudo, os do
colonialismo português. O funesto regime de então veio a ordenar a apreensão de obras
suas pela polícia política e força-o ao exílio, primeiro em França (Paris), depois nos
Estados Unidos e por fim no Brasil. A sua obra ganhou projecção além-fronteiras, sendo
traduzida e publicada em França, Alemanha, URSS, Grécia, Argélia, Hungria,
Checoslováquia, Itália e editada no Brasil. No exílio leccionou na Universidade de
Wisconsin, nos Estados Unidos, e, depois, na Faculdade de Filosofia Ciências e Letras
de São Paulo, Brasil.
O trabalho visa apresentar a obra “Terra Morta”, de Castro Soromenho, escrita em 1949,
como marco da historiografia literária angolana do início do século XX, diferenciandose
da literatura colonial, e especialmente influenciada pelo neo-realismo português e pelo
regionalismo brasileiro, inovando seja pela estrutura narrativa, pela complexidade e
hibridez dos personagens. Pretende-se também mostrá-la como um registro pioneiro da
sociedade da época, visto que revela de modo ímpar o contexto económico da
decadência do ciclo da borracha (1879-1920) e o perfil da migração e da colonização
portuguesa em Angola naquele período, bem como o início da exploração das minas de
diamantes.
Terra Morta (1949), marca a visão de Castro Soromenho sobre a decadência económica
e social da região de Camaxilo (Angola), provocada por um sistema colonial que se
Dinis
impunha pela força e enterrando um uma estrutura anterior, a dos sobas (chefes tribais
africanos).
A queda do preço da borracha – principal produto exportação – provocada pela crise
económica mundial durante as décadas de 20 e 30 do século XX, faz com que a região
entre em declínio, fato representado, na narrativa, através dos colonos comerciantes
(portugueses brancos) que vêem aos poucos seus comércios de borracha falirem. A
matéria-prima é conseguida por via, geralmente, do escambo de tecidos e sal (o tingo),
com os negros nativos. Por conta desse declínio comercial que força o deslocamento da
administração colonial para outras regiões (de produção de algodão ou de mineração) a
terra “morre”.
Algum tempo atrás existiam cerca de cem brancos envolvidos no negócio de borracha.
Agora seu número desceu para três: "A terra estava morta" (TM, 50).
Os acontecimentos em Terra Morta são vistos principalmente através da consciência do
ex-revolucionário Joaquim Américo que, tendo fugido do Brasil. Consegue obter um
cargo administrativo temporário em Angola, graças aos bons ofícios do Oficial de
Distrito, Gregório Antunes. A cena inicial mostra Américo num jogo de cartas com
vários funcionários do governo. Esta, certamente. não é uma ocupação condigna para
esses portadores de cultura, e o jogo de cartas representa uma metáfora para a falta de
objectivo e a pobreza de espírito dos colonialistas. Nesse momento particular vemos
Américo em choque com o Assistente do Oficial de Distrito, Jaime Silva, que é
conhecido por sua cobiça: "Você gosta mais de dinheiro do que um macaco de bananas"
(TM, p. 9). Quando ele o vê em pé, baixo e barrigudo. Quase não alcançando os ombros
de Américo, o "Brasileiro" pensa: "Um porco em pé. Porco por dentro e por fora" (TM,
12). O retracto moral de Jaime Silva é assim traçado com uma franqueza brutal e
acontecimentos ulteriores no livro apenas servem para confirmar este quadro.
O episódio mais dramático da novela é a perda dos bens do jovem Mulato João Calado,
que é o filho de um mercador branco que morre sem ter feito testamento. Jaime Silva
fecha a casa e diz ao rapaz: "Em face da lei, tu não tens pai nem mãe (TM, 221).
Quando o Mulato ataca Silva, é amarrado pelos guardas nativos e chicoteado por Silva
até perder os sentidos. Américo intervém e agride Silva. Silva ordena sua prisão mas os
guardas nativos ficam com medo de pôr as mãos num branco.
Dinis
Os destinos de Américo e de Calado parecem estar ligados. Ambos têm de sair de
Camaxilo. Américo tem, contudo, uma outra oportunidade, dada pelo bem intencionado
Oficial do Distrito, Antunes, que lhe diz que não deve deixar que "um farrusco" - um
sujo estrague sua carreira. Apenas lhe espanta que o seu assistente favorito deva tornar-
se defensor dos pretos. Joaquim Américo responde:
"Eu não os defendo por serem negros, porque para mim a cor e as raças não contam,
mas sim como homens que são tratados como animais, como bestas, nada mais" (TM,
249).
Dinis
Categorias da Narrativa
Temática: colonização, poder e a questão racial
Categorias da Narrativa
Personagens:
Joaquim Américo – protagonista
Jaime silva
Gregório Antunes – secundário
Vasconcelos – secundário
Carlos Valadas– secundário
João Calado – secundário
Guardas nativos – secundário
Mercador branco – secundário
Mulata Maria – secundário
Branco Sampaio – secundário
No romance, há um choque de cruzamento entre as raças pode ser representado
com a relação da mulata Maria que troca um mulato, pelo branco Sampaio.
Soba Xá-Mucuari
No romance, há perca dos valores dos costumes locais que é mostrado quando o
soba Xá-Mucuari se suicida, e os mais novos enfrentam os mais velhos da aldeia,
pois estes pretendem seguir os costumes e tocar os tambores para chorar a morte
do soba. Contudo, outros argumentam que o barulho dos tambores chamará
atenção dos brancos, que irão até a aldeia e verão o sipaio morto por Xá-
Mucuari.
Tempo é cronológico: 1949, o ano em que a obra foi publicada mas também não
podemos deixar de lado o contexto económico da decadência do ciclo da borracha que
decorreu no período de (1879-1920).
Espaço: Camaxilo (Angola)
Dinis
Sequência da narrativa encadeada: ordenação temporal das acções. A história e
desenrolada em várias.
Acção central: Quando o Mulato ataca Silva, é amarrado pelos guardas nativos e
chicoteado por Silva até perder os sentidos. Américo intervém e agride Silva. Silva
ordena sua prisão mas os guardas nativos ficam com medo de pôr as mãos num branco.
Narrador:
Quanto a presença
Heterodiegético – visto que a narração é feita na terceira pessoa e o narrador não
participa nos acontecimentos e nem interfere na história. “ Os outros
empurravam o dinheiro para a frente e retiraram as mãos da mesa. As cartas
deslizaram sobre o pano de ramagens, mas ninguém lhes tocou.”
Quanto a ciência:
O narrador é omnisciente: pois ele conhece os personagens e analisa os
comportamentos, sentimentos e os seus pensamentos “ quando se encontrava só e
desocupado, o seu espírito volvia-se obstinadamente para o Brasil, de onde por onde
viera por ter entrado na revolução de São Paulo contra a Ditadura. Mas o Brasil não lhe
saia do sentido e sentia que o seu destino ali teria de se cumprir.”
Modo de apresentação:
Perspectiva descritiva, Monologo e frequência de Dialogo
“A luz amarela do candeeiro de petróleo espalhava-se sobre o pano de ramagens que
cobria a mesa. A cara dos homens estava na meia sobra, por cima do quebra-luz. Eram
quatro a volta da mesa.”
Monologo
“Estava aborrecida com o que se passara ao jogo e com as atitudes grosseiras. Ainda
tinha nos ouvidos as suas palavas – “ O que é que querias ser? Ministro…” “Estupido”,
disse entre os dentes. Mas, logo, deu de ombros. “Ele não pode compreender,
coitado…”, pensou.”
Dialogo
Dinis
“-Não tenho culpa…”
“-Olha, Silva, nunca me irrito por perder. Você está muito enganado.”
Discurso
Discurso directo
“-Perderam meus senhores – disse um deles com a voz falsamente grave, atirando as
cartas abertas para a mesa.”