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Mãe-Preta: Arte e Feminismo Negro

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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO

FACULDADE DE FILOSOFIA, LETRAS E CIÊNCIAS HUMANAS


DEPARTAMENTO DE SOCIOLOGIA
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM SOCIOLOGIA

THAÍS SILVA DOS SANTOS

Discutindo os sentidos de mãe-preta: uma leitura feminista negra da produção visual de


artistas negras

VERSÃO CORRIGIDA

São Paulo
2019
THAÍS SILVA DOS SANTOS

Discutindo os sentidos de mãe-preta: uma leitura feminista negra da produção visual de


artistas negras

VERSÃO CORRIGIDA

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-


Graduação em Sociologia do Departamento de
Sociologia da Faculdade de Filosofia, Letras e
Ciências Humanas, da Universidade de São Paulo,
como parte dos requisitos para obtenção do título de
Mestre em Sociologia.

Orientadora: Profa. Dra. Márcia Regina de Lima


Silva

São Paulo
2019
Autorizo a reprodução e divulgação total ou parcial deste trabalho, por qualquer meio convencional ou
eletrônico, para fins de estudo e pesquisa, desde que citada a fonte.
SANTOS, Thaís Silva dos. Discutindo os sentidos de mãe-preta: uma leitura feminista
negra da produção visual de artistas negras. 154f. Dissertação (Mestrado) apresentada à
Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo para obtenção
do título de Mestre em Sociologia.

Aprovado em:

Banca Examinadora

Profª. Dra. ______________________________ Instituição_________________________

Julgamento____________________________ Assinatura__________________________

Profª. Dr. ______________________________ Instituição_________________________

Julgamento____________________________ Assinatura__________________________

Prof. Dr. ______________________________ Instituição_________________________

Julgamento____________________________ Assinatura__________________________

Prof. Dr. ______________________________ Instituição_________________________

Julgamento____________________________ Assinatura__________________________
Às minhas mães pretas, Rosilene e Maria, que
pavimentaram o caminho que sigo.
Agradecimentos

Tal qual diz a canção: foi “metáfora pura” o princípio dessa aventura. Entre obras de
arte e espelhos, o objeto de pesquisa, então se desenhou. Não sozinho, mas a muitas mãos.
Porque quem começa, começa mesmo sem saber ao certo a trajetória pela qual vai navegar,
com olhos que se desanuviam no caminho e são, também, desanuviados por outros. É por isso
que, para findar, voltemos ao começo.
O princípio mesmo, do cozido de frango e feijão com farinha, de pai e mãe que carregam
com eles o valor ancestral que guia esse trabalho em seu interesse mais genuíno. Não fosse a
possibilidade de questionar o mundo que vocês me deram, eu não seria eu, nós não seríamos a
nossa família. Sou grata ao apoio de vocês e do Digo que, mesmo sem entender o que
exatamente eu fiquei fazendo trancada no quarto todos esses finais de semana, aceitaram cada
uma das escolhas que fiz para ser quem sou.
Ao princípio ainda, agradeço à minha família amiga, meu conselho julgador que navega
comigo pelo mar da vida. Pra sorrir, chorar, brigar. Não nos percamos pela vida, o que temos
não tem preço. Ter amigas antirracistas, aliadas nas lutas todas que ser quem sou me obriga a
travar. Obrigada, com vocês vou de mãos dadas!
Aos coletivos todos dos quais fiz parte, enquanto militante socialista, na luta feminista
e no enfrentamento radical ao racismo. Esse trabalho existe porque vocês atravessaram a minha
vida e despertaram minha existência para que toda e qualquer “fazência”, para que todo e
qualquer “fazer” possuíssem o sentido mais profundo da libertação humana. Em especial ao
Coletivo Negro da USP, que ao longo de dois anos mudou profundamente a minha leitura de
mundo. Nada foi em vão.
Às amigas-irmãs que essa luta me trouxe. Mayara Novais sem quem esse trabalho não
chegaria ao fim, porque eu mesma não chegaria aos dias seguintes sem teu apoio nos piores
dias; os sorrisos e lágrimas de nossa meninice são eternas memórias doces, um lugar
compartilhado nesse mundo só com você. Obrigada por tudo! Você que revisou esse trabalho
em todas as suas fases, empurrou para que ele saísse, ouviu as minhas reclamações, projetos de
pesquisa e de vida, obrigada de novo! Nos encontramos, Má. Agradeço à Paula Nunes, minha
irmã, sou porque somos e somos tão iguais. Chega ao fim o meu, em breve começa o seu.
Vamos juntas pela vida!
Agradeço às mulheres que compuseram comigo o Hub das Pretas. Descobrir nossa
potência em movimento coletivo foi e é transformador. Às minhas amigas, destaco Dora Lia
Gomes, Cibelle de Paula, Juliane Cintra e Mariana Boaventura, com quem aprendo todos os
dias que podemos ser as melhores em todos os campos em que as mulheres negras estão apenas
começando a chegar. Obrigada pela inspiração, pelas trocas afetuosas e pelas “duras”,
crescemos juntas e seguimos assim, porque só é possível assim. Que sejamos sempre a nossa
cura. Ainda aqui, agradeço à Raquel Luanda que me ensina sempre a refletir sobre mim mesma,
mas também a me perdoar pelas falhas; pela parceria, amiga. Também à Jéssica Tavares, minha
jovem negra acadêmica periférica sapatão e trabalhadora de direitos humanos, ainda que não
compartilhássemos tudo isso, compartilharíamos outras coisas tantas. Vejo-me em você!
Para não dizer que não falei das flores, ao Luis Christofoletti, meu amigo, que tanto me
ouviu e viu batalhar para que esse projeto existisse no departamento em que ele existe. Que me
ouviu e viu batalhar para permanecer fazendo esse trabalho. E que, ao fim, emprestou-me seu
talento para a fotografia de algumas das obras aqui expostas.
Esses que fazem quem sou são e foram meus respiros de sanidade, obrigada!
Aos professores Lilia M. Schawrcz e Sergio Miceli que transformaram meu olhar sobre
a ideia de cultura e sobre a sociologia. À professora Ana Paula Cavalcanti Simioni que, lá em
2013, na disciplina necessária e à época inovadora de “Gênero, Arte e Sociedade” fez meus
olhos brilharem apresentando aquilo que se tornaria uma das minhas grandes paixões na vida:
a arte feita por mulheres.
Ainda na academia é fundamental agradecer ao grupo de estudos “Raça, Desigualdades
e Política”, aprendi muito sobre as relações raciais nesse espaço, mas aprendi muito mais sobre
como fazer a ciência e a sociologia. Muito obrigada! Em especial a Matheus Gatto de Jesus,
Paulo César Ramos, Karina Fasson, Manoela Cruz, Renata Braga, Alan Augusto, Edilza Sotero,
Benno Alves, Túlio Custódio, entre tantos outros que moldaram esse outrora projeto em uma
dissertação.
Aos queridos amigos que tornaram a sociologia e os últimos três anos mais leves e
divertidos Letícia Simões, Jéssica Horing, Gustavo Queiroz, Brenda Rolemberg e Marcello
Stella. Tenho muito orgulho dos grandes pesquisadores que estão se tornando! Grata pelas
risadas.
À Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, pela oportunidade de realização
da pesquisa. Entre a graduação e o mestrado, foram anos de muito aprendizado nesses
corredores.
Por fim, mas que também é começo, agradeço à minha orientadora Profª Drª Márcia
Lima. Agradeço por ter acolhido a ideia, ter apostado na pesquisa e por criar um espaço
acolhedor e compreensivo para os altos e baixos que acontecem na vida. Obrigada!
“...E quando, após longos dias de viagem para
chegar à minha terra, pude contemplar
extasiada os olhos de minha mãe, sabem o que vi?
Sabem o que vi?
Vi só lágrimas e lágrimas. Entretanto, ela sorria
feliz. Mas eram tantas lágrimas, que
eu me perguntei se minha mãe tinha olhos ou rios
caudalosos sobre a face. E só então
compreendi. Minha mãe trazia, serenamente em si,
águas correntezas. Por isso, prantos
e prantos a enfeitar o seu rosto. A cor dos olhos de
minha mãe era cor de olhos d’água.
Águas de Mamãe Oxum! Rios calmos, mas
profundos e enganosos para quem contempla
a vida apenas pela superfície. Sim, águas de Mamãe
Oxum.
Abracei a mãe, encostei meu rosto no dela e pedi
proteção. Senti as lágrimas delas se
misturarem às minhas.
Hoje, quando já alcancei a cor dos olhos de minha
mãe, tento descobrir a cor dos
olhos de minha filha. Faço a brincadeira em que os
olhos de uma se tornam o espelho
para os olhos da outra. E um dia desses me
surpreendi com um gesto de minha menina.
Quando nós duas estávamos nesse doce jogo, ela
tocou suavemente no meu rosto, me
contemplando intensamente. E, enquanto jogava o
olhar dela no meu, perguntou
baixinho, mas tão baixinho, como se fosse uma
pergunta para ela mesma, ou como
estivesse buscando e encontrando a revelação de um
mistério ou de um grande
segredo. Eu escutei quando, sussurrando, minha
filha falou:
— Mãe, qual é a cor tão úmida de seus olhos?”

(EVARISTO, Conceição, 2016)1

1 EVARISTO, Conceição. Olhos d’Água. Rio de Janeiro: Pallas editora, 2016, p. 19.
RESUMO

SANTOS, Thaís Silva dos. Discutindo os sentidos de mãe-preta: uma leitura feminista
negra da produção visual de artistas negras. 2018. 154 f. Dissertação (Mestrado) – Faculdade
de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2018.

Esta dissertação versa sobre a figura da mãe-preta como uma imagem de controle, tomando o
feminismo negro enquanto perspectiva epistemológica. O problema de pesquisa observado é de
que modo a mãe-preta constitui-se enquanto um estereótipo racial nas artes plásticas e como é
discutida a partir da produção de distintas autorias. Sobretudo, quais as alterações nessa
representação quando mulheres negras passam a produzir obras que relacionam gênero e raça.
Os capítulos que compõem essa pesquisa procuram responder de que forma a sociologia
abordou o tema de raça e gênero. Ainda, como a perspectiva feminista negra se inscreve na
sociologia apresentando uma leitura interseccional e que busca colocar a mulher negra
conforme o sujeito central da produção de conhecimento. Também como a cultura e,
especificamente, as artes visuais são uma ferramenta através da qual são criados estereótipos
raciais que operam sustentando as desigualdades. Com isso, as perguntas centrais que norteiam
o trabalho são: O que criam artisticamente as mulheres negras sobre si mesmas quando possuem
essa oportunidade? Quais as respostas que existem para questionar e repensar a figura da mãe-
preta? Quem é a mãe-preta sob a perspectiva de mulheres negras?

Palavras-chave: Mãe-preta. Mulheres negras. Feminismo negro. Imagem de controle.


Estereótipos.
ABSTRACT

SANTOS, Thaís Silva dos. Discutindo os sentidos de mãe-preta: uma leitura feminista
negra da produção visual de artistas negras. 2018. 154 f. Dissertação (Mestrado) – Faculdade
de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2018.

This dissertation deals with the black mother as a control image, with black feminism as an
epistemological perspective. The research problem observed is how the black mother
constitutes as a black stereotype in the plastic arts and how it is discussed from the production
of different authorships. Above all, what are the changes in this representation when black
women begin to produce works that relate gender and race.
The chapters that compose this research seek to answer, how sociology has approached the
theme of race and gender. How the black feminist perspective is inscribed in the sociology
presenting an intersectional reading and which seeks to place the black woman as the central
subject of the production of knowledge. Also how culture and specifically the visual arts are a
tool through which black stereotypes are created and operate sustaining inequalities. With this,
the central question guiding the work is: what do black women create about themselves when
they have the opportunity? What answers exist to question and rethink the black mother? Who
is the black mother of black women?

Keywords: Black mother. Mammy. Black women. Black feminism. Controlling image.
Stereotypes.
LISTA DE IMAGENS

Figura 1 - Jorge Henrique Papf, Babá brincando com criança em Petrópolis (1899),
Sem especificação de formato. Petrópolis (RJ), Coleção George Ermakoff,
Rio de Janeiro...........................................................................................................................16
Figura 2 - Titus Kaphar, Space to Forget (2014), Óleo sobre tela. 64 x 64 x 2 3/4 pol.
Fonte:ArtsLant......................................................................................................................... 17
Figura 3 - Rosana Paulino, Ama de leite – Detalhe da instalação (2007). Monotipia sobre
tecidos, fitas de cetim, vidros e fotografia digital. Garrafas e fitas. Dimensão
variável......................................................................................................................................18
Figura 4 - Benedito José Tobias, Na porta da Policlínica. (1937) Óleo sobre tela. Acervo
Museu AfroBrasil, São Paulo. .................................................................................................. 52
Figura 5 - Benedito José Tobias, Sem título (1937) Óleo sobre tela. (s.d.) Acervo Museu
AfroBrasil. ................................................................................................................................ 55
Figura 6 - Lucílio de Albuquerque. Mãe Preta (1912), Óleo sobre tela, 180 cm x 130 cm.
Museu de Belas-Artes da Bahia, Salvador. .............................................................................. 60
Figura 7 João Ferreira Vilela, Augusto Leal com a ama de leite Mônica. 1860. Cartão de
Visita. Acervo Fundação Joaquim Nabuco. ............................................................................. 65
Figura 8 Modesto Brocos. A redenção de Cã (1895). Óleo sobre tela, 199cm x 166cm. Rio de
Janeiro: Museu Nacional de Belas Artes. ................................................................................. 68
Figura 9 - Antônio Ferrigno, Mulata quitandeira. (1893 - 1905). Óleo sobre tela, 179cm x
125cm. Acervo Pinacoteca do Estado, São Paulo. ................................................................... 72
Figura 10 Alberto da Veiga Guignard, Família do fuzileiro naval. 1938. Óleo sobre madeira,
58 x 48cm. Col. Mário de Andrade – Col. De Artes Visuais do Instituto de Estudos
Brasileiros da USP. .................................................................... Erro! Indicador não definido.
Figura 11 - Paulino, Rosana. Série Bastidores. (Fotocópia transferida sobre tecido, com
bordados), 31,3 cm x 310x 1,1 cm. 1997 ............................................................................... 108
Figura 12 - Arago, Jacques Etienne e Maurin, N. Castigo de escravos. Litografia aquarelada
sobre papel. Sem medidas. 1839. Coleção Museu AfroBrasil. .............................................. 109
Figura 13 - Paulino, Rosana. Visão parcial da Instalação Assentamento. Técnica mista.
Dimensão Variável. 2013. Acervo pessoal da artista. ............................................................ 110
Figura 14 - Paulino, Rosana. Detalhe Instalação Assentamento. Técnica mista. Dimensão
Variável. 2013. Acervo pessoal da artista. ............................................................................. 111
Figura 15 - Augusto Stahl, Tríptico somatológico, identificado como Mina Bari, 1865.
Coleção Fotográfica de Louis Agassiz, Série Raças Puras. ................................................... 112
Figura 16 - Paulino, Rosana. Detalhe Instalação Assentamento. Técnica mista. Dimensão
Variável. 2013. Acervo pessoal da artista. ............................................................................. 113
Figura 17 - Rosana Paulino. Ama de leite – Instalação. Monotipia sobre tecidos, fitas de cetim,
vidros e fotografia digital. Garrafas e fitas. Dimensão variável. 2007. Fonte Luis
Christofoletti. .......................................................................................................................... 115
Figura 18 - Rosana Paulino Detalhes da Instalação Ama de leite. Monotipia sobre tecidos,
fitas de cetim, vidros e fotografia digital. Garrafas e fitas. Dimensão variável. 2007. Fonte
Luis Christofoletti. .................................................................................................................. 116
Figura 19 - Rosana Paulino Detalhes da Instalação Ama de leite. Monotipia sobre tecidos,
fitas de cetim, vidros e fotografia digital. Garrafas e fitas. Dimensão variável. 2007. Fonte
Luis Christofoletti. .................................................................................................................. 117
Figura 20 - Renata Felinto. Série Re-Existindo. Filhos de Cam, decalque, guache e lápis
dermatográfico, 2004. Fonte: Acervo pessoal da artista. ....................................................... 120
Figura 21 - Renata Felinto. Série Re-Existindo. Made in Brazil, decalque, guache e lápis
dermatográfico, 2004. Fonte: Acervo pessoal da artista. ....................................................... 122
Figura 22 - Renata Felinto. Foto-performance Também quero ser sexy!, 2012. Acervo pessoal
da artista. ................................................................................................................................. 123
Figura 23 - Renata Felinto, Tríptico "Meu bebê" (Imagem 1), 2013, fotografia colorida.
Acervo pessoal da artista. ....................................................................................................... 124
Figura 24 - Renata Felinto, Tríptico Meu bebê (Imagem 2), 2013, fotografia colorida. Acervo
pessoal da artista. .................................................................................................................... 124
Figura 25 - Renata Felinto, Tríptico Meu bebê (Imagem 3), 2013, fotografia colorida. Acervo
pessoal da artista. .................................................................................................................... 126
Figura 26 - Renata Felinto, Série Embalando Matheus ao Som de um Hardcore. Técnica
Mista. 2017 Fonte Revista Dusie. ........................................................................................... 127
Figura 27 - Renata Felinto, Série Embalando Matheus ao Som de um Hardcore. Técnica
Mista. 2017 Revista Dusie. ..................................................................................................... 127
Figura 28 - Renata Felinto, Série Embalando Matheus ao Som de um Hardcore. Técnica
Mista. 2017 Revista Dusie. ................................................................................................... 1298
Figura 29 - Juliana dos Santos. Foto-Performance Qual é o pente? 2014 Acervo Junior
Ahzura. ................................................................................................................................... 130
Figura 30 - Juliana dos Santos. Performance Qual é o pente? 2014 Acervo Mayara Tutumi 130
Figura 31 - Juliana dos Santos. Instalação Clitórea, Técnica Mista, 2017. Acervo Thaís
Santos. .................................................................................................................................... 132
Figura 32 - Juliana dos Santos. Detalhes Instalação Clitórea, Técnica Mista, 2017. Acervo
Thaís Santos............................................................................................................................ 133
SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ................................................................................................................... 16
PARTE I .................................................................................................................................. 23
2 RAÇA, GÊNERO, FEMINISMO E INTERSECCIONALIDADE: O DEBATE
SOCIOLÓGICO SOBRE A MULHER NEGRA ................................................................ 23

2.1 CLASSES, RAÇAS E GÊNERO NA SOCIOLOGIA BRASILEIRA................................................. 23


2.2 A MULHER NEGRA E A SOCIOLOGIA BRASILEIRA. ............................................................. 27
2.3 OS CONCEITOS DE GÊNERO E A PERSPECTIVA INTERSECCIONAL ..................................... 37

3 REENCONTRANDO MÃE-PRETA: UMA LEITURA A PARTIR DAS IMAGENS.45

3.1 UM OLHAR SOBRE A MÃE PRETA: A CONSTRUÇÃO DA REPRESENTAÇÃO VISUAL COMO UM


PROBLEMA SOCIOLÓGICO. ...................................................................................................... 50

PARTE II ................................................................................................................................ 78
4 MULHER NEGRA: PROCESSOS DE RACIALIZAÇÃO NA CONSTRUÇÃO DO
SUJEITO. ................................................................................................................................ 80

4.1 TERRITÓRIOS NEGROS: PERMANÊNCIAS QUE CONSTROEM IDENTIDADES. ........................ 83


4.2 TERRITÓRIOS DE EMBATE: OS SIGNIFICADOS DA UNIVERSIDADE. .................................... 87
4.3 TERRITÓRIOS DO AFETO: MULHERES NEGRAS - PROJETOS COLETIVOS DE FUTURO. ....... 90

5 SOBRE MULHERES NEGRAS CONTEMPORÂNEAS E SUAS ARTES. ............... 100

5.1 MULHERES NEGRAS E SUAS OBRAS ................................................................................ 103


5.1.1 Rosana Paulino ..................................................................................................... 106
5.1.2 Renata Felinto ....................................................................................................... 119
5.1.3 Juliana dos Santos ................................................................................................. 130
5.2 AMARRANDO A LINHA E COSTURANDO OS LAÇOS: REDEFININDO A MÃE PRETA. ............ 134

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................................ 136


REFERÊNCIAS ................................................................................................................... 138
16

1 Introdução

No ano em que encerro essa pesquisa, importantes marcos para a arte produzida “por”
e “sobre” pessoas negras aconteceram, com um deles quero iniciar essa dissertação. Em 2018,
houve uma parceria entre o Museu de Artes de São Paulo e o Instituto Tomie Othake, duas
grandes instituições culturais do país, deste modo organizou-se a exposição Histórias Afro-
Atlânticas, com um conjunto de 400 obras assinadas por cerca de 200 artistas, em sua maioria
negros. Datadas desde o século XVI até os dias de hoje, a exposição versou sobre alguns dos
temas que foram muito caros ao desenvolvimento do projeto de pesquisa que se consolida nesta
dissertação. Aqui, aventuro-me a tramar teias que conectam as artes visuais, mulheres negras e
a sociologia com fins de mudança social. Para iniciar esse empreendimento, apresento a seleção
de três peças expostas na referida exposição, de modo a ilustrar aquilo que irão encontrar ao
longo das páginas seguintes. Em se tratando do Instituto Tomie Othake, uma das partes da
exposição dedicou-se à “mãe-preta” - entre fotografias de amas de leite do século XIX, obras
de artistas brasileiras contemporâneas e estadunidenses – todas buscavam oferecer uma
perspectiva sobre esta figura.
17

Figura 1- Retrato de babá brincando com criança em Petrópolis. Sem especificação de formato. Foto de Jorge
Henrique Papf. Petrópolis (RJ), c. 1899. Coleção George Ermakoff, Rio de Janeiro.

Ao olhar para essa parede, uma fotografia de Jorge Henrique Papf (Fig. 1) chamou
minha atenção. Nela vê-se uma mulher negra abaixada no chão; apoia-se em seus braços e
joelhos, enquanto uma criança branca brinca em suas costas; ela brinca de “cavalinho” nas
costas da escravizada. Surpreende ainda o fato de que no referido período no qual a fotografia
foi realizada, diferentemente dos dias de hoje, demorou-se entre 20 e 30 minutos para que fosse
registrada. A demanda de tempo de exposição da figura para registro na tecnologia disponível
na época era inúmeras vezes maior que a atual fotografia digital (Grangeiro, 1998). Fazendo
assim com que a pessoa que estivesse posando, permanecesse estática para a realização foto
durante um longo tempo. Deste modo, incita-se a reflexão sobre a motivação de se registrar um
momento de lazer e brincadeira da criança naquela situação, visto que a demora do processo,
mesmo quando segurando uma criança pequena, já poderia levar ao desconforto e para a foto
em questão, a situação se agrava.
18

Não há uma expressão de incômodo na face da escravizada, ela encara as lentes com um
olhar firme e questionador; a criança em suas costas, por sua vez, olha para alguma outra coisa
ou pessoa do lado direito da lente, tão pouco parece estar se divertindo no processo. O fundo,
embora apagado, remonta, provavelmente, a um tecido pintado com uma paisagem tropical,
montanhas e árvores também podem ser identificadas por nossos olhos.
A imagem induz a uma porção de curiosidades, qual seria a intenção do fotógrafo e do
cliente que encomendou as fotos em registrar a relação entre a babá e a criança dessa forma?
Está que se configura tão distinta das comuns fotografias de crianças apoiadas ou no colo de
suas amas. Que tipo de estúdio seria esse com um pano de fundo como o que vemos? O que
nos diz o olhar marcante dessa mulher? Sua presença chama atenção na fotografia.
Ao lado dessa fotografia, uma outra obra era exposta, em dimensões muito maiores, a
tela do artista contemporâneo estadunidense Titus Kaphar chamava atenção por suas cores e o
grande espaço vazio ao centro. Intitulada “Space to forget” (Fig. 2), de 2014, a tela coloca uma
mulher muito parecida à fotografada por Papf, inclusive na mesma posição. Nessa obra recente,
no entanto, há uma gritante ausência: a criança branca que na foto de 1899 estava brincando, é
substituída por um recorte na tela. Vemos seu contorno desenhado: cabelos, roupas e pés
aludem para quem não conhece a fotografia, assim faz um paralelo ao que falta ali, mas apenas
incita.
19

Figura 2 - Space to Forget, 2014, Titus Kaphar. Óleo sobre tela. 64 x 64 x 2 3/4 pol. Fonte: ArtsLant

No restante da tela o pintor atualiza a imagem no tempo: o fundo é de uma sala de estar
de uma casa fina, whisky no copo à frente do sofá, lenhas ao lado direito e ao centro o mesmo
olhar que vemos em 1899, encara o espectador de 2014. Agora ela está com uma vassoura de
mão, brincos; a presente ausência da criança e as alterações feitas pelo pintor parecem refletir
sobre os anos que se passaram e a pouca alteração na posição da mulher negra na sociedade. A
pose, nesse caso, é central na produção de sentidos e diálogos das telas, é ela quem nos faz
estabelecer as aproximações que permitem pensar sobre o vazio branco que pesa sob as costas
de uma mulher negra, este que a mantém no chão, em uma posição de subserviência, realizando
um trabalho de limpeza doméstica. Há uma linha de continuidade na história que Titus parece
querer evidenciar, de um lugar servil que se sustenta, um peso invisível que conecta a mulher
negra fotografada à pintada por ele: a modernização expressa na tela pelo ambiente que a rodeia,
mas também pelos elementos que a adornam; há uma roupa colorida, brincos e bracelete
dourados e estes são acompanhados de uma mão borrada que limpa o chão. A imagem nos deixa
a pergunta: o que mudou?
20

Mais uma vez, sob outro contexto, a mulher curvada no chão com uma criança em suas
costas, aparece. Agora em uma obra de uma mulher brasileira - uma artista negra brasileira -
Rosana Paulino, que apresentou esta imagem em uma instalação no ano de 2007. Dessa vez,
trata-se de uma gravura impressa em tecido de tamanho A4, com estampa o contorno da imagem
de Papf. Na instalação Ama de leite (Fig. 3) pouco se vê da fotografia, mas conhecendo esses
arquivos é impossível não reconhecer a imagem escolhida pela artista para discutir as
permanências do ofício de “ama”. Na obra em questão não há o interesse em evidenciar o olhar,
a modernização, o trabalho doméstico como reforço de um lugar servil. No caso de Paulino, é
o diálogo com a própria história da arte, de uma imagem que, repetida tantas vezes, torna-se
familiar ao espectador. O questionamento, nesse caso, parte do próprio apagamento dos
detalhes. Não é necessário ver o olhar, a criança branca ou entender as relações propostas pelo
fundo que acompanha a mulher
curvada; basta saber que há uma
mulher negra ali em uma incômoda
posição. Um registro da história
brasileira através da fotografia que a
artista Rosana Paulino traz para o
século XXI, estabelecendo pontes e
críticas sobre o por quê não importa
conhecer essa mulher? O que
representa aquela posição agora? O
que é a ama de leite no século XXI?
São muitos os pontos de
encontro entre essas três imagens que
apoiam-se sobre uma mesma base.
Cada qual parte de um interesse do
artista, cada uma evidencia e produz
algum sentido diverso acerca da
mulher que é retratada. E tais reflexões
permeiam todo o trabalho que
desenvolvo nesta dissertação. Penso
Figura 3 - Ama de leite – Detalhe da instalação. Monotipia sobre
tecidos, fitas de cetim, vidros e fotografia digital. Garrafas e fitas. que as produções visuais estão
Dimensão variável. 2007. produzindo e transformando sentidos a
21

respeito de seus objetos de maneiras diversas, interessa-me olhar para aquilo que tem sido
produzido sobre a mulher negra e, mais ainda, em relação à autoria de mulheres negras.
O exercício em observar as três peças não é resolver os diálogos entre elas, mas citar as
perguntas que elas trazem, afinal parto de um ponto de vista que entende as imagens como
fontes de criação de representações sociais que transpassam os limites da tela. Deste modo,
observar o que é dito sobre a mulher negra, como esses ditos afirmam-se enquanto
desigualdades e a forma como essas relações se expressam nas artes visuais, são os pontos que
mobilizam a pesquisa.
Assim, esse projeto de pesquisa foi iniciado com a seguinte pergunta: o que se altera
quando o observado passa a ser o observador? Ou ainda, quais as diferenças quando a mulher
negra passa a falar sobre si própria? Apresento nas páginas que se seguem algumas das reflexões
que me ajudam a pensar sobre as respostas.
A última pergunta citada acima inspira-se nos conceitos desenvolvidos pela socióloga
estadunidense Collins (2000; 2016; 2017), que procurou construir um aparato conceitual para
a sociologia a partir do feminismo negro. Tal aparato é o que guia conceitualmente essa
dissertação, a partir da ideia de que grupos estereotipados, tais quais as mulheres negras são
desumanizados e controlados a partir de imagens que são sistematicamente reproduzidas. Por
isso, a autora considera a cultura fundamental para compreender como tais imagens de controle
vão se reproduzindo e, principalmente, para que possam ser questionadas.
Neste sentido, essa dissertação investiga um dos principais estereótipos de mulheres
negras, a “mãe-preta”. E o investiga buscando qual é a mãe-preta que as mulheres negras
querem produzir. Para tal, utilizo a produção e trajetória de três mulheres negras artistas, uma
delas já citada, Rosana Paulino, as outras são Renata Felinto e Juliana dos Santos.
Para apresentar o tema, no capítulo 2 há uma discussão sobre raça, gênero e
interseccionalidade; bem como uma apresentação sobre o feminismo negro. Retomo a
discussão da sociologia das relações raciais, destacando os conteúdos que se dedicaram mais a
pensar gênero e raça.
No capítulo 3, texto e imagem se encontram novamente para discutir como as artes
plásticas pensaram a mulher negra. Destaco duas telas que marcam um período importante do
pós-abolição, quando a construção da identidade nacional aparece como tema para literatura,
artes e ciência; também a mulher negra ganha foco em produções que foram premiadas nos
Salões da época. O objetivo desse capítulo é circunscrever quais são os principais elementos
que vão constituir a mãe-preta como uma imagem de controle.
22

A segunda parte da dissertação, composta de mais dois capítulos, apresenta as artistas


negras selecionadas. Inspira-se em dois conceitos de Collins (2016), com os quais a autora
trabalha principalmente a reflexão de como as mulheres negras possuem um olhar particular
para a produção de conhecimento, que as permite questionar a imagem de controle através do
processo de autodefinição e autoavaliação. Já no capítulo 4, acompanhamos o processo de
autodefinição dessas mulheres, isto é, definir as imagens de si mesmas e de outras mulheres
negras. Outro conceito que ajudará para compreender isso é o de racialização, de Fassin (2011),
a partir do qual se norteia a análise das entrevistas sobre suas histórias.
Munidos de informações sobre as trajetórias dessas mulheres, chegamos às suas obras
no capítulo 5, no qual há uma análise dessas produções, buscando sobretudo responder qual é
a visão sobre a mãe-preta dessas produções. Ou ainda, como autoavaliam a si mesmas e às
mulheres negras em geral para produzir imagens que questionem a mãe-preta e o controle que
esse estereótipo exerce sobre o grupo.
23

Parte I

2 Raça, gênero, feminismo e interseccionalidade: o debate sociológico sobre a mulher


negra

“Querem que a gente saiba


que eles foram senhores
e nós fomos escravos.
Por isso te repito:
eles foram senhores
e nós fomos escravos.
Eu disse fomos.”

Oliveira Silveria (1941-2009) – O Poeta da Consciência Negra

A base da qual parte essa dissertação é a sociologia enquanto ferramenta de construção


crítica de conhecimento científico, alinhando categorias como gênero, raça e artes visuais. O
desafio em alinhavar os múltiplos temas e caminhos possíveis consiste em produzir significados
sobre as mulheres negras sob o ponto de vista sociológico. De acordo com Guimarães (2015):

A sociologia se constrói como reflexão científica à medida que supera e demonstra o


caráter fundamentalmente histórico e socialmente construído dos seus objetos,
anteriormente pensados como pertencentes à natureza. Classes, raças e sexos foram,
de fato, considerados objetos naturais antes de serem transformados em artefatos
culturais pelo pensamento sociológico.(GUIMARÃES, 2015, p. 4)

Partindo da premissa de que a sociologia contribui para desconstruir as noções


biológicas que eram forjadas a fim de produzir uma determinada leitura da sociedade, podemos
compreender os conceitos de raça e gênero como conceitos propriamente sociológicos,
constituídos no distanciamento dos entendimentos que a biologia os atribuía. Desse modo, a
proposta desta pesquisa é refletir sobre um objeto sociológico que articule em si esse conjunto
de categorias, investigando as mulheres negras artistas visuais.

2.1 Classes, raças e gênero na sociologia brasileira

Pensar a discussão sobre raça no Brasil é refletir acerca da própria constituição da


“sciencia”’ no país, a partir dos modelos evolucionistas e social-darwinistas que perpetraram
nos anos 1870, conforme definido por Schwarcz (1993), primeiro como “moda e depois como
prática e produção”. O médico baiano Nina Rodrigues foi o responsável por introduzir a noção
de raça entre os estudiosos brasileiros a partir desta perspectiva naturalista (GUIMARÃES,
2015), que através de modelos biológicos de análise se posicionou na defesa da teoria da
24

degenerescência racial. Nina Rodrigues defendia os modelos de poligenismo, isto é, que as


raças humanas não poderiam se "cruzar" por terem origens distintas. De acordo com esta linha
de raciocínio, a miscigenação levaria ao fracasso físico, mental e social da nação. Para
Schwarcz (1993) o tema racial atuava como um importante influente para pensar um projeto
nacional de Brasil, no final do século XIX, com perspectivas distintas, muitos intelectuais
pactuaram com teorias deterministas raciais quando no pós-abolição se viram obrigados a
inserir na agenda a questão dos ex-escravizados.
Em 1844, Karl Von Martius venceu o primeiro concurso promovido pelo Instituto
Histórico e Geográfico Brasileiro, respondendo sobre: "Como se deve escrever a história do
Brasil?". Para ele, essa história era contada pela convivência exitosa dos três elementos raciais
que compunham o país: os negros, indígenas e os brancos. Mais de 80 anos depois, essa
concepção foi retomada pelos intelectuais dos anos trinta do século XX através da percepção
positiva sobre a mistura de raças no país.
Nesse momento, cai em desuso a concepção de raça no sentido biológico, para ganhar
destaque uma compreensão que se associava com maior ênfase a um desenvolvimento
conceitual sociológico – em paralelo a esse processo a sociologia enquanto ciência também se
institucionalizava2. Essa mudança introduziu um discurso culturalista de análise da mistura
racial brasileira, sobretudo por meio das produções de Gilberto Freyre. De modo que a diferença
de hierarquia racial não havia deixado de existir, mas sido substituída por uma compreensão de
que as diferenças culturais postulavam um povo como mais ou menos "avançado"; nessa lógica,
os povos africanos escravizados eram condicionados ao processo de escravidão pela
inferioridade de sua cultura. Conforme essa leitura, o antagonismo entre brancos e negros seria
suprimido através das relações íntimas criadas por esse convívio.
A discussão sobre as relações entre raças no Brasil seguia como tema fundamental para
pensar a constituição da nação. A partir da obra de Freyre, o caráter positivo da miscigenação
e da influência negra na formação da cultura brasileira conferiu às diferenças raciais um lugar
de “relações democráticas”, como citado por Guimarães (2003), afinal não havia um problema

2 Entre as décadas de 20 e 40 a institucionalização da sociologia através do surgimento das universidades e diversas


publicações de manuais da área foram um tema importante para os acadêmicos da época, entre eles Gilberto Freyre,
a ciência desenvolvia-se junto à modernização do país e nisso também cumpriu seu papel. Ver mais em: MEUCCI,
Simone. Institucionalização da sociologia no Brasil: primeiros manuais e cursos. São Paulo: Hucitec: Fapesp,
2011. 169 p.; NASCIMENTO, Alessandra Santos. Fernando de Azevedo: Institucionalização da sociologia e
modernização brasileira. Perspectivas, São Paulo, v. 37, pp. 163-190, jan./jun. 2010
25

entre essas relações, inclusive, posteriormente a discussão sobre democracia racial3 se inspiraria
na produção desse autor.
Anos depois, já nos anos 1950, uma nova visão sobre essa discussão seria apresentada
nos trabalhos do Projeto UNESCO, estudos que procuraram tratar extensivamente sobre a
situação do negro no Brasil, sobretudo nos estados do Rio de Janeiro e São Paulo (Maio, 1999).
Com o objetivo inicial de compreender as bem-sucedidas relações raciais no contexto nacional,
o estudo acabou por produzir uma mudança na interpretação dos cientistas, de que embora as
relações entre brancos e negros fossem pautadas pelo ideário da democracia racial, não
negavam a existência do preconceito racial.
Destaco primeiro, dentre essas produções, os trabalhos de Costa Pinto (1953) e Florestan
Fernandes e Roger Bastide (1955), pela maneira com que abordaram os temas dos estereótipos
e, mais à frente, exponho a abordagem sobre as dinâmicas de gênero. No primeiro caso, com
um olhar já distanciado do processo de escravidão, a integração do negro na sociedade brasileira
era a principal preocupação do sociólogo baiano, isto é, "da condição de escravo à de
proletário", raça se torna um elemento secundário frente ao sistema produtivo e o lugar do negro
nele. Além disso, o autor se interessava pelo "negro como nós", aquele que já não era escravo
e não era africano. Criticava os estudiosos do tema por não terem se dedicado a esses,
convencidos por um estereótipo que só olhava para o negro com uma "curiosidade intelectual",
a partir da diferença com o branco. O autor considera que esse olhar etnocêntrico conferiu ao
grupo que teve a posição de produzir conhecimento, olhar para o negro como um exótico, por
isso justamente direcionar seu interesse de pesquisa em linguagens artísticas, esportes, religião,
entre outros. Discussão importante para pensar as representações e como sob a supervisão da
ciência produziram-se estereótipos sobre o negro, associando inclusive com a atual reflexão
sobre formação racial.
Outro ponto levantado por ele é que esse processo de exotizar e estereotipar
condicionou a uma inferiorização que dificultava a ascensão social do negro, fazendo com que
preconceito e desigualdade de oportunidades sejam utilizados para a sua própria justificação. O
autor ainda acrescenta que a ascensão não significa integração social, pois na medida em que

3 Guimarães (2003, p. 102) aponta que a “Escola Paulista de Sociologia” desenhou a democracia racial como
leitura da “sociedade multirracial de classes”, com origens no pensamento de Freyre de que a cultura portuguesa
possibilitou um ambiente de democracia social através da miscigenação e integração cultural das culturas
inferiores, possibilitando mobilidade social dos negros no mundo dos brancos. O termo “democracia racial” – não
foi utilizado por Freyre sendo posterior a ele, mas oriundo de suas ideias sobre democracia social – passa então a
sintetizar a ideia de que raças não existem e a cor não é importante.
26

começa a despontar uma classe média negra, os conflitos tendem a se acirrar e as tensões
tornam-se mais evidentes.
O livro Brancos e negros em São Paulo, de Florestan Fernandes e Roger Bastide,
atenta-se aos elementos de cor4 como um fator fundamental de classificação social, elemento
que foi selecionado negativamente, com sentido ofensivo. Criticam a harmonia com que Freyre
viu as relações entre negros e brancos no Brasil. Apontam que tendo esse imaginário se
perpetuado entre os brasileiros, teve como resultado a ausência de conflitos raciais abertos,
disfarçados de preconceitos sobre a condição social dos indivíduos. Para eles, a democracia
social, que Freyre demonstrava existir, era na verdade um ideal, não a realidade.
Assim, não existiam no Brasil mecanismos institucionalizados que reforçassem a
subalternidade dos negros, mas sim a ideia de que isso seria uma diferença de classe entre
brancos e negros. A cor da pele atuava enquanto marca de status social, mas também demarcava
a desigualdade mental, social e moral dos negros. Isto é, a cor age como um estigma racial, em
primeira instância, mas também como expressão de um status social inferior.
A discussão de Bastide e Fernandes (1955), no contexto dos anos 1950, apresenta o
elemento “cor” como referente à desigualdade social, mas também à inferioridade frente aos
brancos. Outro intelectual, Thales de Azevedo (1955) sobre os estereótipos acerca do negro,
afirma que mesmo com as relações de ‘intimidade’ entre ambos, o negro seguiria sendo pensado
como inferior.
Bastide e Fernandes (1955) evidenciam ainda que, a possibilidade de ascensão social
para o negro era bastante restrita, principalmente devido às recusas de emprego. Sempre
associadas à uma visão pré-concebida deste grupo, vistos como: “irresponsáveis”, “sujos”,
“imorais”, “burros”, entre outros. Isso sustentava as posições de prestígio no mercado de
trabalho para os brancos, ao passo que para os negros restaram às ocupações de menor prestígio
social, como: pedreiro, domésticas, jardineiros, entre outras profissões. Esse era um dos fatores
que contribuíam para a desigualdade entre negros e brancos no Brasil. Assim, esses autores que
escreviam após 70 anos da abolição da escravidão, observavam a permanência da
subalternidade e do status social inferior do negro.
Nos anos 1960, a publicação de Integração do Negro na Sociedade de Classes,
apresenta a dificuldade da população negra em inserir-se na sociedade industrial,

4Guimarães (2003) argumenta que “cor” é uma categoria nativa, em certo sentido naturalizada e, por isso, de
difícil adesão para a análise social. Em trabalho mais recente (2011), o sociólogo defende também que cor é um
dos principais elementos do nosso sistema de classificação racial, que com o enfraquecimento da teoria do
embranquecimento em virtude das lutas políticas travadas pelo movimento negro, o conceito de “cor” e, que vem
sendo substituído por “cor da pele”, ganha expressão na academia e realidade social efetiva.
27

principalmente por ser uma população originalmente vivendo nos campos ou atuando com
serviços domésticos, sem nenhum estímulo para integrá-los após a escravidão. Por esse motivo,
Florestan declarava que tal problema era uma questão de inserção de classes, não de raça. O
racismo, enquanto dado cultural, só seria revisto a partir das classes.
Foram nos anos 1970 e 1980, sob os esforços dos sociólogos Carlos Hasenbalg e
Nelson do Valle Silva, atentos às permanentes desigualdades entre brancos e negros, que “raça”
foi tomada como um conceito de efeitos materiais e culturais (GUIMARÃES, 2015) distintos
dos processos de classe. Os autores não acreditavam que o processo de modernização se
encarregaria de findar as diferenças entre os grupos raciais, já que os indicadores seguiam muito
parecidos com os do pós-abolição. De modo que se a desigualdade racial permanecia, sinalizava
que funcionava a partir de outros mecanismos que se haviam atualizado e cumpriam um papel
no processo de reprodução social contemporâneo. Para Valle Silva (1978), uma série de
barreiras atuariam impedindo a ascensão social do negro, sustentando a ideia de que o negro
era pobre, porque assim nascia.
As discussões mais atuais sobre o conceito de raça na sociologia são, agora, muito
influenciadas pelo desenvolvimento de outros campos teóricos, como o feminismo, o pós-
colonialismo e decolonialismo, entre outros. Exporei mais adiante nesse capítulo, a afinidade
dessa pesquisa com o pensamento feminista negro desenvolvido por norte-americanas, mas
também trabalhado por acadêmicas feministas brasileiras. Especificamente, sobre as dinâmicas
raciais, parto da elaboração de Guimarães (2016) sobre o conceito de raça, que distingue
primeiro entre “raça-atribuída” e “raça auto-identificada”, que no caso das mulheres estudadas
é um processo que aconteceu simultaneamente, e ao qual o autor conceitualiza como
“racialização”. Nos sentidos empregados por ele, ao falar sobre raça-atribuída, referimo-nos ao
processo de construção de um grupo subalternizado a partir de características que lhe são
inerentes, ou seja, sua raça.

2.2 A mulher negra e a sociologia brasileira

Em se tratando do Brasil, observamos quatro chaves de análise possíveis para pensar


raça, classe e gênero dentre aqueles que investigaram o pensamento social brasileiro. Iniciando
pelo trabalho inspirado no racismo científico europeu de Nina Rodrigues; o culturalismo de
Gilberto Freyre; o trabalho desenvolvido pelos pesquisadores do Projeto UNESCO para
compreender a integração do negro na sociedade de classes, para citar expressão de Florestan
Fernandes; e, por fim, após os anos 1970 os pesquisadores que se dedicaram a pensar as
28

desigualdades raciais como um fator que - embora relacionado - não fosse resultante da
estratificação de classes. Dentre esses dois primeiros, observamos linhas de pensamento
específicas sobre mulheres negras que serão destacadas abaixo. Com menos profundidade,
destaco o trabalho de Costa Pinto como parte do Projeto UNESCO e os legados dos
pesquisadores após os anos 1970.
Para iniciar, falemos da produção de Nina Rodrigues, médico baiano, que promoveu no
país as teorias raciais que haviam sido exitosas na Europa em meados dos oitocentos 5. Desse
ponto de vista, a inferioridade genética da população escravizada era um grande problema para
o desenvolvimento da nação e, por consequência, também a miscigenação entre raças. Inspirado
nas metodologias da escola positivista italiana, compreendia elementos exteriores (sociais) e
interiores (biológicos) como fortemente vinculados, atribuíam assim a posição ínfera dos
negros na estrutura social a características que lhes eram inerentes – o que pode ser observado
nos ensaios “Mestiçagem, degenerescência e crime”, “Atavismo psíquico e paranoia” e “A
paranoia entre os negros”.
Enquanto médico, os estudos sobre a sexualidade feminina eram um tema de forte
interesse, sobretudo o fato de os órgãos serem internos revestia os estudiosos de incertezas.
Assim, no ano de 1900, Rodrigues publicou o artigo "As formas do hímen", texto publicado
originalmente em francês nos “Anais de Higiene Pública e da Medicina Legal” 6. A finalidade
do estudo era auxiliar na definição legal acerca da defloração ou não das meninas e mulheres
identificadas nas denúncias de violência sexual feitas às autoridades. Nesse sentido, visava
auxiliar os médicos a produzirem laudos que assegurem ou atestem a virgindade das mulheres,
a fim de elaborar um resultado seguro sobre a ocorrência ou não de defloramento. A
criminologista Naila Franklin (2017) investiga a produção científica de Nina Rodrigues e afirma
que seu texto era muito além de uma definição legal com base em critérios biológicos, sobretudo
porque discutia-se no crime de defloramento a honra feminina a partir da centralidade da
vagina7.

5 Em “O espetáculo das raças”, Schwarcz apresenta como a chegada das teorias que defendiam a ideia de
degenerescência racial ganharam projeção nas ciências brasileiras após 1870, quando já estavam em declínio em
seus países fundantes. Ver mais em: SCHWARCZ, Lilia Moritz. O Espetáculo das Raças: cientistas, instituições
e questão racial no Brasil 1870-1930. São Paulo: Companhia das Letras. 1993, 268p.
6
Título no documento original: Annales d'hygiene publique et de médecinelégale”.
7 Os crimes no final do século XIX e início do XX incluíam situações como o defloramento, atestando a

preocupação da sociedade com a honra feminina, concretizada em um órgão, uma “peça anatômica”. Para saber
mais: FAUSTO, Bóris. Crime e Cotidiano: A criminalidade em São Paulo (1880-1924). Editora Brasiliense. São
Paulo: 1984.
29

As leis da época 8 penalizavam de acordo com o "tipo de mulher" que havia sido
estuprada: virgem, honesta, prostituta ou pública. As penas eram mais brandas se as vítimas
fossem mulheres públicas ou prostitutas, sobretudo por essas mulheres não terem mais honra a
proteger. Franklin (2017) argumenta como a honra não aparece aí como um atributo da
individualidade feminina, mas atrelada às suas relações familiares e matrimoniais. Na avaliação
da pesquisadora, raça torna-se importante nas decisões de Nina Rodrigues, pela notável
diferença com que os laudos eram produzidos, mais do que o bem-estar da vítima que movia a
denúncia, era importante assegurar a integridade moral de seu marido ou dos pais. De modo
que as diferenças entre mulheres negras (cujas denúncias eram encaminhadas pela polícia) e as
brancas (cujas denúncias eram resolvidas no âmbito familiar) eram gritantes.
A diferença era entendida desde o ponto de vista biológico. Rodrigues (1900)
considerava a multiplicidade de formatos de hímens e os categorizava, além de levar em
consideração os aspectos congênitos de uma possível violação da vulva. Para o médico, no
entanto, as mulheres negras pareciam ter um formato de hímen que parecia estar rompido,
mesmo entre as recém-nascidas, uma disposição congênita que será encontrada nas negras e
mestiças; tornando difícil avaliar se poderiam estar sendo sinceras sobre ter sofrido abuso.
Corrêa (1996), ao investigar a obra do mesmo autor, destaca como a percepção de que os hímens
das negras tinham formatos simplificados, isto é, seus formatos não eram tão diversos quanto o
de brancas e mestiças, além de serem aparentemente rompidos, facilitou as decisões do autor
ao analisar as denúncias de que se essas mulheres haviam sido estupradas ou não, já que o
médico considerava muito fácil confundi-los. Tal interpretação, segundo Franklin (2017),
sinaliza um importante fato: a condição de vítima não cabe à mulher negra. Isto é, como
avaliadas sob uma condição biológica considerada congênita, poderiam as mulheres negras ter
suas denúncias acatadas e escutadas? Citando na avaliação de Corrêa:

Uma menina de 9 anos, “de raça branca e pertencente a uma boa família” sofreu
ruptura do hímen durante uma brincadeira: Nina Rodrigues e o médico da família
atestam por escrito a origem da lesão. Uma moça de 18 anos, “pertencente a uma
excelente família”, grávida e aparentemente virgem, ao ser examinada contou que por
nove anos manteve relações sexuais “externas” com um tio – terminando por
engravidar durante uma festa familiar. Sobre esse caso, Nina Rodrigues fez uma
pequena digressão jurídico moral, afirmando que se tratava “sem dúvida de um caso
de depravação, de deboche, mas também de violação”. Não mereciam a mesma
atenção discursiva Jovina, “negrinha de onze anos”, Luiza, “negra crioula de quinze

8
No período de atuação de Nina Rodrigues funcionaram dois estatutos jurídicos penais: o Código Criminal do
Império de 1830 e o Código Penal de 1890, denominado “Código Penal dos Estados Unidos do Brasil”. As
distinções entre eles alteraram-se, incluindo a categoria mulher pública no último. Tais informações podem ser
verificadas em: BRASIL. Lei de 16 de dezembro de 1830. Manda Executar o Código Criminal. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/lim/LIM-16-12-1830.htm
30

anos”, e tantas outras cujo diagnóstico, para a polícia e não para as famílias, era o de
uma conformação especial do hímen, fazendo crer numa violação inexistente. Uma
das meninas, “mulata de dez anos”, que “pretendia ter sido violada” era descrita como
“imbecil e idiota”. Sobre outra, Nina Rodrigues comentava: “É curioso apreciar como
os peritos divergentes esforçavam-se reciprocamente por fundamentar os seus juízos
antagônicos sobre o depoimento, destituído de todo o valor, de uma criança de raça
negra, dez anos de idade, absolutamente ignorante e boçal”. Parece que a essas
meninas vítimas não se reconhecia o mesmo amadurecimento precoce da inteligência,
atribuído aos meninos presos. (CORREA, 2013, p. 139).

Além da impossibilidade do lugar da mulher negra como vítima a ser amparada pelas
instituições legais, a antropóloga Corrêa (2013) investiga a incursão de Nina Rodrigues na
antropologia e sua relação com a medicina legal. Ela sinaliza como a fala do autor aparece
sempre adjetivando as personagens femininas em seus estudos.

A presença da mulher é forte e constante nos casos que Nina Rodrigues apresenta,
mas o feminino vem sempre qualificado: mães de terreiro, histéricas, degeneradas,
vítimas de violência sexual, mutiladas ou loucas. Como explicita em sua frase, “a
defloração não existe, existem mulheres defloradas”, é no corpo humano
individualizado que ele buscaria apoiar a sua definição de noções científicas, através
da observação de estigmas histéricos, deformidades físicas, sinais de degeneração
psíquica. Mas é a intromissão do contexto social específico em que viviam essas
mulheres que constantemente se nota em seus julgamentos elas continuavam a ser
“criadinhas” ou “senhoras” e eram atendidas na delegacia e no laboratório de medicina
legal, ou chamavam o médico em suas próprias casas. (CORREA, 2013, p. 138).

Assim, no artigo “As formas do hímen”, por vezes não há sequer nome das pacientes
negras que ele trata, diferentemente das brancas, elas são classificadas como “imbecil e idiota”,
entre outros termos. Corrêa (2013) considera que a atenção discursiva atribuída às brancas e
negras era tão desigual quanto a conclusão do caso e seu encaminhamento legal. No argumento
de Franklin (2017), levando em consideração que os crimes de violação sexual eram um
atentado à honra familiar, o contraste se dá também pelo aspecto de que as meninas brancas
tuteladas por seus familiares assegurava a elas credibilidade e qualificação nas denúncias; já as
meninas negras, vivenciando situações familiares mais desestruturadas, não tinham o mesmo
suporte.
Os estudos realizados por Franklin (2017) e por Corrêa (1996; 2006; 2013) demonstram
que as construções de Nina Rodrigues acerca da mulher negra foram definidas por contraste à
mulher branca. Nota-se que a produção de conhecimento da medicina legal interferiu
diretamente na vivência das mulheres negras, prejudicando e privando-as de direitos garantidos
às mulheres.
Apesar de existirem pesquisas sobre mulheres negras que fazem referência aos estudos
de Nina Rodrigues, é na obra de Gilberto Freyre que o tema ganha maior visibilidade. A
produção freyriana joga esforços em compreender as diferenças entre as raças por seus aspectos
31

culturais, ao invés de biológicos. O artigo seminal de Rezende e Lima (2004) faz uma revisão
da produção sobre mulheres negras e destaca a produção do pernambucano como fundante de
uma visão particular sobre mulheres negras, sobretudo a visão de que a relação entre negras e
brancos se dava como opostos complementares que funcionavam harmoniosamente. A
publicação da obra Casa-Grande e Senzala (1933), de Gilberto Freyre, é onde vemos a
construção do argumento da relação de intimidade entre mulheres negras e senhores brancos,
através dos laços estabelecidos entre senhoras negras e crianças brancas, também nas incursões
de jovens brancos que iniciavam as vidas sexuais com as jovens negras.
Outro trabalho que faz uma leitura sobre a percepção de Freyre acerca das mulheres na
construção do país é a cientista política Layla Carvalho (2006). A autora destaca como, para
Freyre, a mulher ocupa um lugar de manutenção da ordem social patriarcal, cumprindo um
papel “realista e integrador”. Olhando especificamente para as mulheres negras, a teórica
considera que o autor atribui a elas certa passividade às normas do patriarcado brasileiro, uma
aceitação da situação de servilismo laboral e sexual que vivenciavam. Além disso, a dupla moral
sexual atribuída à sociedade da época, subjugava mulheres indígenas e africanas ao
responsabilizá-las pela corrupção dos homens brancos, ao mesmo tempo que atribuía a
mulheres brancas o lado oposto disso, isto é, o recolhimento e dedicação exclusiva a seus
maridos.
Nessa relação sexual entre um grupo dominador e outro dominado, o autor atribui um
sadismo aos homens brancos e masoquismo às negras. O questionamento de Carvalho (2006)
reside na concordância atribuída às cativas e afirma que o sadismo dos homens brancos com os
corpos das negras era, na verdade, a maneira por meio da qual eles afirmavam o seu domínio e
superioridade.
As marcas que se destacam na narrativa que Freyre (1933) constrói sobre mulheres
negras, é a superexcitação e sensualidade exacerbada, que motivam a relação próxima com o
homem branco, mas também é lida como elemento da corrupção na família branca. O corpo da
mulher negra torna-se um elemento através do qual foi estabelecido um encontro entre as raças.
Nos termos de Freyre, ela era “a embaixadora da senzala”, por intermédio de uma relação
sexual, mas também de troca de afetos. O papel central atribuído às mulheres negras nas
relações entre senhores e escravos é expresso em muitos momentos no livro Casa-Grande &
Senzala. As representações sociais da mulher negra cunhadas por Freyre, no período, tornaram-
se uma fonte de sustentação para a naturalização de um sistema de desigualdades. Cravado em
seu livro, através do dito popular sobre os papéis das mulheres brasileiras, a frase que é utilizada
até os dias de hoje: “Branca para casar, mulata para f...., preta para trabalhar.” (FREYRE, 1933,
32

p. 84). Dessa forma, considero que o autor atribuiu, no sentido sociológico, a tais representações
que permanecem presentes no imaginário social. No início do capítulo IV, essa afirmação se
demonstra:

Da escrava ou sinhama que nos embalou. Que nos deu de mamar. Que nos deu de
comer, ela própria amolengando na mão o bolão de comida. Da negra velha que nos
contou as primeiras histórias de bicho e de mal-assombrado. Da mulata que nos tirou
o primeiro bicho-de-pé de uma coceira tão boba. Da que nos iniciou no amor físico e
nos transmitiu, ao ranger da cama de vento, a primeira sensação completa de homem.
(FREYRE, 1933, p. 373)

É importante pontuar que foi a partir da sexualização e da condição de escravizada que


Freyre definiu o lugar da mulher negra na sociedade escravocrata e patriarcal. No período da
escravidão, a negra idosa era a responsável pela esfera doméstica, cuidados dos filhos da Casa-
Grande e da culinária da casa; enquanto a jovem mucama realizava os afazeres domésticos, mas
também satisfazia aos prazeres sexuais do senhor. A obra de Freyre (1933) aponta que essas
mulheres estabeleceram um laço afetivo-sexual que teria apaziguado as tensões raciais. Assim,
além das tarefas domésticas e trabalho nos campos, suas funções eram particularmente atreladas
à sua condição de gênero (GIACOMINI, 1988).
Na análise de Giacomini (1988), a mulher negra é vista como um produto, teve seu
trabalho físico apropriado e seu corpo enquanto objeto sexual. Seu valor era de
coisa/mercadoria, não de um ser com quem se poderia ter afeto e reciprocidade. Essa
contradição é expressa, por vezes, no próprio texto do pernambucano. O autor atribui às
escravizadas a possibilidade de escolha na relação com os senhores:

“Ninguém nega que a negra ou a mulata tenha contribuído para a precoce depravação
do menino branco da classe senhoril; mas não por si, nem como expressão de sua raça
ou do seu meio-sangue: como parte de um sistema de economia e de família: o
patriarcal brasileiro” (FREYRE, 1933, p. 460).

A representação freyriana da mãe-preta ou a negra velha, por sua vez, é construída como
o contraponto dócil, maternal e domesticado frente à escravizada imoral em que se constitui a
mulata (RONCADOR, 2008). Fez parte da vida das elites escravocratas como cuidadora de
seus filhos, ama de leite e responsável pelos trabalhos domésticos. Gonzalez (1984) considera
que essa figura é a imagem positiva que se constrói da negra, porque ela é quem cumpre o papel
de “mãe”.
No texto clássico da antropóloga Lélia Gonzalez, Racismo e sexismo na cultura
brasileira, de 1984, a autora discute a figura da “mãe-preta” e da “mulata” como estereótipos
raciais que não conseguem responder a totalidade dos sentidos de ser mulher negra.
33

Especificamente, sobre a mãe-preta, afirma a posição dessa como mãe, frente à branca, que é a
outra nas influências durante a criação das crianças. Tal elemento representa para Lélia
Gonzalez a presença da resistência negra, entre outras coisas, já que essa mulher era responsável
pela criação dos nhôs-nhôs, contava-lhes histórias e os ensinava a falar. Essas mulheres
imprimiram na fala dos brancos uma marca de africanização, que tornou o português brasileiro
uma prova do fracasso dos jesuítas na alfabetização e diferente na escrita e fala do português
de Portugal (FREYRE, 1933). A resistência negra atribuída a essas mulheres reside justamente
na influência da cultura negra na formação dos brasileiros.
No que concerne à mulata, sua representação de objeto sexual é uma derivação do papel
das mucamas na escravidão sendo a responsável pela iniciação dos jovens brancos na vida
sexual e por gerar filhos ilegítimos ao senhor de escravo9. Corrêa (1996), em seu artigo seminal
Sobre a invenção da mulata, dedica-se a investigar as relações entre raça e gênero na
constituição da figura da mulata. Nesse sentido, a autora argumenta que raça é um conceito
fundamental para interpretar a sociedade brasileira e, por consequência, para compreender as
construções de gênero. Ela destaca como a mulata foge aos parâmetros binários estabelecidos
entre os polos masculino x feminino, isto é, ao tornar-se uma figura que responde positivamente
aos conflitos raciais vivenciados na formação do Brasil, altera o sentido das imagens
construídas em torno do polo feminino, ainda que essa positivação seja relativizada ao longo
do texto pela autora. Ela encarna o terceiro campo entre Brancos e Negros, a “mulatice” suaviza
os problemas até então discutidos sobre a miscigenação afirmando: “a mulata é a tal”. Nesse
sentido, é uma figura que se constrói nos distanciamentos tanto em gênero, quanto em raça; foi
construída como um objeto do desejo masculino branco, opondo-se à negra escura que não
poderia cumprir esse papel, mas também a pura e intocável mulher branca. Com esse ponto
temos a feminilidade das mulheres definidas a partir da oposição com a mulher branca, através
do contraste definindo o “ser mulher” a partir dessa referência.
Para Corrêa (1996) é o lugar de objeto desejável que a empurra como símbolo nacional,
síntese de um país que se quer mestiço. A autora disserta sobre outro ponto central para
compreender a mulata e a mulher negra, ao falar sobre a mestiçagem e a mulata o critério de
que falar de raça passa por falar de sexualidade ou de sexo, visto que o mulato já seria produto

9
A mucama era a escravizada jovem responsável por serviços domésticos e, por vezes, servia de ama de leite. A
mulata responde a essas perspectivas na sociedade pós-escravidão ao ocupar o posto de empregada doméstica.
Para mais sobre a mucama como construção social precursora da mulata ver: GONZALEZ, Lélia. “Racismo e
sexismo na cultura brasileira”. Ciências Sociais Hoje (2), Brasília, ANPOCS, 1983.
34

de relações “espúrias” e através de relações sexuais também alçaria ao papel de símbolo


nacional.
Freyre (1933) é o primeiro a destacar a sexualidade da mulata como um fator relevante
para a formação social do país; para o pernambucano a miscigenação era um aspecto positivo
que garantia uma sociedade de conflitos amenos e baseada em relações afetivas, assim
prevalecia na sociedade escravocrata as ligações efêmeras que geraram diversos filhos
ilegítimos. Os papéis sociais dedicados às mulheres estavam claros: a mulher branca era a
esposa e a mulher negra era a mulher da rua, inferior à primeira. Quando Florestan Fernandes
publicou A Integração do Negro na Sociedade de Classes, de 1964, apresentou dados que
concluíam que a miscigenação ocorria sem modificar comportamentos preconceituosos dos
envolvidos nas relações, além de terem sido as desigualdades que permitiam essas interações,
não a harmonia vista por Gilberto Freyre. Para Munanga (2008) a miscigenação teve o papel de
desconstruir a negritude brasileira, já que os mulatos buscavam o embranquecimento e, ao estar
mais próximos dele, beneficiavam-se frente aos pretos de pele mais escura, ainda que dentro de
um limite estabelecido pelo branco10.
No entanto, Fernandes (1964) demonstra empiricamente como para a mulher negra a
relação com o homem branco restringia-se ao concubinato, isto é, mesmo que fosse a intenção
embranquecer-se, as relações matrimoniais eram destinadas às mulheres brancas e a diferença
entre brancas, mulatas e negras estava posta. Interessante observar na publicação O negro no
Rio de Janeiro: relações de raça numa sociedade em mudança, de Costa Pinto (1953), como a
discussão de gênero aparece e qual o lugar da mulher negra nesse trabalho que compunha o
Projeto UNESCO. O autor registra a realização de concursos de beleza chamados “Rainhas das
Mulatas”, “Rainha de Ébano” e “Boneca de Piche”, que foram compreendidos na época como
uma das principais e mais bem-sucedidas ações promovidas pelo Teatro Experimental do
Negro, grupo que organizava tais eventos. Costa Pinto afirma, no entanto, que tais atividades
não eram unânimes entre a população negra, sobretudo as gerações mais velhas e
conservadoras. Além de ser uma estratégia de dignificação da população negra que deixava
pouco claro quais os sentidos da atratividade da negra e mulata. Atratividade essa que não
resultava em interesse matrimonial, por exemplo, como atestado pelo sociólogo nas entrevistas
com os rapazes, que afirmaram quase em sua totalidade “contra a ideia de casarem-se com a

10
Retomo aqui a discussão, já apresentada, de Roger Bastide, onde o autor considera que a cor se configura um
estigma racial que distingue as camadas sociais brasileiras. Sendo o negro associado à irresponsabilidade, falta de
higiene e imoralidade. Assim, quanto mais próximos dos tons brancos, menos sujeito a discriminações.
35

mulher de cor”. O que não significava a repulsa com a relação sexual com essas mulheres,
sobretudo a mulata que seria “sexualmente mais compensadora”.
A socióloga Sônia Maria Giacomini (2006), produz sua tese em torno do Renascença
Clube carioca, local onde aconteciam concursos de beleza negra. Dedica-se a compreender as
dinâmicas de gênero e raça que atuavam nesses concursos, que partiam na verdade, da tentativa
de divulgar uma imagem da mulher negra que reunisse harmonicamente características
“estéticas, morais e intelectuais”. A partir disso, a autora argumenta como a estratégia dos
dirigentes do clube dedicou-se a valorizar o terreno que julgaram haver “mais espaço, ou menor
resistência”. Estratégia que se opunha às reflexões realizadas por Costa Pinto em seus estudos,
nos quais o autor afirma que o problema da mulher negra estaria no excesso de um tipo
específico de atrativo, o estético e sexual. Sendo necessário valorizá-la em todas as outras áreas,
social, econômica e profissional.
Giacomini (1988) aponta como a sexualidade foi uma forma de controle dos corpos
femininos e negros. De forma que a sexualidade dos homens brancos, por serem proprietários
dos corpos de suas escravas, intermediava as relações raciais. Isto é, era o desejo deles, mas
também a repulsa que se criava em torno delas. Argumenta ainda que, embora tenha se atribuído
a ela uma “superexcitação”, não é possível falar sob a perspectiva da mulher escravizada já que
seus desejos e interesses estiveram alheios aos estudos da época e foram tidas como indiferentes
por um lado; e, por outro, a hipersexualização de seus corpos e responsabilização por seduzir
aos senhores tornaram-se formas de justificar os ataques sexuais sofridos por essas mulheres, a
quem qualquer norma moral havia sido negada. A norte-americana bell hooks11, refere-se a um
processo similar na escravidão dos Estados Unidos da América, como responsável por uma
competição entre mulheres negras escuras e as mais claras, já que a erotização das últimas e
servilismo das primeiras estabeleceu uma hierarquia aos papéis sociais cumpridos pela mulata
e mulher preta.

Whereas racist a sexist iconography had deemed the darker-skinned black woman
ugly and monstrous, a new standard of evaluation came into being to judge the value
of fair-skinned females. A estethic eroticization of the lighter skinned black female
gave her higher status than that of darker females, creating a sordid context for
competition and envy that extended far beyond slavery. (hooks, 2001, p. 58)12

11
bell hooks é o pseudônimo de Gloria Jean Watkins, escritora norte-americana, utilizado pela autora para assinar
suas obras, como forma de homenagem a sua mãe e avó. O nome é grafado em letras minúsculas.
12
Tradução livre: Considerando a iconografia racista e sexista que tinha considerado a mulher negra de pele mais
escura feia e monstruosa, um novo padrão de avaliação passou a existir para julgar o valor das mulheres de negras
de pele clara. A erotização estética da mulher negra de pele mais clara deu-lhe um status mais elevado do que o de
mulheres mais escuras, criando um contexto sórdido para a competição e inveja que se estendeu muito além de
escravidão.
36

A hierarquia entre os papéis sociais dessas mulheres se aprofundou posteriormente,


quando a mulata brasileira se consolidou como "tipo nacional". Nesse contexto, se firma um
referencial diferente à mulata, calcado na sexualização, um corpo a serviço da dominação do
homem branco. Côrtes (2005) constrói a categoria sexualização ao falar sobre representações
de mulheres negras e define:

A sexualização se refere à supervalorização dos seus traços físicos como textos que
expressam estritamente e de maneira exacerbada o erotismo, a sensualidade e a
sedução. Dessa maneira, tais sujeitos ocupam um lugar particular nas hierarquias de
gênero e raça: aquele corpo fornecedor de prazeres carnais. Na contrapartida, as
representações em torno das mulheres brancas são definidas – grosso modo – a partir
de uma sexualidade ligada a códigos estéticos e comportamentais, oriundos da suposta
moralidade inscrita na pele branca. Nesses termos, menos do que manifestação ou
orientação sexual – como sugere sexualidade – sexualização faz menção à situação
particular vivenciada pelas negras nas Américas. (CÔRTES, 2005, p. 153)

Já a mãe-preta, ou aquela mulher que não responde a esse padrão, foi significada
também por seu corpo e servilismo, mas em outro sentido. Para citar novamente hooks (2001):
“(...) neste caso a construção de mulher como mãe, “peito”, amamentando e sustentando a vida
de outros. Significativamente, a proverbial “mãe-preta” cuida de todas as necessidades dos
demais, em particular dos mais poderosos.”
Destaco dois trabalhos recentes que debateram essas figuras sob o viés sociológico.
Moreira (2007) argumenta como as atividades domésticas se tornariam não só uma memória
escravocrata, mas uma ocupação profissional recorrente para mulheres negras, perpetuando a
profissão com caráter de trabalho assalariado, ponto defendido primeiramente por Suely Kofes
em sua tese publicada em 2001. Para além disso, aponta também como apesar dos limites da
sociedade escravocrata patriarcal, as mulheres fossem tidas como mulatas, ou não, encontravam
e construíam estratégias de sobrevivência para o contexto. Dias (1995) afirma que é preciso
tomar “conhecimento dos papéis sociais de mulheres de classes oprimidas escravas e forras no
processo de urbanização incipiente na cidade de São Paulo no século XIX” e investiga os
“papéis informais” dessas mulheres, isto é, as ações promovidas que não eram registradas nos
livros da História, mas que fugiam das normas culturais e, portanto, da obediência prevista e
esperada. Essas mulheres que eram chefes de família, muitas vezes, dominavam o espaço da
rua (Moreira, 2007) e fugiam do que era esperado do ser mulher. Investigando as tias baianas,
Velloso (1990) afirma:

Por meio do trabalho doméstico, da culinária e dos mais variados biscates, as mulheres
conseguiam garantir, mesmo que em bases precárias, o sustento dos seus. Era comum
que as crianças tivessem apenas mãe. A figura do pai, quando não era desconhecida,
tinha pouca expressividade. Nesse contexto, cabia sempre à mulher as maiores
responsabilidades e encargos (VELLOSO, 1990, p. 220).
37

Moreira (2007) atesta que o principal papel desempenhado por mulheres negras,
variando posição social, seria o de trabalhadora e chefe de família. Estudos mais atualizados
confirmariam ainda que é no trabalho doméstico que essas mulheres se firmaram, como líderes
de seus lares, autônomas e independentes, mas atreladas às amarras das possibilidades
construídas pela escravidão.
Por fim, nos anos 1970, sociólogos como Nelson do Valle Silva e Carlos Hasenbalg
(1988) utilizaram-se de pesquisas quantitativas para explicar as desigualdades entre negros e
brancos no mercado de trabalho e na educação, atestando como esses grupos possuíam
oportunidades sociais diferentes e desfavoráveis para os negros. A análise racial era feita ainda
de maneira desligada de gênero, sendo esse mais um conceito adicional para explicar as
desigualdades (REZENDE; LIMA, 2004). Na sociologia, o interesse por trabalhar com gênero
e raça apareceu em pesquisas que enfocam as diferenças entre homens brancos e negros e
mulheres brancas e negras, mobilizando raça e gênero para explicar desigualdades salariais ou
diferenças de acesso ao mercado de trabalho (cf. GUIMARÃES, 2002; GUIMARÃES;
BRITTO, 2008; LIMA, 1995).

2.3 Os Conceitos de gênero e a Perspectiva interseccional

Nesta seção, destaco o conceito de gênero, interseccionalidade e o feminismo negro.


Para esta pesquisa, a produção feminista negra e interseccional tem especial relevância. Dentre
a produção estadunidense destaco Collins (2000; 2017; 2016), Crenshaw (1991), Davis (1981)
e hooks (1995; 2000); dentre a produção brasileira Bairros (1995; 2006), Carneiro (2003),
Gonzalez (1983; 1988a; 1988b; 1988c), Nascimento (1974; 1980), Pons Cardoso (2012; 2014).
Tratam-se de alguns dos nomes que produziram diálogos continentais entre tais produções,
despontadas principalmente a partir dos anos 1980 e versando sobre temas comuns para
mulheres negras no continente americano. Se até agora observamos como falaram sobre a
ligação de gênero e raça, tais perspectivas nos permitem observar como mulheres negras
experienciam e produzem conhecimento sobre essa ligação. Destaco antes a citação da
historiadora feminista Joan Scott:

La historia del desarrollo de la sociedad humana ha sido narrada casi siempre por
hombres, y la identificación de los hombres com la‘humanidad’ ha dado por resultado,
casi siempre, la desaparición de las mujeres de los registros del pasado. (SCOTT,
1992, p. 39).
38

É dela também que adoto o conceito de gênero que norteia o olhar da pesquisa, para
Scott (1992) gênero é um elemento constitutivo das relações sociais, baseado nas diferenças
percebidas entre os sexos masculino e feminino em cada sociedade; além disso, ele é também
uma forma fundamental de dar sentido às relações de poder. A autora compreende que “gênero”
se expressa a partir de quatro significantes: símbolos culturalmente disponíveis que evocam
representações simbólicas (e com frequência contraditórias); conceitos normativos que expõem
interpretações de significados dos símbolos; a noção de fixidez que leva a aparência de uma
permanência atemporal na representação binária do gênero; e a noção restritiva de identidade
subjetiva. Tais elementos que não operam simultaneamente, mas são co-dependentes (Scott,
1995). É relevante para esta pesquisa a ideia de que as práticas e as representações de gênero
são internalizadas nos indivíduos, através dos processos de socialização.
Assim, se é verdade que as práticas e representações de gênero são construídas sob uma
ideia de fixidez que condiciona a ação social das mulheres, precisamos complementar essa ideia
com uma abordagem teórica que considere os modos de socialização, também, do ponto de
vista de raça. As teóricas negras feministas norte-americanas apresentam pontos importantes
nesse sentido.
O feminismo negro norte-americano vem construindo-se como corrente de pensamento
das ciências sociais e aprofundando teoricamente a interligação entre raça, gênero e classe
(COLLINS, 2016) 13 . Para a socióloga norte-americana Collins (2000), este é um pilar
fundamental da construção feminista negra e da experiência de ativismo de mulheres negras.
Não há sentido para essas mulheres hierarquizarem uma opressão em detrimento de outra, já
que todas estruturam essas vivências. Ativistas e escritoras alertavam para a articulação dessas
categorias desde a metade do século XIX14, destaco abaixo o discurso de Ana Julia Cooper em
1893:

As mulheres de cor sentem que a causa das mulheres é única e universal; e que...
somente quando raça, cor, sexo e condição forem vistos como acidentes, e não como
a substância da vida; somente quando o direito universal da humanidade à vida, à

13
O feminismo negro tem origens na chamada segunda onda do feminismo, quando as mulheres passam a
questionar o conceito de Mulher enquanto categoria universal, o que excluiria outras tantas formas de
discriminação vivenciadas, fossem da ordem de classe, raça, nacionalidade, orientação sexual, e outros. Ver mais
em Piscitelli (2002).
14
O texto inaugural do feminismo negro estadunidense data de 1851, quando a ex-escravizada Sojourner Truth
proferiu o discurso “Ain’t I a woman?” na Convenção de Mulheres. A oradora falou sobre a unidade construída
entre mulheres brancas e homens negros questionando o lugar da mulher negra como mulher. Além dela, outros
nomes como Anna Cooper, Amanda Berry Smith, Harriet Tubman, Mary Church Terrel iriam se tornar conhecidas
pelos pronunciamentos em defesa dos direitos específicos de mulheres negras. Ver mais em: hooks, b. (1981).
Ain't I a woman: Black women and feminism (p. 196). Boston, Massachusetts: South End Press.
39

liberdade e à busca da felicidade for considerado um direito inalienável a todos;


somente quando isso acontecer, terá sido a lição ensinada pelas mulheres aprendida e
a causa das mulheres terá sido ganha – não a causa das mulheres brancas, negras ou
vermelhas, mas a causa de todo homem ou mulher que se contorcia em silencio sob o
jugo de poderosas injustiças (LOEWENBERG; BOGIN, 1976, pp. 330-331).

Foi principalmente entre o final dos anos 1970 e início dos anos 1980 que o movimento
Black Feminism passou a trabalhar conceitual e teoricamente a interdependência de raça, classe
e gênero (DAVIS, 1981; COLLINS, 2000; DORLIN, 2007). Formulações estas que se
aproximavam muito dos conceitos de feminist standpoint e situated knowledge (HARAWAY,
1988; HARDING, 1991; LOWY, 2002). Isto é, a ideia de que a experiência da conjunção das
relações de poder de gênero, raça e classe produzem um ponto de vista particular para a
produção de conhecimento. Tal posição compartilha de uma oposição central para a
epistemologia feminista como um todo. A ideia de que a racionalidade e objetividade dada à
ciência era vista do ponto de vista de quem a pensava e escrevia: homens ocidentais, das classes
dominantes e brancos (LOWY, 2009).
Data de 1989 o primeiro texto que utiliza o termo interseccionalidade expressando as
ideias citadas no parágrafo anterior. A jurista negra e estadunidense Kimberlé Crenshaw
consolidou no mainstream uma elaboração epistêmica da discussão através do conceito.
Conceito que se pautava por uma crítica coletiva do movimento Black Feminism ao feminismo
branco, de classe média e heteronormativo. Tal formulação permitiu pensar como atuam, na
prática social e teórica, múltiplas dimensões de subordinação e discriminação. Moutinho (2014)
aponta que, apesar de não ter sido a primeira, Crenshaw foi quem recebeu mais destaque na
academia, embora existam outras intelectuais importantes como Angela Davis e Barbara Smith,
que partilharam dessa ideia.
Para defender seu ponto, Crenshaw parte de gênero e raça, mas analisados a partir de
um viés da justiça e violência, o foco da análise recai na forma como a Corte americana
interpreta processos enquadrados na Civil Rights Acts of 1964, 42 USC & 2000e, et seq as
amended (1982), nos quais as requerentes são as mulheres negras. A partir dessa análise, a
autora discrimina como, por vezes, mulheres negras vão sofrer discriminações como as
mulheres brancas, outras como os homens negros e outras vezes uma discriminação particular.
Neste processo, para Moutinho (2014) não é só a mobilização dessas categorias, que a jurista
chama de “estruturas de subordinação”, a partir de interesses dos advogados, mas também o
delinear de uma identidade, que padece da articulação entre as categorias, mas sendo também
autônoma.
40

O foco nas categorias de gênero e raça sem considerar classe foi criticado por outras
autoras (HIRATA, 2014). Algumas desenvolveram outras categorias para a análise, como é o
caso de Danielle Kergoat (1978; 2010), que utiliza o termo “consubstancialidade”,
primeiramente para designar as relações entre gênero e classe, em idos dos anos 1970; mais
tarde, a articulação passaria a refletir gênero, raça e classe. É a pesquisadora francesa quem
também fará significativas críticas ao conceito de interseccionalidade, argumenta que tratar de
maneira geométrica as categorias leva a uma percepção de que estaria a “naturalizar as
categorias analíticas”. No entanto, interseccionalidade e consubstancialidade compartilham a
proposta de não hierarquizar categorias para compreender relações de poder.
Outra autora que debate o conceito de interseccionalidade é a alemã Kerner (2012). A
autora não cunha outro conceito, mas expõe a necessidade de aprofundar as dimensões para
além das possibilidades que o conceito de Crenshaw possibilita. Argumenta quanto ao contexto
europeu, articulando formas de entender a relação entre gênero e raça, para ela compreender
racismos e sexismos como analogias paralelas não responde aos seus entrelaçamentos, sendo
necessário olhar a racialização do gênero e a sexualização de raça. Nessa combinação, as formas
de discriminação atuam através de semelhanças, diferenças, acoplamentos e intersecções.
Interessa nessa produção a possibilidade de pensar como o cruzamento – não a
somatória delas ou a ação de cada uma delas individualmente – produz discriminações
específicas que fundamentam a hierarquização social e sustentam as barreiras que limitam as
chances de sucesso de mulheres negras, no caso específico. A autora compreende que
sexualidade e classe também contribuem para “estruturar as experiências” dessas mulheres, mas
há uma centralidade em raça e gênero. O centro dessa discussão é não só jogar luz à múltiplas
identidades, mas enfocar o processo de produção e reprodução de desigualdades (BILGE,
2009). Assim, a interseccionalidade enquanto um olhar metodológico e conceitual é
fundamental para compreender esse objeto, compartilho da definição de Bilge:

A interseccionalidade remete a uma teoria transdisciplinar que visa apreender a


complexidade das identidades e das desigualdades sociais por intermédio de um 1. Ela
refuta o enclausuramento e a hierarquização dos grandes eixos da diferenciação social
que são as categorias de sexo/gênero, classe, raça, etnicidade, idade, deficiência e
orientação sexual. O enfoque interseccional vai além do simples reconhecimento da
multiplicidade dos sistemas de opressão que opera a partir dessas categorias e postula
sua interação na produção e na reprodução das desigualdades sociais (BILGE, 2009,
p. 70).

Para Harding (1996) o desenvolvimento do feminismo enquanto epistemologia teve três


entradas: a empirista feminista, as tendências pós-modernas e, por fim, as teorias do standpoint
view. A argumentação de Crenshaw, que partilha deste último grupo, estava presente na
41

elaboração teórica de diferentes estudiosas do feminismo negro interseccional (BRAH, 1996;


2006; COLLINS, 2000; hooks, 1989: 44; 1990; 1991; 1993).
Em artigo recente, Collins (2017) argumenta como o conceito de interseccionalidade ao
adquirir tamanha visibilidade distanciou-se de sua construção originária que data dos
movimentos sociais de mulheres norte-americanas dos anos 1970, mulheres africanas, latino-
americanas nos anos 1980 também construíram sobre o tema; passando dos documentos de
movimentos sociais para as universidades e os escritos acadêmicos, a perspectiva de justiça
social nunca esteve separada do termo. Para ela, a apropriação do conceito a partir do artigo de
Kimberlé Crenshaw, de 1991, dá-se entre outros fatores, porque marca a aproximação entre o
feminismo negro e outros projetos de justiça social com o fazer acadêmico. A socióloga elenca
ainda alguns dos pontos que garantiu a elaboração de Crenshaw a característica de hit concept,
como denomina Elsa Dorlin (2012), sendo elas: a experiência das mulheres negras na resolução
de questões sociais importantes; a autoidentificação da autora como feminista negra, colocando-
se no texto; a argumentação de que as demandas de mulheres negras não podem ser atendidas
por um pensamento monocategórico. Consequentemente, ao estabelecer uma relação
acadêmica e política, enfatiza como o movimento social de mulheres negras refletiu acerca de
uma categoria que pensaria as relações de poder a partir das interconexões. Isto é, uma solução
que seria para além dos feminismos negros e que serviria para compreender e promover a justiça
social para a sociedade. Para citar June Jordan (apud COLLINS, 2017) “ou a liberdade é
indivisível e trabalhamos em conjunto por ela ou você estará em busca de seus próprios
interesses e eu dos meus”.
Pensando especificamente sobre o caso brasileiro, o uso do conceito de
interseccionalidade nos estudos acadêmicos é mais recente, sobretudo da segunda década do
século XXI. Mas é o desenvolvimento do feminismo negro no Brasil que mais se aprofunda na
noção de interseccionalidade e na teoria do standpoint view entre as ativistas e intelectuais
feministas do país. Lélia Gonzalez é uma das referências pioneiras por ter desenvolvido seus
trabalhos ainda nos anos 1980. Presente nos movimentos sociais e criando pontes com a
academia, Gonzalez seria uma precursora de trajetórias de muitas outras mulheres negras nas
décadas seguintes, que se tornariam fundamentais para o pensamento de mulheres negras no
país. Citando-a:

O fato é que, enquanto mulher negra, sentimos a necessidade de aprofundar a reflexão,


ao invés de continuarmos na repetição e reprodução dos modelos que nos eram
oferecidos pelo esforço de investigação das ciências sociais. Os textos só nos falavam
da mulher negra numa perspectiva sócio-econômica que elucidava uma série de
42

problemas propostos pelas relações raciais. Mas ficava (e ficará) sempre um resto que
desafiava as explicações. (GONZALEZ, 1983, s. p.)

A autora sinalizava a importância do conhecimento produzido sobre e por mulheres


negras, superando as limitações dos temas clássicos das ciências sociais que abordavam a
inserção dessas no mercado de trabalho e acesso ao ensino superior, mas não buscava
compreender as complexidades em que gênero e raça submetiam essas. Nesse sentido, sua
produção atenta-se para a mulher negra como produtora de conhecimento, contestadora de
representações sociais e estereótipos, agente das lutas políticas, e assim por diante. Cardoso
(2014) vincula essa ideia de Gonzalez ao conceito desenvolvido por Collins (2016) de “outsider
within”, isto é, uma “forasteira de dentro”, a definição é de grupos que ocupam uma posição
social fronteiriça com outros em uma relação de desigualdade de poder; estando assim “situada
entre dois mundos”. A socióloga utiliza esse termo para pensar sua experiência como
acadêmica, mas também das mulheres negras dentro dos ativismos feministas pleiteando o
reconhecimento da mulher negra como sujeito político. Collins (2016) fala sobre como a
experiência da escravidão cunhou para mulheres negras um lugar no qual elas eram parte das
dinâmicas nas casas das famílias brancas, sem nunca deixar de ser outsiders nesses espaço; essa
ideia ocasionaria o que para a norte-americana é um ponto fundante do feminismo negro: um
ponto de vista especial quanto a si mesmas, à família e à sociedade. Fortalecendo nas margens
acadêmicas, culturais, políticas, e outros, uma produção que explora os pontos de gênero, raça
e classe de maneira distinta e aprofundada; o que é positivo para a própria construção do saber
e também constrói o feminismo negro enquanto disciplina15. Collins (2016) possibilita com esse
conceito ir além de “mapear as margens16”, mas entendê-las como um espaço de criação única
e positiva de conhecimento.
Assim, é possível afirmar que também no Brasil as “outsider within” estavam
construindo suas formas de atuar em prol de suas autodefinições, interpretando o mundo a partir
de suas experiências. Gonzalez (1988a) cria o conceito de “amefricanidade” para falar sobre
mulheres negras nas Américas, compartilhando de uma noção pós-colonial. Desenvolve, assim,
um conceito epistemológico, para trabalhar racismo, colonialismo, imperialismo e seus efeitos,

15
Para Lélia Gonzalez, a marginalidade foi uma constante, o início das pesquisas em gênero no país deu-se na
década de 1980, período no qual nos Estados Unidos fervilhavam as críticas raciais às produções de mulheres
brancas. No país, as instituições mais formais de pesquisa passaram ao largo dessa discussão, sendo, somente, nos
anos 1990 que produções com mais fôlego despontam, Dossiê de Mulheres Negras na Revista Estudos Feministas;
artigos na Revista Estudos Afro-Asiáticos, e assim por diante. No entanto, a produção de Gonzalez ocorria já nos
anos 1980, ignorada por seus pares acadêmicos nas discussões de gênero, encontrou eco entre aqueles que
produziam sobre relações raciais, produzindo com Carlos Hasenbalg, por exemplo.
16
Em referência ao artigo seminal de Kimberlé Crenshaw, “Mapping the Margins: Intersectionality, Identity
Politics, and Violence Against Women of Color”, no qual ela cunha o conceito de interseccionalidade.
43

elementos que não apareciam, naquele momento, nas produções das estadunidenses. Outra
contribuição importante da autora referiu-se à construção de representações sociais de mulheres
negras que se configurando como estereótipos raciais serviram para limitar a ação das mulheres
negras brasileiras, sendo elas: a mulata, a doméstica e a mãe-preta. Dedicarei o segundo capítulo
a estender-me mais sobre essa discussão.
Ainda nos anos 1980, outros nomes surgiriam discutindo as especificidades de mulheres
negras, como o livro “Mulher Negra” de Sueli Carneiro e Thereza Santos, que data do ano de
1985 e discute as distinções das experiências de mulheres negras em aspectos socioeconômicos
entre os anos de 1975-1985. São as pesquisadoras e ativistas negras quem ocupam o papel de
romper o ciclo de temas monolíticos na produção acadêmica, com destaque para a publicação
do Cadernos Geledés17 de 1993 que reuniu alguns dos escritos de Sueli Carneiro da década
anterior. Azêredo (1994) e Caldwell (2000) argumentam como, na agenda de pesquisas das
mulheres, raça não entrou como uma prioridade, apesar dos debates que ocorriam nos EUA.,
além de a falta de um olhar para a “integração” entre as categorias de raça e gênero demonstrar
como raramente a situação das mulheres negras é examinada.
Dentre a discussão sobre interseccionalidade e feminismo negro é importante salientar
que há todo um percurso de construção entre as categorias de gênero e raça nos estudos
brasileiros dentro do qual delimitei aquilo que atuará como uma proposta epistemológica e
metodológica do olhar empregado nesta pesquisa. Isto é, a leitura feminista negra interseccional
construída para analisar os Estados Unidos e o Brasil e elaboradas por, principalmente, Patricia
Hill Collins e Lélia Gonzalez, respectivamente. Tais aportes teóricos são material central para
analisar a construção da mãe-preta enquanto uma imagem de controle, discutida no capítulo
dois, assim como as desconstruções da mãe-preta, tratadas no capítulo três e as narrativas que
unificam mulheres artistas negras, no capítulo quatro. Por imagem de controle, quero dizer
sobre as representações sociais construídas sobre mulheres negras que atuam como estereótipos
raciais, a fim de controlar os corpos femininos negros. Collins (2016) argumenta que tais
construções só poderiam ser limadas a partir da construção de outras representações positivadas
e cunhadas por pessoas negras.

17
Fundado em 1988, o Geledés – Instituto da Mulher Negra reuniu alguns dos principais nomes do ativismo e
movimento intelectual de mulheres negras da época. A ONG não foi uma movimentação isolada, mas parte de
uma estratégia que mulheres negras articularam por todo o país, existindo a Criola (RJ), Maria Mulher (RS), SACI
(SE), Grupo de Mulheres Negras Mãe Andressa (MA), dentre tantas outras que nos anos 1980 consolidaram o
movimento de mulheres negras através de organizações do terceiro setor e publicações. Ver mais em:
https://www.revistas.ufg.br/fchf/article/viewFile/9102/6274
44

Como conclusão do capítulo é preciso sinalizar que esta pesquisa circunscreve-se


tomando o feminismo negro interseccional como teoria norteadora. Isso significa dizer que
partilho com Collins (2016) da importante ideia do ponto de vista de mulheres negras, que
forneceria um local privilegiado para a construção de conhecimento, mas também para
processos de justiça social. O objeto de pesquisa - as mulheres negras artistas plásticas - são
parte das outsiders within que como integrantes de grupos oprimidos têm uma percepção
particular de ambos os grupos, possibilitando promover alternativas a partir da posição formada
por essa dupla posição (COLLINS, 2000). Interessa utilizar o aparato conceitual do feminismo
negro estadunidense como embasamento teórico pela vantagem epistêmica apresentada de aliar
uma discussão sobre luta política e transformação social de grupos que experienciam
desigualdades nas relações de poder18.

18
Sardenberg (2002) coloca o feminismo negro como uma epistemologia feminista perspectivista, calcada nas
experiências de mulheres e nas “desigualdades de gênero que se quer erradicar”. No caso da elaboração proposta
por Haraway (1995), toda produção de conhecimento é situada, assim mesmo a partir do ponto de vista das
mulheres será uma reflexão parcial e incompleta; ainda assim as perspectivas desenvolvidas por grupos oprimidos
“são as que têm menor probabilidade de permitir a negação do núcleo crítico e interpretativo de todo o
conhecimento” (1995, p. 22).
45

3 Reencontrando mãe-preta: uma leitura a partir das imagens

Tocante ao presente capítulo, apresento o conceito central desta dissertação: a imagem


de controle; apoiando-me nele para interpretar produções visuais e estabelecer como estas
construíram narrativas em torno da mulher negra e do estereótipo racial de “mãe-preta”.
Primeiro, desenvolvo os argumentos de Collins (2000, 2016, 2017) e Hall (1997) a partir dos
quais me baseio para pensar a mãe-preta como um estereótipo racial que atua como uma
imagem de controle. Em seguida, realizo uma breve discussão sobre como a sociologia da arte
aborda imagens e quais os referenciais teóricos que guiam a leitura das produções plásticas que
são apresentadas nesta outra parte do capítulo.
No texto “Aprendendo com a outsider within: a significação sociológica do pensamento
feminista negro”, publicado originalmente em 1986 e traduzido para o português em 2016, a
socióloga Collins discrimina os temas centrais da perspectiva feminista negra. Sendo eles: a
natureza interligada da opressão, isto é, a interseccionalidade; o significado de autodefinição e
de autoavaliação; por fim, a importância de redefinição da cultura. Gostaria de atentar agora
aos dois últimos pontos discutidos pela autora. Primeiro sobre a redefinição da cultura a partir
do ponto de vista de mulheres negras. Compartilho de uma ideia de cultura que percebe a
categoria como também um marcador social de diferenças19, tal qual raça ou gênero. A autora
entende por cultura um conjunto de símbolos e valores que não são estatísticos, que moldam o
referencial ideológico a partir do qual as pessoas atuam, as culturas se criam e transformam a
partir de condições materiais. É importante falar do termo no plural, pois compreender as
categorias a partir do ponto de vista da interseccionalidade é pensar sobre como seus encontros
produzem experiências diferentes. Assim, atentar-se às culturas de mulheres negras é a
possibilidade de desvendar o “quadro de referências ideológicas” que pauta concreta e
materialmente as estratégias de reverter as situações de desigualdades que atuam na vida das
mulheres negras. Esses valores se expressariam nas diferentes esferas da vida social,
instituições, expressões criativas de arte e nas atividades da vida econômica e política.

19
Pensar a cultura como um marcador que opera produzindo diferenças e desigualdades, tal qual as outras
categorias citadas, é importante para compreender a relevância de bens culturais como produtores de sentidos, no
caso investigado, de imagens de controle que limitam a ação de mulheres negras. A partir da década de 1980 uma
série de pesquisadores refletiram sobre a centralidade da categoria como produtora de diferença, sobre isso destaco
o trabalho do sociólogo jamaicano Stuart Hall, com quem dialogo para pensar o conceito de estereótipos raciais.
Ver mais em: HALL, S. A centralidade da cultura: notas sobre as revoluções culturais do nosso tempo. Educação
& Realidade, Porto Alegre, v. 22, nº2, pp. 15-46, jul./dez. 1997.
46

Collins (2017) avança conceitualmente especificamente no que concerne à experiência


de mulheres negras; para ela, a opressão interseccional não poderia se sustentar não fossem as
poderosas justificativas ideológicas que a sustentam. Nesse sentido, a cultura é também o meio
através do qual imagens estereotipadas de mulheres negras são criadas, como expressão de uma
ideologia de dominação que sustenta a subordinação. A cultura aparece enquanto um veículo
através do qual essas imagens são criadas e transmitidas, tem papel ativo na constituição das
desigualdades, mas também da possibilidade de ruptura com elas.
Ao pensar o conceito de estereótipos raciais, Collins (2016) apóia-se no argumento de
de King (1973), afirmando que “são uma representação de imagens externamente definidas e
controladoras” da situação dessas mulheres que são centrais na desumanização e exploração.
Também no argumento de Carby (1987) que aponta o estereótipo não como uma representação
da realidade, mas que tem a função de disfarçar ou mistificar as relações sociais objetivas.
Compartilho também da definição de Hall (1997), que embora não pense especificamente na
situação de mulheres negras, oferece uma organização importante das características do
conceito. Ao discutir o tema no texto “O espetáculo do Outro”, organiza algumas características
do conceito: a primeira é que esse mecanismo essencializa, naturaliza e fixa a diferença, se
apossa de alguns atributos facilmente observáveis de um indivíduo ou grupo para “reduzi-lo”
a essa particularidade; segundo, vale-se de uma estratégia de dividir o que é aceitável e normal
do que não é, a lógica do discurso racializado de representação parte de um binarismo de
oposição. O estereótipo simbolicamente estabeleceria fronteiras fixas, dividindo e excluindo
tudo que não está dentro delas. Por fim, como terceira característica, o estereótipo tenderia a
ocorrer onde existem grandes desigualdades de poder. Hall considera que o poder é usualmente
utilizado contra os excluídos ou subordinados. Assim, o estereótipo seria uma forma de
classificar os sujeitos a partir de uma norma e construir a exclusão dos outros (HALL, 1997).
Para Collins (2000), no entanto, o estereótipo racial adquire um significado especial
quando olhado a partir dessa ideologia de subordinação. Collins (2000) oferece um aparato
conceitual capaz de melhor interpretar os efeitos de tal construções, pois para ela o estereótipo
racial é parte de uma imagem de controle. A autora compreende estas imagens como as formas
pelas quais as diferentes categorias de raça, gênero, sexualidade, classe, entre outras, são
normalizadas na vida cotidiana. Tais imagens são a chave para manter a interseccionalidade da
opressão, isto porque estabelecem fronteiras que delimitam o que é aceitável do que não é. Ao
colocar as mulheres negras como “outsiders” definem também os sentidos de fazer parte.
Figueiredo (2015; 2017) traduz o conceito como “controle da imagem”.
Compartilhamos de que esse conceito é, para Collins (2000), a forma de falar sobre
47

representações de mulheres negras associadas à ideia de subserviência e hipersexualiação, mas


a autora avança em compreendê-lo também como forma de emancipação. De forma que a
tradução feita do termo “controlling images” produz também os sentidos de sua mobilização
do conceito, já que ela argumenta que o controle da imagem é a possibilidade de “construir a
nossa própria imagem, uma imagem positiva sobre nós, por meio da autorrepresentação”
(FIGUEIREDO, 2017). Nesse sentido, a autodefinição se dá ao assumir o controle da imagem,
ao construir uma autoimagem positiva.
Collins (2000) desenvolve o argumento sobre as imagens de controle a partir de dois
pontos centrais: a objetificação de mulheres negras como o Outro e a opressão da mulher negra.
Quanto ao primeiro ponto, apresenta como a objetificação é central para justificar o pensamento
binário em que se baseiam as relações de subordinação. Para os estudos pós-coloniais, colocar
as pessoas negras como animalizadas foi uma forma de apoiar a política econômica de
dominação durante a escravidão, bem como os estudos feministas indicam que associar
mulheres à natureza no par “natureza x cultura” foi central para a objetificação das mulheres e
conquista dos homens (MCCLINTOCK, 1995). hooks apresenta uma elaboração sobre a
distinção entre ser sujeito e objeto:

“As subjects, people have the right to define their own reality, establish their own
identities, name their history… As objects, one’s reality is defined by others, one’s
identity created by others, one’s history named only in ways that define one’s
relationship to those who are subject20” (hooks, 1989, p. 42)

Assim, a objetificação se expressava tanto em fazer mulheres e homens negros


trabalharem incansavelmente no sistema escravocrata, mas também atualmente quando,
enquanto grupo racializado, a população negra não define os termos em que sua história é
contada. A própria invisibilidade que esses grupos podem experienciar são um produto dessa
objetificação, fazer-se objeto aos olhos de outrem.
Para Collins (2000), a opressão interseccional está fundada sob os conceitos de
pensamento binário, diferença oposicional, objetificação e hierarquia social, que implicam
invariavelmente em relações fronteiriças e hierarquizadas misturadas com economias políticas
de opressões de raça, gênero e classe.
Collins (2000) discrimina algumas imagens de controle, a priori as duas que vinham
como resultantes do sistema escravocrata e que foram utilizadas para manter a subordinação

20
Tradução livre: Como sujeitos, as pessoas têm o direito de definir a própria realidade, estabelecer as próprias
identidades, nomear a história... Como objetos, a realidade de um é definida por outros, a identidade criada por
outros, a história nomeada em formas que definem as relações com aqueles que são sujeitos.
48

das mulheres negras mesmo ao findar do sistema, sendo elas a “mammy” e a “matriarchs21”. A
autora aponta ainda que essas imagens de controle, ao atuarem na continuação da escravidão
em termos ideológicos, foram responsáveis por mascarar as relações sociais que afetavam todas
as demais mulheres. Irei me deter sobre a “mammy”, figura que em muito se assemelha à mãe-
preta brasileira, e foi considerada por Collins a primeira imagem de controle estadunidense: a
mulher fiel e servente obediente. Criada para justificar a economia de exploração dos
escravizados domésticos e sustentada posteriormente como justificativa para a longa restrição
profissional de mulheres negras aos serviços domésticos. Esse processo é uma forma de
racialização das relações sociais, isto é, atribuir significado racial para relações, práticas sociais
ou grupos que estavam anteriormente sem classificação (OMI; WINANT, 1994). Collins (2000)
considera que essa foi a forma pela qual se estabeleceu uma normativa para o comportamento
de todas as mulheres negras, uma que simbolizaria a percepção do grupo dominante quanto à
relação ideal entre mulheres negras e a elite branca e masculina. Isso porque ainda que sendo
uma figura afetivamente considerada pela família para quem trabalha, ela ainda sabe seu lugar.
Observar as imagens de controle de mulheres negras, como a mammy permite observar as
maneiras específicas com que raça, gênero e classe se expressam. Através delas se exerce o
poder e se sustentam as desigualdades, Collins (2000) explica, “In order to exercise power, elite
white men and their representatives must be in a position to manipulate appropriate symbols
concerning Black women.” (COLLINS, 2000, p. 68).
A análise de Collins (2000) avança e aponta que, ao internalizarem determinados
comportamentos esperados para os papéis atribuídos pelos grupos dominantes, mulheres negras
podem ser parte da sustentação da opressão. Tal fato levaria à construção de outras imagens de
controle, entre os estadunidenses a “matriarchs”, ou seja, aquela mãe que pouco se preocupa
com seu filho, responsável pelo fracasso dele ao tratá-lo pior do que trata as crianças brancas.
Dessa forma, constrói-se para mulheres negras uma posição insustentável.

Gilkes indica que a assertividade das mulheres negras ao resistirem à opressão


multifacetada que vivenciam tem sido uma ameaça constante ao status quo. Como
punição, mulheres negras têm sido atacadas com uma variedade de imagens
externamente definidas, projetadas para controlar seu comportamento assertivo.
(COLLINS, 2016, p. 103)

21
A imagem de controle matriarchs, citada por Collins (2000), é concebida como a mammy que falhou, um
estereótipo para aquelas mulheres que rejeitavam a ideia de submissão e de dedicada serva. No caso brasileiro, a
mãe-preta comporta em si tais contradições, é a trabalhadora que também é da família, ao mesmo tempo que é tida
como suja e potencial criminosa. Quando Collins (2000), fala sobre essa figura como “the bad black mother”, que
era a figura da mãe nas casas de pessoas negras. Ao se ausentar e dedicar afeto para as crianças brancas, essa
mulher, isto é, ao falhar com seus “deveres” como mulher, é responsável pelos problemas sociais na sociedade
negra.
49

No caso brasileiro, Gonzalez (1983) foi uma das pesquisadoras feministas que se atentou
para as representações sociais que existiam sobre mulheres negras, como citado no capítulo
anterior. A antropóloga identificou como a mãe-preta, a mulata e a doméstica passaram a operar
no imaginário social como estereótipos raciais de mulheres negras e, antes dela, Freyre (1933),
através de seus escritos, inscreveu na sociologia a mãe-preta e a mulata como representações
sociais.
No entanto, o que significa dizer que operam no imaginário social como estereótipos?
Significa que as mulheres negras são enquadradas em uma dessas categorias a partir somente
da situação em que são “vistas”, ignorando a complexidade de suas existências, como sugere a
antropóloga. Para ela, o engendramento da mulata e da doméstica teria ocorrido como uma
derivação da mucama, denominação utilizada no período escravista para a escrava da casa que,
de acordo com Cardoso (2014), tem origens no “quimbundo muk’ama, seria “amásia escrava”.
No dicionário Michaelis atual diz-se amásia aquela que “mantém relação afetiva com alguém,
vivendo junto com essa pessoa, sem ser judicialmente casada”. Contrapondo ao significado
atribuído no dicionário, Gonzalez (1983) procura demonstrar como determinados conteúdos
foram ocultados para abafar a exploração sexual de mulheres negras.
Sabendo que tais representações negativas das mulheres negras são primeiro decorrentes
da articulação entre o racismo e o sexismo, depois como uma forma de impactar diretamente a
vida dessas mulheres através de violências, Gonzalez (1983) propõe a investigação desses que
ela chama de “estereótipos raciais”. Quanto à doméstica, a autora atenta para o fato de que
muitas mulheres negras são vistas como empregadas domésticas independentemente de suas
classes sociais e profissões. Tal representação tem uma base material22, que é o fato de muitas
mulheres negras trabalharem em profissões que envolvem trabalho doméstico, como reflexo de
uma herança escravista. A doméstica reflete a objetificação da mulher negra como um bem que
existe para servir seja sexualmente ou nos trabalhos da casa. hooks (1995) pensando a situação
de mulheres negras norte-americanas, aponta como a atuação do racismo e sexismo conjuntos
perpetuam uma iconografia “de representação da negra que imprime na consciência cultural

22
Na sociologia, os estudos que enfatizam a estratificação social estão há algum tempo provando a permanência e
preponderância de mulheres negras em profissões relacionadas aos afazeres domésticos, processo esse, que apesar
dos avanços educacionais desse setor da população, segue justificando as desigualdades econômicas e quanto a
seus rendimentos e, também, reforçando um ideário cultural e valorativo que justifica tal manutenção. Ver mais
em: SILVA, Márcia Regina de Lima; RIOS, Flavia; FRANÇA, Danilo. Articulando gênero e raça: a participação
das mulheres negras no mercado de trabalho (1995-2009). In: Dossiê mulheres negras: retrato das condições de
vida das mulheres negras no Brasil[S.l: s.n.], 2013.
50

coletiva a ideia de que ela está neste planeta principalmente para servir os outros” 23. Nesse
sentido, a mãe-preta representaria a expectativa que a sociedade branca e de classe média teria
sobre a mulher negra – de servilismo e resignação diante das violências sofridas e abafadas –
como uma forma de negar a existência histórica de mulheres negras, suas formas de resistências,
vivências, e assim por diante. O exercício proposto por Lélia Gonzalez expõe como essas
representações impactaram negativamente, por um lado respaldadas, mas também respaldando
os dados das pesquisas sobre mercado de trabalho e a intensa presença dessas mulheres como
prestadoras de serviços domésticos. Mas, principalmente, ao ser um elemento de racialização
de mulheres negras, tais imagens convertem-se em controles por serem limitantes das
possibilidades, escolhas e sonhos desse grupo. A antropóloga, no entanto, propõe uma forma
de subverter a estigmatização e estereotipia ao deslocar desse plano para positivar a imagem
através de características anteriormente negativadas. Com isso, quero dizer que a autora cita
como as mães-pretas, ao cuidarem das crianças brancas nos tempos de escravidão e, devido a
isso imprimirem a marca africana no português falado aqui, o português brasileiro teria se
tornado, então, uma expressão da resistência e legado dessas mulheres na história do país.
Inspirada nas elaborações dessas mulheres, Collins (2017) aponta que o valor dessas
análises é demonstrar como, ao não serem sujeitos que constroem os próprios significados, as
imagens de controle serviram sempre em função dos grupos dominantes, isso porque quaisquer
construções ou desconstruções, quaisquer comportamentos distintos do esperado resultaram em
impulsionar o mecanismo sob o qual operam as imagens de controle. Pretendo a partir de agora
tomar algumas telas para que seja possível construir uma narrativa quanto à “mãe-preta” como
imagem de controle nacional.

3.1 Um olhar sobre a mãe-preta: a construção da representação visual como um


problema sociológico

A partir da ideia de que a “mãe-preta” é uma imagem de controle do imaginário social


brasileiro, que opera também dentro da cultura, investiguemos agora telas que procuraram tratar
dessa figura. Antes, proponho atentar-nos ao quadro de referências teóricas de sociologia e
história da arte que auxiliam no processo de colocar produções visuais sob o interrogatório da

23
Tal qual hooks, Giacomini produziu um estudo importante sobre a situação da mulher após a escravidão e
considera que o servilismo e a sexualização são os dois traços principais dos estereótipos relacionados às mulheres
negras brasileiras que atuam perpetuando as desigualdades. Ver mais em: GIACOMINI, Sonia Maria, Mulher e
escrava: uma introdução histórica ao estudo da mulher negra no Brasil. Petrópolis, Vozes, 1988.
51

ciência, mais propriamente da sociologia. Para em seguida, apresentar algumas produções


plásticas que permitam dialogar sobre a mãe-preta enquanto uma imagem de controle.
Proponho a seguinte leitura: partindo primeiro da tela de Benedito José Tobias, “Na porta da
Policlínica”, datada de 1937 e parte do acervo do Museu AfroBrasil, abordando os
questionamentos trazidos pela produção do negro pintor paulista. Para em seguida traçar
diálogos com telas mais populares da história da arte brasileira, ambas pertencentes a acervos
públicos e já estudadas por diferentes críticos e pesquisadores, as telas “Mãe-Preta” (1912), de
Lucílio de Albuquerque e “Redenção de Cã” (1895), de Modesto Brocos; pinturas produzidas
no contexto do pós-abolição que permitem construir uma perspectiva sobre quais os sentidos
podem ser lidos a partir da produção visual. Além dessas, apresento a tela de Alberto da Veiga
Guignard, “A família do Fuzileiro Naval”, de 1937, com a qual traço diálogo sobre as formas
como a mulher negra na posição de mãe é representada na arte.
Primeiro, é importante esclarecer que a tela aparece nessa pesquisa não sob uma
interpretação formalista, isto é, referente a uma perspectiva que investiga a formação da obra a
partir da consciência do artista, atenta aos elementos de estilo e alheia às condições sociais.
Para os fins aqui intentados proponho investigar as “relações entre o objeto e suas
circunstâncias”, como proposto por Baxandall (2006), atenta às relações entre o produto e seu
produtor. A pintura cabe aqui como “um meio de investigação”, nos termos do historiador Clark
(2007), uma forma de investigar os contextos e narrativas que são fontes para sua constituição
plástica.
Sigo a análise muito mais atenta a uma interpretação histórica e sociológica da arte, que
busca tomar as obras referidas como imagens que contam uma história. Um exercício que
entende a produção da arte visual como um documento que quando em articulação e diálogo
com outras fontes pode nos contar uma narrativa. Baxandall (2006) está mais preocupado com
o que a obra provoca, a representação das ideias sobre a imagem, diante da impossibilidade de
reconstituir a experiência particular do artista. No modelo proposto por ele, as obras se colocam
como ferramentas que auxiliam a compreender uma produção de significado que emerge do
próprio objeto, isto é, a “qualidade intencional” que as obras possuem. Desta forma, ao girarmos
os olhos e buscarmos as marcas na construção da representação da mulher negra, a imagem nos
trará informações por meio de suas particularidades. O autor explica:

...todo ator histórico, todo objeto histórico, têm um propósito – ou um intento, ou, por
assim dizer, uma ‘qualidade intencional’. Nessa acepção, a qualidade caracteriza tanto
o ator, quanto o objeto. A intenção é a peculiaridade que as coisas têm de se inclinar
para o futuro. Portanto, a intenção não é um estado de espírito reconstruído, mas uma
52

relação entre o objeto e suas circunstâncias (…) (BAXANDALL, 2006,


p. 81)

O historiador de arte Clark em A pintura da vida Moderna, de 1984, aborda a


modernização da cidade de Paris aos finais do século XIX, a partir das produções e da recepção
dos críticos às obras de Edouard Manet e outros contemporâneos; atento às mudanças na
infraestrutura urbana da cidade. Citando o quadro L’Olympia24 (1863), por exemplo, onde o
pintor traz tipos populares que faziam parte da elite parisiense à época, retrata uma cortesã
conhecida por muitos dos que frequentavam os salões, estabelecendo relações diretas com o
espectador que chegava aos Salões para ver a obra. Já para Griselda Pollock (1988), apesar de
fundamental a relação enunciada por Clark, entre a obra e o espectador, faltou a essa análise
compreender a maneira como a mulher é vista, assim, além dos conflitos de classe imputados
pela tela de Manet, haviam também os de gênero. E vai mais além: qual o olhar de uma
produção realizada por uma mulher? Quais os objetos e temas que pinta? Como são recebidas
pela crítica? Quais são as possibilidades de estudar? A autora se filiaria a uma análise crítica da
arte que revisita a história para afirmar como as condições sociais em que mulheres atuaram
como artistas e foram retratadas se pautavam em uma grande desigualdade de gênero
(BAMONTE, 2005; CANTON, 2000; NOCHLIN, 1971; POLLOCK, 1988, 1999, 2010;
SIMIONI, 2008, 2014; TSVARDOVSKAS, 2015; 2013.)
Autores como Baxandall, Clark e Pollock são parte do desenvolvimento teórico-
metodológico da história social contemporânea que, assim como a sociologia da arte,
consideram os aspectos internos e externos de uma produção artística (BURKE, 2004;
CASTELNUOVO, 2006; NOCHLIN, 1999). Interessa aqui a leitura desses autores de como
uma obra de arte pode ser olhada a partir das relações sociais que perpassam ela e seu produtor
para, a partir disso, pescar os encontros que atuam na construção de imagens de controle,
especificamente a mãe-preta.

24
Para além da discussão sobre as telas e a sociedade que T.J. Clark traz a partir da tela de Manet, o quadro é
atravessado por debates importantes sobre a representação feminina, a nudez na arte e interpretações de raça que
não são centrais para o ponto levantado aqui, mas que persistem ao se pensar a representação da mulher negra nas
artes plásticas. Para saber mais sobre a representação feminina a partir da tela Olympia, ver em: MAYAYO,
Patricia. Historias de Mujeres, historias del arte. Madrid: Cátedra, 2003.
53

Figura 4 - Benedito José Tobias, Na porta da Policlínica. (1937) Óleo sobre tela. Acervo Museu AfroBrasil, São Paulo.

“Na Porta da Policlínica” (Fig. 4) é uma obra da década de 1930, produzida por Benedito
José Tobias (1894 - 1970?) 25 , pintor paulista, que atuava no contexto das tensões entre o

25
Do pintor sabe-se muito pouco, sua obra permanece praticamente desconhecida, não há um estudo acadêmico
ou estético extenso de sua produção. Muitas de suas telas são parte da exposição permanente do Museu AfroBrasil,
por doação do curador e fundador do Museu, Emanoel Araújo. Tobias viveu em um período de grandes tensões
entre o expressionismo e a arte acadêmica, tendo produzido algumas naturezas-mortas, seu foco foram os retratos
de pessoas negras. O pouco que se sabe é que Benedito José Tobias participou do Salão Paulista de Belas Artes
nos anos de 1934, 1935, 1958, 1961 e 1962, tendo obtido os prêmios Prefeitura de São Paulo, Valentim de Amaral
54

expressionismo e a pintura acadêmica. Na pesquisa bibliográfica foram encontrados apenas os


textos de catálogos das exposições26 mais recentes que ele participou, como a “Brasil + 500
anos - Mostra do Redescobrimento”, de 2000, da Fundação Bienal e “Negros Pintores”, de
2008, no Museu AfroBrasil. Apesar disso, instiga à investigação o repertório pictórico desse
pintor. O historiador de arte Condurú (2007) aponta que no período do pós-abolição a estratégia
de pintores negros era encaixar-se às proposições do universo artístico, isto é, ao proposto pela
Academia Imperial de Belas Artes em termos de técnicas e temas. Assim, Benedito que nasceu
após a abolição tem uma produção que difere por dar centralidade aos retratos de outras pessoas
negras, através de uma abordagem humanizada, atenta às expressões e traços físicos daqueles
que retrata. A produção que retratava pessoas negras ainda era incipiente dentro do conjunto do
trabalho dos pintores, com algumas exceções, sobretudo de pintores negros 27, para esses havia
uma primazia de interesse e, principalmente, uma multiplicidade e diversidade de tons, cabelos
e traços negros a ser registrada. Por isso, dentre as pinturas destacadas iniciaremos por aquela
feita por um pintor negro, que ainda que pouco estudado, propõe uma representação da mãe-
preta que interessa ao processo de construir e reconstruir a representação.
Na tela (Fig. 4), vê-se uma mulher recostada em uma soleira junto aos seus filhos.
Segura um deles no colo, possivelmente uma menina pelos detalhes das roupas que deixam
entrever que há uma saia ou vestido embaixo do cobertor. Ao seu lado direito repousa uma
outra criança, um menino mais velho, que de olhos fechados, parece dormir. Também parece
dormir a bebê, quase toda coberta, sapatilhas e meias a mostra, é possível que esteja enferma.
Afinal, como indica o título, encontram-se na porta da Policlínica.
A mulher negra ao centro está com seu cabelo preso e altivo, o penteado parece formar
um coração no alto de sua cabeça. Ela é cercada por uma iluminação que vem um pouco acima
e de trás de sua cabeça, trazendo luz para o redor de seu rosto, ao mesmo tempo que permite
predizer seus traços e o contorno de seu corpo no contraste da camisa branca que veste. A luz
que emana de sua cabeça forma uma auréola dourada que se desfaz na parede escura, mas dá

e Ilde Brande Dinis. Ver mais em: ARAUJO, Emanoel. Negros pintores. Arquitextos, São Paulo, 09.100,
Vitruvius, set 2008 http://www.vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/09.100/107
26
Para mais informações sobre as exposições que o pintor participou: B. J. Tobias. In: ENCICLOPÉDIA Itaú
Cultural de Arte e Cultura Brasileiras. São Paulo: Itaú Cultural, 2018. Disponível em:
<http://enciclopedia.itaucultural.org.br/pessoa259517/b-j-tobias>. Acesso em: 27 de Set. 2018. Verbete da
Enciclopédia. ISBN: 978-85-7979-060-7
27
Há que se destacar a pouca presença de pintores negros nos grandes salões da época. Ainda mais restrito é o
número se procuramos por representação da figura negra. Na exposição já citada, Negros Pintores, figuram outros
cinco artistas do final do século XIX e início do XX. É correto dizer que nenhum deles se aventurou a trazer a
figura negra com centralidade em suas produções, com poucas exceções no conjunto das obras, Tobias se destacava
pela inovação.
55

ao rosto ainda mais expressividade, ou ainda uma intenção, um sentido de pureza que poderia
vir de referência às Santas Marias pintadas pelos marianistas do século XVIII (COSTA, 2012).
Esse tipo de pintura de origem portuguesa e associada aos ideais e moral cristã, colocavam a
Virgem Maria como o modelo ideal de mãe e mulher, inspiração para as cristãs de como educar
seus filhos. Nesse caso, o lugar da representação feminina nessas pinturas era de divindade e
respeito28. Proposital ou não, é possível associar a mulher negra em questão a um ideal de
santidade mariana nessa tela.
O rosto da tela foi estudado pelo pintor, sua expressão aparece em outros retratos antes
de que compusesse a cena. Como no quadro abaixo (Fig. 5) em que aparece como uma mulher
que sorri com intimidade para a tela e para quem a retrata. Seu nome não consta nas telas, não
foi realizado nesse trabalho uma pesquisa documental para identificar a modelo, saber sua
história, sua profissão, se era escolarizada, e outros. Sabe-se pouco, além dos filhos que o pintor
lhe atribuiu na composição da Figura 4, os semblantes de preocupação ou sorrisos.

28
Maria foi uma das principais representações femininas nas artes plásticas no contexto do Império Português. As
ideias ao redor dessa construção moldaram o ser mulher nas sociedades influenciadas pelo ideal cristão, a santidade
e a entrega à maternidade são dos temas mais relevantes. Para saber mais sobre a pintura marianista ver em:
LUZIO, Jorge. A sacralização do feminino nas imagens marianas de marfim. An. mus. paul., São Paulo , v. 24,
n. 3, p. 299-314, Dec. 2016 . Available from <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0101-
47142016000300299&lng=en&nrm=iso>. access on 20 June 2018. http://dx.doi.org/10.1590/1982-
02672016v24n0310.
56

Figura 5 - Benedito José Tobias, Sem título (1937) Óleo sobre tela. (s.d.) Acervo Museu
AfroBrasil.

Inclusive, a produção de retratos constitui uma importante parcela das produções de


Tobias, tornando relevante a pergunta de quais foram as negociações 29 para a produção do
retrato em que a mulher sorri e quais foram para a tela na qual a mulher está séria com seus
filhos? O que intermediava a relação entre o produtor da pintura e o objeto de sua
representação? Por isso, pensar quais as intenções de Benedito ao trazer para a cena uma

29
Investigando a produção de retratos da elite brasileira entre 1920 – 1940, o sociólogo Sérgio Miceli argumenta
como os retratos podem ser compreendidos como “imagens negociadas”. "O que está em jogo é o sentido atribuído
e perpetrado pelo artista ao expressar uma definição compacta aliando uma fisionomia, aquela modelada na tela,
a uma significação simbólica" (MICELI, 1996, p. 64). Assim, o sociólogo compreende a produção de retratos
como um jogo de legitimações do pintor com relação ao campo artístico, mas também do representado com relação
aos seus espaços de disputa simbólica.
57

narrativa incomum30 para as figuras em questão é interessante e, por isso, avançaremos nessa
questão.
Seja para insinuar um caráter celestial à figura materna representada ou por estratégia
para evidenciar a expressão da mulher ao centro, o rosto retratado prende a atenção. O olhar
mirando o canto esquerdo se volta para baixo trazendo o cansaço como evidência. Suas
sobrancelhas pouco marcadas parecem arqueadas, em uma expressão que poderia ser de fadiga
e, certamente, distanciamento de seu entorno, de quem a retrata e de quem a observa. As mãos
cerradas, possivelmente pela tensão de segurar o peso da criança em seu colo, quem sabe por
quanto tempo. A tela indaga: quem é essa mulher? O que leva essa família à Policlínica? Por
quanto tempo está ali? Quem não está na tela?
Em um contexto que apenas começava a inserir a população preta da produção e
representação pictórica, o artista fez o exercício inverso, trazê-los com camadas e camadas de
interpretações (CHIARELLI, 1997; CONDURU 1999). Produzindo nesse contexto, Tobias se
enfrenta na tela com raça, gênero e classe e, ao trazer todos esses temas juntos, o pintor não só
encara a dinâmica específica do campo31 das artes – na maneira com que apresenta os tópicos
elegidos, mas também alude a um tanto outro de questões. Mas, sobretudo, aquelas que na
construção da representação remontam a uma convenção visual sobre a mulher negra, por
exemplo: Quem são os filhos das mães negras? Quais afetos orientam as ações dela? Qual a
composição de uma família negra? E o que motiva a ausência do pai negro?
Observar a insistência do pintor em trazer personagens negros para o centro de suas
pinturas atrai curiosidade e dialoga com ideias que foram apresentadas nas telas em que a
mulher negra esteve representada. Destaco de antemão, que a mulher negra em sua relação com
a maternidade, no período de que data a tela, se converte em símbolo nacional de um país que
discutia os caminhos da própria identidade.
Nesse sentido, interessante notar que os períodos que estudavam a representação
feminina até o século XIX não haviam identificado a presença feminina como um elemento

30
Quando o pintor está produzindo a presença de mulheres negras em obras de artes já passa a ser de maior
frequência, no entanto, a relação de maternidade e familiar apresentada por ele, é pouco vista nessas
representações. Sobretudo, levando-se em consideração a relevância da ama de leite na produção visual,
fotográfica ou plástica, dos períodos anteriores.
31
O conceito de campo das artes parte das elaborações do sociólogo francês Pierre Bourdieu (1992; 1996; 1998)
e é uma forma de compreender a produção de bens culturais que envolve a produção, a circulação e o consumo do
material artístico. Vinculado à noção de valor, pressupõe tomadas de posição pautadas no interesse de legitimar-
se entre os demais pertencentes do campo, a fim de se inscrever de maneira duradoura ou efêmera no sistema
artístico. Trata-se, em suma, de tratar sob uma lógica interativa o papel de elementos como: escritores, leitores,
editores, livreiros, críticos, entre outros. Não tenho a intenção de fazer uma análise do campo da arte, nem no
período em que Benedito produz, nem atual. Apenas sinalizar que haviam disputas circundando a ação do pintor.
58

importante na pintura nacional até então. O historiador Carvalho (1990) em A Formação das
Almas analisa a constituição da República e aponta que esse foi um processo de disputa na área
ideológica, política, mas também simbólica, de modo que, para se sustentar para além do
convencimento ideológico das elites que conduziram o processo, expandiu-se um imaginário
em torno de muitas figuras através da elaboração artística e social a fim de legitimar a
República. Nesse processo, negou-se a mulher como alegoria que representasse esse momento,
fato curioso diante da almejada aproximação com a Revolução Francesa, na qual uma mulher
havia se tornado o símbolo da liberdade e fraternidade desejados. Carvalho (1990) conclui que
a mulher do povo não era tema da pintura, no sentido de ser convertida em símbolo, aparecia
apenas pelo viés da sensualidade, independentemente de seu pertencimento racial. O autor
conclui dessa maneira, que no Brasil não havia lugar para a mulher no mundo político e,
portanto, tão pouco haveria no jogo simbólico.
Com a fundação, ainda no Império, da Academia Imperial de Belas Artes em 1826, a
produção pictórica passou a estar diretamente vinculada à tarefa de cunhar uma identidade
nacional32 simbólica (PERUTTI, 2010). Um século depois, já com o advento do modernismo,
essa função das artes plásticas fica mais latente e se estende para as ciências sociais e literatura
a demanda de inventar esse Brasil moderno (GUIMARÃES, 2002). Se durante a Primeira
República (1889 – 1929) a intelectualidade brasileira esforçou-se para a modernização da
Nação, enfrentando o problema racial através da miscigenação com fins de branqueamento e
incentivando a imigração europeia, no período seguinte um “povo brasileiro” começa a ser
pensado e produzido nas representações sociais, pautado na mistura entre as raças, atribuindo à
miscigenação contornos positivos. No contexto brasileiro, a miscigenação foi lida de maneiras
diferentes a cada momento histórico, por vezes negativizada a partir das perspectivas eugênicas,
por vezes positivada como elemento distintivo da identidade e cultura nacional. Nos anos 1930,
os ideais eugênicos que haviam sido defendidos, principalmente por Nina Rodrigues no século

32
Foram muitos os pesquisadores que investigaram a centralidade da Academia na construção do projeto político
do Império de construção da nação e sua identidade, liderado pelo Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro.
Destaco: Cf. LEVY, Carlos Roberto Maciel. Exposições Gerais da Academia Imperial e da Escola Nacional
de Belas Artes. Rio de Janeiro: Edições Pinakotheke, 1990; OUCHI, Cristina Rios de Castro. O papel da estampa
didática na formação artística na Academia Imperial de Belas Artes: o acervo do Museu D. João VI. Rio de
Janeiro: EBA/UFRJ, 2010; PEREIRA, Sonia Gomes. Academia Imperial de Belas Artes no Rio de Janeiro: revisão
historiográfica e estado da questão. Revista Arte & Ensaios, Rio de Janeiro, n. 8, p. 72-83, 2001; PEREIRA,
Sonia Gomes. Victor Meirelles e a Academia Imperial de Belas Artes. In: TURAZZI, Maria Inez (org.). Victor
Meirelles – novas leituras. São Paulo: Studio Nobel, pp. 46-63, 2009.; GALVÃO, Alfredo. Manuel de Araújo
Pôrto-Alegre – sua influência na Academia Imperial de Belas Artes e no meio artístico do Rio de Janeiro. Revista
do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, Rio de Janeiro, n. 14, p. 19-120, 1959. GUIMARÃES, Manoel
Salgado. Nação e civilização nos trópicos: o Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro e o projeto de uma história
nacional. Estudos históricos: caminhos da historiografia. São Paulo: Vértice, 1988. RICUPERO, Bernardo. O
romantismo e a ideia de nação no Brasil (1830-1870). São Paulo: Martins Fontes, 2004. p. XVII-XLII.
59

anterior, eram agora levados adiante por Roquette Pinto, que atribuía o atraso a defasagens
educacionais e de saúde, mas propunha medidas higienistas para solucionar o problema. Além
disso, era um período em que a imigração era fortemente estimulada como ferramenta para a
modernização do país, ao mesmo tempo em que o mulato ascendia como um símbolo de um
país multirracial. (SKIDMORE, 1976; SCHWARCZ, 1993; MAIO, SANTOS, 1996; STEPAN,
2005)
Durante essa fase, uma série de representações de negros e mestiços foram produzidas
orientadas por esses novos sentidos da miscigenação e se formula uma nova visão do negro na
cultura brasileira33; para Conduru (2012), a mulher negra se torna um elemento importante da
iconografia das artes brasileiras no período34. A estratégia adotada então passava pelo estímulo
ao crescimento de uma identidade nacional que agregasse os distintos grupos raciais que
compunham a sociedade brasileira, principalmente no campo do simbólico. Assim, as figuras
da mãe-preta, baiana, mulata, quitandeira, dentre outras, são alguns dos exemplos de
representações que ganharam visibilidade com importantes quadros que foram exibidos nos
salões da época35.
A pintura produzida por Benedito na década de 1930 assume uma série de debates que
figuravam em torno da mãe-preta, em diálogo com outras obras isso se evidencia. Gostaria de
destacar alguns dos quadros que logo após a abolição produziram discursos visuais sobre essa
figura. Sobretudo porque, entre o final do século XIX e início do XX, quadros como Engenho
de mandioca (1892) e Redenção de Cã (1895) de Modesto Brocos; Mulata quitandeira (1893
– 1903), de Antonio Ferrigno; Mãe Preta (1912), de Lucílio de Albuquerque e Tarefa pesada
(1913), de Gustavo Dall’Ara elevaram a mulher negra enquanto tema nas artes plásticas

33
É interessante pensar como os processos de modernização política e econômica refletem nas produções visuais
as disputas quanto aos espaços e representações sociais, isto é, como as categorias são articuladas para construir
uma linguagem visual dos conflitos de cada período e se refletem nas mais diversas esferas da vida social (CLARK,
1984).
34
Recomendo a leitura do livro de Marcos Hill, em que ele faz uma análise extensa sobre a figura da mulher negra
no modernismo, principalmente a partir das obras de Tarsila do Amaral e Anita Malfatti. HILL, Marcos.
“Mulatas” e negras pintadas por brancas – Questões de etnia e gênero presentes na pintura modernista
brasileira. Belo Horizonte-MG. Editora: C/Arte, 2017.
35
Os Salões no início do século XX aparecem como um espaço de legitimação dos artistas que estavam produzindo
no período. A mulher negra passa a ser um tema com alguma constância das telas exibidas nesses espaços,
frequentemente através de uma ocupação profissional. Há uma discussão sobre essa ter sido uma estratégia para
ganhar os prêmios, haja vista a constância com que essas telas eram premiadas. Sobre os Salões como forma de
legitimação dos artistas do início do século XX, ver mais em: CHAUD, E; SANT’ANNA, T. F. (Orgs.). Instâncias
de Legitimação. Anais do VII Seminário Nacional de Pesquisa em Arte e Cultura Visual Goiânia-GO: UFG, FAV,
2014. Para mais informações sobre a iconografia da mulher negra como estratégia de obter prêmios nos salões:
CHRISTO, Maraliz de Castro Vieira. Algo além do moderno: a mulher negra na pintura brasileira no início do
século XX. 19&20, Rio de Janeiro, v. IV, n. 2, abr. 2009. Disponível
em:<http://www.dezenovevinte.net/obras/obras_maraliz.htm>. [Français]
60

brasileiras. Telas que têm em comum, além de trazerem representações de mulheres negras,
terem sido expostas e premiadas nos Salões da Escola Nacional de Belas Artes e adquiridas por
acervos públicos36, o que reflete a abertura do mundo das artes no Brasil para pinturas sobre
“imagens sentimentais” de mulheres negras (CHRISTO, 2009). Gostaria de destacar, dentre
estas, a de Lucílio de Albuquerque e uma de Modesto Brocos. É preciso salientar que há uma
produção extensa relacionada à mãe-preta, entre pintores nacionais e estrangeiros. Além disso,
há também um destaque para a produção fotográfica e esse tema. A escolha recai, no entanto,
orientada pelos eixos que norteiam a minha interpretação sobre o tema, isto é: quem são os
filhos de mãe-preta e qual a família da mãe-preta? Temas esses que se destacam nas populares
pinturas que trago para debate.

36
A musealização das obras de arte é um processo importante ao se pensar a legitimação das obras, isso porque a
compra delas por acervos públicos, como no caso das citadas, referência as produções. Isso porque significa dizer
que um especialista em arte, seja ele o diretor do museu ou marchands acreditou no valor simbólico dessa produção
para a conservação da peça em um acervo público, comprando-a; o que seria diferente do valor simbólico de uma
peça doada, por exemplo. Sobre a discussão de musealização, verificar: LIMA, D.F.C. (2008, 2013, 2014);
MENSCH, P. van. (2014); SCHÄRER, M. (2014).
61

Figura 6 - Lucílio de Albuquerque. Mãe Preta (1912), Óleo sobre tela, 180 cm x 130
cm. Museu de Belas-Artes da Bahia, Salvador.

Lucílio de Albuquerque foi um pintor, desenhista e professor brasileiro. Nascido no


Piauí em 1877, ingressou na Escola Nacional de Belas Artes no Rio de Janeiro, onde ganhou o
prêmio do Salão Nacional em 1906. Ao findar os estudos na escola, parte para uma jornada de
estudos de cinco anos na Europa. Em 1912, pintou o quadro Mãe Preta (Fig. 6); nele, uma preta
sentada no chão amamenta uma criança branca. Enquanto essa lhe suga o seio, um bebê negro
está ao lado deitado em um pequeno pano e recebe da mãe um olhar longo e compassivo. As
roupas simples, os pés descalços, a nudez da criança negra - pintados no pós-abolição - são
elementos que se destacam para elucidar o contexto político social em que se insere a tela no
contexto escravocrata.
62

Na crítica da época a obra foi interpretada positivamente, a Revista do Brasil37 publicou


em 1916 texto assinado por N. que afirmava:

“Mãe Preta”, de que estampamos em outro lugar uma reprodução, é um quadro de


museu. (...) Nesta cena, perfeitamente natural, quase um aspecto trivial da nossa vida,
soube Lucílio por uma tal simplicidade de execução, numa tão intensa expressão de
pensamento, e um forte espírito de síntese, que a transformou num quadro simbólico
na dedicação da raça negra... (N., 1916, p. 333)

N. via a tela como um exemplo da “feliz evocação do tocante sacrifício das nossas
‘Mamas-pretas’, cujo afeto materno conseguia dividir-se entre filho do branco e a sua criatura”
(VALLE, 2009). A tela na análise de Castro (2009) é interpretada a partir da docilidade e ternura
refletida na cena: “criando no expectador uma ligação afetiva com a mãe que amamenta,
internalizando, contudo, um silencioso mal-estar. Lucílio opta por representar a negra em seu
próprio ambiente paupérrimo, sem nenhum otimismo quanto ao futuro.” Em outra
interpretação, Hill (2008) cita o fato de que o pintor se vale da retórica da afetividade na relação,
utilizando da amamentação como uma forma de evocar a docilidade dessas mulheres,
característica que num tom de estereotipar, é tida como inerente ao grupo racial das mães pretas.
Para o pesquisador, engendrada por uma “visão masculina e branca”, o acolhimento dos seios
negros que são exibidos na tela apresenta uma visão parcial na relação mulher negra e filho
branco.
Além dessa interpretação, mais atenta às relações de afeto construídas, outros
pesquisadores apontam a tela como relacionada ao universo do trabalho, especificamente a
condição das amas de leite como profissão (NOGUEIRA, 2016). No período, as funções das
amas estavam sendo revisadas, com discussões acerca da regulamentação do ofício que se
pautavam em critérios eugenistas. Que afirmavam que através de higiene e educação seria
possível prevenir os problemas advindos das diferenças culturais e ambientais, entre as amas
negras e as crianças brancas (BARBIERI; COUTO, 2010).
Roncador (2007) adentra nas relações com as criadas da casa e investiga
especificamente como desenvolveu-se a ideia de que esta era uma invasora da privacidade e
intimidade do lar, estimulando entre as donas de casa a vigilância constante de suas domésticas.
Esse processo levou a duas consequências para as escravizadas: a vigilância e o controle de
seus corpos – sobretudo pensando sobre a questão da higiene e das vestimentas (para que as
negras não expusessem muito seus corpos) –; e o questionamento da moral dessas mulheres,

37
A Revista do Brasil foi uma revista brasileira, fundada em 1916 por Júlio de Mesquita como sendo espaço de
literatos e promovendo discussão especializada em artes, ciências, história e atualidades.
63

haja vista a crença de que elas poderiam ser “ladras”, mas também “sujas” ou “sexualmente
permissivas” com os homens brancos.

Dependendo de suas funções, ou seja, de seu acesso às áreas mais íntimas da casa
(mucamas), às crianças (amas de leite e de criação), ou simplesmente à cozinha (que
com os higienistas do século XIX passou a ser associada à saúde da família), os
empregados domésticos levantavam a suspeita, e medo, dos patrões que se sentiam
compelidos a vigiá-los para o bem-estar moral e físico de suas famílias.
(RONCADOR, 2007, p. 132)

O medo com relação ao contato com os escravos era uma preocupação constante dos
médicos que, por sua vez, observavam a relação das mulheres negras com as crianças brancas,
enquanto amas de leite, como extremamente prejudicial para a saúde das crianças, que podiam
ser infectadas por doenças, além da ausência de vínculo entre as mães com seus filhos. A
preocupação sobre como as mulheres brasileiras atribuíam tarefas suas às escravizadas
domésticas foi um tema não só nos manuais, mas também da medicina. O médico higienista
Carlos Costa, por exemplo, fundou o jornal “A mãe de família”, no Rio de Janeiro, com o
objetivo de educar mulheres brancas de elite sobre higiene infantil (CARULA, 2012).
A preocupação com o aleitamento realizado pelas amas de leite foi uma preocupação
importante dos médicos no período que viam na negligência das mulheres brancas a corrupção
física e moral das crianças. Tornar-se um país civilizado, no caso brasileiro, passava também
pelas mudanças desses costumes e era necessário que as mulheres brancas realizassem suas
funções. O autor considerava que:

Quanto ao moral, é fato, de cuja exatidão estou convencido, que as crianças adquirem
o gênio, o caráter das mães ou das amas, desde os primeiros tempos da vida. Desde
essa idade convém ser educado o homem, que é tão fácil em adquirir tudo quanto é
mau. É o que se dá com as amas, sobretudo aqui em nosso país, onde para tudo somos
fáceis. Entregam com toda a liberdade as crianças às amas, negras africanas, estúpidas,
cheias de vícios, sem carinhos etc., o que faz que as crianças facilmente adquiram
esses vícios, tornam-se impertinente etc. etc. (COSTA, 1879,
p. 67)

Eram pelos riscos de contaminação que essas mulheres eram retratadas, principalmente
a ama de leite38. Figura comum nos lares brasileiros até o século XIX, essas mulheres negras
escravizadas respondiam ao imaginário de que, por estarem mais habituadas ao clima tropical,
produziam um leite mais nutritivo que o das “frágeis” mulheres brancas (RONCADOR, 2008).

38
A bibliografia sobre a figura da ama de leite é vasta, havendo pesquisas sobre os anúncios de jornal da época,
sobre as histórias dessas mulheres, sobre os tipos de amamentação e a transformação desses processos entre a
escravidão e a abolição. Ver mais em: Carneiro (2006); Graham (1992); Martins (2006); Machado (2012); Viangre
(2001)
64

Quando esse pensamento começa a ser contestado pelos jornais e manuais na década
1870, uma série de restrições são impostas à ama em sua relação com a criança, o que Roncador
chama de “normas de controle”, além dos exames médicos a que essas mulheres deveriam ser
submetidas. Júlia Lopes de Almeida em seus escritos pedagógicos, dirigidos ao público
feminino, orienta que era necessário que as brancas se apropriassem da tarefa de aleitamento,
para evitar que sentimentos negativos fossem passados às crianças.
Os médicos ameaçavam dizendo que as mulheres poderiam ter inflamações devido ao
acúmulo de leite e, pior, que seus filhos só receberiam afetos das mulheres por quem eram
amamentados. Koutsoukos (2010) investiga o tema do afeto a partir de fotografias do século
XIX e argumenta que, talvez, o afeto da criança pela sua ama seja o único que não seja possível
de questionar, já que os patrões só tinham afeto na medida em que as amas atendiam suas
expectativas de dedicação e zelo pelos bebês.
De todo modo, a figura da ama de leite e das criadas domésticas chega ao final do século
XIX sob a imagem da corrupção moral e física: “sujas”, “manipuladoras” e “fofoqueiras”, de
quem as donas da casa deveriam ter desconfiança e cuidado. Era o medo branco atuando a fim
de forjar uma mudança na ordem familiar, afastando-se do escravismo e aliando-se às propostas
de modernização do país (CARULA, 2012).
Assim, ao olhar novamente para a tela de Lucílio de Albuquerque, indagar os diálogos
que essa tela fazia com as narrativas construídas pela medicina e imprensa é interessante;
sobretudo por haver escritos do pintor que indicam sua aproximação com as ideias de Roquette
Pinto, isto é, de que o problema do povo brasileiro era a falta de higiene e educação. Ocupando
o cargo de diretor da Escola Nacional de Belas Artes, o pintor afirma a importância dos
“elementos trazidos pelo progresso” através da imigração na composição racial brasileira. No
texto “A mulher brasileira na arte” (1937), Lucílio escreve sobre a formação do tipo nacional,
que em seu julgamento não havia sido uma preocupação dos pintores antigos e tampouco dos
modernos, com exceção de Almeida Júnior; em suas palavras a “morena” e não a “mulatinha”
ou a “índia”, seriam “o tipo futuro da brasileira modelado naturalmente sob a influência dos
novos elementos trazidos pelo progresso”.
Vale lembrar que no mesmo período histórico de Lucílio, Freyre (1933) recupera essa
figura difamada pela literatura e teorias raciais no oitocentos e o faz, possivelmente, inspirado
nas leituras norte-americanas, influenciado pela construção da representação da mammy, com
as quais tinha contato e atuou como impulsionador do reaparecimento da figura nas produções
da época. Essa retomada também se relaciona com o contexto político da época, em que os
movimentos intelectuais do país se viam tensionados a dar respostas sobre a construção de uma
65

nação brasileira. Assim, sua figura aparece revestida de saudosismo em um período de


efervescência cultural.
Para alguns literatos que escreviam na primeira metade do século XX, as “mães negras”
surgem como uma afirmação de saudosismo, “expressão da nostalgia” sentida da tradição
aristocrática, dos períodos dos grandes engenhos de cana-de-açúcar no Nordeste . Roncador
(2008) conclui que a nostalgia, enquanto invenção literária, construiu no período modernista a
mãe-preta como uma expressão “saudosa pelo legado cultural do patriarcado”. Ela considera
que a mãe-preta surge como uma relação higiênica, “em um momento em que a miscigenação
parecia apresentar degeneração física (sifilização) e moral (precocidade sexual,
homossexualidade)”, configurando-se como um símbolo privilegiado da relação inter-racial
brasileira a partir de uma leitura freyreana.
Estudando José Lins do Rego, Roncador (2008) demonstra a dimensão idílica com que
olhavam para os antigos engenhos, nos quais muitos dos autores do período modernista haviam
sido criados, mas que já não existiam – tanto pelo fim da escravidão, quanto pela chegada das
usinas, o que mudou profundamente as relações sociais e os valores morais no Nordeste. Tanto
os moleques, quanto as mucamas aparecem como mitos desse período, mas a mãe-preta está
entre as representações mais importantes que integram a “utopia de confraternização das duas
raças que compõem a economia pré-capitalista do açúcar” (RONCADOR, 2008),
confraternização essa que foi baseada na subserviência dos escravizados negros. De acordo com
Rego, a mãe-preta aparece e se perpetua mesmo após o fim da escravidão trabalhando de graça
“por amor” e tendo suas filhas e netas trilhando seus passos de servidão, como “animais
domésticos”. A autora mostra como que, entre os críticos do literato, a maternidade é um tema
que está ausente, em uma negação da maternidade negra como algo vivo na escrita desse autor.
Deiab (2006) investigando a mãe-preta em produções literárias também destaca o saudosismo
e nostalgia que marcou produções de autores de literatura infantil como Luiz Demétrio Juvenal
Tavares, mas também de outros intelectuais como Joaquim Nabuco, que alegava sentir falta da
“doçura” e “benevolência” das escravizadas.
A relação explorada na tela de Albuquerque apresenta o principal foco que envolve a
mãe-preta - o par com o filho branco - mas expressa também os significados disso para a criança
negra. A literatura e as artes plásticas que lideram com o tema da ama de leite e da mãe-preta
estão atentos à figura feminina negra em sua relação com a criança branca, versam menos sobre
a relação mãe negra com criança negra; há uma grande quantidade de produções visuais na
fotografia e artes plásticas que enfatizam a relação da ama de leite e o cuidado com a criança
branca (KOUTSOUKOS, 2010). Analisando uma fotografia de 1860 (Fig. 7), o historiador Luiz
66

Felipe Alencastro argumenta que é “uma união fundada no amor presente e na violência
pregressa. Na violência que fendeu a alma escrava, abrindo espaço afetivo que está sendo
invadido pelo filho do senhor. Quase todo o Brasil cabe nessa foto.” (ALENCASTRO, 1998).
Em sintonia com essa reflexão, diria que cabe muito mais de Brasil na tela de
Albuquerque; há ternura na tela, mas há também um mal-estar, o quadro parece explicitar a
negação em que se construiu a maternidade negra, enquanto trabalha cuidando da criança
branca, o filho preto é privado ou
Figura 7 João Ferreira Vilela, Augusto Leal com a ama de leite Mônica. 1860.
Cartão de Visita. Acervo Fundação Joaquim Nabuco.
distanciado dos afetos e cuidados
da mãe, mas não de seu olhar
interessado.
Na análise de Collins
(2000) sobre a produção literária
norte-americana e as imagens de
controle expressas nela, como
consequência da relação terna entre
a mammy e o filho do senhor de
escravos, a matriarca ou a “bad
black woman” são as imagens de
controle que constroem a
maternidade em relação à criança
negra. “The Black matriarchy
thesis argued that African-
American women who failed to
fulfill their traditional ‘womanly’
duties at home contributed to social
problems in Black civil society
(MOYNIHAN, 1965).” 39
Ao
estarem ausentes de seus lares em
virtude dos trabalhos domésticos
nas casas das famílias brancas, não
acompanharem o desenvolvimento

39 Tradução livre: “A tese da matriarca negra argumenta que as mulheres afro-americanas que falharam em
cumprir os deveres de ‘feminilidade’ tradicional em casa constribuíram para os problemas sociais na sociedade
civil negra.”
67

de seus filhos nas escolas, serem excessivamente agressivas com maridos e crianças, foram
parcialmente responsáveis pelos problemas sociais enfrentados pelos jovens negros
estadunidenses. No caso brasileiro, não há uma correspondência nesses termos que se atente
aos processos vividos pelo filho negro, Deiab (2006) discute como a relação entre esses três
elementos funda entre os filhos negros e os brancos um sentimento de fraternidade recíproca,
são irmãos de leite. A maternidade abnegada dessa mulher implicava um “sacrifício próprio” e
de seu filho. Para Deiab (2006), ela se sacrifica para criar os filhos da “pátria brasileira”, em
um processo de mitificação histórica que não tem conflitos e interesses, mas dádivas e
contradádivas.
Lucílio traz para sua tela uma série de debates que aconteciam em seu tempo, mas adota
uma estratégia para a representação plástica que não se sintetiza na relação de afeto com a
criança branca. Ao inserir a criança negra e um olhar direcionado a ela, joga luz sob essa
relação. Não é possível afirmar a real relação entre as crianças e a mulher, sabe-se dela que é
vista amamentando em um ambiente que expõe pobreza. Se para Alencastro (1998) o paradoxo
da construção do Brasil reside na relação criança branca e ama preta, Lucílio parece inserir no
quadro um terceiro elemento, que em minha interpretação, atribui à essa mulher uma
complexidade que contraria a animalização estereotipada dela. Outro ponto é a solidão que a
tela evoca, pois assim não compõe e não aspira a um ambiente familiar, aproximando-a mais
de uma relação de trabalho, do que íntima. Levando a posição questionável em que as amas e
criadas se encontravam, o olhar para a criança negra pode ser interpretado mesmo como
descuido com a criança branca; interessa-me interpretar esse olhar como cuidado com o filho
preto: assim, compreendendo a relação maternal da mulher negra deslocando o eixo sob o qual
foi construída da criança branca, para aquele que lhe é mais par.
O paralelo entre Na porta da Policlínica (Fig. 4) e Mãe-Preta (Fig. 6), separadas por
um par de décadas na República brasileira, produzidas por pintores com diferentes inserções no
campo das artes, alude à maternidade negra no lugar do pesar. Ser mãe negra de filho negro, na
tela de Lucílio, evoca um lugar de dubiedade, sugere uma questionável afeição à criança branca,
ao lançar o olhar da mãe para a criança negra. Já no caso de Benedito o afeto, que para os norte-
americanos resultou em problemas sociais de meninos negros e a imagem de uma mãe ruim,
existe e aparece na presença, na atenção dedicada aos filhos, no acompanhar ao médico, mas
não sem uma melancolia40 que a tela não induz a compreensão das razões. Poderia ser o cansaço

40
Danzinger aponta como a melancolia foi um traço presente em diferentes representações de mulheres negras,
como uma referência ao banzo, isto é, “um tipo de nostalgia ou melancolia mortal dos negros da África, se tomados
cativos e ausentes de suas pátrias”. Mas também uma expressão do alheamento com que essas mulheres viviam
68

do trabalho, a solidão, as horas de espera; a cena, inclusive, não poderia ser mais corriqueira
em um Brasil do século XXI.
Citaria ainda sobre a mulher retratada na tela de Lucílio, a relação maternal dupla
apresentada na tela coloca em conflito seu corpo a serviço das demandas do senhor e das crias
brancas, não de seus interesses. Giacomini (1989) considera que o servilismo gestado no país
durante o período escravocrata demonstra como a mulher negra, tal qual o homem negro, na
condição de escravizados, é uma “coisa”, um objeto, uma mercadoria nesse sistema de
produção. No entanto, a subordinação de gênero resultou para as mulheres não só o exaustivo
trabalho braçal, como também a objetificação sexual. Essa parece ser a contradição expressa na
tela; ainda que o pintor tenha posicionamentos políticos públicos quanto à miscigenação, o
repertório pictórico apresentado na tela evidencia uma figura que não encara olhos de
indiferença, como outras fotografias de ama de leite; não se atenta a quem a olha, se não que à
criança negra com ternura e tristeza, o bebê semidesnudo também a encara, compartilham um
olhar cúmplice.

seus dias. Ver mais em: DANZIGER, Leila. Melancolia à brasileira: A aquarela Negra tatuada vendendo caju,
de Debret. 19&20, Rio de Janeiro, v. III, n. 4, out. 2008. Disponível em:
<http://www.dezenovevinte.net/obras/melancolia_ld.htm>.
69

Figura 8 - Modesto Brocos. A redenção de Cã (1895). Óleo sobre tela, 199cm x 166cm. Rio de Janeiro: Museu
Nacional de Belas Artes.
Gostaria de destacar também para essa discussão a tela que data de 1895, de Modesto
Brocos, A redenção de Cã (Fig. 8), que é um importante objeto nas investigações sociológicas
nas quais o tema da maternidade, relações raciais e identidade nacional também se apresentam.
São muitas as pesquisas investigando a tela, versando sobre miscigenação, identidade nacional
e representação do negro nas artes (BRODY, 1998; CHRISTO, 2009; NUNES, 2010;
SEYFERTH, 1985; SCHWARCZ, 1993; STEPAN, 2006). A antropóloga Lotierzo (2013)
aponta duas principais tendências nas interpretações feitas sobre o quadro:
70

o primeiro engloba trabalhos de pesquisa interessados nos debates sobre o racismo, a inter-racial
idade e as teorias raciais no Brasil e nos Estados Unidos. O segundo envolve pesquisas que
discutem o tema da representação do negro na pintura, feitas sobretudo por historiadores e
críticos de arte. (LOTIERZO, 2013, p. 26)

Na imagem, temos uma família que celebra o nascimento de uma criança. A avó preta
agradece aos céus a benção, a mulher mais clara ao seu lado olha para a criança e aponta para
a avó, enquanto o pai sorri satisfeito; a benção é a cor da criança, que nasceu branca como o
pai. Observando a partir da gradação que aponta da mulher preta ao homem branco, a tela joga
luz ao “sucesso” do processo civilizatório 41 através da mestiçagem. Sendo esse um tema
eminente na tela e corrente também nas interpretações feitas dela e discussões com as quais ela
foi associada. Produzida pouco antes da abolição da escravidão, foi incorporada posteriormente
ao artigo de João Batista de Lacerda, diretor do Museu Nacional, apresentado no I Congresso
Mundial das Raças em 1911. De acordo com o texto:

A seleção sexual contínua aperfeiçoa sempre ao subjugar o atavismo e purga os descendentes de


mestiços de todos os traços característicos do negro. Graças a este procedimento de redução
étnica, é lógico supor que, no espaço de um novo século, os mestiços desaparecerão do Brasil,
fato que coincidirá com a extinção paralela da raça negra entre nós (LACERDA apud
SCHWARCZ, 2011, p. 228.)

O quadro de Brocos dava visualidade à tese de que o Brasil seria branco em três
gerações, limando a população negra. Nele, a mulher negra é central, entre a avó preta e a filha
mulata, a segunda é quem traz a salvação através do intercurso sexual com o homem branco e
a primeira ergue as mãos aos céus, possivelmente agradecendo a Deus a graça alcançada por
meio do nascimento de uma criança branca. De forma sintética, o pintor traduz em imagem
aquilo que os teóricos do branqueamento haviam concluído anos depois e reconstruiu por meio
de iconografias a perspectiva de uma época em que a miscigenação se torna a ferramenta mais
importante para a transição a um Brasil branco (SCHWARCZ, 1993). A pesquisa de Lotierzo
(2013) destaca ainda o poder de produção de discursos do quadro que foi feito anteriormente
aos ideais científicos que tomavam a miscigenação como salvação da nação.
A tela, em que as heranças africanas e europeias figuram juntas na representação da avó
negra e do pai branco, respectivamente, não deixa de traduzir a hierarquia que existe nessa
relação. Em que a senhora está posta no chão de barro com pés descalços agradecendo aos céus
pelo neto branco, o pai branco com a feição de satisfeito está de sapatos no chão de pedra. A

41
No livro “O processo civilizador”, Norbert Elias desenvolve, a partir de um olhar amplo para a sociedade, como
a dinâmica social se altera ao longo da história modificando costumes e regras de conduta. Pautando-se nas
hierarquias das relações sociais, o autor detém-se com mais atenção sobre a dimensão de classe, expondo um
conceito que auxilia a pensar esse desenvolvimento em outras nações e contextos. Ver mais em: ELIAS, N. O
processo civilizador: uma história dos costumes. 2. ed. Rio de Janeiro: Zahar, 1994, volume 1.
71

mensagem não poderia ser mais explícita, a filha mestiça é o meio termo, entre a selvageria e a
civilização, enquanto seu filho, branco, representa a esperança de que a mistura das raças
tenderia a eliminar os ex-escravizados. Criando uma clara hierarquia entre os mestiços e os
pretos, a mulata já é posta como uma via de “salvação” e, por consequência, menos rejeitada
que a preta. Lacerda considera que, ainda não sendo um exemplo de beleza,

(…) sobretudo no sexo feminino, encontram-se tipos de formas graciosas e bem proporcionais.
Os instintos voluptuosos são muito desenvolvidos na maioria, e eles se revelam no olhar
lânguido, nos lábios espessos, no tom indolente, ligeiramente arrastado da voz. (LACERDA
apud SCHWARCZ, 2011, p. 237)

Aqui a sexualidade da mulher negra é mobilizada para defender a possibilidade de


construção da nação brasileira, se por tantas vezes a patologização da sexualidade 42 era
proeminente, nesse caso, ela é a responsável por solucionar o problema que os intelectuais
enfrentavam para dar unidade entre as raças no Brasil. A maternidade negra está a serviço, nesse
caso, do embranquecimento do país. Por isso, também, que a senhora mais velha agradece aos
céus: o sucesso da família, enquanto metáfora do Brasil, se daria no apagamento da herança
negra através da miscigenação.
Nesse caso, Brocos traz duas expressões de mãe-preta que podem ser encaixadas nas
chaves de subordinação que Giacomini (1988) afirma serem parte da estereotipização da mulher
negra brasileira: o servilismo e a sexualidade, principalmente a sexualidade dessas mulheres
como ferramenta de desenvolvimento do país. Contudo, estão presentes na tela os estereótipos
de mãe-preta e mulata tratados pela historiadora. Em minha interpretação, ambas funcionam ali
como expressões de mãe-preta: por um lado a mãe-preta escura e servil que, quando velha,
torna-se inútil; e a mãe-preta embranquecida, miscigenada, que na segunda geração traz o êxito
para sua família através da gestação de um filho branco. A mulata interessa como símbolo
nacional pelas aproximações que sua cor traz com a parte branca de seu sangue, assim, o pintor
dá um outro sentido para essa figura tão popularizada no imaginário nacional nas décadas que
seguiram: a maternidade negra só cumpre sua função quando gera o filho branco. Em linguagem
plástica, Brocos nos dá essa mensagem com a divisão entre os 2/3 da tela que estão sentados,
descansando. A mãe-preta, que é vó-preta, agradece! Sua cor não lhe permite o assento apesar

42
A discussão sobre o corpo feminino negro na produção iconográfica do século XIX passa também pelo
entendimento das práticas discursivas que atribuíram ao corpo uma marca de diferença. Gilman (1985) considera
que o discurso médico construiu o conceito de negritude e de racismo a partir da anormalização do corpo da mulher
negra, desviante com relação ao masculino europeu. Raça e gênero se articularam para construir uma representação
da hipersexualização da mulher negra. Ver mais em: GILMAN, Sander. "Black Bodies, White Bodies: Toward an
Iconography of Female Sexuality in Late Nineteenth Century Art, Medicine, and Literature”. In: GATES Jr., Henry
Louis (ed.). "Race," Writing, and Difference. Chicago: The University of Chicago Press, 1985
72

da idade, mas sua filha o alcança. Como diz o ditado popular: “o descanso dos justos”. E o
pintor espanhol apresenta como o elemento racial de cor (se para o sentido do branco) se torna
no Brasil uma estratégia de ascensão.
Pintadas em momentos e se enfrentando
Figura 9 - Antônio Ferrigno, Mulata quitandeira. (1893 -
1905). Óleo sobre tela, 179cm x 125cm. Acervo
com temas distintos, as três telas dialogam sobre
Pinacoteca do Estado, São Paulo. os significados da maternidade para a mulher
negra. No caso de Lucílio, retomando uma relação
escravista, a maternidade é abnegação, uma
mulher que se doa para criança branca, que anseia
por cuidar de seu filho negro. Já na tela de Brocos,
ser mãe é ser fonte de transformação racial, um
corpo a serviço de uma nação, cuja cor determina
diretamente os sentidos dos processos de
racialização: sendo mulata pode-se sentar à mesa,
mas não como alguém que é dono de si senão
como quem é de alguém; sendo mãe preta, resta-
lhe pouco a não ser o desejo de clareamento da
família, para que alguém alcance o sucesso da
branquitude. Na tela de Tobias, por sua vez, a
mãe-preta não precisa ser símbolo, as relações
construídas não passam pela existência da
interatividade com o branco, mas o contato, o cuidado, o cansaço entre pessoas negras e em
uma família negra. A tela mais recente não precisa responder ao chamado de formação da
identidade nacional que animava os diálogos da intelectualidade no período de produção das
demais pinturas, pode, assim, produzir sentidos sobre a mãe preta de seus tempos de pós-
abolição, modernização e urbanização das cidades, que resultou no escanteio dessas
populações. Nesse sentido, a melancolia pode ser, na verdade, preocupação. Tal qual incita a
tela de Ferrigno (Fig. 9), Mulata Quitandeira, cansada após o trabalho, só resta descansar o
corpo recostado; nela, a mulher descansa seu corpo do cansaço da espera possivelmente, havia
sido ela atendida? Esperava o retorno do médico? A tela de Tobias traz a maternidade negra
como uma cena do cotidiano, mãe negra de filhos negros; um ato simples de cuidar de crianças,
crianças negras.
Lotierzo (2013) destaca em sua dissertação duas formas de se representar mulheres
negras nas artes plásticas do pós-abolição. Por um lado, telas que abordam a solidão, o
73

isolamento e a tristeza, por outro, as telas que abordam a “possibilidade de incorporação à


ordem livre”. Nesta última, insere-se a tela analisada pela antropóloga, “A redenção de Cã”.
Trouxemos aqui uma outra forma de retratar mulheres negras em Lucílio de Albuquerque, a
maternidade negra em tensão com as relações com os brancos, há a tristeza marcando a tela,
mas há também um interesse do pintor em trazer a dedicação dessa mulher e, a esse tipo de
atribuição, há um orgulho pela existência dessas mulheres. O que se passa de maneira instigante
em “Na porta da Policlínica” é a atribuição de sentimentos à essa maternidade, afeto e
preocupação surgem nessa tela. Além disso, afirmar tais expressões sobre uma mulher negra,
atribuir a ela racionalidade é atribuir humanidade, o que por si já seria demasiado inovador,
considerando que estava há tão poucas décadas de uma ideologia que pregava o negro como
um animal irracional e vê-se também essa ação na tela de Lucílio. Ser mãe preta é ser detentora
de afeto e conflitos.
O isolamento afirmado por Lotierzo (2013) também pode ser visto nessas telas sob outra
perspectiva, sobretudo enquanto tema que insurge a partir de “Na porta da Policlínica” em
relação às outras telas citadas, a solidão dessa mulher negra que se expressa em sua maternidade
sem companhia, assim como suas crianças enfermas. Se Tobias retrata uma família negra, há
uma peça na equação que está faltando: o homem negro e/ou o pai negro. No entanto, é fato
que comumente a arte e a sociedade têm preferido retratar a maternidade a partir do ponto de
vista da mulher, a distinção, no entanto, é que ao homem branco a representação da
paternidade43 não é negada, como observamos na tela de Brocos. Ainda que a discussão esteja
em outro âmbito, no sentido do papel que esse homem cumpre na tela, ali observamos uma
família nos modelos tradicionais de sua constituição esperada, levantando os seguintes
questionamentos: Qual a constituição de uma família negra? Uma mãe negra e suas crianças
negras são uma família? Uma mãe mestiça e sua mãe negra são uma família? Uma mãe negra,
a criança branca para quem ela trabalha e seu filho negro são uma família?
Neste ponto, gostaria de destacar como uma nova proposta visual de representação
negra o trabalho de Alberto da Veiga Guignard (1896-1962), pintor brasileiro que atuou na
década de 1930. Este tal qual Tobias, aventura-se a pintar os tipos negros a partir de outras
narrativas, mas atento à construção da identidade nacional, como Lucílio e Brocos. Existem
muitas tensões quanto ao alinhamento do pintor com o modernismo brasileiro (BRITO, 1986).

43
No contexto das tendências modernas, um olhar diferenciado é aquele de Alberto da Veiga Guignard (1896-
1962). Ao pintar o retrato intitulado A família do fuzileiro naval (1935), Guignard utiliza a mesma estrutura dos
retratos hieráticos das grandes famílias da elite brasileira, conferindo à família negra representada no quadro
reconhecimento e dignidade.
74

Figura 10 - Alberto da Veiga Guignard, Família do fuzileiro naval. 1938. Óleo Seu trabalho que envolve,
sobre madeira, 58 x 48cm. Col. Mário de Andrade – Col. De Artes Visuais do
majoritariamente, paisagens
Instituto de Estudos Brasileiros da USP.
mineiras e naturezas mortas,
teve que responder aos desafios
impostos pela época de dar
plasticidade ao assunto
“nacional”, propondo um
caminho um tanto particular
para sua pesquisa imagética. É
isso que o traz a essa
dissertação: o carioca optou por
dialogar com o tema dos
“populares” em suas produções
através de retratos vívidos de
pessoas negras em situações que
destacam suas atuações
profissionais não-
convencionais. Entre 1935 –
1944, seu trabalho dedica-se aos
tipos “populares” ou ainda aos
“retratos familiares”. Destaco a tela Família do Fuzileiro Naval (Fig. 10), exposta no II Salão
de Maio e adquirida pelo precursor do modernismo, Mário de Andrade, que diz ter sentido
“vertigens de amor carioca” diante do quadro. Esse é o único elogio recebido do escritor, que
foi criticado por outros tantos comentaristas, críticos e curadores de arte, pois sua produção não
parecia responder ao desafio de construir um olhar nacional (GREENBERG, 1987;
MACHADO, 1984; NAVES 1986). Ou ainda, seu olhar sobre o nacional não respondia de
maneira esperada ao problema do negro.
A tela em questão (Fig. 10) foi pintada em 1935 e surpreende pela ideia de Brasil e
“popular” que o autor constrói, o cenário colorido, as roupas que atribuem status aos elementos
pintados, a posição dos retratados que esbanja orgulho e legitima o valor social, moral e racial
da família. A mulher negra surge em um outro lugar, além de mãe é a esposa; está de amarelo,
uma mulher elegante e, ainda que seu marido não seja do alto escalão, não se assemelha com
os elementos apontados nos quadros anteriores e que marcam diferentes momentos desde o
processo de abolição da escravidão. Ao fundo, a janela abre para uma paisagem tropical com
75

coqueiros que dão o tom de brasilidade; o pé direito suntuoso da casa demonstra a estabilidade
econômica da família.
Nesse sentido, a tela alude para dois pontos interessantes: por um lado, a rejeição do
pintor como parte do movimento modernista, as críticas feitas à sua produção e a rápida
retomada às pinturas de paisagem, por outro, a maneira como abordava um grupo racial como
metonímia da nação brasileira de forma distinta de outros pintores do período. Guignard retrata
uma família negra ricamente vestida e destacando sua posição social a partir dos elementos que
compõem a cena (as cadeiras, tapete, pintura na parede), expressando o orgulho de serem
brasileiros, que está tanto na bandeira e na eleição da paleta de cores da tela (composta pelas
cores da bandeira do país), do canarinho pendurado na janela e das palmeiras ao fundo; o pintor
parece inserir o negro como parte dessa nacionalidade orgulhosa, parte de um país que ascende
e se moderniza.
A recusa do pintor e de sua tentativa de se inserir no movimento modernista à luz do
debate de imagens de controle é importante por elucidar a questão que se anteviu aqui sobre a
composição de uma família negra. E, ainda mais, por que uma família negra socialmente estável
não se consolida como parte da identidade nacional? O pesquisador Molica (2012)
interpretando a tela argumenta:

(...) atribuindo-lhes um caráter meramente, ou melhor, altamente alegórico: simulacro


de uma cidadania que se dá apenas no plano virtual, de um país que, mesmo
atravessando um período político de transformações profundas, quanto mais se
moderniza, mais precisa se manter no passado para que se mantenha fiel à sua cultura,
à forma como foi moldado pela colonização portuguesa (Benachio, Beck e Costa,
2012, s. p.).

Pensar a mãe-preta e a constituição de uma família negra no sistema patriarcal na


construção das imagens se dá sem uma das partes que constitui o modelo previsto, uma vez que
sob os ombros da mulher recai o peso da criação de seus filhos e dos filhos dos outros. Seja de
seu abandono por falta de opção, quando não se pode alimentá-lo com prioridade; seja de suas
doenças, caso o sistema de saúde não o atenda ou ela não possa permanecer esperando; seja no
caso de haver um pai, cujo papel protocolar não é o de criação, senão que o de ceder a benção
de seus genes para “melhorar” a família da mulher negra. Parece que, em todos esses casos, a
maternidade é marcada por uma ausência do projeto tido para a mulher: ser casada e ter filhos,
voltando-nos para a questão: como pode a mulher negra ser uma mulher diante de sua
incompletude dentro do projeto familiar imposto?
Os quadros parecem insinuar que a mulher negra, quando mãe, é cercada por uma série
de ausências, seja qual for a circunstância dessa maternidade, os três quadros trazem mulheres
76

em que não podemos encontrar felicidade em suas faces, com exceção da avó que agradece ao
embranquecimento de seu neto, as jovens mães parecem compartir de uma tristeza cansada. Ou
ainda, a não aceitação da possibilidade desse projeto, como no caso da tela de Guignard.
Consciente ou inconscientemente, a melancolia trazida nas telas, com diferentes sentidos e
contextos, parece ser a marca da presença dessa mulher no mundo. Um lugar de “não poder
ser” que me interessa investigar, justamente porque é no “não poder” e no “não encaixe” dentro
dos papéis esperados que pode construir-se o novo. Se a mulher negra, enquanto mãe, é
racializada de maneira a retirar dela a humanidade do que é ser mulher, está aí também a
possibilidade de reinvenção.
Retomando as telas Mãe Preta e A redenção de Cã sugerem lugares de subserviência
para a mãe-preta, seja na relação de trabalho como ama de leite, cujo os desejos individuais
aparecem na tela, mas não estão sendo realizados; seja como o corpo disponível para concretizar
o sucesso do desenvolvimento do país através do branqueamento. Em ambos os casos, um
ideário de Brasil está sendo construído e passa pelo corpo das mulheres negras como meio de
apaziguar os conflitos raciais, especialmente por intermédio da relação com a criança branca,
como metáfora da continuidade da nação. Por outro lado, o diálogo que propus com as telas de
Tobias e Guignard rompem com essa relação apresentando-a de uma outra forma, a família de
Guignard como parte do desenvolvimento orgulhoso da nação e ambas as telas restituindo os
filhos negros aos seus devidos colos. Ou ainda, restituindo a mãe preta a seus filhos e pares.
Pensar tais elementos como constitutivos de uma ideia que controla a existência de
mulheres negras é compreender em suas sutilezas como essas telas fazem parte de um repertório
cultural que repercute em possibilidades concretas de inserção social e econômica, resultando
em desigualdades materiais para mulheres negras nos dias de então e de agora. As mulheres
negras estavam à frente de 52,6%44 das famílias com pessoa de referência do sexo feminino,
além disso, as famílias chefiadas por mulheres negras são também aquelas que mais se
encontram abaixo da linha de pobreza; todos esses elementos que apresentam a concretude da
vida de mulheres negras no Brasil dialogam com os temas criados por essas obras. É nesse
sentido que não interessa responder se a arte cria sentido ou reproduz, porque na verdade são
movimentos paralelos na dimensão cultural, econômica e política que determinam as condições
sociais em que essas mulheres vivem.

44
De acordo com os dados do Relatório Anual Socioeconômico da Mulher – RASEAM 2014, produzido pela
Secretaria de Políticas para as Mulheres da Presidência da República – SPM/PR e disponível em:
http://www.spm.gov.br/central-de-conteudos/publicacoes/publicacoes/2015/livro-raseam_completo.pdf
77

É nesse sentido que a mãe-preta é uma imagem de controle composta por diversos
elementos. Um controle que funciona bem o suficiente para determinar os caminhos
profissionais que essas mulheres seguirão e determina também no imaginário social. A cultura,
como um marcador social da diferença, instiga a partir de distintas linguagens, aqui destacamos
a arte visual, mas existem exemplos sobre as telenovelas brasileiras, as produções literárias,
entre outros, que vêm demonstrando as limitantes que a ideia de mãe-preta impõe para essas
mulheres (ARAÚJO, 2004).
No próximo capítulo investigamos a história e, em seguida, as produções de mulheres
negras que falaram sobre a mãe-preta. Esse exercício se dá também por compactuar que essa é
uma imagem de controle, mas também como discutido por Menezes (2005) é uma “imagem
padrão de referência”, isto é, formas naturalizadas que expressam os atributos de “quem olha
como se fossem expressão cultural do outro que é olhado”. Com isso, quero dizer que olhamos
para as telas de Brocos e Albuquerque, especialmente, sob a perspectiva dos pintores e não das
mulheres retratadas. Disso, compartilho com hooks (1992) da importância do olhar oposicional;
conceito que a autora desenvolve para falar sobre a crítica a produção audiovisual do ponto de
vista das mulheres negras. A teórica afirma que o olhar havia sido proibido para a população
escravizada e é ele também quem permite uma visão crítica das produções culturais, justamente
pela impossibilidade de que uma pessoa negra olhe e compreenda um filme sob o mesmo ponto
de vista de uma pessoa branca. Partindo disso, investiguemos agora a narrativa construída por
essas mulheres. Na próxima parte, chegamos indagando se tal qual Benedito José Tobias, elas
propõem novas narrativas para mãe-preta, assim sendo, quais são essas narrativas?
78

Parte II

Na primeira parte desta dissertação, apresentei a discussão sociológica sobre raça,


gênero e classe, apresentando a perspectiva feminista negra de interseccionalidade e tratando
de forma mais específica da representação sobre as mulheres negras. Na sequência, discuti a
construção da representação da mãe-preta, através do conceito de imagem de controle de
Collins (2000) e seus desdobramentos na construção de estereótipos; tomando as artes visuais
como objeto de análise.
A segunda parte da dissertação se dedica a apresentar a trajetória e a produção de três
artistas negras que assinalam a racialização de suas experiências como influenciador das suas
escolhas estéticas e da sua produção em torno da figura da mãe-preta. Ao longo do processo de
pesquisa, tomei conhecimento de uma quantidade expressiva de nomes de mulheres negras
trabalhando artes plásticas, em menor número trabalhando com as temáticas raciais e de gênero.
Essa pesquisa, no entanto, não procura fazer uma análise de campo das mulheres negras artistas,
senão que apontar como entre as que se atentam para a representação da mãe-preta quais
abordagens estão sendo trabalhadas, além de observar se e como questionam a imagem de
controle. Ao todo foram entrevistadas sete mulheres, sendo elas: Rosana Paulino, Renata
Felinto, Janaína Barros, Juliana dos Santos, Aline Souza, Olyvia Bynum e Aryani Marciano. A
decisão sobre quais delas seriam trabalhadas mais profundamente se deu por alguns critérios:
artistas plásticas já com uma trajetória mais consolidada, fato que foi medido pela conclusão de
graduação, pós-graduação e vivência profissional internacional; artistas que compartilhassem a
cidade de São Paulo como origem; que fosse possível observar uma diferença etária que
qualificasse os dados recolhidos e, por fim, a relação do trabalho com o tema da mãe-preta
como imagem de controle. Ao final dessa análise os nomes escolhidos foram os de Rosana
Paulino, Renata Felinto e Juliana dos Santos. Rosana Paulino pelo pioneirismo temático e de
inserção no campo das artes é um nome incontestável para abrir esse trabalho. Renata Felinto,
por sua vez, além de importante artista negra, tem um trabalho de pesquisa e articulação na
cidade de São Paulo, mas, principalmente, tem se dedicado ao tema da “maternagem” – para
usar termo adotado pela artista – com centralidade em sua produção recente. E Juliana dos
Santos que se destaca como o nome mais jovem, mas quem dentre as mais jovens – Aline Souza,
Olyvia Bynum e Aryani Marciano – possui uma trajetória profissional mais consistente nos
critérios elegidos para essa pesquisa.
No capítulo 4 apresento a trajetória dessas mulheres a partir da ideia de territórios,
inspirada na mobilização do conceito por Nascimento (1989), que o entende como uma forma
79

de fazer-se pertencer. Pensando nisso, destaco o local onde cresceram, a universidade e as


relações familiares dessas mulheres. Além disso, no capítulo trabalho com a ideia de
racialização (FASSIN, 2011) como parte do processo de autodefinir-se e autoavaliar-se,
conceitos que Collins (2016) mobiliza para justificar o processo por meio do qual mulheres
negras questionam as imagens de controle que as cercam.
Já no capítulo 5, apresento algumas de suas obras, levando em consideração a diferença
das trajetórias profissionais; como lidam com a representação da mãe-preta, que na maior parte
das vezes, são suas ancestrais ou elas próprias e como, nesse processo,de racializar-se, essas
mulheres desconstroem os estereótipos e questionam o controle da imagem da mãe-preta,
fortalecendo novas narrativas.
80

4 Mulher Negra: processos de racialização na construção do sujeito

“O cuidado de minha poesia


aprendi foi de mãe,
mulher de pôr reparo nas coisas,
e de assuntar a vida.
A brandura de minha fala
na violência de meus ditos
ganhei de mãe,
mulher prenhe de dizeres,
fecundados na boca do mundo.
Foi de mãe todo o meu tesouro
veio dela todo o meu ganho
mulher sapiência, yabá,
do fogo tirava água
do pranto criava consolo.
Foi de mãe esse meio riso
dado para esconder
alegria inteira
e essa fé desconfiada,
pois, quando se anda descalço
cada dedo olha a estrada.
Foi mãe que me descegou
para os cantos milagreiros da vida
apontando-me o fogo disfarçado
em cinzas e a agulha do
tempo movendo no palheiro.
Foi mãe que me fez sentir
as flores amassadas
debaixo das pedras
os corpos vazios
rente às calçadas
e me ensinou,
insisto, foi ela
a fazer palavra
artifício
arte e ofício
do meu canto
da minha fala.”
(Poema De Mãe de Conceição Evaristo)45

O feminismo negro interseccional, enquanto norte metodológico e epistemológico dessa


pesquisa, propõe que mulheres negras podem, a partir de suas experiências, construir estratégias
de autodefinição e autoavaliação, ou seja, formas de questionar as imagens de controle que
pautam suas vidas. Esses processos de autodefinição e autoavaliação se referem,
respectivamente, às representações criadas por e para mulheres negras na perspectiva de
definição de si mesmas, a partir do questionamento das imagens de controle, o que constitui o
processo de autoavaliação. De forma que o ponto de vista de mulheres negras não é só uma

45
In EVARISTO, Conceição. Poemas da recordação e outros movimentos. Belo Horizonte: Nandyala, 2008.
81

vivência, mas como “outsiders within” elas experienciam um lugar particular de construção de
conhecimentos, um espaço de possibilidades a partir das quais estas podem questionar seu lugar
na sociedade e a forma como as desigualdades as atingem.
Gostaria de me ater ao conceito de racialização, como parte do processo de
autoavaliação dessas mulheres. Do ponto de vista sociológico, o conceito de racialização é
importante para compreender como as vivências se transformam e ajudam a dar sentido aos
processos em que, notadamente, a construção da marca racial se fez presente na vida dessas
mulheres. Apoiada nos estudos de Omi e Winant (1994), Collins (2000) afirma que a
racialização envolve atribuir significado racial para relacionamentos, práticas sociais ou grupos
anteriormente desprovidos desse sentido. Já Guimarães (2016), apoiado em Omi e Winant
(1994), também em Banton (1977) e Przeworski (1977), desenvolve um conceito pensando a
realidade brasileira. Para o autor, racialização:

...é o que transforma um conjunto de indivíduos em um grupo racial subalterno, ou


simplesmente em raça, a partir de características físicas hereditárias, reguladas pela
reprodução biológica, tomadas arbitrariamente, mas justificadas por uma ideologia
relativamente consistente, às vezes em bases consideradas científicas. (GUIMARÃES,
2016, p. 164)

O tema da racialização também está presente na obra do antropólogo francês Fassin


(2011). O autor divide em três modalidades o processo de racialização: na primeira pessoa,
atribui-se uma condição racial, no sentido de discriminar e privar de um direito; na segunda
pessoa, o destinatário se reconhece e reivindica a identidade que foi imposta; na terceira pessoa,
o observador explica qualificando ou quantificando tais relações. O falante, aquele que impõe
uma diferença, priva o indivíduo ou grupo de identificações alternativas através de um ato
político, mas também de violência simbólica 46 . Quem atribui o faz a partir de um ato de
desigualdade de poder. O destinatário, por sua vez, reconhece a classificação e a mobiliza como
instrumento de agência. Se a atribuição é subordinação, o reconhecimento é uma forma de
subjetivação. E, por fim, o cientista social como terceira pessoa, que olha externamente esse
processo (FASSIN, 2011).
Compartilho aqui da racialização na compreensão deste último autor, que deve ser
entendida dentro destas três possibilidades de ação dos atores sociais agindo com práticas
rotinizadas de subordinação entre quem atribui e quem é atribuído. O antropólogo aproxima as

46
Fassin (2011) e Guimarães (2016) compreende o conceito de racialização a partir do aparato conceitual oferecido
pelo sociólogo francês Pierre Bourdieu (2007), de modo que no processo de racializar mobilizamos nosso sistema
classificatório disposicional sem refletir sobre isso. Nosso habitus é mobilizado para reproduzir e realizar as
classificações, mas também as mudanças sociais, variando de acordo com nossa posição no processo (se primeira
ou segunda pessoa, nos termos de Fassin).
82

categorias raça e corpo buscando analisar os processos através dos quais raça é encarnada e o
corpo racializado. Para Fassin, o corpo é precisamente onde a violência da racialização é
exercida, experimentada e performatizada. Essa articulação entre corpo objetivo e subjetivo
revelaria, segundo o autor, a condição histórica e estrutural da experiência. O que é tido como
“natural” ou “cultural” são disposições incorporadas que moldam a conduta a partir de um senso
comum, que também dá um corpo para o subjugado, processo que o antropólogo chama de
embodiment.
Dessa forma, proponho apresentar três marcadores das histórias destas mulheres que
explicitam como estas experenciaram processos de racialização e relacionaram tais processos
com suas carreiras e, consequentemente, com a produção visual que as destaca como
profissionais e que fizeram delas pioneiras dentro de um movimento nas artes plásticas. Para
falar de seus trabalhos e sentidos produzidos por eles, proponho pensar sobre o que move suas
trajetórias e sobre os fatores que as aproximam e as distanciam. A fim de responder a essas
perguntas, este capítulo foca em alguns temas que convergem nas trajetórias das três artistas
estudadas.
Com o intuito de entender suas trajetórias, ao longo dos três últimos anos, fiz um extenso
acompanhamento do trabalho destas artistas. Através de palestras, exposições, aulas e cursos.
Além das entrevistas em profundidade, em várias oportunidades, tive conversas informais com
as artistas investigadas que se refletem agora no material apresentado. Por meio deste contato,
identifiquei em seus discursos, três linhas de informações que se destacam como processos de
racialização, sendo eles: territórios negros que constroem identidades; universidades como um
território de embate das relações raciais; e as relações familiares como territórios de afeto que
mobilizam para a ação. Adotar a ideia de território para falar sobre suas trajetórias inspira-se na
feminista negra brasileira Beatriz Nascimento, que desenvolveu pesquisa sobre quilombos
como territórios negros. A historiadora supera a ideia de território como um espaço geográfico
para falar sobre ele como simbologia de um espaço do fazer-se pertencer.

Nós somos homens. Nós temos direitos ao território, à terra. Várias e várias e várias
partes da minha história contam que eu tenho o direito ao espaço que ocupo na nação.
E é isso que Palmares vem revelando nesse momento. Eu tenho o direito ao espaço
que ocupo dentro desse sistema, dentro dessa nação, dentro desse nicho geográfico,
dessa serra de Pernambuco. A Terra é o meu quilombo. Meu espaço é meu quilombo.
Onde eu estou, eu estou. Quando eu estou, eu sou. (NASCIMENTO, 1989 apud
RATTS, 2006, p. 59)

As entrevistadas, Rosana Paulino, Renata Felinto e Juliana dos Santos, compartilham


em suas trajetórias alguns fatores interessantes que já começo por destacar: essas mulheres
nascidas e criadas na zona norte da cidade de São Paulo são frutos de famílias negras, com pai
83

e mãe negros. No ano em que concluo essa pesquisa (2018), Rosana Paulino é uma mulher de
51 anos, Renata Felinto de 39 anos e Juliana dos Santos de 31 anos; são as mulheres escolhidas
para aprofundar a discussão sobre imagens de controle, mas não são as únicas artistas
circulando no cenário contemporâneo. O trabalho circunscreve como objeto mulheres artistas
negras da cidade de São Paulo que atuem diretamente com a temática de gênero e raça em suas
produções, que reflitam sobre isso enquanto profissionais e estejam atuantes na cena de arte
contemporânea a partir da década de 1990.
As entrevistas de Rosana Paulino, Renata Felinto e Juliana dos Santos apresentaram
muitos pontos de convergência, sobretudo ao se tratar de suas experiências de vida. Foram
incentivadas a cursar o ensino superior e assim o fizeram, chegando à pós-graduação em
universidades de excelência do país e em suas áreas específicas. A distância geracional entre
elas expressa também os avanços que o campo das artes femininas e negras vivenciou ao longo
das três últimas décadas em que essas mulheres estão produzindo. Sobre isso, falo na última
parte do capítulo, quando adentramos na discussão sobre a presença de mulheres negras nas
artes plásticas.

4.1 Territórios Negros: permanências que constroem identidades

Embora, não tenha sido um critério utilizado na seleção das entrevistadas, as artistas
entrevistadas nasceram, foram criadas e/ou estavam vinculadas à zona norte da cidade de São
Paulo. Assim, para começar a construir os processos através dos quais essas mulheres se
racializaram é necessário iniciar pelas suas origens. Refiro-me à zona norte da cidade – seja o
Parque Perruche, seja o Mandaqui, Brasilândia, Limão e tantos outros – e seus territórios,
fortemente marcados pela presença da população negra. Esta presença se reverbera na cultura,
através das escolas de samba, dos terreiros de candomblé e outras manifestações.
De acordo com o Censo 2010, 50% dos moradores da zona norte da cidade é composto
pela população negra, perdendo apenas para a zona sul. Alguns distritos como a Brasilândia
foram conhecidos na década de 1980 como a África Paulistana, pela grande concentração de
negros, Rolnik (2017) justifica:

A forte presença negra naquela localidade não era arbitrária: um eixo de expansão
além-Tietê, com início na Casa Verde/Limão, se expandiu na direção dos morros
periféricos, conformando uma rede de lugares de cultura, religião e socialização afro-
brasileiras. Se, de um lado, isso marca a existência de um território negro, marca
também a ausência dessas pessoas em outros bairros da cidade, numa clara segregação
étnico-racial. (ROLNIK, 2017, s. p.)
84

A discussão sobre segregação racial, embora muito importante, não é foco da leitura que
quero propor. Porém, é relevante ressaltar que repertório cultural vivenciado nessa região é um
elemento importante na própria compreensão da trajetória destas mulheres e do reflexo que esta
especificidade produziu em suas posturas profissionais. Nesse sentido, “território” torna-se uma
dimensão importante e interessa pensá-lo como mais uma categoria que, operando sob uma
leitura interseccional, molda a experiência dessas mulheres. Ratts e Souza (2008) afirmam que
a espacialidade ou territorialidade funciona como uma marcação identitária, no sentido de que
determinam formas ou ações próprias de um grupo ou indivíduo.
O discurso das artistas não marca o território propriamente, mas a vivência cultural que
tiveram em suas infâncias nas redondezas é um elemento que as aproximou de uma cultura
negra e despertou o interesse delas pelas expressões estéticas. Assim, Renata Felinto se
apresenta:

“Eu sou a Renata Aparecida Felinto dos Santos, eu nasci na zona norte de São Paulo,
em 1978. No Mandaqui, que é onde reside a família do meu pai, que é a parte Felinto
da família. E a família da minha mãe é da Vila Guilherme, que também é zona norte.
Eu costumo falar assim: que eu venho de uma família originalmente preta, que eu vejo
a zona norte como um quilombo na cidade de São Paulo, berço de escolas de samba,
tem uma população preta muito marcada, fenotipicamente, né...”

Depois de um tempo em sua adolescência, a família se muda para a zona leste da cidade,
onde a artista vai cursar sua graduação, mas sempre voltando a esse espaço onde vivia sua
família paterna, para visitar avó, tias, entre outros. Quando Felinto argumenta sobre a zona norte
como um quilombo na cidade, traz à memória a discussão de Beatriz Nascimento (1989) sobre
território e pertencimento cultural:

Quilombo é uma história. Essa palavra tem uma história. Também tem uma tipologia
de acordo com a região e de acordo com a época, o tempo. Sua relação com o seu
território. É importante ver que, hoje, o quilombo traz pra gente não mais o território
geográfico, mas o território a nível (sic) duma simbologia. Nós somos homens. Nós
temos direito ao território, à terra. Várias e várias e várias partes da minha história
contam que eu tenho o direito ao espaço que ocupo na nação. (NASCIMENTO, 1989
apud RATTS, 2006, p. 61).

O quilombo de que fala Nascimento (1989) era o espaço de resistência do século XIX,
mas que se transforma em ferramenta ideológica contra a opressão (RATTS, 2009) nos dias de
hoje. A noção de quilombo é então territorial, mas reflete também uma prática cultural de
resistência negra. A partir disso, há uma forma de compreender quando Felinto chama de
quilombo o ambiente que a inspirou e incentivou em seu senso estético, de acordo com ela
mesma: “.. meu pai tinha uma coleção de discos enormes, muito grande mesmo e as próprias
85

capas dos álbuns eram uma coisa assim que eu ficava olhando, ele desfilava em escola de
samba. Tinha todo um ambiente estético que favorecia minha curiosidade.”
A fala de Juliana dos Santos é similar, nesse sentido: “...eu cresci num contexto de
expressão artística muito corpórea, então eu cresci no meio de escola de samba, minha mãe
grávida de mim de seis meses ia aos ensaios da bateria porque senão eu não parava de chutar a
barriga dela.”

É essa efervescência cultural expressa por Felinto e Santos que dá o sentido ao quilombo
urbano que se constitui a zona norte. Efervescência essa que favoreceu o interesse de ambas
pelo universo da estética e das artes. Juliana dos Santos é do Parque Peruche, no distrito da
Casa Verde, um bairro que tem 21 escolas de samba47, algumas agremiações importantes no
grupo principal, como Mocidade Alegre e Rosas de Ouro, outras mais antigas e de muita
tradição nos bairros como a Unidos do Peruche. E alguns dos terreiros de candomblé mais
antigos da cidade, o mais velho Terreiro de Santa Bárbara, na vila Brasilândia, Zona Norte da
capital paulista, recebeu o título de patrimônio imaterial histórico e em 2018 patrimônio
imaterial da humanidade. Há um impacto de nascer e crescer em um ambiente como este.
Sinalizado por elas próprias como um borbulhar artístico visual, de possibilidades estéticas
estimulantes que fizeram parte de suas infâncias e juventudes e que orientaram os interesses
profissionais que seguiriam posteriormente. Quando Nascimento (1976) investiga as
reminiscências dos quilombos nas cidades, pensando os quilombos urbanos, a cultura negra,
em suas múltiplas expressões, é um dos matizes que compõem a existência do quilombo como
um território negro. E mais, que orienta como um modo de habitar, de ser, experienciado por
essas mulheres.

É comum dizer que o negro tem uma cultura própria. É claro que tem. E essa cultura
é vinda de nossa origem africana. Então, tem-se o candomblé, umbanda e
determinadas formas de comportamento, maneiras de se organizar, modos de habitar
são culturas do negro. Existe uma cultura realmente histórica e tradicional que seria a
cultura de origem africana e uma outra cultura também histórica, mas que foi forjada
nas relações entre brancos e negros, no Brasil. (NASCIMENTO, 1974)

O território como marca de racialização se expressa na vida dessas mulheres de duas


formas, por um lado a expressão criativa que as leva ao trabalho com artes plásticas e, por outro
lado, a relação com ser negra que vem marcada por uma experiência cultural positiva. Santos
afirma sobre sua família:

47
O sambista e sociólogo Tadeu Kaçula produziu um importante livro sobre as origens do samba e da cultura
popular na região, chamado “Casa Verde – Uma pequena África na Zona Norte de São Paulo”.
86

“E em casa, eu nasci num contexto de várias escolas de samba, né? Então eu nasci
numa casa de artistas também, mesmo que não declarados. Então, eu tenho um tio que
ele é músico, desde pequena ele sempre me trouxe pras coisas deles, desenhava
comigo, me levava a muitos estúdios (...) Meu tio era envolvido com música, tinha
uma banda de samba-rock, então em casa só tinha vinil de preto, Bob Marley...”

Nesse sentido, pensar o território é pensar como gênero, raça e classe operaram de
maneira interseccional nessas vivências influenciando a ação dessas mulheres. Vindas de
regiões periféricas, foram os deslocamentos que mobilizaram os conflitos raciais de maneira
mais intensa e que também motivam a produção artística voltada para expressar as diferenças
raciais percebidas por elas. Ou seja, quando saem de seus bairros e passam a circular em espaços
distintos, como as universidades, que são localizadas em áreas mais centrais da cidade, as
diferenças passam a impulsionar os trabalhos e explicitar conflitos.
Na forma expressa por Juliana dos Santos, a universidade torna-se um marco para
refletir sobre as diferenças de classe e raça entre os estudantes.

“Aí eu chego na UNESP e fico desesperada porque as pessoas chegavam nas aulas de
História da Arte a professora perguntava “Quem conhece o Louvre?” E eu ficava lá
pensando “Eu não conheço coisa alguma.”. Eu entrei na UNESP e pensei “Nossa, eu
não desenho tão bem assim como a professora do colégio falava que eu desenhava”.
Eu não passei em nenhum vestibular da USP e quando eu cheguei na UNESP aquelas
pessoas sabiam muito, desenhavam bastante, eram fluentes... Então eu travei.”

Os territórios selecionados operam nos processos de racialização com sentidos distintos.


Sem uma linearidade, abaixo veremos a Universidade como espaço de embate. A zona norte de
São Paulo, como espaço de cultura negra é um elemento espontâneo e relevante de suas
vivências, fortalece a compreensão de “ser negra”. São as experiências permitidas e
proporcionadas pelos arredores de suas vizinhanças que estimulam o senso estético que
desponta em produções acerca das suas experiências como mulheres negras.
87

4.2 Territórios de Embate: os significados da Universidade

A Universidade se destaca como outro espaço que ganha centralidade nas narrativas
dessas mulheres. Todas são formadas em universidades públicas e bem colocadas na área de
artes visuais e, além de graduadas, as três possuem pós-graduação. Rosana Paulino cursou
doutorado direto em Poéticas Visuais na Escola de Comunicação e Artes – USP, onde também
cursou a faculdade; Renata Felinto cursou mestrado e doutorado em Artes Visuais no Instituto
de Artes da UNESP, assim como Juliana dos Santos que terminou seu mestrado na mesma área
e universidade em 2017. Embora nenhuma das entrevistadas atribua ao âmbito universitário o
despertar da compreensão de ser negra, é neste lugar que ganha sentido as suas produções
estéticas deste ponto de vista, além de ser o espaço no qual o processo de racialização dessas
artistas se concretiza em virtude dos embates raciais neles vivenciados. Por um lado, é
consequência direta do desenvolvimento profissional delas nesse espaço, mas por outro, por
serem as únicas negras de suas turmas, impacta o desejo de versar sobre o tema nos trabalhos
das disciplinas, trabalhos de conclusão, e outros.
Para Felinto, o colégio já havia sido um espaço de encarar as diferenças de classe e os
conflitos raciais (a artista estudou na Escola Técnica Carlos de Campos, um dos colégios
modelo do governo do Estado). Porém, é na universidade que a presença dessa discussão se
torna mais explícita na trajetória pessoal e, sobretudo, profissional da artista. A universidade é
um espaço de amadurecimento e compreensões profissionais, mas também de choques de
realidades. Juliana fala sobre os conflitos de classe e raça ao adentrar esse espaço:

“No primeiro trabalho de pintura, nosso ponto de arte não foi uma pintura, foi um
trabalho de vídeo-performance que eu fiz com um amigo meu e minha amiga Jucélia.
A gente não resolveu pintar porque era ‘os pobre pé rapado’ da sala que não tinha
dinheiro pra tinta, que nunca tinha feito aula de pintura e, assim não fazia sentido ficar
numa tela se não tinha nem dinheiro pra pintar a tela, entendeu?”

As dificuldades financeiras para se manter são um elemento que aparece no discurso de


todas as artistas, as diferenças de classe e os empecilhos para permanecer na universidade
atravessam a história dessas mulheres. Para Paulino, estudar numa universidade pública era a
única maneira de cursar artes e o ensino superior:

“E nas artes, além da USP ser gratuita, ela oferecia parte do material. Por exemplo,
ela oferecia algumas coisas, cota de papel, filmes, não era uma coisa abundante. Um
pouco a gente comprava também. Só de não comprar os químicos. Faculdade de artes
é cara, por exemplo, gravura ela fornecia as ferramentas, não fornecia as chapas, mas
fornecia as ferramentas, os químicos. Ou seja, era uma coisa assim: Ou entra na USP
ou entra na USP...”
88

Os conflitos raciais, embates com professores e isolacionismo são muito presentes na


fala de Santos, quem dentre as três tem uma vivência de ativismo político nesse espaço. Ao
narrar um diálogo com um colega de turma sobre a preparação de um trabalho, ela conta:

“Ai eu falei pra ele: ‘Putz, meu, às vezes as pessoas me veem menos preta do que eu
sou, parece que eu tenho que me pintar de preto pras pessoas me entenderem, sabe?’
Eu comecei a perceber que em cada lugar as pessoas me tratavam de outro jeito. ‘Ah,
você é tão bonita!’, ‘Ah, aquela moreninha, né?’, ‘Ah, você não é tão negra assim’. E
eu comecei a reparar no quanto essas questões raciais elas não eram faladas
diretamente, mas elas atravessavam minha experiência lá.”

No entanto, não há, para as entrevistadas, uma relação de despertar da consciência racial
na Universidade, mas de organização da temática enquanto uma prioridade na produção
artística, até por ser um espaço onde se deparam com o racismo e com os silêncios encontrados
na arte sobre isso. O fato de não terem pares dialogando sobre os mesmos assuntos, não haver
movimento negro organizado nas faculdades no período em que estavam cursando, haver
poucos professores ou apoios que pudessem orientar esses interesses artísticos, surge em seus
discursos como dificuldade, mas também força motriz para seus trabalhos.
Na Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo, onde Rosana Paulino
cursou artes plásticas, o primeiro Coletivo Negro foi fundado em 2014. Chamado Opá Negra,
tem realizado Semanas de Artes Negras anuais, nas quais o trabalho de Rosana Paulino já foi
discutido, por exemplo. Já no Instituto de Artes da UNESP, a mobilização de estudantes negros
para espaços de auto-organização se deu de maneira mais concreta em 2014, com a organização
do Quilombo Mulheres Negras, trabalho de conclusão de curso da estudante Mirella Santos
Maria que movimentou a universidade com discussões em torno de raça, gênero e arte. Juliana
Santos foi, dentre as três, uma das que vivenciou esse processo de efervescência na faculdade
em torno das questões.
Nas palavras de Felinto, é com seu trabalho de conclusão de curso que o tema ganha
organização e estética:

“Mas essa questão racial estava na minha vida há muito tempo. Primeiro que minha família é
negra, toda, assim não dá pra falar que é outra coisa. Segundo porque eu tive uma professora do
movimento negro já no primário, a professora Neusa, que se tornou diretora da escola. No
fundamental I a Neusa, no fundamental II ela era diretora, aí tinha a Rosangela Castelo que hoje
é diretora de EMEI, se não me engano, e que ela é negra e a gente trocava alguma coisa muito
indiretamente, porque eu era muito jovem, mas ela também já percebia essa articulação.”

Rosana, que é 10 e 20 anos mais velha que Renata Felinto e Juliana dos Santos,
respectivamente, atribui sua consciência racial aos movimentos culturais que a acompanharam
em sua infância e adolescência.
89

“Agora, eu tinha certa consciência de quem se formou na década de 80, por exemplo, que cansou
da black music, trazendo essas questões embutidas nela. Dançar nos bailes da periferia, embora
eu não fosse muito em baile, porque eu sou mais de ouvir música, gosto de dançar, mas em casa,
bem solta. Então, uma mulher que é formada nessa questão vai ter isso embutido nela, já vai ter
esses questionamentos, já vai ter isso mais claro.”

Os enfrentamentos com professores, assim como a dificuldade de reconhecimento da


questão como temática legítima de trabalho, impulsionaram a organização destas artistas como
lideranças de discussões em suas faculdades. A UNESP é um espaço com uma quantidade
expressiva de estudantes negros e de eventos organizados sobre a relação entre artes visuais e
relações raciais nos últimos anos, sobretudo a partir de 2014. O Seminário “Quilombo Mulheres
Negras”, realizado em 2014 e 2015, é um exemplo. Foi neste evento que Juliana dos Santos
exibiu pela primeira vez sua performance “Qual é o pente?”. Já a experiência de Rosana Paulino
foi bem diferente neste sentido, pois quando ela ingressou na Universidade de São Paulo ela
era a única estudante negra de sua turma. Nesse momento a discussão sobre raça, gênero e artes
era menos presente, ainda que tanto Renata Felinto, quanto Juliana dos Santos argumentem
terem encontrado professores para dialogar e apresentar referências. Por exemplo, ambas foram
apresentadas ao trabalho de Rosana Paulino na faculdade. Paulino, por sua vez, experienciou a
graduação sem diálogos sobre o tema racial. O fato de ter sido um dos primeiros nomes como
artista negra trabalhando o feminino negro fez diferença na experiência, visto que não havia
pessoas com as quais trocar sobre o tema. O que é diferente para as outras duas que ao chegar
na universidade encontram os trabalhos de Rosana como um diálogo e referência possível.

“(...) quando eu entrei na faculdade, essas questões estavam sendo arranhadas ainda. Que é o
exemplo da Yêda Maria, mas a obra não traz essa questão. Não tinham mulheres negras
referência. Tinham alguns artistas, Emanuel Araújo, Mestre Didi, Rubem Valentim, mas não
tinha feminino.”

A artista considera que a entrada de mais mulheres negras na universidade é um dos


principais elementos de mudança no cenário das artes atualmente.

“Essa própria mudança sobre a sociedade vai mudando e você vai se percebendo melhor dentro.
A primeira questão é o acesso à universidade, a segunda questão é a própria mudança que a
sociedade vem se percebendo, pensando, tudo isso influencia, o momento influencia. Então, você
vai ter, por exemplo, as gerações mais novas, que vêm depois do aumento, do implemento do
movimento negro, das pressões, por exemplo, que a gente vê no cinema, mais artistas negros na
mídia, a música americana traz isso com muita força e leva tudo isso na década de 1970, é que
eu gosto muito de música.”

Felinto e Santos são as primeiras de suas famílias a cursarem o ensino superior, Paulino
tinha uma tia materna que era graduada em Letras. Essas mulheres que estavam entre as
primeiras gerações de suas famílias a adentrar a universidade têm suas trajetórias modificadas
90

a partir disso, de seu próprio ponto de vista. Renata Felinto relata tanto a influência de sua
experiência para sua família e os impactos disso na sua vida.

“Porque assim depois que eu entrei praticamente todos meus primos do lado materno
estão na universidade ou terminaram a universidade. Isso não é mais discutível, têm
que fazer universidade. Até porque eu falo com a minha família: eu poderia ter ficado
só com o técnico no KK. Eu ia me formar como técnica em desenho de comunicação.
Assim, então pra mim é muito decisivo o fato deu ter feito universidade pra projeção
que eu tenho hoje. Se eu não tivesse feito eu não teria lugar. Sei que têm várias/os que
falam que não vão fazer universidade, falam que não precisam. Mas eu vejo diferença,
a diferença na forma de articular pensamento e até mesmo pra você negar. Você não
pode negar o que você desconhece.”

A importância desse processo para pensar a inserção de pessoas negras nas artes é
expressa por Rosana Paulino ao findar sua entrevista:

“Antes diziam que a gente não tinha estudo, aí colocavam no campo do naif48. Agora
é o caramba, hoje temos uma formação muito boa também. Então, a questão é: E agora
qual vai ser a desculpa? Eu sou naif, então vem falar na minha cara. É uma produção
de alto nível, vinda de boas universidades, toda uma confluência, até mesmo antes das
cotas, já começa uma entrada maior de pessoas negras que vão começar a expandir
esse campo.”

A universidade aparece como um espaço de expressão dos conflitos raciais e de classe,


especialmente a partir de particularidades de faculdades de artes visuais. As três artistas que
adentram esse espaço como alunas de notoriedade em suas escolas e famílias, destaque na
execução de trabalhos manuais, vivenciam as contradições de serem parte dos poucos
estudantes negros de ensino superior. Enquanto especificidades das faculdades de artes visuais,
o domínio de técnicas, a compra de materiais, o interesse por artistas negros e temáticas raciais
são alguns dos pontos levantados por todas elas.

4.3 Territórios do Afeto: Mulheres negras - Projetos coletivos de futuro

Quando encaramos a mãe-preta como uma imagem de controle no capítulo dois, o olhar
analítico que investigou as obras de arte foi guiado a partir de dois pontos de vista: de um lado,
a mãe-preta como uma imagem pensada em relação ao filho branco em detrimento aos afetos
ao filho preto e que, por outro lado, a construção dessa figura é pensada a partir de uma ideia
de família que não coloca o homem negro como parte. A figura feminina negra na construção
dessas famílias torna-se central.

48
O termo “arte naif” aparece para referir-se àquela produção realizada por pintores e artistas autodidatas, que não
detenham conhecimento acadêmico atestado, que produzem sem uma formação acadêmica sistemática.
91

Durante a entrevista com as artistas, indagando sobre seus processos formativos e como
os caminhos haviam as levado à produção visual como escolha profissional, as três mulheres
afirmaram o apoio de suas famílias como central para o sucesso obtido em suas trajetórias. Os
territórios que investigamos agora são os de afeto, das relações familiares como
impulsionadoras dos projetos destas mulheres.
Nesse ponto, gostaria de destacar três assuntos: a centralidade da figura feminina nas
relações familiares; o estereótipo das famílias negras desestruturadas; e o lugar dúbio ocupado
pelo homem negro na figura de pai.
A fala disparadora para esse ponto é de Juliana dos Santos, à época da entrevista com
29 anos, vivia sua primeira residência artística internacional no programa “Studio of Contextual
Painting”, na Academia de Belas Artes de Viena, em dado momento da conversa a artista disse:
“Então assim, eu fui um projeto familiar, entendeu?” A fala de Santos atravessou o material
coletado pelas confluências observadas ao não ser uma fala isolada. E ela mesma explica o que
significa o projeto familiar que considera ser:

“Eu quero dizer que eu fui um projeto familiar que quebrou um ciclo de violência, né?
Eu não fui que nem as minhas primas que engravidaram com 15, 16 anos, eu consegui
concluir os estudos do ensino médio, eu consegui entrar numa graduação. E por que
eu consegui tudo isso? Porque teve a minha avó e a minha mãe. Minha mãe trabalha
10, 12 horas por dia pra me sustentar e a minha avó lavando a minha roupa, fazendo
a minha comida, limpando a minha casa. Então quer dizer, ela me forçava sim a fazer
trabalho doméstico porque eu era preguiçosa, eu aprendi a ariar uma panela, a lavar
uma roupa, passar uma roupa, mas ela nunca me fez parar de estudar pra fazer coisas
de casa (...) tinha essa coisa de que eu tinha que estudar. Minha avó fez até a 4ª série,
ela era empregada doméstica e ela sempre me cobrava de estudar. Ela olhava a minha
lição de casa, ela não entendia nada, mas ela conseguia saber se eu tinha feito ou não
a lição. E eu apanhava se eu não fizesse a lição, entendeu? Então eu fui um projeto
familiar.”

Esse projeto familiar é constituído dos diversos elementos que compõem esse arranjo
familiar; o papel da mãe como estimuladora dos estudos, no entanto, é um destaque na fala de
todas. Rosana Paulino, a mais velha dentre as entrevistadas, fala sobre o estímulo aos estudos
e a entrada no ensino superior, o mesmo tom de Juliana dos Santos aparece:

“Minha mãe é uma mulher muito inteligente, uma das coisas mais importantes, ela
sempre percebeu que educação é a saída, então ela sempre falava: ‘Olha, eu faxino
pra vocês não faxinarem.’ Era uma coisa que ela sempre cobrava, pegava no pé, nesse
sentido.”

Assim, ao afirmar estas mulheres como projetos familiares é assumir os estímulos de


outros familiares para que alcançassem determinados lugares. As mães são aquelas que
impulsionam os estudos, as tias oferecem materiais de desenho e pintura, as avós cuidam da
92

casa e tarefas domésticas para garantir um ambiente no qual elas pudessem dedicar-se às tarefas
escolares. Renata Felinto reforça esse ponto:

“...Agora a minha mãe tem um outro suporte que é fundamental, né..Suporte


fundamental que ela deu, porque meu pai ficava internado às vezes, nessa pira dele e
minha mãe quem segurou a onda. Tipo eu não ter que chegar em casa e me preocupar
em lavar roupa e fazer comida, tava tudo pronto. Ela sempre deu muita atenção pra
gente assim, eu vejo minhas fotos de quando eu era criança e não tem nenhuma foto
assim que eu esteja descabelada e desarrumada. Então tem uma coisa de autoestima
que ela, ela e meu pai juntos, construíram. De ter uma autoestima preta, assim.”

A similaridade de vivências entre essas mulheres, como a primeira – no caso de Renata


Felinto e Juliana dos Santos – ou segunda – no caso de Rosana Paulino – geração de suas casas
a entrar na universidade, passa pela influência de suas mães como chefes de família e como
guias dos projetos de futuro que seriam seguidos por elas. A mãe, avó e/ou tias são o grupo de
apoio que garantiu material e emocionalmente que essas mulheres pudessem alçar sonhos
diferentes das experiências vividas por elas, ainda marcadas pelas possibilidades que os
resquícios do projeto escravocrata já haviam determinado.
Paulino argumenta como a biblioteca na casa de sua tia, do lado materno, foi
fundamental para sua trajetória, fundamental para que visse e cresse na possibilidade e
necessidade de cursar o ensino superior. Ela conta:

“Aí já tinha uma biblioteca, que eu peguei muitos livros, todos os clássicos brasileiros,
uma biblioteca pequena, mas muito boa. Então já é um incentivo aí, então basicamente
minha mãe e minha tia foram as grandes incentivadoras, elas tinham essa ideia de que:
Tem que buscar educação! E a partir daí tanto eu quando minhas irmãs foram mais
destinadas ao estudo. E a partir daí é tanto eu quanto minhas irmãs fomos mais
direcionadas mesmo aos estudos.”

Renata Felinto ao falar de sua mãe traz, além do lugar de suporte, uma admiração e
respeito pela inteligência e trajetória, o que também é visto nas histórias das outras
entrevistadas. O argumento de Juliana dos Santos sobre sua trajetória até a chegada da
universidade demonstra uma série de estímulos de pessoas de sua vida que foram centrais para
seu desenvolvimento. O apoio de sua família que a incentivou a estudar e entrar na vida
universitária, foi um pilar fundamental em sua criação. Ela afirma:

“Eu sempre tive muito incentivo, mesmo que uma classe média baixa, uma classe
baixa, mas ainda assim a prioridade em casa sempre foram os estudos, né? Então eu
tive essa oportunidade. Minha mãe estudou, conseguiu entrar na faculdade, ela
estudou engenharia na Mogi até o terceiro ano, aí não teve grana, teve que largar.
Depois ela entrou em matemática fez até o terceiro ano, não teve grana e teve que
largar. Por mais que não tenha concluído, ela teve a experiência do que é ser estudante
e ela priorizou, ela e a minha vó priorizaram a minha vida, que eu fosse estudante.
Então, diferente de algumas histórias que do tipo: ‘Ah, eu tive uma educação machista,
tive que ficar limpando a casa, meu irmão que podia brincar e estudar’. Assim, eu
93

tinha que limpar a casa, eu tinha que aprender a fazer as coisas, mas assim: eu tinha
que estudar.”

Interessa olhar para esse fato não como uma manifestação aleatória, mas um elemento
da cultura de mulheres negras brasileiras que, como citado por Collins (2017), fornece o quadro
de “referências ideológicas, ou seja, os símbolos e valores da autodefinição e autoavaliação”
que as ajudam a identificar e atuar sob as opressões de raça, gênero e classe. Assim, essas
mulheres respondem a essas desigualdades oferecendo um espaço de possibilidades para se
autodefinir a partir de suas condições específicas de vida. Isto é, utilizando as palavras da mãe
de Rosana: “Olha, eu faxino pra vocês não faxinarem!”
Para fugir desses destinos pré-estabelecidos a educação aparece como principal
estratégia. Cardoso (2012) investigando a trajetória de mulheres negras ativistas afirma como
o ensino superior foi um fator fundamental de promoção pessoal para essas mulheres. O acesso
ao ensino superior surge como uma válvula de escape de “ciclos de violência”, nos termos de
Juliana dos Santos, que a condicionariam a ser parte do grupo de jovens negras que
engravidavam na adolescência e trabalhariam com as mesmas profissões que suas avós, tias,
entre outras mulheres da família.
Indo mais além, incentivar o estudo permite a essas mulheres a possibilidade de obterem
escolhas: escolher fazer ou não universidade e, dentro disso, qual carreira lhes era mais
interessante. É justamente nessa oportunidade que se faz o processo de autodefinição e
autoavaliação, ter caminhos alternativos aos que reafirmam as imagens de controle. Assim,
tratando-se de uma população que apenas recentemente passou a ingressar no ensino superior,
através das políticas afirmativas, estas mulheres são exceções construídas a partir da decisão de
suas familiares de proporcioná-las isso. Rosana Paulino relata:

“Lógico que no começo a gente não sabe mesmo como faz, não tinha internet ainda,
nós não sabíamos como funcionava pra entrar em uma universidade pública. Aí eu ia
lá na banca, comprava o guia do estudante, porque apesar de ter uma tia na faculdade,
era muito fraquinha, aí vai fazer cursinho, a família ajuda e incentiva, uma vai
servindo de exemplo pra outra.”

Já na experiência de Renata Felinto, havia a limitação do conhecimento sobre acesso à


universidade pública, como já citada e também a impossibilidade de pagar por esse ensino.
Assim, se a descoberta dessas informações vinha dos conhecimentos compartilhados com
colegas no colégio técnico, a superação dessas barreiras veio do apoio familiar, como ela cita:

“E daí essa minha amiga falou que iria prestar UNESP. E eu pensei, bem se ela que é
da minha sala vai prestar UNESP, eu também consigo prestar, porque a gente
aprendeu as mesmas coisas. Eu fiz um raciocínio muito prático. Aí eu falei pro meu
pai e ele foi atrás da universidade... Era uma época que a gente não tinha esse acesso
94

tão fácil à internet, então a gente foi comprar o Guia do Estudante pra ver as
universidades que tinham arte. Tinha essa – a UNESP – que era mais acessível em
termos de distância, apesar de ser muito longe de Itaquera, lá onde eu morava na
época. E eu fui pra lá! Eu cheguei atrasada – no vestibular – em um ano, aí no outro
ano eu fiz a prova e não passei de imediato. Aí enviaram um telegrama, dizendo que
eu tinha que ir fazer matrícula, porque eu tinha ficado na lista de espera. E eu nem
sabia que existia lista de espera.”

Juliana dos Santos destaca a importância de sua mãe nesse processo de entrar na
universidade pública, mas vivencia um processo de menos dificuldades, incentivada pela
professora do ensino médio a cursar artes, a artista fez cursinho pré-vestibular na Psicologia da
USP, onde tentou cursar Ciências Sociais primeiro e depois artes. Até que passou no vestibular
em artes visuais da UNESP.
Em seus discursos, a centralidade das figuras femininas é interessante diante do fato de
que essas mulheres foram criadas mantendo relação com o pai e a mãe, ainda que o primeiro
apareça de maneira distinta em cada uma das entrevistas. Felinto argumenta que seu pai sempre
foi um apoio, incentivo à sua criatividade através das próprias vivências e personalidade, as
influências das escolhas e interesses pela arte, mas também apoio em questões materiais como
levá-la a cursos e ensinar a se deslocar pela cidade. No caso de Santos, quando indagada sobre
a relação com o pai, um outro argumento surge:

“(...) qual era o meu discurso? Meu pai me abandonou, minha mãe me criou sozinha,
porque a minha mãe é maravilhosa, meu pai é um merda porque meu pai é um bosta.
Pronto, matei meu pai anos assim... mas ele não me poupou de estar junto com ele.
Mesmo nos momentos difíceis. Ele trabalhava entregando roupa numa Kombi velha
e pra ele era importante estar comigo, mesmo que num contexto de trabalho, então
hoje em dia eu vejo isso como uma demonstração de afeto também.”

Nesse sentido que proponho pensar o argumento de que as famílias negras são
desestruturadas49 como parte dos estereótipos atribuídos a pessoas negras e que atua reforçando
a imagem de controle da mãe-preta. As pesquisas que versam sobre esse tema datam dos anos
1980, as destaco como parte do processo de construção de estereótipos raciais, não como algo
que permanece na produção de acadêmica. Isto porque afirmar que a família negra é
desestruturada, baseia-se em uma crítica aos arranjos familiares de pessoas negras como
espaços negativos para a criação dos filhos. Por um lado, a consequência é culpabilizar

49
Pesquisadores da área de psicologia e educação na década de 1980 afirmaram sobre as famílias negras: [...]
muito mais instáveis do que as famílias brancas de classe baixa. Os lares desfeitos são bem mais comuns entre
famílias negras do que entre famílias brancas com pais mais ausentes e uma atmosfera familiar negativa para a
educação das crianças." (AUSUBEL; NOVAK; HANESIAN, 1980, p. 406). Por outro lado, os pesquisadores
Castro e Abramovay afirmam como pesquisas sobre escolas e seus atores tendem a classificar como
desestruturadas as famílias de pobres, sejam eles brancos ou negros, mas: "os alunos negros regularmente são
focos dessas análises, dificilmente suas famílias são reverenciadas e destacadas como exemplos positivos."
(CASTRO; ABRAMOVAY, 2006, p. 266)
95

mulheres negras enquanto educadoras de seus filhos e, por outro lado, reforçar o estereótipo de
homens negros como malandros irresponsáveis.
Retomo a imagem de controle, citada por Collins (2000), a matriarchs, citada
anteriormente, a autora concebe essa como a mammy que falhou, um estereótipo para aquelas
mulheres que rejeitavam a ideia de submissão e de dedicada serva. No caso brasileiro, a mãe-
preta comporta em si tais contradições, é a trabalhadora que também é da família, ao mesmo
tempo que é tida como “suja” e “potencial criminosa”. Quando Collins (2000) fala sobre essa
figura como “the bad black mother”, que era a figura da mãe nas casas de pessoas negras, ao
se ausentar e dedicar afeto para as crianças brancas, essa mulher, isto é, ao falhar com seus
“deveres” como mulher, é responsável pelos problemas sociais na sociedade negra.
O pesquisador Santos (2001) utiliza o conceito de “estigmas” e de estereótipos para falar
sobre a malandragem atribuída aos homens negros desde o período do pós-abolição. E afirma
como a dificuldade de integração do negro na sociedade foi um meio através do qual o negro
foi conectado àquilo que não era correto ou bom. Em suas palavras: “Estigma é uma marca que
assinala algo prejudicial ou infame. A presença do negro é denunciada pela cor. As dificuldades
no mundo do trabalho ganham um sentido perverso para o ex-escravo após a abolição. De bom
escravo, que por mais de três séculos sustentara a vida econômica do país, o negro salta para a
posição de mau cidadão, agora não mais apto para bem cumprir obrigações. Assim, a vadiagem
era o destino compulsório de muitos negros (...) Daí também a figura do meliante, do malandro
e do folgado, sem ocupação. A estigmatização do negro o conecta diretamente a aquilo que não
é certo, correto ou bom.” (SANTOS, 2001).
Juliana dos Santos, em sua fala, demonstra como mobilizou esse estereótipo ao longo
de sua vida, sustentando a imagem do pai ausente, ainda que depois de adulta não sentisse a
relação da mesma forma. Nesse exemplo, o processo de racialização funciona na articulação de
um estereótipo com fins de controlar um sujeito racializado por outro sujeito racializado, isto
é, como uma filha negra reage a experiência com seu pai. Apoiando-se em um discurso de senso
comum, que também parte de sua vivência e que reforça as desiguais relações raciais. Para
depois, em outra oportunidade rever esse argumento com outros olhos para a relação com seu
pai.
A ideia do pai negro ausente é factual e estereotipada. Ao mesmo tempo em que Santos
revê essa percepção com o passar dos anos, Felinto a afirma e reflete sobre a partir de sua
própria maternidade:

“Eu tava muito assim revoltada e entristecida com essa reprodução de padrões que
tem na população negra, de homens que... Quantas histórias a gente não ouve, né?
96

‘Ah, meu avô tinha duas famílias.’, ‘Ah, porque meu pai deixou minha mãe sozinha
e eu fui criada pelas minhas tias.’ E como os homens jovens, que têm informação, que
não são os homens da geração do meu pai que não tinham tanta informação e
reproduzem isso aí, blindados pelo machismo mesmo. É incrível que percebem as
situações das próprias mães, mas reproduzem isso com outras mulheres.”

Essa reflexão de Felinto, que se tornaria uma produção plástica na série de colagens
Embalando Mateus..., retoma a ideia de pensar o processo de racialização na construção das
imagens de controle. A ação desta artista de produzir conteúdo visual sobre a realidade da
paternidade negra no intuito de criticá-la é o exercício de entender as atribuições feitas ao seu
grupo e questioná-las. De forma que, dando-se conta da racialização de si mesma e de seus
pares negros, passa a ser possível compreender o estereótipo como uma forma de controle; cuja
estratégia para a subversão é a produção de um material plástico que critica e explicita a
impossibilidade dessa situação. No próximo capítulo apresento a obra e retomo esse ponto aqui
apresentado.
A centralidade da presença feminina na família negra é uma experiência compartilhada
por elas; onde mesmo os apoios são mulheres negras, as tias, avós, irmãs, e outras. Santos em
sua fala apresenta uma contradição em sua experiência e relação familiar, pela ideia que a artista
traz ao olhar para o relacionamento com o próprio pai. Se na fala de Felinto as falhas do pai são
atribuídas à falta de conhecimento; para Santos, a ausência do pai também era cercada de uma
série de tentativas de aproximação feitas por ele dentro das possibilidades de uma vida cheia de
vulnerabilidades. A artista afirma:

“Quem levantou essa questão foi o Saloma 50, ele foi minha banca de mestrado, e ele
me falou assim: ‘A gente tem a falsa ideia de achar que nós somos famílias
desestruturadas por sermos de famílias de mães solteiras ou de pais divorciados, mas
não somos. Mesmo nessa estrutura familiar que a mulher fica sozinha’ (...) Então ele
me fez olhar e mudar o discurso de que ‘foi muito difícil e não sei o que lá’. Então, é
nesse sentido que eu tô tentando rever a minha história.”

As falas de Juliana dos Santos apontam a contradição no argumento da desestrutura


familiar negra. Para Gonzalez (1984) a construção de lações familiares estáveis entre pessoas
negras durante a escravidão foi inviabilizada de diferentes maneiras. Por isso, Carneiro e Santos
(1985) argumentam que o modelo de família “nuclear burguesa”, isto é, pai e mãe
heterossexuais com filhos biológicos, é um fenômeno que não havia se concretizado para a
população negra até os anos 1980. Aparece, na verdade, como um modelo a ser perseguido e
um enfrentamento das dificuldades de integração social. A partir disso, acredito que não seja

50
Salloma Salomão é um músico, pesquisador, africanista e Doutor em História Social pela PUC São Paulo,
Pesquisador-educador, letrista, vocalista e flautista. Foi pesquisador visitante do Instituto de Ciências Sociais da
Universidade de Lisboa, pesquisando culturas musicais africanas nos Brasil nos séculos XIX e XX.
97

possível falar a partir do mesmo modelo de família para pessoas negras, visto que mesmo os
papéis que homem e mulher deveriam cumprir nesse modelo esbarravam com as experiências
escravocratas. Que, por um lado, haviam castrado a masculinidade negra quanto aos parâmetros
dos homens brancos e, por outro lado, não permitiram à mulher negra o ideal de feminilidade
imposto para a mulher branca. Como enunciam as autoras:

As condições de anomia em que vivia a população negra durante a escravidão não


permitiram ao homem negro exercer sobre a mulher negra a opressão
“paternalisticamente protetora” a que estavam submetidas as mulheres brancas.
Igualmente, as relações estabelecidas entre homem branco e mulheres negras
evidentemente estavam longe de reproduzir as formas de opressão características das
relações de gênero entre brancos (CARNEIRO; SANTOS, 1985, p. 42).

Essas diferenças entre as relações de gênero marcadas por raças moldaram as visões
sobre famílias negras a partir de uma perspectiva que não respondia à realidade da população
negra e por isso, também, estereotipada. E, assim, argumento sobre a impossibilidade de se falar
sobre desestrutura familiar quanto aos lares liderados por essas mulheres negras, familiares das
entrevistadas. Há uma forte presença de suas mães em seus discursos, mas também de outros
familiares, fossem eles homens ou mulheres. Afirmando como estas mulheres são, na verdade,
projetos coletivos ou, ainda, projetos familiares. Projetos de vidas construídos à muitas mãos.

“Minha mãe entrou na faculdade e não conseguiu e ela projetou o sonho dela em mim
assim, sabe? ‘Eu não consegui, mas você vai conseguir’. Meu tio músico viajou pra
fora, sempre falou: ‘Não, você tem que ter outras experiências, você tem que viajar,
você tem que falar inglês’. Mesmo com a falta de mistura, às vezes não tinha sabonete
em casa pra tomar banho, eles deixavam muito claro pra mim que eles queriam outro
futuro pra mim. Pra eu conseguir estar em lugares que eles não conseguiriam estar.”

Esse discurso que aparece de maneira tão forte e eloquente na fala de Juliana dos Santos,
aparece nas experiências de Rosana Paulino e de Renata Felinto. A família possibilitando que
elas alcançassem em suas histórias coisas que não haviam sido possíveis para suas mães e tias,
sobretudo através do estudo.
A possibilidade de fazer escolhas aparece como um elemento central para que essas
mulheres superem a barreira do diploma universitário, sendo as primeiras a adentrarem ao
ensino superior em suas famílias, como no caso de Felinto e Santos, enfrentando não só a
estrutura racial do país que as afasta desse acesso.
O ensino superior aparece na narrativa de todas elas como a estratégia de escape da
realidade que as circundava no universo familiar, escolar e do bairro; estimuladas pelos esforços
de suas mães, a educação está para as três como fator fundamental para promoção pessoal. Nos
dados referentes ao Censo do IBGE de 2015, apenas 12,8% dos estudantes entre 18 e 24 anos
cursando o ensino superior eram negros. Quando Sotero (2014) analisa o acesso de mulheres
98

negras ao ensino superior afirma que, apesar da expansão e crescimento do número de mulheres
negras acessando universidades, estas seguem ingressando em menor proporção que as
mulheres brancas. Além disso, as instituições de ensino superior e carreiras que concorrem são
aquelas de menor prestígio. Tal realidade não se reflete na vivência das mulheres que estudamos
aqui. São parte de um pequeno grupo de pessoas que acessou as melhores universidades
públicas do país e de referência em suas áreas. Soma-se a isso terem ingressado nas
universidades paulistas antes das ações afirmativas serem implementadas.
Estas mulheres encontram na educação e ensino superior a estratégia para fugir dos
lugares comuns, são “pontos fora da curva”. O ensino público é a estratégia escolhida
coletivamente para isso. Para Rosana Paulino, a universidade pública era um sonho: “A
Universidade de São Paulo já era um grande sonho, bem mais que agora, na época não tinha
Coletivo Negro, Cursinhos populares, é que eu sempre fui meio ‘caruda’.”
Paulino fala sobre como sua entrada na universidade ainda nos anos 1990. Foi um
processo solitário, desde o processo seletivo até o desenvolvimento de sua produção e encontro
enquanto profissional das artes. Faltaram-lhe pares para dialogar. Renata Felinto e Juliana dos
Santos cursaram o ensino médio em escolas que preparavam e pensavam no vestibular, no caso
de Felinto, ingressar em uma universidade pública aparece como a única possibilidade para
cursar o ensino superior e, para Santos, estudante de escolas particulares, a possibilidade de ir
à faculdade já era algo próximo de sua realidade. A primeira estudava em uma escola técnica
estadual, considerada modelo pela gestão do estado, onde uma série de outros artistas
estudaram, como os grafiteiros Os Gêmeos, incentivando a aproximação dela com esse universo
das artes plásticas.

“E lá (no Colégio Carlos de Campos) eu fiz várias amizades, que me levaram a


aprofundar na área dos quadrinhos, pensar alguns desenhos animados também e lá
que eu descobri que podia fazer universidade pública. Porque até então eu tinha falado
uma vez pra minha mãe que ia fazer universidade e ela me disse: “Com que dinheiro?”
Porque nem meus pais sabiam que existia universidade pública.”

Em todo esse processo Juliana dos Santos destaca a importância de sua família ter
investido e apoiado seus planos: “Eu sempre ouvia, ‘Ah mãe vou prestar vestibular, tô com
medo porque são poucas vagas’. Aí minha mãe: ‘Mas você só precisa de uma vaga’. Então eu
acho que esse é um local do afeto também. Eu ter uma família que acreditou em mim.”

Assim, penso a família negra como um espaço seguro e afetuoso para essas mulheres,
onde a construção de si mesmas como seres humanos passou pela possibilidade de trilhar
99

caminhos distintos de suas familiares, mas alcançáveis através dos empreendimentos coletivos
delas.
Para concluir esse capítulo, destaco como os pontos levantados aqui são essenciais nas
trajetórias dessas mulheres, pontos a partir dos quais elas lidaram com a racialização e que
embasa o olhar que teremos no próximo capítulo para suas produções plásticas. Destaquei nas
narrativas delas três dos pontos que surgiram com maior pungência nos seus discursos: a
influência e experiência familiar como catapulta de possibilidades; a vivência universitária
como impulsionamento desse processo de racialização; e o território onde cresceram como um
quilombo de cultura negra potencializador de um senso estético. Os três elementos são parte
das experiências de racialização dessas mulheres que passariam a constituir suas escolhas na
vida profissional e a própria formação de suas identificações como mulheres negras.
Interessa-me, sobretudo, demonstrar a ideia construída pelas entrevistadas de que suas
trajetórias foram influenciadas pelos momentos que compartilharam com suas familiares,
professores e colegas de profissão.
Agora enfrentemos a artes e os atravessamentos que percorrem os trabalhos delas!
100

5 Sobre mulheres negras contemporâneas e suas artes

A mulher negra enquanto tema explorado por mulheres negras artistas plásticas é um
fenômeno que ganha destaque na última década do século XX e início do século XXI. O acesso
à universidade e a visibilidade adquirida nesse processo é um fator relevante para explicar isso.
Tadeu Chiarelli, historiador, curador de artes e professor do Departamento de Artes Plásticas
da Universidade da São Paulo, em uma conversa em 2015 sobre a ausência de mulheres negras,
trouxe um dado importante de suas memórias. Nos últimos 25 anos, apenas três mulheres negras
haviam passado pelas aulas do professor em uma das principais universidades do país, sendo
uma delas, Rosana Paulino, cuja obra será discutida neste capítulo.
Outro elemento importante que deve ser destacado neste debate é o papel do feminismo
negro que, desde os anos 1980, estava impulsionando na academia e movimento social a crítica
ao feminismo como um espaço que tinha se construído a partir de uma experiência única de
mulher, que excluía tantas outras, inclusive as negras e suas especificidades. Através dessa
crítica, formou-se um ativismo que traz as temáticas dos movimentos sociais negros e
feministas formulando uma condição específica de mulheres negras (CARNEIRO, 2003). Tal
processo trouxe a formação de organizações feministas que seriam porta-vozes e referências
para mulheres negras dali por diante, como o Géledes – Instituto da Mulher Negra, Criola,
Bamidelê e Instituto Odara. Essas mulheres passaram a discutir suas diferenças, reivindicar seus
direitos e valorizar a cultura e força da mulher negra. Levantando temas como o mercado de
trabalho, os múltiplos sentidos de violência, saúde da população negra e representação nos
meios de comunicação, Carneiro (2003) fornece um levantamento das principais preocupações
desse grupo ativista e intelectual.
O campo da arte não passou ileso à solidificação do movimento feminista. Pensar a
importância deste movimento para o despontar de uma produção artística que reflita
criticamente sobre esses temas estava no debate desde a década de sessenta para o feminismo
norte-americano, quando foi criado o primeiro programa de estudos feministas na Califórnia.
Este programa foi marcado por um teor de denúncia e inconformismo, além de ter oficializado
a relação entre produção teórica feminista e produção artística (TRIZOLI, 2008). A autora
aponta ainda como esse processo trouxe com centralidade a desmaterialização da arte, o
desenvolvimento da arte conceitual e a performance como atividades mais marcantes no
período. No caso brasileiro foi nos anos 1980, de acordo com Bueno (1999) e Canton (2000),
que uma série de mudanças políticas e conceituais promoveram alterações no campo, para
101

Canton (2000) a arte dos anos 80 e 90 buscava estabelecer um sentido, uma mensagem. Os
temas sendo:

Noções de herança e referência; A memória física e psíquica: resistência contra a


apatia e a “amnésia” gerada pela mídia; O corpo: de simulacros, em sua identidade e
sexualidade; Arte política, questões individuais e ambiente urbano: estranhamento
diante de si, a violência e a vida nas cidades (processo de individualização);
Sensibilidade feminina: dimensão intimista, domesticada. (CANTON, 2002, apud
BAMONTE, 2008, p. 166.)

Nesse contexto, a forte produção feminina e feminista ganha destaque. A exposição de


curadoria de Paulo Herkenhoff e Heloisa Buarque de Holanda, “Manobras Radicais” realizou
um mapeamento das artistas brasileiras mulheres, que evidenciou a presença de mulheres e de
feminismo nas artes contemporâneas brasileiras (TRIZOLI, 2008). Para Holanda e Herkenhoff
(2006), o grande legado do feminismo para as novas gerações expressos na arte e literatura do
século XXI, foi o direito de explicitar a raiva: “Assim como descobriram a estratégia para
radicalizar essa raiva: não perder a ternura.”
Nessa exposição de 2006, Rosana Paulino é a mulher negra que traz temas que
intersectam raça e gênero, para Saturnino (2013) ainda que com o silêncio da história da arte
sobre mulheres negras, há um diálogo entre artistas negros e brancos, que trazem temas como
a pobreza e o racismo em suas obras, como Paula Sampaio – também em “Manobras Radicais”
– que traz em suas fotografias a população brasileira, em busca de entender as composições
étnicas que formaram o país. Especificamente, sobre gênero e raça, a exposição “Rosa e
Marrom: gênero e identidade racial na arte contemporânea” (Centro de Cultura Afro-Brasileira
“Odete dos Santos”, São Carlos, 2007) foi um marco ao se propor visibilizar trabalhos de
mulheres artistas negras e que não estivessem dentro do mercado formal de arte, dentre as
expositoras, as artistas Sara Rute, Glaúcia Brito, Solange Ardilla e Renata Felinto. Não
encontrei ainda outra exposição com o mesmo recorte curatorial, mas outras exposições de
mulheres, ou ainda de artistas negros. A curadoria da exposição foi realizada por Renata Felinto,
artista plástica negra que é um dos nomes estudados neste trabalho.
Os últimos anos, particularmente entre 2013 e 2018, por sua vez têm sido momentos de
intensos frutos para a arte produzida por pessoas negras e, consequentemente, por mulheres
negras. Sobretudo a partir da exposição “Territórios: Artistas Afrodescendentes no Acervo da
Pinacoteca”, no ano de 2015, curada pelo, já citado, professor Tadeu Chiarelli. Teve como
proposta revisitar o acervo da instituição e expor as produções de pessoas negras, retomando a
iniciativa de Emanoel Araújo durante sua gestão (1992 – 2002). A exposição dividia-se em três
conjuntos: Matrizes Ocidentais, Matrizes Africanas e Matrizes Contemporâneas; sendo essa
102

última o espaço onde a obra Parede da Memória (1994 - 2015), de Rosana Paulino, figurava,
adquirida pela instituição quase 20 anos após sua produção. Além dessa iniciativa, a Pinacoteca
realizou um importante seminário sobre a exposição em parceria com a revista OMenelick 2º
Ato51, as artistas Renata Felinto, como parte do Conselho Editorial da Revista, e Janaína Barros,
como debatedora, estavam presentes nesse momento que fortalecia uma rede e inúmeras
iniciativas que se seguiriam daí.
Foi também importante a discussão que a crítica de arte propôs frente ao tema: “Segue
necessário falar sobre raça ao se tratar de artes plásticas?”. O texto escrito por Fabio Cypriano
para a Folha de São Paulo criticou duramente a curadoria e questionou: “Afinal, será correto
manter em um rótulo racial a prática artística? 52 ”. A contraproposta de interpretação dessa
estratégia curatorial se deu por parte do antropólogo e assistente de curadoria do MASP, Hélio
Menezes, em suas palavras:

...são múltiplos os exemplos na história da arte brasileira de imagens sobre o negro,


podendo variar do exotismo à estereotipia, ora pendendo ao excesso, ora à falta, com
maior ou menor apelo político e preocupações estetizantes. Tal repertório
iconográfico, diverso na forma e no conteúdo, é, contudo, concordante em sua autoria
majoritariamente adventícia: imagens elaboradas pelo olhar do retratante, raras vezes
do retratado. Refiro-me, antes, à sua presença ativa, como sujeitos criadores e
criativos, reconhecidos por suas qualidades técnicas e inventividade artística.
Representatividade para além da representação, em suma (Menezes, 2016, n.p.)53.

A principal crítica de Menezes (2016) a essa mostra é pertinente ao problema de


pesquisa apresentado, ele alega que falta discutir gênero e a produção de mulheres negras, que
se concentra na obra de Rosana Paulino e Maria Lidia Magliani 54 , se esse foi um espaço
importante de inauguração da presença negra pelas portas da frente das principais instituições
do país, foi também uma demonstração de que ainda seria necessário alguns passos mais para
se falar sobre intersecções de gênero e raça.
A iniciativa da Pinacoteca e o esforço de seu diretor em inserir o debate sobre a presença
da produção negra foi o início de uma série de mostras, seminários e cursos que se seguiram

51
A Revista O Menelick 2° Ato, criada em 2007, é um projeto editorial de reflexão e valorização da produção
cultural e artística da diáspora negra com destaque para o Brasil.
52
CYPRIANO, Fabio. Mostra da Pinacoteca mantém preconceito contra gueto negro. Folha de São Paulo.
Ilustrada. Artes plásticas. Publicado em 24 dez. 2015. Disponível em:
http://www1.folha.uol.com.br/ilustrada/2015/12/1722562-mostra-da-pinacoteca-mantem-preconceito-com-
gueto-negro.shtml?cmpid=compfb
53
MENEZES, Helio. O lado negro da arte: sobre 'Territórios - artistas afrodescendentes no acervo da Pinacoteca'.
Carta Maior. Arte. Publicado em 31 jan. 2016. Disponível em:
http://cartamaior.com.br/?%2FEditoria%2FCultura%2FO-lado-negro-da-arte-sobre-Territorios-artistas-
afrodescendentes-no-acervo-da-Pinacoteca-%2F39%2F35408#.VrKx3sw-neo.facebook
54
Maria Lídia dos Santos Magliani foi uma pintora, desenhista, gravurista, ilustradora, figurinista e cenógrafa
brasileira. Graduou-se na Escola de Artes da UFRGS, em 1966. Foi a primeira mulher negra formada pela
instituição.
103

nas mais importantes instituições promotoras de cultura da cidade, por exemplo, Itaú Cultural,
MASP, Instituto Tomie Othake e Caixa Cultural. O olhar curatorial sempre respondendo a
temáticas relacionadas ao universo da diversidade racial existente no país. Ainda que se
enfrentando pouco com gênero, foi também uma mostra do amadurecimento e chegada do tema
nesses espaços.
É preciso, no entanto, notificar o pequeno espaço que mulheres negras adquiriram e os
nomes se repetem em muitas das exposições. Para Rosana Paulino, a imaturidade do mercado
de arte brasileiro afeta diretamente a circulação de mulheres negras que têm trabalhado
fortemente com a linguagem de performance, material que não é tão valorizado nas relações de
compra que se estabelecem, o que as prejudicaria muito, na opinião da artista.
Nesse capítulo, apresento o trabalho das três artistas, recortando do conjunto de suas
obras, peças que estejam diretamente relacionadas ao tema da “mãe-preta”. As três mulheres
trabalham com a produção de arte contemporânea, dentre muitos significados nisto, destaco que
as linguagens possíveis de expressão artística são diversas. Rosana Paulino é uma artista
plástica especializada em gravuras, aqui apresento suas gravuras e instalações; Renata Felinto
é uma artista que trabalha com performance, foto-performance, pintura, colagens e fotografias;
aqui apresento trabalhos seus de técnicas-mista e fotografias; por fim, Juliana dos Santos é uma
artista que trabalha com multilinguagens, possui trabalhos que envolvem técnicas mistas,
sobretudo nas instalações. Trabalha com performance e apresento aqui algumas de suas foto-
performances.
Não tenho o objetivo de explicar as diferenças entre essas linguagens de um ponto de
vista das artes. Interessa-me a produção de sentidos que as imagens desses trabalhos
apresentam, por isso escolhi não pela unidade das obras em suas expressões, mas nas maneiras
diversas com que essas mulheres negras investigam a relação familiar, ancestral e,
consequentemente, da “mãe-preta”.

5.1 Mulheres negras e suas obras

A seleção de nomes apresentados nesse trabalho reflete a produção de gênero e raça que
se enfrenta, particularmente, com a figura da mãe-preta na contemporaneidade, construindo
assim uma linha de discursos visuais acerca da figura, entre as que trabalharam e são formadas
na cidade de São Paulo, Rosana Paulino, Renata Felinto e Juliana dos Santos foram os nomes
destacados.
104

Proponho olhar para suas produções a partir do diálogo com os estereótipos raciais e
imagens de controle que enfrentam, se as artes plásticas foram parte da construção e sustentação
dessas formas de limitar a ação social de mulheres negras no país, quais são as diferenças
encontradas nas produções de mulheres negras sobre mulheres negras?
No capítulo 3, a noção de imagem de controle foi mobilizada para demonstrar como os
estereótipos raciais foram forjados nas artes visuais. A partir de duas importantes obras da
história da arte brasileira, a Redenção de Cã e Mãe Preta, vimos como o corpo da mulher negra
é colocado em cena para produzir discursos acerca da identidade brasileira que perpassam o
seu papel de mãe; a mãe-preta nas telas não leva, necessariamente, esse nome, mas cumpre o
papel de apaziguar os conflitos raciais do país. Sobretudo, por intermédio da hierarquização do
cuidado e afeto com a criança branca, frente à criança negra. Por outro lado, observamos
também a possibilidade de discursos visuais que não reforcem essas narrativas, mas construam
outras. Nas telas Guignard e Tobias vimos a relação com a criança negra como uma prioridade,
ainda que a mãe-preta seja exposta com sentidos diferentes, a restituição da criança negra ao
seu colo é um movimento que se destaca.
Assim, agora retomamos a ideia de imagem de controle, autodefinição e autoavaliação
para pensar os diálogos propostos por essas mulheres em suas obras que questionam aquilo que
foi dado como o universo da mãe-preta.
Collins (2016) além de fazer uma avaliação das resultantes dos estereótipos raciais como
forma de controle de mulheres negras, apresenta como uma das linhas de trabalho do
pensamento feminista negro os conceitos de autoavaliação e autodefinição de mulheres negras.
A autoavaliação refere-se ao exercício de desafiar as formas de conhecimento produzidas por
outrem que condicionam em imagens estereotipadas definições da condição feminina afro-
americana; a autodefinição, por sua vez, é a construção de imagens autenticamente pensadas
por e para mulheres negras. Tais autodefinições no pensamento da socióloga não estão
relacionadas exclusivamente à produção de conhecimento acadêmico, mas à possibilidade de
que ao atuarem em diferentes posições na sociedade, mulheres negras contribuam para a
construção de conhecimentos oposicionais, sobretudo a fim de que tais processos atinjam
expressão coletiva, contribuindo para alterar a construção de si mesmas e de suas comunidades
(COLLINS, 2000). Em suas palavras:

These self-definitions of Black womanhood were designed to resist the negative


controlling images of Black womanhood advanced by Whites as well as the
discriminatory social practices that these controlling images supported. In all, Black
105

women’s participation in crafting a constantly changing African-American culture


fostered distinctively Black and womencentered worldviews 55. (Collins, 2000, p. 10)

A norte-americana analisa uma série de produções literárias para justificar como


mulheres negras estiveram construindo autodefinições como formas de resistência e
questionamento às imagens de controle. E afirma também que são justamente essas construções
que garantem o ponto de vista particular de mulheres negras no mundo.
Hall (1997) faz uma discussão similar quanto ao conceito de estereótipos raciais e
estabelece estratégias que podem ser utilizadas para revertê-los. O autor apresenta três formas
em que a cultura popular afroamericana tem produzido sobre isso. A primeira delas refere-se a
equilibrar negros e brancos no campo moral, isto é, negros não são sempre piores nem melhores
que os brancos, compartilham de uma experiência similar à da população branca para a
construção de gostos, estilos, motivações, e assim por diante. Assim, o que muitas produções
cinematográficas fazem são personagens negros na condição de heróis e vilões, com vivências
recheadas de contradições, assim como os personagens brancos.

And they proved that this strategy could secure box-office success and audience
identification. Black audiences loved them because they cast black actors in
glamorous and 'heroic' as well as 'bad' roles; white audiences took to them because
they contained all the elements of the popular cinematic genres56. (Hall, 1997, p. 263)

A segunda estratégia citada por Hall (1997) refere-se à construção de narrativas


positivas sobre elementos marcados por estereótipos negativos, por exemplo o slogan “Black
is Beautiful”, que tenta construir uma identificação positiva sobre aquilo que outrora havia sido
abjeto. Uma forma de expandir e complexificar o que significa “ser negro”. O sociólogo
considera que muitas das produções artísticas visuais recaem sobre essa estratégia. Por fim, a
terceira estratégia indicada pelo autor se dá através do olhar do estereótipo. Isto é, ao invés de
evitar o corpo negro e a sexualização – instrumentos por meio dos quais construiu-se a
subordinação negra –, encara-o a partir de um olhar positivado. Assim se os sentidos e
significados da representação não podem ser fixos a maneira de olhar e compreendê-la não
necessita ser através da estereotipia negativa, de forma que trabalhar a sexualidade negra do

55 Tradução livre: Estas autodefinições da feminilidade negra são designadas para resistir as imagens de controle
negativas fundadas por Brancos, bem como às práticas sociais de discriminação que essas imagens de controle
suportam. Contudo, a participação de mulheres negras na construção de uma constante mudança na cultura
afroamericana evidencia distintas formas femininas e negras de ver o mundo.
56 Tradução livre: E eles provaram que essa estratégia poderia garantir o sucesso de bilheteria e a identificação do

público. O público negro os amava porque eles colocavam atores negros em papéis glamorosos e "heróicos", bem
como "maus"; o público branco porquê eles continham todos os elementos dos gêneros cinemáticos populares.
106

ponto de vista da opinião e vivência de pessoas negras e para elas é uma forma de “fazer o
estereótipo trabalhar contra ele mesmo”.
Hall (1997) e Collins (2000; 2016) dão elementos a partir dos quais é possível observar
e interpretar os significados produzidos pelas artistas plásticas. Abaixo apresento suas
trajetórias profissionais e alguns dos trabalhos que chamaram atenção para pensar a mãe-preta
como imagem de controle na contemporaneidade e mais como as autodefinições têm operado
no trabalho dessas mulheres.

5.1.1 Rosana Paulino

Celebrando seus 51 anos no ano de 2018, Rosana Paulino acaba de ganhar o Prêmio
Bravo! de Cultura na categoria de “Melhor exposição” em 2017, pela “Paraíso Tropical”,
exibida no Centro Cultural São Paulo. Além disso, fará sua primeira individual na Pinacoteca
do Estado em dezembro de 2018. São apenas duas das atividades profissionais que agitam a
agenda da artista agora ao encerrar da pesquisa. Demonstração de sua força no campo, que vêm
sendo construída período a período, avançando também conforme o espaço de visibilidade para
artistas negros que trabalham com a temática racial avança.
A artista formada em Artes Visuais pela Universidade de São Paulo (1995), possui
doutorado em Poéticas Visuais pela mesma universidade, além de ser especializada em gravura
pela London Print Studio, com bolsa APARTES/CAPES (1994). Em 2014 foi aprovada para a
bolsa de residência no Bellagio Center, da Fundação Rockfeller, em Bellagio, Itália. Suas obras
já estão em importantes acervos públicos do país e fora dele, possui obras em museus como o
Museu de Arte Moderna de São Paulo – MAM, Museu de Arte da Universidade do Novo
México – UNM, Museu Afro-Brasil e, mais recentemente, Pinacoteca de Artes do Estado de
São Paulo. Além disso, há uma série de exposições coletivas e individuais que a artista
participou, além do que já foi citado, destaco a participação de coletivas internacionais na África
do Sul, Espanha, Bélgica, Holanda, Estados Unidos, Porto Rico e Portugal. E as individuais na
Galeria Superfície (2016), Espace Cultural Fort Grifoon à Besaçon (2014) e na Galeria Virgílio
(2010). São muitas as participações em exposições ao longo dos quase 25 anos de carreira da
artista, apontei algumas das que dimensionam a projeção internacional e nacional que sua
carreira adquiriu.
Desde seus primeiros trabalhos, Rosana Paulino é movida pelo interesse em trazer
questões sociais para sua obra, “étnicas e de gênero”, em suas palavras. Especialmente atenta a
posição da mulher negra “na sociedade brasileira e os diversos tipos de violência sofridos por
107

esta população decorrente do racismo e das marcas deixadas pela escravidão”, como afirma.
Paulino é a primeira artista visual a tomar a mulher negra como um objeto central em sua
produção no Brasil, linha fundante de seu trabalho de pesquisa estética. De acordo com ela
mesma, em entrevista:

“Agora, existem pequenas questões, obviamente que como mulher negra eu estou
mais atenta. Então, é o caso, por exemplo, da Renata Felinto, da Janaína Barros Viana,
da Michelle Mattiuzzi, são questões que vão surgindo quando você tem voz. Não só
o panorama da arte contemporânea brasileira, todos os panoramas. A história só
começa a ser vista e quebrada a partir do momento em que nós, elementos, aparecemos
e questionamos isso. De preferência elementos que tenham sido banidos, de voz, de
determinadas culturas. Então, toda essa questão da revisão de história, não só aqui,
isso é uma condição da forma como o ser humano gera seu conhecimento.”

Reside aí também seu pioneirismo na área, para além de ser a primeira negra a destacar-
se na produção de arte contemporânea, inaugura um ponto na história da arte brasileira que
insere mulheres negras debatendo abertamente temas relacionados a suas condições de mulher
e negra.
57
Dentro desse ponto afirmar-se como artista afro-brasileira marca também o
posicionamento político de Paulino, que acredita ser ainda necessário afirmar sua identidade
negra como parte aliada de sua produção. Em suas palavras “nesse momento eu faço arte afro-
brasileira sim, me interessa fazer isso, me interessa colocar essas questões, eu estou discutindo
uma questão política.” E mais adiante em entrevista argumentou:

“Ainda é importante falar sobre arte afro-brasileira é uma questão de estratégia, temos
que falar dela em suas especificidades. As experiências que eu passei, uma pessoa
negra no Brasil, é única, têm suas especificidades, mas não deveria causar espanto.
Deveria ser uma conversa muito mais presente no Brasil. Uma população que tem
mais de 50% não-branca não deveria ter espanto de ter essa discussão. Mas isso mostra
como nós não nos conhecemos. O Brasil é um país que não se enxerga.”

Rosana Paulino é o nome de referência das mulheres entrevistadas para esse trabalho,
como veremos adiante. Ao mesmo tempo quando perguntada sobre as suas próprias, que a
influenciaram em determinadas direções profissionais apontou a falta de mulheres negras
amplamente conhecidas no mundo das artes antes dela. Existem algumas justificativas para
isso, seu pioneirismo temático diante ao que era até então produzido por artistas plásticos

57 O termo arte afro-brasileira é fonte de intensa discussão acadêmica e não cabe a essa dissertação defini-lo.
Refere-se a uma multiplicidade de expressões artísticas como teatro, música, literatura e artes visuais. Aqui, me
interesso por produções plásticas, de artistas que se denominam como parte desse campo e atuam com as
linguagens da arte contemporânea, como gravuras, colagens, multimídias, e outros. Para uma discussão
aprofundada do tema, verificar o doutorado de Menezes (2016) que realiza um Estado da Arte do conceito:
MENEZES NETO, Hélio Santos. Entre o visível e o oculto: a construção do conceito de arte afro-brasileira.
Dissertação de Mestrado. Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social. Faculdade de Filosofia, Letras e
Ciências Humanas. Universidade de São Paulo (USP). São Paulo. 2018.
108

negros, mas também a quebra dos muros de Museus, galerias e residências artísticas, por
exemplo, era preciso circular em determinados espaços que poucos nomes femininos e negros
estavam adentrando. Além disso, os negros nas artes até então estavam mais atentos a temas
relacionados a festividades afro-brasileiras e a presença das religiões de matriz-africana, por
exemplo. De modo que a artista inova também na temática abordada. Outro ponto é a
invisibilização de artistas mulheres negras que possam ter atuado ao longo do século XX,
registros que não foram feitos e, portanto, até agora perdidos. Mas por certo que outras existiram
como produtoras artísticas, ainda que não tenham disputado espaço no mainstream artístico.
Por fim, o apagamento das que chegavam a conhecimento do campo e que perpetravam as
barreiras do sistema de arte, apenas para logo depois caírem no ostracismo das instituições,
como os casos de Yêda Maria e Maria Auxiliadora.

Figura 11 - Paulino, Rosana. Série Bastidores. (Fotocópia transferida sobre tecido, com
bordados), 31,3 cm x 310x 1,1 cm. 1997

Assim, referências para Rosana Paulino foram, na verdade, suas familiares, tias e mãe,
que impulsionaram as primeiras produções, inclusive aparecendo nelas. Como na obra
Bastidores, de 1997 (Fig. 11). Uma instalação com seis peças de bastidores, costumeiramente
utilizados para bordado, nos quais Paulino imprimiu retratos de mulheres negras, retirados dos
álbuns de sua família. Os retratos têm partes costuradas grosseiramente, nas bocas, olhos,
gargantas e testas. É inevitável associar a figura apresentada à fotografia de escravizadas com
109

máscara de flandres. A gargalheira utilizada como método de punição e prevenção aos


escravizados que tentavam pôr fim às suas próprias vidas ingerindo terra até a morte. Como
vemos na figura 11 e 12, há uma similaridade entre ambas, que aludem ao processo de
silenciamento vivido por pessoas negras, fosse durante o período escravocrata ou atualmente.
Nesse ponto Rosana sinaliza como os processos de violência com a população negra se
tornaram sofisticados, muito embora a gargalheira tenha sido utilizada durante um período da
escravidão, seus efeitos subsumem os descendentes dos escravizados até os dias de hoje, através
de procedimentos que não demandam a presença material de um ferro ou madeira, mas um “nó”
na garganta silenciador.
Figura 12 - Arago, Jacques Etienne e É através da costura bruta que Rosana Paulino traz
Maurin, N. Castigo de escravos. Litografia esse elemento, parte de uma representação coletiva histórica
aquarelada sobre papel. Sem medidas.
do apagamento e silenciamento de mulheres negras. Há
1839. Coleção Museu AfroBrasil.
também uma memória familiar trazida pelas fotos e pelo
método de produção utilizado, que foi aprendido com sua
mãe. Do ponto de vista da técnica, a inserção de trabalhos
manuais considerados femininos e, por isso, até diminuídos
dentro do universo estético faz de seu trabalho desde o
princípio transgressor, como afirma a socióloga Simioni
(2010). Assim, em Bastidores (1997) a transgressão
apresenta-se misturando auto-biográfico e memória coletiva,
partindo da experiência da escravidão e suas reminiscências.
A artista afirmou sobre as peças:

Pensar em minha condição no mundo por intermédio de meu trabalho. Pensar sobre
as questões de ser mulher, sobre as questões da minha origem, gravadas na cor da
minha pele, na forma dos meus cabelos. Gritar, mesmo que por outras bocas
estampadas no tecido ou outros nomes na parede. Este tem sido meu fazer, meu
desafio, minha busca (SIMIONI, 2010, p. 13)

Esse primeiro momento do desenvolvimento da produção de Paulino já trazia sua


preocupação em retomar os processos históricos, de maneira mais aninhada a sua relação
familiar, estabelecendo relações entre presente e passado, com suas permanências. Sob este
trabalho interessa elucidar alguns dos elementos que seriam trazidos em suas outras produções,
sendo eles: a relação entre passado e presente; a técnica que parte de um conhecimento feminino
e familiar; a agressão à pontos vitais do ser humano como forma de silenciamento e/ou
apagamento.
110

Figura 13 - Paulino, Rosana. Visão parcial da Instalação Assentamento. Técnica mista. Dimensão Variável. 2013. Acervo
pessoal da artista.

Anos depois a instalação “Assentamento” (2013) (Fig. 13 e 14), iria através de uma série
de estímulos - de áudio, esculturas e fotografias – impelir a reflexão sobre a condição que a
mulher nas fotografias utilizadas vivenciava. Aqui já não são os álbuns de família, mas a própria
pesquisa histórica da artista quem nos leva para o universo investigado.
A foto (Fig. 15) em questão registra uma pessoa de origem desconhecida, sabemos
apenas que pertencia ao grupo étnico Mina Bari, de acordo com o registro, fotografada pela
expedição Thayer, capitaneada pelo cientista Louis Agassiz, entre 1865 e 1866. O padrão de
fotos, tiradas para fim de pesquisa, retratava os escravizados em três posições que são repetidos
em uma série de fotos, desnudos os corpos negros eram registrados de frente, de costas e de
lado. O zoólogo suíço estava envolvido nos debates raciais nos EUA desde 1840, em um
primeiro momento aliado aos poligenistas e, depois, a teoria da degeneração das raças.
Acreditava que a miscigenação provocaria a degeneração da raça branca, fazendo do Brasil um
111

laboratório de experimentos para ele 58 . As fotografias foram encomendadas ao fotógrafo


franco-suíço Augusto Stahl, residente no Rio de Janeiro59.

Figura 14 - Paulino, Rosana. Detalhe Instalação Assentamento. Técnica mista.


Na obra de Paulino, a
Dimensão Variável. 2013. Acervo pessoal da artista. mulher desconhecida e
escravizada aparece em
dimensões aumentadas que
aludem ao tamanho real de
uma mulher, porém na
montagem ela é posicionada
acima daqueles que a
observam; a imagem
intimida. A impressão é
cortada em três partes que, de
maneira grosseira, são
costuradas e sobrepostas por
uma linha vermelha. Sob a
mulher retratada, são costuradas em cada uma das posições peças impressas em tamanho real,
como coração, útero fecundado e raízes; costurados tão agressivamente que passam a ser
chamados pela artista de “suturas”.

58
As mais de 200 fotos acabaram tornando-se um acervo pouco explorado no Museu de Peabody em Harvard. No
ano de 2010, a exposição "Rastros e raças de Louis Agassiz: fotografia, corpo e ciência, ontem e hoje", mostra que
fez parte da 29ª Bienal de Artes de São Paulo, apresentou um pouco da pesquisa da historiadora Maria Helena
Machado, no catálogo homônimo; também no livro organizado pela mesma e publicado pela EDUSP, intitulado
"O Brasil no olhar de William James". Além desse trabalho, a historiadora editou o livro compilado de artigos
“Rastros e Raça de Louis Agassiz”, disponível em: MACHADO, Maria Helena P.T.; HUBER, Sasha (Orgs.).
(T)races of Louis Agassiz: Photography, body and science, yesterday and today/ Rastros e raças de Louis Agassiz:
fotografia, corpo e ciência, ontem e hoje. São Paulo: Capacete Entretenimentos, 2010, 189p.
59
Ver mais em: LAGO, Bia Corrêa do. (2001). Augusto Stahl: obra completa em Pernambuco e Rio de Janeiro.
Rio de Janeiro: Capivar
112

Figura 15 - Augusto Stahl, Tríptico somatológico, identificado como Mina Bari, 1865. Coleção Fotográfica de Louis Agassiz,
Série Raças Puras.

Não é a delicada atribuição daquilo que a artista considera ausente, na verdade, é a


forçada necessidade de inserir humanidade e história para essa mulher, de quem nada se sabe.
Destaco, em minha interpretação, a escolha pelo útero fecundado; em diálogo com uma
maternidade limitada durante a escravidão, mas parte essencial do que deve ser assentado,
fixado a imagem da mulher fotografada. Um ventre fecundado, um coração e raízes.
Além disso, a imagem preta e branca contrasta com a força da costura vermelha, dá a
sensação de ferir o olhar de quem é obrigado a refletir sobre a humanidade do corpo nu, exposto
provavelmente contra a própria vontade. A costura para a criadora representa a necessidade de
se reinventar ao chegar em um novo país, ainda que esse refazer-se não seja nunca perfeitamente
realizado. Não é possível colocar no lugar as partes que faltam, só podemos tentar.
As fotografias são acompanhadas de um sonido do mar e imagens de ondas quebrando
transmitidas através de um tablet, posicionado ao lado de pallets que carregam braços e braços
amontoados lembrando lenha para ser queimada (Fig. 16). Falando sobre a longa viagem
realizada pelos escravizados, Rosana Paulino expõe como essa era uma meia morte, "como ser
enterrado vivo". Deixavam suas histórias, para um futuro que talvez terminasse em alto-mar.
Os pallets agrupam as "peças de uma engrenagem" que seriam prontamente substituídas, caso
fosse necessário. Eles recordam também a lenha prestes a ser queimada, nesse caso transportada
de longe.
O interesse da artista em dialogar com a História surge em um processo mais
amadurecido em Assentamento. Paulino se interessa por falar particularmente da posição de
113

mulheres negras no “tecido social”, mas para responder as atualidades a artista acredita ser
necessário retornar aos princípios das narrativas imagéticas construídas na escravidão, é esse
seu movimento. Sua produção nesse contexto não se refere a história de seus familiares, mas
dessas que poderiam ser também uma ancestral dela, caso tivéssemos alguma informação sobre
essa mulher. Evidenciando que é uma história coletiva que a inspira narrar, uma experiência
que mesmo passando centenas de anos não foi rediscutida, que atravessa a experiência de todos
os descendentes de escravizados, restituídos por centenas e centenas de anos de passado e
memória ancestral.
Figura 16 - Paulino, Rosana. Detalhe Instalação Assentamento. Além disso, propõe um debate dentro
Técnica mista. Dimensão Variável. 2013. Acervo pessoal da
da própria arte visual e da produção de
artista.
imagens, ao retomar essas figuras que foram
tão estudadas e propagadas como forma de
justificativa para as desigualdades raciais
que assolavam a população. A artista discute
essas imagens sob os conteúdos que elas não
se propuseram a falar, mas que ao longo das
décadas foi se tornando mais evidente: a
persistência e atualidade do racismo
brasileiro. Mais que isso ela explicita as
diferenças possíveis na construção de
imagens ao atentarmos para a novidade que
a partir da década de 1990 vemos surgirem60,
como a existência da própria Rosana
Paulino.
Então, o que uma artista negra tem a
dizer sobre as imagens produzidas de
mulheres negras até então? Ela encara essa
pergunta, interessada no passado que a
imagem da mulher desconhecida da foto reflete; interrogando-a sobre os elementos que estão
ali nos fazendo refletir. Ainda, a artista brinca com os sentidos das imagens, os redefine; tira do
lugar do interesse científico que as havia forjado, para através de atribuição de elementos

60 A historiadora e crítica de arte Kátia Canton apresenta uma leitura sobre as características que na década de
1990 movimentaram a produção artística visual. CANTON, Katia. Novíssima arte brasileira: um guia de
tendências. São Paulo: Iluminuras, 2001.
114

plásticos dar humanidade para a figura. A arte nesse contexto é utilizada para dialogar com a
ciência, interrogando as narrativas que as imagens expostas criaram e que podem criar agora;
gerando inquietação no espectador.
Nesse processo, o lugar da mulher negra parece haver sido um de ausências a serem
reconstituídas ainda que sempre permeadas por incompletudes e desencaixes. Ao lhe ser
costurado um coração humano, restitui-se sua humanidade; seu ventre fecundado, lhe dá o
direito de ser mãe dos filhos de seu ventre, gestá-lo, cuidá-lo, não é uma mercadoria de outrem.
Assim, restitui-a de seu filho, mas também do corpo gerador. E, por fim, as raízes, pés fincados
à terra emaranhados em raízes firmes, aludem não só à história transatlântica contada por
aqueles pés, mas a firmeza da mulher que se tornou terra fértil para a chegada de outras tantas
mulheres negras até a geração de Rosana Paulino. Uma mulher negra de pés assentados e raízes
firmes em territórios brasileiros, que sob o jugo da escravidão perpetuou a cultura afro-
brasileira.
Destacaria, por fim, as definições de assentamento, do Dicionário Aurélio (2016): 1)
Ato ou efeito de assentar (se); 2) Colocação no seu devido lugar das peças de qualquer
construção; ajustamento, lançamento; 3) Ato ou efeito de fixar-se, de estabelecer residência em
determinado lugar; 4) Ser, ou objeto onde assenta a energia sagrada de qualquer entidade
religiosa afro-brasileira; assento. A escolha da artista não poderia ser mais precisa, há um fio
de condução direta entre o passado representado pela fotografia e a contemporaneidade de sua
instalação. A condução direta é a ancestralidade que conecta a artista e sua produção com a
desconhecida figura. A celebração de Rosana para tal ancestral é, justamente, o acerto de contas
com o passado.
Exponho agora um de seus trabalhos que dialoga diretamente com a figura da mãe-preta.
115

Instalação Ama de leite

Figura 17 - Rosana Paulino. Ama de leite – Instalação. Monotipia sobre tecidos, fitas de cetim, vidros e fotografia digital.
Garrafas e fitas. Dimensão variável. 2007. Fonte Luis Christofoletti.

A instalação "Ama de leite" (2007) (Fig. 17 e 18) é um antigo trabalho de Rosana


Paulino. Distribui-se entre a parte exposta na parede e a exposta no chão. Na parede veem-se
sete impressões em algodão cru do tamanho de folhas A4. Especialidade da artista, as gravuras
reproduzem fotografias do século XIX nos quais destacam-se os crespos e os contornos de
senhoras com crianças nos braços; em claro diálogo com as funções ocupadas pelas mulheres
durante a escravidão, especialmente a ama de leite. As sete imagens que se reproduzem na
parede são monotipias de fotografias que adquiriram notoriedade na historiografia da
escravidão brasileira. Utilizando o mesmo método de Assentamento, a artista apresenta
fotografias de amas-de-leite do século XIX e de escravizados fotografados com fins de
pesquisas cientificas.
É resvalando essas tensões que ela seleciona as imagens, enegrecidas na gravura, não
são os traços do rosto ou os detalhes das roupas quem contam a história das imagens, mas seus
contornos. Induzem a pensar que não é a individualidade que a artista quer destacar, mas uma
116

Figura 18 - Rosana Paulino Detalhes da Instalação Ama de leite. Monotipia sobre tecidos, fitas de
cetim, vidros e fotografia digital. Garrafas e fitas. Dimensão variável. 2007. Fonte Luis Christofoletti.

realidade coletiva vivenciada por aquelas mulheres sem rostos, mas cujo os contornos marcam
a racialização das mesmas, através sobretudo de seus penteados; o cabelo é tanto visualmente,
quanto esteticamente um marcador importante desse processo.
Não são só as monotipias que Paulino expõe, dos seios dessas mulheres partem fitas de
cetim brancas, que conduzem ao chão, ligadas à pequenas garrafas (Fig. 19). A metáfora é clara,
os leites dessas mulheres desconhecidas, sem rostos, mas vinculadas a crianças brancas vão
para os pequenos vidros, dispostos onde os interessados serão demandados algum esforço para
compreender de que falam, já que as botijas não estão esvaziadas. Cheias do cetim branco, estão
coladas nelas outras fotografias do século XIX, agora em preto e branco, são partes de corpos
femininos e pretos, mas não só; também fotografias de mulheres negras com suas crianças
pretas. A artista visual nos impede, no entanto, de reconhecer os rostos dessas mulheres, as
expressões de suas faces estão riscadas. A violência aparece, novamente, eu seu trabalho. Já
que esses riscos nas fotografias, feitos com algum objeto pontiagudo, não escondem a
individualidade de quem está sendo retratado, como no primeiro caso; mas evidenciam algum
processo de apagamento contido na garrafa, que vem das mulheres de contornos negros e rostos
apagados para as mulheres de traços evidenciados, mas violentados. O leite das tantas amas,
não é apenas leite, mas sua brancura acompanha também a agressividade das relações
estabelecidas na escravidão e evidenciadas nas imagens selecionadas pela artista. Não é o todo
de um corpo, mas as partes. Não é um rosto, mas sua presença, que impulsionam o entendimento
117

de que não há uma relação afetuosa entre a mulher que amamenta e o produto expelido de seu
corpo.
Figura 19 - Rosana Paulino Detalhes da Instalação Ama de leite. Monotipia sobre tecidos, fitas de cetim, vidros
e fotografia digital. Garrafas e fitas. Dimensão variável. 2007. Fonte Luis Christofoletti.

As amas de leite são o exercício de Rosana Paulino para analisar a passagem do tempo
entre ser uma ama de leite escravizada e não ser uma mulher negra escravizada, mas ainda estar
amarrada ao passado de ama. Nas fotografias expostas ao chão já não é possível datar, os cortes
e riscos, impedem a identificação, mas mais uma vez não é ao indivíduo que a criadora quer
destacar; e sim o que estava presente no aleitamento realizado para essas mulheres vultos, para
além do leite, expurgavam nas garrafas as violências vivenciadas através da existência de suas
descendentes.
A instalação promove uma sucessão de reflexões através de estímulos da sua
visualidade, mas também de sua disposição no espaço. Para observar as fotografias riscadas é
necessário abaixar-se e aproximar-se delas, Rosana faz com que seu público se curve diante das
fotografias para que possam compreendê-las. Na tentativa de acertar as contas com a história a
obra da artista passa pelo seguinte diálogo: há uma experiência ancestral coletiva transmitida
para os negros que é marcada pela violência racial e invisibilização da individualidade. Tal
processo deve ser visto principalmente a partir do lugar ocupado por mulheres negras,
responsáveis por amamentar as crianças brancas, mas também suster a vida das pessoas negras
118

que seriam as descendentes portadoras dessa história de dor, mas também de permanência de
lugares. É possível pensar em resiliência entre essas mulheres que conduzem a perpetuação de
suas histórias através do processo de amamentação que passa a ser um vínculo fisiológico e
cultural na garantia da existência das crianças brancas, mas também da população negra, tanto
do ponto de vista econômico, quanto biológico. Foram as mulheres negras quem durante a
escravidão e após ela mantiveram viva a existência de pessoas negras no Brasil.
Não é propriamente a função de ama que interessa à Rosana Paulino, mas o lugar social
de mulheres negras na atualidade frente ao passado escravocrata, nas palavras da artista:

“apesar dela (a ama de leite) aparecer várias vezes no trabalho ela não é um ponto
central, porque a ideia é pensar a mulher negra na sociedade brasileira. Eu queria
pensar como se deu essa passagem por exemplo da ama de leite pra babá, da mucama
pra empregada doméstica, ou das mulheres que trabalhavam nos canaviais, nas
plantações pra essas que acabam migrando pra ser empregada doméstica, trabalhar
dentro do lar, ou outras funções.”

Com o objetivo de compreender a sociedade brasileira, ela traz para sua obra diálogos
importantes sobre como o período escravocrata marcou o processo de formação racial das
pessoas negras. O avançar dos anos em seu trabalho traz cada vez mais a presença do racismo
científico para sua produção, no sentido de oferecer diálogos entre a biologia e a antropologia,
discutindo a própria noção de raça que essas ciências já adotaram e questionando-as. Rosana
Paulino coloca o corpo desnudo de mulheres negras em suas telas, levando seu público a lidar
com o desconforto causado pela intimidade forçada que as fotos provocam. A artista dialoga
com a objetificação do corpo feminino negro lidando com o duo exposição x humanização, a
nudez exposta outrora de um ser menos que um humano não importava, mas ao inserir nele um
coração, ao apagar seus traços, ao riscar seu rosto, torna-se violento expor da mesma forma.
Indo mais além, a mesma questiona a recepção do mercado de trabalho à essas mulheres
ao findar a escravidão, questiona os papéis atribuídos a ama de leite e as consequências de sua
participação na formação nacional, mas, sobretudo, expõe a centralidade de suas funções. Outro
ponto a ser destacado é que a artista trabalha muito a partir da intervenção em fotografias antigas
para expressar a brutalidade das ações no período, mas que segue até os tempos de suas
antepassadas diretas [como vemos em Bastidores (Fig. 11)]. Quando chegam aos dias atuais
ainda é pela necessidade de serem expostos de forma igualmente brutal. Rosana propõe uma
plástica que externaliza a dor. Seu pioneirismo é destacável a partir desse ponto.
É o primeiro nome que adquire projeção nacional e internacional lidando com temáticas
referentes a gênero e raça, e assim a artista abre um caminho para as que a sucedem falarem
sobre temas que haviam sido até então completamente ignorados na produção artística nacional,
119

ao interpelar as fotografias que foram utilizadas para justificar as diferenças entre negros e
brancos.

5.1.2 Renata Felinto

Renata Aparecida Felinto dos Santos é artista plástica formada pela Universidade
Estadual de São Paulo – UNESP, pela mesma universidade tornou-se como mestra e doutora
em artes visuais e, atualmente, é professora do setor de teoria da arte da Universidade Regional
do Cariri no Ceará. A artista, que completa quatro (40) décadas em 2018, é um dos nomes que
movimenta o cenário da cidade de São Paulo quanto à produção de artistas negros, tanto do
ponto de vista da escrita e crítica, quanto da produção. Tornou-se referência para quem investiga
o tema. É parte do Conselho Editorial da Revista OMenelick 2º Ato61, que realizou ações de
destaque na área de artes visuais, como o seminário “Territórios: Artistas Afrodescendentes no
Acervo da Pinacoteca”, que integrou a programação da mostra homônima em 2016; também o
lançamento da edição especial em parceria com a revista Contemporary and (C&), plataforma
de artes internacionais de uma perspectiva africana. Além disso, foi colaboradora do Museu
AfroBrasil entre 2004 e 2011 como coordenadora do Núcleo de Educação.
Para além disso, a artista tem uma ação como ativista de temas raciais importante, tendo
sido a provocadora de atos artísticos em momentos de impacto na história recente do país.
Renata Felinto foi quem impulsionou o ato político e cultural “A paixão de Claúdia” em 2014,
que reuniu uma série de artistas de diferentes linguagens na cidade de São Paulo após o
assassinato da carioca Cláudia da Silva Ferreira pela polícia militar do estado do Rio de Janeiro.
Enquanto articuladora política, também foi a organizadora do “Axézaço”, em 2015, ato cultural
e político em rechaço a atos de violência motivados por intolerância religiosa que haviam
acontecido também na cidade do Rio de Janeiro.
Entre esses anos a artista desenvolveu-se como pesquisadora da área de artes visuais,
tendo publicações sobre artistas mulheres negras, além da atuação como professora
universitária, antes no Centro Universitário Belas Artes e agora na Universidade Regional do
Cariri – URCA (Santos, 2013; 2017). Como artista circulando sem a representação de galerias
de arte o trabalho de Felinto enfrenta dificuldades para ser exposto em Feiras, realizar
exposições individuais, entre outras dificuldades; tal fator não é exclusividade da artista, hoje

61
A revista atua desde 2007 como um projeto editorial independente de promoção da produção artística da diáspora
africana. Ver mais em: http://omenelick2ato.com/revista/
120

apenas 10 artistas negros são representados por galerias de arte no país, e tal levantamento é
parte da pesquisa de doutorado da própria.
Por isso também, a importância de jogar luz sobre suas produções artísticas e a plástica
adotada por uma mulher negra que atua dentro das artes como uma ativista das questões raciais,
posicionando-se em sua produção, mas também fora dela. As linguagens utilizadas por Felinto
são múltiplas, fotografia, performances e foto-performances, pintura e colagens, e outros.
Acredito que, assim como para Rosana Paulino, os materiais utilizados para a produção artística
estão em função do sentido que a artista quer produzir.
Em um primeiro momento de sua produção, ainda durante a graduação, a artista iniciou
a série “Re-Existindo” (Fig. 20 e 21) em 2001, um conjunto de fotomontagens realizadas a
partir do acervo fotográfico de sua família. Na descrição da artista seu objetivo era falar sobre
os espaços de sociabilidade de famílias negras paulistanas. É inevitável, no entanto, estabelecer
pontes entre o trabalho feito por Felinto e Os bastidores de Paulino; ambas as artistas
demarcando um processo de colocar em foco suas referências familiares. Nessa série da artista
que foi também o seu trabalho de conclusão da graduação, o movimento que interessou a artista
foi descobrir o passado de sua família e de conhecidos, fazendo uma árvore genealógica por
imagens, impulsionada pela curiosidade de como o processo de racialização, o “ser negro”
impactou sua família.

Figura 20 - Renata Felinto. Série Re-Existindo. Filhos de Cam, decalque, guache e lápis dermatográfico, 2004. Fonte: Acervo
pessoal da artista.
121

O link com o trabalho de Paulino foi feito também pelo professor da artista na
universidade, que apresentou as duas artistas, Renata Felinto afirmou, no entanto, que embora
ambas estivessem utilizando uma base técnica similar, isto é, as fotografias de suas familiares,
o que as motivava era diferente. Se por um lado, Rosana Paulino afirmava as permanências
silenciadoras do processo escravocrata, Felinto estava interessada em descobrir os silêncios que
sua família guardava. Acredito, colocando o trabalho das duas artistas em perspectiva, que as
relações entre eles são principalmente a demanda de começar pela própria história o processo
de reinventar uma estética que define padrões de representação. Quero dizer com isso, que se o
processo de racialização dessas mulheres é marcado pela forte presença familiar como formador
racial, esse é o ponto de partida também na autodefinição delas; ainda que tal elemento não se
mantenha posteriormente em suas produções. Não à toa a produção imagética do início da
carreira de ambas passa por um reencontro com a imagem familiar.
Uma das imagens que destaco dessa série de Renata Felinto, é a intitulada Filhos de
Cam (Fig. 20), as fotografias em preto e branco expõem do lado esquerdo um senhor com
roupas brancas, pintadas bruscamente de vermelho, em sua cabeça um círculo da a impressão
de uma aureola escura em sua cabeça. Escrito na fotografia “A maldição de Cam”, do lado
direito oito fotografias 3x4 com os dizeres seus filhos apresentam os filhos do senhor ao lado,
borrados de vermelho e com chifres pintados em suas cabeças. Nessa fotocolagem mais um
diálogo com a história da arte e tema já apresentado aqui é estabelecido; se para Modesto
Brocos, a redenção de Cam são os filhos de mulheres negras cada vez mais brancos, para Renata
Felinto, os filhos de Cam seguem vivos e escuros.
A foto - que é de 2004, alguns anos depois do início da série - se propõe a um diálogo
com o mito de Cam; que diz que um dos filhos de Noé foi punido por Deus por sua embriaguez,
sendo marcado com a pele escura, assim como seus descendentes, que sofreriam com castigos
divinos pelos erros de seus antepassados. Felinto insere essa fotomontagem na série
relacionando as condições sociais de sua família com a ideia de que é “natural o sofrimento
imposto para a população negra”.
122

Figura 21 - Renata Felinto. Série Re-Existindo. Made in Brazil, decalque, guache e lápis dermatográfico,
2004. Fonte: Acervo pessoal da artista.

Outro trabalho que apresenta a produção de Renata é o projeto da artista “Também quero
ser sexy!” (Fig. 22), realizado no ano de 2012 e que incluí vídeo-performance, foto-performance
e pinturas. O projeto possuía o objetivo de discutir o que é beleza e os padrões de feminilidades
impostos. Renata estabelece muitas pontes para a realização da performance em vídeo, na
prática constitui-se dela andando pela rua Oscar Freire de cabelos loiros e com o rosto pintado
de branco; assim alude a referências como o fenômeno do “blackface62” e também questiona
uma relação com o espaço da cidade, sobre quem circula em determinados espaços e,

62Blackface se refere à prática teatral de atores que se coloriam com carvão para representar personagens afro-
americanos de forma exagerada, geralmente em minstrel shows norte-americanos. A prática era costumeira no
século XIX e contribuiu para a proliferação de estereótipos raciais.
123

principalmente, evidencia os padrões estéticos que excluem a possibilidade de que a artista seja
lida como bonita.

Figura 22 - Renata Felinto. Foto-performance Também quero ser sexy!, 2012. Acervo
pessoal da artista.

Destaco esse trabalho como um exemplo do movimento feito por Renata Felinto de se
colocar em tela. A artista afirma que a interessa trabalhar sobre os temas relacionados à
população negra a partir de si mesma e suas próprias vivências, um ponto de partida interessante
quando observamos que a imagem de Felinto passa a ser utilizada na maior parte de seus
trabalhos, seja como performance, seja como retrato e autorretrato. Esse movimento me inspira
124

a reflexão de que rever estereótipos, tal como a artista faz em “Também quero ser sexy!”, parte
do questionamento da própria figura da artista, o ponto de partida só poderia ser ela mesma e a
experiência do impacto desses padrões de feminilidade.
Gostaria de destacar, especificamente seus trabalhos que dialogam sobre a relação com
a maternidade. Em um primeiro momento a série fotográfica de 2013, “Meu Bebê” (Fig. 23, 24
e 25), no qual a artista já em um momento avançado de sua primeira gestação, fotografa a si
mesma desnuda e com uma figura colada em seu ventre, na mesma posição em que está seu
Figura 23 - Renata Felinto, Tríptico "Meu bebê" (Imagem 1), 2013, bebê internamente. Mas a imagem que
fotografia colorida. Acervo pessoal da artista. vemos no ventre da artista é de um
brinquedo infantil, uma boneca branca
e de cabelos loiros; que a acompanha
nas outras fotografias da série. Durante
a gestação, a espera de seu primeiro
filho, o tema na cabeça de Felinto
parece ser justamente a educação
feminina e como as mulheres são
preparadas desde muito novas para
lidar com a maternidade sem pensar
raça, isto é, um mundo que não
racializa as experiências, pautando-se
pela existência de ser branco como se
fosse única. Não prevê as diferenças de
processos para uma mãe negra, que
desde tenra idade brinca e imagina a
maternidade com uma boneca branca.
A boneca plástica, com quem Renata
brincava quando pequena,
contrastando com sua barriga preta
instiga a reflexão; a artista faz ainda uma cena de amamentação com a boneca e a imagem de
um ultrassom que no lugar de seu bebê aparece a mesma boneca. O tríptico da gestação fala
sobre “os brinquedos que preparam as meninas para a vida adulta e realizam a manutenção dos
lugares das mulheres na sociedade contemporânea”.
125

Discutir então os sentidos de permanência no trabalho de Felinto é inevitável, mas em


um lugar bem distinto do feito pelo trabalho de Paulino, aqui não há uma ligação com a herança
Figura 24 - Renata Felinto, Tríptico Meu bebê (Imagem 2), 2013, escravocrata que apareça na estética das
fotografia colorida. Acervo pessoal da artista. fotografias, mas sim nos diálogos
realizados. A maternidade negra,
enquanto tema suscita uma série de
reflexões, como as já citadas no capítulo
anterior, mas a relação entre mãe negra e
filho branco é especialmente recorrente;
ainda que sua produção não dialogue
com as funções que durante a escravidão
foram recorrentes para mulheres negras,
Renata Felinto tem por objetivo falar
sobre a permanência de lugares para as
mulheres, a partir das interações que são
impulsionadas desde muito tenra idade.
O que as mães pretas do século XIX e a
do século XXI trazem de diálogo? É essa
a pergunta que conduz meu olhar para
observar esse primeiro trabalho, a artista
parece destacar sua inexperiência com a
maternidade, os medos que advém dessa
novidade em sua vida pessoal levam a
questionar seu preparo para vivenciá-la e cair justamente no fato de que o filho esperado é,
completamente, diferente dos filhos que quando pequena ela foi educada para ter.
Assim, dentro da lógica do sistema patriarcal que impõe sobre as mulheres a missão de
ter filho como parte essencial de ser mulher, a função quando relacionada a mulheres negras
torna-se complexa. Muito embora tenham sobre seus corpos a expectativa de cuidadoras, sejam
as babás, as cozinheiras, as responsáveis pela limpeza; é difícil imaginar um jovem de classe
média, por exemplo, que não tenha em sua infância a memória de uma cuidadora negra,
lembrança terna. Apesar disso o processo de aprendizagem do cuidado maternal, para mulheres
negras é pensado não sobre a gestação de seus próprios filhos, mas sobre as crianças brancas
para quem elas irão trabalhar. A relação exposta pela artista com a boneca expressa um
126

problema complexo e que só a interseccionalidade pode dar conta de explicar. Isso porquê há
que se criticar a ideia de que mulheres são corpos feitos para gerar crianças, mas também criticar
porquê mulheres negras não são vistas dessa forma, ou ainda, porque não há preocupação em
educar mulheres negras para gerar seus filhos? E um exemplo disso seria pensar as bonecas
negras. A questão que pode parecer menor é um elemento que desperta o processo de
racialização em outras mulheres negras, Rosana Paulino também aponta como se questionava
sobre a inexistência de bonecas negras. Partindo da ideia de que esses brinquedos existem para
preparar uma mulher para essas funções, a quem não interessa que tenham bonecas pretas? A
quem não interessa que mulheres negras se dediquem a brincar de cuidar de filhos seus? E
quando uma mulher negra atinge esse momento em sua vida quais são os conflitos que a
mobilizam? Renata parece responder a esses questionamentos. Há um imaginário que se cria
em torno da gravidez que não prevê o nascimento, cuidado, atenção às crianças negras. De
forma que a pergunta que parece gritar é: pode a mulher negra ser mãe de um filho preto?

Figura 25 - Renata Felinto, Tríptico Meu bebê (Imagem 3), 2013, fotografia colorida. Acervo pessoal da artista.
127

“Embalando Matheus ao som de um hardcore”

Figura 26 - Renata Felinto, Série Embalando Matheus ao Som de um A série (Fig. 26, Fig. 27 e Fig.
Hardcore. Técnica Mista. 2017 Fonte Revista Dusie. 28), iniciada em 2017, e ainda em
curso de produção reflete a relação de
Renata Felinto com a maternidade
em outro momento de sua vida. O
trabalho compartilha frases escutadas
por mãe negras e sozinhas, isto é, sem
ou com pouca presença dos genitores
(nos termos da artista) das crianças.
Em um momento em que ser mãe de
duas crianças pequenas, vivendo em
um estado diferente de seus
familiares e retornando à produção
artística com centralidade; a
maternidade surge com força no
trabalho da artista.
O trabalho reúne 25
pôsteres/colagens que agrupam notas
fiscais, recibos, comprovantes de
comprar realizadas entre março de
2016 e março de 2017 para suprir as necessidades básicas dos filhos, tudo financiado por
Renata. As peças reúnem fotografias das crianças, mas também das bisavós, avós e a própria
artista com seus filhos nos colos, como na figura abaixo em que aparece a mãe, com o dito
“embalou cinco”.
A frase que dá título ao trabalho faz referência ao dito popular brasileiro “quem pariu
Mateus que o embale”, ou ainda “toma que o filho é teu”, nesse processo a artista coletou
depoimentos de outras mães negras para inserir e inspirar seu trabalho. As frases foram
publicadas na revista Dusie, da San Francisco State University, junto a uma parte das colagens,
algumas delas foram:
128

‘Também uma mãe como você.’‘Eu te avisei.’‘Agora somos eu e você as separadas da


família.’‘Você é muito difícil, homem é assim mesmo, tem que relevar.’‘Ninguém colocou
uma arma na sua cabeça para você transar com ele.’‘Quem pariu Mateus que o embale.’‘Tu
que é da beira virada. Vou te devolver pra sua mãe.’ ‘Você pariu, você que crie.’‘Aí, oh, toda
sua, saiu você.’‘Pare de chorar (dor), ano que vem você vai chorar de novo (parir). Ceis
gostam.’‘Você escolheu isso.’‘Você é muito difícil. Não sabe que tem que mudar pra ter
homem?’‘Quem pariu Mateus que balance o berço.’‘Homem nenhum vai te agüentar. Você
tem o gênio muito forte.’(...) (FELINTO, 2018, p. 64)

O trabalho de Renata Felinto


Figura 27 - Renata Felinto, Série Embalando Matheus ao Som de um
Hardcore. Técnica Mista. 2017 Revista Dusie.
versa sobre uma experiência pessoal
e que é também compartilhada com
uma série de outras mulheres, como a
artista demonstra a partir das frases
coletadas. Conversa com assuntos que
o feminismo negro trará com
centralidade sobre a experiência de
maternidade para mulheres negras,
pautadas pela solidão e abandono
parental. Na produção artística, a
artista estabelece uma relação direta
entre quanto lhe custa a criação de
seus filhos frente ao discurso de que
“escolhe errado!”, quer a frase se
refira a homens ou decisões gerais da
vida. A artista guardou notas fiscais ao
longo de um ano inteiro, com elas
produziu as colagens que vemos
expostas. A maternidade no século
XXI, superando a fase inicial das
imagens de “Meu bebê”, no caso da artista, é acompanhada de desenvolvimento profissional,
possibilidade de engajamento político-social, mas também de denúncia a processos de
abandono e exclusão que os acessos que a fazem parte de uma minoria da população negra no
Brasil não reequilibram. Com isso quero dizer que embora Renata seja parte de um grupo
altamente escolarizado e inserida no mercado de trabalho em uma posição de prestígio, isso não
a afasta de realidades convencionais das periferias brasileiras, não a afasta da experiência de
mulheres negras. Uma popular representação da realidade de mulheres negras enquanto chefes
de família sozinhas é a canção dos Racionais MCs: “Uma negra e uma criança nos braços,
129

solitária na floresta de concreto e aço.” Os versos de Mano Brown repetidos incansavelmente


nos anos 1990 ainda são uma realidade que circunda mulheres negras. Nas palavras da artista:

“Quando eu me separei e fui lá pro Ceará, eu fiquei um bom tempo e ainda sou a
pessoa que dá conta de tudo em relação às crianças (...) E eu estava muito revoltada
com essa coisa patriarcal de que a mulher fica com os filhos e o cara faz o que ele
quiser (...) quantas histórias a gente não ouve, né? ‘Ah, meu avô tinha duas famílias.
Ah, porque meu pai deixou minha mãe sozinha e eu fui criada pelas minhas tias.’ E
como os homens negros jovens, que tem informação, que não são os homens da
geração do meu pai que não tinham tanta informação reproduzem isso aí, blindados
pelo machismo mesmo. E incrível que percebem as situações das próprias mães, mas
reproduzem isso com outras mulheres.”

Movimenta o interesse da autora especificamente a situação que ser “mãe solo” a leva,
se a obrigação de embalar Mateus existe, o som que acompanha não é canção de ninar, mas um
hardcore; que explicita a violência
Figura 28 - Renata Felinto, Série Embalando Matheus ao Som de um
Hardcore. Técnica Mista. 2017 Revista Dusie. do abandono. A maternidade negra
é a construção de novos modelos
familiares e as produções de Renata
Felinto vêm apresentar o tema. A
inspiração para realizá-la foi
justamente a necessidade de
guardar os recibos de seus gastos
para serem comprovados nas
audiências de pensão.
Além disso, a relação com
as gerações passadas e com seus
familiares aparece fortemente nesse
trabalho. Há uma relação
estabelecida entre as mulheres que
embalam suas crianças, quantas
sejam as crianças, as mulheres
negras da família da artista
compartilham o hardcore que entoa
a criação de seus filhos.
Há uma diferença entre a Renata que esperava o primeiro filho e realizou a série Meu
Bebê e a artista que enfrenta a maternidade no trabalho Embalando Mateus..., os temas que se
refletem no primeiro partem do macro e como o meio externo influencia a particular expectativa
de se ter um filho, no segundo caso é a própria experiência de ter filho que impacta
130

negativamente na vida da artista, um trabalho que fala sobre condições materiais que incitam
para ela violências de se ser mãe e negra.

“Acho que tem uma conta que a gente paga quando escolher ser mãe. E eu falo pra
todas as mulheres pensarem muito se elas vão ser mães, porque vai demorar pra essa
conta ser dividida direito. (...) então eu fico pensando nesse ônus que a gente não
conversa da maternidade, que é muito hardcore, não é música de ninar.”

5.1.3 Juliana dos Santos

Por fim, apresento o trabalho de Juliana dos Santos, abordando duas produções da artista
que se relacionam diretamente com a temática do trabalho. Diferentemente da discussão das
outras artistas, não introduzo aqui outros trabalhos de Santos, a fim de dar um panorama mais
amplo do tipo de produção realizado. Isso porque o desenvolvimento profissional dela é o mais
recente dentre as artistas selecionadas e são poucos os trabalhos expostos e divulgados
pertinentes à dissertação. A artista retornou para a produção de artes visuais com força após o
fim de seu mestrado no ano de 2017, de modo que o tempo de amadurecimento de muitos de
seus trabalhos têm sido concomitantes com a conclusão da pesquisa. Trago aqui duas obras com
as quais a artista circulou em exposições e compartilho a impressão de que ainda virão trabalhos
de muito impacto de Juliana dos Santos nos próximos períodos. Agora passemos as peças!
Juliana dos Santos iniciou 2018 realizando sua primeira residência artística na Europa,
na Academy of Fine Arts Vienna, a experiência era consequência da relação já estabelecida
com a escola em duas exposições anteriores, a apresentação da performance MESH,
apresentado em forma de vídeo-performance e realizado na abertura da exposição “Welt
Kompakt”. Seus trabalhos foram apresentados, entre outros, no Festival BOUGE B, em
Antuérpia, na Bélgica (2018) e participaram da exposição “Entre o Azul e Aquilo Que Não Me
Deixam Esquecer”, na Biblioteca Academia de Belas Artes de Viena, Áustria (2017), bem como
das coletivas “Não podemos construir o que não conseguimos imaginar primeiro”, Temporada
de Projetos do Paço Das Artes, no Museu da Imagem e do Som (MIS) de São Paulo (2017-
2018). Mas, antes disso, foi através do trabalho Qual é o pente? (Fig. 29 e 30), que a artista
chegou a Universidade de Belas Artes de Viena, na exposição “Weiterleben”, com curadoria
do brasileiro Thiago de Paula, o trabalho foi exibido como vídeo e foto performance na capital
austríaca no final de 2016. Sua primeira apresentação foi no ano de 2014, como performance
de encerramento do Seminário Quilombo Mulheres Negras, na universidade em que a artista se
formou e que a época finalizava a graduação.
131

Figura 29 - Juliana dos Santos. Foto-Performance Qual é o O trabalho de Juliana consistia em um


pente? 2014 Acervo Junior Ahzura.
processo de alisamento de seus cabelos a ferro
quente, por sua mãe e/ou por sua vó, ao findar
a artista jogava água com um balde e vemos
seu cabelo retornando ao formato natural. É
importante ressaltar como essa produção foi
uma virada na relação da artista com sua
carreira. Porque, apesar de só ter sido exibida
em três momentos, a projeção adquirida fez
com que a artista chegasse em pesquisadoras
e curadoras trabalhando na cidade de Nova
York, fosse a Vienna e mesmo aqui no Brasil
recebesse contatos importantes interessados
em exibir seu trabalho; fatores que a
motivaram a retomar a produção, para além
do trabalho como educadora.
Os trabalhos de Juliana que cabem
como destaque aqui foram selecionados a partir do próprio amadurecimento da artista nos
últimos anos em que esta pesquisa se desenvolveu, saindo do lugar de pesquisadora em artes
para produtora artística, os temas que a mobilizam cruzaram diretamente os interesses da
pesquisa. Em seus trabalhos recentes,
Figura 30 - Juliana dos Santos. Performance Qual é o pente? 2014
Acervo Mayara Tutumi
corpo e presença são temas constantes,
Juliana fala de si a partir do uso de sua
própria imagem. A performance Qual é o
pente? atravessa diferentes camadas da
experiência dela no mundo, sendo elas: a
relação conflituosa com o cabelo crespo,
o afeto e dor trocado no processo de
alisamento realizado pela sua vó e a
constatação de que a cada processo
desses não é só o cabelo quem demora
para retornar ao tamanho normal, mas a
própria artista e suas familiares.
132

A artista relata como deixou de realizar o trabalho ao perceber que a compreensão do


público sobreo processo que ela estava realizando limitava-se ao cabelo e as dinâmicas raciais
que forçam alguém a alisá-lo, quando na verdade, lhe interessava mais falar sobre a relação
com sua avó e mãe, como as experiências dessas três mulheres negras revestiam-se em cuidado,
mesmo que não fosse da maneira esperada; isto é, Juliana dos Santos queria falar sobre como
se viu obrigada a alisar o cabelo, ou incomodando suas familiares por não alisar, apesar disso,
essa demanda de suas parentes era na verdade uma preocupação em fazer a neta ser socialmente
aceita. Coisa que se daria com um cabelo alisado, mas não com um cabelo crespo volumoso e
que chamasse atenção.
Diante da impossibilidade de controlar as interpretações e caminhos que a performance
adquiria a partir daí a artista optou por deixar de realizá-la. Mas seguindo com a apresentação
das fotos-performances e desenvolvendo outros trabalhos.

Clitórea

Figura 31 - Juliana dos Santos. Instalação Clitórea, Na exposição “Não podemos construir o que
Técnica Mista, 2017. Acervo Thaís Santos. não podemos imaginar primeiro”, o
amadurecimento da artista em seus temas e
interesses é evidenciado na exposição curada por
Jota Mombaça e Thiago de Paula, apresentada no
Museu de Imagem e Som – MIS. A instalação
Clitórea (Fig. 31 e 32) é um trabalho em etapas, de
significados e plástica. Delicado, o trabalho conta
muitas histórias, fazendo jus ao nome da mostra em
que foi primeiramente exposto.
Assim, nele, uma tela azul exibe a flor
Clitórea em contrastes brancos e mais abaixo uma
foto da mãe da artista construindo uma parede de
tijolos. Embaixo da tela um vaso contém a flor e
alguns dentes de alho, a depender do período em que
se frequentara a exposição têm-se uma diferente
visão dessa planta. A flor que lembra, e daí a origem do nome, a vulva é uma clara alusão da
artista ao prazer da mulher. O clitóris é o único órgão cuja única função é dar prazer; a cor azul
que invade a tela e o olhar tranquilizam quem vê. Para além da sensação que o azul desperta, a
133

eleição dele associa-se para a artista com a sensação de cura que atentar-se a si mesma pode
trazer, ao olhar para si mesma enquanto mulher: prazer, cura e a mãe surgem na estética
proposta pela artista. A foto de sua mãe construindo uma das paredes de sua casa, remete aos
diálogos apresentados por ela, sobre a dedicação das mulheres de sua família, especificamente
sua mãe e avó para o desenvolvimento de sua trajetória e, nesse caso, mais, sua construção
como mulher.
De acordo com Juliana dos Santos, a ideia era trazer a polissemia para sua produção.
Após enfrentar a intensa exposição de seu trabalho sobre possibilidades de interpretação que
não estavam aliadas com as ideias da produtora para a performance, a ideia de produzir um
trabalho que de fato oferecesse ao público mais elementos para compreendê-lo à sua maneira
foi a escolha. Isto é, no entendimento da Figura 32 - Juliana dos Santos. Detalhes Instalação Clitórea,
artista, Qual é o pente? tornou-se uma Técnica Mista, 2017. Acervo Thaís Santos.

produção panfletária, que a deixava


limitada ao tema do cabelo enquanto
elemento importante de racialização,
mas que não aludia a outras relações que
ela queria tratar. Nesse caso, a crítica da
artista parece salientar o fato de que o
público estaria mais preparado para
lidar dentro do par branco x negro,
entendendo suas obras dentro dessa
chave, mas sem a mesma habilidade
para compreender quando a artista fala
sobre a relação negra x negra, isto é, a
tensão com suas familiares.
A partir daí a produção seguinte
da artista apresenta uma série de
estímulos reflexivos e que parecem
responder a pergunta do texto de
abertura da exposição: “É possível trabalhar na criação de realidades que possam escapar das
operações hegemônicas de poder?” Para responder essa pergunta, Clitórea fala sobre uma
jovem mulher negra e seus temas, que não trazem a violência ou abandono, mas o prazer e a
história partilhada com outrem, mesmo quando esse outrem é a própria mãe.
134

A conversa com Santos sobre Clitórea se deu antes da primeira exibição da instalação
no MIS e durante a estadia da mesma em Viena, tal processo foi concluído com uma exposição,
intitulada “Entre o Azul e Aquilo Que Não Me Deixam Esquecer”; quando a artista falou sobre
esse processo, o peso da racialização veio de outra forma nessas peças. Muito embora o
interesse dela fosse falar sobre outra experiência de ser mulher negra, calcada na força feminina
e independência para o prazer os meses de residência artística foram concluídos sob a reflexão
de que embora houvesse esse desejo de transbordar os temas, ainda havia a pele preta chegando
primeiro nas relações e impossível de ser esquecida. Tais fatores surgiram na conversa, mas
impossíveis de ser analisados para essa dissertação, na medida em que a artista está em meio
ao processo de compreendê-los e dar formas plásticas.

5.2 Amarrando a linha e costurando os laços: redefinindo a mãe preta

Observando as produções dessas mulheres alguns elementos surgem com mais


pungência: a primeira é a construção da mãe-preta como uma representação da ancestralidade
que fortalece essas mulheres.
No capítulo 4 observamos a importante presença da relação com a mãe, tias e avós na
vida das três artistas, o que segue acontecendo quando olhamos para as produções plásticas,
sobretudo de Rosana Paulino e Juliana dos Santos; ambas se apoiam nas relações familiares
para produzir uma estética. Esse é o principal cruzamento entre as trajetórias dessas mulheres
e suas escolhas de produção plásticas. Um importante exercício da produção estética das três é
versar de alguma forma sobre a relação ancestral que possuem.
Aqui observamos mais fortemente como essas mulheres se autoavaliam, estabelecendo
um sentido a partir da ordem em que elas foram apresentadas, diria que esse processo se dá em
três etapas: Primeiro há um processo de compreensão do passado escravocrata e de sua presença
nas relações sociais atuais que é trazido fortemente pela produção de Rosana Paulino; segundo
há a apresentação de problemas atuais da mãe-preta, os problemas pessoais de Renata em sua
relação com a maternidade transbordam-se em seus trabalhos e se apresentam como temas
coletivos enfrentados pelas mãe-pretas; e, por fim, em terceiro lugar a relação com a mãe-preta
possibilitando questionar a os lugares de servilismo e buscar o prazer.
Na obra de Paulino, o fio que a unifica com as mulheres negras anteriores a ela, no
primeiro momento de sua produção, atravessa suas relações familiares, mas não para aí. Sua
estética caminha no sentido de questionar os estereótipos raciais que moldam ainda hoje a
existência de mulheres negras, e para isso a artista significa a memória das escravizadas que
135

foram registradas em obras visuais de outrem. Isso aparece aqui como um diferencial de sua
produção, há um diálogo direto com a história da arte e ciência brasileira. Para Felinto, a
produção em primeira pessoa já é uma autoavaliação significativa, principalmente porque,
nesse caso, a artista aborda o tema da mãe-preta sob a perspectiva das dificuldades que essa
mulher enfrenta. Material que não existiu nas produções apresentadas no segundo capítulo e
em toda discussão sobre a construção da imagem de controle, assim apresentar os conflitos da
mãe-preta na perspectiva da mãe-preta já é ressignificá-la. E, no caso da produção de Renata
Felinto, passa por um primeiro sentimento de despreparo para receber o filho negro, para depois
já com o filho negro em seu colo sentir a solidão e responsabilização que vem através da
ausência do pai negro e também de uma culpabilização da mãe-preta. Muito semelhante ao
estereótipo da matriarchs, não pela dedicação ao trabalho com crianças brancas, senão que pela
relação de culpa que se estabelece diante da maternidade. Algo expresso pelo título e frases
escolhidas para estampar a obra Quem pariu Mateus que o embale. E, por fim, não é de se
estranhar que os temas das produções de Juliana dos Santos, a mais jovem dentre as artistas,
passe por repensar a relação com as familiares e propor-se ao prazer sexual. Nesse sentido, a
artista nega o lugar da mãe-preta na relação com a criança negra, mas também apresenta outros
conflitos que se estabelece com sua mãe e avó. A diferença de pensamento sobre como lidar
com o cabelo crespo, que é reflexo de uma proteção que para Juliana se mostra violento,
apresenta uma relação que não se limita ao cuidado e afeto, mas a complexidade de processar
a racialização. Em outro ponto, Juliana nega também o lugar de sexualização a partir do
interesse masculino. E propõe pensar a sexualidade feminina e negra a partir de si mesma, com
isso a mulher negra deixa de ser o corpo através do qual se apaziguam os conflitos raciais para
ser um corpo de si própria.
136

6 Considerações Finais

O empreendimento de pesquisa realizado aqui passou por apresentar alguns conceitos


chaves que nortearam a discussão ao longo de toda a dissertação, para em seguida apresentar
como as artes plásticas construíram uma ideia de mãe-preta e depois chegar às mulheres negras
e a produção delas. Nesse exercício, ressaltaria como as imagens são capazes de reforçar,
produzir e ressignificar imagens de controle que estão postas a partir de estereótipos raciais.
Ressaltaria também que há uma potência a ser cada vez mais investigada nas produções visuais
de mulheres negras que se dedicam em cada vez maior número (de mulheres e obras) a fazer
artes plásticas na busca pela autodefinição e autoavaliação.
Até onde essa pesquisa chegou e com as perguntas propostas ao início, respondo que a
mãe-preta é uma imagem de controle que, pelos pontos elencados aqui no capítulo 3, é revista
por mulheres negras para ser afirmada sob o ponto da centralidade dessa figura como um pilar
da vida das artistas aqui citadas e uma peça que perpassa suas produções sob mais de um
sentido. Perpassa suas produções pela ideia de ancestralidade, humanização e liberdade.
Escolho essas três palavras para dar conta da complexidade do conteúdo apresentado no
capítulo quatro, são temas que perpassam a obra das três mulheres.
Reduzir tais produções a partir de uma conceitualização e estabelecer quem é mãe-preta
para as mulheres negras pareceria ir contra aquilo que foi discutido até aqui sobre a imagem de
controle como um estereótipo racial que tem o objetivo de limitar as possibilidades ao instituir
aquilo que um grupo social deve ser. A mãe-preta de Rosana Paulino, Renata Felinto e Juliana
dos Santos é plástica e material, isto é, é parte de suas vidas como as mulheres que as criaram
e é também uma construção plástica que aos olhos de um pesquisador, crítico de arte, curador
e o público em geral, vai produzir outros tantos sentidos além daqueles que motivou e foi o
objetivo das artistas. Por isso, a visão apresentada aqui é discutível, um ponto de vista a partir
de uma leitura que se baseia na perspectiva feminista negra, como foi apresentada aqui. Dentro
dessa visão, a mãe-preta é ancestralidade porque ainda é necessário falar sobre o passado
escravocrata do Brasil para pensar as desigualdades, mas não só; é também porque a relação
com as antepassadas é fundamental na construção plástica de Paulino e Santos. A humanização
também aparece por ser o ponto contrário ao que é o estereótipo, se este tem por objetivo
desumanizar a figura estereotipada tirando qualquer complexidade, ao autodefinir a mulher
negra, essas artistas impõem uma humanidade a ela, tanto às que foram escravizadas, quanto
ao falar de si mesmas na produção. Produzindo imagens na primeira pessoa elas apresentaram
os conflitos que lidam quando são mães-pretas, no caso de Renata Felinto, e na recolocação do
137

lugar do prazer sexual, no caso de Juliana dos Santos. Tais pontos aparecem e acredito que só
poderiam aparecer quando a fala se dá a partir delas mesmas, isto é, porque agora olhamos para
uma produção plástica feita por mulheres negras.
Essa pesquisa é concluída com a ideia de Juliana dos Santos, que já foi anteriormente
citada, mulheres negras são projetos coletivos. Essas, em especial, que são exceções, que estão
construindo sentidos de ser mulher negra, se autodefinindo e alterando os significados de tantas
imagens que existem para o controle, são projetos coletivos de futuro que foram possibilitadas
por suas ancestrais pretas e que possibilitarão tantas outras autodefinições.
138

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