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Este documento discute conceitos de tempo e história nas sociedades andinas. Aborda três crônicas coloniais e suas diferentes perspectivas sobre o passado andino, especialmente o conceito de Pachacuti. Também analisa a relação entre estudos de temporalidades não ocidentais e a teoria da história.

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Este documento discute conceitos de tempo e história nas sociedades andinas. Aborda três crônicas coloniais e suas diferentes perspectivas sobre o passado andino, especialmente o conceito de Pachacuti. Também analisa a relação entre estudos de temporalidades não ocidentais e a teoria da história.

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O pachacuti como uma categoria de explicação sobre o passado andino: Um

estudo a partir de algumas crônicas e documentos do Vice-reino do Peru (XVI-XVII)

Fabián Andrés Torres


Unicamp

Resumo: O presente projeto se propõe estudar algumas crónicas e documentos coloniais,


produzidos entre os anos de 1550 e 1615 aproximadamente no contexto do Vice-reino peruano,
pontualmente as crônicas espanholas Suma y narración dos Incas de Juan Diez de Betanzos (1551),
Historia indica de Pedro Sarmiento de Gamboa (1573), Fabulas y ritos de los ingas de Cristóbal de
Molina (1575), Instrucción para descubrir todas las guacas del piru (1581-1585) de Cristóbal de
Albornoz, e Manuscrito de Huarochiri (1608-?). Adicionalmente, serão contempladas as crônicas de
autoria indígena intituladas Nueva Coronica y Buen Gobierno (1585-1615) de Felipe Guaman Poma
de Ayala e Relación de Antigüedades desde reino del Piru (1613) de Juan de Santa Cruz Pachacuti.
Todos estes documentos tiveram um fator comum, relacionado com uma preocupação pela história
do chamado Novo Mundo e as concepções temporais-espaciais do mundo andino. Isto provocaria
uma forte tensão entre as concepções de história medievais-cristãs que carregavam os cronistas
ibéricos, e os conceitos de origem indígena que transmitiram oralmente os nativos andinos aos
cronistas e religiosos espanhóis, encarregados de construir uma narrativa sobre o passado andino.
Nesse sentido, o presente projeto pretende aproximar-se ao estudo de uma categoria temporal e
espacial de origem indígena usada no interior das fontes citadas: o pachacuti. Busca-se, assim,
identificar a forma como foi representada a ideia de pachacuti em documentos produzidos a partir de
uma visão histórica cristã, manifestada nos cronistas espanhóis e indígenas.

Palavras chave: História, tempo, crónicas, escrita, Pachacuti.


A teoria da historia e as temporalidades não ocidentais

Neste primeiro ano de pesquisa nos propusemos enfrentar duas frentes no projeto

apresentado e financiado pela FAPESP, um deles era fazer um primeiro recorte analítico e de leitura

crítica de fontes e de bibliografia de apoio. Isto nos levou a focar em duas das fontes propostas no

projeto inicial que são a Nueva Coronica y Buen Gobierno de Felipe Guaman Poma de Ayala e a

Relação de antiguedades desde reyno del Perú de Juan de Santa Cruz Pachacuti. Além disso e com

o intuito de mergulhar inicialmente em textos elaborados por autores com algum grau de relação

ancestral ao mundo andino, chegamos ao encontro com outra fonte que não foi contemplada no

projeto inicial, mas que faz um uso do passado e das categorias do pensamento andino que nos

permitiu estabelecer um rico contraste com os outros textos, estou falando do famoso Inca Garcilaso

de la Vega e sua obra Los comentarios reales de los Incas. Baseados nesses primeiros três textos e

fazendo uma articulação crítica entre eles, elaboramos um primeiro esboço de capítulo sobre a disputa

do passado e tempo andino com o objetivo de deixar o caminho abonado na hora de aprofundar em

categorias mais específicas da cosmologia andina como o Pachacuti e seus termos correlatos

espaciais como hanan e urin ou huaca e divindades espaço-temporais como Viracocha ou

Pachacamac.

Neste primeiro capítulo, tentarei avaliar como são apresentadas algumas narrativas sobre

o passado andino em três cronistas que apesar de possuir um vínculo ancestral aos Andes, neles se
consegue observar umas certas disputas, tensoẽs e reinvidicaçoẽs no seus escritos. Isto

último, poderia influenciar de forma direta o uso, mobilização e sentido que eles dão ao tempo

andino e a categorias de matriz andina como o Pachacuti. Nosso objetivo aqui também será tentar

observar como estes sujeitos, mais que portadores de uma espécie de ethos e essência andina, foram

atores ativos na sociedade colonial que tentaram elaborar seus discursos históricos num complexo

mundo de relações de forças e influências. Assim, em anexo do presente relatório apresento esse

primeiro esboço de capítulo, com o intuito também de que dele surja uma primeira publicação em

alguma revista indexada no presente ano.

Por outro lado, e como foi ressaltado pelo parecerista na avaliação do projeto, um dos

aspectos que podem e vão enriquecer a presente pesquisa é a orientação e participação de um

especialista como o professor Thiago Lima Nicodemo na área de Teoria de História e História da

Historiografia. Assim, o segundo objetivo deste primeiro tempo de pesquisa foi criar e começar a

estabelecer as pontes e diálogos entre nossa proposta de pesquisa e a Teoria da História. Para atingir

este objetivo, participei no programa de Estágio docente (PED) da Unicamp, na disciplina oferecida

pelo pelo professor Thiago Nicodemo, Topicos especiais em Teoria da História.

A disciplina diante do atípico contexto e tentando adaptar-se às demandas dos estudantes,

iniciou fazendo um percurso por alguns clássicos da teoria histórica e sua profissionalização. Em um

segundo momento e depois de fazer aquele trajeto pelos clássicos da historiografia, buscou-se

questionar e analisar de forma crítica essas premissas fundantes da disciplina, trazendo leituras como

as do antropólogo brasileiro Eduardo Viveiros de Castro, o historiador indiano Dipesh Chackrabarty

e o trabalho de Bruce Albert y Davi Kopenawa A queda do ceu. Nesse sentido, e motivado pelo

diálogo estabelecido com os convidados do curso, o professor e os alunos, surgiram vários

questionamentos sobre o quanto conservadora e fechada é a Teoria da História quando de questionar

e criticar seus principais fundamentos teóricos se trata.

Um desses questionamentos surgiu precisamente sobre o estudo do tempo e as diversas formas

como as sociedades se relacionam com ele. Desse modo foi que nossa pesquisa que tem como
objetivo analisar um conceito temporal andino que não ocidental entre a segunda metade do século

XVI e inícios do XVII, nos levou a refletir sobre a relação entre nosso trabalho e o que consideramos

um negligenciamento por parte da Teoria da História no seu estudo de outras temporalidades. Sendo

assim, e com o objetivo de atingir esta nova demanda, além de continuar com nossos análises sobre

a primeira modernidade na América, se pensou em articular o estudo de dito conceito ao tempo

presente para ver em que contexto e por quais sujeitos, o Pachacuti estaria sendo usando, levando

em conta o convulsionado contexto latino-americano dos últimos anos, assim como a atual crise

ecológica que vive a humanidade inteira. Localizados neste contexto, surge a pergunta se o Pachacuti

continuaria sendo concebido como foi no passado, como um possível inicio/fim de algum tipo de

evento catastrófico, assim como a esperança de um futuro melhor onde tudo voltasse a uma certa

normalidade e harmonia.

Dito o anterior, partimos do pressuposto de que a forma de se relacionar e perceber o

tempo como acontece com o Pachacuti no espaço andino, que teve seus usos, adaptações e

interpretações na época colonial do vice-reino do Peru, pode nos ajudar a refletir e propor uma crítica

aos cânones disciplinares da História, analisando além disso, como dito conceito surge e é atualizado

hoje num contexto onde se é necessário repensar as premissas da profissão histórica, como por

exemplo a velha distinção entre história natural e história humana, crítica que como veremos adiante

é salientada pelo Dipesh Chakabarty.

Seguindo esse raciocínio de estudo, nessa nova frente de pesquisa, fomos atrás de alguns

dos principais teóricos do tempo ao interior da Teoria da História e de alguns caminhos e

perspectivas de pesquisa sobre o estudo de outras temporalidades não consideradas até hoje no seio

da historiografia moderna, frisando que, uma dessas possibilidades são as temporalidades andinas. É

importante dizer que, a partir da análise de outras temporalidades, poderia ser ampliado o espectro

analítico de quem se preocupa por um dos principais insumos de pesquisa histórica, isto é, o Tempo.

Os primeiros questionamentos sobre o tempo e a experimentação do mesmo por parte de

outras sociedades não ocidentais no campo da teoria da história, provém em grande parte de seus
contatos com a antropologia, um exemplo disso é o primeiro capítulo da importante obra de François

Hartog, Regímens de historicidade (2013) onde o autor cita a obra do antropólogo Marshall Salihns,

para exemplificar outras formas de experimentação do tempo especificamente as dos povos das ilhas

Fiji. No entanto, antes de nos deter na noção de regímen de historicidade e sua atual popularidade na

historiografia “francesa-universal’, chamamos a atenção sobre como a problemática do tempo tem

suas origens em campos e áreas diferentes à teoria da história devido a suas dificuldades em discutir

os tempos do “outro”.

Podemos citar aqui num primeiro momento o antropólogo holandês Johannes Fabián, citado

em algum momento também por Hartog. Fabian no seu livro Time and Other (1983) manifesta como

a disciplina antropológica fundamenta sua relação com o outro-nativo anulando seu tempo, ou seja,

posicionando seus nativos em um não tempo, em um espaço de não coetaneidade. Talvez, não seja

exagerado dizer que, a abertura para os primeiros questionamentos sobre o próprio fazer

historiográfico assim como de seus objetos de estudo são herdeiros dos primeiros teóricos dos

chamados estudos pós-coloniais dos quais fazia parte o antropólogo holandês. Pretendo-me deter

aqui num historiador que considero ter feito uma crítica dentro do campo da teoria da história bem

importante ao longo do tempo, o indiano Dipesh Chakrabary cuja trajetória pode ser vista em dois

momentos; a primeira delas no texto Provincializing Europe publicado no ano 2000, e um segundo

momento num texto recente e bastante instigante que colocou em xeque vários aspectos fundantes

da historiografia moderna, climas da historia do ano 2009.

A primeira obra citada do Dipesh Chakrabarty tem uma preocupação pelas formas como são

adaptadas e importadas as teorias ocidentais no contexto asiático, principalmente a aplicação da teoria

marxista no mundo indiano. O ponto de partida de Chakrabarty é a ideia de provincializar Europa,

sobre isso é importante fazer algumas observações pois é um dos aspectos nodais da obra do

historiador índio. O autor inicia sua crítica e proposta de provincializar Europa a partir do conceito

de Historicismo, o qual, segundo Chakrabarty, foi o conceito que possibilitou a dominação europeia

sobre a Índia no século XIX. O autor acrescenta que foi a partir de ali que a modernidade e o
capitalismo passaram a ser pensados como algo que ao longo do tempo foi-se convertendo em

fenômenos de escala global, com um único epicentro na Europa e que se teriam que expandir fora

dela, formando-se assim, uma ideia e estrutura temporal globalizante onde a Europa teria o comando

e controle. Dessa forma, a Europa seria o espaço onde aconteciam os principais acontecimentos

históricos de caráter geral e universal como as revoluções industrial e francesa. De acordo a esse

raciocínio, Europa atingiria um determinado estágio de desenvolvimento histórico que a diferenciaria

das sociedades não ocidentais, e além disso, as obrigaria a que, encaixadas numa concepção

historicista atingiram o nível civilizatório ocidental. Isto no contexto colonial permitia que os

colonizadores por médio do historicismo e o ideal moderno de história, vigiaram e tutelassem quando

estariam preparados e qual seria o caminho a seguir pelos colonizados para seu autogoverno:
El historicismo posibilitó la dominación europea del siglo XIX. Podría
decirse, grosso modo, que fue una forma importante que la ideología del
progreso o del desarrollo adopto a partir del siglo XIX. [..] el historicismo
– e incluso la idea moderna, europea, de la historia- se presentó ante los
pueblos no europeos como una persona que le dice a otra “todavía no”.
(CHAKRABARTY, 2008, p. 34-35).
O autor leva seu analise desde o contexto da colonização inglesa, até as contradições que

viveu o nacionalismo indiano pôs-independência. Para ele, em ambos momentos o historicismo

europeu influenciou a forma de pensar sobre o suposto “estádio temporal” dos camponeses ou os

sujeitos subalternos tanto para serem participes de um possível autogoverno quanto para serem plenos

cidadãos, ou seja, tanto o poder britânico como a elite indiana nacionalista ainda tendiam a considerar

como sujeitos não modernos ou pré-modernos os camponeses indianos. A modernidade política, a

ideia de cidadão, de estado nação, a ciência e a razão são os valores que faziam que a Europa se

colocasse como o centro do mundo, valores que teriam o caráter de universais. No entanto, era

necessário que as demais histórias e povos do mundo encontrassem seu lugar nessa linha histórica da

razão e do progresso. Nesse sentido, o autor retoma seu projeto e ideia de provincilizar Europa para

pensar o porquê esses valores adquiriram o status e caráter de universal ao interior do mundo Europeu

e fora dele, e como a mesma Europa conseguiria se auto identificar portadora desses valores. Para o

autor indiano o projeto de provincializar Europa não consistiria em recusar de forma determinante e
simplista a modernidade, os valores liberais, universais, a ciência, a razão e as grande explicações

gerais e totalizantes sobre a humanidade, e sim que, o projeto e crítica a esses pressupostos começaria

por documentar como e mediante que processos históricos essa “razão-ciência-modernidade”

europeia ficou como algo óbvio e necessário de atingir e alcançar fora do espaço de onde emergiu.

Isto exigiria por parte dos acadêmicos um determinado caminho e passos a seguir:

En primer lugar, el reconocimiento de la adquisición de Europa del


adjetivo “moderna” para sí misma constituye una parte integral del relato
sobre el imperialismo europeo dentro de la historia global; y, en segundo
lugar, la consciência de que el hecho de equiparar una determinada versión de Europa con la
modernidad no es sólo obra de europeos, los nacionalismos del tercer mundo, en su calidad de
ideologías modernizadoras por excelência, han sido sócios em pie de igualdad de este proceso.
(CHAKRABARTY, 2008, p. 77).

O foco do Chakrabarty estará centrado em criticar todo o arcabouço teórico e epistemológico

europeu que faz com que as experiências históricas do chamado terceiro mundo sejam denominadas

como subalternas e num estágio inferior na linha histórica e temporal universal sob os valores da

ciência da ração e fundamentalmente do Estado-Nacao. É importante frisar que a crítica do

Chakrabarty também está direcionada às elites nacionalistas que se apropriaram de alguma ou outra

forma de aquela concepção histórica-temporal para continuar exercendo dominação nos grupos

sociais subalternos. O problema do Chakrabarty é sobre como transgredir a concepção histórico-

temporal europea etapista para analisar as outras experiências históricas “tercermundistas”, fazendo

crítica não só do próprio poder exercido pelo colonizadores e as categorias que eles universalizaram,

senão, também, da própria elite nacionalista que continuo olhando para grande parte da população

sob o prisma da carência e da incompletude para atingir o grau necessário de consciência política e

histórica para que fossem parte do Estado-Nação. A crítica pós-colonial do Chakrabarty está em

grande parte direcionada para os historiadores do mundo indiano pensando como a modernidade e o

historicismo criaram um discurso histórico teleológico, porém, este também seria um problema sobre

o caráter da escrita da história e do oficio historiográfico.


Ja no segundo texto sobre os Climas da Historia, Chakrabarty se afasta um pouco mais do

contexto indiano e avança na discussão a uma escala mais global ao discutir um dos conceitos hoje

de moda, o antropoceno. Sob o prisma do aquecimento global e a crise ambiental e ecológica do

planeta na atualidade, o historiador tenta problematizar a velha dicotomia entre história natural e

história humana. Ao longo das suas quatro teses defende a ideia que de que essas histórias já não

podem ser vistas por separado, e sim de forma interdependentes, pois nessa nova era é o próprio ser

humano o encarregado de mudar o tempo da natureza, ou seja, o agente principal da nova era

geológica. É precisamente essa crítica à teoria da história moderna feita por Chakrabarty um dos

motivos que nos mobilizou a pensar na categoria temporal do Pachacuti e seus usos no tempo

presente, pois como mostraram alguns dos dados levantados é precisamente através desse viés da

incerteza sobre o futuro da humanidade e sua relação com o mundo natural, o que leva a que sejam

ressignificadas outro tipos de formas de se relacionar com o tempo, em especial as ameríndias.

Este percurso teórico contínuo com a leitura e aproveitamento de duas historiadoras brasileiras

que vem refletindo sobre a questão da(s) temporalidade(s) no campo da teoria da história e que

retomam alguns dos principais teóricos das formas de se relacionar com o tempo, como Reinhart

Koselleck e François Hartog. As duas autoras abrem caminhos de pesquisa e perspectivas analíticas

que permitem situar a presente pesquisa sobre o Pachacuti não só a partir dos documentos coloniais

dos séculos XVI e XVII, mas também no contexto do tempo presente.

A historiadora Ana Carolina Barbosa na sua tese de doutorado depois publicada em formato de

livro Na transversal do tempo : Natureza e cultura a prova de historia, faz no primeiro capítulo um

apanhado dos debates e consolidação do chamado historicismo para depois avaliar o que pode-

se considerar o estado atual do análise teórico sobre o tempo na historiografia com os conceitos de

Cosciencia histórica e Tempo histórico de Jorgen rusen e Reinhart Koselleck respectivamente. Grosso

modo, a autora retoma esses dois conceitos para criticar a universalização que fazem esses famosos

historiadores sobre a forma de experimentar o tempo, principalmente na tripartita divisão que fazem
entre o passado o presente e o futuro, o que levaria ao pressuposto de uma suposta unidade das ações

humanas e um único fluxo temporal do devir histórico, nas palavras da autora:

Este raciocínio pode, ainda, ser estendido ao campo mais genérico da ciência da história. Pois, embora
tenha se constituído como especialidade acadêmica por oposição à Filosofias da História, permanece
presa a um de seus pressupostos fundamentais. Assim, apesar da ênfase na particularidade das ações
humanas, entendidas como realidades pertencentes ao domínio das intenções (conscientes ou não) dos
sujeitos históricos individuais ou coletivos, a ciência histórica orienta-se, ainda que implicitamente,
pela crença na existência de uma unidade concreta ou totalidade orgânica das ações humanas,
sintetizada na
concepção de um tempo contínuo e comum. Nesse sentido, o universalismo das teorias de Jörn Rüsen
e Reinhart Koselleck nos lança um alerta: o de que o esvaziamento do conteúdo das filosofias da
história parece ser insuficiente quando se permanece teleológico na forma. Isto porque, apesar de
admitir variáveis, há que se lembrar de seus limites, pois quaisquer possibilidades qu escapem a
esta ordem ou enquadramento prévios, não podem ser compreendidas à luz das categorias de “tempo
histórico” e “consciência histórica”. Ou, dito de outra forma, quaisquer formas de interpretação
temporal que não partilhem dos mesmos pressupostos de uma unidade originária entre as três
dimensões do tempo e do reconhecimento, num dado momento, de sua
interdependência, não podem ser entendidas sem passar por uma crítica destes mesmos pressupostos.

Em linhas gerais, a autora encerra questionando se haveria o há a possibilidade de se pensar e

experimentar o tempo de outra forma ou em outra direção sem que necessariamente tenha que ser

encaixada naquela tripartição do tempo, questionamento que também faz parte da presente pesquisa,

não só na forma de se experimentar e se relacionar com o tempo, senão, e aqui voltamos à crítica do

Chakrabarty, na forma de olhar criticamente para a velha divisão entre história natural e história

humana. Acreditamos que, em conceitos de tempo como o pachacuti, não seria possível fazer essa

distinção, pois como tentaremos ver ao longo desta pesquisa, neste tipo de concepçoẽs de tempo,

os fenômenos naturais, humanos e divinos estariam em constante fluxo, de ali provém nossa leitura

de que o pachacuti hoje, hipoteticamente está sendo usado como uma reivindicação de um futuro

ecológico e do planeta mais amigável e como uma resposta às crises do futuro.

Por outro lado, Francine Legelski nos leva pelo caminho do contato entre história e

antropologia, principalmente através do pensamento de Cluade Levi-Strauss. O arrolado teórico que


faz a autora num de seus artigos intitulado Resfriamento das sociedades quentes ? - critica da

modernidade história intelectual, história política (2016) é muito parecido ao da Ana Carolina

Barbosa ao retomar as teorizações do tempo feita por Koselleck, além do Hartog. Uma importante

diferença entre as autoras é que Francine Iegelski problematiza a discussão com o binômio proposto

por Levi-Strauss em meados do século XX entre sociedades quentes e frias. Isto último para

diferenciar as sociedades ocidentais/modernas das indígenas, e que ao final do século XXI, segundo

aponta Francine, o mesmo Levi-Strauss inverteria dita ordem pensando no aquecimento das

sociedades frias e o esfriamento das sociedades quentes, produto da maior visibilidade e organização

política a nível global das populações indígenas, em contraponto a crise do futuro das sociedades

ocidentais. Nesse último ponto, a autora num exercício de história intelectual estabelece as

conexões entre o antropólogo e Hartog sobre o regime de historicidade presentista que estaria

vivendo a Europa atualmente desde a queda do muro de Berlim.

Tal parece, segundo minha leitura e reforçando minha hipótese inicial que, o fio condutor

de repensar a forma de se experimentar o tempo caminha em direção à relação entre antropologia e

história. Isto é claro por exemplo no momento em que Ana Carolina Barbosa ao tentar esboçar outras

formas de articular o tempo, chega no pensamento de Eduardo Viveiros de Castro e a Francine faz

um exercício parecido quando em outros trabalhos ela estabelece um diálogo entre o Regime de

Historicidade Hartoguiano e o perspectivismo ameríndio proposto por Eduardo Viveiros de Castro,

no que ela provocativamente chama de regímenes canibais em alusão ao trabalho do antropólogo

brasileiro com os tupinambá e sua relação com o tempo a partir do canibalismo.

É possível dizer que, em ambas autoras, existe uma clara intenção e preocupação em pensar

como podem ser abordadas e estudadas as formas de se relacionar e perceber o tempo fora do espaço

do europeu, e em como desdobrar estas outras formas desde a própria teoria da história, ou seja, seria

necessário sair do eixo ocidental onde estão ancorados os fundamentos da historiografia moderna

para refletir e teorizar sobre outro tipo de temporalidades das quais podem ou não, dar conta algumas

das principais teorizações sobre o tempo elaboradas até hoje, como os de Consciência histórica de
Jorge Rusen ou o Tempo histórico do Kosseleck no caso da Ana Carolina, ou os Regimens de

Historicidade propostos por Hartog no caso da Francine.

Como já foi dito aqui, uns dos principais argumentos veiculadores destas reflexões é o

antropólogo Eduardo Viveiros de Castro e o perspectivismo ameríndio principalmente da região

amazônica. Por isso, e devido a tímida entrada do estudo de outras temporalidades que não europeias

na teoria da história, considerou que é um campo em aberto, sendo esta uma perspectiva que aponta

a ser um dos principais temas de reflexão diante dos diferentes problemas do tempo presente, que

esgotou a capacidade explicativa sobre o tempo por parte da disciplina histórica moderna. Aqui é

interessante pensar como um novo conceito como o do antropoceno está cada vez mais ganhando

força e obrigando a repensar os fundamentos da história como bem nos mostrou Dipesh Chakrabarty.

Dito o anterior, acreditou que uma pesquisa como a que vem sendo desenvolvida, que se

colocou como tarefa e objetivo principal de análise uma categoria espaço-temporal andina não

ocidental, merece um espaço de reflexão não só como um conceito que foi usado e adaptado no

contexto colonial do vice reino do Perú, trabalho que não é menos importante, mas, que

amerita diante as atuais circunstâncias e debates ter um apartado e ponto de reflexão e análise sobre

como aquele conceito é usado na atualidade. Para tal propósito, conseguimos identificar duas

camadas de análise de usos do pachacuti na atualidade, elas seriam por um lado, de um caráter que

pode ser considerado político/ecológico e outro, e no qual ressalto que é no qual se encaixaria a

presente pesquisa é de natureza epistemológico.

A diferença do perspectivismo ameríndio exposto por Eduardo Viveiros de Castro em seu

ensaio Perspectivismo e multinaturalismo na América na Indigena (2017) como forma de pensar

outras temporalidades e formas de organização social, o Pachacuti tem ganhado uma ampla difusão

e apropriação em diversos setores que não se restringem a um espaço fechado. Nossa hipótese nesta

parte da pesquisa é que de fato este conceito temporal andino procura responder por meio de seus

usos e apropriações no presente a várias crises e incertezas, assim como a reivindicações políticas de

diversos agentes e grupos humanos, o que também como veremos ao longo da pesquisa, ocorreu no
tempo em que foram elaboradas nossas fontes textuais coloniais. Nesse sentido, acreditou que seria

importante não congelar o estudo de um conceito num determinado período de tempo, quando no

atual contexto ele continua aparecendo em diversos cenários acadêmicos e não acadêmicos.

Por isso e devido ao anterior, para o presente trabalho será importante retomar algumas das

figuras principais da historiografia dos últimos anos como Reinhard Kosseleck e Farçois Hartog,

aproveitando as pontes e caminhos abertos e percorridos por historiadoras como a Francine

Legelski e a Ana Carolina Barbosa sobre o como abordar desde a própria disciplina histórica

os tempos ameríndios em especial os sul-americanos, não como algo que tenha que ficar preso à

antropologia, e talvez não como um salva-vidas do futuro, e sim como uma melhor forma de se

compreender, escrever e fazer história.

Como apontado até agora, nosso embate com a teoria da história e uma crítica contemporânea

sobre sua teorização de outras formas de se relacionar com o tempo, nos levou a refletir sobre o

possível uso, ressignificação e apropriação do Pachacuti no tempo presente. O surgimento desta nova

frente e perspectiva de pesquisa nos conduziu ao contato e busca de novas fontes, ditas fontes as

achamos no contexto das redes e mídias sociais e digitais.

De acordo com o anterior, foi pensado e está sendo feito um banco de dados como fonte

principal de análise sobre os usos do Pachacuti no século XXI. Este banco de dados está composto

com informações de uma rede social em específico, o Twitter. Desde o ponto de vista metodológico,

adotamos certas regras assim como critérios para selecionar os dados oferecidos pela rede social. O

primeiro deles se refere a um recorte temporal, onde adotamos a data de início da busca dos tweets a

partir do ano de 2012. Nossa hipótese e justificativa sobre a escolha deste recorte temporal é que o

ano de 2012 abriu uma série de possibilidades para reivindicar algumas concepçoẽs de tempo

ameríndias, produto do efeito de umas supostas profecias maias sobre um possível fim ou mudança

no mundo em 21 de dezembro de 2012. Isto último foi possível comprovar-lho, por exemplo, numa

grande quantidade de tweets que falavam a respeito do ano de 2012 como o começou de um novo

Pachacuti.
É assim que, tendo em vista o recorte estabelecido desde o ano de 2012 até o presente e o imenso

número de dados que isso pode significar, qualificamos nossa busca por meio de um aplicativo o

twinti. Este aplicativo funciona por meio de códigos de programação os quais têm a capacidade de

fazer uma busca por meio de uma palavra chave -que em nosso caso foi o pachacuti- e de baixar e

armazenar numa planilha todos os tweets que façam uso e referência à palavra escolhida. Nesta

planilha ele armazena em várias colunas informações sobre cada Tweet como data, hora, usuário,

localização e o mais importante o link de cada Tweet:


Depois de este primeiro processo de caráter quantitativo, avançamos numa fase mais qualitativa

ao avaliar e analisar os dados oferecidos pelo aplicativo. Dessa forma e depois de uma leitura

detalhada dos Tweets do ano de 2012 em seu conjunto, assim como outros de anos posteriores, foi

possível propor a hipótese de que o pachacuti no contexto de uma rede social como Twitter, emerge

em duas camadas já comentadas aqui, uma delas político/ecologia e outra epistemológica, vejamos

alguns exemplos no âmbito político:


Outro exemplo que chamou nossa atenção foi a partir de uma entrevista feita ao teórico

decolonial Ramon Grosfoguel sobre as revoltas da Catalunha no ano de 2019:


A entrevista publicada no Twitter por um meio de comunicação catalão, começou a ter um

grande impacto e vários retweets de diversos usuários que adotaram a proposta do teórico decolonial

de entender as revoltas catalãs sob a lente de um novo Pachacuti:


A partir da circulação no Twitter da entrevista feita ao professor Grosfoguel e por meio da

criação de um hastag #FAQPACHACUTITV3 - um fenômeno próprio das redes sociais para viralizar

algum tema em específico e fazê-lo tendência- o tema do Pachacuti começou a ganhar uma certa

relação aos movimentos independentistas da Catalunha no contexto dessa rede social, ou seja, uma

voz intelectual desde uma perspectiva epistemológica e política tentou reivindicar o Pachacuti e

associá-lo com as diversas manifestações, transformações e mudanças por parte da causa

independentista catalã.

Esses são alguns primeiros exemplos do tipo de informação e evidência apresentada pela rede

social, que permite a interação e usos do pachacuti por parte de usuários “comuns” assim como

também de meios de comunicação como os que entrevistaram ao professor Grosfoguel, ou


organizações indígenas como o perfil dos kiwe nasa da região andina da Colômbia. Essas primeiras

amostragens de dados, foi o que nos levou e possibilitou propor as duas camadas de análise do

pachacuti no mundo contemporâneo, uma de um teor mais político como foi possível ver nos

primeiros três tweets, e outro de tipo mais epistemológico onde dito conceito é usado de parte de

certos setores acadêmicos para reivindicar outras formas de representar o tempo, assim como diversos

contextos e conjunturas históricas.

É claro que esta nova abordagem precisa ser aprimorada e amadurecida com discussões de

cunho mais teórico numa área recente como a história digital, pois nosso objetivo também é recorrer

e nos auxiliar em outros recursos digitais onde circule e se faça uma apropriação do pachacuti. No

entanto, é importante deixar aqui registrado que no conjunto da tese faremos e terá espaço uma

reflexão que conecte as concepcoẽs de tempo a serem estudadas no período colonial andino com a

teoria da história e sua relação com outras temporalidades e, como ditas outras formas de se

relacionar com o tempo emergen ainda hoje nos tempos atuais, no contexto do mundo digital. Em

suma, é essa linha de raciocínio entre os tempos ameríndios e história indigena, teoria da história e

mundo digital, sobre o que pretendemos escrever pelo menos um capítulo de nossa tese, onde

consigamos expor todos os dados recolhidos e analisados que sustentam nossa hipótese de uma atual

emergência de experiências temporais ameríndias em várias camadas diferentes. Isto sem deixar de

lado as análises das fontes textuais coloniais dos séculos XVI e XVII.

O Tempo e história andina em disputa

Recentemente foi publicado em formato de livro a tese de livre docência do professor Eduardo

Natalino Dos santos Textos e imagens, histórias e cosmologias indígenas da Mesoamérica e andes

centrais (2019) do qual ressaltamos entre seus vários aportes aos estudos da história indigena, o que

ele chama de Tradiçoẽs de pensamento e escrita andina e mesoamericana. Para o professor Eduardo

Natalino esta categoria analitica se refere à existencia de determinados grupos e sujeitos encarregados
de sistematizar, transformar e comunicar as diversas formas de compreender, se relacionar, gerar e

produzir explicaçoẽs sobre o mundo natural e social. Natalino além disso acrescenta que,

esta categoria de análise seria uma possível porta de entrada para a compreensão das atuaçoẽs e

percepçoẽs de mundo dos povos ameríndios segundo seus próprios termos concepcçoẽs e saberes. O

grande debate da tese do professor Eduardo estaria nas transformaçoẽs das cosmologias e histórias

ameríndias do final do período prehispánico até a época colonial inicial andina e mesoamericana.

A importância de dita categoria na presente pesquisa, está em que desde nosso ponto de

vista, todos nossos cronistas e textos propostos para análise e estudo podem ser contemplados nessa

categoria, e em especial os três primeiros cronistas escolhidos para analisar, pois estes fizeram parte

o tiveram algum grau de relevância, circulação e importância no seio da sociedade colonial, estamos

falando de Felipe Guaman Poma de Ayala e seu El Nueva coronica y buen gobierno, Juan de Santa

Cruz Pachacuti e La relación de antigüedades deste reyno del Perú, e O Inca Garcilaso de la Vega

com seus Comentarios reales de los Incas, fonte a qual não fazia parte de nosso acervo inicial de

análise, mas que, diante a diversa bibliografia encontrada sobre ela assim como da possibilidade de

contrastar seu uso do passado e história andina em relação aos outros cronistas nascidos na América,

se decidiu incluí-la em nosso acervo de fontes para aprofundar nossa análise.

Se bem como apontado no projeto inicial, nosso estudo tem como objetivo principal o

conceito espaço-temporal andino de pachacuti, decidimos neste primeiro capítulo direcionar nossos

esforços em delimitar através de uma primeira leitura, um recorte de temas ou itens específicos

que considero como momentos chaves e de rupturas ou (pachacutis) ao interior da narrativa dos

documentos. Em outras palavras, propomos que é a partir destes eventos que sería possível entender

um pouco melhor a mobilização, uso e apropriação que fazem os cronistas do passado e tempo andino,

o que nos levaria a um campo mais fertil na hora de compreender conceitos de tempo e espaço como o

pachacuti. Isto é com o objetivo de não cair numa simples definição conceitual vazia e sem sentido,

pois acreditamos que dita categoria faz parte de um universo bastante amplo sobre as explicações e

formas de se relacionar com o passado nos textos coloniais dos séculos XVI e XVII.
Dito o anterior, neste primeiro capítulo analisaremos de forma crítica e comparativa os

três textos e cronistas assinalados acima, tendo como critérios a seguinte seleção de temas e

subtemas: a)A primeira criação das coisas e de humanidade no geral, b) A criação do mundo andino

e suas gentes, b1) A participação de divindades criadoras, b2) Dilúvios e inundações c) a descrição

das primeiras humanidades antes da chegada dos incas, d) A chegada do inca ao poder nos Andes, e)

a presença nos Andes e na América do suposto apóstolo São Tomé o São Bartolomé, f) O governo

do famoso Inca Pachacuti Yupanqui, g) Governo e guerra entre Huascar e Atahuallpa, h) a chegada

espanhóis e execução de Atahualpa, i)A guerra entre Pizarro e Almagro, j) a derrota do último reduto

de resistência inca em Vilcabamba.

Tenho que aclarar que, nesta primeira seção deixamos de lado o Manuscrito de

Huarochiri em razão da suas características narrativas, tanto na sua escrita que foge um pouco ao

modelo de Crônica ou Relación de nossos primeiros três textos, quanto no sentido das suas próprias

informaçoẽs ao narrar as histórias dos homens e huacas locais da região de Huarochiri . Também é

importante dizer que, ao longo da pesquisa e enquanto continuamos com a leitura das nossas outras

fontes dos clérigos e funcionários espanhóis, é altamente provável que surjam novas formas de

articulação e agrupamento das fontes, quer dizer, esta primeira tentativa de capítulo resulta de um

primer recorte e foco de análise em três cronistas que apresentavam versoẽs muito instigantes na hora

de compará-las sobre o passado andino, mas, isto não significa que já tenhamos feito uma taxonomia

das fontes, pois isto, sobre semelhanças e discrepâncias das fontes assim como seus agrupamentos de

acordo ao seus conteúdos seŕa também uns dos resultados da presente pesquisa.

Por outro lado, também é importante dizer que outro evento que surgiu no decorrer deste

primeiro ano de pesquisa e que não foi contemplado no projeto apresentado inicialmente, foi o

movimento chamado Taqui Onqoy, ou rebelião das huacas ou enfermedad del canto que não foi

incluído na primeira seleção temática que fiz sobre os três primeiros textos ao analisar, pois as

principais notícias sobre o Taqui Onqoy são encontrados nas informações de Cristobal de Albornoz

documento o qual terá seu espaço nos próximos capítulos, pois de fato o Taqui Onqoy mobilizou
aspectos das cosmologias andinas em forma de resistência ao deus cristão e a uma possível volta das

antigas divindades e ordem andina prehispánica, algo que também terá relação com um conceito que

será abordado ao longo desta tese e neste capítulo, o Messianismo.

Por último, é importante dizer que, com fins de cumprir os objetivos deste primeiro

capítulo, algumas discuçoẽs que serão aqui apresentadas, tiveram seu início e serão retomadas da

minha trajetória de pesquisa principalmente no referente às idades que apresentam Guaman Poma de

Ayala e Juan de Santa Cruz Pachacuti. Foi necessário retomar determinados debates à luz de

bibliografia atualizada e um amadurecimento na leitura crítica de fontes .

Três cronistas entre vários mundos

Os três cronistas seleccionados para esta primeira seção tem um fator em comum: são

nascidos no Andes, porém, um deles somente conta com ascendência andina por parte da mãe, o que

o definiria como sujeito mestizo, que é caso do Inca Garcilaso de la Vega. Em relação à produção

bibliográfica sobre os autores e seus textos temos que dizer que o menos favorecido e talvez pelo

relativo pequeno volume de seu documento em relação aos outros, é Juan de Santa Cruz Pachacuti, já

no caso do Guaman Poma de Ayala e o Inca Garcilaso o panorama é totalmente diferente, porque

além de contar com inúmeras ediçoẽs de seus manuscritos, eles possuem praticamente um campo de

estudo, até congressos acadêmicos dedicados a ditos autores.

Como comentado brevemente no início, em nosso projeto inicial da tese, tentamos

elucidar algumas propostas de classificação de fontes ou agrupamento das mesmas, relacionados aos

seus contextos de produção intelectual, político, sociais e temporal e como isto se relacionava aos

usos e resignifcaçoẽs do passado andino. Frank Salomon num texto de de 1988 intitulado crónica de

los imposible: notas sobre tres historiadores indígenas peruanos Afirma que entre as quatro

crônicas que podem ser consideradas como indígenas estariam a Relación de Santa Cruz Pachacuti

e a Nueva Coronica de Felipe Guaman Poma de Ayala. Sobre isso, surge o interrogante e é a partir de
que critérios se poderia avaliar uma suposta indigenidade desses textos. Um problema é, por

exemplo, onde poderíamos encaixar as crônicas que não foram elaboradas por autores com algum

tipo de vínculo sanguíneo andino, mas que contaram com amplas e vastas informacoçẽs dos nativos

para a confecção de seus escritos, para o literato suizo Martin Lienhard na obra La voz y su huella:

escritura y conflicto etnico social en América latina (1990) todos os documentos que contaram com

a colaboração e informantes indígenas poderiam ser incluídos naquela definição proposta por

Salomon.

Provavelmente uma definição mais exata e abrangente das fontes é a proposta por

Eduardo Natalino dos Santos como Fontes históricas nativas coloniais (2007) no qual o autor inclui

as fontes históricas nativas andinas e nas que estariam contempladas nossas fontes propostas para

pesquisa, as quais segundo o autor, poderiam ser subdivididas em pequenos grupos de acordo a

critérios como: a época de produção, a região de origem, o status étnico-social de seu autor, entre

outros. É claro que o debate sobre o agrupamento e articulação da diversidade de fontes do passado

colonial andino é longo, porém, um dos possíveis frutos da presente pesquisa, será pensar em novos

cruzamentos das fontes, de acordo com o uso do tempo e de categorias de pensamento andina como

o pachacuti. Talvez, o principal empecilho deste exercício seja distinguir, nessas fontes, a diminuta

linha que divide as informações de tipo orais nativas e os modelos de pensamento e tempo europeu.

Com isso, esperamos aportar ao debate novas miradas e perspectivas de possíveis agrupamentos e

abordagem dessas fontes ou não.

Por outro lado, e falando sobre os textos dos autores que nos ocupa neste primeiro

capítulo, comentamos que existe entre eles uma diferença em relação ao que se tem produzido sobre,

tanto assim que no caso de Guaman Poma e o Inca Garcilaso tem se desenvolvido nos últimos anos

as primeiras tentativas de uso e re significação desses textos no tempo presente. No caso do Guaman

Poma de Ayala, ele tem sido adoptado como um ícone e como o iniciante sobre o chamado Giro

decolonial e desprendimiento epistêmico pelo grupo de intelectuais decoloniais latinoamericanos

(algo bem debatível e questionável) principalmente por Walter Mignolo, assim como o próprio
Garcilaso sobre o qual já existe um trabalho do reconhecido Garcilanista Jose Antonio Mazzoti como

um título bastante provocativo El inca Garcilaso y el calentamiento Global: Claves para una lectura

contemporânea de los comentarios reales do ano de 2018.

O recorte temático proposto acima como parâmetro de análise na hora de abordar nossos

textos está fundamentado numa relativa semelhança narrativa e construção discursiva dos mesmos,

quer dizer, os três textos descrevem e abarcam o período de tempo acontecido entre a criação do

mundo e das gentes dos Andes até a chegadas dos espanhóis. Porém, tanto os textos do Guaman

Poma como o do Inca Garcilaso também permitem fazer algum tipo de avaliação sobre a estadia dos

espanhóis na América, pois uma boa parte de suas obras fazem referência aos primeiros anos e

décadas da administração colonial no Perú. Falarei na sequência alguns dados relevantes e contextuais

de cada obra e autor

Não são poucos os estudos e elogios sobre a vida e obra do inca Garcilaso de la Vega,

por exemplo, a famosa literata Mercedes López-Baralt (2017) o define como o primer etnólogo e

historiador peruano, assim como o fundador do cânon literário latinoamericano, e é que de fato a

figura do Inca garcilaso caminha e oscila principalmente entre os estudos literários linguísticos e em

menor medida dos históricos.

Sobre a vida do autor dos Comentarios reales um dos pontos mais relevantes é sua

posição privilegiada ao interior da sociedade colonial por ser filho da elite incaica, mas

especificamente da princesa inca Chimpu Uqllu. Seu engajamento e crescimento ao interior da

nobreza incaica faria com que, segundo Sérgio Villagra (2012) o inca fosse um falante de quechua

competente, no entanto, para o autor o mais importante dessa herança materna no Inca do Garcilaso

sería:
Sus diversas formas de conocimiento empírico, de la tradición oral, de los quipus y de las pinturas,
de la memoria de su propia familia, le aportaron una importante experiencia como miembro o
sujeto integrante de su cultura matriz. (VILLAGRA, 2012, p. 24).
É por isso que um dos outros fatores em comum dos três autores em questão é sua forte

vinculação à suas etnias de origem, a inca para Garcilaso, a colla para Santa Cruz Pachacuti e

yarovilca para Guaman Poma de Ayala. Nesse sentido, tanto a língua espanhola quanto suas

formaçoẽs dentro do catolicismo foram provavelmente aprendidas e incorporadas ao longo do tempo,

até chegar ao ponto de ter a capacidade e posição social de produzir textos alfabéticos onde

conseguiram incluir suas raízes andinas e ancestrais. É de ali que provém um dos aspectos que

mais chamam atenção da vida dos autores: seu ir e voltar entres os dois mundos ou vários mundos.

Os Comentarios reales, escritos entre 1590 e 1604, não foram a única obra elaborada

pelo Inca Garcilaso, dele se conhecem outros textos de igual ou de maior relevância nas letras vice

reais, entre as quais estão La Florida del Inca do ano de 1605. No entanto, são os Comentarios os

que tem chamado mais atenção dos historiadores pelas ricas descriçoẽs que faz do passado preincaico

até alguns anos posteriores a chegada do Pizarro . A obra está dividida em duas partes, a primeira

delas dedicada quase na sua totalidade a história e sucessão e dinastia inca assim como as eras que

aconteceram antes deles, e uma segunda parte sobre o processo conquistador iberico no Perú. Isto

último faría que, segundo o Garcirlanista Jose Antonio Mazzoti (2017) os Comentarios

reales fossem considerados como un Verdadero emporio de sabiduria, superior en muchos aspectos

a lo que se conocía sobre la administración incaica y su territorio en su momento.

No caso do cronista índio Guaman Poma de Ayala, seu texto, salvando as devidas

proporçoẽs, é bastante parecido na extensão e organização temática ao do Inca Garcilaso. Sobre a

vida do autor, alguns de suas grandes estudiosas como Rolena Adorno vem desenvolvendo ao longo

do tempo vários esforços para através da biografia do autor compreender e entender vários aspectos

de sua obra, desde as datas em que foi elaborada como as informações que se encontram nela mesma.

Esta misma autora propoẽm como possiveis data de nascimento do autor entre os anos de 1530-1550

e a sua morte pouco depois de 1615, ou seja, será um ator presencial do governo e políticas do vice

rei Toledo, sendo estas talvez uma das principais causas de seus reclamos sobre o sistema colonial.
O índio ladino nascido em Huamanga construiu uma obra tremenda que retomando a

Lopez Baralt em seu trabalho sobre o Guaman Poma Icono y conquista (1999) a define como una

crónica de indias que trata del hecho de americano, como una guia de criterio cronologico, de

carácter localista a pesar de iniciar com un panorama universal, como una etnografía, multilingüe,

y como una relación privada escrita por un autor amerindio que uso las convenciones retóricas

occidentales desde una perspectiva nativista.

A Nueva Coronica y Buen Gobierno iniciada aproximadamente a finais do século XVI e

terminada até 1615 mais o menos, está dividida em duas grandes partes, a primeira delas que seria a

parte correspondiente a Nueva Coronica, narra desde os inícios da história universal com Adão e Eva

como pais da humanidade até as guerras civis entre Francisco Pizzaro e Diego de Almagro, e uma

segunda parte que corresponderia ao Buen Gobierno onde o autor baseado na sua narrativa histórica

da Nueva Coronica expoẽ e faz as principais denúncias do sistema colonial sobre as injustiças e

agravios aos pobres yndios del Perú, evocando em muitas ocasioẽs a expressão Y anci no ay

rremedio. No entanto, alguns estudos recentes nos dizem que na verdade a obra do Guaman Poma é

mais complexa na sua divisão e conteúdo, um desses autores é o Galen Brokaw (2020) que fazendo

um apanhado de todos os estudos feitos até agora sobre o Guaman Poma, nos diz que :

la Nueva Coronica y Buen Gobierno es un texto extraordinariamente complejo y


multidimensional cuya comprensión exige una contextualización histórica y cultural bastante
amplia. El título de la obra sugiere que se organiza en dos partes: una crónica y un buen gobierno.
Sin embargo,las convenciones paratextuales dividen el texto en tres o cuatro secciones que tratan
de temas diversos como la sociedad indigena prehispanica: su historia y su gobierno, la conquista
española y la administración colonial, el calendario y sus actividades (laica y espirituales)
relacionadas entre sí, un perfil de las ciudades del Perú colonial y consejos para reformar la
administración colonial entre otros. (BROKAW, 2020, p. 58).

Coincidimos na pluralidade de temas que contém a Nueva Coronica de Felipe Guaman

Poma de Ayala, a riqueza de tamanha obra nos permitirá avaliar diversas variantes sobre o uso do

tempo e de conceitos como o pachacuti não só na primeira parte da seu texto como se faz na maioria
das vezes, e sim em todo seu conjunto, pois é tão importante a história que o autor elabora do passado

prehispánico, assim como sua avaliação da estadia dos conquistadores nos Andes.

Sobre Juan de Santa Cruz Pachacuti, um dos editores da sua Relación, Carlos Aranibar,

aponta que sobre a biografia do autor somente contamos com os próprios dados que ele mesmo

registro em seu escrito, para o autor são tão poucas as imformaçoẽs sobre o cronista que Un parágrafo

sería suficiente si solo fuera cosa de trazar la biografía del yamque Juan de Santa Cruz Pachacuti,

cronista indio que pergueño a comienzos del siglo XVII una valiosa y muy poco divulgada historia

de los incas. o cronista no seu texto de diz originário de :


Yo, don Juan de Santacruz Pachacuti yamque Salca Maihua, cristiano por la gracia de dios nuestro
señor, natural de los pueblos de Santiago de hanan Huaihua y Hurin canchis de Orcosuyo entre
canas y Canchis de Collasuyo. (PACHACUTI, 1996, p. )

Santa Cruz Pachacuti revela dois aspectos importantes e talvez os que mais definem e

pautam as tensoẽs mais visíveis na sua Relación, que são como veremos ao longo deste capítulo, sua

origem e pertencimento à região do Collasuyo e seu constante énfasis em ser totalmente adepto crente

é filho de deus. Esses dois pontos essenciais na vida do Pachacuti definirão e de alguma

maneira explicaram grande parte da sua narrativa e discursividade histórica. É muito provável que

sua militância na fé cristã corresponda ao origen de seu documento, pois este foi encontrado segundo

o mesmo Aranibar nos papéis do famoso extirpador de idolatrias Francisco de Avila, por isso é

possível que a Relación tenha sido elaborada antes de 1630.

II

De Adão a Manco Capác de Eva a Mama Ocllo/Huaco

A construção de uma narrativa histórica sobre o passado andino pre-inca, aparece como

uns dos principais argumentos para se posicionar política e socialmente de parte dos cronistas em

questão diante da administração colonial, ou seja, era importante para eles delimitar uma posição e
valoração negativa ou positiva a respeito dos últimos governantes e dominadores do espaço andino

antes da chegada dos espanhóis. Isto estaria estimulado pelos mais variados objetivos e fins políticos

que pretendiam atingir os cronistas com a produção de seus manuscritos.

Um dos pontos de partida para a presente análise devem ser os modelos historiográficos

com os quais os cronistas começaram a elaborar suas histórias dos Andes, sobre qual tipo de filtro e

forma de se escrever a história esses autores julgaram e encaixaram os relatos orais aos quais tiveram

acesso ao longo da sua vida. Aqui nos encontramos com um duplo exercício por parte dos cronistas

que se proclamavam como conhecedores de viva voz das histórias de seus ancestrais, assim como

com o poder, graça e conhecimento do deus cristão para avaliar ditas histórias e serem levadas escrita

alfabética cristã da época.

Se bem nossos três cronistas tiveram uma comum preocupação em relacionar o passado

prehispánico a alguns eventos e milagres do mundo cristão, assim como uma urgência política em

reivindicar um prévio conhecimento e preparação para o conhecimento do Deus dos povos andinos,

exceptuando o Garcilaso, somente seria Guaman Poma de Ayala quem desde o início de seu

texto procura vincular a história universal de matriz cristã/bíblica com a história andina. Aqui

voltamos à definição da López -Baralt ao calificar a história do Guaman Poma como de caráter

universal e providencialista.

Sobre o anterior, Liliana Regalado de Hurtado (2010) comenta que a ideia sobre uma

vocação universal da história com um início e fim, assim como a concepção de dita história como

caminho para a salvação, encontra-se num período de transição entre o fim do mundo antigo e o

começo do medieval. A autora acrescenta que uma das grandes influências da concepção cristã do

tempo e da história na época foi a noção de revelação, quer dizer, que o plano de Deus (o único) se

revela aos homens através do simbólico e alegórico, a história passará a ser a peregrinação até a

salvação com Cristo como protagonista principal deste processo, que vai desde a criação genesiana

até o fim dos tempos ou o apocalipse.


Falamos no início que o único que faz uma menção explícita ao gênesis bíblico

é Guaman Poma de Ayala, além de registrar outros eventos importantes da bíblia e que teriam

relação com a ideia universal do povoamento do mundo. Nesta questão é importante para abrir o

análise e ilustrar melhor o Gênesis GuamanPomiano o desenho do autor sobre a Arca de Noé onde

inclui uma espécie originária dos Andes Centrais, uma Llama:

El segundo mundo de Noé, p. 24


tomada de : http://www5.kb.dk/permalink/2006/poma/24/es/text/?open=idm45821230772128
Para Fernando Amaya Farias (2012), Guaman Poma cristianiza os relatos andinos da

criação, para o autor, em dita construção o cronista ladino pretende mostrar que o universo indigena

es produto de um longo processo criacional por parte do deus cristão ao interior da diversidade

humana. Em efeito, a proposta universalizante de Guaman Poma começa com os que seriam os pais

da humanidade Adão e Eva :


Primera generación del mundo de Adan y su mujer Eva fue criado por Dios su cuerpo e anima [...]
Estos dichos hombres (descendentes de Adão e Eva) cada uno de ellos y sus multiplicó vivieron
muy muchos años, solo Adan y Eva vivirían dos o tres mil años, parian de dos en dos. Y así fue
necesario henchir el mundo de gente. ( GUAMAN POMA, 2008, p. 25).

Apesar de que Guaman Poma identifica a origem universal de tudo com a referência de

Adão e Eva, é só a partir de Noé e do dilúvio que os primeiros runa ou gentes do mundo
andino viriam aparecer. Neste ponto acredito que existe um primeiro exercício do autor andino sobre

uma mobilização e uso tanto do passado e história cristã/universal assim como do andino, com um

teor mais político e em menor grau religioso. Isto último, muito provavelmente obedeceria a uma

intenção de parte do autor índio por marcar e enfatizar uma distância de tipo moral das primeiras

humanidades dos Andes em relação aos homens e as causas que provocaram o primeiro castigo do

deus cristão sobre a terra com o dilúvio:

Estuvo lleno el mundo de hombres que no cabían, y éstos no conocieron a criador y hacedor de los hombres,
y así de esto mandó Dios fuese castigado el mundo, dentro, todo criado, por sus pecados fue castigado con
las aguas del diluvio y fue determinado por Dios que se salvasé Noé con sus hijos en la arca de Dios.
(GUAMAN POMA, 2008, p. 25)

Nesse sentido, seria possível afirmar que um dos principais argumentos na plataforma

política de reclamações por um Buen Gobierno por parte de cronista índio é a construção de

uma narrativa histórica e diferença entre a própria origem genesianica do mundo e o surgimento das

primeiras humanidades andinas. Esta ideia que estou propondo pode ser reforçada por exemplo na

distinção que ele faz sobre que os homens da época de Noé no conocieron al criador y hacedor de

los hombres em contraposição a primeira geração andina que sairia após diluvio de Noé chamada de

Uari Uiracocha Runa sobre os quais comenta que !Oh que guente buena!, tenían una sombrilla y luz

del conocimiento y hacedor del cielo y de la tierra.

A pesar de que a versão da origem dos andinos que faz Guaman Poma as vezes é um

pouco confusa e contraditória pois também afirma que poderiam ter saído do Adão, o mesmo autor

cada vez que inicia a narração sobre uma nova era ou humanidade andina sempre faz um percurso

genealógico colocando o início dos mesmos após o dilúvio. É assim que, de acordo a Guaman Poma

e como tentarei demonstrar ao longo deste capítulo, o tipo de sociedade ideal, com um certo grau de

inocência e conhecimento de Deus e seus mandamentos está entre a descendência de Noé e a última

humanidade andina antes dos incas, mas, sobre isso aprofundaremos mais adiante.
No que se refere aos textos do Inca Garcilaso e de Juan de Santa Cruz Pachacuti, estes

não fazem uma menção explícita ao gênesis cristão, no entanto, seus escritos começam pela descrição

de umas primeiras idades andinas com valoraçoẽs totalmente diferentes dàs que faz Guaman Poma

de Ayala.

No caso dos Comentarios Reales do Inca Garcilaso de la Vega encontramos no início do

seu texto uma preocupação sobre a descrição de si el mundo es uno solo o hay muchos mundos. O

Inca dá o apelativo de heréticas imaginaciones as versoẽs que dúvidam tanto da existência de um

mundo só, como da redondez do mesmo, além disso, o autor faz referências às várias zonas do mundo

das quais segundo o Inca nenhuma sería inhabitavel porque En buena consideración no es de

imaginar, cuánto más de creer, que partes tan grandes del mundo las hiciese Dios inútiles habiendolo

criado todo para que lo habitasen los hombres.

A pesar de que o Inca Garcilaso não se afasta dos principais preceitos do cristianismo

sobre a existência de um deus criador único de todo, uma marcada diferença com o Guaman Poma é

sua quase sua indiferença para explicar o origem dos andinos como ele aponta na seguinte passagem :

Y porque en cosas tan inciertas, es perdido el trabajo que se gasta en quererlas saber, las dejaŕe,
porque tengo menos suficiencia en otro para inquirirlas. Solamente trataré del origen de los
reyes incas y de la sucesión dellos, sus conquistas sus leyes y gobierno en paz y en guerra
(GARCILASO DE LA VEGA, xxx, p. 20)

O Inca Garcilaso dedica poucas linhas ao que seria a possível origem e povoamento do

chamado Novo Mundo, isso em parte pode corresponder como bem aponta o trecho citado, a sua

preferência com o período de dominação incaica. Aqui novamente é importante frisar o

distanciamento no que a mobilização, apresentação e tessitura do discurso histórico se refere em

comparação ao Guaman Poma de Ayala, porque, enquanto para o Guaman Poma a principal

ferramenta política diante do Rei Felipe III é a exaltação moral dos primeiros andinos, para o inca

Garcilaso sua filiação à elite incaica faz com que sua valoração do período inca tenha mais

importância e protagonismo no seu texto que as eras ou períodos anteriores aos incas.
Por outro lado, Don Juan de Santa Cruz Pachacuti da abertura a sua crônica fazendo

quase um manifesto sobre sua defesa da igreja em Roma y militancia no catolicismo como crente na

trindade e no deus único e criador das coisas, isto provavelmente se deve a seu envolvimento numa

instituição como a Extirpação de Idolatrias a inícios do século XVII:


Como digo, creo en dios trino y uno, el cual poderoso dios que creó el cielo y la tierra y todas las cosas
que en ellos están, como sol y luna, estrellas, luceros rayos, relámpagos y truenos y todos los elementos.
Luego creó al primer hombre Adán y a Eva su mujer, a su imagen y semejanza, progenitores del genero
humano, cuya descendencia somos los naturales de Tauantinsuyo como las demas naciones que están
pobladas en todo el universo mundo, así blanco y negros. (PACHACUTI, 1995, p. 4-5).

Santa Cruz Pachacuti segue a mesma linha do Guaman Poma ao estabelecer uma

genealogia direta entre os primeiros seres criados por o deus cristão e os primeiros habitantes do

Tahuantinsuyo, nenhum dos dois cronistas faz algum tipo de alusão sobre as diversas possibilidades

de povoamento do continente americano como faz por exemplo Garcilaso, para eles o mais importante

e no que focam sua ênfase é sobre a adesão da história andina à história gesianica/universal. No

entanto, considero que a origem genesianica dos povos dos Andes centrais, é apenas a apertura que

farão tanto Guaman Poma quanto Santa Cruz Pachacuti para de algum modo defender uma das ideias

principais de seus textos, que é a inclusão e compactação entre os povos andinos e a história

bíblica/cristã.

Nesse sentido propomos que a existência de um afastamento entre o Inca Garcilaso de

um lado, e Guaman Poma e Juan de Santa Cruz Pachacuti do outro, seŕá mais evidente na descrição

que os autores fazem da origem do Novo Mundo até a chegada e assentamento dos incas na capital

do poder cuzquenha. É naquele contexto onde o uso e a apropriação do passado andino é mobilizado

de forma bastante divergente entre os autores, algo que corresponderia segundo nossa interpretação

ao pertencimento tanto do Guaman Poma como do Santa Cruz Pachacuti a etnias e grupos que

estavam sob dominação dos Incas, entanto que pelo lado do Garcilaso sua ligação materna a elite fará

com que esteja mais preocupado com a história inca além de ponderar uma presença de valores

morais nos Andes somente a partir da era inca.


Estas questoẽs levantadas acima nos podem levar a pensar em como é difícil e pouco

frutífero aos estudos históricos sobre o período colonial e prehispánico da América, estabelecer

dicotomias o generalizações fechadas sobre dominadores e dominados sem que se leve em conta as

diversas formas de agência por parte dos sujeitos que às vezes podem ser vistos como simples

dominados sem perceber como acionaram diversos mecanismos de resposta e resistência no contexto

do mundo colonial, por exemplo na hora de elaborar e emitir um discurso histórico sobre seus

antepassados.

Voltando ao Inca Garcilaso e mais especificamente ao capítulo IX intitulado La idolatria

y los dioses que adoraban antes de los Incas de seu livro primeiro dos Comentarios reales, o autor

mestizo faz uma divisão que para o presente trabalho interessa muito. O inca nos diz que:
Para que se entienda mejor la idolatría, vida y costumbre de los indios del Perú, será necesario
dividamos aquellos siglos en dos edades: diremos cómo vivián antes de los Incas y luego diremos
como gobernaron aquellos Reyes, para que no se confunda lo uno con lo otro ni se atribuyan las
costumbres ni los dioses de los unos a los otros. (GARCILASO DE LA VEGA, xxx, p. 36)

O autor deixa bem explícito qual será o tom de desenvolvimento de seu relato,

estabelecendo uma divisão entre período inca e pré inca. Para Garcilaso é de vital importância

estipular uma diferença entre o que ela chama de primera edad y antigua gentilidad e o governo dos

reis incas, pois para ele foi naquela antigua gentilidad onde teria lugar alguns dos principais erros e

vícios, entre eles um dos mais condenáveis no contexto do catolicismo colonial, a Idolatria. É assim

que acreditamos que tem e toma mais sentido o porque do Inca não falar nada a respeito de uma

possível origem bíblica dos primeiros andinos, pois além da idolatria são várias as faltas e pecados

que menciona o Inca sobre as primeiras gentes, como são : a) dos sacrifícios: “conforme a la vileza

y bajeza era también la crueldad y barbariedad de los sacrificios de aquella antigua idolatria. b)

sua organização social e política: En la manera e sus habitaciones y pueblos tenían aquellos gentiles

la misma barbariedad que en sus dioses y sacrificios. C) sua organização de parentesco: En las demás

costumbres, como el casar y el juntarse no fueron mejores que los indios de aquella gentilidad, porque

muchas naciones se juntaban al coito como bestias.


O tratamento do Garcilaso sobre os grupos que habitavam os Andes centrais antes da

dominação inca é totalmente invertida em relação ao que nos oferecem os textos de Guaman Poma e

Juan de Santa Cruz Pachacuti, para o Inca, nesses povos há uma inexistência de cualquier tipo de

moral e valores cristãos, desde práticas idolátricas e de sacrifícios sendo estas as mais condenáveis

na tradição cristã da época, até a má alimentação e barbariedade na forma de se organizar

socialmente. É evidente aqui, como apontado acima, o papel que jogam as raízes maternas incaicas

no Garcilaso na visão e ressignificação do passado andino.

Por outro lado, é bastante eloquente por exemplo que o Inca Garcilaso não faz menção

nenhuma a alguma divindade que participe do processo de criação do mundo andino como é o caso de

Viracocha a qual goza de um papel e status protagônico nos textos dos séculos XVI e XVII. Se

considerarmos de acordo a bibliografia sobre o tema de Viracocha como uma divindade de

características panadinda e com uma ampla tradição e disseminação inclusive antes da era inca, e

além disso, como a que serviu de analogia entre o deus criador crtisão e o ‘andino”

(ROSTOWROSKI, 2007) (RIAVARA DA TUESTA, 2000) (RIVERA ANDIA, 2005) (PEASE,

2010), isto reforçaria nossa hipótese sobre o desprestígio que dá o Inca Garcilaso ao período pré inca,

pois como veremos mais para frente é a divindade solar a qual parece na sua crónica com maior

protagonismo, pois seria esta divindade solar e não Viracocha como aparece em outros documentos

a que enviaria seus filhos os incas aos Andes para que ensinarem y les diesen preceptos y leyes en

que viviesen como hombres de razón e urbanidad.

Nesse sentido, os portadores de altos valores morais assim como da adoração e

reconhecimento de um único deus, segundo a versão do Garcilaso, são os incas, os quais tirariam

aquellas gentes da obscuridade e barbariedade. Isto último seria uma das principais rupturas e pontos

de inflexão na história que nos traz Garcilaso. A pesar de que a seguinte cita é um pouco extensa,

achamos necessário e pertinente expor a forma como o Garcilaso enaltece a figura divina e

providencial dos incas :


Viviendo o muriendo aquellas gentes de la manera que hemos visto, permitió Dios nuestro señor,
que dellos mismos saliese un lucero del alba que en quellas escurisimas tinieblas les diese alguna
noticia de la ley natural y de la urbanidad y respetos que los hombres debían tenerse unos a otros,
y que los descendientes de aquel, porcediendo de bien en mejor, cultivasen aquellas fieras y las
convirtiesen en hombres, haciendoles capaces de razón y de cualquiera buena doctrina; para que
cuando el mismo Dios, sol de justicia tuviese por bien de enviar la luz de sus divinos rayos a
aquellos idólatras los hallase no tan salvajes, sino más dociles para recibir la fé catolica y
enseñanza y doctrina de nuestra santa madre Iglesia Romana., como después acá lo han recibido
según se verá lo uno y lo otro en el discurso desta historia . (GARCILASO,1967, p. 46).

Garcilaso no XV capítulo ao qual pertence o trecho anterior chamado El origen de los

Reyes incas manifesta que a interferência da providência divina assim como a preparação para tirar

aos gentios bárbaros de seu estado de obscuridade e que assim pudessem receber a palavra e fé de

deus e de sua igreja será por meio de seus enviados aos Andes, os incas, e sobre os que, como bem

nos diz garcilaso na última frase da cita anterior, ele fará o discurso da sua história.

Isto último também marca um grande afastamento entre as narrativas de Garcilaso,

Guaman Poma e Juan de Santa Cruz Pachacuti, pois para estes dois últimos é nas idades prévias aos

incas onde os andinos foram preparados para receber o evangelho, inclusive com a própria presença

de Jesus cristo e alguns apóstolos como São Tomás. Agora, vejamos o que dizem esses cronistas sobre

este assunto.

Santa Cruz Pachacuti quem segundo Angela Brechetti (2013) era descendente da nobreza

colla, uma etnia do sur andino que ficou sob domínio inca -um dado que não deve ser ignorado-, nos

apresenta como primeira era o primeira geração humana o purumpacha . Este primeiro tempo, Santa

Cruz Pachacuti o descreve como uma época onde começou a ser povoado todo o espaço andino, e no

qual a causa de falta de terras e locais de assentamento foi um tempo de guerras e disputas entre

diversos grupos, além disso era um tempo onde havia presença de Hapiñuños, os quais Diego

Gonzales de Holguín em seu Vocabulario de la Lengua General del Perú do ano 1606 os define

como fantasma o duende que solía aparecerse con dos tetas largas. Sobre estas entidades Santa Cruz

Pachacuti escreve que eran tiranos infernales enemigos del genero humano. Ressalto o fato de que

Santa Cruz inclua na sua narrativa uma figura como a dos Hapinũnõs, os quais ele eleva ao grau de

demonios , que no contexto da época descrita do Purumpacha dão e possibilitam o contraste para
que o autor andino invoque a presença do próprio Jesucristo na sua Relación, De eso se entiende que

los demonios fueron vencidos por jesucristo O que seguramente foi uma estratégia discursiva de

parte de Santa Cruz Pachacuti para de forma indireta demonstrar um primeiro contato e aproximação

das primeiras idades andinas pré incaicas com o cristianismo.

Para além do anterior, Santa Cruz Pachacuti parece que, cria uma espécie de Genealogia

cristã na sua crônica com a qual reforça uns dos principais argumentos do seu texto que é a aptidão

para os andinos conhecerem e receberem o evangelho. Esta genealogia cristã começaria com a

derrota e expulsão dos hapiñuños como exposto acima por meio de Jesus Cristo e continuaria com o

aparecimento, chegada e pregação no espaço andino do apóstolo Santo Tomás quem seria

identificado também pelo cronista índio com o deus do sur andino, Tonapa.

Sobre a ideia de uma pregação apostólica nas Américas antes da chegada dos ibéricos, o

historiador brasilero Sérgio Buarque de Holanda em sua obra Visão do Paraiso (2000) nos diz que

uma das portas de entrada para a idéia da pregação tomasina na América foram os primeiros

missionários chegados no Brasil, que trouxeram a lenda sobre a associação da conversão de povos

asiáticos ao cristianismo devido às prédicas de São Tomé. O autor a acrescenta que as primeiras

experiências das missoẽs portuguesas no extremo oriente, ajudou a que as pisadas de São Tome

fossem visualizadas também na América. O rastro de Tomás não seria visto só no Brasil, e sim

também no Paraguai, na região do Plata e no Perú expoẽ o autor.

Para Marcela Pezzuto (2016) uns dos principais preceitos evangélicos do livro de San

Marcos geraria uma forte adesão e crença de que na América se deveriam repetir as experiências dos

discípulos de Cristo em oriente. A autora ainda diz que :


Más allá de evaluar dichas visitas apostólicas a la luz de diversas pujas de poderes entre ámbitos
religiosos y políticos, o representando creencias religiosas que aglutinaban a los indígenas; lo
cierto es que no puede dejar de considerarselas a la luz de los ideales utópicos de la época, es
decir la tradición cristiana de rasgos humanistas trasladada a América desde el viejo
continente por órdenes religiosas y por civiles, Así los ideales utópicos que impregnaban el
ambiente europeo del siglo XVI generaron una literatura descubrimientos geográficos, regiones
exóticas, nuevos comienzos sociales en espacios felices con abundancia de bienes materiales entre
otros atributos. (PEZZUTO, 2016, p. 8)

A autora faz a enfase em que o clima intelectual utópico da época, reforçado entre outras

coisas pela reconquista dos reinos critãos de Granada em 1492, permitiu que a narrativa sobre São

Tomé fosse facilmente difundida e adaptada na América. Nesse sentido, Carlos Page (2017) também

nos diz ao respeito que depois da igreja reconhecer que dito apóstolo tinha estado em oriente onde os

portugueses levantaram uma igreja em honor a ele, a hagiografia sobre o apóstolo se ocuparia de

proporcionar a versão de que este passaria e se estabeleceria por um longo período de Tempo na

América. Pode-se dizer então, que existia o interesse com determinados fins políticos e econômicos

por parte de alguns setores da igreja em tentar vincular e demonstrar certa aptidão e sensibilidade por

parte dos povos recém descobertos a receber a nova religião trazida pelos ibéricos. Estes interesses

fariam que o uso da ideia dos apóstolos pregando pelo Novo Mundo fosse um dos argumentos

nos principais debates intelectuais na época sobre o direito a colonizar ou até de fazer a guerra aos

povos americanos, porém, esta discussão escapa ao presente capítulo.

Como comentado acima, a representação que faz Santa Cruz Pachacuti da presença do

apóstolo de Jesus nos Andes é vinculada e fusionada com uma divindade de muita importância no sur

andino, Tonapa

Pasados algunos años después de haber echado a los demonios hapuñuños de esta tierra ha llegdo
a estas provincias y reinos del Tahuantinsuyo un hombre barbudo, mediano de cuerpo y con
cabellos largos, con camisa algo larga. Dicen que era ya hombre más que pasado de Mozo, que
tria canas y era flaco, el cual andaba con us bordón. Y que enseñaba a los naturales con gran amor
llamándoles a todos hijos e hijas. A este varón le llmaban o nombraban Tonapa [...] Aunque
lespredicaba siempre no fue oido porque los naturales de aquel tiempo no hicieron caudal ni cas
del hombre. Pues se llamó a esta varón Tonapa huiracochampa cachan, no será este el hombre el
glorioso apostol Santo Tomas? (PACHACUTI, 1995, p. 9)

Sobre Tonapa Maria Rostoworoski (2007) nos diz que foi umas das divindades mais

prestigiosas do sur andino, principalmente da região que na época dos Incas foi conhecida como

collasuyo, além disso, nos acrescenta a autora que o culto e popularidade de Tonapa sería muito
anterior a Viracocha, divindade esta a qual tem uma maior participação nos textos de Guaman Poma

de Ayala e alguns cronistas espanhóis como veremos ao longo desta pesquisa. Por outro lado, autores

como Franklin Pease (2009) e Fernando Allaga (1987) exponem que Tonapa, entre outras divindades

do mundo andino poderiam ter sido variantes de culto regionais de Viracocha ou de uma divindade

similar. Longe de querer elaborar o descrever a “verdadeira essência” de Tonapa o do mesmo

Viracocha, nos interessa é observar os distintos usos e reinterpertaçoẽs e principalmente negociações

que fazem os cronistas das categorias de pensamento andino em seu embate com as visoẽs de mundo

que chegavam de fora, e não me refiro somente as originadas com a colonização espanhola, e sim

também as impostas com o domínio e expansão do culto e religião inca, e sua fricção com as crenças

e cultos locais.

Luis Millones (2008) nos alerta sobre os os cuidados e precauçoẽs na hora de abordar

os deuses andinos, o antropólogo peruano aponta que em contraste com a Mesoamérica a informação

do mundo andino sobre seus deuses nos documentos dos XVI e XVII passa por uma vehemente

actividad cristianizadora que daba muy poco para entender las sutilezas del panteón andino ( p.

173). Sobre este mesmo assunto e mais especificamente sobre a personificação das entidades divinas

andinas por parte de cronística vicereal peruana, Millones escreve que :


En todo caso queda claro que las divinidades americanas, en las crónicas andinas se visualizan en
forma humana, Existe con frecuencia el interés de cierta corriente de cronistas o historiadores del
XVII y del XVIII de enttemezclar en panteón precolombino con la figura de los predicadores que
habrían llegado milagrosamente. Este acontecimiento resultaba ser un buen argumento para
probar la capacidad de los indígenas acercarse al mensaje cristiano (MILLONES, 173)

Além da necessidade de alguns cronistas em personificar e comprovar a presença e

passo dos apóstolos na América, houve também por parte da empresa conquistadora e do pensamento

cristão, segundo explica Thérèsse Bouysse-Cassagne (1997) um uso da tradição hagiográfica ou da

história santa para se relacionar e se familiarizar à tradição e pensamento indigena da América pela

rápida eficácia que isto demonstro no âmbito da evangelização dos povos, quer dizer que, no caso

específico da pregação dos santos apóstolos na América houve uma importante confluência de
interesses, onde vários atores encontraram ferramentas e um meio de poder para cumprir seus

objetivos, tanto de cronistas nativos como de funcionários de algumas missoẽs que fizeram parte do

processo colonizador.

O outro caso representativo deste tipo de fenômenos é a Nueva Coronica y Buen gobierno

com a diferença que Guaman Poma não fala de Saão Tomé, senão do Apostol San Bartolome do qual

também elaborou um desenho no seu manuscrito:

Sobre a travessia de São Bartolomeu na América Guaman Poma relata que uns dos

primeiros milagres de Deus nos Andes será a chegada do apóstolo em alguns povoados andinos:
MIlagro de Dios del apóstol San Bartolomé. El primer milagro que hizo Dios en este reino por su
apóstol San Bartolomé es como se sigue: en el pueblo de Cacha de como abrazase el fuego del
cielo por el mal apedreado con hondas, comenzando para matarle y echarle al santo. (GUAMAN
POMA , 2008, p. 72)
Guaman Poma apresenta a figura do apóstolo pregador nas Américas com algumas

pequenas diferenças em relação ao texto de Santa Cruz Pachacuti. Uma delas é sobre o próprio

apóstolo, pois para ele é Bartolomé e não Tomé. Sobre isso, e retomando a aymarista Theréssè

Boysse-Cassagne (1988) nos diz que a conquista da América sendo entendida por parte dos espanhóis

como uma obra de milagres de virgens e apóstolos, muitos dos conquistadores se enxergavam e foram

enxergados como atuando sob a iluminação e direção dos apóstolos, é assim que, segundo aponta

Bouysse-Cassagne, conquista e hagiografia estavam profundamente ligadas e os santos Tomé

e Bartolomeu seriam estreitamente vinculados numa mesma imagem e numa empresa, até o ponto

de confundir se suas peripécias e suas lendas para elaborar uma mesma figura de santo americana.

Apesar da diferença do apóstolo nesses textos, tanto Guaman Poma de Ayala quanto

Santa Cruz Pachacuti os representam com várias similitudes. Uma delas se refere a uma questão

espacial, pois Guaman Poma localiza a chegada de São Bartolomeu na região Colla o Collasuyo ao

igual que faz Santa Cruz Pachacuti, além disso, este último o identifica com uma divindade que

muito provavelmente é originária desta mesma região do sur andino. Por outro lado, os dois relatos

mostram uma semelhança no tratamento recebido pelos predicadores na suas primeiras caminhadas

dos Andes, ao ser no caso de Guaman Poma apedreado com hondas, comenzado para matarle y

echarle al santo enquanto Santa Cruz Pachacuti diz que anduvo por todas de los collasuyos

predicandoles sin descansar, de donde fue echado el gran varon con gran afrenta y vituperio.

No entanto, uma diferença não menor é a época em que ambos autores localizam o

apóstolo de Cristo nos Andes. Se para Santa Cruz Pachacuti isto ocorreu no tempo preincaico do

purumpcha, no caso de Guaman Poma isto aconteceria já no tempos dos incas, pois segundo é

relatado na Nueva Coronica os apóstolos se repartiram ao longo e amplo do mundo depois da morte

e ressurreição de jesucristo algo que segundo o autor passaria no reinado do segundo inca Sinche

roca. Assim, e segundo uma certa ambiguidade do Guaman Poma, se podría pensar que o período

em que o autor localiza a prédica do Santo Apóstolo é entre o fim do reinado de Sinche roca (segundo

inca de acordo à cronologia guamanpomiana) e o terceiro inca Yoque Yupanqi. Nesse ponto também
é importante observar que Guaman Poma descreve os milagres e incursoẽs do Bartolomeu longe do

centro de poder inca. Ao texto do Guaman Poma retornaremos depois, vejamos que outras

informaçoẽs nos oferece la Relación de Santa Cruz Pachacuti.

Como expliquei em alguma passagem, Pachacuti cria a nosso entendimento uma

Genealogia cristã com Jesus Cristo e São Tomé conectada à história e transcurrir do tempo andino,

pois como veremos, a continuação da tarefa começada com Jesus ao expulsar os demônios dos Andes

é mantida com a pregação e milagres de São Tomé e finalizada com o primeiro inca Manco Capac:
Dicen que aquel palo que había dejado Tonapa entregandolo en las manos apo tampo se convirtió
en oro fino en el nacimiento de su descendiente llamado Manco Capác inca, cuyos hermanos y
hermanas eran 7, llamados Ayar Cachi, Ayar Uchu,Ayar Auca, etc. (PACHACUTI, 1996, p. 15)

Existe então um vínculo direto entre Tonapa que deixaria o palo que pode ser

compreendido aqui como um tipo de insígnia ou cetro real inca para a posterior fundação e

estabelecimento dos incas em Cuzco, e isto faz, como veremos nos seguintes items com que Pachacuti

descreva ao primer inca como inimigo das huacas e das idolatrias. Nesse sentido é possível afirmar

que se Pachacuti se afasta do Inca Garcilaso e se assemelha ao Guaman Poma no que se refere a

descrição das primeiras gentes e habitantes dos Andes, na hora de relatar o início da dominação

incaica ele fica mais perto da Garcilaso e na beira oposta de Guaman Poma.

Antes de continuar com as análises dos textos é importante trazer na presente discussão

um dos possíveis motivos que mobilizaram a ideia da pregação apostólica na América entre outros

eventos, o messianismo. Este conceito assim como seus correlatos como o

de Milenarismo possuem uma ampla trajetória de estudos, a maioria destes estudos partem desde o

período colonial, entre eles posso citar aqui o do Enrique Urbano (2000) sobre o ciclo mítico

do Viracocha divindade da qual já falamos, ou os trabalhos de Juan Ossio sobre o mito do Inkarri

onde o autor o analisa desde os primórdios coloniais até etnografias mais contemporâneas.

Ana de Zaballa (2001) ao se referir à historiografia dos milenarismos e mesianismos no

âmbito Americano, nos diz que as bases destes estudos partem da análise da presença destas ideias
no âmbito da colonização espanhola na América. Também, segundo a autora, a partir de que se

comprovou uma continuidade destas ideias messiânicas até o século XX, aumentaram os interesses

de estudo deste fenômeno no contexto da América Latina. Esta mesma autora que tem dedicado

grande parte de sua vida e trajetória acadêmica ao estudo destas questoẽs nos oferece dois

definições bem pontuais sobre o milenarismo e o mesianismo :


En términos generales se llama milenarismo a la doctrina que espera un reino temporal de Cristo
y de sus santos sobre la tierra antes del fin del mundo. El nombre de milenarismo proviene de la
duración de mil años atribuida a ese reino intermedio, de carácter intrahistórico es decir, entre el
mundo actual y el moderno. [...] Se entiende por mesianismo la espera o esperanza del Mesías;
y, por extensión, toda esperanza de una liberación o de una salvación, de una na- ción o de un
pueblo. Esta esperanza del Mesías existió no sólo entre los judíos, sino también entre los
musulmanes; en efecto, bajo la dominación del Islam fueron numerosos los «mesías» que
aparecieron en Oriente. Los cristianos, en cambio, sólo esperamos una «segunda veni- da» del
Mesías, puesto que ya consideramos realizada temporalmente la primera venida, to- davía ansiada
por los judíos y musulmanes. (ZAVALLA, 2001, p. 356-358)

Para George Minois (2015) o messianismo parte de uma tradição de anúncios proféticos

com raízes bíblicas que no início e tal vez foi o que se impôs na América foi de um caráter de falta-

castigo-restauração. É claro que desde um ponto de vista conceitual istos dois termos merecem um

maior número de páginas e análise, mas, por enquanto vejamos de que forma a própria ideia do tempo

em nossos documentos textuais dos séculos XVI- XVII podem ser lidos nesta perspectiva messiânica

ou milenarista.

Sobre o messianismo nos documentos coloniais aparecem temas como o do mito do

Inkarri. Vários são os especialistas no tema, entre eles temos o trabalho feito pelo já

citado historiador peruano Franklin Pease. Para este autor, o mito do inkarri poderia ter uma base

na representação que fizeram os cronistas da segunda metade do XVI e inícios do XVII sobre a morte

tanto do Atahualpa como da queda do último reduto rebelde de Vilcabamba:


Prácticamente todas las versiones de Inkarrí conocidas dan cuenta de la muerte de Atahualpa en
Cajamarca. Al mismo tiempo proponen el renacimiento del Inka a partir de su residencia actual
en el subsuelo, donde quedó al invertirse el mundo como consecuencia del cataclismo cósmico
que supuso la desaparición del Tawantinsuyu. De hecho, el Inka fue remitido por éste a un caos
ctónico, subterráneo o "extranjero", de donde regresará cuando el mundo vuelva a "darse vuelta",
y el orden del Inka pueda ser restaurado con su resurrección, lo cual sugiere la esperanza
mesiánica en un nuevo tiempo sagrado y futuro, que garantice la vuelta al pasado considerado
como ideal y perfecto (PEASE, 1977, p. 28)

A pesar de que como aponta o mesmo Pease, as versoẽs do Inkarri mostram a imagem de

um inca que ressuscita algo que difere dos relatos dos cronistas como veremos ao longo desta tese, é

possível que parte da construção deste mito esteja influenciada pelos relatos dos cronistas que

descreveram a morte do Atahualpa após o famoso encontro em Cajamarca con Pizarro.

Por outro lado, o antropólogo Juan Ossio (2000) é um dos autores que têm trabalhado

com bastante detalhe aspectos do messianismo no mundo andino. Sobre o tema do

Inkarri especificamente nos diz que as mortes e extinção por meio da decapitação dos incas

Atahuallpa e Tupac Amaru I foi ao longo do tempo transmitindo a ideia de um destruição da

cosmologia andina causada pelo processo da conquista, isto provocaria que surgisse a imagem de

uma volta do inca e um possível retorno da antiga ordem no imaginário popular andino por meio de

pinturas, representações teatrais ou no propio mito do Inkarri.

Tanto Ossio quanto Pease trabalham com a hipótese que parte da construção do mito sobre

o Inkarri além de ter um alto componente de uma longa tradição oral andina, é também uma

construção produto das imagens e narrativa das execuxoẽs dos últimos incas feitas por algumas

crônicas dos séculos XVI e XVII. É assim que uma das possibilidades de leitura sobre vários dos

eventos narrados pelos nossos cronistas como os que estamos tratando aqui, e outros que surgiram no

decorrer da tese, é nessa chave messianica, o que muito provavelmente funcionó como caldo de

cultivo para amalgamar as concepcoẽs de tempo andinas e euopeias, assim como uma forma de

resistência ao futuro dos andinos para restabelecer sua antiga ordem. Isto último, muito

provavelmente esteja diretamente ligado e explicaria o uso ainda hoje no tempo presente de

categorias como pachacuti, no entanto, ainda temos caminho por percorrer e chegar nessas

considerações.
Agora bem, voltando ao relato de Santa Cruz Pahacuti, pode-se dizer que, pelo menos

em sua primeira parte desde a primeira era o Purumpacha até a vinculação que realiza entre Tonapa

ou São Tomé, faz uma clara defesa dos andinos assim como dele mesmo sobre suas boas disposiçoẽs

para o recebimento e cumprimento dos preceitos da fé cristã, reconhecendo de qualquer modo alguns

erros em que poderiam ter caído seus antepassados com relação às práticas idolátricas. Nesse

mesmo raciocínio, Nicolas Beauclair (2016) diz que o discurso histórico emitido por Santa Cruz

Pachacuti em sua Relação é possivelmente uma defesa que ele faz diante de alguns dos vários abusos

que sofreram os andinos em siatuaçoẽs como a campanha de exitrpação de idolatrias, inclusive,

segundo o autor, como estratégias e defesa contra acussaçoẽs que poderiam ter acontecido contra o

mesmo cronista. Beauclauir propoẽm que o texto de Santa Cruz Pachacuti tentaria cumprir com dois

objetivos bem específicos; uma defesa contra acusações de idolatria sobre os povos andinos, assim

como uma procura em estabelecer de novo uma harmonia e complementaridade entre andinos e

europeus que restaurasse de alguma forma a ordem e o equilíbrio no contexto na nova sociedade

colonial. Isto último seria uns dos principais motivos pelos que faria aquelas conexoẽs e entramados

entre a história andina e a história cristã.

A diferença de Garcilaso e Santa Cruz Pachacuti os quais dedicam uma extensão menor

ao relato da história antes dos incas, Felipe Guaman Poma de Ayala cria uma grande narrativa sobre

este período de tempo, que divide em quatro grandes eras:


Primera genereación de indos Uari Uiraocha Runa, p. 48
tomada de:http://www5.kb.dk/permalink/2006/poma/48/es/text/?open=idm45821230756976
Segunda generación de ndios Uari Runa , p. 53
tomada de : http://www5.kb.dk/permalink/2006/poma/53/es/text/?open=idm45821230756976
Tercera edad de indios Purun Runa, p. 57
tomada de : http://www5.kb.dk/permalink/2006/poma/57/es/text/?open=idm45821230756976

quarta edad de indio Auca runa, p. 63


tomada de : http://www5.kb.dk/permalink/2006/poma/63/es/text/?open=idm45821230756976

Essas idades são: Uari Uiracocha runa, Uari runa, purun runa e auca runa. Desde inícios

do século XX as idades e ideia de história descrita por Guaman Poma de Ayala instiga aos

especialistas do mundo andino, por exemplo uns dos primeiros textos foi o do conhecido arqueólogo

peruano Julio Cesar Tello que no de 1939 publicou a obra Las primeras edades en el Perú onde o

autor tenta encontrar as similitudes, correspondências e equivalências entre as idades descritas por

Guaman Poma e os diversos horizontes e períodos arqueológicos do Peru antigo. Por outro lado,

Franklin Pease (2010) se arrisca a dizer que a primeira imagem de uma história andina é a que está

plasmada na Nueva Coronica de Guaman Poma de Ayala. O debate em torno à história apresentada
por Guaman Poma de Ayala á levado que autores como o antropólogo peruano Juan Ossio (1977)

(2008) reconhecam o conflito assim como a convergência de variadas temporalidades na descrição

histórica que faz o autor andino. Ossio propoẽm que se bem Guaman Poma teve acesso e consulta a

vários livros que continham modelos europeus sobre o tempo e o calendário por outro lado, o mesmo

autor acrescenta que é inegável que um modelo e concepção do tempo dividido em idades também

possa ser entendido como algo próprio da América, para ele, isto estaria fundamentado

principalmente em alguns documentos e códices mesoamericanos. No entanto, este mesmo autor já

em um artigo de 1977, avisa sobre a dificuldade que tem os especialistas para conseguir discernir

através da documentação como a deixada por Guaman Poma sobre o que seria uma autêntica

concepção de tempo andina:


La creencia de que el mundo ha pasado por cuatro edades y que el presente está en una quinta
edad es descrita para el mundo andino prehispanico además de Guaman Poma por los cronistas,
Murua, Salinas y Cordova. Sin embargo por ser todos estos documentos un tanto tradios y porque
la división del mundo en edades era también parte de la tradicion historiografica judeocristiana,
algunos estudiosos de la sociedad andina prehispanica han sugerido que la división en edades no
fue originalmente andina [...] es verdad que en la medida que nuestra información acerca de la
sociedad andina prehispanica viene de segunda mano, todo intento de tratar de discernir el carácter
originalmente andino de algunas de las creencias siempre será hipotético. (OSSIO, 1977, p. 44)

É verdade que o texto do Ossio é antigo, no entanto, continua totalmente válido e vigente,

principalmente quando se pensa que é plausível encontrar ou rastrear uma espécie de purismo

andino em textos como os dos autores trabalhados nesta primeira seção. E é que de fato a riqueza e

força da descrição das idades andinas em Guaman Poma acreditamos que radica não numa suposta

"essência andina’ e sim na forma em que realiza e expoẽ uma trama que envolve a história bíblica

europeia com a história ou histórias andinas, conseguindo de forma muito ingeniosa e audaz

compactar distintos mundos numa mesma linha histórica, na qual convergem distintos povos, seres,

deuses, dataçoẽs e calendários, algo que salvando as proporçoẽs caminha do lado da proposta de

Juan de Santa Cruz Pachacuti.

O anterior é justificável desde o momento em que não é possível estudar as idades

andinas apresentadas por Guaman Poma de forma isolada, é necessário recorrer sempre, assim como
o mesmo autor faz na sua escrita às idades europeias, as quais saõ : I) Primera generación del mundo

de Adán y Eva, II) Segunda edad del mundo desde el arca de Noé, III) Tercera edad del mundo desde

Abraham, IV) Cuarta edad del mundo desde el Rey David, V) Quinta edad del mundo, desde el

nacimiento de nuestro señor Jesucristo.

Como colocamos no início desta seção, Guaman Poma as vezes cai numa certa

ambiguidade em referência sobre si os primeiros andinos saíram diretamente de Adão e Eva ou pós

dilúvio na época de Noé, porém, como também foi aqui dito, Guaman Poma sempre ao início e no

prólogo de cada idade andina reforça a genealogia andina com início em Noé. Sobre isto, Augusto

Cardich (1971) comenta que Guaman Poma assim como por un lado escreveu baseado no que ele

chama de aporte nativo ou seja da tradição oral andina, por outro, na época em que o cronista elaborou

seu relato a explicação biblica do passado adquiriu mais força, dita explicação sobre passado tinha

nesse tempo uma conotação positiva, ou seja, a aplicação da cronologia bíblica sobre o passado não

só tinha um sentido religioso, senão que também científico:

Primer mundo Adan y Eva, p. 22


Tomada de : http://www5.kb.dk/permalink/2006/poma/22/es/text/?open=idm45821230772128
Tercera edad del mundo de Abraham, p. 26
Tomada de : http://www5.kb.dk/permalink/2006/poma/26/es/text/?open=idm45821230772128
cuarta edad del mundo del Rey David, p. 28
tomada de : http://www5.kb.dk/permalink/2006/poma/28/es/text/?open=idm45821230772128
Quinta edad del mundo de Jesuscristo, p. 30
tomada de : http://www5.kb.dk/permalink/2006/poma/30/es/text/?open=idm45821230772128

Voltando às idades andinas apresentadas na Nueva Coronica, é importante dizer que uma

primeira diferença em relação a Santa Cruz Pachacuti e o Inca Garcilaso é sua maior dedicação a

atenção ao fazer uma subdivisão sobre o período pre-inca. Desde a primeira delas, Guaman Poma

começa a chamar atenção sobre um mínimo estado de inocência e conhecimento de um deus criador

por parte desta primeira humanidade. Os Uari Uiracocha Runa os quais a pesar de que ni sabian

hacer ropa, ni sabian hacer casas, vivian en cuevas y peñascos, tinham uma mínima noção sobre

algumas leis e mandamentos do seu único deus:


De como estas gentes, cada uno, fueron casados con sus mujeres y vivían sin pleitos y sin
pendencia ni tenían mala vida sino era sino todo era adorar y servir a Dios con sus mujeres, como
el profeta Isaias, en el salmo,rogaba a Dios por el mundo y pecadores y como Salomón dijo que
orasemos por la conversión de los projimos del mundo, así estas gentes se enseñaban a unos y a
otros entre ellos y pasaban así la vida dichos indios en este reino. (GUAMAN POMA, 2005, p,
45)

As boas relações, práticas e costumes será uma questão mantida pelo autor ladino

pelo menos até a idade que antecede aos incas, a era auca runa. O mais importante, no entanto, será

sua característica anti idolátrica e monoteista, estes dois aspectos serão desde nosso ponto de vista

os principais argumentos das idades apresentada por Guaman Poma de Ayala. Por exemplo na

segunda idade dos uari runa aparecem uns dos principais mandamentos do cristianismo Y tenían

mandamientos y ley entre ellos, y comenzarón a guardar y respetaron a sus padres y madres [...]. O

mesmo tom Guaman Poma usara para a terceira idade purun runa apresentando em muitas passagens

do textos virtudes como a caridade, e uma maior organização política. Além disso, e como falamos

ao início, o princípio fundamental destas idades é a adoração ao deus criador. Para a quarta idade

podemos observar uma queda nas boas costumes que até agora o cronista andino vinha apresentando

nas idades anteriores, é nesse sentido que Pierre Duviols comenta que:
Pero los progresos y la técnica y de la socialización van acompañados por una regresión de las
costumbres, de la moral cada vez más acentuada. A pesar de que, en lo religioso, permanecen
durante las cuatros edades en un estado de inocencia y cuasi perfección sin decaer -como veremos
más adelante- algunos vicios van surgiendo con el tiempo, y estos son suficientes para marcar sin
posible equivocación la curva descendiente de la moral (DUVIOLS, 1980, p. 10)

A leitura do andinista francês é bem acertada, pois é possível distinguir duas linhas em

direçoẽs contrarias na história do Guaman Poma, uma delas como bem aponta Duviols está

relacionada a questões de organização social, política e habitacional, na outra está uma aparente

aquisição de vícios assim como uma perda total da moral e dos bons valores que terá seu ápice com

a chegada das práticas idolátrica e adivinatorias por meio dos primeiros incas.
Mas, o que nos diz ou que podemos refletir sobre o esquema da história andina de Guaman

Poma e o apresentado sobre este mesmo período de tempo pelo Inca Garcilaso e Juan de Santa Cruz

Pachacuti? O primeiro ponto mais visível é a extensão que os três autores dão a esse período de

tempo, pois como foi possível observar, para o Inca Garcilaso assim como para Santa Cruz Pachacuti

existe só um período ou era pre inca, ou seja, só existiu uma primeira geração o idade humana, o que

difere das quatro idades anteriores descritas por Guaman Poma de Ayala, onde se permite elaborar

aquele avanço material andino em companhia de um retrocesso moral.

Uma das coisas que mais chamou a atenção, é que se lemos detidamente as virtudes

ruins dadas pelo Inca Garcilaso aos povos da primeira idade antes dos incas, Guaman Poma de

Ayala faz um trabalho inverso, e relata o sentido oposto dessas práticas narradas por Garcilaso. Me

estou refiriendo por exemplo ao tema dos sacrificios humanos, prática a qual segundo Garcilaso teve

presença na aquella antigua gentlidad e não na época dos incas: Volviendo a los sacrificios, decimos

que los Incas no los tuvieron ni los consintieron hacer de hombres o niños [...] enquanto Guaman

Poma de Ayala não faz referência alguma a prácticas de sacrifício humano nem animal nas eras pre

incaica, elas somente viriam aparecem no texto do cronista em algumas celebraçoẽs e festas incaicas,

um exemplo disso é no capítulo da Nueva Coronica sobre os meses e festas dos incas, onde no mês

de junho, quando acontece o inti raymi [...] enterraban a los ninõs inocentes, quinientos, y mucho oro

y plata y mullo y en este dicho mes en todo el reino.

Do tema dos sacrifícios passamos a questão das formas de moradia e organização social

e política. Nesse aspecto, ao mesmo tempo que Guaman Poma cria uma linha evolutiva que com o

passar das idades vão melhorando seus sistemas habitacionais e de moradia, para o Inca Garcilaso

estas gentes da primeira idade existiam da seguinte forma, Los mas políticos tenían sus pueblos

poblados sin plaza ni orden ni calles ni de casas, sino como un recogedero de bestias, algo parecido

também aconteceria com as formas de vestir. Mas, acreditamos que a principal diferença radica na

inversão que fazem ambos autores em relação ao monoteismo/politeismo destas primeiras gerações

de gentes. Como foi possível observar a principal virtude que permanece ao longo do tempo nas
quatro primeiras idades andinas de Guaman Poma é a adoração de um único deus, relacionando a

Viracocha com o Deus cristão, no caso do inca Garcilaso acontece todo o contrário pois a adoração

a uma multiplicidade de divindades seria um dos principais erros e pecados dos povos que habitavam

os Andes no inicio, erro o qual seria corrigido com a chegada dos incas. Tão importante resulta para

Garcilaso fazer essa distinção entre um período pre-inca idolátrico, e um inca antiidoltarico que :

Los españoles aplican otros muchos dioses a los incas por no saber dividir los tiempos y
las idolatrías de aquella primera edad y de las de la segunda. Y también por no saber la
propiedad del lenguaje para saber pedir y recebir la relación de los indios, de cuya inorancia
ha nacido dar a los incas muchos dioses o todos los que ellos quitaron a los indios que se
sujetaron. (GARCILASO, 1967, p. 80)

Garcilaso é tão audaz que culpabiliza a suposta idolatria encontrada e descrita pelos espanhóis

nos incas devido a sua falta de entendimento das línguas nativas, e, além disso, aproveita para

ressaltar que a idolatria e adoração a vários deuses foi coisa do passado e que foram os incas o

encarregados de tirar os pecados dos indígenas, algo que é evidentemente contrário à versão Guaman

Poma de Ayala como ele bem coloca nesta passagem ao se referir ao conjunto de idades que

antecederam aos incas:


De como no tenían huacas, ídolos, ni adoraban a las piedras ni al sol, ni a la luna, ni a las estrellas,
ni tenían templo cubierto [...] De como en aquel tiempo no se mataban ni se robaban, ni se echaban
maldiciones, ni había adúltera ni ofensa en servicio de Dios, ni había lujuria, envidia, avaricia,
gula, soberbia, ira, acidia, pereza y no habia dudas ni mentiras, sino todo en verdad y con ella una
sombrilla del conocimiento de Dios. (GUAMAN POMA, 2005, p. 59)

Si Guaman Poma de Ayala e o Inca Garcilaso de la Vega estão em pólos opostos, onde

cabe Juan de Santa Cruz Pachacuti nesta equação ? Talvez seja possível dizer que o relato de Santa

Cruz Pachacuti se apresenta de uma forma mais neutra em relação ao passado pre inca. Pois se por

um lado, não fala desse passado com as virtudes e bons costumes de Guaman Poma, também não

fala nada a respeito dos erros, pecados e vícios que assinala o Inca Garcilaso. Pachacuti ao nosso

modo de ver descreve o passado andino como o primer encontro e preparação dos andinos com o

cristianismo, que teriam uma espécie de genealogia cristã com Jesucristo-Tunapa/Santo Tomas-
Manco Capac (primer inca), olhando a esse passado nem de uma forma tão positiva como Guaman

Poma, nem tão negativa como o inca Garcilaso.

Avaliamos o uso e apropriação do tempo andino em três cronistas com um vínculo

ancestral ao espaço andino. Como foi observado, dito vínculo não significou uma representação e

descrição homogênea do tempo andino por parte desses três cronistas nem dos códigos e categorias

temporais cristãs vindas de fora, pelo contrário, isto ajudo a pensar no complexo mundo de relaçoẽs

de forças do mundo indigena, inclusive em tempos prehispanicos e inícios da colonização. Ou seja,

encontramos sujeitos que disputam seu discurso histórico não só perante a administração colonial,

senão muito provavelmente também diante das autoridades locais nativas que começaram a fazer

parte das tradições de pensamento e escrita andina. O que estímulo este fluxo de forças poderia

obedecer a questoẽs étnicas, políticas, sociais, econômicas, temporais, espaciais. No entanto, é muito

cedo para fazer avaliaçoẽs tão aprofundadas.

Este primeiro analise sobre o variado e complexo uso sobre o tempo, nos ajuda a avançar

no análise das categorias de matriz andina como o pachacuti, trabalho que terá que ser continuado e

acompanhado não só com análises de eventos de ruptura ao interior dos textos coloniais, e sim com

outras categorias de pensamento e cosmovisão andina como as de hanan/urin e huaca/apu. Em

suma, na sequência desta tese, além juntar ao análise as outras fontes principalmente de clérigos e

funcionários espanhóis sobre os itens levantados neste capítulo, pretendemos, tendo como base esse

contexto mais amplo, um análise mais focado a questões mais ligadas às cosmovisoẽs andinas

espaciais e temporais que aparecem nessas fontes, e não só de nosso objetivo principal é problema de

pesquisa que é o pachacuti, e sim também de outros conceitos como os assinalado acima.

Proposta de continuidade, que pode ser continuidade deste capítulo ou outro separado.

III

Duas invasoẽs : De Manco Capac (primeiro inca) a Francisco Pizarro


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