Arquivo
Arquivo
Neste primeiro ano de pesquisa nos propusemos enfrentar duas frentes no projeto
apresentado e financiado pela FAPESP, um deles era fazer um primeiro recorte analítico e de leitura
crítica de fontes e de bibliografia de apoio. Isto nos levou a focar em duas das fontes propostas no
projeto inicial que são a Nueva Coronica y Buen Gobierno de Felipe Guaman Poma de Ayala e a
Relação de antiguedades desde reyno del Perú de Juan de Santa Cruz Pachacuti. Além disso e com
o intuito de mergulhar inicialmente em textos elaborados por autores com algum grau de relação
ancestral ao mundo andino, chegamos ao encontro com outra fonte que não foi contemplada no
projeto inicial, mas que faz um uso do passado e das categorias do pensamento andino que nos
permitiu estabelecer um rico contraste com os outros textos, estou falando do famoso Inca Garcilaso
de la Vega e sua obra Los comentarios reales de los Incas. Baseados nesses primeiros três textos e
fazendo uma articulação crítica entre eles, elaboramos um primeiro esboço de capítulo sobre a disputa
do passado e tempo andino com o objetivo de deixar o caminho abonado na hora de aprofundar em
categorias mais específicas da cosmologia andina como o Pachacuti e seus termos correlatos
Pachacamac.
Neste primeiro capítulo, tentarei avaliar como são apresentadas algumas narrativas sobre
o passado andino em três cronistas que apesar de possuir um vínculo ancestral aos Andes, neles se
consegue observar umas certas disputas, tensoẽs e reinvidicaçoẽs no seus escritos. Isto
último, poderia influenciar de forma direta o uso, mobilização e sentido que eles dão ao tempo
andino e a categorias de matriz andina como o Pachacuti. Nosso objetivo aqui também será tentar
observar como estes sujeitos, mais que portadores de uma espécie de ethos e essência andina, foram
atores ativos na sociedade colonial que tentaram elaborar seus discursos históricos num complexo
mundo de relações de forças e influências. Assim, em anexo do presente relatório apresento esse
primeiro esboço de capítulo, com o intuito também de que dele surja uma primeira publicação em
Por outro lado, e como foi ressaltado pelo parecerista na avaliação do projeto, um dos
especialista como o professor Thiago Lima Nicodemo na área de Teoria de História e História da
Historiografia. Assim, o segundo objetivo deste primeiro tempo de pesquisa foi criar e começar a
estabelecer as pontes e diálogos entre nossa proposta de pesquisa e a Teoria da História. Para atingir
este objetivo, participei no programa de Estágio docente (PED) da Unicamp, na disciplina oferecida
iniciou fazendo um percurso por alguns clássicos da teoria histórica e sua profissionalização. Em um
segundo momento e depois de fazer aquele trajeto pelos clássicos da historiografia, buscou-se
questionar e analisar de forma crítica essas premissas fundantes da disciplina, trazendo leituras como
e o trabalho de Bruce Albert y Davi Kopenawa A queda do ceu. Nesse sentido, e motivado pelo
como as sociedades se relacionam com ele. Desse modo foi que nossa pesquisa que tem como
objetivo analisar um conceito temporal andino que não ocidental entre a segunda metade do século
XVI e inícios do XVII, nos levou a refletir sobre a relação entre nosso trabalho e o que consideramos
um negligenciamento por parte da Teoria da História no seu estudo de outras temporalidades. Sendo
assim, e com o objetivo de atingir esta nova demanda, além de continuar com nossos análises sobre
presente para ver em que contexto e por quais sujeitos, o Pachacuti estaria sendo usando, levando
em conta o convulsionado contexto latino-americano dos últimos anos, assim como a atual crise
ecológica que vive a humanidade inteira. Localizados neste contexto, surge a pergunta se o Pachacuti
continuaria sendo concebido como foi no passado, como um possível inicio/fim de algum tipo de
evento catastrófico, assim como a esperança de um futuro melhor onde tudo voltasse a uma certa
normalidade e harmonia.
tempo como acontece com o Pachacuti no espaço andino, que teve seus usos, adaptações e
interpretações na época colonial do vice-reino do Peru, pode nos ajudar a refletir e propor uma crítica
aos cânones disciplinares da História, analisando além disso, como dito conceito surge e é atualizado
hoje num contexto onde se é necessário repensar as premissas da profissão histórica, como por
exemplo a velha distinção entre história natural e história humana, crítica que como veremos adiante
Seguindo esse raciocínio de estudo, nessa nova frente de pesquisa, fomos atrás de alguns
perspectivas de pesquisa sobre o estudo de outras temporalidades não consideradas até hoje no seio
da historiografia moderna, frisando que, uma dessas possibilidades são as temporalidades andinas. É
importante dizer que, a partir da análise de outras temporalidades, poderia ser ampliado o espectro
analítico de quem se preocupa por um dos principais insumos de pesquisa histórica, isto é, o Tempo.
outras sociedades não ocidentais no campo da teoria da história, provém em grande parte de seus
contatos com a antropologia, um exemplo disso é o primeiro capítulo da importante obra de François
Hartog, Regímens de historicidade (2013) onde o autor cita a obra do antropólogo Marshall Salihns,
para exemplificar outras formas de experimentação do tempo especificamente as dos povos das ilhas
Fiji. No entanto, antes de nos deter na noção de regímen de historicidade e sua atual popularidade na
suas origens em campos e áreas diferentes à teoria da história devido a suas dificuldades em discutir
os tempos do “outro”.
Podemos citar aqui num primeiro momento o antropólogo holandês Johannes Fabián, citado
em algum momento também por Hartog. Fabian no seu livro Time and Other (1983) manifesta como
a disciplina antropológica fundamenta sua relação com o outro-nativo anulando seu tempo, ou seja,
posicionando seus nativos em um não tempo, em um espaço de não coetaneidade. Talvez, não seja
exagerado dizer que, a abertura para os primeiros questionamentos sobre o próprio fazer
historiográfico assim como de seus objetos de estudo são herdeiros dos primeiros teóricos dos
chamados estudos pós-coloniais dos quais fazia parte o antropólogo holandês. Pretendo-me deter
aqui num historiador que considero ter feito uma crítica dentro do campo da teoria da história bem
importante ao longo do tempo, o indiano Dipesh Chakrabary cuja trajetória pode ser vista em dois
momentos; a primeira delas no texto Provincializing Europe publicado no ano 2000, e um segundo
momento num texto recente e bastante instigante que colocou em xeque vários aspectos fundantes
A primeira obra citada do Dipesh Chakrabarty tem uma preocupação pelas formas como são
sobre isso é importante fazer algumas observações pois é um dos aspectos nodais da obra do
historiador índio. O autor inicia sua crítica e proposta de provincializar Europa a partir do conceito
de Historicismo, o qual, segundo Chakrabarty, foi o conceito que possibilitou a dominação europeia
sobre a Índia no século XIX. O autor acrescenta que foi a partir de ali que a modernidade e o
capitalismo passaram a ser pensados como algo que ao longo do tempo foi-se convertendo em
fenômenos de escala global, com um único epicentro na Europa e que se teriam que expandir fora
dela, formando-se assim, uma ideia e estrutura temporal globalizante onde a Europa teria o comando
e controle. Dessa forma, a Europa seria o espaço onde aconteciam os principais acontecimentos
históricos de caráter geral e universal como as revoluções industrial e francesa. De acordo a esse
das sociedades não ocidentais, e além disso, as obrigaria a que, encaixadas numa concepção
historicista atingiram o nível civilizatório ocidental. Isto no contexto colonial permitia que os
colonizadores por médio do historicismo e o ideal moderno de história, vigiaram e tutelassem quando
estariam preparados e qual seria o caminho a seguir pelos colonizados para seu autogoverno:
El historicismo posibilitó la dominación europea del siglo XIX. Podría
decirse, grosso modo, que fue una forma importante que la ideología del
progreso o del desarrollo adopto a partir del siglo XIX. [..] el historicismo
– e incluso la idea moderna, europea, de la historia- se presentó ante los
pueblos no europeos como una persona que le dice a otra “todavía no”.
(CHAKRABARTY, 2008, p. 34-35).
O autor leva seu analise desde o contexto da colonização inglesa, até as contradições que
europeu influenciou a forma de pensar sobre o suposto “estádio temporal” dos camponeses ou os
sujeitos subalternos tanto para serem participes de um possível autogoverno quanto para serem plenos
cidadãos, ou seja, tanto o poder britânico como a elite indiana nacionalista ainda tendiam a considerar
ideia de cidadão, de estado nação, a ciência e a razão são os valores que faziam que a Europa se
colocasse como o centro do mundo, valores que teriam o caráter de universais. No entanto, era
necessário que as demais histórias e povos do mundo encontrassem seu lugar nessa linha histórica da
razão e do progresso. Nesse sentido, o autor retoma seu projeto e ideia de provincilizar Europa para
pensar o porquê esses valores adquiriram o status e caráter de universal ao interior do mundo Europeu
e fora dele, e como a mesma Europa conseguiria se auto identificar portadora desses valores. Para o
autor indiano o projeto de provincializar Europa não consistiria em recusar de forma determinante e
simplista a modernidade, os valores liberais, universais, a ciência, a razão e as grande explicações
gerais e totalizantes sobre a humanidade, e sim que, o projeto e crítica a esses pressupostos começaria
europeia ficou como algo óbvio e necessário de atingir e alcançar fora do espaço de onde emergiu.
Isto exigiria por parte dos acadêmicos um determinado caminho e passos a seguir:
europeu que faz com que as experiências históricas do chamado terceiro mundo sejam denominadas
como subalternas e num estágio inferior na linha histórica e temporal universal sob os valores da
Chakrabarty também está direcionada às elites nacionalistas que se apropriaram de alguma ou outra
forma de aquela concepção histórica-temporal para continuar exercendo dominação nos grupos
temporal europea etapista para analisar as outras experiências históricas “tercermundistas”, fazendo
crítica não só do próprio poder exercido pelo colonizadores e as categorias que eles universalizaram,
senão, também, da própria elite nacionalista que continuo olhando para grande parte da população
sob o prisma da carência e da incompletude para atingir o grau necessário de consciência política e
histórica para que fossem parte do Estado-Nação. A crítica pós-colonial do Chakrabarty está em
grande parte direcionada para os historiadores do mundo indiano pensando como a modernidade e o
historicismo criaram um discurso histórico teleológico, porém, este também seria um problema sobre
contexto indiano e avança na discussão a uma escala mais global ao discutir um dos conceitos hoje
planeta na atualidade, o historiador tenta problematizar a velha dicotomia entre história natural e
história humana. Ao longo das suas quatro teses defende a ideia que de que essas histórias já não
podem ser vistas por separado, e sim de forma interdependentes, pois nessa nova era é o próprio ser
humano o encarregado de mudar o tempo da natureza, ou seja, o agente principal da nova era
geológica. É precisamente essa crítica à teoria da história moderna feita por Chakrabarty um dos
motivos que nos mobilizou a pensar na categoria temporal do Pachacuti e seus usos no tempo
presente, pois como mostraram alguns dos dados levantados é precisamente através desse viés da
incerteza sobre o futuro da humanidade e sua relação com o mundo natural, o que leva a que sejam
Este percurso teórico contínuo com a leitura e aproveitamento de duas historiadoras brasileiras
que vem refletindo sobre a questão da(s) temporalidade(s) no campo da teoria da história e que
retomam alguns dos principais teóricos das formas de se relacionar com o tempo, como Reinhart
Koselleck e François Hartog. As duas autoras abrem caminhos de pesquisa e perspectivas analíticas
que permitem situar a presente pesquisa sobre o Pachacuti não só a partir dos documentos coloniais
A historiadora Ana Carolina Barbosa na sua tese de doutorado depois publicada em formato de
livro Na transversal do tempo : Natureza e cultura a prova de historia, faz no primeiro capítulo um
apanhado dos debates e consolidação do chamado historicismo para depois avaliar o que pode-
se considerar o estado atual do análise teórico sobre o tempo na historiografia com os conceitos de
Cosciencia histórica e Tempo histórico de Jorgen rusen e Reinhart Koselleck respectivamente. Grosso
modo, a autora retoma esses dois conceitos para criticar a universalização que fazem esses famosos
historiadores sobre a forma de experimentar o tempo, principalmente na tripartita divisão que fazem
entre o passado o presente e o futuro, o que levaria ao pressuposto de uma suposta unidade das ações
Este raciocínio pode, ainda, ser estendido ao campo mais genérico da ciência da história. Pois, embora
tenha se constituído como especialidade acadêmica por oposição à Filosofias da História, permanece
presa a um de seus pressupostos fundamentais. Assim, apesar da ênfase na particularidade das ações
humanas, entendidas como realidades pertencentes ao domínio das intenções (conscientes ou não) dos
sujeitos históricos individuais ou coletivos, a ciência histórica orienta-se, ainda que implicitamente,
pela crença na existência de uma unidade concreta ou totalidade orgânica das ações humanas,
sintetizada na
concepção de um tempo contínuo e comum. Nesse sentido, o universalismo das teorias de Jörn Rüsen
e Reinhart Koselleck nos lança um alerta: o de que o esvaziamento do conteúdo das filosofias da
história parece ser insuficiente quando se permanece teleológico na forma. Isto porque, apesar de
admitir variáveis, há que se lembrar de seus limites, pois quaisquer possibilidades qu escapem a
esta ordem ou enquadramento prévios, não podem ser compreendidas à luz das categorias de “tempo
histórico” e “consciência histórica”. Ou, dito de outra forma, quaisquer formas de interpretação
temporal que não partilhem dos mesmos pressupostos de uma unidade originária entre as três
dimensões do tempo e do reconhecimento, num dado momento, de sua
interdependência, não podem ser entendidas sem passar por uma crítica destes mesmos pressupostos.
experimentar o tempo de outra forma ou em outra direção sem que necessariamente tenha que ser
encaixada naquela tripartição do tempo, questionamento que também faz parte da presente pesquisa,
não só na forma de se experimentar e se relacionar com o tempo, senão, e aqui voltamos à crítica do
Chakrabarty, na forma de olhar criticamente para a velha divisão entre história natural e história
humana. Acreditamos que, em conceitos de tempo como o pachacuti, não seria possível fazer essa
distinção, pois como tentaremos ver ao longo desta pesquisa, neste tipo de concepçoẽs de tempo,
os fenômenos naturais, humanos e divinos estariam em constante fluxo, de ali provém nossa leitura
de que o pachacuti hoje, hipoteticamente está sendo usado como uma reivindicação de um futuro
Por outro lado, Francine Legelski nos leva pelo caminho do contato entre história e
modernidade história intelectual, história política (2016) é muito parecido ao da Ana Carolina
Barbosa ao retomar as teorizações do tempo feita por Koselleck, além do Hartog. Uma importante
diferença entre as autoras é que Francine Iegelski problematiza a discussão com o binômio proposto
por Levi-Strauss em meados do século XX entre sociedades quentes e frias. Isto último para
diferenciar as sociedades ocidentais/modernas das indígenas, e que ao final do século XXI, segundo
aponta Francine, o mesmo Levi-Strauss inverteria dita ordem pensando no aquecimento das
sociedades frias e o esfriamento das sociedades quentes, produto da maior visibilidade e organização
política a nível global das populações indígenas, em contraponto a crise do futuro das sociedades
ocidentais. Nesse último ponto, a autora num exercício de história intelectual estabelece as
conexões entre o antropólogo e Hartog sobre o regime de historicidade presentista que estaria
Tal parece, segundo minha leitura e reforçando minha hipótese inicial que, o fio condutor
história. Isto é claro por exemplo no momento em que Ana Carolina Barbosa ao tentar esboçar outras
formas de articular o tempo, chega no pensamento de Eduardo Viveiros de Castro e a Francine faz
um exercício parecido quando em outros trabalhos ela estabelece um diálogo entre o Regime de
É possível dizer que, em ambas autoras, existe uma clara intenção e preocupação em pensar
como podem ser abordadas e estudadas as formas de se relacionar e perceber o tempo fora do espaço
do europeu, e em como desdobrar estas outras formas desde a própria teoria da história, ou seja, seria
necessário sair do eixo ocidental onde estão ancorados os fundamentos da historiografia moderna
para refletir e teorizar sobre outro tipo de temporalidades das quais podem ou não, dar conta algumas
das principais teorizações sobre o tempo elaboradas até hoje, como os de Consciência histórica de
Jorge Rusen ou o Tempo histórico do Kosseleck no caso da Ana Carolina, ou os Regimens de
Como já foi dito aqui, uns dos principais argumentos veiculadores destas reflexões é o
amazônica. Por isso, e devido a tímida entrada do estudo de outras temporalidades que não europeias
na teoria da história, considerou que é um campo em aberto, sendo esta uma perspectiva que aponta
a ser um dos principais temas de reflexão diante dos diferentes problemas do tempo presente, que
esgotou a capacidade explicativa sobre o tempo por parte da disciplina histórica moderna. Aqui é
interessante pensar como um novo conceito como o do antropoceno está cada vez mais ganhando
força e obrigando a repensar os fundamentos da história como bem nos mostrou Dipesh Chakrabarty.
Dito o anterior, acreditou que uma pesquisa como a que vem sendo desenvolvida, que se
colocou como tarefa e objetivo principal de análise uma categoria espaço-temporal andina não
ocidental, merece um espaço de reflexão não só como um conceito que foi usado e adaptado no
contexto colonial do vice reino do Perú, trabalho que não é menos importante, mas, que
amerita diante as atuais circunstâncias e debates ter um apartado e ponto de reflexão e análise sobre
como aquele conceito é usado na atualidade. Para tal propósito, conseguimos identificar duas
camadas de análise de usos do pachacuti na atualidade, elas seriam por um lado, de um caráter que
pode ser considerado político/ecológico e outro, e no qual ressalto que é no qual se encaixaria a
outras temporalidades e formas de organização social, o Pachacuti tem ganhado uma ampla difusão
e apropriação em diversos setores que não se restringem a um espaço fechado. Nossa hipótese nesta
parte da pesquisa é que de fato este conceito temporal andino procura responder por meio de seus
usos e apropriações no presente a várias crises e incertezas, assim como a reivindicações políticas de
diversos agentes e grupos humanos, o que também como veremos ao longo da pesquisa, ocorreu no
tempo em que foram elaboradas nossas fontes textuais coloniais. Nesse sentido, acreditou que seria
importante não congelar o estudo de um conceito num determinado período de tempo, quando no
atual contexto ele continua aparecendo em diversos cenários acadêmicos e não acadêmicos.
Por isso e devido ao anterior, para o presente trabalho será importante retomar algumas das
figuras principais da historiografia dos últimos anos como Reinhard Kosseleck e Farçois Hartog,
Legelski e a Ana Carolina Barbosa sobre o como abordar desde a própria disciplina histórica
os tempos ameríndios em especial os sul-americanos, não como algo que tenha que ficar preso à
antropologia, e talvez não como um salva-vidas do futuro, e sim como uma melhor forma de se
Como apontado até agora, nosso embate com a teoria da história e uma crítica contemporânea
sobre sua teorização de outras formas de se relacionar com o tempo, nos levou a refletir sobre o
possível uso, ressignificação e apropriação do Pachacuti no tempo presente. O surgimento desta nova
frente e perspectiva de pesquisa nos conduziu ao contato e busca de novas fontes, ditas fontes as
De acordo com o anterior, foi pensado e está sendo feito um banco de dados como fonte
principal de análise sobre os usos do Pachacuti no século XXI. Este banco de dados está composto
com informações de uma rede social em específico, o Twitter. Desde o ponto de vista metodológico,
adotamos certas regras assim como critérios para selecionar os dados oferecidos pela rede social. O
primeiro deles se refere a um recorte temporal, onde adotamos a data de início da busca dos tweets a
partir do ano de 2012. Nossa hipótese e justificativa sobre a escolha deste recorte temporal é que o
ano de 2012 abriu uma série de possibilidades para reivindicar algumas concepçoẽs de tempo
ameríndias, produto do efeito de umas supostas profecias maias sobre um possível fim ou mudança
no mundo em 21 de dezembro de 2012. Isto último foi possível comprovar-lho, por exemplo, numa
grande quantidade de tweets que falavam a respeito do ano de 2012 como o começou de um novo
Pachacuti.
É assim que, tendo em vista o recorte estabelecido desde o ano de 2012 até o presente e o imenso
número de dados que isso pode significar, qualificamos nossa busca por meio de um aplicativo o
twinti. Este aplicativo funciona por meio de códigos de programação os quais têm a capacidade de
fazer uma busca por meio de uma palavra chave -que em nosso caso foi o pachacuti- e de baixar e
armazenar numa planilha todos os tweets que façam uso e referência à palavra escolhida. Nesta
planilha ele armazena em várias colunas informações sobre cada Tweet como data, hora, usuário,
ao avaliar e analisar os dados oferecidos pelo aplicativo. Dessa forma e depois de uma leitura
detalhada dos Tweets do ano de 2012 em seu conjunto, assim como outros de anos posteriores, foi
possível propor a hipótese de que o pachacuti no contexto de uma rede social como Twitter, emerge
em duas camadas já comentadas aqui, uma delas político/ecologia e outra epistemológica, vejamos
grande impacto e vários retweets de diversos usuários que adotaram a proposta do teórico decolonial
criação de um hastag #FAQPACHACUTITV3 - um fenômeno próprio das redes sociais para viralizar
algum tema em específico e fazê-lo tendência- o tema do Pachacuti começou a ganhar uma certa
relação aos movimentos independentistas da Catalunha no contexto dessa rede social, ou seja, uma
voz intelectual desde uma perspectiva epistemológica e política tentou reivindicar o Pachacuti e
independentista catalã.
Esses são alguns primeiros exemplos do tipo de informação e evidência apresentada pela rede
social, que permite a interação e usos do pachacuti por parte de usuários “comuns” assim como
amostragens de dados, foi o que nos levou e possibilitou propor as duas camadas de análise do
pachacuti no mundo contemporâneo, uma de um teor mais político como foi possível ver nos
primeiros três tweets, e outro de tipo mais epistemológico onde dito conceito é usado de parte de
certos setores acadêmicos para reivindicar outras formas de representar o tempo, assim como diversos
É claro que esta nova abordagem precisa ser aprimorada e amadurecida com discussões de
cunho mais teórico numa área recente como a história digital, pois nosso objetivo também é recorrer
e nos auxiliar em outros recursos digitais onde circule e se faça uma apropriação do pachacuti. No
entanto, é importante deixar aqui registrado que no conjunto da tese faremos e terá espaço uma
reflexão que conecte as concepcoẽs de tempo a serem estudadas no período colonial andino com a
teoria da história e sua relação com outras temporalidades e, como ditas outras formas de se
relacionar com o tempo emergen ainda hoje nos tempos atuais, no contexto do mundo digital. Em
suma, é essa linha de raciocínio entre os tempos ameríndios e história indigena, teoria da história e
mundo digital, sobre o que pretendemos escrever pelo menos um capítulo de nossa tese, onde
consigamos expor todos os dados recolhidos e analisados que sustentam nossa hipótese de uma atual
emergência de experiências temporais ameríndias em várias camadas diferentes. Isto sem deixar de
lado as análises das fontes textuais coloniais dos séculos XVI e XVII.
Recentemente foi publicado em formato de livro a tese de livre docência do professor Eduardo
Natalino Dos santos Textos e imagens, histórias e cosmologias indígenas da Mesoamérica e andes
centrais (2019) do qual ressaltamos entre seus vários aportes aos estudos da história indigena, o que
ele chama de Tradiçoẽs de pensamento e escrita andina e mesoamericana. Para o professor Eduardo
Natalino esta categoria analitica se refere à existencia de determinados grupos e sujeitos encarregados
de sistematizar, transformar e comunicar as diversas formas de compreender, se relacionar, gerar e
produzir explicaçoẽs sobre o mundo natural e social. Natalino além disso acrescenta que,
esta categoria de análise seria uma possível porta de entrada para a compreensão das atuaçoẽs e
percepçoẽs de mundo dos povos ameríndios segundo seus próprios termos concepcçoẽs e saberes. O
grande debate da tese do professor Eduardo estaria nas transformaçoẽs das cosmologias e histórias
ameríndias do final do período prehispánico até a época colonial inicial andina e mesoamericana.
A importância de dita categoria na presente pesquisa, está em que desde nosso ponto de
vista, todos nossos cronistas e textos propostos para análise e estudo podem ser contemplados nessa
categoria, e em especial os três primeiros cronistas escolhidos para analisar, pois estes fizeram parte
o tiveram algum grau de relevância, circulação e importância no seio da sociedade colonial, estamos
falando de Felipe Guaman Poma de Ayala e seu El Nueva coronica y buen gobierno, Juan de Santa
Cruz Pachacuti e La relación de antigüedades deste reyno del Perú, e O Inca Garcilaso de la Vega
com seus Comentarios reales de los Incas, fonte a qual não fazia parte de nosso acervo inicial de
análise, mas que, diante a diversa bibliografia encontrada sobre ela assim como da possibilidade de
contrastar seu uso do passado e história andina em relação aos outros cronistas nascidos na América,
Se bem como apontado no projeto inicial, nosso estudo tem como objetivo principal o
conceito espaço-temporal andino de pachacuti, decidimos neste primeiro capítulo direcionar nossos
esforços em delimitar através de uma primeira leitura, um recorte de temas ou itens específicos
que considero como momentos chaves e de rupturas ou (pachacutis) ao interior da narrativa dos
documentos. Em outras palavras, propomos que é a partir destes eventos que sería possível entender
um pouco melhor a mobilização, uso e apropriação que fazem os cronistas do passado e tempo andino,
o que nos levaria a um campo mais fertil na hora de compreender conceitos de tempo e espaço como o
pachacuti. Isto é com o objetivo de não cair numa simples definição conceitual vazia e sem sentido,
pois acreditamos que dita categoria faz parte de um universo bastante amplo sobre as explicações e
formas de se relacionar com o passado nos textos coloniais dos séculos XVI e XVII.
Dito o anterior, neste primeiro capítulo analisaremos de forma crítica e comparativa os
três textos e cronistas assinalados acima, tendo como critérios a seguinte seleção de temas e
subtemas: a)A primeira criação das coisas e de humanidade no geral, b) A criação do mundo andino
e suas gentes, b1) A participação de divindades criadoras, b2) Dilúvios e inundações c) a descrição
das primeiras humanidades antes da chegada dos incas, d) A chegada do inca ao poder nos Andes, e)
a presença nos Andes e na América do suposto apóstolo São Tomé o São Bartolomé, f) O governo
do famoso Inca Pachacuti Yupanqui, g) Governo e guerra entre Huascar e Atahuallpa, h) a chegada
espanhóis e execução de Atahualpa, i)A guerra entre Pizarro e Almagro, j) a derrota do último reduto
Tenho que aclarar que, nesta primeira seção deixamos de lado o Manuscrito de
Huarochiri em razão da suas características narrativas, tanto na sua escrita que foge um pouco ao
modelo de Crônica ou Relación de nossos primeiros três textos, quanto no sentido das suas próprias
informaçoẽs ao narrar as histórias dos homens e huacas locais da região de Huarochiri . Também é
importante dizer que, ao longo da pesquisa e enquanto continuamos com a leitura das nossas outras
fontes dos clérigos e funcionários espanhóis, é altamente provável que surjam novas formas de
articulação e agrupamento das fontes, quer dizer, esta primeira tentativa de capítulo resulta de um
primer recorte e foco de análise em três cronistas que apresentavam versoẽs muito instigantes na hora
de compará-las sobre o passado andino, mas, isto não significa que já tenhamos feito uma taxonomia
das fontes, pois isto, sobre semelhanças e discrepâncias das fontes assim como seus agrupamentos de
acordo ao seus conteúdos seŕa também uns dos resultados da presente pesquisa.
Por outro lado, também é importante dizer que outro evento que surgiu no decorrer deste
primeiro ano de pesquisa e que não foi contemplado no projeto apresentado inicialmente, foi o
movimento chamado Taqui Onqoy, ou rebelião das huacas ou enfermedad del canto que não foi
incluído na primeira seleção temática que fiz sobre os três primeiros textos ao analisar, pois as
principais notícias sobre o Taqui Onqoy são encontrados nas informações de Cristobal de Albornoz
documento o qual terá seu espaço nos próximos capítulos, pois de fato o Taqui Onqoy mobilizou
aspectos das cosmologias andinas em forma de resistência ao deus cristão e a uma possível volta das
antigas divindades e ordem andina prehispánica, algo que também terá relação com um conceito que
Por último, é importante dizer que, com fins de cumprir os objetivos deste primeiro
capítulo, algumas discuçoẽs que serão aqui apresentadas, tiveram seu início e serão retomadas da
minha trajetória de pesquisa principalmente no referente às idades que apresentam Guaman Poma de
Ayala e Juan de Santa Cruz Pachacuti. Foi necessário retomar determinados debates à luz de
Os três cronistas seleccionados para esta primeira seção tem um fator em comum: são
nascidos no Andes, porém, um deles somente conta com ascendência andina por parte da mãe, o que
o definiria como sujeito mestizo, que é caso do Inca Garcilaso de la Vega. Em relação à produção
bibliográfica sobre os autores e seus textos temos que dizer que o menos favorecido e talvez pelo
relativo pequeno volume de seu documento em relação aos outros, é Juan de Santa Cruz Pachacuti, já
no caso do Guaman Poma de Ayala e o Inca Garcilaso o panorama é totalmente diferente, porque
além de contar com inúmeras ediçoẽs de seus manuscritos, eles possuem praticamente um campo de
elucidar algumas propostas de classificação de fontes ou agrupamento das mesmas, relacionados aos
seus contextos de produção intelectual, político, sociais e temporal e como isto se relacionava aos
usos e resignifcaçoẽs do passado andino. Frank Salomon num texto de de 1988 intitulado crónica de
los imposible: notas sobre tres historiadores indígenas peruanos Afirma que entre as quatro
crônicas que podem ser consideradas como indígenas estariam a Relación de Santa Cruz Pachacuti
e a Nueva Coronica de Felipe Guaman Poma de Ayala. Sobre isso, surge o interrogante e é a partir de
que critérios se poderia avaliar uma suposta indigenidade desses textos. Um problema é, por
exemplo, onde poderíamos encaixar as crônicas que não foram elaboradas por autores com algum
tipo de vínculo sanguíneo andino, mas que contaram com amplas e vastas informacoçẽs dos nativos
para a confecção de seus escritos, para o literato suizo Martin Lienhard na obra La voz y su huella:
escritura y conflicto etnico social en América latina (1990) todos os documentos que contaram com
a colaboração e informantes indígenas poderiam ser incluídos naquela definição proposta por
Salomon.
Provavelmente uma definição mais exata e abrangente das fontes é a proposta por
Eduardo Natalino dos Santos como Fontes históricas nativas coloniais (2007) no qual o autor inclui
as fontes históricas nativas andinas e nas que estariam contempladas nossas fontes propostas para
pesquisa, as quais segundo o autor, poderiam ser subdivididas em pequenos grupos de acordo a
critérios como: a época de produção, a região de origem, o status étnico-social de seu autor, entre
outros. É claro que o debate sobre o agrupamento e articulação da diversidade de fontes do passado
colonial andino é longo, porém, um dos possíveis frutos da presente pesquisa, será pensar em novos
cruzamentos das fontes, de acordo com o uso do tempo e de categorias de pensamento andina como
o pachacuti. Talvez, o principal empecilho deste exercício seja distinguir, nessas fontes, a diminuta
linha que divide as informações de tipo orais nativas e os modelos de pensamento e tempo europeu.
Com isso, esperamos aportar ao debate novas miradas e perspectivas de possíveis agrupamentos e
Por outro lado, e falando sobre os textos dos autores que nos ocupa neste primeiro
capítulo, comentamos que existe entre eles uma diferença em relação ao que se tem produzido sobre,
tanto assim que no caso de Guaman Poma e o Inca Garcilaso tem se desenvolvido nos últimos anos
as primeiras tentativas de uso e re significação desses textos no tempo presente. No caso do Guaman
Poma de Ayala, ele tem sido adoptado como um ícone e como o iniciante sobre o chamado Giro
(algo bem debatível e questionável) principalmente por Walter Mignolo, assim como o próprio
Garcilaso sobre o qual já existe um trabalho do reconhecido Garcilanista Jose Antonio Mazzoti como
um título bastante provocativo El inca Garcilaso y el calentamiento Global: Claves para una lectura
O recorte temático proposto acima como parâmetro de análise na hora de abordar nossos
textos está fundamentado numa relativa semelhança narrativa e construção discursiva dos mesmos,
quer dizer, os três textos descrevem e abarcam o período de tempo acontecido entre a criação do
mundo e das gentes dos Andes até a chegadas dos espanhóis. Porém, tanto os textos do Guaman
Poma como o do Inca Garcilaso também permitem fazer algum tipo de avaliação sobre a estadia dos
espanhóis na América, pois uma boa parte de suas obras fazem referência aos primeiros anos e
décadas da administração colonial no Perú. Falarei na sequência alguns dados relevantes e contextuais
Não são poucos os estudos e elogios sobre a vida e obra do inca Garcilaso de la Vega,
por exemplo, a famosa literata Mercedes López-Baralt (2017) o define como o primer etnólogo e
historiador peruano, assim como o fundador do cânon literário latinoamericano, e é que de fato a
figura do Inca garcilaso caminha e oscila principalmente entre os estudos literários linguísticos e em
Sobre a vida do autor dos Comentarios reales um dos pontos mais relevantes é sua
posição privilegiada ao interior da sociedade colonial por ser filho da elite incaica, mas
nobreza incaica faria com que, segundo Sérgio Villagra (2012) o inca fosse um falante de quechua
competente, no entanto, para o autor o mais importante dessa herança materna no Inca do Garcilaso
sería:
Sus diversas formas de conocimiento empírico, de la tradición oral, de los quipus y de las pinturas,
de la memoria de su propia familia, le aportaron una importante experiencia como miembro o
sujeto integrante de su cultura matriz. (VILLAGRA, 2012, p. 24).
É por isso que um dos outros fatores em comum dos três autores em questão é sua forte
vinculação à suas etnias de origem, a inca para Garcilaso, a colla para Santa Cruz Pachacuti e
yarovilca para Guaman Poma de Ayala. Nesse sentido, tanto a língua espanhola quanto suas
até chegar ao ponto de ter a capacidade e posição social de produzir textos alfabéticos onde
conseguiram incluir suas raízes andinas e ancestrais. É de ali que provém um dos aspectos que
mais chamam atenção da vida dos autores: seu ir e voltar entres os dois mundos ou vários mundos.
Os Comentarios reales, escritos entre 1590 e 1604, não foram a única obra elaborada
pelo Inca Garcilaso, dele se conhecem outros textos de igual ou de maior relevância nas letras vice
reais, entre as quais estão La Florida del Inca do ano de 1605. No entanto, são os Comentarios os
que tem chamado mais atenção dos historiadores pelas ricas descriçoẽs que faz do passado preincaico
até alguns anos posteriores a chegada do Pizarro . A obra está dividida em duas partes, a primeira
delas dedicada quase na sua totalidade a história e sucessão e dinastia inca assim como as eras que
aconteceram antes deles, e uma segunda parte sobre o processo conquistador iberico no Perú. Isto
último faría que, segundo o Garcirlanista Jose Antonio Mazzoti (2017) os Comentarios
reales fossem considerados como un Verdadero emporio de sabiduria, superior en muchos aspectos
No caso do cronista índio Guaman Poma de Ayala, seu texto, salvando as devidas
vida do autor, alguns de suas grandes estudiosas como Rolena Adorno vem desenvolvendo ao longo
do tempo vários esforços para através da biografia do autor compreender e entender vários aspectos
de sua obra, desde as datas em que foi elaborada como as informações que se encontram nela mesma.
Esta misma autora propoẽm como possiveis data de nascimento do autor entre os anos de 1530-1550
e a sua morte pouco depois de 1615, ou seja, será um ator presencial do governo e políticas do vice
rei Toledo, sendo estas talvez uma das principais causas de seus reclamos sobre o sistema colonial.
O índio ladino nascido em Huamanga construiu uma obra tremenda que retomando a
Lopez Baralt em seu trabalho sobre o Guaman Poma Icono y conquista (1999) a define como una
crónica de indias que trata del hecho de americano, como una guia de criterio cronologico, de
carácter localista a pesar de iniciar com un panorama universal, como una etnografía, multilingüe,
y como una relación privada escrita por un autor amerindio que uso las convenciones retóricas
terminada até 1615 mais o menos, está dividida em duas grandes partes, a primeira delas que seria a
parte correspondiente a Nueva Coronica, narra desde os inícios da história universal com Adão e Eva
como pais da humanidade até as guerras civis entre Francisco Pizzaro e Diego de Almagro, e uma
segunda parte que corresponderia ao Buen Gobierno onde o autor baseado na sua narrativa histórica
da Nueva Coronica expoẽ e faz as principais denúncias do sistema colonial sobre as injustiças e
agravios aos pobres yndios del Perú, evocando em muitas ocasioẽs a expressão Y anci no ay
rremedio. No entanto, alguns estudos recentes nos dizem que na verdade a obra do Guaman Poma é
mais complexa na sua divisão e conteúdo, um desses autores é o Galen Brokaw (2020) que fazendo
um apanhado de todos os estudos feitos até agora sobre o Guaman Poma, nos diz que :
Poma de Ayala, a riqueza de tamanha obra nos permitirá avaliar diversas variantes sobre o uso do
tempo e de conceitos como o pachacuti não só na primeira parte da seu texto como se faz na maioria
das vezes, e sim em todo seu conjunto, pois é tão importante a história que o autor elabora do passado
prehispánico, assim como sua avaliação da estadia dos conquistadores nos Andes.
Sobre Juan de Santa Cruz Pachacuti, um dos editores da sua Relación, Carlos Aranibar,
aponta que sobre a biografia do autor somente contamos com os próprios dados que ele mesmo
registro em seu escrito, para o autor são tão poucas as imformaçoẽs sobre o cronista que Un parágrafo
sería suficiente si solo fuera cosa de trazar la biografía del yamque Juan de Santa Cruz Pachacuti,
cronista indio que pergueño a comienzos del siglo XVII una valiosa y muy poco divulgada historia
Santa Cruz Pachacuti revela dois aspectos importantes e talvez os que mais definem e
pautam as tensoẽs mais visíveis na sua Relación, que são como veremos ao longo deste capítulo, sua
origem e pertencimento à região do Collasuyo e seu constante énfasis em ser totalmente adepto crente
é filho de deus. Esses dois pontos essenciais na vida do Pachacuti definirão e de alguma
maneira explicaram grande parte da sua narrativa e discursividade histórica. É muito provável que
sua militância na fé cristã corresponda ao origen de seu documento, pois este foi encontrado segundo
o mesmo Aranibar nos papéis do famoso extirpador de idolatrias Francisco de Avila, por isso é
II
A construção de uma narrativa histórica sobre o passado andino pre-inca, aparece como
uns dos principais argumentos para se posicionar política e socialmente de parte dos cronistas em
questão diante da administração colonial, ou seja, era importante para eles delimitar uma posição e
valoração negativa ou positiva a respeito dos últimos governantes e dominadores do espaço andino
antes da chegada dos espanhóis. Isto estaria estimulado pelos mais variados objetivos e fins políticos
Um dos pontos de partida para a presente análise devem ser os modelos historiográficos
com os quais os cronistas começaram a elaborar suas histórias dos Andes, sobre qual tipo de filtro e
forma de se escrever a história esses autores julgaram e encaixaram os relatos orais aos quais tiveram
acesso ao longo da sua vida. Aqui nos encontramos com um duplo exercício por parte dos cronistas
que se proclamavam como conhecedores de viva voz das histórias de seus ancestrais, assim como
com o poder, graça e conhecimento do deus cristão para avaliar ditas histórias e serem levadas escrita
Se bem nossos três cronistas tiveram uma comum preocupação em relacionar o passado
prehispánico a alguns eventos e milagres do mundo cristão, assim como uma urgência política em
reivindicar um prévio conhecimento e preparação para o conhecimento do Deus dos povos andinos,
exceptuando o Garcilaso, somente seria Guaman Poma de Ayala quem desde o início de seu
texto procura vincular a história universal de matriz cristã/bíblica com a história andina. Aqui
voltamos à definição da López -Baralt ao calificar a história do Guaman Poma como de caráter
universal e providencialista.
Sobre o anterior, Liliana Regalado de Hurtado (2010) comenta que a ideia sobre uma
vocação universal da história com um início e fim, assim como a concepção de dita história como
caminho para a salvação, encontra-se num período de transição entre o fim do mundo antigo e o
começo do medieval. A autora acrescenta que uma das grandes influências da concepção cristã do
tempo e da história na época foi a noção de revelação, quer dizer, que o plano de Deus (o único) se
revela aos homens através do simbólico e alegórico, a história passará a ser a peregrinação até a
salvação com Cristo como protagonista principal deste processo, que vai desde a criação genesiana
é Guaman Poma de Ayala, além de registrar outros eventos importantes da bíblia e que teriam
relação com a ideia universal do povoamento do mundo. Nesta questão é importante para abrir o
análise e ilustrar melhor o Gênesis GuamanPomiano o desenho do autor sobre a Arca de Noé onde
criação, para o autor, em dita construção o cronista ladino pretende mostrar que o universo indigena
es produto de um longo processo criacional por parte do deus cristão ao interior da diversidade
humana. Em efeito, a proposta universalizante de Guaman Poma começa com os que seriam os pais
Apesar de que Guaman Poma identifica a origem universal de tudo com a referência de
Adão e Eva, é só a partir de Noé e do dilúvio que os primeiros runa ou gentes do mundo
andino viriam aparecer. Neste ponto acredito que existe um primeiro exercício do autor andino sobre
uma mobilização e uso tanto do passado e história cristã/universal assim como do andino, com um
teor mais político e em menor grau religioso. Isto último, muito provavelmente obedeceria a uma
intenção de parte do autor índio por marcar e enfatizar uma distância de tipo moral das primeiras
humanidades dos Andes em relação aos homens e as causas que provocaram o primeiro castigo do
Estuvo lleno el mundo de hombres que no cabían, y éstos no conocieron a criador y hacedor de los hombres,
y así de esto mandó Dios fuese castigado el mundo, dentro, todo criado, por sus pecados fue castigado con
las aguas del diluvio y fue determinado por Dios que se salvasé Noé con sus hijos en la arca de Dios.
(GUAMAN POMA, 2008, p. 25)
Nesse sentido, seria possível afirmar que um dos principais argumentos na plataforma
política de reclamações por um Buen Gobierno por parte de cronista índio é a construção de
uma narrativa histórica e diferença entre a própria origem genesianica do mundo e o surgimento das
primeiras humanidades andinas. Esta ideia que estou propondo pode ser reforçada por exemplo na
distinção que ele faz sobre que os homens da época de Noé no conocieron al criador y hacedor de
los hombres em contraposição a primeira geração andina que sairia após diluvio de Noé chamada de
Uari Uiracocha Runa sobre os quais comenta que !Oh que guente buena!, tenían una sombrilla y luz
A pesar de que a versão da origem dos andinos que faz Guaman Poma as vezes é um
pouco confusa e contraditória pois também afirma que poderiam ter saído do Adão, o mesmo autor
cada vez que inicia a narração sobre uma nova era ou humanidade andina sempre faz um percurso
genealógico colocando o início dos mesmos após o dilúvio. É assim que, de acordo a Guaman Poma
e como tentarei demonstrar ao longo deste capítulo, o tipo de sociedade ideal, com um certo grau de
inocência e conhecimento de Deus e seus mandamentos está entre a descendência de Noé e a última
humanidade andina antes dos incas, mas, sobre isso aprofundaremos mais adiante.
No que se refere aos textos do Inca Garcilaso e de Juan de Santa Cruz Pachacuti, estes
não fazem uma menção explícita ao gênesis cristão, no entanto, seus escritos começam pela descrição
de umas primeiras idades andinas com valoraçoẽs totalmente diferentes dàs que faz Guaman Poma
de Ayala.
seu texto uma preocupação sobre a descrição de si el mundo es uno solo o hay muchos mundos. O
mundo só, como da redondez do mesmo, além disso, o autor faz referências às várias zonas do mundo
das quais segundo o Inca nenhuma sería inhabitavel porque En buena consideración no es de
imaginar, cuánto más de creer, que partes tan grandes del mundo las hiciese Dios inútiles habiendolo
A pesar de que o Inca Garcilaso não se afasta dos principais preceitos do cristianismo
sobre a existência de um deus criador único de todo, uma marcada diferença com o Guaman Poma é
sua quase sua indiferença para explicar o origem dos andinos como ele aponta na seguinte passagem :
Y porque en cosas tan inciertas, es perdido el trabajo que se gasta en quererlas saber, las dejaŕe,
porque tengo menos suficiencia en otro para inquirirlas. Solamente trataré del origen de los
reyes incas y de la sucesión dellos, sus conquistas sus leyes y gobierno en paz y en guerra
(GARCILASO DE LA VEGA, xxx, p. 20)
O Inca Garcilaso dedica poucas linhas ao que seria a possível origem e povoamento do
chamado Novo Mundo, isso em parte pode corresponder como bem aponta o trecho citado, a sua
comparação ao Guaman Poma de Ayala, porque, enquanto para o Guaman Poma a principal
ferramenta política diante do Rei Felipe III é a exaltação moral dos primeiros andinos, para o inca
Garcilaso sua filiação à elite incaica faz com que sua valoração do período inca tenha mais
importância e protagonismo no seu texto que as eras ou períodos anteriores aos incas.
Por outro lado, Don Juan de Santa Cruz Pachacuti da abertura a sua crônica fazendo
quase um manifesto sobre sua defesa da igreja em Roma y militancia no catolicismo como crente na
trindade e no deus único e criador das coisas, isto provavelmente se deve a seu envolvimento numa
Santa Cruz Pachacuti segue a mesma linha do Guaman Poma ao estabelecer uma
genealogia direta entre os primeiros seres criados por o deus cristão e os primeiros habitantes do
Tahuantinsuyo, nenhum dos dois cronistas faz algum tipo de alusão sobre as diversas possibilidades
de povoamento do continente americano como faz por exemplo Garcilaso, para eles o mais importante
e no que focam sua ênfase é sobre a adesão da história andina à história gesianica/universal. No
entanto, considero que a origem genesianica dos povos dos Andes centrais, é apenas a apertura que
farão tanto Guaman Poma quanto Santa Cruz Pachacuti para de algum modo defender uma das ideias
principais de seus textos, que é a inclusão e compactação entre os povos andinos e a história
bíblica/cristã.
um lado, e Guaman Poma e Juan de Santa Cruz Pachacuti do outro, seŕá mais evidente na descrição
que os autores fazem da origem do Novo Mundo até a chegada e assentamento dos incas na capital
do poder cuzquenha. É naquele contexto onde o uso e a apropriação do passado andino é mobilizado
de forma bastante divergente entre os autores, algo que corresponderia segundo nossa interpretação
ao pertencimento tanto do Guaman Poma como do Santa Cruz Pachacuti a etnias e grupos que
estavam sob dominação dos Incas, entanto que pelo lado do Garcilaso sua ligação materna a elite fará
com que esteja mais preocupado com a história inca além de ponderar uma presença de valores
frutífero aos estudos históricos sobre o período colonial e prehispánico da América, estabelecer
dicotomias o generalizações fechadas sobre dominadores e dominados sem que se leve em conta as
diversas formas de agência por parte dos sujeitos que às vezes podem ser vistos como simples
dominados sem perceber como acionaram diversos mecanismos de resposta e resistência no contexto
do mundo colonial, por exemplo na hora de elaborar e emitir um discurso histórico sobre seus
antepassados.
y los dioses que adoraban antes de los Incas de seu livro primeiro dos Comentarios reales, o autor
mestizo faz uma divisão que para o presente trabalho interessa muito. O inca nos diz que:
Para que se entienda mejor la idolatría, vida y costumbre de los indios del Perú, será necesario
dividamos aquellos siglos en dos edades: diremos cómo vivián antes de los Incas y luego diremos
como gobernaron aquellos Reyes, para que no se confunda lo uno con lo otro ni se atribuyan las
costumbres ni los dioses de los unos a los otros. (GARCILASO DE LA VEGA, xxx, p. 36)
O autor deixa bem explícito qual será o tom de desenvolvimento de seu relato,
estabelecendo uma divisão entre período inca e pré inca. Para Garcilaso é de vital importância
estipular uma diferença entre o que ela chama de primera edad y antigua gentilidad e o governo dos
reis incas, pois para ele foi naquela antigua gentilidad onde teria lugar alguns dos principais erros e
vícios, entre eles um dos mais condenáveis no contexto do catolicismo colonial, a Idolatria. É assim
que acreditamos que tem e toma mais sentido o porque do Inca não falar nada a respeito de uma
possível origem bíblica dos primeiros andinos, pois além da idolatria são várias as faltas e pecados
que menciona o Inca sobre as primeiras gentes, como são : a) dos sacrifícios: “conforme a la vileza
y bajeza era también la crueldad y barbariedad de los sacrificios de aquella antigua idolatria. b)
sua organização social e política: En la manera e sus habitaciones y pueblos tenían aquellos gentiles
la misma barbariedad que en sus dioses y sacrificios. C) sua organização de parentesco: En las demás
costumbres, como el casar y el juntarse no fueron mejores que los indios de aquella gentilidad, porque
dominação inca é totalmente invertida em relação ao que nos oferecem os textos de Guaman Poma e
Juan de Santa Cruz Pachacuti, para o Inca, nesses povos há uma inexistência de cualquier tipo de
moral e valores cristãos, desde práticas idolátricas e de sacrifícios sendo estas as mais condenáveis
socialmente. É evidente aqui, como apontado acima, o papel que jogam as raízes maternas incaicas
Por outro lado, é bastante eloquente por exemplo que o Inca Garcilaso não faz menção
nenhuma a alguma divindade que participe do processo de criação do mundo andino como é o caso de
Viracocha a qual goza de um papel e status protagônico nos textos dos séculos XVI e XVII. Se
características panadinda e com uma ampla tradição e disseminação inclusive antes da era inca, e
além disso, como a que serviu de analogia entre o deus criador crtisão e o ‘andino”
2010), isto reforçaria nossa hipótese sobre o desprestígio que dá o Inca Garcilaso ao período pré inca,
pois como veremos mais para frente é a divindade solar a qual parece na sua crónica com maior
protagonismo, pois seria esta divindade solar e não Viracocha como aparece em outros documentos
a que enviaria seus filhos os incas aos Andes para que ensinarem y les diesen preceptos y leyes en
reconhecimento de um único deus, segundo a versão do Garcilaso, são os incas, os quais tirariam
aquellas gentes da obscuridade e barbariedade. Isto último seria uma das principais rupturas e pontos
de inflexão na história que nos traz Garcilaso. A pesar de que a seguinte cita é um pouco extensa,
achamos necessário e pertinente expor a forma como o Garcilaso enaltece a figura divina e
Reyes incas manifesta que a interferência da providência divina assim como a preparação para tirar
aos gentios bárbaros de seu estado de obscuridade e que assim pudessem receber a palavra e fé de
deus e de sua igreja será por meio de seus enviados aos Andes, os incas, e sobre os que, como bem
nos diz garcilaso na última frase da cita anterior, ele fará o discurso da sua história.
Guaman Poma e Juan de Santa Cruz Pachacuti, pois para estes dois últimos é nas idades prévias aos
incas onde os andinos foram preparados para receber o evangelho, inclusive com a própria presença
de Jesus cristo e alguns apóstolos como São Tomás. Agora, vejamos o que dizem esses cronistas sobre
este assunto.
Santa Cruz Pachacuti quem segundo Angela Brechetti (2013) era descendente da nobreza
colla, uma etnia do sur andino que ficou sob domínio inca -um dado que não deve ser ignorado-, nos
apresenta como primeira era o primeira geração humana o purumpacha . Este primeiro tempo, Santa
Cruz Pachacuti o descreve como uma época onde começou a ser povoado todo o espaço andino, e no
qual a causa de falta de terras e locais de assentamento foi um tempo de guerras e disputas entre
diversos grupos, além disso era um tempo onde havia presença de Hapiñuños, os quais Diego
Gonzales de Holguín em seu Vocabulario de la Lengua General del Perú do ano 1606 os define
como fantasma o duende que solía aparecerse con dos tetas largas. Sobre estas entidades Santa Cruz
Pachacuti escreve que eran tiranos infernales enemigos del genero humano. Ressalto o fato de que
Santa Cruz inclua na sua narrativa uma figura como a dos Hapinũnõs, os quais ele eleva ao grau de
demonios , que no contexto da época descrita do Purumpacha dão e possibilitam o contraste para
que o autor andino invoque a presença do próprio Jesucristo na sua Relación, De eso se entiende que
los demonios fueron vencidos por jesucristo O que seguramente foi uma estratégia discursiva de
parte de Santa Cruz Pachacuti para de forma indireta demonstrar um primeiro contato e aproximação
Para além do anterior, Santa Cruz Pachacuti parece que, cria uma espécie de Genealogia
cristã na sua crônica com a qual reforça uns dos principais argumentos do seu texto que é a aptidão
para os andinos conhecerem e receberem o evangelho. Esta genealogia cristã começaria com a
derrota e expulsão dos hapiñuños como exposto acima por meio de Jesus Cristo e continuaria com o
aparecimento, chegada e pregação no espaço andino do apóstolo Santo Tomás quem seria
identificado também pelo cronista índio com o deus do sur andino, Tonapa.
Sobre a ideia de uma pregação apostólica nas Américas antes da chegada dos ibéricos, o
historiador brasilero Sérgio Buarque de Holanda em sua obra Visão do Paraiso (2000) nos diz que
uma das portas de entrada para a idéia da pregação tomasina na América foram os primeiros
missionários chegados no Brasil, que trouxeram a lenda sobre a associação da conversão de povos
asiáticos ao cristianismo devido às prédicas de São Tomé. O autor a acrescenta que as primeiras
experiências das missoẽs portuguesas no extremo oriente, ajudou a que as pisadas de São Tome
fossem visualizadas também na América. O rastro de Tomás não seria visto só no Brasil, e sim
Para Marcela Pezzuto (2016) uns dos principais preceitos evangélicos do livro de San
Marcos geraria uma forte adesão e crença de que na América se deveriam repetir as experiências dos
A autora faz a enfase em que o clima intelectual utópico da época, reforçado entre outras
coisas pela reconquista dos reinos critãos de Granada em 1492, permitiu que a narrativa sobre São
Tomé fosse facilmente difundida e adaptada na América. Nesse sentido, Carlos Page (2017) também
nos diz ao respeito que depois da igreja reconhecer que dito apóstolo tinha estado em oriente onde os
portugueses levantaram uma igreja em honor a ele, a hagiografia sobre o apóstolo se ocuparia de
proporcionar a versão de que este passaria e se estabeleceria por um longo período de Tempo na
América. Pode-se dizer então, que existia o interesse com determinados fins políticos e econômicos
por parte de alguns setores da igreja em tentar vincular e demonstrar certa aptidão e sensibilidade por
parte dos povos recém descobertos a receber a nova religião trazida pelos ibéricos. Estes interesses
fariam que o uso da ideia dos apóstolos pregando pelo Novo Mundo fosse um dos argumentos
nos principais debates intelectuais na época sobre o direito a colonizar ou até de fazer a guerra aos
Como comentado acima, a representação que faz Santa Cruz Pachacuti da presença do
apóstolo de Jesus nos Andes é vinculada e fusionada com uma divindade de muita importância no sur
andino, Tonapa
Pasados algunos años después de haber echado a los demonios hapuñuños de esta tierra ha llegdo
a estas provincias y reinos del Tahuantinsuyo un hombre barbudo, mediano de cuerpo y con
cabellos largos, con camisa algo larga. Dicen que era ya hombre más que pasado de Mozo, que
tria canas y era flaco, el cual andaba con us bordón. Y que enseñaba a los naturales con gran amor
llamándoles a todos hijos e hijas. A este varón le llmaban o nombraban Tonapa [...] Aunque
lespredicaba siempre no fue oido porque los naturales de aquel tiempo no hicieron caudal ni cas
del hombre. Pues se llamó a esta varón Tonapa huiracochampa cachan, no será este el hombre el
glorioso apostol Santo Tomas? (PACHACUTI, 1995, p. 9)
Sobre Tonapa Maria Rostoworoski (2007) nos diz que foi umas das divindades mais
prestigiosas do sur andino, principalmente da região que na época dos Incas foi conhecida como
collasuyo, além disso, nos acrescenta a autora que o culto e popularidade de Tonapa sería muito
anterior a Viracocha, divindade esta a qual tem uma maior participação nos textos de Guaman Poma
de Ayala e alguns cronistas espanhóis como veremos ao longo desta pesquisa. Por outro lado, autores
como Franklin Pease (2009) e Fernando Allaga (1987) exponem que Tonapa, entre outras divindades
do mundo andino poderiam ter sido variantes de culto regionais de Viracocha ou de uma divindade
que fazem os cronistas das categorias de pensamento andino em seu embate com as visoẽs de mundo
que chegavam de fora, e não me refiro somente as originadas com a colonização espanhola, e sim
também as impostas com o domínio e expansão do culto e religião inca, e sua fricção com as crenças
e cultos locais.
Luis Millones (2008) nos alerta sobre os os cuidados e precauçoẽs na hora de abordar
os deuses andinos, o antropólogo peruano aponta que em contraste com a Mesoamérica a informação
do mundo andino sobre seus deuses nos documentos dos XVI e XVII passa por uma vehemente
actividad cristianizadora que daba muy poco para entender las sutilezas del panteón andino ( p.
173). Sobre este mesmo assunto e mais especificamente sobre a personificação das entidades divinas
passo dos apóstolos na América, houve também por parte da empresa conquistadora e do pensamento
história santa para se relacionar e se familiarizar à tradição e pensamento indigena da América pela
rápida eficácia que isto demonstro no âmbito da evangelização dos povos, quer dizer que, no caso
específico da pregação dos santos apóstolos na América houve uma importante confluência de
interesses, onde vários atores encontraram ferramentas e um meio de poder para cumprir seus
objetivos, tanto de cronistas nativos como de funcionários de algumas missoẽs que fizeram parte do
processo colonizador.
O outro caso representativo deste tipo de fenômenos é a Nueva Coronica y Buen gobierno
com a diferença que Guaman Poma não fala de Saão Tomé, senão do Apostol San Bartolome do qual
Sobre a travessia de São Bartolomeu na América Guaman Poma relata que uns dos
primeiros milagres de Deus nos Andes será a chegada do apóstolo em alguns povoados andinos:
MIlagro de Dios del apóstol San Bartolomé. El primer milagro que hizo Dios en este reino por su
apóstol San Bartolomé es como se sigue: en el pueblo de Cacha de como abrazase el fuego del
cielo por el mal apedreado con hondas, comenzando para matarle y echarle al santo. (GUAMAN
POMA , 2008, p. 72)
Guaman Poma apresenta a figura do apóstolo pregador nas Américas com algumas
pequenas diferenças em relação ao texto de Santa Cruz Pachacuti. Uma delas é sobre o próprio
apóstolo, pois para ele é Bartolomé e não Tomé. Sobre isso, e retomando a aymarista Theréssè
Boysse-Cassagne (1988) nos diz que a conquista da América sendo entendida por parte dos espanhóis
como uma obra de milagres de virgens e apóstolos, muitos dos conquistadores se enxergavam e foram
enxergados como atuando sob a iluminação e direção dos apóstolos, é assim que, segundo aponta
e Bartolomeu seriam estreitamente vinculados numa mesma imagem e numa empresa, até o ponto
de confundir se suas peripécias e suas lendas para elaborar uma mesma figura de santo americana.
Apesar da diferença do apóstolo nesses textos, tanto Guaman Poma de Ayala quanto
Santa Cruz Pachacuti os representam com várias similitudes. Uma delas se refere a uma questão
espacial, pois Guaman Poma localiza a chegada de São Bartolomeu na região Colla o Collasuyo ao
igual que faz Santa Cruz Pachacuti, além disso, este último o identifica com uma divindade que
muito provavelmente é originária desta mesma região do sur andino. Por outro lado, os dois relatos
mostram uma semelhança no tratamento recebido pelos predicadores na suas primeiras caminhadas
dos Andes, ao ser no caso de Guaman Poma apedreado com hondas, comenzado para matarle y
echarle al santo enquanto Santa Cruz Pachacuti diz que anduvo por todas de los collasuyos
predicandoles sin descansar, de donde fue echado el gran varon con gran afrenta y vituperio.
No entanto, uma diferença não menor é a época em que ambos autores localizam o
apóstolo de Cristo nos Andes. Se para Santa Cruz Pachacuti isto ocorreu no tempo preincaico do
purumpcha, no caso de Guaman Poma isto aconteceria já no tempos dos incas, pois segundo é
relatado na Nueva Coronica os apóstolos se repartiram ao longo e amplo do mundo depois da morte
e ressurreição de jesucristo algo que segundo o autor passaria no reinado do segundo inca Sinche
roca. Assim, e segundo uma certa ambiguidade do Guaman Poma, se podría pensar que o período
em que o autor localiza a prédica do Santo Apóstolo é entre o fim do reinado de Sinche roca (segundo
inca de acordo à cronologia guamanpomiana) e o terceiro inca Yoque Yupanqi. Nesse ponto também
é importante observar que Guaman Poma descreve os milagres e incursoẽs do Bartolomeu longe do
centro de poder inca. Ao texto do Guaman Poma retornaremos depois, vejamos que outras
Genealogia cristã com Jesus Cristo e São Tomé conectada à história e transcurrir do tempo andino,
pois como veremos, a continuação da tarefa começada com Jesus ao expulsar os demônios dos Andes
é mantida com a pregação e milagres de São Tomé e finalizada com o primeiro inca Manco Capac:
Dicen que aquel palo que había dejado Tonapa entregandolo en las manos apo tampo se convirtió
en oro fino en el nacimiento de su descendiente llamado Manco Capác inca, cuyos hermanos y
hermanas eran 7, llamados Ayar Cachi, Ayar Uchu,Ayar Auca, etc. (PACHACUTI, 1996, p. 15)
Existe então um vínculo direto entre Tonapa que deixaria o palo que pode ser
compreendido aqui como um tipo de insígnia ou cetro real inca para a posterior fundação e
estabelecimento dos incas em Cuzco, e isto faz, como veremos nos seguintes items com que Pachacuti
descreva ao primer inca como inimigo das huacas e das idolatrias. Nesse sentido é possível afirmar
que se Pachacuti se afasta do Inca Garcilaso e se assemelha ao Guaman Poma no que se refere a
descrição das primeiras gentes e habitantes dos Andes, na hora de relatar o início da dominação
incaica ele fica mais perto da Garcilaso e na beira oposta de Guaman Poma.
Antes de continuar com as análises dos textos é importante trazer na presente discussão
um dos possíveis motivos que mobilizaram a ideia da pregação apostólica na América entre outros
de Milenarismo possuem uma ampla trajetória de estudos, a maioria destes estudos partem desde o
período colonial, entre eles posso citar aqui o do Enrique Urbano (2000) sobre o ciclo mítico
do Viracocha divindade da qual já falamos, ou os trabalhos de Juan Ossio sobre o mito do Inkarri
onde o autor o analisa desde os primórdios coloniais até etnografias mais contemporâneas.
âmbito Americano, nos diz que as bases destes estudos partem da análise da presença destas ideias
no âmbito da colonização espanhola na América. Também, segundo a autora, a partir de que se
comprovou uma continuidade destas ideias messiânicas até o século XX, aumentaram os interesses
de estudo deste fenômeno no contexto da América Latina. Esta mesma autora que tem dedicado
grande parte de sua vida e trajetória acadêmica ao estudo destas questoẽs nos oferece dois
Para George Minois (2015) o messianismo parte de uma tradição de anúncios proféticos
com raízes bíblicas que no início e tal vez foi o que se impôs na América foi de um caráter de falta-
castigo-restauração. É claro que desde um ponto de vista conceitual istos dois termos merecem um
maior número de páginas e análise, mas, por enquanto vejamos de que forma a própria ideia do tempo
em nossos documentos textuais dos séculos XVI- XVII podem ser lidos nesta perspectiva messiânica
ou milenarista.
Inkarri. Vários são os especialistas no tema, entre eles temos o trabalho feito pelo já
citado historiador peruano Franklin Pease. Para este autor, o mito do inkarri poderia ter uma base
na representação que fizeram os cronistas da segunda metade do XVI e inícios do XVII sobre a morte
A pesar de que como aponta o mesmo Pease, as versoẽs do Inkarri mostram a imagem de
um inca que ressuscita algo que difere dos relatos dos cronistas como veremos ao longo desta tese, é
possível que parte da construção deste mito esteja influenciada pelos relatos dos cronistas que
Por outro lado, o antropólogo Juan Ossio (2000) é um dos autores que têm trabalhado
Inkarri especificamente nos diz que as mortes e extinção por meio da decapitação dos incas
cosmologia andina causada pelo processo da conquista, isto provocaria que surgisse a imagem de
uma volta do inca e um possível retorno da antiga ordem no imaginário popular andino por meio de
Tanto Ossio quanto Pease trabalham com a hipótese que parte da construção do mito sobre
o Inkarri além de ter um alto componente de uma longa tradição oral andina, é também uma
construção produto das imagens e narrativa das execuxoẽs dos últimos incas feitas por algumas
crônicas dos séculos XVI e XVII. É assim que uma das possibilidades de leitura sobre vários dos
eventos narrados pelos nossos cronistas como os que estamos tratando aqui, e outros que surgiram no
decorrer da tese, é nessa chave messianica, o que muito provavelmente funcionó como caldo de
cultivo para amalgamar as concepcoẽs de tempo andinas e euopeias, assim como uma forma de
resistência ao futuro dos andinos para restabelecer sua antiga ordem. Isto último, muito
provavelmente esteja diretamente ligado e explicaria o uso ainda hoje no tempo presente de
categorias como pachacuti, no entanto, ainda temos caminho por percorrer e chegar nessas
considerações.
Agora bem, voltando ao relato de Santa Cruz Pahacuti, pode-se dizer que, pelo menos
em sua primeira parte desde a primeira era o Purumpacha até a vinculação que realiza entre Tonapa
ou São Tomé, faz uma clara defesa dos andinos assim como dele mesmo sobre suas boas disposiçoẽs
para o recebimento e cumprimento dos preceitos da fé cristã, reconhecendo de qualquer modo alguns
erros em que poderiam ter caído seus antepassados com relação às práticas idolátricas. Nesse
mesmo raciocínio, Nicolas Beauclair (2016) diz que o discurso histórico emitido por Santa Cruz
Pachacuti em sua Relação é possivelmente uma defesa que ele faz diante de alguns dos vários abusos
segundo o autor, como estratégias e defesa contra acussaçoẽs que poderiam ter acontecido contra o
mesmo cronista. Beauclauir propoẽm que o texto de Santa Cruz Pachacuti tentaria cumprir com dois
objetivos bem específicos; uma defesa contra acusações de idolatria sobre os povos andinos, assim
como uma procura em estabelecer de novo uma harmonia e complementaridade entre andinos e
europeus que restaurasse de alguma forma a ordem e o equilíbrio no contexto na nova sociedade
colonial. Isto último seria uns dos principais motivos pelos que faria aquelas conexoẽs e entramados
A diferença de Garcilaso e Santa Cruz Pachacuti os quais dedicam uma extensão menor
ao relato da história antes dos incas, Felipe Guaman Poma de Ayala cria uma grande narrativa sobre
Essas idades são: Uari Uiracocha runa, Uari runa, purun runa e auca runa. Desde inícios
do século XX as idades e ideia de história descrita por Guaman Poma de Ayala instiga aos
especialistas do mundo andino, por exemplo uns dos primeiros textos foi o do conhecido arqueólogo
peruano Julio Cesar Tello que no de 1939 publicou a obra Las primeras edades en el Perú onde o
autor tenta encontrar as similitudes, correspondências e equivalências entre as idades descritas por
Guaman Poma e os diversos horizontes e períodos arqueológicos do Peru antigo. Por outro lado,
Franklin Pease (2010) se arrisca a dizer que a primeira imagem de uma história andina é a que está
plasmada na Nueva Coronica de Guaman Poma de Ayala. O debate em torno à história apresentada
por Guaman Poma de Ayala á levado que autores como o antropólogo peruano Juan Ossio (1977)
histórica que faz o autor andino. Ossio propoẽm que se bem Guaman Poma teve acesso e consulta a
vários livros que continham modelos europeus sobre o tempo e o calendário por outro lado, o mesmo
autor acrescenta que é inegável que um modelo e concepção do tempo dividido em idades também
possa ser entendido como algo próprio da América, para ele, isto estaria fundamentado
em um artigo de 1977, avisa sobre a dificuldade que tem os especialistas para conseguir discernir
através da documentação como a deixada por Guaman Poma sobre o que seria uma autêntica
É verdade que o texto do Ossio é antigo, no entanto, continua totalmente válido e vigente,
principalmente quando se pensa que é plausível encontrar ou rastrear uma espécie de purismo
andino em textos como os dos autores trabalhados nesta primeira seção. E é que de fato a riqueza e
força da descrição das idades andinas em Guaman Poma acreditamos que radica não numa suposta
"essência andina’ e sim na forma em que realiza e expoẽ uma trama que envolve a história bíblica
europeia com a história ou histórias andinas, conseguindo de forma muito ingeniosa e audaz
compactar distintos mundos numa mesma linha histórica, na qual convergem distintos povos, seres,
deuses, dataçoẽs e calendários, algo que salvando as proporçoẽs caminha do lado da proposta de
andinas apresentadas por Guaman Poma de forma isolada, é necessário recorrer sempre, assim como
o mesmo autor faz na sua escrita às idades europeias, as quais saõ : I) Primera generación del mundo
de Adán y Eva, II) Segunda edad del mundo desde el arca de Noé, III) Tercera edad del mundo desde
Abraham, IV) Cuarta edad del mundo desde el Rey David, V) Quinta edad del mundo, desde el
Como colocamos no início desta seção, Guaman Poma as vezes cai numa certa
ambiguidade em referência sobre si os primeiros andinos saíram diretamente de Adão e Eva ou pós
dilúvio na época de Noé, porém, como também foi aqui dito, Guaman Poma sempre ao início e no
prólogo de cada idade andina reforça a genealogia andina com início em Noé. Sobre isto, Augusto
Cardich (1971) comenta que Guaman Poma assim como por un lado escreveu baseado no que ele
chama de aporte nativo ou seja da tradição oral andina, por outro, na época em que o cronista elaborou
seu relato a explicação biblica do passado adquiriu mais força, dita explicação sobre passado tinha
nesse tempo uma conotação positiva, ou seja, a aplicação da cronologia bíblica sobre o passado não
Voltando às idades andinas apresentadas na Nueva Coronica, é importante dizer que uma
primeira diferença em relação a Santa Cruz Pachacuti e o Inca Garcilaso é sua maior dedicação a
atenção ao fazer uma subdivisão sobre o período pre-inca. Desde a primeira delas, Guaman Poma
começa a chamar atenção sobre um mínimo estado de inocência e conhecimento de um deus criador
por parte desta primeira humanidade. Os Uari Uiracocha Runa os quais a pesar de que ni sabian
hacer ropa, ni sabian hacer casas, vivian en cuevas y peñascos, tinham uma mínima noção sobre
As boas relações, práticas e costumes será uma questão mantida pelo autor ladino
pelo menos até a idade que antecede aos incas, a era auca runa. O mais importante, no entanto, será
sua característica anti idolátrica e monoteista, estes dois aspectos serão desde nosso ponto de vista
os principais argumentos das idades apresentada por Guaman Poma de Ayala. Por exemplo na
segunda idade dos uari runa aparecem uns dos principais mandamentos do cristianismo Y tenían
mandamientos y ley entre ellos, y comenzarón a guardar y respetaron a sus padres y madres [...]. O
mesmo tom Guaman Poma usara para a terceira idade purun runa apresentando em muitas passagens
do textos virtudes como a caridade, e uma maior organização política. Além disso, e como falamos
ao início, o princípio fundamental destas idades é a adoração ao deus criador. Para a quarta idade
podemos observar uma queda nas boas costumes que até agora o cronista andino vinha apresentando
nas idades anteriores, é nesse sentido que Pierre Duviols comenta que:
Pero los progresos y la técnica y de la socialización van acompañados por una regresión de las
costumbres, de la moral cada vez más acentuada. A pesar de que, en lo religioso, permanecen
durante las cuatros edades en un estado de inocencia y cuasi perfección sin decaer -como veremos
más adelante- algunos vicios van surgiendo con el tiempo, y estos son suficientes para marcar sin
posible equivocación la curva descendiente de la moral (DUVIOLS, 1980, p. 10)
A leitura do andinista francês é bem acertada, pois é possível distinguir duas linhas em
direçoẽs contrarias na história do Guaman Poma, uma delas como bem aponta Duviols está
relacionada a questões de organização social, política e habitacional, na outra está uma aparente
aquisição de vícios assim como uma perda total da moral e dos bons valores que terá seu ápice com
a chegada das práticas idolátrica e adivinatorias por meio dos primeiros incas.
Mas, o que nos diz ou que podemos refletir sobre o esquema da história andina de Guaman
Poma e o apresentado sobre este mesmo período de tempo pelo Inca Garcilaso e Juan de Santa Cruz
Pachacuti? O primeiro ponto mais visível é a extensão que os três autores dão a esse período de
tempo, pois como foi possível observar, para o Inca Garcilaso assim como para Santa Cruz Pachacuti
existe só um período ou era pre inca, ou seja, só existiu uma primeira geração o idade humana, o que
difere das quatro idades anteriores descritas por Guaman Poma de Ayala, onde se permite elaborar
Uma das coisas que mais chamou a atenção, é que se lemos detidamente as virtudes
ruins dadas pelo Inca Garcilaso aos povos da primeira idade antes dos incas, Guaman Poma de
Ayala faz um trabalho inverso, e relata o sentido oposto dessas práticas narradas por Garcilaso. Me
estou refiriendo por exemplo ao tema dos sacrificios humanos, prática a qual segundo Garcilaso teve
presença na aquella antigua gentlidad e não na época dos incas: Volviendo a los sacrificios, decimos
que los Incas no los tuvieron ni los consintieron hacer de hombres o niños [...] enquanto Guaman
Poma de Ayala não faz referência alguma a prácticas de sacrifício humano nem animal nas eras pre
incaica, elas somente viriam aparecem no texto do cronista em algumas celebraçoẽs e festas incaicas,
um exemplo disso é no capítulo da Nueva Coronica sobre os meses e festas dos incas, onde no mês
de junho, quando acontece o inti raymi [...] enterraban a los ninõs inocentes, quinientos, y mucho oro
Do tema dos sacrifícios passamos a questão das formas de moradia e organização social
e política. Nesse aspecto, ao mesmo tempo que Guaman Poma cria uma linha evolutiva que com o
passar das idades vão melhorando seus sistemas habitacionais e de moradia, para o Inca Garcilaso
estas gentes da primeira idade existiam da seguinte forma, Los mas políticos tenían sus pueblos
poblados sin plaza ni orden ni calles ni de casas, sino como un recogedero de bestias, algo parecido
também aconteceria com as formas de vestir. Mas, acreditamos que a principal diferença radica na
inversão que fazem ambos autores em relação ao monoteismo/politeismo destas primeiras gerações
de gentes. Como foi possível observar a principal virtude que permanece ao longo do tempo nas
quatro primeiras idades andinas de Guaman Poma é a adoração de um único deus, relacionando a
Viracocha com o Deus cristão, no caso do inca Garcilaso acontece todo o contrário pois a adoração
a uma multiplicidade de divindades seria um dos principais erros e pecados dos povos que habitavam
os Andes no inicio, erro o qual seria corrigido com a chegada dos incas. Tão importante resulta para
Garcilaso fazer essa distinção entre um período pre-inca idolátrico, e um inca antiidoltarico que :
Los españoles aplican otros muchos dioses a los incas por no saber dividir los tiempos y
las idolatrías de aquella primera edad y de las de la segunda. Y también por no saber la
propiedad del lenguaje para saber pedir y recebir la relación de los indios, de cuya inorancia
ha nacido dar a los incas muchos dioses o todos los que ellos quitaron a los indios que se
sujetaron. (GARCILASO, 1967, p. 80)
Garcilaso é tão audaz que culpabiliza a suposta idolatria encontrada e descrita pelos espanhóis
nos incas devido a sua falta de entendimento das línguas nativas, e, além disso, aproveita para
ressaltar que a idolatria e adoração a vários deuses foi coisa do passado e que foram os incas o
encarregados de tirar os pecados dos indígenas, algo que é evidentemente contrário à versão Guaman
Poma de Ayala como ele bem coloca nesta passagem ao se referir ao conjunto de idades que
Si Guaman Poma de Ayala e o Inca Garcilaso de la Vega estão em pólos opostos, onde
cabe Juan de Santa Cruz Pachacuti nesta equação ? Talvez seja possível dizer que o relato de Santa
Cruz Pachacuti se apresenta de uma forma mais neutra em relação ao passado pre inca. Pois se por
um lado, não fala desse passado com as virtudes e bons costumes de Guaman Poma, também não
fala nada a respeito dos erros, pecados e vícios que assinala o Inca Garcilaso. Pachacuti ao nosso
modo de ver descreve o passado andino como o primer encontro e preparação dos andinos com o
cristianismo, que teriam uma espécie de genealogia cristã com Jesucristo-Tunapa/Santo Tomas-
Manco Capac (primer inca), olhando a esse passado nem de uma forma tão positiva como Guaman
ancestral ao espaço andino. Como foi observado, dito vínculo não significou uma representação e
descrição homogênea do tempo andino por parte desses três cronistas nem dos códigos e categorias
temporais cristãs vindas de fora, pelo contrário, isto ajudo a pensar no complexo mundo de relaçoẽs
encontramos sujeitos que disputam seu discurso histórico não só perante a administração colonial,
senão muito provavelmente também diante das autoridades locais nativas que começaram a fazer
parte das tradições de pensamento e escrita andina. O que estímulo este fluxo de forças poderia
obedecer a questoẽs étnicas, políticas, sociais, econômicas, temporais, espaciais. No entanto, é muito
Este primeiro analise sobre o variado e complexo uso sobre o tempo, nos ajuda a avançar
no análise das categorias de matriz andina como o pachacuti, trabalho que terá que ser continuado e
acompanhado não só com análises de eventos de ruptura ao interior dos textos coloniais, e sim com
suma, na sequência desta tese, além juntar ao análise as outras fontes principalmente de clérigos e
funcionários espanhóis sobre os itens levantados neste capítulo, pretendemos, tendo como base esse
contexto mais amplo, um análise mais focado a questões mais ligadas às cosmovisoẽs andinas
espaciais e temporais que aparecem nessas fontes, e não só de nosso objetivo principal é problema de
pesquisa que é o pachacuti, e sim também de outros conceitos como os assinalado acima.
Proposta de continuidade, que pode ser continuidade deste capítulo ou outro separado.
III
-AMAYA, Fernando. Conflicto colonial andino y mediación teológica en la crónica de Guaman Poma.
-BEAUCLAIR, Nicolas. La relación de Santa Cruz Pachacuti Yamque,un reflejo de la ética andina.
-BRECHETTI, Angela, Los pintaré como estaban puestos: hasta que entró este reyno el santo
ebangeleo, Santa Cruz Pachacuti Yamque, 1613. Madrid: Anales del museo de América, 2003, pp:
81-102.
-DUVIOLS, Pierre. Periodización y Política: La historia prehispánica del Perú según Guaman Poma
http://www.ifeanet.org/publicaciones/articulo.php?codart=1036,
problemas de interpretação e entendimento. CLIO. Série Arqueológica UFPE. V, 22. p. 09-49, 2007.
a.org/cd/diccionarios/VocabvlarioQqichuaDeHolguin.pdf.
-HERRERA, Sergio. Ideologias, mentalidades en la obra de tres autores andinos del Perú, Siglos XVI
-LOPEZ-BARALT, Mercedes. El Inca Garcilaso nuestro primer gran escritor. Lima: Revista de letras
-MINOIS. George. Historia do futuro: dos profetas à prospectiva. Saã Paulo: Editora Unesp, 2015.
-MLLONES, Luis. AUSTIN LOPEZ, Alfredo. Dioses del Norte Dioses del sur, México: Ediciones
Era. 2008
-MAZZOTI, Antonio. El Inca Garcilaso y el calentamiento globla, claves para una lectura
contemporanea de los comentarios reales. Madrid: Revista Philogia Hispalensis, p. 79-87. 2018
-OSSIO, juan. Inkarri y el mesianismo. In: NAVARRETE, Federico. OLIVER, Ghilem. (coord), El
em :https://www.historicas.unam.mx/publicaciones/publicadigital/libros/374/heroe_mito.html
-OSSIO, Juan. Las cinco edades del mundo según Guaman Poma de Ayala. Lima: Revista de Historia
-PEASE, Franklin. Versiones del mito del Inkarri. Lima: Revista de Historia de la PUCP. p. 25-41.
1977.
-PEASE, Franklin, Las crónicas y los Andes. Lima: Fondo Editorial Pontificia universidad Católica
-PAGE, Carlos. El apostol Santo Tomas en America segun los jesuitas del Brasi y Paraguay. Madrid:
-RIVERA ANDIA, Juan. Mitología en los Andes In: RESCANIERE, Alejandro. Religiones
-ROSTWOROWSKI, María. Estructuras andinas del poder: Ideología religiosa y política, Lima: IEP,
2007.