Série Amos e Masmorras Livro 02 O Torneio - Lena Valenti
Série Amos e Masmorras Livro 02 O Torneio - Lena Valenti
Arrisque-se
Dê o seu melhor
1
Antes, nos diziam que só podia existir amor entre homem e mulher.
Hoje, o amor é entre homem e mulher, mulher e mulher, e homem e homem.
Antes nos diziam que o verdadeiro e único sexo era o suave e amável. O BDSM
demonstra que também existe outro tipo de sexo. Nem melhor e nem pior.
Apenas diferente.
Há alguns dias, ela era apenas Cleo Connelly, tenente da polícia de Nova
Orleans. Vivia feliz na rua Tchoupitoulas e tinha só um macho em sua vida:
seu camaleão, Rango. Nunca tinha experimentado o BDSM, e as únicas
palmadas que já tinha levado na bunda tinham sido de seu pai quando ela
era criança e aprontava alguma.
Mas, há seis dias, ela recebeu a má notícia de que sua irmã, a agente
federal Leslie Connelly, tinha desaparecido em uma missão. O FBI foi até sua
porta para pedir ajuda, já que precisavam de alguém com o mesmo perfil de
Leslie para entrar naquele complicado e delicado caso no qual estava
envolvida. Acreditavam que L. ainda estava viva, por isso queriam resgatá-
la. E, para tanto, precisavam da ajuda de Cleo.
Assim, naquele exato momento, ela era Cleo Connelly: agente infiltrada
do FBI em um torneio de dominação e submissão chamado Dragões e
Masmorras DS, no qual interpretaria o papel de submissa e ajudaria a
revelar a identidade dos responsáveis pela droga popper e dos traficantes
de pessoas, que vinham sendo monitorados há um ano, e usavam o torneio
como fachada para cometer seus crimes federais.
Fazia alguns dias que o coração dela estava inteiro e livre.
Naquele momento, tentava juntar os cacos deixados por Lion Romano, o
agente encarregado do caso Amos e Masmorras, no qual ela estava
trabalhando, seu instrutor em dominação, que havia minado sua confiança,
colocado sua capacidade como agente em xeque, e menosprezado sua
postura como mulher, agindo em prol dos próprios interesses.
Cleo Connelly nunca havia se sentido tão decepcionada e devastada como
se sentia agora por causa de Lion.
Isso não ia ficar assim. Se Lion quis tirá-la do caso, pelo motivo que fosse,
ele iria encontrá-la de novo, de igual para igual, e dessa vez iria perder.
Ela estava em um voo da US Airways com destino a Washington D.C.
Ela não gostava de voar. De jeito nenhum. Na verdade, sempre viajava de
carro, por mais distante que fosse o destino… Mas o tempo estava acabando
e ela precisava comparecer com urgência no torneio, onde tudo seria
resolvido; por isso, abriu uma exceção e passeou pelas nuvens para chegar
a Washington e encontrar seu novo parceiro: o agente do FBI Nick Summers,
submisso dela.
O FBI usou o convite que Cleo tinha recebido da Rainha das Aranhas na
noite anterior. A Rainha, ou alguém que respondia por ela, indicou que os
convites personalizados tinham um QR code escondido na parte de trás. Se
fosse escaneado, levaria à escolha de um assento em um avião que ia sair
de Washington D.C. em direção às Ilhas Virgens Americanas, mais
especificamente à ilha de Saint Thomas, no aeroporto Cyril E. King.
Todos os trâmites para a inscrição do torneio já estavam em andamento,
e Cleo ia se infiltrar no segundo torneio Dragões e Masmorras DS (domines
& mistresses) como a renegada e maltratada Lady Nala, a ex-submissa de
Lion King, agora no papel de ama.
O que levava na mala? Dois corpetes que juntos valiam mais de cinco mil
dólares, além de alguns punhados de raiva e desejo de vingança.
Nossa, ela ia virar o alvo favorito da Rainha das Aranhas, não tinha
dúvida… Quando a Rainha loira sádica das neves soubesse que Cleo tinha
entrado no torneio separada do Lion, iria atrás dela e a provocaria. Cleo
não iria facilitar as coisas.
Tentava devorar as lições de BDSM em seu iPad para pelo menos ter
alguma chance de se salvar e não ser eliminada logo de cara. Ela esperava
que Nick a pegasse pela mão e a ensinasse algumas coisas… Havia sido
treinada como submissa de Lion, mas não sabia como devia se comportar
como ama. A estante virtual de sua biblioteca eletrônica estava cheia de
meias-calças arrastão, sapatos com saltos de dez centímetros, chicotes,
açoites… Seria o suficiente fingir por um dia, sem vergonha nenhuma, ser
uma dominadora de modo a colocar em prática o plano que ela havia
arquitetado?
Primeiro, a jovem teria que se entrosar com Nick, e ela esperava se dar
bem com ele.
– Posso te perguntar uma coisa?
Cleo se distraiu de sua leitura instrutiva e fitou com surpresa a sua
vizinha de voo, uma mulher de cabelos cacheados castanho-claros e olhos
pretos enormes. Estava usando lápis e sombra escuros, e seus lábios
brilhavam com uma tonalidade terrosa. Devia ter mais ou menos a mesma
idade de Cleo, uns 27 ou 28 anos.
– Sim?
– Não quero parecer indiscreta…
Cleo desligou o iPad e deu uma tossidinha. Talvez a mulher tivesse se
assustado ao ver o que ela estava lendo. Coisas como:
Nem sempre o submisso aproveita a experiência, e isso se dá porque, dependendo dos castigos
infligidos, podem surgir pensamentos radicais como o de querer abandonar a relação de
submissão. Mas é normal. Lembre-se de que o homem, historicamente, sempre pensou estar acima
da mulher, e para um macho ser dominado sexualmente por uma fêmea não é nada fácil – dizia uma
ama muito popular. Por isso mesmo você deve valorizar, e também saber recompensar, sua
dedicação e entrega diante daquelas que eles sempre consideraram (erroneamente, é claro) o sexo
frágil. A tortura do pênis, o uso de prendedores e o espancamento genital nunca devem ser
realizados para eliminar uma conduta inapropriada que queremos erradicar. Deve haver uma linha
que separa as práticas voltadas para o prazer daquelas infligidas como castigo. É preciso deixar
claro para seu submisso que, quando você o castigar, será algo de que ele vai se lembrar pelo resto
da vida. Você pode castigar fazendo-o dormir no chão, sendo indiferente a ele (isso acaba com o
submisso), ou negando-lhe o orgasmo, tudo depende do erro que ele cometeu. Mas se o submisso
cometer o mesmo erro várias vezes, é preciso perceber se o castigo não é tão duro assim para ele,
se ele por acaso não está gostando e tendo prazer sublime com a situação. Às vezes, os submissos
são um pouco fingidos, e você tem que chamar a atenção deles. Não os deixe trapacear.
Uma ama é altiva, mas não prepotente. Tudo se baseia na postura. Ser uma boa ama é contornar as
situações e tomar controle sobre elas.
Uma boa ama aplica disciplina, e não tortura. Ela não tem medo de machucar o submisso porque ele
busca determinados tipos de estímulo.
Cleo passou as unhas pelo peito dele, arranhando com força suficiente
para que ele sentisse o contato através do tecido da camiseta.
– Quero que me satisfaça. E você vai me satisfazer no torneio. – Agarrou
um mamilo dele, puxando e beliscando com força. – Você gosta assim,
Nicky?
– Não me chame de Nicky – ele grunhiu, aceitando o trato com prazer.
– Chamo como eu quiser. Não vou te tocar, e sequer jogar com você. O
que eu quero, o que me daria prazer de verdade, seria te ver jogando com
os monstros.
Nick começou a rir, desfrutando da puxada de cabelo e da dor no mamilo.
– Como é? Não…
– Silêncio.
Nick se calou de imediato.
– Quer me satisfazer? – Voltou a passar a mão pelos cabelos dele.
– Sim.
– Sim, o quê? – “Toma essa! Assim que o Lion me ensinou!”
– Sim, ama.
– Pergunte o que eu quero que você faça.
– O que você quer que eu faça?
– Quero que você faça de tudo pra me ajudar a conseguir o primeiro baú
na primeira rodada. Consegui-lo é muito importante. Vai me satisfazer?
Nick engoliu saliva e a olhou de canto.
– Se voltar a olhar pra mim, vou colocar um prendedor na sua língua.
O agente, inteiro no papel, desviou o olhar para baixo.
– Não me faça perguntar a mesma coisa duas vezes… vai me satisfazer?
– Sim, ama. Vou dar o melhor de mim para te entregar o baú.
– Você vai escutar a minha proposta?
– Depende.
– Aqui não tem depende, gato, ou juro que vou deixar suas bolas da cor
dessas uvas. Vai escutar a minha proposta? – Apertou mais forte que da
outra vez.
– Sim, ama.
Cleo o soltou e deu um passo para trás. A atmosfera imperativa
desapareceu aos poucos. Cleo cruzou os braços e, simulando uma confiança
que não tinha, voltou para sua cadeira.
– Essa é a atitude – Nick confirmou, desconcertado.
– É? – O rosto de Cleo se iluminou com esperança e, de repente, ela
começou a aplaudir a si mesma e a pular na cadeira como uma colegial. –
Muito bem, garota! Muito bem!
Nick não sabia como reagir diante da situação. A agente Connelly tinha
passado rapidamente de uma dominatrix para uma jovem groupie.
– Incrível – Nick murmurou, intrigado. “Essa é a menina de Nova Orleans
que conseguiu enlouquecer o Rei Leão? Interessante.” – Me conte o seu
plano.
Meia hora depois, Nick tentava assumir o papel atribuído por sua nova
ama. O certo era que Cleo e Karen eram totalmente diferentes.
Karen tinha sido inflexível e intolerante com ele. Isso era exatamente o
que Nick Summers procurava para conseguir a redenção de seus pecados. A
missão Amos e Masmorras caíra como uma luva para que ele exterminasse
seus demônios e se recuperasse.
Sem que a agente Robinson soubesse, estava sendo terapêutica. Mas
Karen tinha quebrado o braço e não podia acompanhá-lo no torneio, por
isso agora ele teria que participar com a ex-submissa do agente Romano. E
queria saber o que realmente tinha se passado entre eles.
Lionel estava intratável quando falou com ele, naquela manhã, para
repassar as instruções sobre o lugar exato onde ficariam as malas com as
munições nas Ilhas Virgens.
Cleo Connelly era como um coelhinho em uma floresta cheia de lobos.
Era muito corajosa, o que era uma característica sua, mas não era uma
dominadora. Podia fingir muito bem em uma ou outra ocasião, como havia
feito há pouco, mas ainda era uma dominatrix que estava nascendo e se
desenvolvendo. Cleo tinha muito a aprender.
O certo era que, para que ambos continuassem na missão, o melhor era
seguir passo a passo o plano original e bem pensado, traçado por Cleo. Um
plano que só poderia ter sucesso se encontrassem um dos baús que seriam
escondidos na segunda-feira.
Nenhum dos dois poderia continuar, caso permanecessem juntos.
Ela não ia conseguir representar uma ama. Ele até poderia ensiná-la a
espancar ou a realizar algumas técnicas simples, mas não seria possível
prosseguir quando chegassem às provas mais complicadas. Cleo não sabia
amarrá-lo na Cruz de Santo André, muito menos imobilizá-lo, nem sabia
como ele gostava de ser tocado. Dessa maneira, eles seriam eliminados logo
no início. E precisavam que chegar à final de qualquer jeito.
Assim, a proposta da parceira era a melhor opção. Com o respeito
renovado por ela depois de notar sua perspicácia, ele decidiu instruí-la
naquela sala particular. O básico do básico. O nível um da dominação.
Ele mostrou como ela deveria apertar o pênis com o anel peniano;
explicou em quais zonas da barriga e das nádegas ela deveria bater.
– Você é uma ama do tipo Shelly – advertiu o agente loiro. – Era o papel
da Karen, e você terá que interpretá-lo. Significa que na abertura do torneio
você terá que usar um tipo específico de roupa. – Abriu a mala de
acessórios de Karen. Um vestido de látex rosa--choque bem apertado, com
um cinto largo de couro azul e um tipo de capa de seda brilhante da mesma
cor. A fantasia se completava com as botas pretas de verniz que iam até o
meio das coxas. – Já sabe. Você é carinhosa e controladora, e vai usar o
açoite.
Cleo estremeceu ao ouvir a palavra “açoite”. Estava com o corpo cheio de
marcas porque um maldito agressor psicopata a havia espancado com
vontade usando um açoite. O som do instrumento cortando o ar em castigo
à sua pele a deixava doente. Mas se tivesse que usá-lo enquanto ama, ela o
usaria. Ainda que fosse tentar não usar o maldito açoite porque, com
certeza, acabaria machucando alguém sem querer.
Para isso, ela teria que usar muito bem as cartas.
– Vamos chegar a Saint Thomas por volta das cinco e meia – Nick falou. –
Seguiremos para o hotel. De noite, vamos como um casal para o jantar de
abertura do torneio. E no dia seguinte, vamos começar a colocar nossa
lenha pra queimar.
– Acha que podemos obter algum tipo de informação nesse jantar?
– A única informação que poderemos conseguir vai ser a relação entre os
casais. Os monstros vão estar no jantar. A Rainha das Aranhas vai nos
apresentar casal por casal… Temos que observá-los, e descobrir seus
pontos fracos e saber com quem poderemos contar para fazer alianças.
Aqui está o seu passaporte falso. Você é do Texas, Lady Nala.
– Sim. Eu sei.
– Certo – murmurou. – As pulseiras, que foram enviadas com todo o
material para o torneio, têm um chip de rastreamento via satélite. Lion está
com todas as falsificações que foram passadas pra gente pelo pessoal da
logística. Ao trocar umas pelas outras, poderemos sair dos complexos sem
que ninguém perceba. Nossa equipe auxiliar vai deixar uma mala com
armas em uma das quarenta ilhas que compõem o arquipélago.
Provavelmente entre domingo à noite e segunda de manhã, alguém vai
entrar em contato para nos fornecer o material de áudio e espionagem.
Vamos começar a instalar microfones e câmeras em todos os cenários e
locais por onde passarmos. A região vai ter que estar completamente
grampeada, com imagens em tempo real para a equipe de monitoramento.
– Perfeito.
– Está nervosa, agente Connelly? – ele perguntou, curioso.
“Nervosa? Nervosa, eu, por quê? Hein? Por quê? Porque estou morrendo
de vontade de ver a cara do leão quando rever sua ovelhinha?” Cleo riu
internamente.
– Estou ansiosa. Minha irmã Leslie vai estar lá. Lionel, que me afastou da
missão, vai estar lá. A Rainha das Aranhas vai estar lá. E quem quer que
sejam os Vilões, vão aparecer na final… e vão estar lá. Não estou nervosa –
garantiu, contemplando o mapa das Ilhas Virgens. – Estou histérica.
Nick começou a rir.
– Acho que, se controlar seus nervos e sua ansiedade tão bem quanto
você controla as coisas ao seu redor, tudo vai sair exatamente como
planejado.
Claro. Mas na verdade ela não tinha poder para controlar as coisas ao seu
redor.
Prova disso era que estava com um parceiro que não era Lion.
2
O destino quis que Lady Nala e Tigrão fossem colocados na mesma mesa de
King Lion e Mistress Pain, e de Thelma e Louise.
Nick puxou a cadeira para Cleo.
Ela nem ao menos agradeceu. As dominadoras não faziam isso. Os
submissos eram seus servos.
“Lembre-se: você dá ordens e não pede por favor.”
– Champanhe – ela mandou sem fitar Nick.
Nick fez as honras diante do olhar atento de Lion.
Claudia observou Cleo com interesse. Quanto ao submisso, ela observou-
o faminta.
Thelma permanecia atenta ao palco, sobre o qual a Rainha das Aranhas
apresentava o último casal, e Sophiestication permanecia com a cabeça
baixa, encarando seu prato vazio.
– Boa noite. – Cleo cumprimentou toda a mesa, evitando o contato visual
com Lion. – Viemos só cumprimentá-los. A viagem foi longa, estamos
cansados e provavelmente não vamos ficar para o jantar. Temos que
recuperar as forças para amanhã – explicou com segurança.
Lion parecia à espreita, com vontade de subir na mesa e dar o bote para
estrangular Cleo e Nick.
Este sentou-se ao lado dela para se certificar de que não faltava nada
para sua ama.
Todos responderam ao cumprimento com educação.
– Os organizadores fizeram um trabalho excelente, não acham?
– É verdade – Thelma respondeu, pegando o guardanapo e em-postando-
o sobre as coxas. – É tudo impressionante. Imaginar que as ilhas farão parte
de Töril e que cada cenário será perfeitamente emulado como no RPG… É
muito emocionante. – Thelma acariciou o pescoço de Sophiestication e se
aproximou dela para lhe dar um beijo na bochecha. A jovem sorriu com
doçura e concordou.
– Sua submissa não fala? – Mistress Pain perguntou com desdém.
Sophiestication levantou o rosto o suficiente para analisar o rosto de
Claudia, mas o fez de uma forma que ninguém se deu conta.
Ninguém, exceto outro submisso como ela, que a olhava de canto de olho.
– Quero que Louise cuide da voz e a preserve pra hora dos castigos.
Então ela vai poder gritar o quanto quiser. Damos muito valor ao silêncio e
à paz mental entre nós duas. Cultivamos muito as palavras. Não é, minha
linda? – perguntou a loira com infinita suavidade.
Sophiestication balançou a cabeça de maneira afirmativa.
– Também estamos ansiosos pra começar – Claudia assegurou com um
sorriso e colocou a mão sobre o joelho de Lion.
Cleo ficou alerta como um dobermann, e só teve vontade de dizer:
“Piggggrrrrrrranha”.
Lion continuava sem piscar. Olhava para Cleo e para Nick, que estava na
mesma posição de submissão que Sophiestication.
Ele não sabia como agir.
Ela… Sua Cleo estava ali, onde não deveria estar. E, além de tudo, com
outro homem.
– Sim, nós também, não é, meu canalhinha? – Cleo pegou Nick pelo
queixo e girou o rosto dele na direção dela. Olhou de soslaio para Lion. “Ah,
que ótimo. Que ótimo. Tenho toda a atenção dele. Dê uma olhada no que
faço com o agente Summers.”
– Sim, ama – o loiro respondeu, obedecendo tal qual um bom menino.
– Me dê um beijo.
Lion apertou os punhos sobre a mesa.
Nick sorriu com malícia e beijou os lábios de Cleo, querendo alongar e
aprofundar mais o contato. Cleo o afastou com rapidez, puxando o cabelo
dele como castigo.
“Não exagere na atuação. Não exagere.”
– Já foi o suficiente.
– E você diz que veio da selva? – Lion perguntou com desdém e
indiferença. Analisou a pele dos ombros dela procurando alguma marca do
açoite de Billy Bob, mas ela havia se encarregado de maquiá-las. Não havia
nenhuma à mostra. – Nunca te vi na minha.
Mistress Pain começou a rir.
Cleo apertou os dentes e seus olhos verdes o fuzilaram.
– Sabe por quê, Simba? Porque o jardim mal cortado da sua casa não é
uma selva. Venho de uma selva maior do que a sua. – “Uma selva na qual o
respeito pelos outros animais é básico. Você não me respeitou.”
– Nossa. – Thelma cobriu a boca com a mão, tentando abafar uma
gargalhada. Do lado dela, Sophiestication encarou Cleo com assombro.
– Você não deveria falar assim com King Lion, leoa – Claudia advertiu. –
Precisa respeitá-lo.
– E eu respeito – Cleo garantiu, sorvendo champanhe como se a conversa
a entediasse. – Respeito muito. Ele é o rei da selva, não é?
– É – a switch respondeu com orgulho.
– Mas é o rei só da selva dele. – Cleo deu uma piscadinha e sorriu.
– Escuta, Tigrão. – Lion se inclinou para a frente de modo a chamar a
atenção de seu amigo. Ele também sabia brincar e, além do mais, tinha que
reagir. – Acho que já te vi antes em Nova York. Em alguma casa noturna,
talvez?
Nick permaneceu calado.
– Por acaso ele não responde? – Claudia se sentia insultada diante do
comportamento dos demais.
– Meu menino não responde se eu não der permissão – Cleo respondeu,
cheia de orgulho. – Seu amo não tentou nada parecido com você? Você fala
demais.
– Claro que sim – Lion respondeu com segundas intenções. – Quando ela
está com o gag e eu a domino. – Seus olhos azuis provocadores brilharam.
Mistress Pain sorriu como se perguntasse: “O que acha do meu amo,
linda?”
Cleo absorveu o golpe da melhor maneira possível, mesmo que as
palavras tivessem doído como uma chicotada.
– Fico feliz; talvez você nos mostre amanhã como faz – respondeu, dando
a entender que eles não encontrariam o baú e que teriam que duelar com
outros participantes. Desviou o olhar para Nick. – Pode falar.
Nick levantou a cabeça e olhou de frente para seu amigo.
Eles se comunicaram em silêncio. Lion o recriminava por não ter
repassado a informação, e Nick assegurava que a decisão fora de
Montgomery, que ele não tinha nada a ver com isso.
– Sim. Já fui muitas vezes com a minha ama para Nova York.
– Mas acho que me lembro de uma ama morena e mais alta, e com peitos
maiores que os da Lady Nala.
Cleo mordeu o interior do lábio e teve vontade de cravar um garfo no
meio das sobrancelhas dele. Lion sempre despertava seu lado mais sádico.
– Estou feliz com o lindo corpo da minha nova ama – Nick respondeu
devolvendo o golpe nada cavalheiro de Lion.
“Esse é o meu garoto”, pensou Cleo.
– Minha antiga ama quebrou o braço. Mas Lady Nala veio me salvar e
agora estou à mercê dela. E adoro estar à mercê dela – garantiu,
contemplando Cleo com um sorriso.
“Bom, então a Karen se machucou e não pôde entrar no torneio. Que azar
do caralho”, Lion pensou. E para que Nick entrasse com alguém que
estivesse a par do caso, Montgomery chamou a Cleo. Será que foi assim
mesmo?”
– Então vocês são um casal relativamente novo? – O olhar analítico de
Claudia estudou os dois. Desta maneira, podia atacá-los com mais
facilidade.
– É isso. – Lion sorriu como o rei da selva que era, colocando Cleo no
lugar de novata e Nick como o mais experiente.
Cleo decidiu que já tinha sido o suficiente.
Tinha enfrentado Lion.
Comportou-se com educação, cumprimentou a todos, e chegou o
momento de sair de cena e esperar ansiosa pelo dia seguinte.
– Se vocês nos dão licença… – Cleo murmurou enquanto se erguia da
mesa e puxava a corrente do pescoço de Nick. – Foi um prazer. Aproveitem
o jantar. Vamos descansar, amanhã temos que madrugar.
– A selva não tem piedade, Lady Nala – Lion garantiu, olhando de canto
de olho, enquanto ela e Nick se afastavam.
Lion perdera a fome.
Não queria estar ali na mesa com Claudia, Thelma e Louise.
A única coisa que desejava, como homem e como amo, era descobrir em
que quarto Cleo e Nick estavam hospedados e exigir a porra de uma
explicação.
Ele a conseguiria.
Não permitiria que os dois dormissem juntos, de jeito nenhum.
Lion podia ter dormido com Cleo.
Mas Cleo não o faria com mais ninguém.
Pertencia a ele.
3
A submissão é como uma meditação. Você fecha os olhos, sua mente fica
em silêncio, seu coração pulsa… e abrem-se as portas para sua rendição.
Lion entrou no quarto com frieza total e absoluta. Com tudo sob controle e
analisando as imagens que via. Por sua vez, os móveis, as lâmpadas e o chão
foram tomados pela neblina.
Os travesseiros no carpete, a colcha amassada e desarrumada, os lábios
inchados de Nick…
Cleo estirada de um modo completamente descuidado, como se estivesse
saciada.
Olhou para ela a partir do pé da cama. Colocou as mãos na cintura,
escaneando a moça por inteiro.
– Agente Romano – ela cumprimentou com um tom de voz bem
impessoal.
Lion endureceu as feições.
– Posso saber o que você está fazendo aqui?
– Aqui na ilha ou aqui na cama?
Lion olhou para Nick, que estava com cara de interrogação.
– Está brincando comigo? – o amo perguntou para o submisso.
Cleo se ergueu e apertou os olhos.
– Bom, como você pode ver, eu estou no caso, Romano.
– No caso do qual eu te afastei porque você não está em condições…
– Não estou em condições do quê? – Ficou de pé no colchão e o encarou.
– Cleo? – Nick ia segurá-la. Nunca tinha visto ninguém enfrentar Lion
daquele jeito. – Você devia descer da…
– Estou em perfeitas condições de continuar nessa missão, e foi você
quem me colocou nela, lembra? Você me treinou durante uma semana pra
entrar no torneio, mas depois voltou atrás e me traiu.
– Agente Connelly, não ultrapasse os limites.
– Não ultrapassar? – repetiu, incrédula. – Todos nós que estamos nesse
caso já extrapolamos os limites do pudor e da moral. Todos. Já ficamos
pelados uns na frente dos outros e já pegamos em todos os lugares
proibidos. Então não venha me falar de limites, senhor Anéis de Frequência
Cardíaca. Era só o que me faltava, agente Romano! É você quem está
brincando comigo?
– Cleo… – A sobrancelha falhada se ergueu com impertinência.
– Nem Cleo, nem nada! Eu voltei porque o senhor Montgomery me
readmitiu no caso do qual você me afastou sem oferecer nenhuma
explicação. E graças a mim, Nick também pôde se infiltrar, porque sem a
Karen como ama ele teria ficado de fora!
Lion respirou bem fundo.
Seu pior pesadelo e preocupação estavam ali como ama. Cleo não sabia
como dominar. Ia estragar tudo.
– Como você tinha o…? – emudeceu ao se lembrar do momento em que
Sharon deu o convite para Cleo.
– O convite da Rainha das Aranhas me permitiu estar aqui. Lembra,
Romano? Lembra da mansão Lalaurie há duas noites?
Lion engoliu saliva e se obrigou a apagar da mente aquele momento.
Lembrava da mansão e do que tinha vindo na sequência. Não havia se
passado nem sequer 48 horas de tudo aquilo.
– Cleo tem um plano, Romano. Acho que você tem que se acalmar e
escutá-la… Se funcionar…
– Cleo não tem plano nenhum – ela retrucou sem deixar de olhar
fixamente para Lion, como faria um predador.
– Você tem um plano, Cleo? – Lion perguntou quase rindo dela. Queria
escondê-lo?
– Não. Não tenho plano nenhum, Romano – respondeu.
– Pode desembuchar. Sou seu superior.
– Não tenho nada pra contar. O único plano que temos que colocar em
prática é o de encontrar os malditos baús amanhã. E ponto final.
O agente Lion ficou com vontade de jogar tudo pelos ares. Cleo estava de
cara lavada, com uma camisola branca que ia até as coxas, os mamilos se
insinuavam por baixo do tecido… Era como uma maldita Sininho dando
bronca nele.
Teve vontade de abraçá-la e tirá-la da vista de Nick.
O que será que ele já tinha visto?
– Você vai conseguir desempenhar o papel de ama? – Lion estava confuso
com a situação. Cleo e Nick não tinham que estar juntos. Merda.
– Bom, considerando a pouca ou nenhuma confiança que você tem em
mim, não faz diferença que me diga o que acha ou deixa de achar. Mas
confio em mim e na minha competência, e espero que minha irmã esteja em
algum lugar dessa ilha. Não pretendo cometer nenhum erro. A vida dela
está em jogo.
– E a sua também, Connelly – Nick garantiu.
– Eu sei, Summers. E a minha – afirmou, séria. – Todos nós temos muito a
perder. Quero somar, não estou aqui pra atrapalhar nem pra causar
problemas. Agora eu faço parte da sua equipe e você vai ter que me aceitar,
mesmo que seja difícil.
Ele tinha que aceitar? Meu Deus… Cleo não sabia do que estava falando.
Ele a aceitava, mas temia por ela. Estava assustado de verdade por vê-la ali,
no mesmo hotel que os monstros e que qualquer amo com olhos, porra.
Ela não entendia que ele não ia conseguir trabalhar assim?
Deu um passo à frente e, ainda com as mãos na cintura, aproximou seu
nariz do dela.
– De todas as loucuras, de todas as decisões arriscadas que você já
tomou, essa foi a pior. É um erro monumental que você esteja aqui, Cleo. Se
dependesse de mim, eu te mandava agora mesmo de volta pra
Tchoupitoulas, pra junto da sua salamandra.
Ela apertou os lábios até que virassem uma pálida e fina linha.
– Rango é um camaleão, e não uma salamandra – rebateu quase sem
forças.
– Tanto faz! Rango não é uma salamandra e você não é uma ama, e nem
está preparada para estar nessa equipe.
– Mas eu estou. E estou porque um dos seus superiores quis assim. –
Ergueu o queixo trêmulo. – E contra isso você não pode fazer nada. Só
acatar as ordens. Que coisa, chega um momento em que todos devemos nos
submeter, não é?
– Sim, você está preparada. – Fez um gesto de desaprovação. – Me fodeu
direitinho.
Lion mordeu a língua e evitou continuar atormentando-a. Cleo tinha que
saber que ele não estava feliz por vê-la ali, que não gostava do que ela ia
fazer e que… ele não suportava que ela tivesse outro homem como
parceiro.
Sim, era isso.
Jogou uma sacola de plástico em cima da cama, aos pés descalços de Cleo.
– Amanhã, depois da primeira rodada, temos que encontrar uma maneira
de entrar em contato com nossa equipe secreta – ele explicou, soberano. –
Precisamos de armas e de dispositivos de áudio, coisas que não temos em
nosso equipamento. Quando sairmos do complexo de hotéis, vamos usar
essas pulseiras para não sermos localizados. Não esqueça de usá-la. Nossa
equipe de monitoramento está colocando microcâmeras por todas as ilhas
para ter controle absoluto das embarcações que entram e saem dessa
região. Amanhã teremos a primeira prova, fiquem atentos.
– Sim, senhor – Nick concordou, incomodado com a tensão no ambiente.
Lion se dirigiu para a saída, sem dar mais nenhum olhar para Cleo.
Nick o acompanhou e saiu do quarto com ele.
– O que foi isso, Lion? – perguntou de forma incriminadora.
– O que foi o quê? – Continuou andando na direção do elevador.
– Cleo está na equipe por vontade própria e vai nos ajudar. Você não
pode tratá-la assim. Ela fez uma porra de um favor pra gente. Eu já estava
fora, cara.
– Ela é uma irresponsável – grunhiu em voz baixa. – Você não conhece a
peça. Ela vai… vai nos colocar em perigo. É um ímã para os… problemas. É
foda. – Estapeou o próprio rosto e inclinou a cabeça para trás. – Que merda
ela está fazendo aqui? Eu a afastei da missão e agora a tonta está aqui
correndo perigo…
– Ela vai se sair bem, Lion. Ela é muito convincente.
O moreno adotou uma postura ereta e uma atitude ameaçadora. O que
Nick queria dizer com isso de que ela era muito convincente?
– Não encosta nela, Nick. Nem pense em…
Ele levantou as mãos, defendendo sua inocência.
– Ei, ei, ei… na verdade é o contrário, amigo. Eu não encosto nela. Ela é
que encosta em mim.
– Não. Também não me agrada essa resposta.
– Mas é o que tem pra hoje. Você tem que aceitar e aguentar, Lion, senão
seu sangue vai ferver.
– Você não entende…
Nick franziu a testa e fitou-o de canto de olho. Entendeu o que estava
acontecendo. Finalmente tinha entendido.
– Então é ela.
– O quê? Do que você está falando?
– É ela. Ela que é… a mulher especial. – Ao ver que Lion fez uma careta e
olhou para o outro lado, prosseguiu: – Faz um ano, depois do problema que
eu tive – seus olhos dourados se escureceram –, você me disse que um amo
entrega seu coração apenas uma vez. Para uma mulher especial, uma
submissa que aceita a escuridão do seu coração e a necessidade de luz da
sua alma. Você disse que proporcionava prazer, mas que tinha deixado o
seu coração em Nova Orleans. É a irmã da Leslie, estou errado? É a Cleo.
– Me deixa em paz. – Deu meia-volta e apertou o botão do elevador.
– Ela sabe? Sabe que você a trata tão mal por pura incapacidade de
expressar suas… emoções?
– Eu consigo muito bem expressar minhas emoções – Lion esclareceu
enquanto as portas se fechavam. – Mas esse não é o melhor momento.
Antes que as portas se fechassem, Nick colocou a mão entre elas e as
parou.
– É melhor você descobrir logo quando é o melhor momento, amigo.
Antes de ele chegar, podemos ir parar no fundo do mar do Caribe. Não
estamos aqui de férias.
Nick voltou para o quarto e, quando entrou na suíte, viu Cleo saindo do
banheiro com os olhos vermelhos e inchados.
Lion a tinha feito chorar.
A ilha Great Saint James era completamente virgem. Tinha uma vasta área
verde, praias com areia branca e mar cristalino.
Começaram a dar a volta na ilha com os jet skis até encontrar a tal
bandeira vermelha da qual o papagaio de Johann tinha falado.
Um voluntário do torneio vigiava o estandarte vermelho com as letras
D&M bordadas em dourado. Ele se encarregava de parabenizar todos que
chegassem ali e conseguissem os baús. Aos pés do voluntário, que estava
usando só uma sunga preta, estava uma caixa da mesma cor com correntes
prateadas. E uma chave.
Lion exigiu a chave e ele a entregou.
Abriu a caixa. Dentro dela estavam cinco caixas menores.
– Você tem que escolher só uma – ordenou o rapaz com piercings no
rosto. – Quando olhar o que tem dentro, é só seguir por esse caminho que
os levará até o bosque. – Apontou para as tochas que formavam uma trilha
que desaparecia entre as árvores e a vegetação. – No final, vocês vão
encontrar a masmorra de Oman. Lá estarão o Oráculo, o Amo do Calabouço
e os monstros. Boa sorte.
Cleo estava nervosa e rezando para conseguir a combinação que
desejava. O sucesso de seu plano dependia disso.
Abriu a caixa e encontrou uma carta que valia por uma chave para
libertá-la do calabouço. Era só trocá-la com o Amo do Calabouço. Havia
também mais quatro cartas e um objeto:
Eram ótimas. Ela havia conseguido a que mais precisava para iniciar sua
estratégia, mas precisava de outra. Só mais uma para dar o troco dobrado
em Lion.
– São muito boas, Lady Nala. Mas está falando a carta switch. – Nick ia
passado as cartas pelas mãos.
– Sim, me ajuda a fazer uma troca.
– Por qual?
Ela estudou as cartas e os objetos que eles possuíam. Só podia se
desfazer de uma e escolheu a carta Uni, que invocava o amo Uni e salvava
os participantes dos monstros.
– Tem certeza? É uma carta boa, ama.
– É. Dá uma olhada se alguém tem a carta switch.
Thelma e Miss Louise Sophiestication tinham sido um dos cinco casais
agraciados com a sorte de conseguir um baú no primeiro dia.
O casal lésbico sorriu ao ver que Lady Nala e Tigrão se aproximavam
delas com uma carta na mão.
– Não me diga. – A ama loira estava com o cabelo preso, os lábios
pintados em vermelho vivo e óculos escuros de aviador. Estava vestindo
um biquíni de látex e um short bem apertado. – Você quer trocar as cartas,
Lady Nala?
– Quero, ama Thelma – respondeu com serenidade.
– O que você me oferece?
– Você tem a switch?
Thelma franziu a testa e dirigiu um olhar intrigado para Nick.
– O Tigrão quer brincar de dominar?
Nick permaneceu com os olhos cravados na areia branca.
– Meu pequeno não quer controlar ninguém. Mas quem sabe ele não
precise respirar novos ares…
– Ah, claro… – Thelma fez uma careta. – Você vai se desfazer dele assim
tão rápido? A prova nem começou! Problemas entre quatro paredes?
“Não vou me desfazer dele. Mas se eu me unir a Lion, Nick vai ficar
sozinho e cair nas garras dos monstros ou das crias da Rainha das Aranhas.
É o que queremos, porque assim ele pode conseguir informações valiosas.”
– Ele não está sendo muito obediente. Talvez o sol tropical o tenha
afetado. – Cleo anunciou sorrindo com desdém.
– E isso porque você vem da selva, lindo – Thelma murmurou com
desaprovação.
– Eu troco sua carta switch pela minha carta Uni. – Cleo analisou a
submissa de Thelma. Ela se mexeu e pareceu concordar com a cabeça.
Cleo apertou os olhos e então Thelma falou, muito segura de si mesma:
– Você vai se desfazer do seu submisso?
– Sim, é possível. Os monstros vão cuidar dele até o final do torneio.
– Então eu proponho outra coisa.
– O quê?
– Te dou a carta switch em troca da carta Uni…
– Claro.
– E… – advertiu com o olhar que ela ainda não tinha terminado – do seu
submisso, Tigrão.
– Como? – ela questionou sem compreender. Thelma e Louise não se
importavam que um terceiro participasse de seus jogos. Elas queriam Nick?
– Você não precisa consultá-lo. Ele é seu escravo, Lady Nala – Thelma
garantiu, ao oferecer a carta switch.
Cleo olhou a carta e depois analisou o semblante de Nick. Ele seguia com
o rosto para baixo, mas estava piscando sem parar o olho esquerdo. Isso
era um sim. Sim?
– Vou sair perdendo – Cleo garantiu.
– Não. De forma nenhuma. Você quer a carta switch de qualquer jeito. E
deve ter um bom motivo – Thelma especulou. – Estou errada?
Cleo olhou para ele, fingindo que realmente estava pensando.
– Combinado. Te dou o Tigrão quando estivermos diante do Oráculo.
– Fechado.
– Fechado.
Elas trocaram as cartas e apertaram as mãos, confirmando o trato.
Tigrão e Sophiestication levantaram o olhar para medir um ao outro.
Seriam rivais?
Agora, Cleo tinha tudo de que precisava.
Enquanto caminhavam pela trilha indicada pelas tochas, e mantinham
distância de Lion e Claudia, Cleo se aproximou de Nick, puxando-o pela
coleira, e perguntou:
– Tudo bem com a decisão, escravo?
– Sim, ama – ele respondeu, interpretando. Se estavam sendo filmados,
tinham que agir com naturalidade. – Seus desejos são uma ordem para
mim. – E isso permitiria que ele continuasse no torneio. Além do mais, de
qualquer forma, cedo ou tarde ele cairia nas mãos dos monstros. O plano
continuava o mesmo.
– Mas essas duas mulheres…
– Vou ficar bem – ele assegurou com um sorriso amável. – Você pode se
concentrar no seu objetivo, ama.
Ela estava triste por se separar de Nick. Ele a fazia sentir que tinha tudo
sob controle, que estava com as rédeas da situação.
Mas Nick estava desempenhando um papel que ia contra sua verdadeira
natureza. Ela acreditava piamente nisso.
No entanto, sua jogada provocaria uma grande repercussão no torneio.
Lady Nala queria ser a rainha do jogo, a rainha da selva, e para tanto ela
ia bater na mesa, sem nenhuma consideração, para chamar a atenção dos
Vilões, que estavam vendo todas as provas pelas câmeras de curto alcance
que haviam sido colocadas na entrada da casa de Johann Bassin, e também
na coleira de cachorro do jovem voluntário. Havia uma microcâmera
naquela fivela, que passaria despercebida para qualquer um, mas não para
eles. Estavam sendo vigiados? Melhor ainda.
– Lady Nala já está trocando cartas? Vamos ver o que ela está planejando
– Lion insinuou, apertando o passo para chegar até ela.
Cleo colocou a corrente da coleira de Nick ao redor de seu pulso e deu
uma leve puxada.
– Eu só falo com meus escravos, King.
Nem Cleo e nem Lion falaram durante todo o trajeto até o resort. Na
recepção, eles foram informados de que tinham dado baixa no quarto que
estava sendo dividido por ela e Nick, já que agora ela era submissa e
deveria dividir um quarto com seu novo amo.
– O senhor Tigrão foi avisado? – Cleo perguntou.
– Sim – respondeu a recepcionista, de sobrenome Brown –, ele já colocou
os pertences na suíte de Miss Thelma e Miss Sophiestication, e ele mesmo
se ofereceu para colocar seus pertences na suíte de King Lion.
– Muito obrigada – ela respondeu.
Quando eles subiram, Lion inseriu seu cartão no local indicado. A luz
verde se acendeu e a porta se abriu com um clique.
– Entra – Lion mandou.
Cleo entrou e observou o quarto. Era uma suíte como a dela, com uma
vista incrível e uma varanda particular toda de madeira. Cleo viu duas taças
de coquetel perto das espreguiçadeiras.
“Claudia e Lion devem ter tomado alguma coisa enquanto se
espreguiçavam um em cima do outro”, ela pensou com amargura.
A cama estava arrumada e, surpreendentemente, não havia nem rastros
das coisas de Mistress Pain.
– Nossa, o vento levou as coisas dela – Cleo murmurou, sentindo-se
vencedora.
– Quem levou foi você – ele respondeu perto do ouvido dela e a pegou
pelo braço. – Vamos tomar banho.
– Perfeito. Pode tomar banho primeiro, agente Romano. Eu tomo depois
– ela falou, deixando a sacola com apetrechos e o açoite em cima da cama.
Ela não queria admitir que a ordem a deixara nervosa. Ela não queria
dividir mais nada com Lion Romano, a não ser que tivesse que fazê-lo por
necessidade com King Lion. Sua dominação tinha terminado no momento
em que ele a abandonou e a afastou do caso.
Lion desapareceu no banheiro e ligou o chuveiro. Colocou a música bem
alta: “What Goes Around… Comes Around”, do Justin Timberlake, percorreu
toda a suíte… Colher o que se planta, não havia ditado melhor.
Lion a havia ferido e agora estava suportando toda sua animosidade.
Cleo não percebeu sua chegada. Ele lhe tapou a boca e, pegando-a pela
cintura, arrastou-a para o banheiro.
Lá dentro, a água quente estava fazendo os vidros e os espelhos ficarem
embaçados. Ela abriu os olhos, assustada, e sacudiu a cabeça para se livrar
da mão dele, mas o acompanhou mesmo assim, e ambos entraram vestidos
no boxe.
Ele colocou o dedo indicador na boca dela, ordenando que se calasse.
– Vou te falar uma vez só – grunhiu no ouvido dela como um cachorro
raivoso. – O que você fez hoje foi um ato de indisciplina descomunal. Você
colocou o caso em perigo; não sei nem como se atreveu. Não quero que me
chame nem pelo sobrenome. Sou amo para você, está ouvindo? A-M-O ou
SENHOR. – Cleo olhava-o atenta com os olhos verdes e úmidos por causa da
água salgada do mar e, agora, por causa do chuveiro. – Não confio nada
nessas instalações. Nem sei se eles têm outro tipo de dispositivo de áudio
mais avançado que o meu leitor não detecta. Então mantenha a postura
comigo, entendido? Aqui dentro e lá fora.
Por isso Lion tinha colocado a música alta e ligado o chuveiro. Ele não
queria que ninguém os ouvisse.
– Você vai jogar comigo, foi você quem quis assim. Então pode se
preparar, porque aquele numerozinho de dominação que você fez hoje foi
uma mera brincadeira de criança comparado ao que está por vir.
Cleo o empurrou pelo peito e se afastou, gritando em voz baixa:
– E para que você acha que eu estou aqui? Para viver em algum conto de
fadas como Branca de Neve e os Sete Anões? Eu sei muito bem o que estou
fazendo aqui, e sou capaz de fazê-lo. – Empurrou-o de novo. – Você me
afastou do caso achando que eu não iria aguentar. Você me abandonou.
Depois de me usar durante cinco dias! Cinco! Por quê?! – ela exigiu saber.
– Não achei que você estivesse preparada – ele respondeu honestamente.
– Preparada para abrir as pernas ou para fechar? Não é nada de outro
mundo! As pessoas fazem isso sempre. É uma coisa que eu já tinha feito
inclusive antes de te conhecer, como todas as mulheres do mundo. O sexo
não é nada novo pra mim.
– Desse jeito é. – Ele voltou a colocá-la contra a parede. – O que você acha
que vai acontecer quando tiver que jogar com mais de um cara ao mesmo
tempo? Você acha que não vai ter nada disso, pirralha?
– Não me insulte – ela advertiu. – Vou fazer de tudo pra chegar à final.
Sou bem crescidinha e, além disso, tenente da polícia de Nova Orleans. Não
é o suficiente pra você? – Ele ficou quieto e apontou os olhos azuis para o
chão de madeira do boxe. Suas roupas estavam encharcadas. Foi porque
Billy Bob me atacou? Foi porque você sentiu medo? Ou será que foi porque
se sentiu culpado? Porque você ficou com medo? Porque você se sentiu
culpado? Então adivinha?! Sou uma policial e me atacam muitas vezes.
Batem em mim, me jogam no chão e me apontam armas, e eu não me
assusto com isso. Não vou me assustar aqui por ver as pessoas dominando
e submetendo sexualmente as outras por todo lado. Pode ser que eu não
esteja à altura, amo – ela soltou sem respeito algum. – Essa não é minha
forma de fazer amor. Mas sexo é sexo e eu posso me acostumar. São só
alguns dias.
– Você não sabe do que está falando.
– Por que você é tão pessimista? Você faz isso desde que tem vinte anos,
Lion! É o seu jeito de transar. E você não é o único: são milhões de
praticantes com instintos de dominação e submissão! Eu também consigo!
Não tem problema nenhum!
– Mas o torneio não perdoa ninguém! Os Vilões já devem estar de olho
em você, com certeza eles gostaram…
– Ótimo, esse era o plano! Por isso vocês foram atrás de mim!
– Não! – ele gritou, dando um soco na parede atrás dela, acima da cabeça.
– Nós te procuramos pra você fazer parte da missão e porque se parece
com a sua irmã. Mas você não é a Leslie e não está tão preparada quanto
ela. Você se deixa levar pelas emoções e isso não é bom! Por isso você não
foi aceita no FBI! Você vai estragar tudo!
Cleo deixou sua mandíbula cair e olhou para ele, ofendida.
– Eu vou estragar tudo? Por quê? – Levantou o queixo trêmulo. – Você
acha que eu vou me apaixonar por você? Duvido muito, senhor. Com tudo o
que me falou, já sei que não estou à altura das suas expectativas – ela
admitiu de forma depreciativa. – Eu tenho sentimentos, mas não sou
estúpida.
Eles se olharam, sabendo de tudo o que tinham dito naquela noite ébria.
Palavras que nunca deveriam ter sido pronunciadas.
– Sua personalidade não é boa pra isso.
– Ah, claro, eu tenho que ser um robô igual a você? – Sorriu incrédula. – É
ruim ter sentimentos, senhor? – perguntou, quase sem voz. – Minha irmã
também tem sentimentos e coração, sabia?
– Eu… eu sei – Lion assegurou.
– Então por que a Leslie pode se envolver nisso tudo e eu não?
– Porque ela é diferente de você, sua tonta – ele murmurou, olhando
diretamente nos olhos dela.
Cleo negou com a cabeça e engoliu saliva. Leslie era melhor?
Era isso. Bom, já sabia o que Lion pensava dela, sabia desde que havia
acordado do sábado e lido aquele bilhete impessoal. De acordo.
– Senhor… – Lion era seu chefe. Ponto final. – Estou preparada
profissionalmente para qualquer coisa. Minha irmã está em algum lugar
dessa ilha; eu quero encontrá-la e descobrir onde estão as outras pessoas
traficadas. E tenho a mesma vontade que você de resolver toda essa merda.
Eu vou te chamar de senhor, e não mais pelo seu nome, e vou me policiar
para não expressar nenhuma emoção.
– Sua dominação não acabou. Você tem que terminá-la, ou algumas
coisas serão muito difíceis de se executar – ele garantiu com voz
penetrante. – Está preparada para isso?
– Eu sei que… sei que tudo o que você quiser fazer comigo será para me
preparar para as provas. Não vou me recusar a nada. Vou dar o melhor de
mim para que em nenhum momento você possa insinuar que eu não estou
à altura.
– É isso que você tem que fazer. – Lion se afastou, dando um pouco de
espaço para ela respirar. – Você está interpretando um papel, não se
esqueça disso. Mais um ato de indisciplina e eu juro que vou fazer de tudo
pra que você nunca entre para o FBI.
– Sim, senhor. Mesmo assim, não seria a primeira vez que uma pessoa
muito emotiva é admitida na Agência Federal de Investigação – Cleo
respondeu, desviando o olhar dele. – Qualquer um pode perguntar para o
Billy Bob.
Lion respirou fundo e apertou os punhos, um de cada lado da cintura. Era
só ouvir esse nome e todos os seus sentimentos de ódio despertavam.
Cleo se abraçou enquanto a água do chuveiro a deixava completamente
ensopada, apoiada na parede. Agora tudo estava às claras, limpas como um
corpo embaixo d’água.
A música continuava tocando e eles não se atreviam sequer a se mover.
Aquele cubículo ficou pequeno demais diante da dimensão das diferenças.
Lion achava que ela era uma incompetente que estava colocando a
missão em risco.
Sabia que estava mais do que preparada para se sair bem.
Era muita coisa em jogo, havia muito o que demonstrar.
– Tira a roupa. Vamos tomar banho.
– Sim, senhor – ela respondeu sem emoção. Tanto fazia se ele a visse sem
roupa. A nudez física não significava nada comparada à nudez da alma. E
essa ela já havia mostrado três dias antes. Não queria voltar a fazê-lo.
A vista que se tinha na torre do castelo era impressionante. Dava para ver
todo o conglomerado de ilhas ao redor de Charlotte Amalie, além do
hotelzinho, com três modestas piscinas e o restaurante que ficava próximo
ao castelo. Quanta beleza, pensava Cleo. Olhou para cima. Estava numa das
mesas que haviam sido colocadas ao redor das piscinas. Aquela parte havia
sido bloqueada para os clientes comuns, como se fosse uma área vip.
Um guia disfarçado de pirata, que tinha feito um pequeno tour com eles
pelo local, contou que o castelo foi construído onde antes havia um farol
para proteger o porto, que era chamado de Skytsborg e utilizado,
basicamente, para vigiar a chegada de navios inimigos.
Edward Teach, o malvado Barba Negra, decidiu usar o Skytsborg, a partir
de 1700, para seus próprios fins de pirataria e, desde então, o castelo
recebeu o nome dele.
Cleo e Lion estavam dividindo a mesa com Thelma, Louise e Nick, mas,
além deles, também estava o casal de loiros nórdicos cheios de piercings.
Os vikings Cam e Lex, que estavam de preto, exceto pelas tonalidades
violeta-escuro que ela usava.
Nick estava usando uma camiseta vermelha com jeans desgastado azul-
claro. E, como acessório, o colar de cachorro de Thelma. Louise, do lado
dele, exibia um leve vestido preto que lhe caía perfeitamente pela silhueta,
mas a máscara de cabeça inteira, que cobria seu rosto e cabelo, a deixava
completamente assexuada.
– Você não está com calor, Louise? – Cleo queria que Thelma soubesse
que não era aconselhável matar as pessoas por asfixia.
Sophiestication se surpreendeu com a pergunta. Ele fez um gesto leve e
rápido, mas tanto Cleo quanto Nick perceberam. A mascarada logo negou
com a cabeça e voltou a ficar baixa. Nem ao menos os olhos estavam à
mostra. Isso sim era submissão. Entregar seu corpo e sua pessoa ao prazer
do outro.
Cleo se sentiu mal por Louise, mas, por outro lado, era decisão dela jogar
nessa posição, de forma que a ruiva não podia fazer nada para ajudá-la.
Além do mais, o que poderia dizer? Ela também estava usando uma
coleira de cachorro no pescoço, e Lion puxava a corrente de vez em quando,
só para deixá-la nervosa. Pelo menos havia uma microcâmera na fivela da
coleira, e ela estava servindo para outra coisa além de ser um objeto de
dominação.
– Você ficou sabendo? – cochichou a loira gótica.
– O que, Cam? – Thelma perguntou.
– Parece que os Vilões estão na torre. Eles querem ver os participantes
de perto e trouxeram presentinhos. – Ela sorriu, esticando os lábios roxos
de forma perversa.
Cleo, Nick e Lion ficaram alertas.
Lion olhou dissimuladamente para cima.
– Ouvi falar que eles trazem os próprios submissos para que o pessoal se
divirta com eles – Thelma murmurou, muito interessada.
– Francamente, não me interesso por essa parte do torneio – Cam
reconheceu, arrumando o moicano. – Prefiro a ação.
– Mas vai ter ação – Lion assegurou. – Os organizadores prepararam
jogos para os convidados.
Cleo engoliu saliva e bateu com o salto de seu sapato aberto no chão.
– Que tipo de jogos? – Cleo quis saber com tom gatuno, olhando de
soslaio para seu “amo”.
– Vamos jogar damas – Lion soltou, provocando as risadas de todos.
Cleo apertou os olhos e o observou através dos cílios espessos.
– Genial, senhor. Vamos comer as peças uns dos outros.
Lex riu ainda mais e aplaudiu Cleo.
– Se você me respondesse assim, pequena, na mesma hora eu ia te
colocar no meu colo e…
– Mais uma palavra, Lex… – Lion o cortou rapidamente, sem um pingo de
bom humor – …e nós dois teremos um problema.
Lex sorriu e passou o braço por cima de Cam.
– Eu nunca ousaria invadir o seu território.
Cleo tentou não fazer uma careta ao ouvir aquele comentário. Ela não era
o território de ninguém; estava ali porque queria. Lion não poderia mais
dominá-la ou controlá-la porque ela não seria mais burra de se entregar a
ele. Ponto final.
– Sejam bem-vindos ao jantar de piratas e barbudos – Sharon anunciou
diante do tablado da piscina principal. Estava usando um corpete
chamativo e uma minissaia com babado. Os saltos do seu sapato eram
muito mais altos do que os de Cleo. – Hoje nós temos visita. – Olhou para a
torre. – Nossos Vilões estão de olho em vocês! – exclamou sorridente e
saudou as águias mascaradas que estavam se aproximando para escolher
suas vítimas. – Uma salva de palmas para eles!
Cleo aplaudiu sem vontade e não conseguiu ver ninguém com clareza,
mas ficava com o pescoço esticado para que a câmera gravasse tudo o que
pudesse.
Após o jantar haverá um jogo a pedido dos Vilões – continuou a Rainha
das Aranhas. – Um desafio para todos os casais!
Lion não estava prestando atenção às palavras de Sharon, seus olhos
azuis estavam fixos na torre. Os Vilões estavam a alguns metros de
distância, mas ele não podia fazer nada sem provas consistentes de que
aquele grupo elitista traficava pessoas.
– Enquanto isso, o incrível harém de puros-sangues cedido pelos Vilões
está disposto a fazer a alegria dos convidados! Por favor… – Ela levantou o
braço e apontou para o cenário iluminado por focos de luz. – Podemos
jantar e aproveitar o espetáculo oferecido pelos Amos do Calabouço com
suas deliciosas submissas!
Ao redor da piscina, começaram a desfilar mulheres e homens vestidos
com arreios de pônei que cobriam seus corpos e cabeças, e com rabos de
cavalo. Tinham o peito e o tronco expostos e vestiam calcinhas e cuecas de
couro, andando de quatro: animal play. Pareciam desinibidos e felizes com
o que estavam fazendo. Alguns gemiam, outros uivavam, mexendo os
quadris e a cabeça da mesma forma que os cavalos de verdade.
– Quem são eles? – Thelma perguntou, muito interessada na identidade
dos equinos.
Ao mesmo tempo, os garçons começaram a desfilar acompanhados da
música “Never Gonna Say I’m Sorry”, do Ace of Base.
O espetáculo tinha começado.
DIA 2
Cleo abriu os olhos e a primeira coisa que viu foi o olhar anil e adormecido
de Lion, que a observava meio sorridente, com a cabeça apoiada no
travesseiro.
– Bom dia.
Bom dia? Meu Deus, ela estava sentindo dor em alguns músculos que
com certeza nunca tinha usado na vida. Pelo menos até então ela nem sabia
que existiam.
– Como você dormiu? Está bem?
– Hmm… – Ela se mexeu para perceber até que ponto estava cansada. –
Bom, a noite foi… movimentada – respondeu com as bochechas
deliciosamente coradas. – Preciso de um banho.
– Então vamos. – Lion a pegou no colo, sem avisar.
Entraram debaixo do chuveiro e, ao som de Rihanna e da música oficial
do torneio, eles se molharam e se lavaram.
Enquanto Lion massageava todo o corpo dela com sabão, a abraçou por
trás e apertou seus seios.
– O plano de hoje é o seguinte. – Abriu a água fria, porque água quente e
Caribe não combinavam. Apertou ainda mais os seios dela e colocou a boca
muito perto do ouvido de Cleo.
– Pode falar…
– Antes de procurar o baú, faremos um pequeno desvio para ir de novo
ao Iguana’s e deixar o guardanapo com o DNA da submissa. Mandei uma
mensagem de texto pra eles, que vão esperar a entrega agora de manhã. Os
cientistas da nossa equipe secreta vão analisar e estudar a tipificação do
DNA. Esperamos que não seja gente invisível, como aconteceu com aqueles
corpos de submissos não identificados.
– Precisamos chegar mais perto dos Vilões. Temos que fazer o possível
para ver a cara deles. Você acha que chegaram ontem ou que já estavam
aqui? Talvez… – murmurou, fechando os olhos e apoiando as mãos nos
azulejos da parede. Lion estava acariciando seus mamilos, que estavam
muito sensíveis por causa dos prendedores da noite anterior. – Talvez eles
tenham chegado em grupo, separado dos participantes.
– Pode ser. Mas, depois do showzinho de ontem, não duvide que estejam
esperando mais espetáculos da sua parte, escrava – sussurrou
malignamente. – Você é a mais sem-vergonha de todas.
Cleo não sabia se ria ou não. Na noite anterior, tinham trocado
confidências que ela nunca imaginou que ela e Lion revelariam um para o
outro. Aparentemente, eles se gostavam. Ou sentiam atração um pelo outro,
como ele mencionou. Não dava para negar que Lion se preocupava com ela
de uma forma muito protetora e também possessiva. Saber disso, longe de
incomodá-la, a deixava feliz, porque ela o sentia incrivelmente correto.
Seu amor de menina, terror da adolescência, e homem de quem ela não
queria saber nada quando adulta, era um ladrão que tinha levado seu
coração havia 23 anos e não tinha devolvido mais. “Sempre foi você”, ela
lembrou. “Não, Cleo, não. Você o quer, por razões inexplicáveis, sempre
quis. Mas para ele você é apenas atraente. Não começa.”
Ao sair do banho, embora Cleo não desejasse o que ocorreu em seguida,
Lion tirou cuidadosamente o plug anal e passou cremes lubrificantes e
calmantes em suas partes íntimas para que ela ficasse bem hidratada.
– É sério, eu posso fazer isso sozinha – Cleo falou, escondendo o rosto
com os cabelos.
– Eu sei. – Lion, depois de terminar, deu um beijinho no bumbum dela. –
Mas gosto de fazer eu mesmo.
“E o que é que ele não gostava de fazer?”, ela se perguntou enquanto
desciam para o café da manhã. O cara era hiperativo sexualmente e um
pouco pervertido.
Depois de colocar os medidores de frequência cardíaca e pegar o celular
de contato com a base e as pulseiras falsas, eles se vestiram da forma mais
adequada e leve possível. Cleo colocou um vestido preto curto muito fino e
botas de verão, e Lion, um jeans largo e rasgado com uma camiseta militar
bem justa. Pegaram uma pequena sacola, na qual estavam alguns
acessórios, além dos objetos adquiridos na rodada anterior e das cartas que
os dois possuíam juntos, que, no caso de não encontrarem o baú serviriam
caso perdessem o duelo. Eles eram o casal a ser derrotado. Por enquanto,
só tinham uma chave, mas contavam com mais cartas do que os outros e
poderiam fazer mais combinações.
Durante o café, Cleo observou como Lion se aproximava do buffet para
falar com Nick, vestido com sua inconfundível indumentária preta e com
aquele cabelo loiro arrepiado e despenteado. Estavam enchendo as
bandejas com bolos, sucos e pudim de aveia com frutas. Provavelmente
Lion estaria contando as novidades para Nick, usando seus próprios
códigos, falando sobre a equipe secreta e sobre o DNA da submissa.
Os cinco sentaram-se juntos para comer. Aparentemente, alguns hábitos
que tinham desde criança, como de de sentar sempre na mesma mesa e
com as mesmas pessoas, marcando sua área e território, eram difíceis de se
abandonar, mesmo sendo adultos. Eram todos os mesmos do primeiro
jantar, com a exceção de Mistress Pain, que já não estava mais no torneio.
Cleo sorriu com a lembrança. “Não está porque eu a eliminei. Piranha.”
Sophiestication e Nick não tinham uma relação muito boa. Dava para
notar pela linguagem corporal dos dois, pela postura receosa e pelos
olhares de soslaio. Era como se cada um quisesse toda a atenção de Thelma
para si, e a ama loira parecia adorar a competitividade.
Enquanto tomavam café, falaram sobre o calor do Caribe, sobre o sol…
Nossa, sim, como queimava! Das areias brancas e dos mares transparentes,
e de como eram bem disciplinados os submissos e submissas oferecidos na
noite anterior para os convidados no castelo de Barba Negra.
“Muito bem disciplinados. Dopado com popper, até um elefante seria bem
disciplinado.”
– E então, Lady Nala? – Thelma perguntou, demonstrando muito
interesse. – Ontem você foi extremamente libidinosa. Vai repetir a dose
hoje?
– Você vai ver, lady Thelma… – Cleo copiou os gestos dela e apoiou o
queixo entre seus dedos entrelaçados. – Na verdade, esse salão inteiro está
cheio de libidinagem. Que nem na piada.
Lion virou os olhos e sorriu. Havia contado essa piada para Cleo quando
a agente tinha uns quatorze anos e não fazia nem ideia do que significava
“libidinagem”.
Mas Cleo tinha crescido e agora sabia que era algo relacionado ao desejo
sexual e à luxúria. Na época, ela não entendeu e Lion falou que ela ainda era
uma menina e que por isso não podia andar com eles.
– Que piada é essa? Eu adoro piadas!
Cleo bebeu seu suco de uma vez e olhou de canto de olho para Lion.
– O padre de uma igreja estava dando um sermão sobre os pecados da
carne, se dirigiu aos fiéis e disse: “Nesse povo tem muita libidinagem!
Vamos ver, que se levantem todas as mulheres que sejam virgens!”. E todas
as mulheres ficaram sentadas, exceto uma. O padre olhou pra ela e falou:
“Mas, mulher… você é casada e tem quatro filhos!”. Então, a mulher
mostrou a criança que tinha no colo e respondeu: “Mas padre, como é que a
minha filha, só com dois meses, ia se levantar sozinha?!”.
Os ombros da mascarada Sophiestication começaram a tremer pelas
risadas. Nick soltou uma leve risadinha e Thelma deu uma gargalhada,
levantando seu café com gelo e brindando.
Lion colocou a mão enorme debaixo do cabelo de Cleo e fez carinho em
sua pele, por baixo da coleira de submissa.
– Então você já entendeu a piada, pequena?
– Sim, senhor. – Deixou seus olhos caírem. – Só ontem à noite que caiu a
ficha.
O agente sorriu sem pudor, e isso fez Nick levantar a cabeça levemente e
franzir a testa. “O que estava acontecendo ali? Cleo estava conseguindo
domar o leão?”
A épica música “Chronicles” avisou que o Amo do Calabouço daria sua
mensagem e a missão da rodada. A tela que estava no salão se iluminou e
apareceu o mesmo anão, caracterizado como no dia anterior.
“Bom dia, Cavaleiros, Magos, Feiticeiros, Bruxas, Acrobatas e Arqueiros
que sobreviveram à primeira rodada de Dragões e Masmorras edição DS. Na
rodada de ontem houve algumas baixas consideráveis e algumas
eliminações inesperadas. Faltam três rodadas para que vocês possam
enfrentar os Vilões. E hoje, sem dúvida nenhuma, todos enfrentarão um
desafio duríssimo. A chave para encontrar os baús de hoje está na
perseverança de vocês.”
“Depois dos duelos e das provas, vocês devem se dirigir para Gwynneth.
Vamos levar os pertences de vocês para o hotel Westin Saint John. Vamos
trocar de ilha e de território. Tenham cuidado: Os Macacos Voadores não
descansam nunca.” – Seus lábios se esticaram em um sorriso cúmplice. –
“Mas tenho certeza que vocês já perceberam ontem. Que continuem os
jogos! Quando as masmorras se abrem, os dragões estão à solta!”
Lion entrelaçou os dedos com os de Cleo e disse:
– Vem comigo. Temos que sair daqui. Agora.
– Mas o que ele quis dizer com…?
– Vamos – puxou-a para fora do salão –, antes que nos sigam. – Verificou
ao redor e se deparou com a atenção do casal de alemães góticos e com a de
Thelma. – Vamos! Pega o mapa das ilhas!
De longe deu para ouvir Brutus falando:
– Já estou de saco cheio desse Yoda.
O casal de agentes saiu correndo do hotel.
– Vamos de quadriciclo? – Cleo perguntou, abrindo o mapa plastificado. –
O que foi? Assim ele não molha! – rebateu, diante do olhar incriminador de
Lion.
– Não, vamos de jet ski. Procura alguma coisa que tenha a ver com o que
o maldito anão falou.
Ao chegar ao porto de Charlotte Amalie, eles subiram no jet ski do Rei
Leão. Obviamente, Lady Nala, sendo uma ama Shelly, perdia o poder de
ama em relação a Lion, que era um Amo Hank, por isso, tinham que usar o
jet ski dele.
– Procura, escrava – Lion grunhiu.
Cleo apoiou o queixo no ombro dele e entendeu que estava agindo assim
porque, estando no torneio e sendo seguidos pelas câmeras, eles tinham
que manter uma postura adequada; mas isso não queria dizer que ela
estivesse gostando. Ela passou os braços ao redor da cintura dele e
aproveitou para cravar as unhas naquele duro abdome. Deu graças a Deus
por não sair com nenhuma unha quebrada.
– Sim, senhor – ela sussurrou no ouvido dele. Depois se afastou um
pouco e começou a analisar o mapa das Ilhas Virgens Americanas. – Nossa
perseverança… Tudo está na nossa perseverança…
– Encontrou algo?
– Hmm… Caralho! Achei!
– Desembucha, pequena. – Lion parou próximo ao Iguana’s e a olhou por
cima do ombro.
– Perseverance Bay. Fica nessa ilha. É só percorrer a costa nessa direção
e chegaremos lá.
– Ótimo. Vai comprar alguma coisa pra gente beber no caminho. Cleo
olhou para o restaurante de sushi e concordou.
– Sim, senhor. – O contato da equipe secreta estava esperando ali.
Lion colocou com cuidado o papel, meticulosamente enrolado em um
plástico, dentro da mão dela.
Cleo saiu do jet ski e correu para o restaurante. Logo na parte de fora,
avistou Jimmy, tomando um daiquiri.
Cleo passou ao lado dele e deixou o papel sobre sua mesa. Entrou e pediu
duas raspadinhas para viagem. Ao sair com as bebidas, ele olhou para ela
por cima do ombro e ela deu uma piscadinha.
Entrega realizada.
NORLAND
WATER ISLAND
Uma chave.
Cartas-objeto: prendedores e lubrificantes.
Carta convite para a festa pirata.
Carta pergunta ao amo.
MASMORRA NORLAND
PONTOS DA TELA: +150
MONSTROS: CRIAS DA RAINHA DAS ARANHAS E MACACOS VOADORES.
Dessa vez, o cenário secreto era como um castelo medieval, onde estavam
penduradas jaulas com mulheres nuas. O espaço estava salpicado com
potros e cadeiras de tortura.
Cleo e Lion observaram, da plateia, todo o espetáculo oferecido pelos
participantes. Com certeza, o nível e a competitividade do torneio tinham
subido bastante. Os amos protagonistas e seus submissos começavam a se
comunicar entre si e a se unir para realizar cenas de sexo grupal a fim de se
salvarem dos duelos. Isso permitiria que continuassem no torneio e
tivessem mais uma chance para conseguir uma chave. Os amos tipo Hank e
Shelly, como eram Lion e Cleo, originavam situações de gang bang e
bukkake, mediante metaconsenso, e lideravam as ações. Na tela, iam sendo
mostrados os casais eliminados: aqueles que pronunciavam a palavra de
segurança.
As amas do tipo Diana usavam o potro para castigar seus submissos. Os
amos Hank distribuíam chicotadas por todos os lados. Os amos Eric os
colocavam nas cruzes, e os do tipo Presto brincavam de dar choque nas
partes mais sensíveis dos submissos. Deus… era hipnótico. Algumas
submissas eram dominados com a berlinda, um instrumento punitivo da
Idade Média. Outras sofriam um caning, golpes com cana de bambu, e
outras apanhavam com palmatórias nas plantas dos pés.
A masmorra tinha se tornado Sodoma e Gomorra, mas Cleo não
conseguia parar de olhar para todos aqueles tipos de submissão, exceto
quando faziam as coisas desagradáveis que ela nunca teria disposição para
fazer. Então ela fazia cara de nojo e desgosto e desviava o olhar.
Mais à frente, estava a impressionante prisão por onde passavam os
casais que perdiam os duelos e decidiam ser castigados pelos monstros,
decorada com teias de aranha descomunais. As amigas de Sharon
desfilavam sua arte de dominação e tratavam os submissos de forma
irreverente e humilhante. Cleo pensou que, se fosse tratada assim,
provavelmente ia querer usar a língua da pessoa para limpar vidros. Mas os
submissos não concordavam. Eles estavam excitados, duzentos por cento
eretos e usufruindo do tratamento.
Sharon permanecia sentada em uma espécie de trono preto enfeitado
com aranhas douradas de metal, como a rainha que era. Estava batendo nas
nádegas de um submisso. Todos, homens e mulheres, passavam por ela, e
ela lhes dava uma lição.
Cleo não sentia só uma aversão irremediável por ela, sua impressão
também se dividia entre a admiração e o respeito.
Uma dominadora sempre dava um pouquinho de medo. Sharon
suportava sobre os ombros o peso de ser uma lenda, conhecida pela beleza,
vilania justificada e transgressão. Era bonita e inacessível, de traços doces,
mas com um olhar de aço, dura como granito.
Os Macacos faziam as deles. Pegavam, usavam e iam atrás de outro. Um
bacanal. Era isso.
Enquanto Cleo quase nem piscava, observando as performances que se
desenrolavam ali, Lion se perguntava o que estaria passando pela cabeça
dela ao presenciar todos aqueles atos desinibidos de entrega sexual.
Curiosidade? Medo? Repulsa?
Ele podia jurar que Cleo gostava de ser submissa, mas só se fosse
dominada por ele. As submissas que aceitavam sua posição
conscientemente e por vontade própria tinham personalidades muito
fortes e espetaculares; possivelmente por isso elas precisassem de alguém
que as estimulasse de tal forma, e que demonstrasse capacidade de ser
mais fortes do que elas.
Cleo era esse tipo de mulher. Incrível e submissa a ele, mas nem tanto.
Dava para dizer que a submissão dela era mais consensual e que a
controlava em todos os momentos. Sem dúvida, a jovem agente era mais do
que ele tinha imaginado como parceira e como colega.
Na noite anterior, Cleo havia se entregado por completo. Tinha sido
possuída como nunca antes na vida, e isso marcava a alma de uma pessoa.
Lion sabia porque sua própria alma estava marcada por ela.
Depois de algumas horas observando como alguns se salvavam e outros
eram derrotados nas provas, o Oráculo apresentou o Amo do Calabouço.
– Esse amo não é o Markus? Que fez a tatuagem na gente? – Cleo
perguntou, levantando-se com Lion, pendurando a chave no pescoço e
pegando o baú. Estavam a ponto de receber o chamado do Amo.
– É. – Lion pegou a corrente e a puxou.
– Cuidado, amo. Não me puxa tão forte senão eu tropeço.
– Silêncio.
Markus era o Amo do Calabouço.
Lion nunca o tinha o visto em nenhum local do ambiente BDSM, mas sabia
que os amos daquele tipo treinavam mulheres fora do torneio. Eram
especialistas em disciplina. Markus tinha um moicano castanho muito
chamativo, com as pontas um pouco mais escuras. Seus olhos eram de uma
estranha cor ametista, como se não fossem deste mundo. Tinha um nariz
forte e um queixo bem definido, maçãs do rosto altas e sobrancelhas retas,
pouco arqueadas. Sua pele era morena por causa do sol e ele ostentava uma
tatuagem tribal que percorria todo o lado esquerdo do seu peito, parte do
braço, o ombro e o pescoço, até desaparecer embaixo da orelha esquerda.
Atrás dele havia uma jaula com três mulheres, submissas dos amos
derrotados em duelos, que ele havia requisitado para o próprio prazer.
Dessa vez, Lion e Cleo se apresentaram primeiro, orgulhosos e relaxados
por estarem com tanta vantagem em relação ao restante dos participantes.
– King Lion e Lady Nala – cumprimentou Markus. – Vocês voltaram a
conseguir um baú, meus parabéns. E já dispõem de duas chaves. Isso os
deixa bem perto da terceira chave, o que os levaria diretamente para a
final.
Cleo ficou hipnotizada pela voz profunda daquele homem. Meu Deus, ele
dava medo.
– É isso – Lion concordou.
– Me mostrem o baú.
– Escrava – Lion puxou a corrente de Cleo e ela ofereceu o baú com a
carta de pergunta ao amo. Markus deveria lhes dar uma pista definitiva
para encontrarem o baú do dia seguinte.
Markus aceitou e se aproximou de Lion para sussurrar no ouvido dele
uma mensagem que apenas ele poderia escutar. O agente afirmou com a
cabeça e fez uma anotação sobre a pista oferecida pelo Amo do Calabouço.
– Vocês guardaram as demais cartas – Markus observou. – Não utilizarão
mais nenhuma?
– Não.
– Ainda estão com as cartas de ontem?
– Estamos.
– Me mostrem.
Cleo pegou sua mochila. Eles estavam tirando o torneio de letra. Se
encontrassem o baú no dia seguinte, estariam definitivamente na final e
não precisariam continuar jogando até o evento oficial com os Vilões.
Ela abriu a mochila e… Ops!
Nem sinal dos objetos e nem das cartas.
Nesse mesmo instante, nas celas da Rainha e dos Macacos, dois homens
gritaram vitoriosos entre aplausos e ovações, mostrando o chicote, o açoite
e as cartas e objetos do casal do FBI.
Os Macacos Voadores tinham pegado tudo!
DIA 2
SAINT JOHN
Os amos levavam muito a sério seu trabalho. Seu papel e suas ações eram
muito bem planejadas. Markus havia coberto os olhos de Cleo com um pano
preto, e ela não estava vendo nada.
Ela sabia que tinha sido levada de iate para algum lugar e que depois,
ainda às escuras, havia entrado em um carro que engrenou em uma subida
até chegar ao local onde se encontravam agora.
Ela podia sentir um solo arenoso sob os pés.
– Chegamos. Você vai subir três degraus, isso – Markus pediu,
segurando-a firme pelo braço para ajudá-la.
– Posso perguntar onde estamos, senhor?
– Não. Os móveis não falam – ele murmurou, seco. – Só ocupam espaço e
escutam. Então cala essa boca e não fala mais nada.
Cleo tentou captar alguma mensagem nas entrelinhas. Markus a levou
embora com a desculpa de que precisava de uma mesa. Em alguns jogos de
dominação e submissão, os submissos interpretavam o papel de um móvel,
geralmente uma mesa, usada para servir comida, apoiar pratos e bebidas,
ou até descansar os pés. Nessa posição, o submisso não podia se mexer
para não deixar nada cair, senão seria castigado.
– Você vai vestir uma roupa bem apertada de corpo inteiro, feita de látex.
O látex era uma espécie de polímero artificial parecido com borracha
preta e brilhante, usado especialmente na confecção de roupas de
tendência fetichista.
Ela fez um sinal afirmativo e permaneceu em silêncio.
Aguentou-o tirando a sua roupa, dando banho e a ensaboando. Tirou a
coleira de submissa e as pulseiras com os microfones, e passou as mãos
com cuidado pelas marcas, cada vez menos vermelhas, do açoite violento
de Billy Bob.
– Esse seu amo… não é um bom amo.
“Essas marcas não foram feitas por um amo. Foram feitas por um
agressor sádico”, ela teve vontade de dizer, mas ele a tinha mandado ficar
quieta.
Ele a tratava de uma forma tão impessoal que a deixava arrepiada, como
se na verdade ela fosse um objeto e não uma pessoa. Como se fosse um
maldito móvel.
Depois ele passou um creme por todo o corpo dela, um creme especial
para que ela usasse aquela roupa de látex que parecia uma roupa de
mergulho, e ela a vestiu como se fosse uma menina pequena que não sabia
fazê-lo.
Cleo estava com medo. Com o coração saindo pela boca. Mas Markus não
estava agindo de forma muito ofensiva nem pervertida. Estava
simplesmente executando seu trabalho, metódico e competente, como se
estivesse acostumado a fazer aquilo todos os dias. Com certeza, se não
fosse um amo, ele estaria interpretando um amo. Mas que tipo de amo
seria? Qual era seu perfil? Cleo sabia que os amos não eram todos iguais, e
que havia alguns padrões de comportamento mais marcantes e distintivos.
Ela sequer sabia que horas eram. Quanto tempo teria passado desde que
fora retirada da jaula?
Markus a sentou em uma poltrona, penteou e desembaraçou seus
cabelos para, depois, retirar toda a franja do rosto e fazer um coque bem
alto.
– Vamos, está quase chegando.
Quem? Quem estava quase chegando?
Markus a levou do banheiro e a fez caminhar por vários corredores. Ela
continuava vendada e não enxergava nada. Naquela casa havia ar-
condicionado, porque a temperatura era fresca e leve, nada a ver com a
umidade exterior.
– Fica aqui, de quatro.
Ele a ajudou a se ajoelhar.
– Não quero que você se mexa pra nada. Não quero que fale. Você é uma
mesa. As criadas vão colocar coisas em cima de você.
Cleo apoiou as palmas suadas no chão frio. Ela permaneceu em silêncio e
ficou tensa quando, depois de um momento, percebeu que começaram a
colocar copos e pratos nas costas dela. Quem seriam essas criadas?
Ela escutava passos ao redor. Usavam saltos, e ela as imaginou com
arreios parecidos com os de gladiadores, meio-nuas, servindo taças para os
amos. Seu estômago estava se revirando.
Alguém tocou a campainha da casa.
– Ele já chegou – murmurou em russo. Markus se aproximou dela e disse:
– Lembre-se, escrava: os móveis apenas estão presentes; não se movem e
não falam, só escutam. Aguenta nessa posição o máximo que puder; você
não pode ter nenhuma reação a qualquer coisa que a gente faça, porque se
derrubar uma tacinha, eu tiro sua roupa e te bato até você desmaiar.
Cleo estremeceu e engoliu saliva. Ela estava com vontade de chorar, mas
ao mesmo tempo havia uma curiosidade inexplicável com relação ao que
estava por vir.
Quem era Markus? Por que ele a levou para esse lugar?
Ela saberia a qualquer momento.
– Zdras-tvuy-tye, Belikhov – Markus falou em russo.
Cleo entendeu que ele estava dando as boas-vindas para um tal de
Belikhov.
Os passos dos dois homens se aproximaram até onde Cleo estava
interpretando o papel de mesa, e ela os escutou sentando ao redor dela. A
conversa que se iniciou foi toda em russo.
– Bonita mesa – disse o tal do Belikhov, passando a mão em uma nádega
de Cleo.
A jovem apertou os dentes, mas não ousou mover um só músculo. “Não
encosta em mim, filho da puta.”
– Obrigado. Essa eu adquiri hoje mesmo – informou Markus. – O que você
quer tomar?
– Conhaque com gelo, por favor.
Nesse momento, Cleo percebeu uma das criadas colocando um recipiente
com gelo tilintante sobre ela e enchendo a taça vazia em suas costas.
– Essas ilhas são muito úmidas – observou Belikhov.
– Sim, são mesmo. Você trouxe o meu dinheiro? – Markus perguntou sem
rodeios.
O outro homem começou a rir e colocou alguma coisa em cima do cóccix
de Cleo.
– Está aqui.
O peso desapareceu, sinal de que o amo tinha apanhado o objeto.
– Você não vai contar?
– Eu confio neles. Eles confiam nos meus serviços.
– Eles adoram como você domina, é um dos melhores. Você as faz
aguentar, durar… Isso atende às necessidades dos senhores da velha
guarda e das noites de Santa Valburga. E o melhor é que você não faz
perguntas sobre a razão de dominá-las.
Senhores das velha guarda? A Old Guard? A noite de Santa Valburga? O
quê? Do que eles estavam falando?
– Sou um amo e gosto de disciplinar. Não me meto nos jogos dos Vilões
nem em suas práticas particulares – Markus murmurou.
Houve um silêncio. Silêncio que Cleo aproveitou para refletir. Markus
estava cumprindo o papel de um homem sem alma? De um mercenário?
A Old Guard era a velha guarda do sadomasoquismo, formada
majoritariamente por casais homossexuais. Eram amos que não
acreditavam em BDSM como jogo. Só consideravam aquilo uma maneira de
castigar, de viver. Esses praticantes não acreditavam no edgeplay, nos
limites de ação dos casais, e estavam sempre do lado das relações nas quais
só o dominador decidia quando parar as sessões de castigo. Eles eram
muito radicais e duros nos atos.
No começo dos anos 1990 nasceu a New Guard, que abria a possibilidade
de estabelecer limites entre os casais, de incluir amos e submissos que só
jogavam, e aceitar a figura do switch, que podia atuar como amo e
submisso. A palavra de segurança tornou-se fundamental a partir de então.
Cleo tinha acabado de descobrir, graças a Markus, que os Vilões eram
membros da Old Guard.
Será que ele sabia que ela estava entendendo tudo? Estava sendo
corroída pela incerteza. Aparentemente, Markus disciplinava submissas
para que depois elas fossem entregues aos Vilões.
– Na outra noite, no castelo do Barba Negra, minhas escravas se
comportaram muito bem.
– Foi o que me disse o senhor Vingador. Você sabe que ele tem o Sombra
observando todo o torneio e nos informando de tudo o que acontece nos
bastidores.
Sombra era o subordinado do Vingador. Seu braço direito. No desenho
animado, o Sombra era o dedo-duro que contava todos os movimentos dos
protagonistas com antecedência para o Vingador. Será que os Vilões tinham
algum infiltrado? Quem era o Sombra?
– Eles adorariam ter essa mesa na noite de Santa Valburga.
– A noite de Santa Valburga é um evento privado dos Vilões, que não tem
nada a ver com o torneio – Markus garantiu. – Se eles quiserem a Lady Nala,
terão que convencê-la. Ela está aqui hoje porque cometeu um erro, mas
Lady Nala e seu amo vão chegar à final.
– Bom – concordou Belikhov. – Vai ser o suficiente para que eles a
convidem. Mas ela não poderia chegar a ser uma das submissas?
– Não. Nesse caso, não. Lady Nala já é uma participante oficial, todos a
conhecem. Além do mais, o amo dela é muito respeitado no meio.
– Hmm… Bom, tudo é possível. Eles iam adorar uma submissa como ela,
com esse cabelo ruivo tão longo e cheio de vida. – Pegou os cabelos dela e
os puxou. – Você conhece os fetiches desses amos…
– Todos nós temos fetiches.
– Suponho que sim.
Cleo ouviu que Belikhov girava seu copo de conhaque e que as pedras de
gelo se chocavam contra o vidro.
– Faltam duas noites para a Santa Valburga. Pego suas garotas amanhã ao
anoitecer. Então nós ficamos quites.
“A noite de Santa Valburga vai ser depois do final do torneio”, pensou
Cleo.
– O evento deles vai ser nas ilhas? – Markus perguntou.
– Vai.
– Os outros já receberam seus pagamentos?
– Já. Nessa noite vocês vão receber mais popper para as submissas na
festa secreta. Keon vai levar o pacote, saindo do forno, para o restaurante.
Vai estar com um quadriciclo MGM vermelho.
– Keon? O inventor da hibridação do popper? Que honra…
– Com certeza.
Bom, bom… Vamos por partes: a noite de Santa Valburga era um evento
privado dos Vilões com as submissas disciplinadas por amos como o
Markus. Keon era o criador do popper, e se ele falou que tinha acabado de
sair do forno, significava que havia uma pequena fábrica em algum lugar
das ilhas no qual a droga era produzida. Onde?
– Posso dar uma olhada na mercadoria? – Belikhov perguntou.
– Claro, estão no porão.
Uma hora depois, Cleo estava com os músculos doloridos, dor nas costas,
suando sem parar e com dores nos joelhos e nas palmas das mãos; mas
nada disso era tão importante quanto saber que ela havia presenciado uma
conversa essencial para a resolução do caso.
Não parava de pensar na “mercadoria” que Markus tinha lá embaixo, no
porão. Seriam as mulheres que ele treinava? De onde elas vinham? Era
consentido ou não? Elas estavam desaparecidas de seus respectivos países
ou não? Até que ponto o cara do moicano estava envolvido naquele negócio
sujo? E onde estava Leslie?
“Alguém tem que tirar essa roupa maldita de mim ou eu vou ter um
colapso.”
Markus e Belikhov voltaram pela mesma porta por onde tinham saído.
Os dois homens continuavam conversando com um crescente respeito.
Não dava para afirmar que eram amigos, mas sim que mediam muito bem
as palavras.
Ela sentiu a mão de um deles na bunda, esfregando em círculos, e ouviu
um sorriso rouco e repugnante.
– Essa garota é muito bonita. Nenhuma tem o cabelo assim. Os Vilões já
expressaram o desejo de ficar com ela. Faça o possível para consegui-la.
“Imundo, tira essas mãos de mim.”
– Se ela chegar à final, eles a terão. Mas tenho a sensação de que seu amo
não a deixa jogar com ninguém.
– Isso não é problema. Ter ou não ter consenso nunca foi problema. São
as regras da Old Guard. Eles conseguem tudo o que querem.
– Eu sei.
– Então, camarada, eu vou indo. Foi um prazer fazer negócios com você.
Bolshoe spasibo.
– Pazhalsta. De nada.
Cleo respirou mais tranquila quando Belikhov foi embora.
Mas, de repente, a lembrança do que ela estava fazendo ali a apunhalou.
O que será que o Markus ia fazer com ela agora? Onde estavam as
garotas? Por que ela havia sido levada para aquele lugar? Ela duvidava que
tivesse sido só por algum instinto fetichista.
Ela sentiu o amo retirando os copos e os pratos de suas costas. Depois,
pegou-a pelos cotovelos e a ajudou a se levantar. Estava descalça, e ele a
guiou pela parte de fora da casa. As plantas de seus pés caminharam por
várias superfícies. Grama, azulejo, taco, madeira… Aparentemente, era uma
casa enorme e com vários ambientes.
Ela ouviu o barulho de uma porta automática se abrindo.
E, depois, um silêncio brutal e arrepiante.
– Espera aqui – ele mandou.
Ela ficou em pé, sozinha. Perdida e desorientada por uma eternidade.
Estava no subterrâneo e sentia cheiro de umidade.
Ela ouviu o som de outra porta se abrindo e se fechando, e junto com os
passos de Markus havia outros mais rápidos.
Caralho, ele estava com outro homem.
Apertou os dentes para abafar o grito que ameaçava sair da garganta.
Não podia falar; ela era a porra de um móvel e tinha que respeitar seu
papel.
Mas por que estavam ali? O que Markus pretendia?
De repente, ela sentiu mãos gentis no rosto, suaves e mornas que
estavam desamarrando a venda que cobria seus olhos.
Cleo respirou fundo. Tinha cheiro de…
As mãos carinhosas lhe devolveram a visão e, quando ela abriu os olhos,
se deparou com feições muito parecidas com as suas, uma expressão mais
tranquila de olhos cinzentos e com uma covinha no queixo, cabelos longos,
lisos e preto-azulados como o azeviche.
Cleo pestanejou.
A outra garota fez o mesmo e sorriu, imprimindo-lhe na alma um sossego
que ela não sentia há muitos dias.
Cleo não entendeu quem abraçou quem primeiro, só entendeu que
estava entre os braços da irmã mais velha.
Leslie.
9
Cleo estava soluçando no ombro da irmã, mais alta do que ela. Leslie a
embalava e dizia que estava bem, que estava tudo bem…
Markus limitou-se a apoiar o corpo na parede e a analisar o carinho
professado pelas duas mulheres, tão parecidas e ao mesmo tempo tão
diferentes.
– Mas que caralho…? – Leslie sussurrou com a voz um pouco mais grave
que a de Cleo. – O que você está fazendo aqui, pelo amor de Deus? – Ela
afastou um pouco a irmã para vê-la melhor e limpar suas lágrimas,
prestando atenção ao figurino e fazendo um gesto de dor ao perceber como
ela estava vestida. – Cleo… Não estou entendendo. O que você está fazendo
aqui? – Voltou a abraçá-la com força. – Você não tem que estar aqui… Tem
que ir embora.
– Les… Leslie? – Cleo perguntou em estado de choque, alternando o olhar
entre Markus e a irmã. – O que… Você está bem? – Beijou-a e voltou a
mergulhar no calor da irmã, que sempre tomou conta dela e que, até num
momento como aquele, continuava cuidando. – O que está acontecendo?
Quem é esse? – Olhou para Markus com desconfiança para recriminá-lo. –
Mas e você, como…? Como você sabia que…? – As palavras iam se
atropelando e ela não sabia como ordená-las. – Você sabe quem eu sou?
Leslie pegou Cleo pelo rosto e fez a irmã olhar para ela.
– Cleo, escuta. Eu faço as perguntas e você responde. Depois nós
trocamos, senão não vai funcionar.
– Sabe o quanto eu ando preocupada com você? – Empurrou-a, brava. –
Sabe?
Leslie concordou, entendendo a angústia da irmã.
– Eu sei. Mas não posso entrar em contato com o mundo exterior.
– Você podia ter conseguido e…
– Cleo, não. – Colocou as mãos sobre os ombros dela. – Escuta. Você é que
tem que me responder que porra está fazendo aqui. Que merda você está
fazendo vestida desse jeito? Você vai responder todas e cada uma das
minhas perguntas.
– Você não vai me interrogar como se eu fosse uma refém, queridinha.
Não é assim que funciona…
– Escuta a sua irmã – Markus ordenou com voz impassível.
– Você cala a boca, punk mafioso! – Apontou o dedo para ele. Ela estava
histérica, e sua veia histérica fazia pulsar a veia agressiva, e a veia agressiva
a fazia se comportar como uma barraqueira. – Você tem ideia do que está
fazendo? Você sabia que eu entendi tudo? Eu falo russo!
– Ele já sabe – Leslie respondeu. – Por isso te trouxe aqui: para que você
escutasse a conversa com Belikhov. Eu falei pra ele da minha irmã querida,
Cleo Connelly. – O rosto dela expressava um imenso orgulho da irmã. – Ele
sabe que você tem um camaleão igual ao meu tatuado no interior da coxa,
só que no lado contrário. Sabe que você é policial e que nesse ano você quer
fazer os testes para entrar no FBI. – E perguntou para o russo: – Como você
descobriu que era ela?
Markus cruzou os braços e olhou-a de cima a baixo.
– Vocês têm uma semelhança um pouco… perturbadora – respondeu sem
mover um músculo sequer de seu rosto marcante. – E quando eu a vi,
lembrei de você, Leslie. Mas, para ter certeza, eu quis fazer essa verificação.
Leslie deu um salto e olhou para o amo russo por cima do ombro,
perdoando-o por completo.
– Não encosta na minha irmã, Markus.
– Eu não encostei, só tive que cumprir o meu papel – ele respondeu sério.
Cleo franziu a testa e ficou desviando o olhar de um para o outro. Parecia
que ela havia tomado algum psicotrópico que a impelira a delirar.
– Podemos conversar em outro lugar? – Cleo perguntou, ainda tremendo
por causa das emoções. Eles estavam em um corredor com chão de
cimento, com só algumas lâmpadas penduradas no teto, e que a faziam se
lembrar dos filmes Jogos mortais.
– Vamos para uma sala aqui do lado, agente Connelly – Markus falou para
Leslie.
Ela concordou e passou um braço por cima do ombro de Cleo, abrigando
e tranquilizando a irmã, como sempre fizera.
– Markus me falou que você está no torneio como Lady Nala – Leslie falou
enquanto servia raspadinhas de café da máquina de venda automática.
A sala onde estavam agora parecia um pequeno spa. Com revestimento
de madeira, sauna, jacuzzi e espreguiçadeiras para relaxar e aproveitar a
música que imitava os sons da natureza, com ruídos tropicais e naturais
próprios da selva.
Eles sentaram ao redor de uma mesa de vime com dois pufes e duas
cadeiras para se acomodar.
– Me conta tudo desde o começo, Cleo – a morena pediu. – E, depois, eu
conto tudo pra você.
Cleo pegou o copo gelado entre as mãos trêmulas e concordou,
explicando entre os goles tudo o que havia acontecido. Ela demorou para
narrar até o fim, mas conseguiu sem se esquecer de nada.
– Então, depois do meu treinamento, Lion decidiu me afastar do caso,
mas eu me recusei. Aproveitei a baixa da Karen para entrar como ama do
Nick. Mas não tenho esse espírito dominante, você sabe, e não ia durar nada
nesse papel. Então eu combinei com o Nick que faríamos uma troca de
casais para que eu ficasse com o Lion e continuássemos no torneio. Tive a
sorte de conseguir uma carta de eliminação e mandei a Mistress Pain
embora, que era a parceira do Romano. E eu fiquei com ele. E agora
estamos juntos como… parceiros de jogos. No entanto, hoje os Macacos
Voadores roubaram nossas cartas e objetos, e eu deveria ter caído nas
mãos dos monstros. Mas o Pica Pau – apontou para Markus com o queixo –
interveio e reivindicou a minha posse.
– Fiz isso e, em seguida, descobri quem você era. Leslie não tinha me dito
que você iria entrar no torneio…
– É que nem eu sabia! – Leslie protestou olhando nervosa para ele. – Não
posso acreditar que o Montgomery tenha aceitado te colocar em perigo
dessa forma. No que vocês estavam pensando?
– Você e a sua irmã se parecem – Markus observou. – Era questão de
tempo até que os Vilões ficassem de olho nela. Ela foi escolhida pelo perfil,
que agrada muito aos Vilões. Pele bem branca, olhos claros, cabelos
longos…
– E por minha capacidade, não? – Cleo bravejou ofendida.
– Óbvio – disse Leslie. Ela não queria deixar a irmã brava, mas sabia das
diferenças que tinham, como, o tempo de preparação para entrar no caso. –
Mas eu tive três meses para ter ideia do que eu queria fazer. Ela só teve
cinco míseros dias – Leslie grunhiu, passando as mãos no rosto. – E o Lion
não se negou! Vou matar ele!
– Lion se ofereceu para dar o meu treinamento – Cleo respondeu. – E,
bom, eu aceitei. Foi um acordo. Já temos duas chaves, só falta mais uma.
Vamos chegar à final para, por fim, sabermos quem são os Vilões e pegá-los
em flagrante.
– Mas isso não é garantia de nada – Markus murmurou com soberba. –
Ou vocês acham que os Vilões vão agir dentro do torneio? Vai ficar pra
depois, eles não são tão estúpidos para se expor publicamente. Já passaram
do ponto há quinze meses, no primeiro torneio; cometeram erros, e
causaram algumas mortes por causa das drogas afrodisíacas. Dessa vez o
torneio será mais curto, e está sendo realizado nessas ilhas que são fáceis
de controlar e manipular. Eles não vão deixar nada escapar. Então, se você
quiser saber quem eles são, vai ter que arder com eles na noite de Santa
Valburga. Todas as submissas que eu preparei são destinadas ao
entretenimento de todos os participantes, mas depois elas são única e
exclusivamente para o uso dos Vilões nesse evento.
– Mas quem são os Vilões? – Cleo estava frustrada e com dor de cabeça.
– Pelo que a gente sabe, ou acha que sabe, são pessoas muito ricas –
Leslie garantiu –, com um perfil elitista e sectário. Na verdade, não sabemos
exatamente o que eles fazem com os submissos que são recrutados. Não
sabemos se são vendidos para outras pessoas, se são prostituídos ou se são
preparados para práticas muito mais sádicas. Por isso estou com o
Markus… Minha missão agora é conjunta e vai muito além do torneio
Dragões e Masmorras edição DS.
– Como? Como assim, conjunta? – Ela se virou para encarar o russo. –
Você sabe quem eles são? – Suspirou. – Quem é você, Markus? – Entrelaçou
os dedos das mãos e olhou fixamente para ele. – E o que você está fazendo
com a minha irmã?
– Acho que quem tem que responder isso é você, printsessa. – Dirigiu um
olhar violento e desafiador para Leslie.
Ela mexeu a cabeça afirmativamente.
– De acordo. – Seus olhos acinzentados se entristeceram. – Há apenas
duas semanas, Clint e eu estávamos em uma boate de BDSM em Nova York.
Fomos para um encontro marcado pelo fórum. Sabíamos que a Rainha das
Aranhas estaria lá e queríamos ver se ela faria mais convites para o torneio.
Eu já tinha sido convidada. Mas quanto mais gente conhecêssemos e quanto
mais pudéssemos controlar os participantes, melhor nos daríamos com eles
e seria mais fácil jogar no torneio, fazendo alianças na hora certa. Era só
uma visita de rotina pra gente. Mas era uma emboscada. Os Vilões me
queriam pra fazer parte do seu harém particular de submissos. Naquela
noite – ela lembrou voltando-se para a frente, com os olhos levemente
dilatados –, eu lembro que pedi um gim-tônica para o barman do clube. A
gente ia fazer uma pequena performance e jogar com outros casais
enquanto esperava a chegada da Rainha das Aranhas. Mas ela não
apareceu.
– Segundo me disseram – Cleo explicou muito atenta às palavras dela –,
Sharon esteve lá muito antes do horário marcado; fez uma visita relâmpago
e foi embora.
Leslie concordou e coçou o queixo.
– Bom… a questão é que tinha algo na minha bebida que me deixou fora
de combate. Eu só me lembro de entrar no banheiro para me refrescar e
lavar o rosto, mas perdi os sentidos a partir daí. Não… não me lembro de
mais nada. A primeira imagem que me veio à cabeça depois disso foi a do
rosto do Markus falando comigo em russo.
– Você sequestrou ela?! – Cleo levantou do pufe e enfrentou Markus com
os punhos fechados.
– Não. Não sequestrei – o homem assegurou, com toda a calma do
mundo. – As mulheres são trazidas pra mim para que eu as prepare e as
domine. Sua irmã foi uma delas.
Cleo passou a mão pela lombar e pediu para Leslie:
– Me faz um favor? Abre um pouco essa minha roupa. Estou ficando
asfixiada.
Leslie abriu o zíper até a metade das costas dela e Cleo respirou fundo.
– Me drogaram, Cleo – Leslie continuou. – Me tiraram de lá e me
trouxeram para o Markus me preparar para os Vilões. Mas quando abri os
olhos e escutei as palavras dele em russo, afirmando que lamentava minha
situação e que ia me ajudar para que não acontecesse nada comigo, eu
respondi, também no idioma dele, dizendo que ele é que devia tomar
cuidado. – Markus sorriu e olhou para o outro lado, feliz com a lembrança. –
Ele ficou impressionado ao ver que eu falava a língua dele.
– Nós duas falamos, sabia? –reclamou com petulância para o russo. – Não
nos pergunte por quê – murmurou.
– Ele já sabe, Cleo. Eu contei que nós duas crescemos de uma forma
diferente das outras crianças. Que gostávamos de coisas diferentes e líamos
histórias de espionagem. Nosso ídolo é Maria L. Ricci, a agente especial de
contraespionagem do FBI.
– Vocês sonhavam ser espiãs e se infiltrar na KGB – Markus adicionou –,
tal qual os espiões russos tinham feito no país de vocês – ele prosseguiu,
rindo delas. – Por isso vocês aprenderam russo.
– E espanhol, e francês – Cleo respondeu, deixando claras suas
habilidades. – E o que aconteceu quando você respondeu o Markus, Les?
– Eu vi as tatuagens dele e o questionei sobre o que um ex-presidiário
russo estava fazendo aqui como amo. Aí, Markus percebeu que eu não era
uma submissa qualquer. Ele me perguntou, em códigos, se eu tinha uma
“lenda”; me investigou. E eu, impressionada com a pergunta, perguntei em
contrapartida se ele era um ilegal.
– A SVR, a antiga KGB, prepara seus espiões para serem “ilegais”, homens e
mulheres que vão para outros países viver como nativos, alguns com dupla
nacionalidade. Para eles, é inventado um passado, como os que tinham sido
criados para os agentes infiltrados do FBI no caso Amos e Masmorras. Esse
passado era chamado de “lenda”.
– Markus é um agente da SVR, Cleo.
Não importa o quanto uma submissa chore, ela será amada e venerada por
cada lágrima.
Cleo atraiu a multidão como um ímã. Estava com uma corda nas mãos e
começou a desfilar na passarela, rebolando no ritmo envolvente da música.
Conforme ia andando, as submissas, amarradas por suas coleiras na corda
que a agente puxava, iam entrando em cena, todas de quatro, com suas
roupas de látex e máscaras como se Cleo as estivesse expondo em um
concurso de beleza canina.
Era ela quem as mostrava para a multidão. Não se sentia muito bem com
aquilo, porque sabia no que elas estavam metidas, sabia que estavam sendo
drogadas e treinadas para estar ali. Mas, por outro lado, ela também sabia
que estavam sendo preparadas por um membro do SVR e que ele não
deixaria que ninguém as machucasse. No entanto, Markus tinha que
cumprir seu papel até o fim; assim como ela, Lion, Leslie, Nick…
Lion. Infiltrar-se significava se envolver, se comprometer. Fingir ser
quem não era. Ainda que, muitas vezes, não desse para saber nem a sua
real identidade.
Onde estava Lion?
Cleo levantou a aba de seu chapéu e procurou o alto agente do FBI no
meio da multidão de piratas.
Nesse momento, Markus parou atrás de Lady Nala, colocou as mãos em
sua cintura e foi dançando no mesmo ritmo, de um lado para o outro,
rebolando.
O corsário Markus, sem camisa, com seu moicano e um tapa-olho podia não
ser um pirata, mas era um mafioso punk quente e conquistador que levava
ao delírio todas as fêmeas, com seu porte altivo e ao mesmo tempo sem-
vergonha.
Os convidados aplaudiram e assoviaram, pedindo mais de seu espetáculo
particular, torcendo para que cruzassem a linha entre o que era decente e o
que era definitivamente perverso e sexual.
Ardendo, estou ardendo. Você não pode ver nos meus olhos?
Eu quero brincar desse jogo de disfarces.
Claudia parou atrás de Lion e ficou na ponta dos dedos para sussurrar em
seu ouvido:
– E você ainda duvida que eles dormiram juntos? – Começou a rir. – Olha
só a cara dela, como ela olha pra ele. Esses dois deram uma pelas suas
costas. Estão cheirando a sexo. Bem que me disseram que viram o Markus,
na casa dele em Peter Bay, comendo uma ruiva em pleno alpendre da casa.
Lion apertou os dentes, tentando não dar importância para as palavras
venenosas daquela ama switch.
– Você está mentindo.
– E por que eu faria isso?
– Porque você está brava com ela.
– Claro que eu não gostei do que ela fez comigo. Mas você vai deixar
zombarem de você, King? – Claudia continuou. – Eles estão te provocando.
Todo mundo já viu como você teve que ceder hoje de manhã, e agora eles
estão te fazendo passar vergonha… E olha só o que eu tenho aqui pra te
provar que não estou mentindo. – Claudia mostrou o iPhone para ele. Havia
uma foto de uma garota de pernas apertas, olhando para cima e com os
cabelos ruivos caindo pelas costas. Não dava para identificar o rosto mas,
atrás dela, tinha um cara com um moicano igual ao do Markus, com o rosto
meio escondido atrás do pescoço da mulher, e uma das mãos enfiada entre
suas pernas abertas e nuas.
Um músculo descontrolado saltou da mandíbula do Romano, que olhou
para Claudia, estupefato.
– Eu te falei que não estava mentindo – repetiu a ama.
Cleo e Markus continuavam dançando, e então o russo deu uma volta
nela e a colocou entre seus braços para afundar-lhe o rosto no pescoço e
quase no decote dela.
Lion não estava aguentando mais. Cleo podia estar interpretando um
papel, mas Claudia tinha razão. Ela parecia mais descansada, mais segura
de si mesma, mais… tranquila. Por quê?
Será que Claudia estava certa? E a foto? Markus tinha uma casa em Peter
Bay? Que porra eles tinham feito? A imagem era meio embaçada, não dava
para ter certeza de que eram eles mesmo.
O que será que o Markus tinha feito com ela? Cleo não deveria ter ficado
quieta como um móvel? Por que ela estava dançando com ele? Mesmo que
tivesse ficado quieta na casa dele, o amo poderia transar com ela, se
quisesse.
Merda, que sacanagem.
Prince, de repente, subiu no palco.
“Quando você acha que não dá pra piorar… piora”, Lion pensou.
Cleo ficou tensa ao sentir outras mãos tocando sua cintura. Olhou por
cima do ombro, para ver quem tinha entrado na dança, pensando que Lion
tinha ido buscá-la, e se deparou com o belo rosto obscuro de Prince. O
homem grudou nas costas dela e eles fizeram um sanduíche com Cleo
enquanto ele oferecia uma garrafa de Cajun Spice.
“Bom, tudo bem. Vamos beber um pouco”, pensou Cleo, para não fugir
aterrorizada daqueles dois homens cheios de testosterona.
Lion apertou os punhos, sofrendo a cada passo e a cada movimento dos
três, grudados perna com perna, quadril com quadril.
– Que a festa comece! – Sharon gritou de cima da mesa, rebolando e
levantando os braços acima da cabeça, agitando seus cabelos loiros e
animando todos os convidados para dançarem e a admirarem. Como não?
Alguns não estavam interessados em dançar; só queriam tirar as
correntes das submissas e começar a jogar com elas.
Outros só queriam ficar olhando para Sharon. Mas a grande maioria
começou a dançar depois da ordem.
Eles ocuparam a passarela e todo o salão, uns com mais desenvoltura do
que outros, mas todos se mexendo e dançando, no fim das contas.
Cleo não estava achando tão ruim: ela gostava de dançar e ambos eram
bons nisso, embora ela só quisesse dançar com uma pessoa.
Ela o procurou entre os chapéus, tapa-olhos e máscaras… Procurou o
leão, o rei da selva.
E de repente o achou, com os cabelos arrepiados, impondo respeito e
acompanhado de alguém que ela mesma havia eliminado: Mistress Pain.
Lion, percebendo que Cleo estava olhando para ele por cima do ombro de
Markus, pegou Claudia pela mão e puxou-a para dançar.
Cleo não sabia como encarar o que estava vendo. A outra já estava fora
do jogo, tinha sido eliminada da competição, então o que ela estava fazendo
ali com as mãos em Lion?
Claudia não demorou nem dois segundos para colocar as mãos ao redor
do pescoço dele e beijá-lo na boca.
Cleo ficou surpresa, confusa e alterada ao ver que o cretino do Lion nem
tentou impedi-la. Ela estava em meio a uma performance para o torneio,
por acaso ele não sabia? O que ele estava fazendo com a Claudia? Por que
deixá-la encostar nele? Ele não tinha que deixar nada, porque não estava
sendo obrigado a agir daquela maneira, ao contrário dela.
– Bebe e dança, Nala. Não fica olhando tanto – Prince falou com
suavidade.
Cleo concordou, afetada, e começou a virar a garrafa de rum de uma vez,
enquanto dançava no ritmo da música.
Lion olhou para Prince, lançando adagas azuis com os olhos.
Prince ficou ainda mais grudado nela. Cleo sabia que aquele jogo de
provocações fazia parte do torneio.
Não se tratava disso? De ultrapassar os limites? Mesmo assim, Lion
garantira não ser um amo que dividia sua submissa. Por que ele não subia
no palco e a arrancava dali, mesmo que fosse à força? Por que não
demonstrava que ela era importante para ele? Ao invés de estar feliz por
vê-la, Lion estava se comportando como se ela não fosse nada para ele.
Lion apertou a bunda de Claudia e colocou a língua na boca dela.
Cleo não podia tirar os olhos dele. O agente a estava provocando mas
estava indo longe demais, porque enquanto beijava Claudia, ele olhava para
ela como se estivesse dizendo: “Você está vendo como eu estou bem?”.
Cleo fechou os olhos para aguentar a incrível amargura que a estava
tomando de dentro para fora como uma supernova. Apoiou a cabeça no
peito de Prince, um pouco tonta por beber uma garrafa inteira de rum
quase de uma vez só. Olhou para Lion através da máscara enquanto Prince
a beijava na bochecha e ia deslizando os lábios para seu pescoço.
Markus analisou Cleo e viu que ela estava um pouco mais desinibida. Os
Vilões iam assistir à festa pela televisão, havia câmeras no local. Cleo estava
se comportando como deveria: sem medo, chamando a atenção. Estava
fazendo aquilo porque queria que seu amo fosse atrás dela, mas o cara
estava curtindo com a Mistress Pain e ignorando sua verdadeira
companheira.
Isso não seria bom para a missão. Havia muita tensão ali.
Markus a beijou no canto dos lábios enquanto Prince a beijava nos
ombros, fazendo-a dançar no mesmo ritmo, como ondas à deriva.
A música se infiltrou sob a pele de Cleo, ácida, com palavras repletas de
verdade. O salão pulsava de desejo, pelo menos da parte dela. Pulsava com
a vontade de voltar para Lion, e ele não fazia outra coisa que não fosse
devorar os lábios de Claudia. Mas por quê? O que ele pretendia com isso?
Ela queria Lion, queria que fosse ele dançando com ela.
O maldito estava agindo sem pensar. Sharon sabia disso; Claudia
também. Quem não tinha nem ideia de como estava dançando era a Cleo. “É
um baile de máscaras, um desfile do amor. Você não vai ficar e dançar
comigo?”, Cleo cantarolava mentalmente sem tirar os olhos de Lion.
Naquele momento, Sharon se aproximou e se juntou à dança de Claudia e
Lion. Ótimo, outro trio, Cleo pensou amargamente. Por que a loira tinha que
se meter em tudo? Não dava para ficar quietinha?
Mas Sharon não olhava para Lion enquanto encostava nele e ficou na
ponta dos pés para lamber seu pescoço. Sharon, com seu vestido violeta e
sua máscara preta, só tinha olhos para… Cleo levantou os olhos por cima
dos ombros e deu de cara com Prince, que também estava olhando para
Sharon.
“Mas o que está acontecendo aqui? Estamos todos usando uns aos
outros?”, ela pensou, confusa. Era como se fosse um duelo entre a Rainha
das Aranhas e o Príncipe das Trevas.
Prince foi, pouco a pouco, deslizando as mãos pela barriga de Cleo.
Sharon fez a mesma coisa com Lion, mas estava descendo um pouco
mais…
Lion parou de beijar Claudia e olhou para Sharon por cima do ombro.
– Sharon? – perguntou, surpreso.
Cleo e Prince, que estavam assistindo aos movimentos do outro trio,
ficaram tensos ao mesmo tempo na passarela. “Ela não vai se atrever a…”,
pensaram em sincronia.
A mão de Prince, que estava disposto a provocar uma briga, repousou na
altura do peito esquerdo da Cleo, que se assustou com o contato. No mesmo
momento, Sharon pegava em cheio nas partes do Lion.
Todos sabiam o que estavam fazendo.
Cleo imaginou que, se ela não parasse o que poderia acontecer naquela
noite, não ia mais ter volta. Ela não queria dormir com Prince e nem com
Markus. Não queria estar com eles. Seu corpo era seu, e só Lion poderia
cuidar dela. Não ia se sentir confortável com mais ninguém.
Lion continuava quieto enquanto Claudia sorria para Sharon e ao mesmo
tempo mordia levemente o pescoço do Lion; enquanto isso, a loira
esfregava a ereção dele entre os dedos.
As duas amas olharam para Cleo com malícia.
E ela não aguentou. Não estava acostumada àqueles jogos, e não queria ir
além disso. As pessoas eram livres para fazer o que quisessem, para dormir
com quem desse na telha, ou com vinte ao mesmo tempo, se fosse isso que
as deixasse felizes ou satisfeitas; mas ela duvidava que, se fizesse isso
também, pudesse acordar feliz consigo mesma no dia seguinte.
Por isso, Cleo afastou Markus, que estava esfregando as partes dele
contra a sua coxa, e tirou as mãos do Prince de seu corpo. Com uma
expressão desafiadora e asco da situação, ela levantou o chapéu e
cumprimentou Lion de forma depreciativa. “Pode aproveitar, cretino. Pra
mim já chega.”
Lion também a cumprimentou, desinteressado. Pegou a mão da Claudia,
puxando também a de Sharon, e perguntou para a Rainha:
– Você vem?
– Com você, King? Pra onde? – ela perguntou surpresa, mas sem perder a
típica sedução.
Lion não respondeu. Só olhou fixamente para ela, imobilizando-a com
seus olhos azuis consumidos pela raiva e pelos ciúmes. Precisava explicar?
Não. Não era preciso dar mais detalhes… A loira deu uma olhada para a
passarela. Prince estava bebendo rum e levantando sua garrafa,
cumprimentando-a com um gesto sem apetite.
Sharon pestanejou e, sorrindo friamente, pegou a mão que Lion oferecia
para saírem os três da festa.
Cleo, desolada e um pouco zonza por causa do álcool, desceu da
passarela com os olhos verdes cheios de lágrimas, pegou outra garrafa de
rum no bar e saiu tropeçando, escutando as últimas palavras da música:
“Masquerade. Masquerade”.
Lion tinha saído com duas mulheres… Com duas inimigas: Sharon e
Claudia. E ela não era tão estúpida para não saber o que os três iam fazer
juntos… Não teria nada a ver com jogar Twister. Eles iam se tocar, iam se
beijar… e ele ia deixar. Essa era a força das coisas que Lion sentia por ela.
Ou seja: merda nenhuma.
Cleo tirou o chapéu, sentindo a garganta dolorida pelas lágrimas não
derramadas, e cruzou o salão até chegar à varanda.
– Ar, ar… Preciso respirar. – O rum estava delicioso, tinha aquele gosto
picante e especial que a levava de volta para Nova Orleans. Mas ela estava
começando a sentir uns efeitos muito diferentes… Estava com a pele e com
os lábios formigando, sentindo a barriga arder. – Que estranho… –
murmurou, colocando a mão naquela região.
Saint John vivia alheia à festa de piratas do La Plancha del Mar. Distante
dali, os barcos iam e vinham e a música caribenha flutuava da praia até a
sacada. Ela se apoiou no parapeito de madeira e fez pouco caso dos casais
que estavam dando uns amassos nos cantos do jardim.
Levantou a máscara para usá-la como uma tiara, segurando seus cabelos
ruivos, e engoliu o choro.
– Estúpida. Tonta – ela dizia para si mesma, sem deixar de beber da
garrafa. – O que você achou que aconteceria? – sussurrou com o coração
encolhido.
Se Cleo tinha alguma dúvida sobre o que sentia por Lion, naquela noite
havia sido definitivamente apagada. Estava apaixonada por ele: o amava. E
não aceitava a ideia de que outras mulheres pudessem tocá-lo. Se já ficava
nervosa só de pensar nas mulheres que ele havia dominado no passado…
Vê-lo assim, ao vivo, beijando outras bocas e aproveitando os carinhos
descarados, havia destroçado Cleo.
E aquele porco estava fazendo de propósito, como se a estivesse
castigando por algo. Por quê? Por dançar com Markus? O que ele achava
que ela havia feito com ele? Lion estaria agindo assim por rancor ou porque
era mesmo frio e sem escrúpulos? Além de tudo, ele tinha deixado o local
com duas mulheres, na frente de todo mundo, fazendo-a passar por
ridícula. Quem acreditaria que ela era tão boa em suas práticas se Lion a
trocava por outras mulheres?
Dentro do restaurante, Cleo sabia que Markus estaria jogando com
Leslie, e que ela estava de cabeça para baixo no colo dele. Ele iria fazer um
belo spanking.
– Eu falei que você ia se machucar.
Ela já conhecia aquela voz educada e aristocrática. Era Prince.
– Eu falei que ele não tem respeito por nada nem por ninguém –
relembrou o lindo amo.
– É estranho vocês se darem tão mal se já foram bons amigos – Cleo
murmurou secando as lágrimas dissimuladamente. – King também tem
uma má impressão de você.
– Sim. Ele nega tudo. E com certeza hoje ele também vai negar que está
fazendo um ménage com a Mistress Pain e com a Sha… a Rainha das
Aranhas. E você vai acreditar?
Cleo deu de ombros. No que ela ia acreditar? Não estava acreditando
mais em nada nem em ninguém. Achava que podia confiar em Lion, nas
palavras dele, no que tinha acontecido na noite anterior… Mas não era
assim. Passou os dedos pela tatuagem, a peça de quebra-cabeça. Estava
cicatrizando muito bem e ela não estava mais com o plástico, mas precisava
de outra limpeza e de mais creme cicatrizante.
– O que a Mistress Pain estava fazendo aqui? Eu a eliminei.
– Aparentemente, a organização e os Vilões solicitaram a presença dela
nos jantares e nos eventos extraoficiais do torneio. Eles gostam dela. A
Claudia é uma atração para eles.
– A Claudia é uma idiota egoísta e fria, e eu não entendo como o Lion
pôde sair daqui com ela…
– Lion gosta desses tipos. – Prince se apoiou no parapeito até que os
ombros dos dois se tocassem. – Por isso você não combina nada com ele.
Cleo sorriu com amargura.
– Eu também não combino nada com você. Você é um monstro.
– É só um papel. – Prince se virou para olhar nos olhos dela. Tirou uma
mecha de cabelo ruivo da frente de seu rosto e fez um carinho suave. – Eu
não sou tão malvado.
Cleo olhou para a mão dele, assombrada. Prince não desistia mesmo. A
lua iluminava sua expressão bem esculpida e seus olhos pretos clamavam
por um pouco de carinho e de amor correspondido.
Sua imagem, bem como tudo o que ele exalava, era arrebatadora, e com
certeza milhares de mulheres estariam dispostas a se entregar para ele.
Milhares de mulheres livres.
Mas Cleo não tinha nada para oferecer. E menos ainda sabendo que
Prince estava fazendo aquilo por vingança: porque queria devolver para
Lion algum sofrimento do passado. Ela nunca estaria disposta a jogar dessa
forma suja.
Queria Lion.
Cleo prestou atenção na chave que o Príncipe tinha tatuada no interior
do pulso.
E aquilo a lembrou de ter visto uma tatuagem com simbologia parecida
no pulso da Rainha das Aranhas. Olhou nos olhos de Prince e depois
analisou de novo a tatuagem. Aquelas eram as marcas simbólicas de um
casal.
Sharon tinha um cadeado em forma de coração e Prince tinha uma chave.
Ah, não. Seria possível que…?
Ela abriu os olhos e levou a mão aos lábios, estupefata.
– É a Sharon.
Prince apertou os lábios e deu um passo para trás, se afastando da
conversa e das lembranças. Decidiu deixá-la sozinha.
– Boa noite, Lady Nala.
– Não, espera. – Cleo o pegou pelo cotovelo e o impediu de entrar. –
Espera, Prince. É ela, não é?
– Do que você está falando? – ele respondeu, seco.
– A mulher que te faz tão mal. A mulher que você acha que te traiu. É a
Sharon.
Prince riu sem vontade.
– Eu não acho. Eu tenho certeza. – Abriu os braços, exasperado. – Com
quem a Sharon saiu daqui hoje?
Cleo abriu e fechou a boca como um peixe.
– Você não tem argumentos para provar o contrário – ele adicionou. – E
não é a primeira vez que eles dormem juntos.
– King tem outra opinião com relação a esse dia. Ele disse que você
olhou, mas não viu a realidade. Que seus olhos te fizeram acreditar em algo
que não aconteceu. E que você errou.
Ele deu um passo à frente e a encurralou contra o parapeito de madeira.
– Claro. E o King vai se atrever a dizer que nessa noite os meus olhos
imaginaram tudo? Ele vai se atrever a te falar isso? Não sei que tipo de
relação vocês dois têm, mas ele veio para o torneio com uma outra parceira
que não era você. E depois que você a eliminou, nessa noite Lion saiu da
festa com a mesma mulher e com a minha… e com a Rainha das Aranhas.
Por que acha que ele fez isso? – Prince perguntou com ódio.
Ela não sabia. Não sabia por que Lion tinha se comportado daquela
forma. Não tinha resposta para isso, exceto pensar que ela não importava
para ele tanto quanto ele importava para ela.
– Eu… não sei.
Prince suavizou a expressão, se inclinou sobre ela e falou com ternura.
– Você é um filhote de leoa apaixonada pelo Rei Leão. Mas o rei tem
dentes autênticos e afiados, enquanto você tem dentes de leite. – Erguendo-
se de novo, ele pegou a mão dela e a beijou sobre sua recente tatuagem. –
Boa noite, princesa.
– Não sou um filhote.
– Como você quiser, linda.
Cleo virou as costas para ele. Não queria continuar conversando. Não
queria continuar ali. Só queria ir para o hotel, dormir e esperar que o
torneio prosseguisse.
A agente tinha que ser profissional e contar para Lion tudo sobre Markus
e Leslie.
Mas… e se fosse para o quarto do hotel e encontrasse os três na cama?
Ficou com azia só de imaginar a cena. Se isso acontecesse, teria que agir
naturalmente.
Lion não gostava dela e ponto final. No entanto, Cleo tinha assuntos a
tratar com ele, e eram muito urgentes.
– Lady Nala?
Cleo se virou e viu Nick. Deus, ela precisava falar com ele e, além disso,
precisava de um quadriciclo para ir ao hotel onde eles agora estavam
hospedados.
– Oi, Tigrão.
– Como você está? – ele perguntou preocupado, bebendo rum e parando
do lado dela. Os dois ficaram apreciando o horizonte paradisíaco noturno. –
Olha, estou achando que esse rum está… alterado. Você não está um
pouco… desinibida?
– Bom, eu estou um pouco enjoada, eu acho… – Mas sentia o calor entre
as pernas e a sensação de que qualquer contato a deixaria alerta se
instaurara.
– Markus fez alguma coisa com você? Você transou com ele?
Cleo virou os olhos e negou com a cabeça. Nick, sempre tão direto…
– Não.
– Não foi isso que a Mistress Pain falou para o Lion.
Cleo franziu a testa e virou o rosto para ele.
– Como?
– Eu vi a Claudia falando um monte pro King, dizendo que te viram em
Peter Bay com ele, Markus, no alpendre da casa dele.
– Isso é mentira! Eu não fiz nada!
– E… – Nick continuou franzindo as duas sobrancelhas loiras – …mostrou
uma foto pra ele, supostamente com você e o Markus em uma posição bem
comprometedora.
– Mas como assim? – Cleo sussurrou entre os dentes. – Markus me deixou
sob privação sensorial durante todo o tempo. Eu não via nada e ficava com
o rosto coberto. Eu fiz o papel de mesa, Tigrão… Só de mesa. – Como ela
podia dizer que tinha descoberto detalhes muito importantes para o caso
Amos e Masmorras? – De onde ela tirou essa ideia maluca? Deve ser uma
montagem, Tigrão – ela assegurou apertando o próprio nariz. – Eu estou
com dor de cabeça. Quero ir para o hotel. Você pode me levar, por favor?
Nick procurou Thelma com o olhar. Ela estava muito entretida jogando
com as submissas que Markus e Cleo tinham levado para a festa. Se ele
saísse, não ia acontecer nada; principalmente levando em conta a natureza
daquela relação recém-estruturada.
Ele pegou Cleo pela mão e a levou embora da varanda e do restaurante.
Cleo fechou os olhos e deixou que o vento refrescasse seu rosto. Nick estava
dirigindo o quadriciclo de dois lugares para o Westin Saint John enquanto
ela olhava para a garrafa de rum Cajun Spice com uma curiosidade
crescente.
Era incrível que aquele rum de Nova Orleans tivesse chegado até ali. O
pior era saber quem era o dono da destilaria. Tal pensamento fez com que
voltassem o frio, o medo e o maldito nó no estômago.
Mas estava tudo bem. Ela estava bem e os pais do Billy Bob, donos da
destilaria Louisiana Cajun Rum, produtora daquela bebida tão popular, não
tinham culpa de ter um filho que mais parecia um enviado do diabo.
Fazendo um esforço para se livrar da lembrança de Billy Bob, ela se
concentrou em Nick.
Cleo não podia falar nada do ocorrido com Markus para o Nick porque os
quadriciclos contavam com câmeras que televisionavam tudo para os
Vilões, e no La Plancha del Mar ela também não pôde falar pelo mesmo
motivo. Nessa noite os Vilões não estiveram presentes; no entanto, eles
viam tudo.
– Por que a Mistress Pain fez isso? – Cleo perguntou com a máscara sobre
a cabeça, puxando-a com raiva. Havia enroscado nos cabelos. – Tirando o
fato de ela ser uma vadia, claro.
– Porque ela sabia o que isso ia causar no King – respondeu. – Basta ser
um pouco observador pra perceber que ele não olha pra você de um jeito
qualquer, Lady Nala. – Mesmo que, na verdade, ele estivesse falando com a
Cleo. – Ela sabia que ia ofendê-lo e que isso provocaria uma reação nele. E
assim o foi. – Deu de ombros e virou-se para a direita. – Ela queria se
vingar.
Sim, era uma excelente explicação. Na qual Cleo queria acreditar.
– Olha… – Cleo olhou por debaixo dos cílios. – Eu posso saber por que
você eliminou a Louise do torneio? Como você pôde eliminar um membro
da sua própria equipe?
– Três é demais – respondeu Nick.
Ela ficou quieta e permaneceu com o olhar fixo na estrada. Sim, claro que
três era demais: Lion, Sharon e Claudia, um espetáculo digno de se ver; sem
um pingo de coração, mas com muita atração carnal. Eram quase os três
anjos caídos do sexo.
– Você era apaixonado pela sua mulher, Nick? – ela questionou sem
medir as consequências da sua curiosidade. Por que havia perguntado
aquilo?
O loiro apertou o guidão com os dedos e desenhou uma fina linha com os
lábios. Não era o lugar para falar sobre o assunto, mas ele não pôde resistir
e respondeu:
– Eu ainda sou apaixonado por ela.
– Ah… E estando apaixonado por ela, se vocês ainda estivessem juntos,
você seria capaz de fazer um ménage sem que nenhuma das duas fosse ela?
– Não. Nunca. Ela… era mais do que o suficiente.
Aquele homem tinha sido tocado e marcado pelo amor e pela rejeição de
quem não foi amado com a mesma intensidade.
– Por que vocês não estão mais juntos?
– Porque às vezes as coisas terminam por outros motivos que não têm
nada a ver com o amor.
– Tudo tem a ver com o amor.
– Pois pra mim não adiantou nada amá-la com todo o meu coração – ele
respondeu triste. – Algumas coisas se quebram de forma inesperada, e
mesmo que você tente juntar os cacos, não ficam mais do mesmo jeito.
– Você tentou?
– Ela não deixou.
Cleo levantou o olhar para a noite estrelada e lamentou que aquele
agente lindo e melancólico tivesse que sofrer por um amor não
correspondido.
– Por que ela não deixou?
– Ela me impôs um mandado de afastamento – ele respondeu sem dar
importância.
Cleo pestanejou, confusa. Onde ela havia ouvido aquilo antes? Ah, sim. No
voo de Nova Orleans para Washington. O que essas mulheres tinham com
os mandados de afastamento? Se elas não quisessem mais ver os ex-
maridos, que fossem para outro país! Ela voltou a se sentir enjoada. Estava
sentindo o coração trabalhar além do normal e precisava se mexer. Sair
dali, descer do quadriciclo…
– Eu acho que, se ainda houver amor – sussurrou com um sorriso de
autocondescendência –, tudo pode se resolver.
– Você é uma romântica.
– Pode ser… Olha como eu estou – murmurou suspirando e rindo de si
mesma. Estava sofrendo por amor. Por um homem que, em vez de falar
com ela, preferia se vingar.
– Já estamos chegando – Nick anunciou. – Essa ilha é muito pequena.
Cleo ainda não tinha visto o complexo hoteleiro e ficou pasma diante da
suntuosidade.
Mesmo sem poder aproveitar muito, já que aquela cena do Lion já tinha
estragado a noite.
A jovem mostrou a pulseira amarela com os dados de identificação
biométrica e o recepcionista indicou qual era seu quarto.
Estava decidida a tirar as duas mulheres da cama de Lion. Não era tão
fria para permanecer impassível enquanto o homem que ela amava, que
era completamente cego e lerdo, passava-a para trás na frente de todos.
Nem pensar.
11
Lion sabia que não podia fazer certas coisas. Como, por exemplo, se livrar
da Claudia e da Sharon alegando não estar muito bem, indicando-lhes que
voltassem aos seus quartos. Claudia ainda não tinha se retirado e
continuava sentada na cama ao lado da Rainha das Aranhas, que o Lion
nunca tinha visto tão contrariada.
Sharon parecia perdida e destemperada. Algo estranho para ela. Ainda
que o Lion soubesse o porquê de ela estar assim, e não podia se enganar
por mais que o tempo tivesse passado.
A verdade é que ele não estava bem mesmo. Estava com a cabeça um
pouco confusa e sentindo um leve enjoo que só podia atribuir ao consumo
de algum tipo de droga. O que o levou a pensar que os organizadores
poderiam ter batizado a bebida ou colocado alguma coisa na comida
durante o jantar, para que eles ficassem mais desinibidos.
Ele entrou correndo no banheiro e encheu um potinho com urina para
entregar à equipe secreta do FBI.
Estava sentado no vaso sanitário. Ele tinha pegado o telefone da Claudia,
sem que ela se desse conta, e estava olhando novamente a imagem que a tal
pessoa misteriosa havia enviado para a mistress.
Já sabia que não era a Cleo, porque ela tinha uma tatuagem de camaleão
no interior da coxa e a garota da foto, com as pernas completamente
abertas, não tinha nenhuma marquinha em sua pele alva. Mesmo que não
tivesse gostado nada do showzinho que ela deu com Prince e Markus, Lion
reconheceu que acreditava na inocência dela e que sabia que ela devia agir
daquela forma pelas exigências do papel.
O cara da foto até que se parecia mais com o Markus, mas as tatuagens,
ainda que dessem para enganar, não eram de verdade. Portanto, não era o
Markus. Quem quis criar toda aquela discórdia? Por quê? Por que alguém
teria o trabalho de elaborar aquela montagem apenas para desestabilizá-
los? E por que eles o fizeram usando a Claudia? Curiosamente, Claudia
tinha sido eliminada do torneio, mas naquela noite estava no La Plancha del
Mar, junto de todos os outros, assegurando que os organizadores a
desejariam nos eventos extraoficiais.
Lion anotou na agenda o número do telefone que tinha enviado a
imagem para ela. Queria descobrir quem era o palhaço que queria brincar
com ele daquela forma.
Ele lavou o rosto e saiu do banheiro.
Claudia ergueu o rosto e tirou a máscara preta. Fazendo movimentos
meticulosos, ela levou as mãos aos laços do corpete no peito.
– Mistress Pain, eu já te falei que não estou me sentindo muito bem –
Lion repetiu se apoiando na parede.
– A gente vai fazer você se sentir muito melhor, não é, Sharon?
A Rainha parecia estar em um debate consigo mesma, e depois de pensar
na resposta, se levantou sem um pingo de alma nos olhos cor de caramelo.
Também tirou a máscara.
Lion franziu uma sobrancelha preta e negou com a cabeça.
Sharon não queria dormir com ele. Depois de tanto tempo sem fazer
sexo, sem deixar ninguém tocá-la, não seria com ele. Elas eram duas
mulheres muito bonitas e diferentes e estavam dispostas a transar
loucamente. Em outros tempos, Lion teria aceitado; sexo era sexo, não? Mas
depois de reivindicar a Cleo, sabendo da força da paixão por ela, nem a
Mistress Pain e nem a Rainha das Aranhas conseguiriam competir com a
leoa ruiva de olhos verdes.
– Vocês têm que ir – Lion pediu educadamente, acompanhando-as até a
saída. – É sério, eu estou enjoado.
– Eu não vou pra lugar nenhum – Claudia respondeu colocando as mãos
em seu voluptuoso quadril, cravando os calcanhares no carpete. Sorriu
como se fosse a Rainha de Sabá. – Eu vim aqui para comer, King, e você vai
ter que me alimentar.
Lion sorriu diante da postura dela. Em outros tempos, uma mulher que
falasse assim era considerada um escândalo, mas Claudia estava na
contramão de tudo e sempre se valorizava muito. Ela não aceitava um não
como resposta.
– Eu vou indo – Sharon respondeu, irreconhecível. – Nem sei o que estou
fazendo aqui.
Lion concordou com a cabeça, agradecido pela colaboração. Ela
continuava sendo sua amiga, mesmo tendo estado muito apaixonada e, com
certeza, a loira sabia o que estava em jogo na decisão dele de se esquivar e
entendia o porquê de ele não querer ficar com elas. Sharon ia compreender.
– O que está acontecendo com a Rainha das Aranhas? É tudo só uma
fachada, pequena? – Claudia olhou para ela de canto de olho.
Sharon não gostava de ser menosprezada, então sorriu com indiferença e
disse:
– Você não quer ver o quando a minha superioridade não é fachada, Pain
– assegurou com um tom frio e um rosto sombrio, colocando-se a um palmo
do rosto dela. – Ou quer? – Aproximou-se de forma ameaçadora. – Eu nunca
joguei com você. Quer ver até onde eu sou capaz de chegar, switch?
– Claro – Claudia respondeu com desejo. – Por que a gente não começa e
esquenta o leão para que ele saia da toca e ruja, ao invés de se comportar
como um gatinho assustado? – Claudia passou os dedos pela bochecha da
loira. – Eu quero cair na sua teia de aranha, Rainha.
Sharon franziu a testa e fez um gesto de desdém com os lábios.
– Você não me interessa.
Com essas palavras, paralisando-a, Sharon deu meia-volta e abriu a porta
da suíte.
Mas deu de cara com Cleo quase colocando o cartão para abrir a porta da
suíte, o quarto que ela ia dividir com Lion e que estava ocupado por duas
mulheres.
Sharon não soube o que dizer quando encontrou nos olhos esmeralda de
Cleo a mesma incredulidade e a mesma dor que ela havia experimentado
anos antes. Mas na época eram olhos escuros que a julgavam e a
maltratavam, e não os verdes de Lady Nala.
– Fora daqui – ordenou a ruiva com voz trêmula.
– Eu já estava de saída.
Sharon passou do lado dela, sem nem encostar. Cleo nem se mexeu da
frente do batente da porta.
– No fim das contas… – Cleo não queria deixar barato. Aquela mulher
tinha tentado machucá-la desde o princípio, e Cleo tinha o direito de
revidar – …vou acreditar na versão do Prince.
Sharon recolocou a máscara para cobrir seus olhos caramelo, que não
haviam encarado bem a acusação e estavam se enchendo de lágrimas.
– Não fale do que não sabe – ela ordenou sem olhar para trás, afastando-
se dali.
– Não se meta na cama dos outros – Cleo respondeu entrando no quarto
e batendo a porta.
Nick tinha ido para sua suíte porque não queria estar presente quando
começasse a tempestade, e isso a deixava em inferioridade de condições
com Claudia e Lion, que estavam muito separados um do outro. Eles
ficariam surpresos com o descaramento dela.
– A Sharon foi embora – ela observou apoiando-se na parede da entrada.
– Eu sirvo pra vocês?
Claudia abriu os olhos, pasma, e começou a rir.
Mas para Lion aquilo não tinha graça nenhuma. Cleo estava diante dele,
com uma garrafa de rum na mão, vestida de mulher pirata totalmente
relaxada, da mesma forma que estaria uma gata selvagem escondida atrás
de uma moita, pronta para dar o bote em sua presa, mas esperando o
momento certo.
Ela olhou diretamente para ele, sem demonstrar nem um pingo de
despeito ou de dor, medindo-o de cima a baixo, como se ele não fosse nada,
ou fosse menos do que nada. Meu Deus, os olhares de Cleo desarmavam
qualquer um… E, depois, ela analisou o corpete desamarrado de Claudia e a
forma com que os mamilos estavam completamente à mostra acima da
peça.
– Você quer fazer um ménage? – Mistress Pain perguntou para Cleo.
– Eu não quero. – Lion cruzou os braços.
“Como não? Lion e sua delicadeza”, pensou Cleo.
Cleo andou até a cama, deixou a garrafa de rum em cima do criado-mudo,
subiu no colchão coberto com um lençol marrom e branco e ficou de
joelhos. Se Lion pensava que ia dormir com outras mesmo estando com ela,
é porque não a conhecia muito bem. E se, além de tudo, o cretino achava
que ela havia dormido com Markus, ele não só não a conhecia como
também tinha uma péssima imagem de sua pessoa. Brava, ela jogou os
travesseiros macios no chão, para ter mais espaço na cama.
Estava no meio de um caso, com um homem pelo qual, havia descoberto
recentemente, estava apaixonada. E sim, ela havia caído
esplendorosamente nas garras dele. E não se envergonhava disso.
Mas o caso era mais importante do que qualquer coisa e ela não ia deixar
que outras pessoas a atrapalhassem. Ela não tinha motivo para ter tanto
desgosto gratuitamente; a tensão do torneio já era estresse o suficiente
para ela ficar aguentando as travessuras do Lion com suas ex-amantes.
Cleo, descaradamente, levantou a saia e mostrou a calcinha vermelha,
que podia ser vista por dentro da meia-calça arrastão, rebolando de um
lado para o outro.
– Qual dos dois vai ser o corajoso pirata a tirar a minha calcinha?
– Eu já falei que não quero um ménage. – Lion se aproximou da cama com
uma expressão dura e severa.
– Já deu pra perceber que você vai ter que ir embora, gata – Claudia
garantiu com um sorriso de orelha a orelha.
Cleo não piscou uma vez sequer enquanto olhava nos olhos de Lion. Ele
lambeu os lábios, se alimentando dos olhos da ruiva.
– Você quer que eu… vá embora, King? – Cleo precisava tirar a dúvida.
Ele queria ficar com ela? Ou preferia as outras?
– Vai logo, Nala – Claudia ordenou.
– Quem tem que ir embora é você, Claudia. – Lion não prestou atenção na
ama enquanto pronunciava aquelas palavras.
Cleo engoliu saliva e aos poucos foi baixando a saia, voltando a cobrir sua
roupa de baixo. Lion estava recusando a Mistress Pain.
– Por que eu? Eu estava aqui primeiro! – ela exclamou parecendo uma
criança de dez anos.
O que quer que o Lion tivesse visto em Claudia alguns anos antes, ele já
não via mais. Com certeza porque a personalidade de Cleo apagava todas as
outras e transformava mulheres como a Claudia em simples distrações.
– Eu já te disse antes: não quero dormir com você. A Sharon teve a boa
educação de sair quando eu pedi, e você deveria fazer o mesmo. Não seja
deselegante e vá embora.
A morena decidiu que, se fosse mesmo embora, tinha que sair pela porta
da frente, não ia levar desaforo para casa e nem permitir que a ruiva fosse a
vencedora assim tão fácil.
– Não adianta fingir agora, King. – Claudia pegou sua bolsa e andou até a
porta da suíte. – Antes de ela chegar, você já tinha dormido com nós duas. –
Ela piscou um olho para Cleo e saiu por onde tinha entrado.
A respiração de Cleo se acelerou e ela apertou os punhos para não se
jogar como uma gata em Lion e arranhar aquele belo rosto, como queria ter
feito.
Ele colocou as mãos na cintura e a examinou com impaciência.
– Você dormiu com elas? – Cleo perguntou, impassível diante da análise
dele, mas agitada por causa da última frase da malvada switch.
Lion franziu as sobrancelhas e seus olhos a advertiram do perigo de
seguir aquele caminho.
– Ia acontecer alguma coisa se eu tivesse dormido?
– Lion, não… Agora não. – Ela só queria uma resposta para tentar
acreditar nele. – Responde, por favor.
– Por que eu deveria te obedecer? Você não me deu a menor bola quando
eu falei que o jogo estava acabado pra nós. Preferiu continuar e ir com um
amo que você não conhecia para ficar em perigo e fazer parte do mobiliário
da casa dele. Não teve nenhuma consideração com a minha preocupação.
Pra você tanto faz se eu fiquei aqui nervoso ou não por sua causa, Lady
Nala.
Cleo levantou a mão para que ele parasse e fechou os olhos, dispondo de
uma paciência que ela não tinha. Eles não podiam conversar ali, no hotel
reservado pela organização do torneio.
– Coloca um biquíni. Vamos pra praia. – Lion, que havia entendido o
gesto, também tinha lido a mente dela. Eles tinham que sair dali.
Cleo fuçou em sua mala, a que Lion tinha deixado no armário esperando
que ela chegasse e escolheu um biquíni preto pequeno, sem se importar se
ficaria seminua. Qual era a diferença?! O agente vestiu uma sunga grande e
folgada, azul-escura, enquanto olhava fixamente para ela e não perdia nem
um centímetro da nudez.
Sem falar mais nada, cada um pegou sua toalha e seu mau humor, e
saíram da suíte.
A área de lazer do hotel ficava bem perto da praia. Depois de passar pela
recepção e pela entrada, eles andaram pelas redes de balanço e pelas
piscinas, através das pontes de madeira e das cabanas que abrigavam
bares, e chegaram até a areia branca e fina do Caribe.
Ela precisava se molhar, nadar até chegar a um ponto de cansaço que não
desse mais vontade de falar nada.
Mas, como ela se conhecia bem, sabia que ia acabar levantando a voz,
incitando uma briga, uma discussão… Para descontar toda a raiva. E estava
sentindo muita.
Cleo jogou os chinelos para trás e deixou a toalha cair de qualquer jeito
para correr como um vendaval e dar um mergulho.
Lion fez a mesma coisa, mas antes que Cleo chegasse à água do mar com
seus pés descalços, ele a levantou com um braço só e a colocou em cima do
ombro.
– Deixa eu descer agora! Me solta!
– Não estou te ouvindo! Os móveis não falam! – ele exclamou, dando-lhe
um tapa na bunda para depois jogá-la no mar.
Cleo afundou e saiu da água como uma sereia vingativa. Como o mar do
Caribe só era fundo depois de uns cinquenta metros da praia, a água estava
só até suas coxas.
Os cabelos vermelhos estavam grudados no rosto dela e seus olhos
felinos faiscavam.
Um estava em pé na frente do outro, como autênticos pistoleiros.
Ela colocou os cabelos para trás, soltou um grunhido e se jogou em Lion
com braços e pernas, furiosa com ele.
Lion não a percebeu vindo até que ela colocasse o ombro na barriga dele
e o empurrasse para trás com toda a força que tinha, demais para uma
garota tão pequena. Ele se desequilibrou e os dois caíram.
Embaixo d’água, Lion deu o troco e se levantou com ela nos braços. As
costas de Cleo estavam grudadas no peito dele e seus braços apertavam a
cintura dela.
– Me solta!
– Não!
– Você é um… grghksjdhasdjal! – Lion a afundou na água.
– Sou o quê? – Puxou-a de volta para que ela respirasse.
– Um porco comedor de mer… rfsghdvsjhdgssdaaa!
Lion começou a rir enquanto ela o chutava e tentava bater no rosto dele.
Cleo não conseguia porque estava imobilizada.
– Fala direito, senhorita Nala.
– Um mentiroso do cara… dljkncdkjfhdskfndksjfndsf! – O maldito a
colocou de volta na água.
– Vamos lavar essa boquinha com água e sal – murmurou enquanto a
tirava novamente d’água.
Cleo ficou bem quieta, tomando ar, com os olhos fechados.
– Não briga comigo, mesinha. Eu estava torcendo pra você voltar pra eu
te estrangular com as minhas próprias mãos, bruxa. Você faz ideia do
quanto eu fiquei preocupado?! – grunhiu no ouvido dela sem deixar que ela
pisasse no fundo. – Nunca mais faça mais isso comigo!
– Claro! Eu vi como você estava preocupado! Fazendo um ménage!
– Não!
– Eu vi com meus próprios olhos! – ela protestou, alterada. – Eu esperava
que você fosse me buscar na passarela e, ao invés disso… A Claudia te
mostra uma foto no telefone, e você acredita naquilo!
– Eu não acreditei, Cleo! – Ele foi caminhando com ela até que a água
começou a cobri-los. Não havia embarcações ao redor, muito menos
banhistas. Eram só eles dois, a lua imensa e as estrelas.
– Sim, você acreditou! – ela reafirmou com voz chorosa. – Por isso ficou
dançando com ela e com a Sharon, e deixou que passassem a mão em você!
E com certeza você dormiu com elas!
Lion a apertou contra seu peito, retendo-a entre seus braços.
– Eu não acreditei na foto, Cleo – ele reconheceu firme, mas com
suavidade. – Me escuta, por favor… Antes de mais nada, você tem que
entender que não pode se afastar de mim assim. Está ouvindo?
– Eu não sou nenhuma criança, Lion! E sou responsável e competente!
– E pra que isso serve? A responsabilidade e a sua idade não são
importantes diante da violência daqueles sádicos, Cleo. Eu sou o agente
encarregado e estava dando uma ordem para que você saísse do torneio. E
você me desobedeceu… mais uma vez. Entende?
– E o que vai ser agora? Você vai me ameaçar de novo dizendo que vai
falar com o Montgomery e com o Spur? Vai falar que eu não estou apta?
Quer saber? Pra mim tanto faz! Depois do que eu descobri, por mim, vocês
que se explodam!
– O quê? O que você descobriu? Tudo tem um limite, Cleo.
– Eu conheço bem os meus limites, senhor Romano. Confio neles; é você
quem tem que confiar em mim.
Lion deixou sair o ar que ele estava prendendo nos pulmões e fez os dois
entrarem juntos na água; eles já boiavam completamente e podiam nadar.
– Eu não posso nem imaginar você em perigo, Cleo.
Ela parou com os chutes e cessou seu ataque, ficando calma e imóvel ante
o abraço dele. Aceitando suas palavras.
– Eu não dormi com o Markus – disse ela, levada pela preocupação dele. –
Eu jamais faria isso… Seria impossível. Seria impossível pra mim fazer uma
coisa do gênero.
– Não me desobedeça mais, Cleo. Esse torneio não é uma brincadeira,
está ouvindo? – Afundou o nariz nos cabelos úmidos dela. – Fiquei o dia
inteiro pensando que esse amo russo estava fazendo todo o tipo de
safadeza com você e que você não conseguiria resistir. Eu odeio imaginar
que outra pessoa esteja encostando em você.
– Eu teria usado a palavra de segurança.
– E se ele não se importasse com isso, tonta?
Ela tentou se soltar.
– Não me chama de tonta.
– E você aparece na festa, vestida daquele jeito, dançando e provocando
os convidados… O que você acha que eu sou? Uma porra de um fantoche?
Por que você não me respeita?
– Eu não fiz nada com essa intenção. Foi uma performance preparada
pelo Markus.
– Eu não gostei. – Fechou os olhos e apoiou o queixo no ombro dela. – E
depois apareceu o Prince. Já te falei o que aconteceu entre mim e ele… Por
que você se insinua pra ele?
– Eu não me insinuo pra ele! E você ficou se insinuando pra Claudia. Que
desgraça ela estava fazendo com você? Eu achei… Eu também não gostei… –
Suas bochechas ficaram vermelhas. – Não gosto de te ver perto dela. Sei que
a Claudia já jogou algumas vezes com você, mas enquanto a gente estiver
junto, no torneio, eu não vou aguentar te ver brincando com outras. Tenho
o meu orgulho. E, pra completar, Sharon fica me provocando… Ela pegou no
seu pau!
Lion sorriu e beijou os ombros dela como forma de desculpa.
– A foto não teve nada a ver. Mas eu não gosto de ver outro amo perto de
você. Prince pegou em seus seios.
Eles ficaram em silêncio até que Cleo falou:
– Você tem que aceitar, Lion – ela disparou, seca. – Estamos no caso
Amos e Masmorras. Eu também não gosto de ver que todas as amas do
torneio querem te pegar. Ou você acha que eu não me importo com você? É
como se você estivesse rodeado de hienas… – Cleo se obrigou a fazer uma
pergunta pertinente. – Por que você tem ciúmes de mim? Por que se
importa tanto?
Lion negou com a cabeça e deu de ombros.
– Não é ciúme. Eu me sinto muito responsável por você. Me preocupo
com tudo o que você faz e…
– Eu já te disse que não preciso de uma babá – ela murmurou
decepcionada.
– E eu também já te disse que eu gosto um pouco de você… – admitiu ele,
com seus olhos azuis velados de diversão e de doçura.
Cleo revirou os olhos. Eles não tinham jeito.
– Isso vai nos deixar loucos…
– Talvez sim.
Ficaram calados, nadando, entrelaçados no mar.
– Eu não vou te perdoar, Cleo – ele disse.
– Eu é que não vou te perdoar – ela respondeu com os olhos vidrados na
lua.
O agente Romano finalmente sentia que podia respirar agora que ela
estava ao seu lado, encostando pele com pele. Meu Deus… essa garota tinha
se apoderado da alma dele e não iria devolvê-la.
– Eu não gosto da Claudia – Cleo enfatizou.
– Nem da Sharon.
– Nem da Sharon – ela confirmou.
– Eu não gosto nem do Nick, isso porque ele é meu amigo. Não gosto de
ver os caras te rondando. Eu fico nervoso…
– Eles não me rondam – ela respondeu, surpresa pela sinceridade da voz
dele.
– Você não presta atenção em nada, Cleo. Você ainda não percebeu o que
provoca nos outros. Os caras querem te levar pra cama logo que te veem.
– Isso não é verdade.
– E o pior é que você nem se dá conta disso. Deixa eu verificar se o
Markus não fez nada com você e… – Apertou-a contra ele. Ele se sentia
impotente sendo desafiado por Cleo. Como iria protegê-la se ela se afastava
dele? – Deixa eu te dar o troco pelo que você fez hoje, senão eu não vou
ficar tranquilo…
– Eu já te falei que o Markus não encostou em mim e eu não acho que
você deva me castigar por… Você sim merece uma surra.
– Shh. – Ele calou a boca dela com um beijo envolvente, que fez ambos
tremerem cobertos pela água do mar, que fluía livremente entre eles, como
suas emoções. A história de verificar e de castigar era só uma desculpa para
poder fazer o que ele realmente queria: tocá-la e beijá-la.
Cleo sabia que era um erro.
“Não faça isso, tonta. Não caia nessa de novo. Lion sente alguma coisa por
você, mas não te ama. Toma cuidado.” Mas, em seguida, ele mordeu o lábio
inferior dela e a obrigou a abraçar a cintura dele com suas pernas.
Ficaram cara a cara, nariz com nariz e testa com testa.
– Eu preciso de você – ele sussurrou apaixonadamente, com o rosto
úmido pela água e os cílios molhados pelas gotas salgadas do mar.
“Tudo bem. Aproveita o sexo com ele, mas não deixe-o ir mais longe.
Proteja-se.”
Nadaram juntos, entrelaçados, até chegarem a uma pequena praia
isolada do torneio e do mundo em geral.
– Tenho muita coisa pra te contar – Cleo garantiu entre um beijo e outro.
– É sobre o Markus.
Lion estirou-a na areia úmida, mais escura, da orla.
– Você acha que consegue esperar? – ele perguntou arrancando a parte
de cima do biquíni, deitando em cima dela e cobrindo-a com seu corpo
enorme. Colocou as mãos por cima da cabeça de maneira a garantir o
contato entre todas as partes de seus corpos.
Cleo conseguiu se levantar e inverter os papéis. Dessa vez ela ficaria por
cima e ele por baixo. Eles entrelaçaram os dedos e ela sentou em cima dele.
– Eu não posso esperar – ela assegurou. Inclinou-se sobre o ouvido dele e
disse: – Escuta bem, Lion. A Leslie está viva e o Amo do Calabouço está com
ela.
Ele nem se mexeu durante os vinte minutos que Cleo precisou para contar
sobre a sua chegada à Peter Bay, toda a conversa em russo entre Markus e
Belikhov, a função do Markus no torneio e o papel dele como infiltrado da
SVR; o tráfico de pessoas na Rússia e os interesses comuns do FBI e da SVR em
um mesmo caso como o Amos e Masmorras. Ela explicou o que tinha
acontecido com a Leslie em Nova York: ela havia sido drogada e tinha ido
parar nas mãos do russo. Ela contou que os Vilões eram compostos por
membros da Old Guard e que estavam esperando pela noite de Santa
Valburga, celebrada no final do torneio, mesmo sendo um evento
particular, unicamente dos Vilões. Só então eles iam utilizar todas as
escravas e escravos para o próprio prazer. Cleo falou que os Vilões a
queriam para esse dia especial e, além de tudo, deixou claro que o diretor
Spur e o vice-diretor Montgomery sabiam da localização da Leslie desde
que ela passou a agir em conjunto com o Markus, já que existiam interesses
comuns entre os dois países.
O agente permaneceu mudo e imóvel, aproveitando a segurança de ter
Cleo sobre ele mas, principalmente, a enxurrada de informações que a bela
mulher lhe proporcionava: nomes como Belikhov, o envolvimento de
agências federais estrangeiras como a SVR, um desenvolvedor do popper
como Keon, a Old Guard e a noite de Santa Valburga como elementos
fundamentais para a conclusão do torneio, um Sombra infiltrado para
passar informações de bastidores para os Vilões. Leslie viva e parcialmente
a salvo, como todos.
A Leslie estava viva. Porra, essa era a melhor notícia de todas.
Como agente encarregado, ele não podia estar com a consciência
tranquila sabendo que seu amigo Clint tinha morrido na missão. E, segundo
o que Markus confidenciou à Leslie, Clint foi levado por uma mulher
encapuzada, uma ama.
Clint tinha morrido por asfixia. Será que essa dama misteriosa o havia
matado? Quem era ela?
– Meu Deus, Cleo. – Abraçou-a com tanta força que Cleo ficou rendida e
entregue entre seus braços. Completamente à mercê dele. – Les está viva!
Les está viva! – ele exclamou mais feliz.
– Sim. – Ela sorriu e o beijou no ombro, no pescoço e na bochecha. – Mas
ela deixou de fazer parte do Amos e Masmorras. Agora está trabalhando
para a SVR.
– Isso não importa. Ela está aqui, no torneio… E, querendo ou não,
estamos no mesmo barco. Os Vilões vão nos levar para a conclusão da
missão pelas duas frentes. – Pegou-a pelo rosto e aproximou a testa à dela.
– Você tem ideia do perigo que correu? Hoje você esteve com um dos caras
em contato direto com os Vilões. O que você faria se ele tivesse te
sequestrado, hein? – O medo endurecia a feição dele.
Ele tinha razão. Lion tinha uma parcela de razão, mas ser uma agente da
lei infiltrada tinha os seus riscos. Ela estava se arriscando por uma causa.
– É o meu trabalho, Lion – Cleo respondeu. – Mas eu fiz uma outra coisa –
Ela sorriu com orgulho.
– O quê?
– Quando Belikhov falou que Keon estaria no La Plancha del Mar para
entregar o popper, entrei em contato com a equipe de monitoramento.
Lion ficou paralisado ao ouvir aquilo e todo o seu corpo se endureceu.
Cleo podia ter ligado, ela dispunha de um meio de comunicação, no entanto,
ao invés de ligar para ele e acalmá-lo, agiu conforme quis. Como sempre.
– Você fez o quê? – ele perguntou sem vacilar.
– Ontem eu memorizei o número do Jimmy que estava no celular e liguei
pra eles, pedindo pra ficarem de olho no quadriciclo vermelho MGM no qual
o traficante ia aparecer. Seria o ilustre Keon… Eles tinham que tirar fotos da
entrega dos pacotes para que houvesse evidências do tráfico de
entorpecentes. Não deveriam interferir, para que tudo continuasse como
estava até então, seguindo assim até o final do torneio. Markus recomendou
que eu não te falasse nada porque precisávamos de absoluta normalidade
para continuar com a missão.
– Caralho, Cleo. – Lion cobriu os olhos com o antebraço e sacudiu a
cabeça – É impressionante. Você não podia ter ocultado essa informação de
mim. Não pode fazer o que te der na telha.
– Lion, eu não faço o que me dá na telha, eu faço o que eu devo fazer. O
nosso objetivo é descobrir onde será realizada a noite de Santa Valburga,
porque isso é uma espécie de segredo de Estado. Todos os Vilões estarão
nesse evento e vamos poder pegá-los com a boca na botija.
Ele continuou olhando estupefato para ela. Cleo o tinha surpreendido,
mas a audácia dela também poderia ter acarretado muitos problemas. O
que o deixava mais nervoso era que ela não havia pensado nele em nenhum
momento: nem como chefe, nem como parceiro.
– Você não vai me parabenizar, senhor? – ele perguntou convencida.
– Então, ao invés de me ligar, ligar pra mim que sou o seu chefe e que
coordeno todos os movimentos com a equipe de monitoramento, você ligou
diretamente para o Jimmy. – O tom não era de aprovação.
Cleo apertou os olhos verdes e olhou para ele de soslaio.
– Sim.
– Sim, Cleo? E em vez de entrar em contato comigo em seguida para falar
que está bem e me tranquilizar um pouco, você vai preparar a sua
performance com o Markus e com a Leslie… Pra que falar alguma coisa pra
ele? Ele que aguente mais algumas horas preocupado comigo. Era isso o
que você estava pensando, Cleo?
Ela se levantou para olhar melhor para ele, bem de cima. Os olhos azuis
de Lion davam sinais de tempestade.
Os seios brancos de Cleo apontavam para a frente e Lion tinha um ângulo
ótimo dali debaixo. Mas nem aquela vista maravilhosa ia desviá-lo do que
estava por vir.
– Não… Eu… eu não pensei isso em nenhum momento. Pensei em
avançar no caso… Em agilizar tudo. Você não achou a minha conduta
adequada, senhor?
– Não achei nada adequada – Lion confessou. – Posso te parabenizar pelo
seu trabalho, mas não por sua ousadia. Você não pode correr tantos riscos e
não pode se importar tão pouco com o quanto eu fiquei mal por isso. Uma
das minhas agentes me desobedeceu no torneio e foi parar nas mãos de um
outro amo que, até então, nós não sabíamos o quanto estava envolvido com
os Vilões. Você me deixa louco, Cleo.
– Foi tudo por uma boa causa! – ela exclamou. – Pelo menos eu fiz alguma
coisa útil; melhor do que você, que ficou aí dançando e vendo fotos no
celular…
Plau! Lion deu meia-volta e a colocou de cabeça para baixo no colo dele.
Cleo era fácil de carregar, ele adorava.
– Não coloque o meu trabalho em dúvida, agente – Lion grunhiu tirando
a parte de baixo do biquíni dela. – Quem você acha que é pra falar assim
comigo?
Ele aplicou uma sova de trinta tapas nas nádegas dela, um mais duro e
ardente que o outro, mas sem chegar a ser violento. Cleo apertou os dentes
e aguentou. Ela não podia se livrar do Lion. E não adiantava tentar escapar.
Se aquela disciplina inglesa o fizesse se aliviar do peso que ele alegava ter
sido causado por ela, Cleo aceitaria. Odiava vê-lo bravo ou chateado por
alguma coisa que ela mesma havia provocado. Não tinha sido sua intenção.
Mas aquele lampejo de amo em Lion a havia pegado de surpresa.
A jovem estava com as pernas tremendo. Ele não tinha feito sequer um
carinho e a pele dela já ardia e clamava por um trato mais suave.
E então Lion a levantou, nua como estava, e a afastou dele, com a bunda
vermelha como uma pimenta.
Cleo lançou um olhar para Lion, que continuava sentado na areia,
analisando inabalável sua reação ao receber os tapas e não ser acariciada
em seguida.
– Por quê…? Por que você fez isso comigo…? – ela perguntou furiosa e
também excitada. Junto ao despeito, junto a cada tapa, havia um anseio de
prosseguir e encontrar sua libertação.
– Por quê?! – Ele levantou em um salto com a barraca armada dentro da
sunga. – Por que, Cleo?! Porque você não tem consideração comigo! Era pra
mim que você tinha que ligar! Não pro Jimmy!
– Mas eu não fiz isso! E daí?!
– E daí?! Você não se dá conta, não é? Você não se importa comigo como
chefe; está sempre desobedecendo ordens diretas, ficando em perigo sem
necessidade… Eu sei que você está acostumada a tomar muitas decisões no
seu trabalho, mas aqui nós não somos os seus fantoches. Eu não sou seu
fantoche, você tem que seguir a porra do protocolo!
– Pra quê? O resultado foi o mesmo.
– Ah, não, pequena. – Lion sorriu sem vontade. – O resultado,
definitivamente, não foi o mesmo. Você quer que eu te mostre? Quer que eu
te mostre a diferença entre seguir as ordens e não as seguir?
Cleo apertou os dentes e explodiu.
– Quero! Eu não te entendo, Lion! Você devia estar orgulhoso de mim e
não ficar desse jeito! Me mostra o que teria acontecido se eu tivesse te
ligado ao invés de ter feito tudo como eu fiz! Eu estou pedindo! – desafiou,
corajosa.
Lion a pegou pelo pulso e a arrastou até a água, exatamente até a altura
que cobria os dois até a cintura.
– Você tem certeza de que quer saber? Porque para um amo, e para mim,
como Lion Romano, há uma diferença entre ser tratado bem e ser tratado
mal. E quando alguém me trata mal, eu posso fazer o mesmo. Posso agir da
mesma forma e não levar em conta as suas vontades.
Eles se aproximaram de algumas rochas solitárias que separavam o
ponto isolado do resto da praia e ele obrigou-a a apoiar as palmas das mãos
naquela pedra escura.
– Se segura, pequena. A maré vai subir.
Lion abaixou a sunga e grudou nas costas dela, proporcionando o calor
corporal que ele não transmitia com suas palavras.
Cleo também gostava desse Lion. O que se deixava levar pelas emoções e
pela vivacidade, esquecia completamente que ela era Cleo Connelly e que
eles se conheciam desde pequenos. Agora ele a olhava como uma mulher
que o deixava louco e a quem ele adorava castigar.
Ela mordeu o lábio inferior quando ele a tocou entre as pernas, sentindo
a umidade causada pelos tapas.
– Você está com medo? – ele perguntou com a voz rouca, continuando
com os carinhos.
– Você não me assusta.
– Está vendo? Você não tem noção do perigo. – Ele enfiou três dedos de
repente até o fundo.
Cleo ficou nas pontas dos pés e jogou a cabeça para trás para tomar ar
diante da sensação. Com a outra mão, Lion esfregava o clitóris dela ao
mesmo tempo em que seus dedos entravam e saíam, com um ritmo
pausado e certeiro. Eles tocavam o que tinha que tocar e se esfregavam no
que tinham que se esfregar.
Lion percebeu que ela estava cada vez mais dilatada e molhada, até que
decidiu enfiar um quarto dedo e, com o polegar que estava livre, roçar no
ânus dela.
– Lion… – ela sussurrou, cravando os dedos na pedra que ela estava
usando como apoio. Já estava no limite. – Por favor… Me faz gozar.
– Eu juro que você vai ver a diferença – ele assegurou, excitado. – Eu te
falei que os castigos não têm que ser alternados com orgasmos. Quando eu
fico bravo, fico bravo de verdade, Cleo.
Ele ficou mais de meia hora penetrando-a com os dedos e acariciando-a
entre as pernas. E quando a Cleo estava quase gozando, ele parava de
propósito…
– Não! Não, Lion! Por favor… – ela suplicou molhada de suor e da água do
mar. – Por favor…
– Nada de Lion pra você. Você não teve nenhuma consideração comigo e
eu já estou cansado. – Ele rodava os dedos e os abria dentro dela,
penetrando sua outra entrada com o grosso polegar. – Se você quiser, agora
mesmo, Lady Nala, eu poderia enfiar o quinto dedo e colocar a minha mão
inteira dentro de você. Com punho e tudo. Você quer isso? É bem
impressionante. Você quer?
Cleo abriu a boca para tomar ar. Ela queria tudo o que ele pudesse fazer
para libertá-la. Queria gozar. Precisava. Lion continuava agindo com as
mãos e não dava trégua. Não a deixava descansar: empurrava, estimulava e
quando ela estava quase lá… Começava tudo de novo.
– Vai, Lion. Faz o que você falou.
– Nada disso, Lady Nala. Você não dá as ordens por aqui. Não pretendo
fazer nada. – Sem vontade, tirou os quatro dedos de dentro dela e manteve
o polegar na parte de trás.
– Não… – Cleo protestou, cansada. Ele tinha que parar de torturá-la, pelo
amor de Deus.
– Vou fazer por trás. Você vai ser minha por aqui. Só minha. – Ele tirou o
dedo, que ainda estava dilatando a parte traseira dela, e o substituiu pela
enorme cabeça do seu pau.
– Não… – Ela arregalou os olhos. – Espera, não vai caber…
– Shh. Claro que vai. – Lion grudou nela de uma forma que nem a água
poderia correr entre seus corpos. Ele foi empurrando lentamente, mas sem
deixar de fazer força e separou bem as nádegas dela para olhar como
estava entrando naquele lugar secreto e cheio de pregas. – Relaxa.
– Não… eu não consigo… – ela choramingou colocando o rosto na rocha.
– Consegue sim, querida. – Ele a acariciou na parte da frente para que a
invasão fosse mais prazerosa. – Só incomoda no começo. Ai, caralho! – A
cabeça tinha entrado por completo. O anel de músculos duros havia o
engolido.
Cleo gritou e apertou as nádegas.
– Não, não… Assim não. – Lion abraçou a barriga dela com o braço livre e
com a outra mão continuou esquentando a vagina dela, brincando com o
clitóris inchado e com a entrada molhada graças aos dedos dele. – Você tem
que relaxar os músculos aqui de trás… Assim, pequena. Muito bem. Ontem
à noite a gente fez a mesma coisa. Já exercitamos essa zona.
– Mas o plug era menor! – ela protestou com um gemido. – O seu é
demais!
– Vai entrar, Cleo. Olha… – Ele colocou o quadril para a frente e sentiu
como, aos poucos, sua ereção ia desaparecendo até ficar completamente
dentro do ânus dela. – Até o talo, Cleo.
Ela estava arrepiada; seus joelhos tremiam e os cabelos vermelhos
escondiam seu rosto dos olhares do Lion.
Ele continuou dentro dela e beliscou seus mamilos, girando-os com força
entre os dedos. Ela sentiu uma pontada na vagina e também no ânus, como
se tudo estivesse conectado.
O amo começou a se mover de dentro para fora, mexendo o quadril,
colocando lá no fundo, para manter Cleo a ponto de se jogar naquele
precipício que a faria voar para muito longe. Mas ele não a deixava chegar
lá, e ela já estava chorando de impotência e pelo prazer que sentia.
Lion a tocava por todos os lados. Sua presença selvagem marcava cada
canto da alma dela como se ela fosse sua propriedade. E era. Ele não sabia
até que ponto ela o era. E ainda que o castigo a estivesse estimulando e
dando prazer, Cleo tinha entendido que havia diferenças entre machucá-lo
de verdade e apenas deixá-lo bravo.
Ele não estava bravo com a atitude: estava ferido. Dava para perceber em
suas provocações poderosas, seus grunhidos incisivos entre as reclamações
e broncas. Ela podia sentir nas mãos dele, que só tocavam nela para
castigar, e não para acalmar.
E, também, pelo pouco que ele falava com ela enquanto eles faziam
aquilo; ele sequer a olhava nos olhos.
Cleo não era nenhuma tagarela na hora do sexo; ao invés de falar,
preferia agir. Mas Lion sempre tinha explicado tudo e, no fundo, ele era
sempre doce e atencioso com ela.
Dessa vez não estava sendo assim. Ela sabia que estava sentindo prazer,
mas eram só dois corpos fornicando. E ela queria mais. Ela sempre queria
mais.
– Eu quero gozar, Lion. Estou quase lá já faz uma hora… – E estava
começando a se irritar. A água do mar e o tamanho do pau dele podiam ser
uma combinação ruim.
– Eu não me importo com o que você quer. Da mesma forma que você
não se importou com nada do que eu quis ou com o que eu te pedi. – O som
da água respingando neles era enlouquecedor. Ele a penetrou com mais
força e apertou o clitóris dela com os dedos. – Essa noite você não tem
saída, linda.
– Não… – Cleo soluçou. – Eu me importo sim com o que você quer.
– Não. Não é verdade. – Lion levantou a perna direita dela, dobrando seu
joelho e abrindo Cleo ainda mais para possuí-la melhor.
Nessa posição, ela sentia as investidas até no estômago e achava que ele
iria rasgá-la ao meio. Ela só se sustentava com a ajuda da rocha, porque
chegou um momento em que nem seu pé esquerdo tocava a areia.
– Ai, Nossa Senhora… – Apoiou-se completamente no corpo de Lion e o
deixou fazer o que quisesse com ela. Mais duas metidas daquelas e ela ia
gozar. Sentir aquela região do corpo tremendo por um orgasmo iminente
era algo incrível. O ser humano tinha uma educação sexual patética e Lion
estava mostrando para ela como havia sido ignorante a vida toda. – Não
para… Por favor, por favor… Não para, Lion…
Lion não estava aguentando mais. Ele também não ia gozar, mesmo que
pudesse, como amo, porque Cleo merecia isso. Mas ele não podia. Ele não a
deixaria assim, depois de ficar tanto tempo a possuí-la.
Antes que os dois gozassem juntos, ele tirou o pau de dentro dela e
apertou a base com força para não ejacular.
Cleo caiu desmaiada sobre a rocha, apoiando as mãos, os seios e a
bochecha nela, com a respiração ofegante. Descontrolada e brava porque,
afinal Lion havia cumprido sua promessa.
Ela olhou para ele por cima do ombro e notou que ele continuava
parcialmente iluminado pela noite, com seu esplêndido corpo inchado e
marcado pelo esforço e, mesmo com a ereção entre as mãos, ele não
conseguia escondê-la.
Ela não sabia se tinha merecido ou não esse castigo. Em certa medida, ela
sabia que sim. Ter consciência disso fez com que se sentisse melhor. Ela
queria o contato de Lion, que ele tocasse nela e a fizesse voar como
conseguiu em cada uma das vezes que eles tinham começado algo mais
intenso. Nunca, jamais, ele a tinha deixado naquele estado: abandonada,
sozinha, dolorida e vazia.
Cleo se deixou cair na água, afundando por completo. Quando ela
emergiu de novo, ficou com os cabelos vermelhos para trás, como uma
cortina que cobria suas costas. Seus olhos verdes não expressavam nada
além de um leve desconforto e muita frustração.
Nem ódio, nem raiva, nem simpatia, nem carinho, nem desdém. Nada.
– Essa é a diferença, Cleo. Isso é um castigo de verdade: o castigo sexual
de um amo bravo com a parceira. Dor-prazer sem orgasmo. Você não o
mereceu.
– Então… vou tentar não te deixar bravo da próxima vez, senhor – ela
sussurrou sem reverência alguma. Como ele não respondeu, Cleo engoliu
saliva e deu de ombros. Sem falar mais nada, passando ao lado dele com
seu corpo mole, chegou até a orla e colocou o biquíni de novo para voltar
para o mar. Lion continuava escondendo o ouro, com as mãos ao redor do
pau. – Está se sentindo melhor agora? – ela perguntou, olhando de canto de
olho e mergulhando de cabeça para nadar e fugir dele.
Lion mergulhou no mar da própria desgraça e gritou debaixo d’água.
Gritou de impotência e para deter sua fúria.
Cleo tinha feito um belíssimo trabalho, ele reconhecia; mas ela havia se
arriscado demais. E para Lion, ela era muitíssimo mais importante do que a
porra do caso.
Esse era o motivo de tanta perseguição.
O mar se transformou em remédio para as feridas. Remédio para as
feridas dos dois.
Com potentes braçadas, ele seguiu Cleo.
Tinham que voltar ao hotel e contar para Nick tudo o que havia
acontecido.
12
Lion já estava havia uma hora com os olhos abertos quando o despertador
do torneio começou a tocar. Ele não tinha dormido nada durante a noite.
Cleo e ele não tinham conversado desde o acontecido na praia deserta, e ela
havia feito de tudo para se esquivar dele. Quando eles chegaram, ela entrou
no chuveiro para tirar a água do mar, se secou e foi dormir com o cabelo
molhado.
– Seca o cabelo antes de deitar senão você vai ficar resfriada – ele tinha
aconselhado.
– Se você voltar a dirigir a palavra pra mim ou a me dar uma ordem eu
vou enfiar essa sua língua no seu rabo.
Incorrigível. Ela era incorrigível. Como podia falar assim com ele depois
do que havia acontecido na praia deserta? Fácil: porque Cleo não tinha
medo dele. E Lion ficava feliz e eufórico com isso.
Algumas relações entre amos e submissas limitavam muito a
espontaneidade e a liberdade da submissa, que acabava se privando de
muitas coisas para não desagradar o amo e não o deixar insatisfeito.
Cleo não agia assim porque Lion também não era um desses amos. Ele
gostava de dar ordens e de dominar na cama. Fora dela, ele era um amigo,
um companheiro, uma pessoa prestativa e com quem se podia brincar. Ou,
pelo menos, ele pretendia ser assim. Mas entre quatro paredes, ele era o rei
e o soberano, e Cleo era a escrava dele.
A frustração de não gozar era difícil de relevar. No entanto, ele sabia que
para sua companheira era pior ter suas atitudes censuradas do que ter sido
abandonada com todo aquele fogo. Mas ele não podia se preocupar tanto
com ela. Precisava continuar com a missão.
Como Deus ajuda quem cedo madruga, Lion tinha aproveitado o tempo.
Ele saiu do hotel e combinou com Jimmy de se encontrarem na praia do
resort.
Antes, tinha ligado para Jimmy de dentro do banheiro e pedido para que
ele checasse todos os números de telefone que estavam no celular da
Claudia.
Lion estava surpreso com o fato de a Mistress Pain ter recebido
chamadas ocultas tão recentemente. Ele esperava que a equipe de
monitoramento pudesse investigar as ligações e descobrir de onde tinham
vindo. Além disso, outros dois números de celular se repetiam no histórico,
e Jimmy também poderia rastreá-los.
Mas ele queria encontrar, principalmente, o suposto infiltrado que tinha
feito a montagem com Cleo e Markus. Qual era o objetivo daquilo? E por
quê?
Ele foi dar um mergulho e deixou o celular da Claudia em cima da sua
toalha junto a um pequeno pote, no qual havia a amostra de urina dele da
noite anterior, para que Jimmy, disfarçado de gari, passasse por ali e
levasse tudo.
Amanheceu nublado, e o tempo ameaçava uma daquelas tempestades
tropicais que, às vezes, atingia as Ilhas Virgens. Lion achou ótimo, porque o
sol dos últimos dias estava de matar.
Depois de meia hora, quando voltou da sua sessão de natação marinha, o
telefone da Claudia já estava de volta em cima da toalha.
Depois disso, ele voltou para a área de lazer do resort e deixou o
Samsung da Mistress Pain na recepção. Claro que a Claudia iria perceber
naquela manhã que o celular dela não estava na bolsa, e a primeira coisa
que ela iria fazer seria perguntar na recepção se alguém não o havia
encontrado.
Em seguida, Lion pediu para que levassem o café da manhã no quarto.
Eles já tinham levado, e ele preparou tudo para que comessem juntos na
enorme varanda privativa que eles dispunham na suíte.
Ele admirou o doce rosto da Cleo enquanto ela dormia. Aquela mulher era,
na verdade, uma mistura de bruxa e fada. Seu cabelo ruivo repousava como
um manto de seda sobre o travesseiro, e seus lábios, rosados e esponjosos,
faziam doces movimentos inconsistentes. Ela havia dormido com um outro
travesseiro entre as pernas, abraçando-o, para receber um pouco de calor,
o que Lion havia recusado para ela há algumas horas.
Ela também não tinha conseguido dormir muito. Ele a ouviu gemendo e
rolando durante a noite. E suando… suando como se aquela suíte fosse o
próprio inferno.
– Você quer água, Cleo? – ele tinha perguntado solícito, tirando os
cabelos úmidos do rosto dela.
– Eu quero que você me deixe em paz – foi o que ela respondeu.
Como amo, ele não tinha problemas em lidar com aquele mau humor. Um
amo tinha que castigar quando a submissa não se comportava bem e o
desafiava. No entanto, ele não tinha gostado de castigar Cleo daquela forma,
porque ele sempre queria ir até o final com ela; ele adorava quando faziam
amor e gozavam juntos. E, naquela noite, nenhum dos dois tinha chegado a
lugar nenhum. Ele também estava com os testículos doendo.
Ainda assim, a ausência da Cleo o tinha deixado muito irritado, porque
ele não entendia como podia ter pensado tanto nela e, em contrapartida,
ela mal tinha pensado nele.
Deu mais uma olhada nas imagens que chegavam via satélite no celular,
provenientes das pequenas câmeras que a equipe de monitoramento tinha
espalhado por todas as Ilhas Virgens. Como era tudo em tempo real, ele
podia ver as embarcações que estavam chegando e saindo nos portos… Até
então, não tinham percebido nenhum tipo de movimentação estranha.
Chegavam cruzeiros, iates particulares e, claro, as balsas das ilhas. Mas
tudo o que desembarcava ali era vigiado e, até o momento, nenhum sinal de
alerta.
Com o canto do olho, ele percebeu que Cleo tinha se levantado, olhado
para ele e, sem dar bom-dia, ido direto para o banheiro.
Lion sorriu com o olhar fixo no celular e esperou que ela saísse para lhe
falar.
ANNABERG, ANTÍGUA
TERRITÓRIO DOS ORCS E DA RAINHA DAS ARANHAS
O que o Markus tinha dito para Lion no dia anterior, quando usaram a carta
de pergunta para o Amo do Calabouço, foi que o cofre estava entre os doces
restos de Annaberg. Lion fez uma pesquisa sobre algo relacionado a
Annaberg e doces restos nas Ilhas Virgens, e tinha matado a charada.
Eles foram de quadriciclo até as ruínas da plantação de açúcar – dali que
vinham os “doces restos” – de Annaberg, em Antígua. Annaberg queria
dizer “a Montanha da Anna”. O caminho até o lugar onde estavam os baús
era sinuoso e cheio de belezas tropicais. As ruínas continuavam em pé e os
moinhos de vento evocavam lembranças do que já tinham sido um dia.
Annaberg havia sido uma plantação grande onde escravos trabalharam,
tanto homens quanto mulheres e crianças, inclusive quando estavam
doentes. Um lugar de escravidão, de trabalhos forçados, que enriqueciam a
ilha graças à produção de cana de açúcar.
Cleo e Lion caminharam pela imensa plantação até chegar ao edifício
que, sem teto e nem portas, se mantinha como o que antigamente fora uma
fábrica de açúcar. Naquilo que supostamente era a entrada estava hasteada,
ondulada pelo vento, a bandeira vermelha com um dragão dourado do
torneio. Aos pés dela estava o mesmo cara que protegeu os baús nas
rodadas anteriores, sentado na tampa de um grande baú, entediado,
olhando para a ponta dos pés.
– Vamos. – Lion pegou na mão de Cleo e a puxou.
Eles não tinham falado quase nada durante o trajeto. Cleo já estava livre
dos efeitos do rum depois de beber água e encher a barriga de comida, mas
ela não estava com muita vontade de conversar.
O rapaz dos piercings ficou surpreso ao vê-los chegar tão rápido e, com
um salto, desceu do baú.
– Vocês chegaram bem cedo – ele comunicou.
Cleo e Lion concordaram e abriram o baú sem pronunciar uma palavra.
Cleo escolheu o baú de que gostou mais e, ao abri-lo, deu de cara com a
terceira e definitiva chave, que os classificava para a final na noite seguinte,
além da carta monstro dos Orcs, mais cinquenta pontos na soma de
personagens e uma carta Oráculo.
– Conseguimos – Cleo falou, pegando a chave e sorrindo para Lion.
Ele a abraçou tirando-a do chão, mas ela não correspondeu. Ela se deixou
ser levantada; no entanto, não rodeou o pescoço dele com os braços ou o
beijou, que era o desejo de Lion.
Eles não estavam bem.
Lion a observou com orgulho, mesmo sabendo que tinham um assunto
pendente. Cleo podia acreditar que ele não sentia nada por ela, mas ele
precisava fazê-la acreditar nisso enquanto eles estivessem metidos naquela
missão sórdida. Depois, ele reivindicaria tudo o que ela tivesse para
oferecer.
– Vocês têm que ir para a ruína do rum. O Amo, os Orcs e a Rainha das
Aranhas estão esperando por vocês. É só seguir as bandeiras do torneio. –
Ele apontou para as insígnias cravadas na mata verde, que desenhavam um
caminho que desaparecia atrás de uma nova ruína.
– Maldição, o que esses caras têm com o rum? – Cleo perguntou.
– Não sei – Lion murmurou com o rosto sombrio. – Mas o Caribe e o rum
estão intimamente ligados. Em plantações de açúcar grandes como essa,
usava-se os restos da cana de açúcar e aproveitavam o gotejo de caldo e o
melaço para deixar tudo em uma cisterna para a fermentação. Depois de
ferver e usar o vapor que saía de lá, eles produziam o rum.
– Obrigada pela informação, senhor. – Ela revirou os olhos.
– De nada, escrava. Eles estão fechados para visita desde ontem – Lion
observou analisando os arredores. – Os Vilões tiveram que pagar muito por
isso… A região inteira está reservada para o torneio.
Entraram no que restava da antiga destilaria de rum. E, de novo, ficaram
surpresos com o que tinha sido construído ali dentro.
Dragões e Masmorras DS não economizava em nada. Eles dispunham do
bom, do melhor e do mais espetacular para os seus participantes.
13
Lion deu um passo para trás e sentiu calafrios por todo o corpo ao perceber
que seu ex-amigo estava disposto a se vingar por algo que ele não havia
feito. Ele ia descontar na Cleo. O desgraçado ia jogar com eles, e Lion não ia
permitir. Cleo não tinha motivo para passar por aquilo.
Ele ficaria destruído ao saber que Prince tinha tocado a Cleo daquela
maneira.
Lion não dividia. Não dividia e ponto final.
– Que merda é essa? – Lion perguntou, tenso, enfrentando Prince. – Não
faça isso, cara.
O moreno de cabelos longos, que parecia um espartano de merda,
começou a rir.
– Você está achando o quê, King? Os Vilões deram a ordem e nós somos
os monstros deles. Isso é um jogo e vocês têm que obedecê--los. Um Amo
Orc, ou seja, eu, além de uma Ama cria da Rainha das Aranhas vamos nos
reunir com King e Nala nas masmorras. Essas são as diretrizes, e por isso
eu estou aqui. – Deu de ombros e olhou para Cleo. – Oi, linda. Você veio se
divertir?
– Você não vai encostar nela! – Lion gritou com voz letal.
– Então vou comunicar aos Vilões que vocês serão eliminados do torneio.
– Não! – exclamou Cleo. – Vamos fazer o que for necessário, Prince – Cleo
garantiu, fingindo uma tranquilidade que não sentia. Ela estava
aterrorizada.
– Sabe o que nós vamos fazer, bonita? – Prince perguntou se
aproximando dela. – Você vai ficar tão cheia que não vai nem conseguir se
mexer. Hoje é dia de DP. Enquanto eu te pego por trás, Sara – ele falou, e
apontou para a ama que estava com eles – vai bater em vocês e dar
pequenos choques elétricos com o acendedor. E eu tenho que fazer vocês
dois gozarem em quinze minutos.
Cleo abriu os olhos e engoliu saliva. Dupla penetração. Choques
elétricos? Aquilo era uma tortura chinesa… Ela não queria sentir outro
homem dentro dela, já bastava o Lion. Só ele. E mesmo que ele não a
quisesse, ela estava apaixonada demais para aceitar outro homem tocando
sua pele enquanto ela entregava seu corpo ao leão.
Lion pegou Cleo pelos ombros e a virou para ele. Não queria continuar
escutando Prince.
– Lady Nala. – Ele apertou os dentes. Suas palavras pareciam conceder a
decisão final para a parceira, mas seus olhos desolados e sua agonia
deixavam claro que queria acabar com tudo ali mesmo. – Você tem certeza
de que quer continuar comigo? Quer que o Prince jogue com a gente? Eu
não quero que você faça isso, por isso eu imploro, Nala – ele falou com uma
voz de súplica, com o semblante paralisado –, me diz que não. Usa a
codeword e acaba com isso agora. Eu imploro…
Prince começou a dar gargalhadas.
– Isso é sério, cara? Um amo implorando para a submissa? Você é
patético.
– Cala a boca, seu babaca filho da puta! Sua estupidez vai foder com tudo!
– Lion encarou Prince; queria dar um soco nele. Os dois eram altos da
mesma forma e quase roçavam nariz com nariz. Mas Cleo se meteu entre os
dois.
– Chega!
– Eu vou te desafiar, Prince! Vou propor um maldito duelo de cavalheiros
com você!
– Não ouse, idiota – respondeu o outro atrevido.
– Eu vou continuar, King – Cleo assegurou olhando diretamente para ele.
Essa declaração fez Lion parar de repente.
– Você não está falando sério.
Cleo fez um sinal de afirmativo, com as pupilas um pouco dilatadas pela
tensão que estava acumulando e, principalmente, pelo medo de fazer algo
que, em outros tempos, ela acharia pervertido e obsceno. Mas ia fazer e
ponto final.
– Estou sim, King. Eu já fiz isso outras vezes, sabia? Não sou nenhuma
novata – murmurou para mostrar tanto a Prince, a quem ela não podia
enganar, quanto à aranhinha morena com o cabelo preso e os olhos cor de
avelã, para quem ela podia mentir, sobre não ter medo de nada e e ser Lady
Nala, a mesma que tinha colocado um anel peniano em Lion na primeira
rodada e que o tinha dominado. Uma dupla penetração era só sexo. Nada de
mais. Ela só teria o amor da sua vida entre as pernas e seu pior inimigo nas
costas. Com uma expressão cheia de atitude ela se dirigiu a Prince e falou: –
Prossiga.
Os olhos de Lion ardiam em chamas de raiva e impotência. Cleo ia acabar
com ele.
– E era verdade o que você me disse de manhã na varanda? – ele
perguntou incrédulo e decepcionado.
– Sim, era – ela respondeu arrependida.
– Vamos, Sara – Prince ordenou, tenso.
A morena se aproximou de Lion e colocou nele uma máscara que cobria a
cabeça inteira. Ele ficou impossibilitado de ver e ouvir. Só conseguia
respirar e falar caso alguém lhe abrisse o zíper na região da boca.
Lion ficou grato pela máscara porque não queria ver nada daquilo e nem
ouvir qualquer ruído desagradável. O que os olhos não viam, o coração não
sentia. Mesmo que ele tivesse certeza de que ia sentir coisas… Ia sentir
demais e aquela fada ia queimá-lo.
– E eu? – Cleo perguntou a Prince.
O olhar obscuro do Príncipe a espiou com simpatia e compaixão.
– Coloca as mãos nas costas, Nala – mandou em um tom inexpressivo.
– Sim.
– Sim, o quê?
– Sim, Prince. Não vou te chamar de senhor. Eu não pertenço a você e
nunca vou pertencer – Cleo pronunciou com gosto e raiva. Prince queria
machucar Lion, e com certeza aquela era uma ótima maneira. A julgar pelo
senso de responsabilidade do agente Romano, Cleo ter que se submeter de
um modo que nunca fizera antes na vida o faria desmoronar por dentro.
– Isso é um não definitivo para a minha proposta? – ele franziu uma
sobrancelha preta.
– É – Cleo esclareceu.
Prince lhe amarrou os pulsos com correias de couro vermelhas e depois
prendeu a corrente que vinha da coleira na junta das algemas. Ela estava
imobilizada.
Enquanto a tal da Sara ajudava Lion, privado sensorialmente, a se esticar
na mesa de metal, Prince pegou um pote vermelho de lubrificante que
estava no chão.
– Pode virar.
Cleo obedeceu. E justo quando Prince usou as mãos enormes para
começar a lhe abrir o short preto, a porta da masmorra se abriu e apareceu
a última mulher que ela esperava ver naquele maldito jogo macabro e
desafiador.
Sharon, a Rainha das Aranhas.
A suíte do Westin Saint John não seria tão aconchegante se Lion não
estivesse ali com ela. Quando chegaram, ele foi direto para o chuveiro. Cleo
pensou que ele ia convidá-la para tomar banho com ele, mas o agente
queria privacidade.
Depois, quando foi a vez dela ir para o chuveiro, Lion aproveitou para se
mandar. Assim, sem mais nem menos.
No trajeto de volta para o hotel, Lion tinha permanecido completamente
em silêncio, com o rosto alterado e impassível. Choroso.
E ela também não havia encontrado palavras. O ménage tinha arrasado
os dois como um incêndio, como se eles fossem um maldito campo verde de
onde não tinha sido possível salvar nem um fiapo de grama diante do fogo
arrasador.
Ficaram mudos. Foram surpresas demais: achar que Prince tinha
possuído Cleo para, depois, descobrir que na verdade tinha sido a Sharon;
escutar os gemidos de Lion, lamuriante, e notar a tensão no corpo dele
debaixo dela. Tensão por fazer justamente o que ele não queria. A briga
entre os três amos e as declarações… Tudo junto tinha sido explosivo
demais.
O torneio estava acabando com eles. Estava deixando-os em um
constante estado de nervosismo, fazendo-os viver emoções fortes demais.
A vantagem era que eles já estavam classificados e no dia seguinte
poderiam preparar tudo para seguir os movimentos dos Vilões durante a
final. Descobririam quem eram e, com a ajuda do Markus e da Leslie, como
era o esquema das submissas e do tráfico de pessoas. A equipe de
monitoramento provavelmente já teria localizado Keon, o fornecedor do
popper. Aos poucos, eles encontravam as respostas e a conclusão do caso
começava a tomar forma.
Mas os sentimentos de Lion e Cleo tinham sido prejudicados, expostos e
pisoteados.
Por isso, Lion não tinha olhado nos olhos dela desde que eles chegaram
no hotel. Por esse motivo, ele tinha tomado um banho e ido embora: não
aguentava estar no mesmo quarto que ela.
E a verdade era que ela não sabia como falar com ele depois do
acontecido na masmorra e da ocorrência com Prince e Sharon.
Como ela deveria falar? O que ela deveria perguntar? Sharon havia dito a
verdade? O que o Lion realmente sentia por ela? Naquela manhã tinha
ficado claro que Lion não sentia nada, ou ao menos não o amor cego que ela
professava.
A Rainha das Aranhas, porém, jogou o contrário em sua cara; pelo tom
que ela havia falado tudo, deu a entender que o agente Romano nutria, sim,
sentimentos por ela. Algo mais… que ela não sabia o que era…
Mas algo mais.
E, depois, tinha vindo a resposta convincente e inflexível que ele havia
dado para o Príncipe das Trevas: “Deixa a minha mulher… E deixa a sua
tranquila de uma vez por todas”.
Meu Deus… Ele a estava tratando como mulher dele? Cleo afundou o
rosto entre os joelhos. Estava na varanda, imersa na jacuzzi de madeira. Ela
queria se sentir limpa por fora e por dentro.
E queria lutar por Lion. Ela precisava que ele falasse com ela e que
explicasse tudo o que ela não estava entendendo.
Sobre ele. Sobre ela. Sobre os dois.
Um homem não choraria se o seu amor-próprio e o seu coração não
estivessem envolvidos na situação.
Lion tinha chorado como uma criança. Tinha chorado durante o ménage
e até mesmo depois. Aquilo queria dizer alguma coisa. E ela estava disposta
a colocá-lo contra a parede de uma vez por todas. Ela faria isso quando ele
voltasse de onde quer que tivesse ido.
Ele precisava se concentrar. Precisava falar com alguém que não estivesse
emocionalmente envolvido com ele. No maldito torneio estava envolvido
com a Cleo, com Sharon e Prince, com a Leslie e com o Nick, e também com
a morte do seu melhor amigo, Clint. Ele não aguentava mais.
Cleo queria destruí-lo. Não havia outra explicação para tamanha valentia
e impetuosidade daquela mulher na hora de desafiá-lo, ainda por cima
fazendo tudo o que ele proibia. E mesmo assim, mesmo que aquilo o
machucasse, mesmo que provocasse uma úlcera nele, ele ainda a admirava.
Cleo sempre seria Cleo. Nunca se deixaria ser pisada por ninguém. E ele
precisava de alguém assim do seu lado. Quando a colocaram no caso, ele
não sabia como ela iria encarar sua superioridade e suas ordens. Lion sabia
o quanto poderia ser duro e inflexível.
Ele sabia que Cleo também percebia as diferenças. Na cama, ela sabia ser
submissa e, ao mesmo tempo, provocante; fora dela, a condenada não
aceitava nenhuma ordem. Sinal de que ela não estendia sua submissão
àquele âmbito, e isso o agradava. Porque ele estava apaixonado por Cleo,
pelas coisas boas dela e pelas coisas não tão boas. Ele gostava dela do jeito
como era, pelo jeito que ela brigava e pelo pouco que camuflava seus
sentimentos, ao contrário dele. Naquela manhã, ela havia dito o que ele
queria ouvir, assim, sem mais nem menos. E Lion tinha sido o homem mais
feliz e mais assustado do mundo ao escutar aquilo. Ele, que tinha tentado
dominar suas emoções e as loucas batidas de seu coração; ele, que achava
que estava com tudo sob controle. Ele tinha sido derrotado por duas
palavras: “Te amo”. Que diferença faria se ele estava ou não no torneio? O
que importava se era ou não um bom momento para eles?
A única coisa que ele deveria deixar claro para Cleo era que se ela
gostasse mesmo dele, teria que respeitar suas decisões. Ela saberia o que o
machucava e em troca ele exigiria saber o que é que a machucava; porque
ele não queria fazer mal algum para ela, ele não queria que a garota
passasse pelo maldito tormento que ele tinha vivido na masmorra da
plantação de açúcar. Annaberg ficaria sempre na memória como seu
inferno particular.
Estava em Bay Cruz. Olhou ao seu redor para checar que ninguém o
observava, e entrou em uma das duas Kombis amarelas Volkswagen, onde
estava toda a equipe de monitoramento trabalhando, disfarçados e
caracterizados como surfistas.
Quando ele entrou, um silêncio se instaurou. A equipe de monitoramento
via tudo o que a câmera de Cleo gravava e, pelo que era transmitido pelas
expressões nos rostos deles, tinham presenciado o acontecido na
masmorra. Ele achou ótimo que os três agentes não tirassem os olhos dos
computadores, exceto Jimmy, que foi até ele e ofereceu-lhe a mão.
– Agente Romano. – Jimmy olhou-o de frente, com seus dreads loiros e a
barba malfeita.
– O que nós temos? – Ele preferia ir direto ao assunto.
– Seguimos o rastro do Keon e estamos na cola dele. Ontem à noite,
depois de fazer a entrega no La Plancha del Mar, ele deixou o quadriciclo no
complexo residencial de Calabash Boom. Temos alguns agentes seguindo os
passos dele e o controlando. Ele está em um edifício de dois andares com
quatro vizinhos.
– Não é a casa dele – Lion afirmou. Um narcotraficante que desenvolvia
drogas ganhava milhões de dólares por mês não ia morar em um lugar
assim…
– Não, claro que não. É o laboratório, e os vizinhos trabalham pra ele.
– Bom, amanhã ele vai fazer a última entrega. – Lion deu uma olhada nos
monitores. Todos exibiam imagens das ilhas, portos e cabos. – Ninguém
sabe onde vai ser a final do torneio. Mas podemos nos adiantar se
descobrirmos onde e para quem Keon vai entregar o último pacote.
– Sim, senhor.
– O que mais? Você analisou a minha urina? O que descobriu sobre o que
colocaram na bebida?
– É um híbrido líquido de ecstasy e popper. Aumenta muito a libido e
mexe com a percepção dos usuários; dá uma sensação falsa de atração e
aguça o desejo sexual. Eles podem ter colocado nas pedras de gelo ou
diretamente no rum. É indispensável consumir essa droga em bom estado,
e poucas horas depois da fabricação.
– Sensação falsa de atração? – Lion perguntou. Se a droga fazia mesmo
tudo isso, poderia ser que a Cleo não tenha dito o que queria de verdade…
Porra! Ele estava ficando louco!
– Sim. É uma loucura, senhor. – Ele colocou a mão na têmpora. – A droga
pode fazer você acreditar que está loucamente apaixonado, mesmo que por
um elefante, e faz o usuário querer partir para o sexo. Ideal para que as
submissas se mostrem apaixonadas diante de seus amos.
– Obrigado pelo exemplo. – Sua voz estava cheia de sarcasmo.
– De nada, senhor. Nós separamos o popper do ecstasy e nos demos conta
de que o primeiro contém pequenas modificações. Incluíram uma droga
anestésica. É uma molécula chamada URB937 que inibe a anandamida.
– Interessante. O objetivo é que elas aguentem.
– Sim, senhor.
– O que você encontrou no celular da Claudia?
Jimmy exibiu um sorriso meio de lado e ofereceu a cadeira livre perto do
computador dele.
– Coisas muito interessantes, senhor.
– Pode explicar. – Lion sentou. Seria todo ouvidos.
Jimmy passou as mãos com nervosismo pelos dreads.
– Bom. Fizemos uma cópia do chip e agora teremos todas as informações
de quem tentar entrar em contato com ela. Rastreamos com um programa
espião GPS o celular do qual saiu aquela montagem. A pessoa que enviou a
foto está aqui em Westin Saint John. Mas nós não temos a localização exata.
– Ou seja, o fotógrafo pode ser um participante do torneio. – Um traidor.
E se fosse o próprio Sombra? Por que fariam isso com eles? Será que
suspeitavam de alguma coisa?
– Sim. Sem dúvida. Eles fizeram pra provocar vocês.
– Não tem nenhuma forma de conseguir a localização exata desse
celular? Se eu encontrasse o dono, poderia interrogá-lo ou até tirá-lo do
jogo.
– Não é muito arriscado?
Se era arriscado ou não, não importava. Situações extremas exigiam
medidas extremas.
– Eu quero saber por que fizeram essa montagem e quem ordenou a
fabricação dela.
– Sim, Senhor. Talvez o Mitch possa ajudar. O que você acha, Mitch?
Mitch era um dos especialistas em informática e em nanotecnologia da
missão. Estava sentado no fundo da Kombi, concentrado em um pequeno
chip. Usava óculos, tinha o cabelo bem preto e arrepiado, e vestia uma
bermuda e uma camiseta havaiana.
– Mitch?! – Jimmy repetiu.
– Sim, claro – ele respondeu sem tirar os olhos do chip. – Trouxe o
celular, senhor?
Lion tirou o aparelho do bolso traseiro da calça e entregou para ele.
– Está aqui.
– Me dá uma hora e eu te devolvo.
Lion olhou para o relógio. Sim. Podia dar uma hora.
– Eu e a Cleo não vamos participar hoje do jantar do torneio – ele
explicou. – Vai ser na praia. E vamos ter… coisas pra resolver amanhã. –
Coisas como deixar claro o que havia entre eles antes da etapa final. – Mas
se a gente for, vai ser só pra encontrar esse maldito infiltrado.
– Compreendo, senhor. Mas tem mais uma coisa. O senhor me pediu pra
checar todas as chamadas efetuadas e recebidas da Claudia. Obviamente há
ligações de todas as partes, desde Washington e Chicago até Nova York…
– Ela é uma ama switch muito popular. Conheço ela há muito tempo, mas
já não confio mais em ninguém.
– O telefone dela tinha pouquíssimos números salvos na agenda. Não é
um celular pessoal. No entanto, durante esses dias ela recebeu várias
ligações de um número oculto. Estamos com dificuldade para rastreá-lo,
possivelmente porque é um telefone fixo. Eles usam algum programa
especial para que a gente não possa ligar de volta e nem descobrir, através
do satélite, de onde vieram as chamadas. No entanto, até agora, pelo
perímetro que conseguimos delimitar, essas chamadas vêm do estado da
Luisiana, mas não sabemos de que ponto exatamente.
Luisiana? O que Claudia tinha a ver com Luisiana? Que estranho.
– Em algumas horas teremos a localização exata.
– Ótimo, Jimmy. Mais alguma coisa?
– Por enquanto mais nada, senhor.
– Bom. – Lion levantou-se, decidido. Suas suspeitas estavam deixando de
se esconder e apresentavam uma silhueta. Ele tinha que seguir com cautela.
– Amanhã será o grande dia. Os Vilões não vão fazer nada no torneio, isso
está claro. Certamente estarão na final para jogar com os amos
protagonistas finalistas e desempenhar os papéis deles. Depois vem a festa
secreta. Eles vão levar as submissas que estão sendo preparadas para a
noite de Santa Valburga e aproveitar a própria festa. Finalmente, vamos
descobrir o que fazem com elas e quem são os envolvidos. – Coçou a nuca
com insistência. – Seja como for, temos que segui-los. Fiquem atentos aos
próximos movimentos do Keon. Se eles pretendem usar de novo essa droga
melhorada, pode ser que ele faça uma entrega horas antes da tal festa
secreta de Santa Valburga; assim podemos descobrir onde os Vilões estão.
Sabemos que a organização vai nos levar amanhã para a ilha de Saint Croix.
Vamos nos hospedar lá e a última rodada do torneio vai acontecer. Prestem
atenção especial nessa região e em qualquer movimento estranho. Fiquem
de olho nas balsas e verifiquem as identidades de todos os turistas.
– Vamos ficar atentos, senhor, com certeza.
– Eu sei, Jimmy. – Lion apertou a mão dele e tirou uma cerveja da
geladeira que havia na Kombi. – Vocês estão fazendo um bom trabalho,
rapazes. – Ele os cumprimentou e saiu do Volkswagen. – Volto daqui a
pouco para pegar o celular.
Ele ia andar, tentar relaxar e pensar, tinha muita coisa para resolver.
Com ele mesmo e com sua mulher.
Os momentos decisivos estavam se aproximando.
Leslie entraria na noite de Santa Valburga como membro da SVR no papel
de submissa. Cleo e Lion também estariam lá, como membros do FBI.
Mas a pergunta era: como?
Seus olhos verdes estavam lendo um convite individual para estar em uma
reunião particular com os Vilões naquela mesma noite. Um dia antes da
final. Dentro do envelope estava a carta do torneio, com o distintivo do
Dragões e Masmorras DS, um desenho dos Vilões e a frase: “Os Vilões
solicitam sua presença depois do jantar da organização. Pedimos discrição”.
Uma limusine a esperaria na recepção do resort, às nove, para levá-la ao
local.
Cleo não conseguia acreditar. Estava ali: a entrada ao alcance das mãos
dela. Poder entrar ou não entrar.
Sozinha.
Sem Lion. Sem o agente encarregado. Outra vez.
Lion ainda não tinha chegado, mas ela já estava arrumada. O jantar seria
na praia do hotel. Um evento exclusivo para os membros do torneio. O local
já estava todo decorado com tochas. A lua começava a aparecer entre as
nuvens e já não estava mais chovendo.
O torneio organizara um luau inspirado no Havaí. Ela usava um lindo
vestido com saia leve e preta com corpete. Calçou uma sandália gladiadora
com tiras lisas, para caminhar na areia; o cabelo solto e meio bagunçado lhe
dava um ar de mulher fatal e a maquiagem escondia o medo e a vergonha.
Junto a ela ia a inseparável coleira de submissa.
Ela fez um carinho na peça de quebra-cabeça tatuada no interior de seu
pulso.
Não sabia dele, que não ligava para avisar se já estava voltando ou não.
Pareciam casados, mas não eram.
Ela havia aproveitado o tempo sozinha para refletir sobre todas as
decisões erradas tomadas durante o torneio.
Tinha a aprovação do Montgomery para estar onde estava. Talvez ela
tivesse entrado de um modo fortuito e muito agressivo, e talvez Lion não a
quisesse ali. Ela havia, contudo, garantido seu direito de participar. Podia
ser que suas atitudes beligerantes e ações inconscientes não tivessem sido
completamente acertadas, mas renderam frutos. Ela recebeu informação. E
era isso o que importava.
Por que negar-se a jogar no torneio se, como agente infiltrada, era isso
que ela deveria fazer? Por que ela ia ficar para trás nas provas se não
queria dar o braço a torcer? Queria chegar à final, por ela e por todos os
submissos e submissas que os Vilões mantinham em seu poder, de forma
ilegal. Mas o desejo dela ia de encontro ao do Lion.
Se dependesse dele, Cleo nem sequer seria aceita na missão; mas bem
que ele se aproveitou dela durante aquela semana de treinamento. Por
quê? Se ele achava tão ruim que ela estivesse ali, porque aceitou treiná-la e
discipliná-la? Ele gostava dela ou não?
Tudo indicava que não, até que ela presenciou a briga com Prince e
Sharon. A partir dali ela não sabia mais no que acreditar e estava com um
nó de angústia e insegurança no peito, sem saber como desfazê-lo.
Só Lion podia desatá-lo ou apertá-lo ainda mais forte.
Com aquilo em mente, ela deixou a suíte e desceu para a praia, porque a
festa já havia começado.
Chegando ao luau, viu Brutus, Olivia, Lex e Cam, conversando
animadamente entre si, bebendo água de coco direto da fruta, enfeitada
com um pequeno guarda-sol amarelo. Eles se voltaram para ela e
levantaram a bebida para cumprimentá-la, convidando-a para beber com
eles.
Cleo estava sozinha, sem a companhia de Lion, então seria melhor passar
o tempo com os demais participantes. Ela foi para o bar e pediu a mesma
coisa que eles estavam tomando.
Quando se virou, segurando seu coco com raspadinha, deu de cara com
Sharon, com um vestido semelhante ao seu, mas em tons de vermelho.
A loira olhou diretamente nos olhos de Cleo, e sustentou seu olhar cor de
caramelo.
Cleo se surpreendeu ao não sentir nem ódio e nem raiva daquela loira
impressionante. Nem sequer ciúmes ou inveja. Havia outro tipo de energia
entre elas. Sharon tinha sido suave na masmorra: ela não deixou de fazer
nada do que fazia com seus submissos, mas Cleo percebeu que tentou ser
carinhosa e compreensiva ao encostar nela, o que a deixava agradecida.
Principalmente porque, após presenciar a discussão que seguiu-se ao
ménage, Cleo entendeu que Sharon tinha feito aquilo para preservar Lion. A
Rainha das Aranhas sabia alguma coisa sobre Lion que Cleo não sabia.
– Como você está, Lady Nala? – Sharon perguntou em tom indulgente.
– Bem, obrigada. Está uma noite maravilhosa – fingiu, sem se importar se
a outra mulher ia perceber que ela estava atuando.
Sharon deu um gole em sua bebida de groselha. Tinha um cheiro ótimo.
– Gostou do ménage? – A preocupação e o interesse eram verdadeiros.
As sobrancelhas vermelhas de Cleo se ergueram e ela aproveitou para
beber um pouco da sua raspadinha de coco com o canudinho.
– Gostei o máximo que é possível quando você é obrigada a jogar –
respondeu como se fosse uma expert em dominação e submissão. Como se
ela tivesse feito ménages a vida inteira, mesmo que Sharon já soubesse que
não era verdade. – Mas você me parece preocupada de verdade. Será que
não está se apaixonando por mim?
A Rainha das Aranhas se inclinou na direção dela.
– Eu não consigo mais me apaixonar, linda. Eu só gosto de dar prazer:
não me importa se é para um homem ou para uma mulher. Eu sou uma ama
com a mente aberta. – Os brincos de brilhantes vermelhos que ela estava
usando reluziam sob a luz das tochas. – E fique sabendo que eu gostei de te
dominar. Eu já havia dito o que aconteceria se você caísse nas minhas
mãos. – Ela sorriu insolente.
Será que aquela mulher não se cansava de interpretar o papel de cobra?
Ou ela era mesmo daquele jeito, despreocupada e fria?
– Ninguém que eu não tenha permitido pode me submeter, Rainha – Cleo
alfinetou com voz clara e segura. Estava respondendo com o mesmo tom,
copiando suas palavras. – Você me satisfez, e na minha terra o nome disso é
servir. Você não me submeteu.
Sharon ficou sem palavras. Sorriu como tinha feito anteriormente, como
se tivesse gostado da resposta e acalmado uma parte da consciência. Olhou
ao redor.
– E o King? Por que não está com você?
– Não sei. – Ela deu de ombros. De repente, não havia mais sentido em
fingir ou mentir para Sharon.
Elas ficaram quietas, uma do lado da outra, olhando as pessoas
dançarem, brindando e comendo no buffet.
Todos pareciam felizes de estar ali. Nick, sentado entre almofadas como
um marajá, abria a boca taciturno enquanto Thelma o alimentava, sentada
no colo dele, dando-lhe camarão com molho rosé.
O submisso ergueu o rosto para Cleo, implorando que o tirasse dali, e
esta não pôde evitar morder o lábio para não rir.
Desviou o olhar para o perfil de Sharon. Era alta, esbelta e elegante. Seu
cabelo loiro brilhava em tons mais claros e dourados conforme era
iluminado pelas luzes e pelas tochas. Havia uma aura de guerreira e
defensiva em torno dela. Mas, por trás dessa armadura, Cleo conseguia
perceber a dor que tinha no coração.
– Também não vejo Prince – Cleo murmurou.
– É melhor que eles nem apareçam nessa noite. – Ela tocou no lábio e na
sobrancelha, fazendo menção às marcas nos rostos dos dois. – Ninguém
sabe o que aconteceu: aquele lugar onde eles brigaram não é monitorado
por câmeras. A organização não aceita esse tipo de conduta, a não ser que
se trate de um duelo de cavalheiros oficial, em um ringue, como os que
aconteceram durante o torneio.
– Percebi.
– Você sabia que o Lion tem a sobrancelha falhada por causa do Prince?
Não é a primeira vez que eles brigam.
Não. Ela não sabia. E receber essa informação a deixou inquieta. Quando
ele ia contar o que tinha acontecido entre Sharon e Prince? Ela morria de
vontade de saber.
– Como foi isso?
– Faz um ano. Eles se encontraram em um lugar onde eu também estava.
O Prince bebeu até não poder mais. O Lion quis ajudá-lo a sair do local, mas
o Prince se revoltou e deu uma porrada no olho dele… Estava usando um
anel e cortou a sobrancelha do Lion.
– Nossa… ele nunca me falou disso. Antes eles eram bons amigos, não
eram?
– Antes, todos nós éramos muitas coisas que agora não somos mais. Não
tem porque ficar lembrando – ela respondeu sem cerimônia.
– Principalmente quando o passado dói, não é, Rainha?
– Você não sabe nada de mim ou do meu passado.
– Eu sei do seu presente. E o pouco que pude perceber é que você tem
anseios, como qualquer mulher apaixonada e não correspondida. E poderia
jurar que o Prince tem muito a ver com o seu desdém.
– Não ultrapasse os limites, gata. Eu e você não somos amigas.
– Nisso eu te dou razão. – Cleo levantou o coco com um gesto rebelde e
temerário. – Minhas amigas não me fazem tomar no cu.
Sharon começou a rir um pouco mais relaxada.
As duas tomaram suas bebidas tropicais de novo.
– O que você quis dizer para o Lion hoje de manhã, enquanto ele brigava
com o Prince? – Cleo perguntou. Qualquer informação era bem-vinda.
Sharon entendeu na mesma hora do que a jovem linguaruda estava
falando.
– Eu quis dizer exatamente o que eu disse. O que foi, Lady Nala? – Ela a
encarou por cima da bebida avermelhada. – Você não sabe como tirar o Rei
Leão da toca?
Cleo ficou com vontade de dar uma gargalhada. Ela era especialista em
domar leões; aquela mulher não tinha nem ideia.
– Eu só não sei como fazer um animal falar – respondeu.
Sharon olhou para a agente com impaciência.
– Você tem que levar isso como se fosse uma sessão de DS. Os móveis e os
animais não falam, não é? Mas isso não nos impede de jogar com eles. Você
só precisa fazer com que entrem no seu jogo e aceitem que eles têm que te
obedecer. Você tem que domar o homem e obrigar o leão a falar.
Cleo teria dito o contrário: você tem que obrigar o homem a falar e
domar o leão. Mas Sharon queria dar a entender aquilo mesmo: o homem
era mais selvagem do que o animal.
– Obrigada – Cleo soltou de repente.
O tom foi tão sincero que roubou toda a atenção da Sharon.
– Por que você está agradecendo, switch? – perguntou incomodada,
querendo tirar as palavras da boca da Cleo.
– Pelo que você fez na masmorra.
– Eu não fiz…
– Eu já sei que você não fez por mim – Cleo a cortou levantando a mão
livre. – Mas se você fez pelo Lion, também fez por mim, então eu agradeço.
A loira deixou escapar um ruidinho incrédulo de seus lábios.
– Não foi só pelo Lion. Foi pela minha própria saúde mental – ela
respondeu, sombria. – Tem coisas que eu não posso permitir e pelas quais
eu não passo. – Ela se recompôs rapidamente, afastando seus demônios. –
Nem como ama – pontuou piscando um olho –, nem como mulher. Todas
nós temos os nossos leões, não é? – Deu um passo e, afastando-se dela,
mandou-lhe um beijo. – Foi um prazer falar com você, leoa. Parabéns por
chegar à final.
– Obrigada – Cleo respondeu com os lábios quase cerrados, observando
como a esplêndida dominadora se afastava em meio à multidão.
Ela estava conhecendo indivíduos inquietantes e diferentes, de
personalidades intensas. Prince, Sharon, Markus e até mesmo Nick…
Que histórias mirabolantes se escondiam no passado deles?
Certamente menos emocionantes do que a sua com Lion. Ninguém sabia
que eles eram agentes federais. E ninguém nunca poderia suspeitar, ou eles
se dariam muito mal.
Ela deu uma olhada na multidão para ver se encontrava Claudia. Mas,
dessa vez, a ama switch não estava no jantar.
Ela deixou o coco no balcão do bar e se afastou de alguns monstros que
queriam dançar. Ela não estava com vontade, não tinha nenhuma
performance para fazer.
Cleo se despediu de Nick e torceu para que seu amigo loiro se livrasse
logo da Thelma, já que o agente submisso estava com olheiras e aparentava
exaustão.
Depois de deixar para trás a areia da praia particular do Westin, ela
entrou na parte das piscinas, passou pela lanchonete de madeira e palha da
ponte da piscina grande. Ela esperava do fundo do coração que Lion não
voltasse a brincar, deixando-a sozinha e fora da missão. Isso ela não ia
superar jamais.
Então escutou um gemido e uma pancada dura e seca.
Olhou para trás e apontou seus olhos verdes para a lanchonete. O som
tinha vindo dali.
Cleo se aproximou devagar, na ponta dos pés, e colocou a cabeça para
dentro. Ela ficou consternada. O agente Romano estava sentado nas costas
de um homem moreno, sem camisa, com as calças abaixadas até os joelhos
e a bunda para fora. Ele tinha tatuagens de patas pelas costas. Lion torceu o
braço dele e o deixou inconsciente com um golpe na cabeça.
– Lion? – perguntou, atônita. – Mas o que é isso?!
Lion ergueu seus olhos azul-escuros, levantou os braços e a puxou para
dentro da lanchonete, passando-a por cima do balcão.
– O que você está fazendo aqui?
– Eu? Quem é esse cara? O que é que você está fazendo aqui?
Lion analisou a roupa dela e lançou um olhar interrogativo. Era ele quem
deveria fazer essa pergunta, mas conversariam sobre isso mais tarde.
– Trabalhando. – Ele se levantou suado, passando o antebraço pela testa
e respirando com dificuldade. – Esse foi o cara que montou a foto.
– Como? A foto que a Claudia supostamente recebeu?
– É. Porra, Cleo – ele respondeu esgotado. – Quanto mais eu me aproximo
da verdade, menos eu gosto dela.
Cleo engoliu saliva e se aproximou do homem imóvel.
– Quem é?
– O nome dele é Derek. Ele é um dos monstros, um switch. – Ele o pegou
pelas axilas e o jogou, inconsciente, com mãos e pés amarrados e
amordaçado, debaixo do balcão do bar.
Cleo se agachou com ele.
– Onde… onde você esteve, Lion? – Ela precisava de mais respostas.
Havia um homem inconsciente na lanchonete. – Como você o encontrou? Se
deixarmos ele aqui, ele vai nos denunciar quando acordar…
– Não, ele não vai – Lion respondeu.
– Como você pode ter tanta certeza?
– Por isso. – Ele mostrou um vidrinho com uma agulha minúscula. –
Midazolam líquido. Causa amnésia.
Cleo ficou horrorizada.
– Isso é legal?
– Pra gente sim – Lion respondeu.
Cleo colocou as duas mãos no rosto, negando repetidamente.
– Derek é o cara que fez aquela montagem, Cleo.
– Como você sabe disso? Como você tem tanta certeza?
– Porque ontem à noite eu saí da festa com a Claudia e com a Sharon,
pretendendo aproveitar alguma desatenção para pegar o celular dela. Eu
queria saber quem é que tinha enviado a montagem e, aproveitando a
oportunidade, investigar um pouco a Claudia, porque eu não estava
entendendo algumas coisas. Hoje… – Ele sentou ao lado dela. – Eu precisava
refletir um pouco. Fui para a base de monitoramento pra saber que
informações eles tinham conseguido pelo celular dela. Eles instalaram um
programa no meu aparelho para que eu localizasse, via GPS, o telefone que
estávamos procurando. Estava no hotel. Eu o segui e me encontrei com ele.
Ele estava voltando da festa.
– O que você perguntou pra ele? O que você conseguiu descobrir?
Lion respirou fundo e se levantou aos poucos.
– Vamos sair daqui. – Ele a pegou pela mão e a ajudou a pular o balcão da
lanchonete.
– Pra onde vamos?
– Pra suíte.
– Não podemos conversar lá…
– Podemos sim – ele garantiu. – Jimmy e Mitch me deram um anulador de
sinal. Ele vai interferir no funcionamento de qualquer câmera ou microfone
que houver por lá. Parece um iPod nano.
– Jimmy e Mitch? Você foi ver a equipe de monitoramento? Por que não
me deixou ir com você? – Ela parou de repente, olhando acusadoramente
para ele. – Por que você me deixa por fora de todos os seus movimentos?
Nós trabalhamos juntos e você não me fala nada do que faz! – ela protestou
irada.
Lion a puxou para dentro do elevador. Ali, colocou-a contra a parede e
grudou todo o corpo dele no dela.
– E isso não te lembra nada? É sério que você não gosta de ser a última a
saber, Lady Nala?
Cleo mexeu os olhos com compreensão. Sim. Ela havia feito a mesma
coisa. Lambeu os lábios, sentindo o peso do corpo dele, o cheiro asseado da
pele e vendo como ficava bem nele aquela camisa polo verde-escura bem
justa.
– Não custava nada me falar – ela sussurrou. Deus, ela pulsava. Pulsava
de ódio por dentro. E, ao mesmo tempo, o amava.
– Pois é, pensei o mesmo quando cheguei e não vi um mísero bilhete me
dizendo para onde você tinha ido. Além do mais, essa conversa parece um
déjà vu. Nós não falamos sobre isso ontem? E antes de ontem? Ah não,
claro! – ele exclamou, e apertou os olhos. – Porque era você quem estava
fazendo isso, e eu quem pedia e exigia que, como minha subordinada, você
tinha que me informar de tudo e não fazer nada sem pensar, como você
vem fazendo desde que o torneio começou.
Cleo abaixou a cabeça e cravou o olhar na ponta dos dedos dos pés com
unhas à francesinha, como as dos dedos das mãos.
Lion caminhou com ela pelo corredor até chegarem à suíte.
Abriu a porta e tirou o anulador do bolso.
Parecia um iPod, nisso Lion tinha razão. Ele o deixou sobre a mesa e o
ligou.
– Você vai me contar o que descobriu sobre a Claudia? – ela perguntou se
apoiando na porta fechada. – Não precisa me falar que ela é uma cadela
psicopata, porque isso eu já percebi. Por que você começou a suspeitar
dela?
Lion se virou e olhou para ela com atenção. Estavam separados por
alguns metros de distância, mas o espaço ardia entre eles.
– Você se vestiu assim pra mim? Por que é que eu tenho a sensação de
que não?
– Não me responda com mais perguntas.
– Claudia havia jogado comigo outras vezes. Eu tinha pedido a ajuda dela
para conseguir informações sobre os exames de sangue dos participantes e
descobrir para onde eles eram enviados. Mas eu nunca quis saber mais
nada sobre isso, porque ela falava que não tinha mais nenhuma informação.
Cleo apertou os dentes e olhou para o outro lado. Claro: Lion tinha um
passado, disso ela já sabia. Mas não queria dizer que ela gostava.
– Vocês já fizeram sexo?
– Sim. Sexo BDSM.
– Como o que você faz comigo.
– Você está procurando briga, Cleo? – ele perguntou, nervoso.
Cleo negou com a cabeça.
– Desculpa, senhor. Pode continuar, eu não vou mais te interromper.
Lion respirou fundo e deixou a cabeça cair para trás.
– A Claudia é uma ama switch muito popular. Disso você já sabe. Minha
intenção ao entrar com ela no torneio era ter certeza absoluta de que eu
chegaria à final. No domingo, quando chegamos nas Ilhas Virgens, estranhei
bastante uma coisa que ela deixou cair da mochila. – Ele entrou no
banheiro. Tirou a camisa polo e começou a lavar as mãos com sabonete. –
Um pequeno pacote com piercings de aço, perfeitos para a zona do períneo.
Em uma ponta eles têm uma letra M, e na outra uma letra P.
– As iniciais de Mistress Pain – ela captou atenta, apoiada no batente do
banheiro, olhando para ele através do espelho. “Que barriga de tanquinho
esse moreno tem.”
– Exato, senhorita Connelly. São piercings de propriedade entre amos e
submissos. Que necessidade a Claudia tinha de trazer um pacote com isso
se ela seria minha escrava? Quando ela estava planejando usá-los e pra
quê?
– Os corpos de submissos não identificados, encontrados ao sul dos
Estados Unidos tinham buracos entre os testículos e o ânus. Sinal de que
tinham usado guiches. Você está suspeitando da Claudia? – ela perguntou
assombrada. – De verdade?
Lion deu de ombros. Abaixou a cabeça e lavou o rosto.
– Pra começar, eu fiquei surpreso que eles a tivessem aceitado de novo
para participar dos eventos do torneio, mesmo depois de ter sido eliminada
por você na segunda. Além disso, ontem à noite ela fez algo que me
surpreendeu: me mostrou aquela foto que enviaram pra ela com a intenção
de me desestabilizar e de me deixar com ciúmes, e disse claramente que era
em Peter Bay.
– Como ela sabia? Por que ela saberia que era em Peter Bay? Markus
falou que a localização da casa dele era secreta e que só os Vilões sabiam o
local, porque foram eles que cederam a casa.
– É disso que eu estou falando. Claudia sabia e, provavelmente, deixou
escapar. Por isso eu queria descobrir quem foi que enviou a foto pra ela e o
que essa pessoa mandou-a fazer. E sabe o que ele me falou? Que foi um
pedido da ama dele. E quem é a ama dele?
– Quem?
– A ilustre Sombra, conhecida secretamente por seus submissos como…
Mistress Pain. Eu abaixei a porra das calças dele pra verificar se havia um
guiche na zona do períneo – ele se explicou. – Eu não sou gay, não fiz nada
com ele.
– Eu não duvidei – ela respondeu, divertida.
– A questão é que o cara estava sim com um guiche de propriedade. Com
um M e um P nas pontas.
– Meu Deus… – Cleo cobriu a boca com as mãos. Claudia era a Sombra e
uma integrante dos Vilões? Incrível. A agente tinha certeza de que não
gostava dela, mas não imaginava que ela estivesse tão envolvida com os
Vilões. – Claudia é a Sombra?
– A Claudia conhece todos os participantes do torneio e sabe o ponto
fraco de cada um. O Sombra é uma espécie de dedo-duro. Os Vilões
precisavam dessas informações para elaborar as provas de hoje, para os
desafios grupais. Claudia percebeu que eu tinha uma debilidade com você, e
você não ajudou quando se atreveu a tirá-la do torneio logo de cara. E,
então, ela decidiu me foder com a foto e com o ménage. Por isso os Vilões
planejaram essa prova. Tudo faz sentido.
– Então, se a Mistress Pain é a Sombra… ela sabe quem são os Vilões. Ela
trabalha com eles.
– Claro. Temos que segui-la e ficar atentos aos movimentos dela. Ela vai
nos levar diretamente até eles. Agora que temos acesso ao celular, vou
receber no meu aparelho todas as chamadas que ela atender ou realizar a
partir desse momento.
– Ela fez mais alguma ligação?
– Não, por enquanto não.
– Estranho.
– Sim, bem estranho – Lion confirmou. – Além disso, a equipe de
monitoramento descobriu que as chamadas de um número oculto que ela
recebeu recentemente vieram da Luisiana. Isso é mais estranho ainda.
Cleo ficou com vontade de gritar e de dar socos na parede. Claudia tinha
enganado todo mundo. Ela havia dormido com Lion, enganando-o desde o
início.
– Você acha que a Claudia presumiu seu interesse pelos exames de
sangue dos participantes como algo muito óbvio? Será que a Claudia
suspeitou de você em algum momento?
– Eu duvido muito. Se a Claudia decidiu jogar comigo, não foi porque
suspeita de mim, foi porque… Porque ela está apaixonada por mim, claro –
ele respondeu sem papas na língua.
Cleo se afastou da porta do banheiro, sorrindo sem um pingo de vontade.
– Você dormiu com ela sabendo que ela te amava? – Era mais uma
acusação do que uma pergunta. – Uh, que cruel, senhor Romano.
– Eu estou interpretando um papel. – Lion a seguiu com uma postura
beligerante e jogou no chão a toalha que tinha nas mãos. – Não fale como se
eu fosse um porco ou uma pessoa má. Esse é o meu trabalho, e eu estou
infiltrado e comprometido por inteiro. Se eu tiver que dormir com alguém,
vou dormir.
Cleo abraçou a si mesma, se afastando do Lion, de seu comportamento
visceral.
– Como você fez comigo? Você tinha que ter dormido comigo? Foi o que
você fez, não é? – Aquele já era um tema pessoal, mas ela precisava tocar
nele.
– Pode parar.
– Você tinha que ter me comido? – ela continuou com uma voz monótona.
– Foi o que você fez.
– Não faça isso, não trate desse jeito o que nós temos – ele suplicou,
afetado pelas palavras dela. – Eu tenho muita coisa pra te falar.
– Eu trato da maneira que tem que ser tratado. Como você me
demonstrou que é. Hoje eu te disse que gosto de você e você me disse que
não. O que mais você tem pra dizer? Nós nos conhecemos há anos e a vida
fez com que eu e você estivéssemos envolvidos em um caso desse tipo. Mas
é a segunda vez que eu te digo, Lion, que eu gosto de você e que sempre foi
você… E você sempre foge.
– Cleo, você está prestes a ultrapassar uma linha muito perigosa – ele
jurou, imóvel e tenso. – Que pode acabar mudando tudo entre nós. Não faça
isso.
A jovem lembrou-se das palavras de Sharon: “Você tem que domar o
homem e obrigar o leão a falar.” Como provocar um animal para que ele
fosse capaz de falar? Instigando seus instintos.
– Isso foi algo que eu entendi hoje, sabia? – Cleo tinha que continuar
interpretando seu papel e fazer o Lion acreditar que estava controlando a
situação. Que nada do que ele dissesse a afetaria. – Você fez tudo mudar
entre nós. Você podia ter me deixado quietinha, outro amo podia ter me
treinado, mas não, foi você. E isso mudou tudo. Pra mim significou uma
coisa diferente do que foi pra você, e eu fui burra. Já estou cansada. Olha a
festa que está rolando lá embaixo, Lion. – Ela saiu para a varanda e se
aproximou do parapeito. Eram uns dez andares de altura. O vento
balançava as palmeiras, o mar estava um pouco agitado e as nuvens densas
escondiam a lua. Talvez chovesse de novo. – Eu quero descer e interpretar
o papel que motivou a minha vinda até aqui, o mesmo que você já tentou
tirar de mim algumas vezes. – Virou-se e, apoiando-se no parapeito, olhou
diretamente nos olhos dele. – Eu quero dançar, me divertir e flertar com
alguém que possa ter informações importantes sobre os Vilões. Se você é
capaz de vender o seu corpo para consegui-lo, eu também sou.
Lion pestanejou, atônito. Seus olhos brilhavam com raiva e aflição. Ele
deveria deixá-la ir? Se dissesse que sim, Cleo não voltaria mais. Não como
ele gostaria.
– Faço isso então, Lion? Eu posso muito bem subir numa mesa e tirar a
roupa. – “Ui, Miss Pérfida, relaxa.” – Eu ia chamar a atenção de quem eu
quisesse. Um ménage? Uma suruba? Hmm… O que será que a noite reserva
pra mim, agente Romano? Você quer ir comigo pra gente fazer como na
masmorra? Não, né? Senão a Cleo pode entender da maneira errada… – ela
pensou em voz alta. Engoliu saliva e pestanejou para deter as lágrimas.
Cleo esperou que o Lion reagisse, mas o homem continuava mudo,
observando-a e respirando de forma precipitada.
“Lion, faça algo, por favor. Não me deixa ir. Demonstra que você se
importa comigo de verdade”, ela pediu em silêncio, com o coração na mão.
Cleo passou do lado dele ao entrar na varanda e se dirigiu à porta de
saída. Lion estava decepcionando. Os olhos dela estavam cheios de lágrimas
quando tentou abrir a porta. Ela conseguiu. Contudo, e de imediato, dedos
de aço rodearam seu braço e a puxaram de volta para dentro do quarto.
Lion fechou a porta com força e empurrou Cleo contra ela até cercá-la
com seu corpo. Ele colocou uma das mãos em cada lado do rosto choroso
dela.
– Me deixa ir! – Cleo gritou impotente, chorando desconsolada.
– Você quer sair do meu lado?
– Quero! – ela gritou com todas as forças.
– Então vai embora. Mas vai assim. – Ele arrancou-lhe o vestido de
repente, rasgando-o ao meio, transformando aquilo em um monte de tecido
escuro aos pés dela. Cleo estava usando uma calcinha preta transparente
com lacinhos rosa de seda nas costuras. – Vai embora então! – ele pediu,
sem se afastar dela em nenhum momento. – Você quer fazer um ménage?!
– Quero!! – Ela ficou ponta dos dedos para gritar na cara dele.
– Você quer que eu chame o Prince? – Ele estava apertando tanto os
dentes que estes ameaçavam pular-lhe da boca. – Você ficou com vontade
de dar pra ele?
Cleo mordeu a língua, apertou a mandíbula com força e olhou-o irritada.
Plau! Deu uma bofetada que virou o rosto rígido de Lion para o lado direito.
– Você me bateu? – murmurou sem paciência.
– Você… Você não me merece! – Suas palavras, cheias de ódio,
atravessaram a armadura do Lion. Cleo não secou as lágrimas que
escorriam por suas bochechas rosadas e úmidas. – Você é um covarde, Lion.
Um rei covarde, um leão sem garras. Um animal que marca território na
frente dos outros, mas que é incapaz de falar francamente com quem você
se importa de verdade. E eu odeio o que você me fez imaginar. Não quero
covardes na minha vida. Nem se atreva a encostar em mim! Nunca mais,
está ouvindo? Agora abre a porta e me deixa ir embora.
Lion negou com a cabeça. Estava tremendo e, ao mesmo tempo, lutando
para se acalmar.
– O que você quer, Lion? Sai da minha frente e me deixa ir embora agora
mesmo – ela mandou com um tom certeiro.
Lion negou com a cabeça novamente. Olhou para os seios nus da Cleo,
para sua coleira de submissa, para a calcinha e as pernas torneadas e à
mostra. Olhou no rosto dela e seus joelhos tremiam diante do que ele iria
dizer. Ele não poderia mais voltar atrás.
– Não, Cleo… – murmurou, deixando os joelhos caírem no chão,
afundando o rosto na barriga dela, acariciando-a com as mãos e rodeando a
cintura dela com um abraço apertado. Rendido. – Eu não aguento mais…
– O quê?
– Tudo! – ele respondeu, rude.
– Por que não?! Você não deveria se importar com o que eu faço!
– Claro que eu me importo! – Ele a puxou para o chão, tomando cuidado
para que ela não se machucasse, e ficou em cima dela.
– Me solta, Lion! Me deixa sair!
– Você quer acabar comigo! Você não entende! – Ele ergueu as mãos por
cima da cabeça dela e a imobilizou sobre o carpete bege, se aproveitando
de sua força e de seu peso. – Você acha que eu não sinto nada pensando que
outros podem te tocar?! Você sabe o quanto eu sofri hoje?!
– Não! Não sei! Eu sei que você fica bravo quando eu não te obedeço,
agente Romano! Nada mais do que isso!
– Você tem noção do quanto eu fiquei mal ontem por sua culpa?! – ele
gemeu. Seus olhos azuis se fecharam, como se ele estivesse sentindo uma
dor profunda. – Eu… não consigo respirar quando você se afasta de mim.
Não consigo… – Lion afundou o rosto entre o pescoço e o ombro da Cleo,
tremendo como uma criança. – Você está me matando, Cleo.
Ela fixou o olhar no teto e nas janelas que davam para o sótão. Do lado de
fora, as primeiras gotas da tempestade noturna começaram a cair nos
vidros. Pareciam lágrimas, como as que ela estava derramando. Será que
iam parar a festa? Será que o Lion ia parar? Ela não conseguia mexer os
braços, ele não a deixava encostar nele. Ela só podia escutar e esperar o
leão falar.
– Lion? – perguntou com voz fraca. – Seja claro comigo, eu te imploro.
Você está me fazendo sofrer…
– Eu sou louco por você, Cleo. Eu… sou louco. Eu não suporto a ideia de
ter te metido nisso. Não suporto que te vejam nua ou que outros pretendam
alguma coisa que só pode ser minha. Eu te quero só pra mim. – Ele a beijou
no pescoço com uma adoração esquisita. – Eu te amo, Cleo. Eu sofro quando
você não pensa em mim, quando não tem consideração comigo. Você me
fez sofrer tanto…
Deu para ouvir a Cleo engolindo saliva, e ela inclinou o rosto para junto
do Lion. Ele a amava?
– Eu te amo. E quero te mandar pra bem longe daqui… Te proteger e te
afastar de todo esse mundo obscuro no qual você se meteu. Por minha
culpa…
– Não! Lion, eu… Sou uma mulher adulta e tomo as minhas decisões. Eu
quis estar aqui com você e não me arrependo. Não acho esse mundo tão
ruim.
– Eu sou um amo! Olha onde nós estamos… Olha o que eu estou fazendo
com você! Você não me odeia?!
– Te odiar? Não! Como eu poderia te odiar, Lion? – ela perguntou triste.
Como odiá-lo quando amava-o tanto?
– Cleo… – Seu nome era uma súplica nos lábios dele. – Eu não queria te
dizer isso aqui, mas eu não aguento mais, e você está me pressionando
demais, bruxa. – Ele colocou o quadril entre as pernas abertas dela e fez
pressão. – Você está brincando comigo e com a minha saúde mental… Hoje
de manhã, na masmorra, você me fez perder uns anos de vida…
– Olha pra mim, Lion… Por favor…
– Não! – Ele tirou a calcinha dela, rasgando-a, e abriu a calça para tirar
sua ereção do aperto da cueca. – Eu quero fazer agora. Eu preciso estar
dentro de você…
– Você quer?
– Agora!
– Então olha pra mim.
– Não quero. Eu olho pra você em cada segundo, cada minuto, cada hora
que passa… Acho que sou um egoísta por ficar feliz de te ter comigo, de
poder desfrutar de você… – Com uma das mãos segurando os pulsos dela,
ele colocou os dedos da outra dentro de Cleo.
Ela abriu os olhos e sacudiu a cabeça.
– Espera, pequena… – Ele a acariciou, a massageou. Esperou-a ficar
molhada e começou a estimulá-la. – Mas depois eu quero te afastar, te
enfiar em uma mala e te mandar de volta para Nova Orleans, com o seu
bicho vesgo e a sua delegacia. Pelo menos por lá você estaria mais segura e
melhor. Por acaso eu estou doido?
– Não, Lion… – Ela chorou, motivada pela sinceridade na voz dele. –
Deixa eu ficar com você. Deixa eu chegar à final…
– Shh… – Ele curvou os dedos dentro dela e aproveitou para enfiar outro
e dilatá-la. Estava curtindo o som de dor-prazer dela e, nesse momento,
contemplou o rosto de Cleo. – Se você ficar, vai ter que arcar com todas as
consequências. Você vai ficar comigo agora e depois.
Os dois olhares se chocaram: o de Cleo, impressionado, e o dele, decidido
e distante. Depois? Ele queria dizer depois da missão?
– Essa boca… Esses olhos… – ele murmurou, antes de deixar sua cabeça
cair e beijá-la com todas as forças.
Cleo começou a mexer o quadril para cima e para baixo, seguindo a
intromissão dos dedos dele. As línguas se enfrentavam em um duelo: se
acariciavam e se empurravam uma contra a outra. Os lábios se mordiam, se
chupavam e se lambiam, e depois começavam de novo.
– Eu quero te tocar. Deixa eu te tocar… Ai, meu Deus, Lion… – Aquele
homem tinha dito que queria ficar com ela depois do torneio. Incrível.
– Não – ele negou muito preciso. – Você me fez falar coisas que eu não
queria falar. Então agora eu vou ter que te controlar.
Cleo ficou ainda mais excitada ouvindo aquelas palavras. Ordem ou
ameaça? Caralho, como ele era sexy! Definitivamente, ela adorava que ele
jogasse com ela daquela forma. Sentiu a língua dele deslizando sobre a pele
de seu pescoço que estava exposta mediante a coleira, depois pelo ombro e
pela clavícula… Ele lambeu-lhe a parte superior dos seios e depois começou
a torturar os mamilos.
– Você está sentindo como eu os deixo duros? Eu te deixo dura, Cleo? –
Ele olhou para ela por cima de um seio, enquanto colocava a língua para
fora e acariciava o mamilo úmido. – Seria justo, porque você me deixa
duríssimo sempre que está perto de mim, sempre que eu sinto o seu
cheiro… Seu cheiro acaba comigo: você tem cheiro de fruta.
Cleo levantou o quadril, transportada para um mundo de sensações e de
erotismo. As palavras, a voz, as declarações… “Eu sou louco por você.” E ela
ficaria louca por ele se ele continuasse fazendo aquilo.
Então ela percebeu que Lion havia tirado os dedos de dentro dela e
recolheu-a pelos braços, de repente, para colocá-la na cama, de cara para a
parede.
Cleo achou que tinha ficado cansada, mas não, só tinha trocado de lugar e
estava vazia entre as pernas.
– Lion? – Ela o fitou por cima do ombro. – Você vem? – perguntou,
insegura.
Ele sorriu com ternura, tirou as calças bruscamente e subiu na cama
atrás dela. Pegou a sacola com apetrechos e tirou as algemas para
imobilizar as mãos dela nas costas.
– Você não vai mais fazer ménages, Cleo. Nunca mais – rugiu ao ouvido
dela. Deu-lhe um tapa sonoro na bunda e outro entre as pernas. Cleo
mordeu o lábio e emitiu um lamento erótico inconfundível – Isso é meu. –
Colocou a mão na vagina e enfiou três dedos completamente, pouco a
pouco, dentro dela.
– Lion… – Ela fechou os olhos e apoiou a cabeça no enorme ombro do seu
parceiro. Ele era o parceiro dela? Eles eram um casal de verdade?
– Eu ia matar o Prince, bruxinha. – Ele mordeu o ombro dela e em
seguida o lambeu. – Eu ia matá-lo. Eu achava que ele tinha te submetido…
Isso acabou comigo. Fiquei louco ao pensar que outro cara estava se
mexendo dentro de você. Tem amos e homens que gostam desse tipo de
coisa. Eu não.
– Nem eu.
– Não volte a se expor assim nunca mais. Você me machucou muito, Cleo.
– Não. – Cleo chorou. – Me desculpa, Lion. Desculpa… Eu não sabia que
você se sentia assim. Eu não entendia…Você dava a entender outra coisa.
Nem falava comigo e…
– E como você acha que eu me sentia?! – Ele puxou os cabelos da Cleo,
virando o rosto dela para si, e aplicou-lhe um beijo punitivo. – Como você
acha, hein?
– Agora eu já sei – sussurrou. Estava com os lábios inchados e com a
maquiagem borrada. – Antes eu não sabia de nada. Agora, sim. Eu sou
importante pra você. Você me ama.
– Sim – murmurou. – Você é importante pra mim e eu te amo, linda.
Bom… Você vai se comportar direito a partir de agora? Vai levar os meus
sentimentos em conta?
– E você vai se importar com os meus? – ela rebateu.
– Não – Lion negou, dando um beijo nos lábios dela. Colocou a ereção
perto da vagina dela, tirou os dedos e enfiou o pau sem cerimônia. Cleo
perdeu o fôlego, mas Lion lhe fornecia oxigênio com suas palavras doces e
intrometidas. Ela colocou a mão na barriga, onde batia a cabeça do pênis.
Na altura do umbigo. – Aqui… Cleo. É aqui onde eu mais gosto de estar. Tão
dentro que você acha que eu vou te rasgar em duas. Não vou levar seus
sentimentos em conta porque ainda não ouvi você me falando deles.
– Você está me rasgando. É isso o que eu estou sentindo… – Cleo sorriu.
Lion estava de joelhos atrás dela, perfurando-a entre as pernas, acariciando
seu clitóris com uma das mãos e acariciando um dos mamilos com a outra.
– Eu já me declarei pra você duas vezes. É suficiente – ela provocou.
– Não importa. – Lion puxou o mamilo com força e aproveitou para
empurrar sua ereção mais para dentro do corpo dela. – Eu quero agora.
Quero que você me diga agora.
Cleo abriu os olhos e, com a cabeça apoiada no ombro, disse:
– Eu te amo, Lion. Sempre foi você. A missão, o torneio… só me fizeram
abrir os olhos e me dar conta de que eu comparava todos com você e
nenhum nunca era bom o suficiente pra mim. Porque… porque não tinham
seu olhar, seu caráter… Nem nada do que eu gostava. Eles não eram você.
– Meu Deus, Cleo… – Lion sentou-se sobre os calcanhares e a fez sentar
em cima dele. – Assim, pequena… Assim…
Seus corpos suavam e se roçavam, acariciando-se, dizendo um para o
outro todas essas coisas difíceis de expressar com palavras. Cleo e Lion
tinham se unido por causa de uma situação difícil e comprometedora, mas
era na dificuldade que vinha o crescimento e o aprendizado com os
próprios medos, nos obstáculos, nos seus complexos… Naquela suíte do
Westin Saint John, duas pessoas estavam se entregando sem medos nem
restrições.
Lion empurrou com força enquanto maltratava o grelo da Cleo.
Ela estava subindo e descendo em cima dele, gritando de êxtase. Às
vezes, quando estava quase chegando ao orgasmo, Lion parava de tocar
nela e a deixava louca. Ela sempre dizia que vinha do país dos orgasmos
clitorianos, mas Lion estava lhe ensinando como gozar lá de dentro. E ela o
fazia com prazer.
– Não tem mais ninguém. Fala, Cleo.
– Só… só você, Lion. – Ela deixou a cabeça cair para baixo, mas ele não
permitiu. Puxou-a pelo pescoço e a fez ficar grudada de novo no seu corpo.
– Só você, senhor.
– Deixa eu olhar a sua cara quando você está assim: no ápice do prazer.
Não tem nada mais bonito ou mais erótico do que o seu rosto. Como você
morde o lábio, como os seus cílios pulsam, como você abre a boca para
tomar ar…
– Ai, meu Deus… Lion…
– Sim – ele sussurrou a ponto de gozar. – Você já vai gozar? Goza comigo.
– Eu já te disse que não é assim… – As mulheres não gozavam só com
uma ordem qualquer. O motor tinha que estar bem quente para arrancar.
Mas, então, ele atingiu um ponto profundo e apertado dentro dela, e sentiu
como ele se inchava e como deixava sua semente no interior dela. Graças a
Deus existiam os anticoncepcionais. – Ai, sim… sim! – De forma fulminante,
Lion provocou-lhe um orgasmo devastador, que ela sequer sabia de onde
vinha. Por dentro? Por fora? Pelos seios? Tanto fazia! Ela se viu gritando,
caindo para a frente e mordendo o travesseiro enquanto Lion a tomava
poderosamente, preenchendo-a com sua rola enorme, cobrindo-a com seu
corpo imenso.
Os dois experimentaram uma pequena morte. Dizem por aí, entretanto,
que a morte não é o final, e sim o começo de algo.
Lion e Cleo tinham acabado de dar o primeiro passo para iniciar algo
entre eles. O quê? Eles ainda não sabiam.
15
É sempre a mesma coisa: quando amarram suas mãos nas costas, sempre
vem uma coceira nos olhos e no nariz.
– Não vou permitir que encostem em você. Nós não vamos entrar na final.
Está decidido. Vamos monitorar os Vilões de um outro lugar e fazer a
emboscada no momento certo.
Cleo estava estirada em cima dele. Ela acariciava o peito do agente e
aproveitava os carinhos das mãos dele em suas costas e em suas nádegas
nuas. Eles tinham repetido o ato mais duas vezes e estavam cansados. Cleo
estava com a bunda vermelha, e Lion, com uns arranhões nas costas e no
peito.
Depois do sexo, o agente Romano aproveitou para falar tudo o que havia
sido descoberto até o momento.
– Você não pode fazer isso. Não podemos fazer isso.
– Eu quero que você use a palavra de segurança, Cleo. Que no momento
em que você não puder mais, você a pronuncie. Não quero que essa gente
jogue com você.
– Vamos ver. Amanhã nós temos que deixar o hotel e ir para Saint Croix
ou Norland. Ali será realizada a última rodada e a final – Cleo sussurrou
sobre o peito dele. – Estamos tão perto… Eu ia te contar uma coisa.
– O quê?
– Hoje eu recebi um convite individual para me encontrar com os Vilões.
– Hoje? Quando? – A surpresa se refletiu em sua voz.
– Antes de descer para a festa. Eu saí do banheiro e encontrei o envelope
no chão. Uma limusine me buscaria e me levaria até eles.
– E… você não foi? Não posso acreditar. – Ele sorriu. – Você ficou aqui?
Por quê? Você sempre faz o que te dá na telha.
– Eu não fui porque não queria te deixar bravo. – Ela levantou o rosto do
peito do agente e acariciou o queixo dele com o indicador. – Porque achei
arriscado demais; fiquei com um mal pressentimento. Além do mais, eles
queriam que eu fosse sozinha.
– Muito bem. – Lion massageou a nuca dela, beijando-a no topo da cabeça
e na testa. – Agora, nada mais vai parecer fácil, Cleo. Estamos entrando em
um território perigoso e eu não gosto disso. – Ele a abraçou com força e,
pegando-a pelas axilas, levantou-a por cima dele como se ela fosse uma
criança. – A final é amanhã. Nós não precisamos participar da rodada, mas
temos que investigar os arredores das ilhas e pegar as armas que a equipe
de monitoramento trouxe pra gente. Eles deixaram as armas em Buck
Island, ao lado de Saint Croix. Então não teremos que ir muito longe.
– Sim. – O cabelo vermelho da Cleo cobria o rosto dos dois, escondendo-
os do mundo.
– Nós quase conseguimos. – Ele a deixou cair sobre seu corpo aos poucos
e cobriu os dois com o lençol.
– Quase. – Ela sorriu, deixando que Lion a cobrisse de atenção.
– Bom trabalho, agente Connelly. Será um orgulho para o FBI ter uma
agente tão competente no quadro de funcionários.
– Obrigada, senhor. Mas eu ainda não faço parte do FBI. – E, depois de
tudo aquilo, talvez ela não quisesse fazer parte. Porém, mantinha a
informação para si.
Com esse pensamento, e os beijos balsâmicos do Lion em suas pálpebras
e bochechas, Cleo adormeceu. Faltavam quatro horas para o amanhecer e
eles precisavam descansar antes de encarar a final do Dragões e
Masmorras DS.
O quarto estava em silêncio. Não havia passado nem duas horas de quando
eles dormiram e Lion abriu os olhos dando de cara com Cleo amordaçada,
olhando fixamente para ele, tão surpresa quanto ele. O agente tentou falar,
angustiado, mas estava com um pano na boca e também não conseguia
emitir qualquer som.
Não podiam se mexer. Tinham injetado neles uma espécie de paralisante
ou outra droga do tipo.
Mãos duras e exigentes os levantaram e colocaram os dois de joelhos, um
de frente para o outro.
– Pode vendá-los, e amarra as mãos deles nas costas.
Lion e Cleo pestanejaram incrédulos diante do que estava acontecendo.
Aquilo não estava nos planos. A voz era de uma mulher soberba, e eles
conheciam aquela mulher com ares de grandeza.
– Os Vilões estão esperando por vocês. – Claudia saiu do canto menos
iluminado da suíte e apareceu vestida toda de látex, com um açoite em uma
das mãos e uma Taser na outra. – Essa puta recusou o convite deles –
grunhiu, desferindo uma chicotada dolorosa nas coxas nuas da Cleo –, e
isso os deixou muito zangados. Agora eles querem os dois. – Dessa vez, o
açoite atingiu as costas do Lion.
Cleo gritou para que Claudia parasse, mas a ama não se importava nem
um pouco. Dois armários encapuzados, vestidos de preto, estavam dando
apoio para a dominadora.
– Eu acho – Claudia falou, passando os dedos pelo açoite e depois
saboreando-o com a língua – que vocês foram descobertos, crianças. A
selva é grande demais pra vocês.
Cleo e Lion olharam um para o outro.
Por quê? Quem os teria descoberto? Eles estavam com os dados pessoais
completamente modificados, ninguém conhecia suas verdadeiras
identidades. Como poderiam ter sido identificados?
– Vou levá-los para o Tiamat. Eles vão decidir o que fazer com vocês.
Com essas palavras, Claudia saiu do quarto com ar de grandeza. Os dois
homens enormes carregaram Cleo e Lion, cobrindo-os com capas para
proteção de equipamentos.
Ninguém sabia que, na verdade, eles tinham acabado de sequestrar dois
agentes do FBI.
Ao chegarem ao porto, eles entraram em uma lancha e jogaram os
agentes no chão de qualquer jeito. Os dois bateram a cabeça ao cair.
Lion sentia seu coração saindo pela boca. Eles tinham acabado de ser
tirados do hotel e não tinham ideia de para onde estavam sendo levados.
Estavam em apuros.
Cleo fechou os olhos. Não queria nem olhar. Não acreditava que tudo
tivesse acabado assim.
O homem continuava apontando a arma para Lion, que estava imóvel,
com os braços estirados para a frente, se cobrindo.
Boom! Outro disparo.
Cleo não sabia de onde os tiros vinham, mas não estavam atingindo Lion.
Tinham atingido o peito e o estômago do homem vestido de preto.
Um passo para trás. Dois. Três. E seu corpo cheio de músculos e
anabolizantes desmoronou.
A poucos metros de Lion, apareceram Mitch e Jimmy, com lanternas e
revólveres, avançando como um esquadrão de polícia perfeito, com um pé
na frente do outro. Com o antebraço servindo de apoio, cobrindo metade do
rosto.
– Lion?! – Jimmy gritou. – Você está bem?
Cleo saiu correndo para ajudar Lion, que ia levantando meio de lado. Ele
abraçou a Cleo e apoiou o queixo na cabeça dela, tranquilizando-a.
– Lion… Me diz que você está bem.
– Sim, porra… – Ele respirou mais tranquilo. Tinha visto a própria vida
passar diante dos olhos em décimos de segundos, e tinha se dado conta de
tudo o que ainda queria fazer e falar. Ele ainda não podia morrer. Não
enquanto ainda tivesse que lutar por tanta coisa. – Sim… E você, pequena?
– Estou com um pouco de dor… Mas acho que estou bem.
– Sim? – Levantou o queixo dela e secou suas lágrimas com os polegares.
– Sim? Deixa eu ver… – Ele deu uma olhada nos cortes nos joelhos e nos
rasgos e marcas de espinhos dos floggers. – Eu sei. Eu sei que dói…
– E você? – ela perguntou, passando as mãos pelo peito dele, maltratado
e cortado. – Você está bem?
– Sim, também…
Mitch e Jimmy estavam vistoriando o local e avisando à central sobre o
que havia acontecido. Precisavam de reforços para limpar a caverna.
– A coleira gravou tudo – Jimmy assegurou. – Ela nos deu a posição exata
de onde vocês estavam, e viemos buscá-los. Nick ligou minutos depois do
sequestro avisando que vocês não estavam no quarto.
Cleo sentou em uma pedra, ainda tremendo, e Lion agachou na frente
dela.
– Obrigado, rapazes. Vocês salvaram nossas vidas – Lion respondeu.
– Temos muita sujeira aqui, senhor – Jimmy falou. – São a Sombra
inconsciente e dois cadáveres. Um deles é o filho de dois membros de
Tiamat, que são também os proprietários da destilaria mais importante do
Estado da Luisiana. O que nós gravamos é ouro. Estamos quase com as
mãos neles.
– Mas não é o suficiente. Eles esperam que Claudia e Billy apareçam em
Ruathym. Marcaram lá à meia-noite.
– Ruathym é Savana Island, senhor. – Mitch destacou se aproximando
para ver o estado da Cleo. – Como você está, agente Connelly?
– Estou bem – ela respondeu com dificuldade. – Só um pouco esgotada
por tudo, mas vou me recuperar.
– Pode encerrar por aqui, Cleo – Lion sugeriu, colocando as duas mãos
nas coxas dela. – Você já trabalhou bastante, agente Connelly.
– Nem pensar. Você também não está em condições. Está como eu… –
Olhou para ele de cima a baixo. Os dois estavam acabados, mas iam
continuar, porque eram teimosos e porque aquela era a missão deles. –
Margaret deixou um estojo de injeções contra a dor para o filho. A gente
podia usá-las agora.
Lion sorriu e negou com a cabeça. Cleo não ia se render, ainda mais
agora, que achava que a irmã dela estava ali por sua culpa.
– Cleo.
– O quê? – ela perguntou, seca.
– Nada disso é por sua culpa – ele disse, tirando a franja vermelha da
frente dos olhos preocupados dela. – Você foi fundamental para que a gente
solucionasse o caso.
– Mas ainda não terminamos. Só vamos solucionar o caso quando
desmascararmos o Vingador e todos os Vilões para os quais ele trabalha.
Não são só aqueles, tem mais – ela expôs, desesperada. – Eu não sabia que o
Billy Bob tinha algo a ver com isso, nem imaginei…
– É normal, pequena. Ninguém imaginava. Mas você está fazendo um
trabalho impecável. E tem que seguir em frente, agente Connelly. Você
continua comigo?
Cleo pestanejou confusa. Ele a estava deixando continuar? Ou melhor: ele
estava pedindo para que ela continuasse com ele?
– Você não vai me obrigar a parar aqui?
Lion sorriu com sinceridade e negou com a cabeça.
– Não. Você é minha parceira. Vamos terminar isso juntos.
Lion ofereceu a mão com a palma para cima. Era uma palma madura, de
homem adulto, forte, na qual ela podia se apoiar e que a protegia sempre.
Cleo entregou-lhe, decidida, sua mão. Lion, por sua vez, ajudou sua pequena
a se levantar.
– Mitch, por favor – ele disse, seguro da decisão. – Traz essas injeções e
aplica na gente. Deem um jeito no que aconteceu aqui. Mas sem chamar a
atenção, porque isso pode fazer os Vilões perceberem que nós ainda
estamos vivos. Eles acham que ainda estamos nas mãos deles. Cleo e eu
temos tempo o suficiente para chegar às ilhas e fazer uma surpresa.
– Sim, senhor – ele respondeu.
– Jimmy. – O azul-escuro dos olhos de Lion brilhou com atitude.
– Sim?
– Quero falar com o vice-diretor Montgomery.
16
Eis que surgiram as túnicas pretas caminhando pela água até chegar à terra
firme. Parecia uma cena de filme, a chegada dos piratas fantasmas. Todos
com máscaras com expressões grotescas.
Atrás deles, marchavam em fila indiana homens e mulheres
acorrentados: submissos e submissas. Vestiam uma peça de roupa que só
cobria os genitais, também usavam máscaras e carregavam sobre a cabeça
caixas que eles iam deixando em ordem aos pés dos Vilões. Estes as abriam
uma por uma e tiravam delas todo o tipo de instrumentos de tortura. Não
tortura BDSM, mas de tortura antiga. Dessas usadas na Inquisição contra
bruxas e feiticeiros: polias, mordaças, potros, peras anais, esmagadores de
cabeças, colares de espinhos, rodas… Havia até objetos de escárnio como
sambenitos e máscaras da vergonha.
Três escravos carregavam uma antiga cadeira de tortura com espinhos,
como as que o papa Inocêncio IV permitiu serem usadas nos tribunais da
Inquisição para arrancar confissões dos acusados.
Já havia um círculo de uns cinquenta homens e mulheres adorando
aqueles objetos e, alguns, afiando os espinhos de metal de seus floggers.
Dentro do círculo iam se ajoelhando todos os submissos e as submissas
vestidos só com arreios de cavalo, cuecas de couro e indumentária de
gladiador.
Os cinco membros de Tiamat ficaram no meio do círculo, bem perto da
fogueira.
– Solicitamos a presença do Vingador – exigiu um dos cinco, que não era
nem Xavier e nem Margaret – e do Sombra.
O círculo se abriu e, por essa abertura, apareceu o Vingador. Ele próprio,
perfeitamente caracterizado, tal como se tinha visto no telão do dia
anterior, vestido do mesmo jeito. Com seu traje de mergulhador preto e
vermelho, um chifre na cabeça e as asas de morcego em suas costas. Estava
segurando alguma coisa, coberta com um pano preto, e puxava a corrente
de uma coleira de submisso.
Cleo sorriu, orgulhosa de saber que todas essas imagens estavam sendo
gravadas de vários ângulos diferentes. Orgulhosa de saber que não
poderiam consumar aquele ato sádico.
A expressão feliz da jovem desapareceu quando as tochas iluminaram o
rosto do submisso e tanto ela quanto Lion se deram conta de que era Nick
sendo puxado pelo Vingador.
– Aqui está o casal vencedor da segunda edição de Dragões e Masmorras
DS! – ele exclamou olhando para a multidão com olhos sádicos. – Eles foram
convidados para viver a nossa noite de Santa Valburga em primeira mão.
– Todos em suas posições e preparados – Lion sussurrou muito tenso no
microcomunicador. – O que o Nick está fazendo ali?
Cleo não conseguia parar de olhar para aquele indivíduo. Ele era muito
alto, mais do que os outros, e a maquiagem branca com os lábios pretos
davam a ele um aspecto aterrorizante.
– Nós tivemos algumas discordâncias… Mas, no final das contas, acho que
chegaremos a um acordo. – Deu de ombros. Olhou ao seu redor. – Onde está
o Sombra?
– Mistress Pain? – Margaret perguntou com um tom de preocupação.
O silêncio só foi atrapalhado pelas ondas do mar e pelo estalar da lenha
na fogueira.
Lion não estava entendendo nada, o que teria acontecido para que Nick
estivesse daquela maneira com o Vingador?
Este olhou ao redor e começou a rir.
– Deve estar sodomizando algum submisso. Vocês sabem do que ela
gosta…
Os membros de Santa Valburga começaram a rir. Os submissos
permaneceram de cabeça baixa.
“Será que a Leslie está ali?”, Cleo pensava.
– Hoje vamos limpar nossa alma. E para isso vamos oferecer ao deus do
fogo, Beltane, esses sacrifícios. – Apontou para os escravos. – Mas, antes,
vamos livrá-los dos pecados com bons castigos! – exclamou, puxando Nick
pelo cabelo. – Vocês não devem chorar, não devem temer – o Vingador
murmurou, beijando Nick nos lábios. – É uma honra para vocês servir à Old
Guard. Finalmente serão tratados como merecem, finalmente vão se
entregar ao verdadeiro significado da palavra submissão – ele falou,
acariciando o queixo do submisso. – Submeter-se é entregar a vida pelos
outros – garantiu, jogando o que tinha na outra mão no meio do círculo.
O ódio tomou Cleo completamente. Aquilo era uma cabeça loira? Uma
cabeça de uma mulher loira? Era Thelma!
Cleo e Lion arregalaram os olhos quando se deram conta do que seria
feito. Os Vilões foram até os escravos e começaram a chicotear a todos com
aqueles floggers cheios de vidros e metais cortantes.
– Agora! – Lion gritou, estupefato.
Cleo e Lion saíram em disparada de seu esconderijo, impressionados
com a veemência e a crueldade com que algumas pessoas podiam tratar as
outras.
Tudo aconteceu muito rápido.
Alguém no iate começou a atirar.
Cleo e Lion correram para se proteger das balas, no meio de um fogo
cruzado muito perigoso.
Os Vilões soltaram seus floggers e instrumentos de tortura, e fugiram da
praia e da fogueira, voltando por onde tinham vindo, decididos a subir de
novo no iate.
Duas lanchas da Guarda Costeira, lideradas por Mitch e Jimmy, cercaram
a praia, e o iate foi cercado por outras três lanchas, enviadas pelo
Departamento de Segurança Naval das Ilhas Virgens.
A equipe do Markus saiu da mata e deteve os Vilões que tentaram fugir.
Lion correu atrás do Vingador, que tinha entrado na densa mata da ilha.
Cleo correu para ajudar Nick, pois percebeu que ele estava muito ferido.
Quando ela estava quase chegando a ele, Xavier o alcançou antes e o
agarrou, apontando um objeto cortante para a garganta do policial.
– Solta ele, Xavier! – Cleo gritou apontando-lhe fixamente a
semiautomática.
O líder já estava sem máscara. Era um homem atraente, tão bonito
quanto seu filho tinha sido.
– Onde está o Billy? – ele gritou, nervoso. – Como você está viva?
– Seu filho passou dessa pra melhor, Xavier. Agora ele pode descansar.
Tanta maldade não lhe fazia bem…
– Não! – Margaret gritou, caindo de joelhos e arrancando a máscara com
raiva e desespero. – Nãoooo! – Ela chorava com as mãos na cabeça. – Meu
meninoooo!
Xavier não sabia como reagir, então encostou aquele espinho de metal no
pescoço do Nick.
– Não se mexa, Xavier! – Cleo advertiu. – Senão eu atiro…
– Como você escapou? – ele perguntou, pálido.
– Eu acho que quando alguém realmente não quer se submeter à outra
pessoa, sempre existe um jeito de escapar – ela respondeu, sem perder
Margaret de vista, que estava com um bastão com espinhos na mão. – Solta
isso, Margaret – ela ameaçou. – O jogo de vocês acabou. Já descobrimos
tudo. Olhem ao redor… Acabou.
– Nãoooo!
Margaret levantou e correu na direção da Cleo com o bastão de espinhos
na mão. Ao mesmo tempo, Xavier cravou o espinho de metal no pescoço do
Nick.
Cleo disparou. A bala atingiu o crânio do Xavier, bem no meio das
sobrancelhas, e ele caiu na hora. A agente tentou se esquivar da martelada
da Margaret, que acabou pegando de raspão em seu ombro.
– Puta que pariu! – Cleo gritou reclamando, se virando e dando uma
joelhada no estômago da fera selvagem que tinha tomado conta do corpo
daquela mulher.
Margaret ficou dobrada no meio, com as mãos na barriga, em posição
fetal.
Cleo apontou a arma para a cabeça dela.
“Os impulsos dos seres humanos não são racionais quando dizem
respeito àqueles que devemos proteger. Posso entender a ira”, ela havia
respondido em sua entrevista para o FBI. Sim, ela podia entender a ira.
Podia entender a raiva e a impotência de saber que existiam pessoas como
Margaret, Xavier, Claudia, Billy, o Vingador, Belikhov… que brincavam com
as pessoas e as machucavam simplesmente porque… porque podiam. Eles
tinham tanto poder e estavam tão por cima dos outros que a vida devia
parecer tediosa. E a única coisa que realmente os excitava era o poder de
dar ou de tirar a vida dos outros. Ser deuses.
Ela havia sentido o sadismo dos outros na própria pele. E sabia que
Leslie, Nick, Lion, todas essas pessoas de quem ela gostava, também haviam
padecido sob o poder deles. Agora, Cleo tinha nas mãos o poder de decidir
se a psicopata da Margaret deveria continuar respirando.
Por quê? Que bem isso fazia?
E, no entanto, ao invés de matá-la, Cleo deu uma coronhada na nuca da
assassina. Margaret caiu, inconsciente.
Cleo abaixou a semiautomática e ativou a trava. Stewart ficaria muito
orgulhoso dela, e como ficaria feliz o padre que lhe deu a catequese! No fim
das contas, diante da possibilidade de fazer justiça com as próprias mãos,
ela decidiu preservar aquela vida. A agente tinha que ser beatificada.
Havia entendido que matar Margaret não acabaria com a maldade e nem
com a raiva. Ela não era a origem. Para uma mulher da aristocracia de Nova
Orleans, seria muito pior que todo mundo soubesse quem ela era. Que tipo
de sádica e sociopata eles tinham convidado para eventos e festas. Aquilo
seria pior do que a simples morte, que por outro lado, era o que Cleo
realmente queria.
Ela ia apodrecer na cadeia. Torceria para que alguém abusasse dela nos
chuveiros e nas celas. Com certeza ela ia gostar. Margaret tinha umas
inclinações um pouco… turvas.
Cleo ergueu a cabeça e, orgulhosa da reação, correu para socorrer Nick.
Ao seu redor, ninguém estava prestando atenção à cena. Uns fugiam e
outros perseguiam; os agentes disparavam tiros paralisantes, e os corpos
dos Vilões iam caindo no mar, um por um, como enormes moscas abatidas
por um inseticida invisível.
Nick estava perdendo muito sangue pelo pescoço. Cleo cobriu a ferida e
apoiou a cabeça loira dele sobre seus joelhos.
– Cleo… – Nick falou tremendo.
– Estou aqui, Tigrão. – Ela acariciou o rosto dele. – Você não vai morrer,
mas está com um ferimento bem feio no pescoço. Senhor… E acho que o seu
braço está quebrado – ela murmurou, percebendo a fratura que se
destacava no antebraço dele.
– Não importa. Sophie… Louise…
– Sophie? – Cleo franziu a testa. – Sophiestication? – ela perguntou sem
entender.
– Sim… tira ela do barco.
– Mas você a eliminou! O que ela está fazendo lá?
– Eles pegaram ela e… – Nick engoliu saliva e reclamou. – Ela não saiu da
ilha. Os Vilões queriam ela. Iam vendê-la… Você tem que tirar ela de lá…
Por favor… Dentro do iate estão as submissas que foram postas à venda
para compradores milionários. Eles deram um lance por ela… e eu me
neguei. O Vingador mandou que eu me calasse e eu me neguei de novo… –
Fechou os olhos cedendo à dor. – Ele me desafiou para um duelo de
cavalheiros, e eu lutei com ele. Mas o filho da puta tinha objetos e eu não…
Ele ganhou e decidiu que Thelma tinha que pagar pela minha intromissão,
porque, na posição de ama, ela é que deveria ter me treinado melhor para
obedecer às ordens. E… – Nick desviou o olhar para a cabeça da ama loira. –
Caralho…
Cleo arregalou os olhos, surpresa.
– Não olha, Nick. – Ela não podia deixá-lo olhar para aquela cabeça
decapitada. – Não foi sua culpa…
O homem chorava desconsolado.
– Nick… – Cleo colou a testa na dele. – Por que você protegeu a
Sophiestication? Ela era só uma participante…
– Não. – Ele negou com a cabeça. – Ela não é só uma participante. É a
Sophie. Minha ex-mulher.
Cleo abriu a boca e demorou vários segundos para reagir. O tetris
cerebral da agente começou a funcionar.
– Nick… – Seria possível que tudo estivesse relacionado? – Sua mulher
impôs um mandado de afastamento a você, não é? E se chama Sophie.
– Sim.
– Vocês se divorciaram porque…? – “Vamos ver como é que eu posso
falar isso.” – Porque ela se assustou quando você assumiu um papel mais
dominante do que ela estava acostumada na cama?
Nick gemeu de dor e suas pálpebras se fecharam. Ele fez que sim,
visivelmente debilitado.
– Vocês têm uma filha pequena que ela não deixou você ver…
– Como você sabe… disso? – ele questionou, incrédulo. – Lion te contou?
– Não. Lion nunca me falou nada sobre vocês.
Cleo olhou para o céu e negou com a cabeça. Sophie tinha pego o voo de
Nova Orleans para Washington com ela, e estava decidida a recuperar o
marido, a recuperar Nick entrando no Dragões e Masmorras DS com ele. Ele
descobriu-a quando formou um trio com ela e Thelma, e por isso ele a
eliminou. Ele eliminou Miss Sophiestication do torneio porque era a ex-
mulher dele.
– Tira ela de lá – Nick repetiu com uma ordem alta e clara. – Agora.
– Sim, Nick. – Ela olhou para o iate, que já estava sendo invadido pelos
agentes do FBI e da SVR. Eles já haviam conseguido deter os atiradores. – Eles
já estão lá dentro. Vamos tirar todo mundo de lá. O que aconteceu com o
Prince, com a Sharon e com os outros?
– A última rodada foi contra os Homens Lagarto… Nós não precisamos
jogar contra eles porque conseguimos a chave… Caralho… Eu nunca tinha
visto tantos casais pronunciando a codeword. Aqueles caras davam medo
de verdade. Logo em seguida, prepararam a gente, os finalistas, para o
duelo contra os Vilões.
– Quais foram os casais finalistas?
– Brutus e Olivia, Cam e Lex, Thelma e eu… Todo mundo achou estranho
que você e o Lion não estivessem lá. Sharon e Prince não ficaram muito
convencidos com a exclusão de vocês e fizeram… Fizeram várias perguntas
que os Vilões cortaram pela raiz. A Rainha e os monstros não ficaram
satisfeitos, mas no final exerceram seus papéis de juízes na conclusão do
torneio. E quando tudo acabou, todos foram para o hotel comemorar o final
da competição.
Cleo olhou para o horizonte. A ilha de Saint Croix, onde tinha sido
realizada a final, devia estar acordada e alerta diante de todos os
movimentos de helicópteros, lanchas e sirenes que estavam rolando em
Savana Island.
– Teve algum prêmio de consolação para os outros?
– Eles deram uma viagem para a Luisiana, para Nova Orleans. E também
um cheque de dez mil dólares para cada um… – Nick sorriu e tossiu. A
ferida em seu pescoço sangrou com mais abundância – Mas…
– Chega, Nick. Não fala mais nada – ela ordenou, preocupada com ele.
Ao longe, se ouviram dois tiros. Assustada, Cleo olhou para a floresta. O
que tinha acontecido? Quem havia atirado? Lion?
– Lion! – ela gritou com todas as suas forças.
O agente corria pela selva, apanhando dos galhos e das raízes que surgiam
aleatoriamente pelo caminho.
Estava com o Vingador ao alcance das mãos; o cara corria como uma
gazela, mas a gazela não era páreo para o rei da selva.
Lion conseguiu chutar o tornozelo dele, derrubando ambos no chão. O
mato e a areia úmida amorteceram a queda.
O fugitivo acertou um chute em seu rosto, e Lion o agarrou pelo
tornozelo para que ele não fugisse. Subiu em cima dele, parecendo um
macaco, e colocou as mãos nas costas do malfeitor, imobilizando-o.
– E aí, doente filho da puta – ele grunhiu pegando as algemas que
estavam penduradas na parte de trás de seu traje. – Você vai ver quantas
rolas e cassetetes tem na cadeia. Você vai adorar… Na prisão tem Amos do
Calabouço de verdade.
– Eu vou sair. Vou sair de lá – ele murmurou sem preocupação, fazendo
força para se livrar do agente. – Você não sabe quem eu sou…
– Sei sim. Sei muito bem quem você é… Você é o Vingador, o vilão do
Dungeons & Dragons – Lion sussurrou no ouvido dele. – Mas esse papel só
existe na sua cabeça. Na verdade, você é um covarde.
– Você está errado. Eu existo na mente de todos. Eu sou o mal. – Ele
começou a rir de forma histérica.
– Você é anormal. Tem razão. Vamos andando. – Lion o levantou do chão
de uma vez e o empurrou para que ele caminhasse na frente.
Quem seria esse cara e por que todas aquelas pessoas o seguiam?
Não iam demorar para descobrir.
Lion e o Vingador caminhavam juntos, percorrendo de volta o trajeto da
perseguição.
Eles tinham conseguido. Lion sorriu. Estavam com eles. Os agentes
estavam com os malditos Vilões. Talvez não tivessem capturado todos os
Vilões, mas com certeza eram Vilões os que foram capturados. Disso ele não
tinha dúvida.
E a Cleo… Sua Cleo tinha estado sublime. Meu Deus… Ele já estava
imaginando como eles iam comemorar a conclusão do caso.
O Vingador tropeçou e ficou meio agachado no chão, quase de joelhos.
– Levanta. Vamos – Lion ordenou, andando na direção dele para ajudá-lo
a se levantar.
E então algo aconteceu.
Algo que Lion não entendeu até sentir uma dor bem dentro dele.
O Vingador se virou rapidamente e desferiu uma cabeçada no estômago
de Lion, de maneira que o chifre que ele usava na têmpora atravessou o
lado direito das costelas.
Lion abriu os olhos azuis e soltou ar quando o Vingador se levantou e
puxou o chifre, mostrando o adorno ensanguentado sobre sua cabeça.
Consternado, mas não o suficiente para ver o movimento seguinte do
Vingador, Lion levantou sua pistola e atirou nos dois joelhos dele. O Vilão
gritou de dor, caindo sobre a raiz de uma árvore.
Lion colocou a mão na ferida. Com certeza, era a sensação de levar uma
chifrada de touro. O cara tinha atravessado Lion com aquele chifre ridículo.
Lutando para respirar e pensando no quanto Cleo zombaria quando
soubesse como ele havia caído, ele fechou os olhos e esperou que o frio o
cobrisse e que a escuridão chegasse.
17
DATA: 26/07/2012
FONTE: SVR/FBI
CLASSIFICAÇÃO: CONFIDENCIAL
CONFIDENTIAL WASHINGTON 000328
No fim das contas, é o submisso quem submete o amo, com sua entrega e
sua aceitação.
Rango brincava com o dedo indicador dela, como se fosse seu salva-vidas.
– Ei, Rango… Pra frente! Olha pra frente! – Cleo insistia, sentada em uma
cadeira de balanço no alpendre, na frente da casa.
Lion não quis vê-la. Cinco dias antes, Cleo havia esperado pacientemente
até que Jimmy e Mitch saíssem do quarto do leão.
Quando saíram, comunicaram:
– Lion falou que quer descansar, Cleo. Ele não quer receber mais visitas.
Aquelas palavras foram um balde de água fria. Mas ela tentou entender.
O ferimento tinha sido complicado e aquele chifre poderia ter atravessado
órgãos vitais. Apenas desculpas.
Ela voltou a aparecer no dia seguinte e de novo aconteceu a mesma coisa.
Lion recebia todos, exceto ela. Saber disso dilacerou-a por dentro, ela não
sabia o que havia feito de mal nem mesmo o que estava acontecendo. Será
que ele não estava com vontade de falar com ela? Ele não queria abraçá-la?
Pois Deus sabia que ela estava com os dedos até coçando de vontade de
tocá-lo.
Onde tinham ficado as palavras da noite anterior ao sequestro? Onde? O
vento tinha levado, estava óbvio.
“Nunca acredite nas coisas que um cara te diz enquanto está te
comendo”, dizia Marisa. Com razão.
Então, depois de mais dois dias de sala de espera, ela decidiu que tinha
cansado de esperar. Tomou uma decisão e deixou Washington.
Foi para Nova Orleans, sua casa, onde independentemente de qualquer
coisa, tudo seria igual, e ela até mesmo sentia vontade de ver a senhora
Macyntire e seu cachorro garanhão. Aquele era o lugar dela, era se onde
sentia segura.
Agora o clima estava agitado com a notícia do fechamento da destilaria
de rum e da prisão dos D’Arthenay. Por isso, naquela mesma noite, as
famílias mais endinheiradas da cidade tinham decidido organizar uma festa
no parque Louis Armstrong. A fraternidade entre os cidadãos era
fundamental para uma boa convivência. E o mais importante: uma boa
festa sempre escondia as manchas.
Ela nunca tinha sido tão machucada. Aquelas duas semanas com Lion a
marcaram a ferro e fogo, a jogaram-na para cima e depois ela caiu no chão,
sentindo uma pancada seca e destrutiva. Como numa maldita montanha-
russa.
Para cima e para baixo.
Céu e inferno.
Prazer e dor.
– Ei, C. – Leslie saiu no alpendre com uma jarra de chá gelado em uma
das mãos e dois copos na outra. – A gente devia se preparar para…
Cleo levantou o olhar, com Rango na mão, e Leslie correu para o lado
dela, deixando a jarra na mesa.
– Você está chorando de novo, querida – ela murmurou, abrigando a irmã
entre os braços.
– Ah, é? – Fantástico, ela estava chorando e nem tinha percebido.
– Sim, tonta – Leslie murmurou sobre a cabeça dela, mexendo a cadeira
para os três.
Menos mal que a irmã tinha ido passar uns dias com ela. Uma precisava
da outra, para fazer companhia e para conversar. Conversar sobre tudo.
O FBI havia permitido que Leslie tirasse uns dias para recuperar as forças
e depois retomar a missão da SVR com Markus. Ela havia tomado a decisão
de passar esses dias com sua irmãzinha.
– Eu não sei o que aconteceu – Cleo sussurrou sobre o ombro da irmã
mais velha, colocando Rango no peito.
Leslie acariciou seus cabelos e deu um beijo em sua testa.
– Eu também não, C., mas cedo ou tarde nós vamos descobrir. Lion não é
muito extrovertido.
– Ele disse que me amava, que morreria se alguém fizesse algo comigo. –
Soluçou descontrolada, respirando fundo pelo nariz. – Eu também falei que
o amava.
– Os sentimentos são incontroláveis – Leslie murmurou olhando para o
nada. – Nem todo mundo se sente confortável com eles. Acho que você é a
única pessoa no mundo que adora expressar suas emoções.
– Eu não gosto – Cleo respondeu –, mas se eu não falo, fico a ponto de
explodir, entende?
Leslie sorriu e pegou Rango.
– Você tem que ficar com o Pato – Leslie pediu. Pato era o camaleão dela,
que estava dividindo o terrário e os dias com Rango. – Quando eu for
embora, quero que você cuide dele até eu voltar. Não confio na mamãe.
– Claro… – Ela secou suas lágrimas com a camiseta. – O papai quase
comeu o Rango pensando que era alface.
– Por isso – Leslie riu.
Leslie recebeu uma mensagem de WhatsApp no iPhone. Ela leu-a e
voltou a bloquear a tela.
– Quem é que está te mandando tantas mensagens? – Cleo perguntou
absorvendo as lágrimas.
– Markus – Leslie encheu os dois copos com chá e ofereceu um deles para
a irmã. Depois passou um braço por trás dos ombros dela e bebeu, apoiada
no encosto da cadeira.
– O que ele quer?
– Me ver.
Cleo ficou com uma postura mais ereta na cadeira e sorriu, ainda
chorosa.
– O moicano quer te ver? O dos olhos ametista?
– Sim. Bom, não é nada de mais. Ele foi meu parceiro e provavelmente
teremos que trabalhar juntos para resolver o caso da venda de escravas.
Amos e Masmorras acabou, mas essa rede de tráfico é enorme.
Cleo analisou a pose fria de Leslie. Seus olhos verdes escrutinaram a irmã
mais velha como se ela fosse um animal raro.
– Por que ele está te mandando mensagens? – ela interrogou.
Leslie se moveu incômoda.
– Você é pior do que a Inquisição.
– Sou. Conta.
– Bom… Você se lembra da noite no La Plancha del Mar?
– Como eu poderia esquecer… – Nunca ia contar para Leslie como Lion a
havia castigado na praia deserta.
– Bom. Eu não tinha que fazer nada… Simplesmente ficar aos pés dele,
como um bicho de estimação. Ele me bateria e pronto. Nossa relação era
profissional, não passava disso, com um respeito mútuo absoluto, mas eu
não sei o que aconteceu comigo… – ela murmurou ainda confusa. – Fiquei
com raiva de alguma coisa… Talvez do fato de ele ter jogado com todas as
outras, menos comigo.
– Você gosta dele.
– Gosto.
– Então essa reação se chama ataque de ciúmes.
– Não sei… É mesmo? – Ela bebeu um gole de chá.
– É, Leslie. – Cleo virou os olhos.
– A questão é que eu abri o zíper dele e comecei a fazer um boquete ali,
na frente de todo o mundo. Os Vilões devem ter gostado do espetáculo.
– Até você teria gostado desse espetáculo… – Cleo adicionou.
– E ele adoraria – Leslie concluiu. – Não achei que tivesse algo de ruim
em dar um pouco de veracidade ao meu papel. Eu fiz coisas realmente
escandalosas como dominatrix. – Parecia que ela mesma estava se
autoconvencendo. – E quando eu falo escandalosas, quero dizer
escandalosas estilo “nãopossoacreditarquevocêfezisso”.
– Um dia você vai me contar, não é?
– Não, você é muito nova.
Cleo deu uma gargalhada. O pior era que sua irmã estava falando sério.
Ela estava com 27 anos, e a irmã com 30. E ela era muito nova?
– A questão é que – ela continuou arrependida – ele não interpretou
muito bem o que eu fiz.
– Como assim não interpretou muito bem? Se ele gozou, não tem como
ter se sentido mal.
– Ele disse que se sentiu violado! – exclamou, incrédula. – Você acredita
nisso? Olha, eu que não estou interpretando isso muito bem. – Ela levou a
mão ao peito.
Cleo franziu as sobrancelhas ruivas.
– E ele te falou isso a sério?
– Markus não brinca muito.
– Ele está te enchendo o saco, Leslie – Cleo rebateu. – E agora o que ele
falou no WhatsApp?
Leslie mostrou a tela do iPhone.
E Cleo leu:
De amo Markus:
Estou em Nova Orleans. Quero te ver.
– O que você acha que ele quer dizer? – Leslie perguntou. Ela jogou os
cabelos escuros para trás, e seus olhos cinzentos soltaram faíscas cheias de
curiosidade.
Cleo abriu a boca assustada com a falta de experiência da irmã. Ela estava
mesmo perguntando o que o Markus insinuava? Era óbvio! – E você que é a
irmã mais velha? – ela perguntou, horrorizada.
– O que ele está fazendo em Nova Orleans? A gente não deveria se ver
daqui a uns quatro ou cinco dias? O que ele está fazendo aqui?
– Acho que ele está deixando bem claro que ele quer te ver, boba.
Leslie ergueu as sobrancelhas.
– Ele quer sexo – Cleo esclareceu.
Outra mensagem no WhatsApp.
De amo Markus:
Me fala onde você está, maldição.
Quero te ver agora.
Você nem me falou que ia partir.
Isso não é jeito de tratar o seu amo.
De amo Markus:
Agente Connelly, sua localização. Já.
Temos muito o que conversar.
Tenho muito pelo que te castigar.
P.S.: Estou te devendo uma violação.
De submissa Leslie:
Se você for me violar, espero que faça direito.
Aqui está a localização.
Hoje à noite estaremos no parque Louis
Armstrong.
De amo Markus:
Perfeito.
Se prepara.
Querida ama,
Como você sabe, Thelma e eu ganhamos o torneio Dragões e Masmorras ds. Eu recebi o prêmio, e não
poderia me esquecer de vocês. Como eu acho que merecemos por tudo o que sacrificamos nessa
missão, decidi dividir o prêmio em quatro partes. Quinhentos mil dólares pra cada um. Pra você, pro
Lion, pra Leslie e pra mim. Faça bom proveito.
TIGRÃO
Cleo queria guerra. Havia vestido o lindo corpete de camaleão, uma calça
preta skinny de lycra, bem apertada, e sapatos abertos com um belo salto
para pisotear os egos masculinos.
Se Lion a tinha ignorado de forma tão cruel e se atrevido a menosprezar
o que havia entre eles, ela ia tentar superar o golpe curtindo o máximo que
pudesse…
A quem ela queria enganar? Estava acabada e queria dar seus últimos
suspiros.
Leslie estava de violeta, usando um vestido de verão e sandálias
plataforma. Tinha prendido os cabelos pretos. Logo percebeu a mudança de
ânimo de Cleo e ajudou-a com seus carinhos.
– Olha, camaleão, nada de lágrimas por aqui, hein… Olha como o pessoal
está aproveitando.
As pessoas dançavam no parque ao ritmo de “To Be With You”. O próprio
grupo Westlife tinha sido convidado para cantar ao vivo naquela festa
patriótica de orgulho da cidade.
Diziam que o parque Louis Armstrong, antes chamado de Congo Square,
tinha sido o berço do jazz. Ficava ao final da rua Nova Orleans e,
antigamente, tinha sido um ponto de encontro de escravos africanos, que se
reuniam para cantar e dançar com tambores e banjos. A partir daquele
ritmo e daquelas melodias surgiu o jazz como se conhecia agora.
Mas, naquela noite, o emblemático parque havia se tornado uma
verdadeira balada ao ar livre.
Cleo e Leslie iam beliscando seus tempurás de frango à la Coca-Cola,
únicos de Nova Orleans. Bebiam cervejas de morango e se empanturravam
de fritura. Dá-lhe óleo pra cima da depressão!
– As irmãs Connelly. – Magnus exclamou colocando a cabeça entre elas.
Cleo olhou para ele e sorriu.
O policial estava acompanhado de Tim, que olhava abobalhado para
Leslie. O capitão apertou o nariz de Cleo e tirou-a para dançar.
– Tenente Cleo. – Ele fez uma reverência. – Você voltou de férias e
continua curtindo. Que tal me acompanhar nessa música?
Leslie deu um gole na cerveja e levantou a mão para cumprimentar sua
mãe e seu pai, que corriam na direção delas.
– Olha, C., o papai e a mamãe vieram nos perturbar – ela disse entre os
dentes.
A simpática Darcy se aproximava com o braço entrelaçado ao de Anna.
Enquanto isso, Charles e Michael caminhavam atrás delas, admirando o
grupo de jovens que cantava com vozes muito harmônicas.
– Eles são gays? – um perguntava ao outro.
Darcy e Anna abraçaram as duas irmãs.
– Aqui está a minha maravilhosa filha mais velha, que foi capaz de passar
quase duas semanas sem me ligar e nem dar notícias.
Leslie sorriu com educação e devolveu o abraço à Darcy.
– Desculpa, mamãe. Eu estava muito ocupada. – Ela piscou um olho para
Anna, que começou a rir.
– E ainda insistem em deixar esses bichos verdes e míopes comigo, pra
eu cuidar. Quando é que eu vou cuidar dos meus próprios netos? Eu quero
bípedes.
Cleo e Leslie se olharam com cara de nada.
– Ela está falando com você, L.
– Não – Leslie respondeu –, ela está falando com você, C. Toda a atenção
dela é pra você. Só pra você.
Darcy apertou a bochecha de Leslie e depois dedicou toda a atenção à
sua filha ruiva. Colocou as mãos na cintura.
– Minha filha, olha como você está, querida – ela repreendeu.
– Culpa daquele hotel, daquela escada em estado péssimo – Cleo mentiu.
Como ela ainda estava com cortes e pontos, teve que inventar uma
desculpa sobre a escada de uma das cabanas em que eles se hospedaram
ter quebrado enquanto ela subia para o quarto. Agora estava virando até
roteirista.
– Você vai dançar com esse rapaz? – Darcy perguntou dando sua bolsa
para a Anna.
– Bom, eu ia, mas…
– Ah, então você perdeu a vez – respondeu sua mãe, puxando Magnus e
colocando as mãos em seus ombros largos.
Cleo e Leslie começaram a rir. Mas então Anna, a mãe do Lion, sua ex-
sogra, aproximou-se das duas irmãs com doçura e educação ímpar,
dizendo:
– Vocês não se importam que eu dance com ele depois? Acho que eu
tenho que aproveitar as maravilhas naturais de Nova Orleans.
Era o mesmo que dizer: “Como o meu marido não tem mais uma barriga
de tanquinho e não é tão bronzeado quanto esse moreno de olhos verdes,
temos que aproveitar esse produto jovem e crioulo e passar a mão nele,
que não é pecado!”.
Magnus teria sido o par ideal para ela, Cleo pensou enquanto o observava
dançar e sorrir para sua mãe.
Os dois trabalhariam juntos, sem muitos contratempos. A mãe dela seria
eternamente apaixonada por ele. Por que ela também não podia se
apaixonar?
Realmente, eles se davam muito bem. Magnus era simpático e divertido,
e nada dominador. Não como Lion.
Magnus dava o braço a torcer, o que para o Lion era difícil.
Magnus nunca a havia machucado. Lion tinha acabado com ela.
Sim, tudo teria sido mais simples com Magnus.
Mas o amor de verdade não era simples. O amor de verdade era uma
flecha de duas pontas que nos atinge, impossível de arrancar e, mesmo
conseguindo, os efeitos colaterais eram graves e sangrentos.
Ela nunca tinha acreditado nos contos de fadas. Agora, menos ainda.
As duas irmãs viraram-se para observar a multidão. Naquele dia, o
Bairro Francês tinha acordado com manchetes impactantes nos jornais.
Falando de Billy Bob e de sua morte trágica, do negócio do rum e das
tendências sádicas dos D’Arthenay. Mas na verdade, ninguém saberia até
que ponto todo aquele tema do sadismo e dos Vilões era sujo, cheio de
sombras, sem um pingo de luz.
Será que elas ficariam com sequelas?
Sim. A pior de todas, além de ter perdido Clint e da morte de Thelma, era
saber que ela havia perdido seu coração.
No parque Louis Armstrong havia um monumento de bronze em
homenagem ao grande músico de jazz, assim como uma escultura dedicada
à lembrança dos escravos negros. Era o que rodeava um pequeno e
espaçoso jardim com um lago modesto, aos pés de uma passarela pela qual
se podia caminhar.
E foi ali, na passarela, que Leslie pousou seu olhar prateado e não voltou
a desviar.
– Meu Deus – Cleo murmurou. – Moicano logo ali.
– Eu já vi – Leslie assegurou. – Então ele me achou. – Ela sorriu e se virou,
ignorando-o.
Markus negou com a cabeça e começou a rir.
– Pra onde você está indo, Les?
– Vou brincar de gato e rato – ela respondeu beijando a bochecha da
irmã. – Você vai ficar bem?
– Vou – mentiu. Mas quando sua mãe e sua ex-sogra parassem de se
aproveitar de Magnus, talvez ela pudesse dançar com ele e esquecer de
tudo. – Você vai dormir em casa?
– Claro. – Ela franziu a testa.
– Você não vai. Já estou vendo ele a caminho.
– Ei, quem você acha que eu sou?
– Ok, quem é o gato e quem é o rato?
– Bom, eu sou a gata. – Piscou um olho. – Boa noite, ratona. – Ela se
afastou da irmã ao ver que o russo estava se aproximando.
Cleo não sabia o que pensar. Leslie parecia muito confortável brincando
com Markus. Era estranho vê-la assim, tão atrevida e segura de si. Bom, ela
sempre tinha sido assim, mas a novidade era ver essa postura em relação a
um homem, de quem ela gostava, aparentemente.
Ele passou ao lado de Cleo.
– Khamaleona – cumprimentou, com os olhos ametista fixos no vestido
violeta que se perdia na multidão.
– Markus.
Quando Cleo perdeu os dois de vista, virou-se para andar até a pequena
passarela e apreciar a festa dali, enquanto jogava pedacinhos de tempurá
de frango para os patos que ficavam na água.
A banda Westlife saiu do palco e deu a vez para uma garota chamada
Tata Young, que parecia ser asiática. Ela estava cantando “My Bloody
Valentine”.
Primeiro as teclas do um piano. Depois o ritmo grudento.
Cleo fechou os olhos e se deixou levar pela melodia.
Pessoas como ela eram tão musicais que suas emoções mudavam com os
sons das notas corretas. Com as palavras sussurradas, cantadas…
Cleo começou a mexer os quadris levemente, mas duas mãos duras e
exigentes detiveram o seu vai e vem.
Ela abriu os olhos e não se atreveu a olhar para trás.
Tinha o cheiro dele, do leão que tinha acabado com sua alma ao
dispensá-la daquela forma no hospital.
– Me disseram que você não quer voltar para o FBI.
Silêncio.
– Cleo?
– E o que é que te interessa o que eu quero fazer?
– Leoa… – Lion murmurou, encostando seu corpo nas costas dela. – Eu
ainda tenho algumas coisas pra te dizer, coisas que para alguém como eu
não são fáceis de admitir.
– O que você está fazendo aqui? Já está melhor? – ela perguntou fugindo
dele.
– Não. Eu não estou bem – ele respondeu com humildade.
– Se você ainda não está cem por cento, deveria ter ficado no hospital,
onde ninguém pode te ver. Ou melhor, onde a única que não podia te ver
era eu.
Lion fechou os olhos e afundou o nariz nos cabelos dela.
– Eu quero pedir desculpas. Não se afaste.
– Foi você quem me afastou – ela rebateu, apertando os dedos das mãos e
cravando as unhas nas palmas.
– Não. Não é verdade.
– É sim. Eu fiquei quatro dias tentando te ver. E você não me deixou
entrar nenhuma vez. Você não queria falar comigo. Depois de tudo o que
nós passamos juntos, você me tratou mal. Você não tem a mínima ideia de
como me tratar.
– Cleo… – ele sussurrou acariciando a nuca dela com seu nariz. – Deixa eu
te falar o que eu ainda tenho pra falar, depois você pode decidir o que fazer
comigo. Se você quiser, pode me jogar na água para que os patos comam
meus olhos.
Cleo respirou fundo, irritada.
– O carismático e simpático Lion está de volta, hein? Pode me falar o que
quiser. Eu já decidi como vai ser com você.
– Bom, você se importa se eu te disser dançando?
– Agora você quer dançar comigo?
– Por favor.
– Essa música é perfeita pra nós – ela confessou, sarcástica. – Por que
não?!
Lion ficou de frente para ela e a acolheu entre os braços.
Meu Deus, estar ali era sublime. Eles se encaixavam tão bem… Ele
começou a mexê-la e eles se mantiveram perfeitamente sincronizados. Ele
tinha uma camiseta de manga curta azul-escura, como seus olhos. Estava
muito moreno por causa do sol nas ilhas. Seu figurino também tinha uma
calça jeans clara e tênis brancos esportivos Adidas, com as faixas azuis.
E ele estava com cheiro de perfume de homem…
Dava gosto ver Lion se mexendo. Ele era tão sexy dançando… Mas o que
não era sexy nesse amo, pelo amor de Deus? Quando ele nasceu, ficou com
todo o pecado carnal para ele.
– Você tem um cheiro tão bom…
– Não, Lion. Chega – ela suplicou. Ele ia voltar a seduzi-la, não podia ser. –
Me diz o que você quer. O que você está fazendo aqui?
Ele respirou bem fundo pelo nariz e soltou o ar pela boca.
– Eu vim aqui porque na noite em que eu disse que te amava eu ainda
deixei algumas coisas por falar. E não é justo que você não saiba. E porque a
forma como eu te tratei no hospital tem uma explicação. – Ele passou a mão
pelas costas da Cleo.
– Não me importa.
– Não diga isso. Eu menti pra você.
Ela ficou tensa entre os braços dele.
– Eu não gosto de você – disse Lion.
Cleo fez uma careta e lutou para se afastar, mas ele não deixou.
– Me deixa em paz! – Ele ia parar de machucá-la de uma vez por todas?
– Não vá embora. O que eu sinto por você é mais do que gostar, é mais do
que amor, Cleo… – Suas palavras se derramaram como a água de um rio
corrente. – Meu coração de homem e de amo é seu desde que eu tenho 8
anos. Acho que as almas afins se reconhecem quando se encontram, e que
um amo de coração escolhe quem ele quer proteger e provocar. Eu te
escolhi naquele dia, há 23 anos.
Cleo não conseguia acreditar. Ela pestanejou para se livrar das lágrimas e
pegou o bichinho de pelúcia com as mãos trêmulas.
Lion observou atento a reação dela, sem deixar de movê-la, ainda
dançando ao ritmo da música.
O coelho estava com algo pendurado no pescoço. Um colar com duas
alianças. Duas peças de quebra-cabeça douradas com um coração de
diamante em uma das pontas. Como a tatuagem.
– Cleo – Lion a colocou no chão e juntou a testa na dela. Eles respiravam
o mesmo ar. – Eu cometo erros, e sei que ainda vou cometer muitíssimos
outros, mas também sei pedir perdão. Eu estou apaixonado por você desde
que eu era um menino, mas não tive coragem para falar nada até me tornar
um homem. Me aceita e me ama, e eu vou te dar tudo o que eu sou, tudo o
que eu tenho, de bom e de ruim, para que você cuide de mim e me corrija.
Eu me entrego por completo, pequena – ele murmurou, trêmulo. – Você me
domina.
Cleo o abraçou com todas as suas forças e beijou-o nos lábios com
ferocidade e voracidade. Misturando paixão e ternura. Dor e alegria.
Libertação e submissão.
– Eu te amo, Lion Romano – ela sussurrou, acariciando-lhe a bochecha
áspera. – Te amo desde que te vi chorar nas escadas da sua casa. Te adoro
por não ter jogado o coelho na minha cara. Eu te amei e te desejei desde
sempre.
– Você sabe quem eu sou, Cleo – ele disse com lágrimas enormes nos
olhos azuis. – Eu não vou mudar. Gosto do que faço.
– Eu não quero que você mude, amor – ela sussurrou, beijando as
lágrimas dele, que não simbolizavam fragilidade, mas força e maturidade. –
Eu nunca tinha me sentido tão viva e tão segura como estando acorrentada
a você, submissa aos seus castigos e carícias. Me prende na masmorra do
seu coração e não me deixa sair nunca mais. Nunca, nunca permita que eu
escape. – Ela voltou a beijá-lo nos lábios e repetiu: – Você me domina.
– Caralho, não… – Ele sorriu, iluminando seu rosto masculino. – Eu nunca
vou te deixar escapar, leoa. Você é a mulher com alma de dragão que eu
estava esperando.
– Eu nunca vou deixar você ir embora, leão. Entrei na sua masmorra e
quero seu coração de amo pra mim.
Amos e Masmorras acabou sendo uma espécie de dia dos namorados
sangrento, onde o amor, a raiva, o sadismo, a dominação e a submissão
tinham marcado todos os seus participantes.
Mas só nas caçadas mais selvagens afloravam os verdadeiros
sentimentos daquelas pessoas, com honestidade suficiente para admitir
que um áspero e soberano homem-leão tinha se apaixonado cegamente
pela incrível mulher camaleão que estava entre seus braços.
O amor não era questão de tamanho e nem de tipo de pele.
Nem de gênero e nem de espécie.
O amor era um jogo de fantasia e realidade.
De lágrimas de dor e de prazer.
De dar e de receber.
O amor, o verdadeiro, significa deixar-se guiar pela pessoa amada com os
olhos vendados e as mãos amarradas, tendo a capacidade de entregar o
controle para o outro sem medo de errar.
Não havia ato maior de submissão do que se render ao verdadeiro amor.
E cedo ou tarde todos nos submetíamos, não?
E, assim, o leão foi domado pelo camaleão.
FIM?
DICIONÁRIO AMOS E MASMORRAS
Segundo a Wikipédia:
GIBSON, Ian. El Vicio Inglés. Barcelona: Planeta, 1980 / The English Vice.
Londres: Duckworth, 1978.