Ronald Robson - Contra A Vida Intelectual
Ronald Robson - Contra A Vida Intelectual
ou iniciação à cultura
Ronald Robson
1ª edição — maio de 2024 — CEDET
Copyright © Ronald Robson 2024
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Editor:
Felipe Denardi
Preparação de texto:
Danilo Carandina
Revisão:
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Capa:
José Luiz Gozzo Sobrinho
Diagramação:
Maurício Amaral
Revisão de provas:
Lidiane F. Gozzo
Victor Figueiredo
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César Kyn d’Ávila
Silvio Grimaldo de Camargo
N R
Ao leitor ainda capaz de desesperar-se.
Alguém poderia pensar que esta insistência na espontaneidade, esta
preferência por ela, exclui a educação ou a relega a um posto secundário.
Creio, ao contrário, que a exige: é preciso educar a espontaneidade. Esta
se nutre de experiências, imaginações, ensaios, explorações do
desconhecido. Ora, a espontaneidade que não é educada é pobre e, pior,
paradoxalmente pouco livre, limitada pela herança, não só biológica, mas
sobretudo social. Entendo a educação como cultivo e incremento da
espontaneidade.”
— Julián Marías
Prólogo a um pan eto fragmentário
E ste livrinho é um pan eto, e por tão frágil compleição talvez não tenha
maior vida que os males que aponta, descreve e vitupera.
Esse objeto é esquivo, contudo. Não é visível para a maior parte dos
brasileiros, e repare que ao dizê-lo me restrinjo aos brasileiros interessados na
discussão de ideias. É esquivo porém existente e perfeitamente identi cável: a
voga online de educação (ou autoeducação), que permitiu a disseminação da
posição política de direita, acabou por acrescentar novos males aos já
conhecidos malefícios da educação o cial brasileira e dos meios culturais de
prestígio dominados pela esquerda. Entre esses novos males se contam a
confusão de educação com doutrinação conservadora, autoridade intelectual
com riqueza nanceira, e a substituição da produção cultural autêntica pela
louvaminhice dos “clássicos”, da “vida intelectual”, das “virtudes”, e por aí vai,
tudo conjugado aos mais antigos — e aos mais novos, porque algorítmicos —
meios de autopromoção e promoção mútua de uma súcia de empreendedores
virtuais.
***
***
Ao abranger num olhar único os textos curtos e vários que compõem este
volume, assumo a temeridade de sugerir um baixo contínuo a soar sob suas
notas mais salientes: a conquista da naturalidade. A incompreensão ou
misti cação da vida intelectual que ataco é, se tomada por essa mirada, uma
crise de inconsciência, uma incapacidade crônica de sequer aspirar à
naturalidade, à espontaneidade educada. Está em jogo, como se vê, o problema
da genuína personalidade, ainda que bem lá no fundo — o problema de ser
incontroversamente quem se é. Paro, contudo, a poucos metros do frágil
biombo de enganos que encerra esse problema. Prometo não me aventurar até
lá, pois já nos bastou a caixa de Pandora. Orgulhosamente evito teorizar com
espírito de sistema, e a menção feita aos desa os de consecução da
naturalidade e de construção de uma personalidade autêntica objetiva apenas
instigar a atenção de quem me lê, a m de que assim me leia melhor. A
unidade deste livro depende, em uma medida bem além da usual, da
inteligência do leitor, a quem não peço boa vontade, mas do qual cobro
incômodo.
***
Não posso concluir este prólogo, que eu queria fosse bem combativo mas nem
está soando tanto assim, parece, sem dizer palavra sobre um livro célebre.
Como a rmo num dos textos, Olavo de Carvalho está na fonte de muitos
esforços educacionais independentes em ambiente online. Uns poucos desses
esforços, dirigidos por alunos seus, são respeitáveis. A maior parte, todavia,
prendeu-se a uma leitura desvirtuadíssima, por mais virtuosa que se pretenda,
do clássico livro de Pe. Antonin-Gilbert Sertillanges, A vida intelectual (1921).
Olavo a rmou que esse livro “decidiu o curso da minha vocação”. E é certo que
a reminiscência viva dessa leitura informou as suas iniciativas pedagógicas
desde a década de 1980.
Que posso dizer do livro de Pe. Sertillanges? Tenho de primeiro observar que
comentá-lo é atividade muito acima daquela a que me entrego neste
volumezinho. A distância que o separa dos cursos de “vida intelectual” e
congêneres, hoje muito comuns, é a mesma que vai entre uma gravura de
Dürer e sua cópia executada por mim. Meu juízo, de todo modo, é que esse
livro se torna útil para quem já se aplica a tarefas intelectuais, para quem já
adquiriu o hábito de satisfazer suas curiosidades, que na verdade não serão
vãs, antes necessárias. Será útil a quem chegou a se arriscar à criação de algo,
portanto. Essa pessoa poderá então ampliar sua margem de ação e alcançar
maior conhecimento e domínio de si.
***
Este livro vai para a estante dos volumes cujos autores teriam preferido não
escrevê-los. Se alguém porventura encontrar nestas poucas páginas
oportunidade para meditar de forma menos ligeira sobre a nalidade da
educação e da criação intelectual, ou para avaliar o quanto se deixou levar
pelos imperativos do momento e, assim, reconsiderar a possibilidade de uma
experiência mais original de sua própria capacidade de conhecer, o autor não
só se dará por satisfeito como também beberá doze latinhas de cerveja
profundamente comovido pelo sentimento de que a vida vale a pena, é bela,
graças a Deus.
São Luís,
nov. 2023–fev. 2024.
P I: V
“Nada mais apreciável do que um bom livro de crítica. O seu autor,
colocando-se acima de todas as considerações que fazem o espírito de
roda, só olha ao mérito real, e com uma justa e acertada censura
proclama os talentos de uns, confunde a mediocridade de outros, corrige
erros que não foram notados, descobre belezas que a outros escaparam,
faz calar a opinião de tantos que se zeram juízes, sem o poderem ser, e
desmascara a petulante coterie, que se serve de meios industriosos para
dar celebridade a quem não a merece [...].”
— Frederico José Corrêa, Um livro de crítica (1878)
Um novo modismo na cultura brasileira
1. Macaqueação deslumbrada
Esta é mais uma moda que se abate sobre nós, que somos historicamente tão
suscetíveis a modismos. Assim como o “ecletismo” de Victor Cousin pôde ser
moda no Brasil do século ou o estruturalismo nas universidades brasileiras
de 1980, ou a ideologia da “identidade nacional” na Era Vargas, de igual modo
certa imagem embasbacada de vida intelectual começa a ser moda nas redes
sociais brasileiras nesta década de 2020. E, se é moda no meio virtual, é moda
no Brasil real.
Só se estuda loso a com proveito depois que se tem matéria acerca da qual
losofar.
Mais de uma vez, ao reagir, desesperado, à falsi cação pela qual a vida
intelectual vem passando no Brasil (de um lado premida pela politização da
esquerda, de outro pelo moralismo da nova direita), ouvi de pessoas
inteligentes e de boa vontade que, pelo menos entre a população conservadora,
o caso não era para tanta preocupação. Ora, se antes o brasileiro só discutia o
último episódio da novela das sete ou o jogo de futebol do último domingo,
não se deveria comemorar que ele agora se aplique com idêntico fervor a
criticar a esquerda, a assistir a especiais de Natal da Brasil Paralelo e a comprar
livros que lhe deem um vislumbre do que seja uma legítima vida intelectual?
É tentador responder que sim; posso dizê-lo com desembaraço, até porque já
pensei da mesmíssima maneira. Ter acompanhado a produção da nova direita
(valha a palavra, “produção”, à falta de outra melhor) nas redes sociais entre
2021 e 2023 me fez rever essa posição. É preciso corrigir a ótica pela qual
enxergamos o fenômeno: não é que a classe média conservadora esteja se
elevando às altitudes excelsas da alta cultura; é a alta cultura que está sendo
insidiosa e venalmente trazida à baixa altitude dos interesses, vícios e
banalidades que permeiam a vida de nossa classe média mal-educada.
Não tenho nenhum grande preceito, mas posso dar um depoimento. Ainda
que eu não seja o melhor dos exemplos, sei que a trajetória de quase todas as
pessoas que hoje vivem de escrever não diferiu muito da minha quanto ao
seguinte.
Assim, livro remetendo a livro, fui indo, e bem ou mal aqui estou. Não z
inauguração de vida intelectual, não tracei um grande plano para me tornar
um sábio. Na verdade, se algum empombado viesse me falar de vida
intelectual, o provável era que risse com deboche na cara dele. Vaza daqui,
otário!
Não teria sido a reação mais recomendável, mas ela exprimiria uma saudável
aversão a qualquer engessamento do gosto, da curiosidade, qualquer tentação
de substituir o prazer de um parágrafo de Borges por uma homilia sobre a
profunda lição moral de sei lá o quê. Pode ser que exista algum Grande Atlas
do Espírito pelo qual devamos nos guiar, mas cada um de nós no máximo
enxergará fragmentos dele. Quem proclama possuí-lo, a ponto de até vendê-lo
online, não passa de um picareta.
Cultivo até hoje — sempre cultivarei — a ojeriza daquele rapazola que fui a
qualquer tentativa de transformar a educação em manual de conduta. Quer
queira quer não, assim faz toda pessoa para a qual o termo “vida intelectual”
designe algo mais que um fetiche.
Abaixo o neopentecostalismo intelectual
Adler ou Dostoiévski?
Por volta dos meus 18 anos, desejei muito ler, como quem esperasse apossar-se
da chave de São Pedro que daqui da terra lhe abriria portas em uma realidade
mais elevada, o tão citado How to Read a Book (1940), de Mortimer Adler.
Finalmente o livro foi reeditado no Brasil, lá por 2012, coisa assim. Abri-o
em uma livraria, atravessei umas tantas páginas. Parecia meio cacete, e o que
havia de mais aproveitável ali era coisa que eu já descobrira naturalmente em
minha vida de leitor. A parte mais metódica, com diferentes técnicas de leitura
de um livro, achei impraticável como procedimento consciente. Imaginei o que
seria uma pessoa inveterada na aplicação de Como ler livros a livros; concebi a
imagem mais acabada do leitor fútil. Mas me ative a outra constatação: este
livro tem, vamos dizer, umas 600 e tantas páginas; é mais ou menos a extensão
de O adolescente de Dostoiévski, mas nunca li O adolescente; ora: mas é claro
que não empregarei nesse livro o tempo que poderia empregar em O
adolescente.
Neopentecostalismo intelectual
Há casos mais graves. Não raro, a pessoa interessada em ser intelectual tem
sérias de ciências no uso da língua. Cada linha, um erro de gramática. É óbvio
que essa pessoa não precisa de vida intelectual. Precisa de gramática de ensino
básico. E ela própria às vezes tem noção dessa sua carência elementar;
contudo, pensa que irá supri-la especulando sobre o Bem e a Verdade, como se
com todas as suas limitações fosse capaz de entender algo do Bem e da
Verdade.
Não sabe que assim não está se afastando da realidade decaída em que vive.
Está se afastando apenas de si mesmo e inviabilizando toda e qualquer
possibilidade de deparar-se angustiosamente com o fato de que o Bem e a
Verdade, antes de se mostrarem belos, manifestam-se como uma autoacusação
da consciência que não mais suporta a ideia de viver qualquer mentira.
Enquanto isso, viver lascado continuará a ser a regra entre os que produzem
a cultura que os listeus usam para adornar suas pessoinhas esfuziantes.
Escola de ressentimento
Por não querer ser apenas um liso, o ressentido de classe média decide
tornar-se intelectual e “formar” o seu “imaginário”, outra tendência dominante
de certo utilitarismo pedagógico, em matéria de literatura, que segue bem de
perto essa nova teologia da prosperidade.8
Pois então:
Talvez.
Mas acho muito arriscado fazer essa aposta. É melhor bater na impostura,
tripudiar dos acionistas dessa loucura, que prosperam nos nichos online
superpovoados de pessoas emocionalmente inseguras e pouco educadas. A
educação delas deveria começar por reconduzi-las a si próprias, fazendo-as ver
que a busca de conhecimento não se coaduna com nenhuma posição so cial
clara, nenhuma autoimagem reconfortante, menos ainda uma imagem de rede
social.
Didatismo kitsch, ou nas origens de um
problema que poderia ter sido uma solução
Conheço pessoalmente não uma nem duas, mas várias pessoas que passam o
dia a recolher bibliogra as, a cantar para si mesmas as glórias da erudição e da
sabedoria, a entreter sonhos de uma obra intelectual, de um destino pessoal na
cultura, e que assim se tornam letárgicas e não passam à ação efetiva, a qual
não necessariamente as tornaria gênios, mas pessoas minimamente dignas da
imagem pela qual zelam. Isso ocorre porque há pessoas demais que já não
sabem para que serve a cultura e que, todavia, buscam se adequar a uma
imagem edulcorada da “vida do espírito” — e o caminho mais curto é sempre
o da imitação de determinados trejeitos e interesses. No caso, determinados
elementos colhidos em períodos históricos pretéritos que, por petição de
princípio, tomamos logo como indubitavelmente bons e universalmente
inspiradores — impulso esse no qual sobra apologética, falta dialética.
Há, portanto, muita gente desorientada (“o que devo ler?”) a buscar
orientação — o que é bom; mas há muita gente a se regozijar com a
consciência de sua desorientação (“o Brasil acabou, preciso voltar para a Idade
Média”), o que acaba subvertendo aquele primeiro e saudável impulso.
Sob esse aspecto, pouco há de novo na situação atual do Brasil: nós sempre
fomos carentes de um senso de orientação cultural capaz de estabelecer uma
tradição de ensino e erudição, com uma pedagogia apropriada e modelos
especí cos de homem bem-formado. Só o que deixou de existir foi o espaço
antes garantido (em jornais, por exemplo) a intelectuais que, pela sua
competência, de um modo ou outro acabavam funcionando como ímãs
sociais, como mínimo norte de uma bússola cultural constantemente
desorientada. Mas essa desorientação é que é a regra (à qual se soma hoje um
negativismo que vê no denuncismo da decadência uma das mais altas
nalidades da cultura). Tanto é assim, que esse espaço antes assegurado a
intelectuais o era quase que só aos tipos “letrados”, nem sempre dos mais bem
equipados para oferecer esse tipo de discernimento; lósofos, sociólogos e
cientistas, por exemplo, sempre correram por fora.
Tudo isso é uma desgraça, mas pelo menos ainda tem o mérito de uma
relativa visão comunitária, altruísta, ainda que apenas em sua forma. Eis que
hoje nossos intelectuais de bolso, na direita, desprezam justamente esse
altruísmo formal (no que até poderiam estar cheios de razão) e buscam uma
oposição de 180 graus a esse cenário que descrevi de forma panorâmica. De
caso pensado ou não, adotam uma ética do egoísmo bené co, que reza mais ou
menos por esta ladainha: “Esqueça essa besteira de fazer o bem à sua
comunidade, ao Brasil, ao mundo. Faça o seu, garanta o feijão da sua família.
Se todo mundo pensar assim, as coisas irão melhorar”.
Essa ideia remonta pelo menos à Fábula das abelhas (1723), de Bernard
Mandeville, mas tenho a impressão de que a absorvemos via Estados Unidos,
via uma baixa ética à la Ayn Rand. A cooperação entre os membros de uma
sociedade, assim, seria um efeito colateral da tentativa de cada um realizar
aquilo que é de seu estrito interesse. No campo da educação, ainda que essa
percepção não seja expressa com todas as letras, ela se faz promover por meio
da crença de que a busca exclusiva da Verdade transcende quaisquer entraves
sociais e dota o indivíduo não das ideias civis corretas, não dos preceitos de
transformação revolucionária do mundo, mas das ferramentas e da postura de
quem será capaz de “vencer na vida”.
Porque, você sabe — não sabe? —, se você é pobre a culpa é sua, porque
todos esses livros ao seu redor deveriam automaticamente torná-lo rico não só
para os padrões espirituais de São Francisco de Assis, mas também para os
padrões materiais de Ícaro de Carvalho. Falar de Deus e falar de dinheiro, não
à toa, são coisas às vezes indistinguíveis em algumas paragens do Instagram, e
o protesto contra esse fato irá no máximo revelar o ressentimento e a
arrogância daquele que não partilha do pão da mesa dos ricos (já o digo como
uma prevenção irônica contra os que vierem me chamar de pobretão
rancoroso).
P osso estar errado, mas parece que foi Italo Marsili quem popularizou no
Instagram a prática de humilhar seguidores. Você com certeza já viu o seguinte
procedimento: fulano abre caixa de pergunta, seguidor envia questionamento
um pouco estranho, descabido ou até inofensivo, e em resposta fulano escreve
textão dizendo o quanto aquele seu seguidor é imbecil e quão grande é a
distância que os separa. Haverá variações do procedimento, algumas até sutis
— só uma frase displicente de resposta com aquele fotão, ao fundo, de
in uencer bem-sucedido na praia ou academia —, mas o cerne é o mesmo.
Mais uma vez posso estar errado, mas parece que o fenômeno não se veri ca
com facilidade em outras paragens virtuais. É algo próprio ao contexto de
ensino, da educação a distância, e especí co do meio de católicos, de
conservadores, de gente insatisfeita com a pedagogia moderna (eu mesmo sou
tudo isso). Seria de se esperar que, contra a anomia social, contra a destruição
de qualquer escala de valores, zéssemos o el da balança pesar para o lado da
responsabilidade pessoal, da autoridade, da objetividade de atos e ideias. Só
não era de se esperar que isso pudesse tomar a forma caricata desses régulos de
stories. A gura do professor é sequestrada pela gura do mestre de
palmatória em riste, prestes a dar uma bordoada que trará engajamento.
Jamais aceite a ideia de que uma humilhação lhe é in igida para o seu bem.
A distância que ela assinala não é entre mestre e discípulo, mas entre
in uenciador e in uenciado num meio que tem muito pouco a ver com
educação. Só o algoritmo ganha com aquilo que você perde.
Cátedra virtual vs. cátedra digital
“V iver de digital” atrai muita gente por parecer um meio de obter mais
liberdade. Eu mesmo já me peguei pensando coisas assim. A maioria dos
departamentos universitários de Humanas nos oferece uma morte lenta. Se os
professores de esquerda sempre perseguissem malvadamente os alunos de
direita, ou não tão de esquerda assim, talvez a vida universitária fosse mais
divertida. Mas não. Hoje o professor destrói seus alunos de maneira mais sutil
mas mais insidiosa: mata-os de tédio. (Esse foi um dos motivos pelos quais
optei por seguir tortuosamente pós-graduação na área de letras, não de
loso a, porque professor de loso a no Brasil em geral é muito...
professorzinho.)
Corta para o mundo digital: eis a liberdade para eu criar o que bem entender
e vender para quem bem quiser comprar. É verdade, mas também é mentira. O
cara na universidade morre de carência: quase ninguém (ou mesmo ninguém)
lhe cobra real qualidade, às vezes nem mesmo qualquer nível de
produtividade. O cara no mercado digital morre de excesso: vive de criar nos
outros a expectativa pelo infoproduto nal, aquele que se vacilar é até citado
no livro do Apocalipse.
A classe média, contudo, é a classe menos livre. Se você é pobre, mas pobre
lascado mesmo, ninguém se importa se você faz gato de luz, água e internet.
Você está um pouco distante da justiça. Seu carro velho nunca viu um
pago, é uma piada, você está pronto para caminhar em qualquer rua
barra pesada da cidade às 2h da madrugada sem medo, porque esse é o seu
habitat natural.
O indivíduo de classe média não sabe o seu lugar. Constrangido por leis e
mais leis, tem um horizonte de realizações possíveis reduzido; está habituado
ao fracasso, o qual recebe o nome ora de “realismo”, ora de “Estado”, ora de
“vontade de Deus”. E por isso mesmo ele acredita ter um Napoleãozinho
dentro de si. O coach aposta nesse Napoleãozinho.
Esse médico nal tem desde já sua forma provisória: o coach que lhe diz que
o fracasso nal ainda não chegou, você pode sair dessa fria, não é desta vez
que ela, a vida, acabará com você. Na cultura coach, não existe fracasso. Todo
revés é no máximo um descenso infernal passageiro em sua jornada do herói.
Mas veja: isso corresponde a uma segunda morte do narrador.
A velhice requer postura contrária. Você envelhece para um dia ser capaz de
contar os seus fracassos, com sinceridade para com o interlocutor e paciência
consigo próprio. Não existe nada mais que justi que a velhice, dê-lhe um real
sentido, senão isto: a admissão de que o fracasso, muitas vezes, é uma
realidade incontornável. Seu corpo é a prova disso. E mesmo o sucesso, na
esfera da produção intelectual e artística, nem sempre é algo bonito de se ver.
Você vai sucumbir, sim, à dipsomania mais extrema como Joseph Roth, na
esperança de antes escrever A marcha de Radetzky. E para muitos até essa
esperança será um luxo.
C atólico que sou, sei que foi a Igreja que criou o Estado laico, e que
laicidade não é ateísmo. Sei que o objetivo da cultura não é tornar você um
Fidei Defensor, mas um indivíduo de intransigência absoluta na defesa da
verdade daquelas percepções que não é capaz de esconder de si mesmo (assim
até um ateu terá vida interior rica). É por meio dessa defesa que o indivíduo
realiza moralmente, em si próprio, aquilo que é meta sicamente análogo ao
princípio de identidade. Enquanto você não se reconhecer incapaz de negar os
fatos de sua vida interior, não compreenderá o princípio de identidade. Esse é
o elo mais imediato entre moral e metafísica.
Nas redes sociais, é fácil esquecer isso. É fácil acreditar na verdade delivery.
A verdade delivery é aquela que já nos chega na embalagem de Grande Lição.
É fato que a educação supõe uma ética mínima de aprendizado, no sentido de
que a compreensão de algumas páginas de Aristóteles exige do leitor disciplina
moral (por exemplo, o cultivo da atenção e da maior valia da verdade sobre a
falsidade).
Não é uma ideia de todo errada, mas perde de vista que nenhu ma
autenticidade importa se você não tem algum acesso às obras, seja direta seja
indiretamente. Não interessa a “essência” da obra tornada um misterioso
númeno kantiano, guardado em algum museu metafísico inacessível.
Kantianamente, é melhor um fenômeno reprodutível que nos traga algo
daquela essência do que não ter acesso algum a ela. Talvez eu jamais veja um
Vermeer a não ser em livros ou sites. E se não visse sequer isso...
Quem vendia curso de vida intelectual começa a falar mal de curso de vida
intelectual. E o que oferece no lugar — ensaio, romance, curso de verdade
sobre tema especí co? Não: mais pro paganda das vantagens da formação
introdutória à vida de quem está iniciando etc.
“Fazer curso para aprender a dar cursos sobre como ganhar dinheiro dando
cursos” é a fronteira nal do conhecimento. É uma espécie de “Era uma vez...”
em loop in nito, sem que nunca se chegue à próxima palavra da história.
O que vale para a vida em geral — a vida em geral que já é simbólica, aliás —
valerá particularmente para a vida do espírito. Quer queira quer não, aquilo
que você absorve será aplicado no enfrentamento do que você ainda não
absorveu e na construção de quem você ainda poderá ser. Por isso José Ortega
y Gasset nos pedia que não tornássemos o conhecimento algo apenas dado,
apenas absorvido, espiritualmente asséptico, mera informação catalogada.
Pedia que com esse conhecimento nos atirássemos a novos riscos:
Não hieratizemos a cultura adquirida, preocupando-nos mais com repeti-la que com aumentá-la. O ato
especi camente cultural é o ato criador, aquele em que extraímos o logos de algo que todavia era
insigni cante (i-lógico). A cultura adquirida só tem valor como instrumento e arma de novas
conquistas. Por isso, em comparação com o imediato, com nossa vida espontânea, tudo o que
aprendemos parece abstrato, genérico, esquemático. Não só parece: é. O martelo é a abstração de cada
uma de suas marteladas.16
Caso você tome consciência desse fato e aceite de bom grado impor-se
desa os, aceite sentir-se obrigado a ser criativo até nos modos como
transforma angústias em fontes de interesse intelectual, estará pronto para
buscar seu caminho no universo da cultura, no qual ou o trabalho é criador, ou
então não é trabalho de forma alguma.
Make it new
Isso nada tem a ver com ser novidadeiro, com buscar a diferença por si
mesma, o que ca claríssimo na vida de pessoas autenticamente criativas.
Causa estranheza que tanta gente que admire Olavo de Carvalho, que tenha
acompanhado por anos o trajeto criativo dele, não compreenda isso, e ache
que repetir catecismo e Platão vá nos salvar.
Smarceneiro.
uponha que você queira aprender um ofício. Digamos que o ofício de
Você irá até uma marcenaria, observará como trabalha um
marceneiro, talvez se torne aprendiz dele. Construirá cadeiras, camas, cabides,
janelas; e, à medida que os construir, você se tornará um marceneiro.
Agora suponha que você apenas observe as cadeiras, camas, cabides e janelas
feitas por aquele mesmo marceneiro, e as ache perfeitos exemplos de alta
marcenaria. Você também ouve o que o marceneiro diz aos aprendizes da
o cina, anota na caderneta uma lista de preceitos da “vida de marceneiro”.
Volta para casa e percebe que em sua vizinhança há um número considerável
de pessoas carentes de conhecimentos de marcenaria. E aí você coloca na
porta de sua residência um anúncio de “Curso de vida de marceneiro”.
***
Esses atos são aprendidos pela observação dos mais peritos, dos mestres em
seu ofício. Você aprende a ler um romance — “aprender a ler” é basicamente
desenvolver um instinto para aquilo a que se deve dar atenção — observando o
que um bom leitor diz a respeito de algum romance. Aprende bem mais assim
do que lendo um livro de teoria literária ou fazendo um curso fast-food de
“como ler romances”, por mais que a princípio o texto do crítico possa lhe
parecer difícil.
***
Às pessoas que perguntam o que fazer para encontrar alguma direção nos
estudos, sinto vontade de dizer: façam o Curso Online de Filoso a de Olavo de
Carvalho, vão observar o marceneiro (de quebra, gastariam uma mixaria em
comparação com o valor cobrado por cursos suspeitos oferecidos por aí). Ou
vão estudar com Newton da Costa. Ou procurem o círculo de discussões de
Julio Cabrera, por mais insuportáveis que algumas ideias dele lhes pareçam.
Procurem os marceneiros, e naturalmente aprenderão o ofício e formarão uma
comunidade informal em torno deles.
É natural saber muito e mesmo assim acreditar não ter o que dizer. O
saudoso “público letrado” era composto de engenheiros, contadores e
domésticas que liam Érico Veríssimo apenas porque isso lhes fazia bem,
porque os educava divertindo. Achariam estranho que alguém, após tomar
conhecimento dessas suas leituras, os convidasse a lecionar.
Para a maioria absoluta de nós, não dar aula sempre será uma opção.
Atentem a isso e se perguntem se não estão deixando de criar coisas
importantes, de se atirar a projetos incertos mas recompensadores, apenas
porque iniciar uma live é fácil. O verdadeiro ensino não é só transmissão de
conhecimento, é criação de conhecimento. E isso não é nada fácil.
Qual o problema fundamental da educação?
N ão existe nada mais difícil de meter na cabeça do novo direitista que este
fato: “O livro não educa aquele que o lê com a nalidade de educar-se”
(Nicolás Gómez Dávila). A “educação” é o resultado quase acidental da
atividade apaixonada e mais ampla de envolvimento com a vida.
Por isso, quando vejo alguém dizer que “está na hora de estudar, entender o
Brasil para reagirmos”, sinto aquele tédio morno, só levemente desesperado, da
certeza de que daí não sairá estudo algum, educação alguma, porque não
implicará prazer nenhum.
Desde a primeira vez que o li, bem antes que elaborasse qualquer re exão
mais ampla sobre o projeto humanista (um dos objetos de investigação de meu
Seminário), reconheci ali algo que me achaca de tempos em tempos: uma
vontade de abandonar o círculo estreito das bibliogra as, de desfazer-me de
minha biblioteca e viver de não mais que uns poucos volumes — numa
palavra, um cansaço da cultura como registro.
Tem até seus lugares-comuns, como o “ quei pobre gastando dinheiro com
viagem para compor currículo e pagar publicação de artigo em revista
prestigiosa”. Outro sempre presente é “não quero levar 15 anos para alcançar
um salário que meus colegas de escola sem maior formação ganham em uma
semana trabalhando meio período”.
***
Agora, o que vai ser esse novo circuito no momento não está claro. Criar
universidades melhores não é a solução, até porque ainda há universidades
boas, ou pelo menos bons departamentos. Mas isso não altera em nada o
cenário geral. O lance é ir à cata do que houver de bom nesses espaços, ter
contato com as pessoas certas e car atento às novas oportunidades. Melhor:
criá-las.
Em resumo
4. Lembre-se de que um bom artigo seu vale mais que 57 protestos contra o
marxismo cultural (mas sim, ele existe).
Jobservando
acques Hadamard inicia seu estudo do processo criativo em matemática
que inventar e descobrir são, nessa área, atividades indistinguíveis.
Quando — ele exempli ca — Benjamin Franklin nota que os raios podem ser
canalizados até estruturas metálicas, simultaneamente descobre sua natureza
de descarga elétrica e inventa o para-raios. Essa observação esclarece um
aspecto rotineiro da prática do cientista e em especial do matemático, mas,
apercebe-se Hadamard, também de algumas outras esferas de atividade. Eu
diria mais: diria que se aplica a todas as esferas da ação humana. E
complementaria dizendo mais ainda: que isso re ete não só uma ambiguidade
prática, mas um efetivo aspecto da realidade. O real pede para ser descoberto
— nós apenas inventamos meios de efetivar a descoberta.
Daí a constatação:
Nós, pro ssionais acadêmicos, perdemos contato com as origens da atividade intelectual humana básica.
Logo, perdemos a capacidade de justi car e explicar para os concidadãos ou lantropos — e até para nós
mesmos — por que nossas instituições de ensino são importantes.
Por outro lado, e muito felizmente, o que Hitz encontrou ao recuperar as suas
experiências de juventude, de descoberta animada de personagens, ideias e
memórias através de livros e da educação que lhe deram seus pais, coincidiu
em alguma medida com aquilo que encontrou ao dedicar-se ao serviço
voluntário e ao ingressar em uma comunidade católica, afastando-se por
alguns anos da docência acadêmica: uma vivência mais natural da vida, o
sentimento de ser capaz de permanecer de pé frente à correnteza, não porque
seja preciso fazê-lo para alcançar certo status, progressão de carreira e
incremento salarial, mas porque é preciso viver enquanto se está vivo.
“Compreendi que não poderia viver uma vida intelectual e amar o próximo
como hobby. Eu não tinha compreendido a ordem das coisas ”, confessa-nos
Hitz. “Eu deveria amar o próximo e encontrar um modo de vida intelectual
que expressasse esse amor. Para isso, eu tinha que colocar acima de tudo a
forma de amor que assume o apático nome de caridade”.
***
Às vezes alguém se lembra de dizer que o estudo deve ser parte do movimento
geral de autoconhecimento do indivíduo; que o estudo não deve ser um
pinguim que se coloca em cima da geladeira da vida. É verdade, mas quantos
de nós realmente estamos cientes da profundidade desse fato e dos
compromissos a que nos obriga? Tudo aquilo que entra no campo do
conhecimento corre o risco de cair no campo da rotina, e tudo aquilo que é
rotineiro é vizinho do invisível. O tempo atua como uma inércia que preserva
o saber nesse nicho escuro (uma parte morna e desinteressante de nós
mesmos) e o previne de qualquer possibilidade de reavivar-se. Passamos a
frequentar o saber como quem frequenta uma repartição pública, um diretório
acadêmico, uma praça de alimentação de shopping center. O saber era saber de
que mesmo?
Diz Hitz, pois bem, que “fracassar é talvez o melhor caminho para a
interioridade”. Parece uma a rmação dramática demais — quem dera fosse
mesmo. Einstein num sufocante escritório de seguros (foi esse também o
destino de Kaa), ou o matemático André Weil cheio de júbilo na prisão, a
produzir como nunca, nos mostram que toda a escala de infortúnios é
compatível com a grandeza de espírito. Geralmente nos consideramos aptos a
grandes gestos de heroísmo em situações graves (e realmente o somos); mas
geralmente não aguentamos a pequenez da vida mediana, intranscendente,
sem brilho. O gênio, seja como for, não precisa de cadeia; às vezes um simples
escritório basta, às vezes uma modesta mesa de jantar. Todos nós
experimentamos fracassos, uns menores, uns maiores, talvez não
necessariamente trágicos. Mas a atenção a esses fatos que nos condicionam e
determinam parte do que somos pode alimentar a seiva da criação, isto é, a
invenção irmã da descoberta.
Além das vicissitudes inerentes à vida e dos possíveis vícios, pesa ainda o fato
de que as mais altas aspirações humanas podem acabar agrilhoadas pela mais
agrante das fraquezas humanas: aquela pela qual uma qualidade objetiva
pode se tornar um mal subjetivo. Re ro-me à vaidade, em casos extremos, ou
tão só ao amor-próprio, que todos partilhamos e por meio do qual a verdade é
posta a trabalhar pela ilusão que temos acerca de nós mesmos. Zena Hitz
observa: “Mesmo no amor por aprender parece haver um desejo de
superioridade, um desejo de pertencer a uma elite exclusiva”. E ainda: “Algo em
nós ama o espetáculo de nossa própria ação e reduz nossas melhores
motivações a uma fantasia narcisista”.
***
Que isso venha sobretudo da parte de cristãos é coisa que deveria nos
espantar. A universalidade que está na origem e no destino de toda
investigação humana deveria já servir de advertência contra quaisquer
enviesamentos utilitaristas (ainda que se trate de utilidade post-mortem). Zena
Hitz é inspiradora em sua reprimenda: “Temos que nos lembrar de que a fé
cristã tem alguns princípios básicos e oferece a perspectiva de um crescimento
livre, amplo e inde nido na compreensão e na santidade. O ensinamento
cristão não é um lago arti cial que pode ser represado, e sim uma fonte
inesgotável”.
***
O retrato que Zena Hitz faz de nossas universidades e das expectativas gerais
hoje nutridas em relação aos intelectuais, seja da parte de instâncias públicas
seja da parte do cidadão comum, é bastante desagradável, desconfortável, mas
o pior de tudo não é isso. O pior de tudo é que o tipo intelectual que
materializa essas expectativas é uma pessoa que você não chamaria para tomar
um café, pois ele poderia começar a discursar na sua frente sobre qualquer
coisa que expressasse, no m das contas, o desagrado dele pelo status quo e o
quanto está excelsamente acima daquilo que critica.
Há de voltar.
Antes do imaginário, eduque o ouvido
Imaginário, para a maior parte das pessoas que vivem de oferecer e consumir
esse tipo de “formação”, resume-se à estrutura narrativa, é não mais que a
abstração dos dados plasticamente literários de uma obra para que se alcance
tão só o seu “enredo”. O leitor da obra literária se revela, nesse caso, não um
crítico literário, não um leitor sagaz capacitado para avaliar as continuidades e
descontinuidades formais de uma obra dentro da tradição em que se situa, mas
um intérprete de símbolos e um terapeuta.
Batucar um tambor e fazer uma macumbinha lhe dará uma intuição mais
profunda da natureza da literatura do que fazer cursos de formação do
imaginário.
***
O trato entre pessoas é intrínseco não só à vida social, mas também à vida
intelectual. Sempre estamos lidando com ideias ou experiências que foram
pensadas ou vividas por outras pessoas, as quais deixaram registros disso em
livros, obras de arte, nos mais variados tipos de documento. Quem se dedica às
coisas do espírito dedica-se a conviver com outros espíritos, a compreendê-los
com simpatia, ainda que para deles discordar. Isso se tornará especialmente
delicado na loso a, quando muitas vezes não temos clareza acerca das
experiências que dão a validade de uma cerrada argumentação formal.
As coisas são assim porque a literatura, como a arte em geral, só tem um tipo
de valor: valor estético. O problema é o que se entende hoje por estética. Esta
se encontra submetida a uma visão pseudokantiana, bem rasa, que bota
estética pra cá (pirar, tomar ácido, escrever um poema) e ética pra lá (ir à
missa, almoço em família, respeite o sinal vermelho). Mas na verdade há uma
componente pedagógica inalienável em toda criação estética, ainda que se trate
de um livro que pregue abertamente o mal, delicie-se nele, como faz
Lautréamont. E as criações estéticas se permitem um tipo de ambiguidade que
só raras vezes a metafísica alcança.
Tenho avô e tio negros, minha bisavó materna era lha de escravos, mas
acredito ser capaz de compreender um pouco de como vivia um nobre branco
na Normandia do século . Em minha newsletter comento a Eneida com
meus leitores,25 e como eu poderia me imaginar capaz de compreender
Virgílio se não apostasse na capacidade da inteligência de estabelecer pontes
entre diferentes “lugares de fala”?
Nas últimas eleições presidenciais, vi conservadores dizerem que, se você não
vota em Bolsonaro, é porque “não tem lhos” a serem doutrinados pelo nas
escolas. Ou que, se você vota em Lula, é porque não pertence à “parte do país
que mais produz”. Isso não é nada mais que o conservador falando a partir do
seu “lugar de fala”, lugar esse que é o calvário de toda a tradição e educação.
Porém, são inesgotáveis porque é muito fácil desbordar dos limites mais ou
menos intuitivos da autoridade do indivíduo. Falo autoridade no sentido de
autoria e de responsabilidade por aquilo de que se é autor. Quando se a rma
que “só quem passa por essa situação sabe de fato o que é isso”, quer-se dizer
que a medida nal da experiência é a própria experiência. O que está muito
bem. Tanto é assim que quase tudo o que vivemos pode ser abrangido numa
única e mesma escala de virtualidade da experiência.
Explico-me. Mesmo a educação depende de uma con ança inicial mínima
que o aprendiz deposita no mestre: esta pessoa é capaz de me levar a perceber
determinadas coisas importantes. No começo, essas coisas serão importantes
como notas promissórias. Elas detêm determinado valor, mas este parece
externo, atribuído por outrem (o mestre) a elas. À medida que o aprendiz
progride, à medida que se torna capaz de perceber mais elementos da vida —
ou de uma área da ciência que lhe interessa — sem a promessa do mestre, mais
a experiência direta dos fatos se torna a medida do seu conhecimento. Toda a
educação se baseia num pacto entre discípulo e mestre, o qual tem por foro a
experiência, foro esse ao qual o discípulo aspira chegar em algum momento.
Senão, vejamos: o mundo está aí, e aí, até não se sabe quando, cará. Já eu e
você, muito em breve, não estaremos mais aqui. Se muito, sobreviveremos na
memória dos outros, sobrevida essa na qual Jorge Luis Borges, um ateu, via
uma espécie de eternidade. Portanto o máximo que chegaremos a fazer — isso,
aliás, se nesse intuito empenharmos todas as nossas forças — é ato similar ao
de quem atravessa os escombros do que um dia fora a casa de um
desconhecido e, por estranho ímpeto de bondade, em vez de tentar pôr tudo
em ordem e reerguer o lar inteiro, encaminha-se a um canto, ergue o dedo
indicador — e o desliza levemente contra a lateral de um quadro chamuscado
sobre uma parede que ainda resiste. E então pôde um desconhecido deixar em
ordem pelo menos a posição de um objeto naquele espaço que outrora fora um
lar para outro desconhecido. Isso é o máximo que nossa bondade nos
permitirá fazer neste mundo.
É natural ter dúvidas sobre se a pro ssão pela qual se optou é a que melhor se
coaduna à nossa vocação, ou ao menos a que a sufoca mais delicadamente, ou
ao menos a que ainda nos permita lembrar que um dia acreditáramos possuir
semelhante coisa. É natural temer que inexista Deus, temor sem o qual o
próprio Deus tornar-se-ia injusti cado. É natural caminhar pelas ruas da sua
cidade natal, após cruzar umas duas décadas embriagado dum sentimento que
só depois você perceberia lhe ser aplicável o nome de “ostracismo”, e sentir que
você dera voltas e voltas e voltas, e só o que mudou foram as luzes dos postes
— antes calorosamente amarelas, hoje assepticamente brancas — e a saúde de
seu pulmão: porque exilar-se só tem sentido se for para retornar ao
mesmíssimo e imutável ponto de partida. É natural tomar-se por falsamente
convencido de que tudo o que você zera não passou de uma temível sucessão
de derramamentos de tempo pela janela, quando, de fato, você está
verdadeiramente disso convencido e, pior, correto de maneira inexorável. É
natural questionar-se, por vezes, de que vale possuir uma certeza que não nos
tome em seus braços e nos ponha para dormir.
Encontrar-se perdido
***
Paro, vejo livros na estante como quem vê uma condenação. Por um lado a
ameaça do despropósito; da irrelevância de prosseguir com algo que, se tanto,
irá me proporcionar meia dúzia de motivos sobressalentes para conduzir uma
conversa bem-sucedida em ocasião social qualquer. A futilidade, Deus, a
futilidade — fulminai os levianos!
Assim, passo semanas, já houve vez de ser meses, sem atinar com que fazer.
Estudar sistematicamente parece esforço baldo. Ler, vá lá — pouco sei o que
fazer além disso. Rezar é opção sempre disponível e grata. Não há desejo de
acordar cedo, não há desejo de escrever. Sigo os dias como quem caminha
mais ou menos a um metro de distância atrás deles. Cadernos começam a
parecer o que de fato são — pilhas de papel manchadas de garrancho. A
própria vida intelectual começa a parecer um luxo. A própria vida começa a
parecer, como dizer?, improvável.
Notem que não se trata de não ver sentido em nada. Ao contrário: sei haver
algum sentido em tudo; mas sei também que não consigo persegui-lo sempre,
ou pelo menos não sem antes ter de recuperar o o da meada outra vez e outra
vez e outra vez.
Hoje, discípulo que sou de um lósofo que ensina a desenvolver um alto grau
de tolerância para com o estado de dúvida, a suspender o automatismo dos
juízos até que, em algum momento, as coisas mesmas falem, sei que nesses
períodos de relativa apatia nada, radicalmente nada é inútil. Pouco a pouco,
por meios inesperados e posso quem sabe chamar mesmo de subconscientes,
padrões de reconhecimento começam a se impor. Certos dados da realidade,
insigni cantes em aparência, dão a ver a ponta de um o; que custa puxá-lo
um pouquinho? Vejo então que aquilo leva a algo, porém não sei a quê. Largo
de mão e dali a dias, muitas vezes a vir desde um ângulo muito diverso, até
excêntrico, a mesma questão — reparem que agora já falo em “questão” —
reaparece.
Um poeta, se fosse mesmo capaz de viver a sua poesia, não a escreveria. Ele
escreve porque é um incapaz, um fracassado, alguém que capitulou da vida e
correu ao colo morno e consolador das letras, ah, as benevolentes letras.
Por isso Arthur Rimbaud foi, diz Henry Miller, sumamente poeta no
momento em que parou de escrever, deu as costas à poesia e foi viver. Havia
descoberto que cada palavra escrita, cada poema publicado, é um adiamento
da vida do poeta, que se poeta mesmo seria consumido por uma espécie de
gula existencial: a vontade de tudo conhecer, fruir, consumir, experimentar até
o limite de sua destruição. Não há quem pense que só conhecemos de fato
aquilo que criamos com nossa mente e nossas mãos? Pois digo que para essa
gula só se conhece de fato aquilo que formos capazes de destruir. Rimbaud o
sabia, e também, e muito bem, Henry Miller. Levar tudo às últimas
consequências, com clara consciência de que a derradeira delas é a destruição,
é o destino próprio de todo coração que, mais forte que a vida, é no entanto
impotente, infantil, tolo, e assim acaba esmagado pelo que lhe é inferior ao
mesmo tempo que torna intoleravelmente doce tudo aquilo que seu
romantismo toca.
Nem todo escritor precisa ir tra car armas na Abissínia, eu sei. Mas a muitos
faria bem deixar de considerar-se parte da irmandade que impera
secretamente sobre o coração dos homens. Essa pretensão é a máscara do
covarde que interpõe entre si e a vida desejada os símbolos desse desejo, os
quais não concorrem para a sua realização, e sim para o conformismo diante
da própria impotência.
Uma outra vida
Essa outra vida que cria para si sempre será fantasmática, anêmica e
fundamentalmente aleijada por uma irrealidade congênita se não o conduzir a
alguma experiência de estranhamento.
Quando olho para o passado, para o que z, quem já fui, aquilo em que já
acreditei, o dano que provoquei nos outros e a dor que in igi a mim mesmo,
reconheço-me na exata medida em que percebo já não ser em toda a linha a
mesma pessoa. A memória, por meio desse estranhamento compadecido, ou
talvez inconsolado e até mesmo revoltoso — nada como a vergonha nos
levanta tão violentamente contra nós mesmos —, preenche os interstícios de
nossa autoimagem com os detritos da vida que, queiramos ou não, sobrevivem
aos nossos atos e guardam suas marcas. A realidade dessa vida, ou dessas vidas
que nos perseguem como pegadas que deixamos na areia, nasce da estranheza
que nos causa. É uma experiência bem-vinda, mas não inteiramente agradável.
Ao contrário, o literato acovardado ou partidário de ideologias (progressistas
ou reacionárias, tanto faz) irá criar mundos ccionais que na verdade não lhe
causarão estranhamento algum. Não constituirão para ele uma outra vida;
serão apenas o prolongamento mesquinho das pobres ideias e dos estúpidos
ideais com que se embeleza e se engana todos os dias. O verdadeiro
estranhamento só poderia ser alcançado caso a literatura o expusesse ao risco
do ridículo, caso admitisse lugar, em seus escritos, para o temor de estar
errado, caso não ocultasse o fato de que a falibilidade fundamental que
constata nos outros e projeta em seus personagens o afeta igualmente. O
grande romancista sempre é, enquanto romancista, um pouquinho pessimista,
agnóstico e cético, não importa quanta fé e convicção informem as suas
opiniões. Sua literatura se alimenta daquilo que o incapacitaria para as
atividades cotidianas mais comezinhas.
A outra vida não redime a vida comum. É esta vida comum, dura verdade,
que torna tolerável aquela outra, oferece-lhe alguma desculpa. Nisso se
fundamentam a incompreensão e intolerância que o homem comum tem, com
toda justiça, para com o escritor. O escritor é um ingrato: seus direitos autorais
deveriam ser destinados a cada pobre diabo que dia pós dia carrega o fardo
bruto da realidade nas costas para que, em cima dela, inconsequentes e sem
culpa, divirtam-se os letrados. É uma injustiça espiritual que, milenar, supera
os despotismos políticos e caçoa de qualquer miséria econômica.
A secreta aspiração humana
A covardia da literatura não parece ser exclusividade sua, nem mesmo das
artes em geral. Toda atividade simbólica traz a marca — dói dizer, mas é
preciso — de uma abdicação fundamental.
Mas isso a literatura nos oculta, nos adia essa percepção, maldita seja ela, a
arte de capitular.
O verdadeiro mal-estar da civilização
Snaturalmente
onhamos pois demais com a naturalidade, com sermos naturais, isto é,
nós mesmos. Em poesia, louvamos a naturalidade como grande
qualidade. Um poema não pode soar “forçado”, deve soar “natural”; uma boa
tradução seria aquela que arti cialmente se oculta, passa por natural à língua
de chegada.
Como a vida os esmaga, eles têm a face bem colada ao solo. São dotados da
mais invejável das liberdades, que é a liberdade de se contentar bovinamente
com o que possuem. Esses são os verdadeiros pobres de espírito.
Eu, que escrevo estas notas, e você, que as lê, só podemos entrever o sentido
dessa pobreza e desejar alcançá-la à custa de muita cultura, muito símbolo,
muita covardia. Desejamos uma impossível coragem natural, uma arremetida
para fora do mundo simbólico, uma tentativa de respirar ares puri cados de
toda pestilência civilizacional.
Despreocupação
É fácil tudo aquilo que não opõe resistência. Opor resistência é servir de
amparo à de nição de algo. A abóboda celeste de ne a esfera de ação terrestre
porque resiste — não se desfaz, não cede a outro limite — à nossa tentativa,
por força da imaginação, de substituí-la por algo que nos sugerisse uma maior
abertura. O céu visível, ao mesmo tempo que sugere liberdade, sugere os
contornos dessa liberdade, sugere sua esfera de ação possível, e só o faz
mediante uma resistência fundamental.
Não é fácil, não é sequer prazeroso sempre. Ir além dos valores linguísticos já
compartilhados e estabilizados numa sociedade é análogo a desejar substituir a
abóbada celeste por outro limite que nos seja menos limitante, é análogo a
desejar substituir a pele que limita nosso corpo por outro órgão que não nos
separasse tanto da unidade cósmica em que estamos inseridos. Não é a pele o
órgão mais extenso do corpo, e não seria credível imaginá-la ainda mais
extensa, a envolver não só a nós mas também a todas as coisas e seres numa
unicidade indestrutível, com uma tez enganosamente macia, já que na verdade
forjada no metal impuro de tudo quanto existe? A nossa pele já foi unida à
placenta, a placenta já foi unida ao útero, e nós não esquecemos nem jamais
esqueceremos o conforto de ser uma pessoa e ao mesmo tempo mais de uma
pessoa. Ansiamos pelo útero.
Pior, nos refestelamos nessa ânsia, voltados que sempre estamos para os
afazeres da linguagem. Para plasmar novas unidades dentro da limitação do
cosmos linguístico, desenvolvemos um instinto superior, uma espécie de gozo
cifrado que não corresponde a nada que se encontre no reino puramente
animal. Não nos guiamos pela promessa de felicidade, nem pela visão de uma
recompensa imediata, mas pela pura abnegação necessária à criação de
represas contra a corrente do tempo, do corpo, da merda. A alma abrasada
pede o querosene da fascinação do difícil.
A ideia de que o poeta deve ser louvado por não pagar pedágio na estrada da
realidade — ou por pagar pedágio demais, e aí teremos o canto do poeta
incompreendido, marginal etc. — levou muita gente a desdenhar da poesia.
Talvez o caso mais célebre e radical seja o de Witold Gombrowicz, exasperado
com essa “multidão de seres excepcionais”. Para ele, a própria essência da
poesia estaria na autoindulgência. Quem escreve um poema já espera ser
louvado, está fazendo uma espécie de mimimi culturalmente nobre. O poema
é um pedido de arrego, de que perdoem o poeta e lhe paguem as contas.
Não condeno a poesia e reconheço que é possível escrever coisa signi cativa
com o velho mote do poeta vate, poeta pajé da tribo, poeta legislador secreto
do mundo, poeta que não abre loja da Havan mas abre as portas da percepção.
Mas vamos baixar a bola. Na verdade, isso é uma con ssão de impotência: se o
poeta tivesse mesmo todo esse poder, não faria tanta bravata.
Mitologia pessoal como nova glori cação do
poeta
Iassim:
ncomoda-me Brigg atts (1966), longo poema narrativo (nem tão longo
717 versos) de Basil Bunting. Bunting talvez seja mais conhecido pelas
referências que Ezra Pound faz a ele, em especial a atribuição da descoberta da
en “: densare” (“fazer poesia: condensar”) em um
dicionário alemão-italiano.
Mas a coisa é críptica. A poesia não é pública. Tudo precisa ser desvendado.
A mitologia do poeta: o touro, o pedreiro, a cobra-de-vidro. E por aí vai. É um
esforço estranho a quase toda a poesia feita até o século . Você poderia não
compreender Ovídio por não saber nada sobre o deus Janus, mas Janus era e é
um dado cultural disponível. Agora, não entender nem o título do poema de
Bunting por não saber que o poeta vem de família de quacres, e que esses
dissidentes religiosos se reuniram inicialmente numa hospedagem que tinha
esse nome, e que naquela região o jovem poeta teve um encontro amoroso —
bom, isso é coisa bem diferente.
Não teria a poesia moderna criado a necessidade de ccionalização da vida
do poeta como uma espécie de compensação da perda do quadro mitopoético
tradicional (cristianismo, imaginário greco-romano, alegorias renascentistas)?
Eu não sei. Mas parece que sim, e para prejuízo de todos nós, tanto mais que o
procedimento se torna mais um meio de glori cação do poeta: agora, a sua
própria vida, nos detalhes mais anódinos, mereceria a atenção antes
dispensada apenas à cultura em geral.
T alvez jamais um poeta tenha sido tão poético quanto Arthur Rimbaud. E
no entanto ele não nos cansa. Por quê? Em razão de seu segredo mais íntimo, o
seu talento mais intransferível, que o capacitava para ao mesmo tempo ser
maximamente poético ao fazer uma poesia maximamente impura. Fez-nos ver
que o mundo da poesia não cabia na obra dos poetas e convocou todos os
estilos e todos os objetos do universo a tomar parte em seu esforço quase
imoral de apurar a forma sem depurá-la de nada. Seu procedimento era
omnívoro, conforme a fome existencial de que falei e que ele tanto cantaria:
Meu gosto agora se encerra
Em comer pedras e terra.34
Mas Rimbaud não foi su ciente para salvar os demais poetas de si mesmos,
razão pela qual é conveniente lembrar as palavras de Witold Gombrowicz
contra a poesia pura:
Por que não gosto da poesia pura? Pelas mesmas razões pelas quais não gosto do açúcar “puro”. O açúcar
é ótimo quando o tomamos junto com o café, mas ninguém comeria um prato de açúcar: já seria
demais. É o excesso o que cansa na poesia: excesso de poesia, excesso de palavras poéticas, excesso de
metáforas, excesso de nobreza, excesso de depuração e de condensação que assemelham os versos a um
produto químico.36
Assim também não se alcança a poesia quando se quer apenas fazer poesia,
puramente poesia.
Docere cum delectare
“Quando se escreve uma carta, sabe-se exatamente o que dizer: a ilusão de que se dirige a um público
universal é a essência das letras, e abstrata é essa essência.”
— Paulo Leminski, Catatau
Não ensina o adágio latino docere cum delectare, “de leitar ensinando,
ensinar deleitando”, que instrução espiritual e diversão mundana se reuniriam
na literatura? Assim, um bom poeta será ao mesmo tempo um bom professor e
um bom mágico de rua. Irá nos iniciar nas minúcias da língua e nos arcanos
da Verdade, mas ao mesmo tempo nos fará, quem sabe, rir. Anjos não riem. Só
ri quem está ligado à vida da carne; o riso instruído, em especial, será uma
vivência ainda mais exclusiva da condição humana.
A crença de que Virgílio tenha escrito algo que diga respeito a mim mascara
o fato de que nada que eu escreva dirá respeito a Virgílio. Na literatura como
em tudo mais, os mortos exercem uma tirania sobre os vivos, tirania essa tanto
pior porque até justi cada por uma ideologia civilizacional (a da
universalidade comunicativa).
Stornar
e bem que a literatura nasça da covardia, nada impede que ela possa se
a arriscada tarefa de quem, não mais mero “construtor de latrinas”
(como se chama em Ulisses ao homem civilizado), tenta fazer-se como os
peixes na água, como as aves no ar.
Para melhor compreender esse esforço, aceitemos este estranho fato: não é a
razão que individualiza o ser humano e o separa dos demais animais; na
verdade, é a força física que o torna tão particular.
A naturalidade mais imediata do ser humano, a sua corporeida de, é algo tão
ou mais valioso que a sua capacidade abstrativa, cuja meta de autenticidade
sempre será pálida se comparada à força de um músculo que se contrai no
desempenho de atividades indóceis e, às vezes, verdadeiramente heroicas.
Do corpo. A fatalidade da metafísica
“Body is reality”, lê-se numa mensagem exibida por uma durante uma
performance sadomasoquista protagonizada por Saul Tenser (Viggo
Mortensen), o personagem que tornou a extração de novos órgãos cancerosos,
que volta e meia reaparecem em seu corpo, espetáculo público. O sexo, num
mundo que só sente alguma intensidade quando aquilo que se preza é
exteriorizado contra o decoro, só poderia se tornar a penetração em sentido
mais estrito do corpo do outro, com o só cuidado de não matá-lo, já que dor
não é mais problema — ninguém mais sente dor, pois se vive quase na
impossibilidade de sentir prazer.
T oda atividade física requer mais esforço para ser iniciada do que para ser
concluída. Se você tem um condicionamento físico mediano, sabe que é mais
difícil chegar à décima exão do que à trigésima. Passado o primeiro
momento, o esforço se amortiza e passa a ser vivenciado psicologicamente não
como prazer, nem mesmo como desa o, mas como rotina.
***
Toda legítima arte marcial guarda certos traços educacionais que foram
abandonados pela pedagogia das últimas décadas. Antes de mais nada,
nenhuma arte marcial pode razoavelmente equiparar aluno e professor. Há
uma discrepância qualitativa evidente entre os movimentos do mestre e os
movimentos do discípulo. E, se essa discrepância diminuir demasiadamente, a
ponto de se tornar mais uma diferença de caráter que uma diferença de
técnica, é porque chegou a hora de o discípulo se retirar e abrir o seu próprio
dojô.
***
Não é por outro motivo que um pintor deve dominar os princí pios do
desenho, mesmo que não os empregue rigorosamente em suas obras; que um
poeta deve dominar os princípios da métrica, mesmo que pareça escrever os
versos mais livres já ouvidos. As características dos gêneros literários, como
sistema abrangente das possibilidades de conformação de limites numa obra,
devem ser aprendidas para que em algum momento sejam esquecidas.
***
A ideia de forma nasce da ideia de limite, e a ideia de limite nasce da linha do
horizonte: não somos capazes de ver além dela, nossas mãos não a alcançam.
Quando pensamos em limite, pensamos em linha, e a linha, mesmo quando
vista na vertical, é de algum modo compreendida por sua horizontalidade
potencial.
Percebemos partes e todos, todos como partes, porque somos capazes tanto
de concretizar quanto de abstrair os limites dados em tudo aquilo que
percebemos. Consigo compreender a porta de minha casa como um limite
entre esta e a rua. Mas também consigo compreender a porta de minha casa
como uma continuidade entre esta e a rua, como a própria possibilidade de
estabelecer uma ligação entre minha vida dentro de casa e minha vida na rua.
Limite é a realidade metafísica mais patente. “Ser” e “forma” parecem, sob esse
aspecto, realidades segundas, mais distantes.
Num confronto real, numa luta sem regras, as formas marciais se dissolvem e
resta apenas a realidade do limite: o corpo do adversário com seu espaço de
entrada e saída, de aproximação e distanciamento.
***
***
Várias vezes, ao repetir formas de Wing Chun, perguntou a mestres quais eram
as aplicações daqueles movimentos. Respondiam-lhe mostrando golpes que
lhe pareciam absurdos, de uma ine ciência total; outras vezes lhe diziam que
não havia aplicações, que aqueles movimentos eram apenas “demonstrativos”.
Incomodado, começou a testar por conta própria as possíveis aplicações dos
movimentos. Incorporava-os de tal maneira ao seu repertório, àquela
naturalidade arti cial, que passava a especular acerca deles como quem os
tivesse acabado de criar. Para algumas formas encontrou aplicações
imprevistas, fortes e e cientes em luta; para outras pensou encontrar suas
prováveis aplicações, mas estas não lhe agradaram.
***
***
Mestre Pedro travou amizade com alguém que lhe apresentou algumas
técnicas e lhe emprestou um em que Renzo Gracie ensinava defesa
pessoal. Assistiu àquelas lições incontáveis vezes, com caderno e lápis na mão.
Depois veio uma circunstância favorável: alugou o espaço de sua academia,
nas horas vagas, a um professor de jiu-jitsu que passou a dar aulas ali. Mestre
Pedro agora tinha com quem praticar a luta de solo com frequência.
Se você olhar alguém do Zen Chuan lutando, terá a impressão de que assiste
a um lutador de que, para além disso, é dotado de grande capacidade
criativa, pois se vale de um acervo de técnicas totalmente desconhecidas ao
vale-tudo. É o kung fu a viver dentro de uma modalidade moderna de esporte
de combate.
***
F alei há pouco de formas marciais, e falei que o artista marcial se vale das
formas para que um dia seja capaz de abandoná-las, como faz um poeta que se
exercita nos mais diversos metros para que um dia escreva versos livres. Mas
preciso fazer um reparo: não existe verso livre. Isto é: não existe bom poema
que seja inteiramente livre em relação à métrica.
Alguns dos melhores sonetistas brasileiros são também autores de alguns dos
melhores poemas de verso livre brasileiros (Drummond; Odylo Costa, lho). É
gente que explora a tensão entre o registro tipográ co do poema e sua
reconstituição sonora no ato de leitura.
A força de sua inteligência iria se voltar cada vez mais para a realidade do
corpo, para a vitalidade da vida em seu sentido mais super cial, para a
experiência da vida social em sua hierarquia mais exterior. Disso vai que a
musculação, por exemplo, estará para o corpo do indivíduo como a técnica
militar estará para o corpo da sociedade. Ou, se preferirem, considerem esta
pergunta-síntese do dilema de Mishima: como louvar a vida de homossexual e
outsider, a antivitalidade e pessoalidade levadas a níveis disruptivos, e ao
mesmo tempo louvar as tradições pátrias, a militarização da sociedade e a ética
dos samurais?
Aprende-se com Mishima que toda aquela velha arenga que opõe sistema a
caos, pensamento a sentimento, indivíduo a sociedade etc. é pouco mais que
uma expressão infeliz do procedimento racional de tudo tender a situar em
contextos (e o contexto mais simples é a dualidade, a oposição), senão até
mentira ingênua.
O sexo antes da morte assume signi cado transcendente: “Além de não ver
incoerências ou contradições entre sua compulsão carnal e a sinceridade de
seu patriotismo, o tenente, ao contrário, era capaz de considerá-los
inseparáveis”.46
Mishima tinha intuído há muito tempo aquilo que o Hagakure viria a lhe
con rmar: “A suspeita que abriguei durante anos, de que havia alguma coisa
inevitavelmente covarde sob a superfície de toda a literatura, foi articulada”.
Isto é:
Estou convencido, porém, de que a arte, mantida comodamente dentro dos limites da arte apenas,
de nha e morre, e nesse sentido não acredito no que se chama habitualmente de arte pela arte. Se a arte
não for constantemente ameaçada e estimulada por coisas que estão fora de seu domínio, ela se esgota.
A arte literária tem seus materiais na vida, mas, embora a vida seja por isso a mãe da literatura, é
também sua inimiga acerba; embora a vida seja inerente ao próprio escritor, é também a antítese eterna
da arte.49
Mishima queria ter acesso a algo não mediado pelas palavras, pela
linguagem, pelo toldo civilizacional. “O que eu procurava, em suma, era uma
linguagem do corpo”, isto é, a “profundidade da superfície”, “o verdadeiro
contrário das palavras”, “a essência de alguma coisa extremamente concreta”.50
Se a derrota para a morte é certa, que pelo menos se faça um bom combate.
O corpo heroico teria de ser marcado por “silêncio e beleza da forma”.
“Pareceu-me”, diz Mishima, “que a carne poderia ser ‘intelectualizada’ no mais
alto grau, poderia atingir com as ideias uma intimidade muito maior do que
poderia o espírito”. Dessa maneira o seu corpo, “ao mesmo tempo em que seria
produto de uma ideia, também serviria como a melhor vestimenta para
esconder a ideia”.52 O corpo ideal deveria enfrentar a morte ideal, a morte
heroica:
O que salva a carne de ser ridícula é a presença da morte que reside num corpo vigoroso e saudável; é
isso que sus tenta a dignidade da carne. Como seria cômica a elegância e garbo do toureiro se seu ofício
não estivesse intimamente associado com a morte!53
São Sebastião morto pela cruz; Takeyama e Reiko sacri cados pelo
imperador; o corpo humano ofertado ao Sol e posto à prova no karate e no
kendo (Mishima era mestre em ambas as artes). Mas o romance Vida à venda
(1968) oferece um contraponto.
Mas calma. Logo nas primeiras páginas de Vida à venda somos apresentados
a um jovem publicitário, Hanio, em sua tentativa fracassada de suicídio; e, ao
tomar a resolução de que aquele será seu último fracasso, anuncia num jornal:
“Vendo a minha vida. Use-a como quiser. Homem de 27 anos. Garanto sigilo.
Tranquilidade absoluta”.55
Talvez nem todos estejam lembrados da parábola do lho pródigo, que irei
resumir em um espírito de irresponsabilidade teológica: jovem imprudente
recebe herança paterna, cai na gandaia, quebra a cara, para mais tarde voltar
arrependido à casa do Pai. O irmão do lho pródigo era batalhador, honrava o
Pai, mas seu coração endurecido o tornava uma espécie de scal das graças
divinas: eu, bom lho, mereço tudo e nada recebo; meu irmão não merece
nada e recebe tudo de novo, apesar de sua desonra. Não está certo, vou prestar
queixa na ouvidoria do Céu.
Quando contrastamos o lho pródigo ao seu irmão, é impossí vel não tomar
partido daquele. Mas tenho a impressão de que essa não é a contraposição que
vivenciamos com mais frequência. Não sei se conheço alguma pessoa de
grande retidão capaz de esnobar o irmão por sua prodigalidade quando este se
arrepende.
***
Hoje, você não precisa sequer ser cristão para descrer da verdade dessa
forma narrativa. Se você for marxista, poderá supor que um futuro redentor
revelará que o erro do herói na verdade não fora um erro, se visto da
perspectiva correta, e que a força do destino pode, sim, ser revertida pela força
humana.58
Toda vez que contamos histórias pedagógicas, “mitos”, nos orientamos bem
ou mal pela perspectiva redentora. Assim fazemos mesmo quando a negamos
em narrativas mais “fabulares”: lmes que contrariam as expectativas de “ nal
feliz” o fazem, é claro, apenas porque existe uma convenção a ser contrariada.
***
Isto é, todo romance trata de desejo, e nem poderia ser diferente: se não há
carência, não há necessidade de ir de a ; Ulisses não retornará a Ítaca,
Fausto não fará pacto demoníaco algum, Dom Quixote cará em casa (talvez
vivesse hoje uma velhice monótona mas feliz, cercado de netos).
Treinemos, oremos.
O Diabo
“Pois de mim zeste poeta, e não uma mulher amada.”
— Marina Tsvetáeva
Fosse como fosse, o Diabo estava lá, era uma presença enigmática, mas eu
não chegara a me tornar amigo dele, como fez Marina Tsvetáeva, essa minha
irmãzinha distante, ela que aos cinco anos de idade descobriu que a or do
mal só nasce em terreno sacro — ainda que inadvertidamente sacro —, no
qual não há lugar para sepulcros caiados. Essa poeta russa desditada,
balançada para cá e para lá pelo destino, identi ca o que existe de mais secreto,
mais íntimo, com aquele cujo nome não é de bom tom pronunciar, aquele
cujas posses e domínios só podem ser imaginados e experimentados pelas
costas do mundo.
Ela o encontra nas cartas do baralho, usadas para jogos como para
adivinhação; em expressões populares e interjeições usuais (“com os diabos!”);
em sonhos e em contos de fadas; sobretudo na poesia. Assim resumiria o seu
credo infantil:
Deus era estranho, o Diabo familiar. Deus era frio, o Diabo quente. E nenhum deles era bom. E
ninguém — mau. Apenas um deles eu amava e conhecia, já o outro — não. Um deles amava-me e
conhecia-me, o outro — não. Um deles me era imposto com visitas à igreja, estadas na igreja, com o
lustre que se duplicava, pelo sono, diante de meus olhos [...] já o outro — existia por conta própria e
ninguém sabia.62
Para Tsvetáeva, a única maneira de fugir à falência do lirismo — logo ela, que
era tão facilmente e até aborrecidamente lírica — era tornar a covardia
literária, a própria disposição de fazer literatura, uma espécie de diabolismo
universalista: a nal, “foste tu”, diz ela ao amigo, “que me protegeste de todo
lugar-comum”.63 Fazer da literatura um canto da vida, uma trincheira na qual a
platitude não abre brecha, requer que nela sintamos festivamente um
documento da Queda. Esse sentimento se irmanará à percepção de que a lírica
aspira ao decadentismo, e todo decadentismo não é mais que a adolescência
do cristianismo. Por isso Cruz e Sousa canta o destino do Cristo como idêntico
ao destino do poeta. Se este desgraçado e infeliz é “o grande Assinalado / Que
povoas o mundo despovoado, / De belezas eternas, pouco a pouco” — mais
um elogio do poeta, céus! —, é porque “Na rija cruz aspérrima pregado /
Canta o Cristo de bronze do Pecado, / Ri o Cristo de bronze das luxúrias...”.
Pelo mundo se vai ao Céu, e até do Diabo o Cristo pode fazer um caminho
para a Sua Glória.
Fausto
É poema de velhice. Poema de alguém que dedicou toda uma vida a uma
atividade que não tem outro sentido senão a busca de um sentido maior, a
poesia; poema de quem não precisa mais correr em sangria rumo à mansão
almejada porque já se encontra sentado quieto na sua sala. Como se abriu a
máquina? “Abriu-se em calma pura”.65
***
N R
1 sl.seminariode loso a.org.
2 poetajoao lho.com.br.
3 rafaelfalcon.com.br.
4 A quem quiser informar-se sobre os primeiros anos de atividade pública mas discreta de Olavo de
Carvalho, indico os dois primeiros capítulos do meu breve ensaio O mínimo sobre Olavo de Carvalho.
Campinas, SP: O Mínimo, 2023.
5 No momento em que escrevo, existem pelo menos quatro diferentes edições em circulação no Brasil,
todas com vendagem razoável, e uma delas com nada menos que cinco mil avaliações na Amazon
brasileira. Para efeitos de comparação, apenas um livro — um único — do terrível Paulo Coelho, que já
vendeu mais de 320 milhões de exemplares mundo afora, tem avaliações acima dessa cifra. O leitor
compreenderá que a vendagem dos livros é exponencialmente maior que o número de avaliações.
6 Cf. o que escrevi sobre a “técnica losó ca” em Conhecimento por presença: em torno da loso a de
Olavo de Carvalho. Campinas, SP: Vide, 2020, pp. 258–283.
9 Cf. aula 9 (06/06/2009) do seu Curso Online de Filoso a. Disponível em sl.seminariode loso a.org.
11 Fritz K. Ringer. O declínio dos mandarins alemães: a comunidade acadêmica alemã, 1890–1933.
Trad. Dinah de Abreu Azevedo. São Paulo: Edusp, 2000, p. 109.
12 Pe. A.-D. Sertillanges. A vida intelectual: seu espírito, suas condições, seus métodos. Trad. Lilia
Ledon da Silva. São Paulo: É Realizações, 2010, p. 157, grifos meus.
15 Ezra Pound. Guide to Kulchur. Lexington (): New Directions, 2014, p. 55.
16 José Ortega y Gasset. Meditações do Quixote. Trad. Ronald Robson. Campinas, SP: Vide Editorial,
2019, p. 30.
17 Simone Weil. O enraizamento: prelúdio a uma declaração de deveres com relação ao humano. Trad.
Giovani T. Kurz. Belo Horizonte: Âyiné, 2022, p. 53.
18 Digo isso ao longo de um comentário à tese de Olavo de Carvalho de que a loso a jamais pode ser
ciência, ela se de ne por uma técnica, a “técnica losó ca”. Diferentemente do que ocorre a uma ciência,
cujos elementos devem todos remontar a um mesmo fundamento, numa técnica con uem muitas linhas
causais com diferentes ordens de fundamentos. Em loso a, os fundamentos da intepretação textual não
são os mesmos da dialética, mas tanto a interpretação textual quanto a dialética fazem parte da técnica
losó ca.
19 Para mais informações, acesse: ronaldrobson.com/convivium.
20 A descrição se aplica a muitos alunos do Instituto Cultural Lux et Sapientia (icls.com.br), a despeito
da seriedade de professores como Luiz Gonzaga de Carvalho Neto e Marcos Vinícius Monteiro.
22 O mais hilário, nesse caso, é que muitos admiradores do escritor Tolkien, ao escrever textos e gravar
vídeos de “interpretação simbólica” de suas obras, recorram não a trechos de seus livros, mas a cenas de
suas adaptações cinematográ cas...
25 Visite: ronaldrobson.substack.com.
26 Danilo Kiš. Homo poeticus. Trad. Aleksandar Javanović. Belo Horizonte: Âyiné, 2021, p. 270.
27 Olavo de Carvalho. Visões de Descartes: entre o gênio mal e o espírito da verdade. Campinas, SP:
Vide, 2013, pp. 63–67.
29 Augusto de Campos. Linguaviagem. São Paulo: Companhia das Letras, 1987, p. 175. É uma pena que
no Brasil o poema seja conhecido como “O prazer do difícil”, justamente em razão dessa (no mais) boa
tradução de Augusto, e não como “A fascinação do difícil”, tradução literal do seu título. O poema como
um todo assinala justamente a distância entre a fascinação que move o artista, a despeito das dores e
frustrações do processo criativo, e o simples prazer de fazer um artefato. É este prazer que, para o escritor,
deixa de ser manifestamente um gozo e assume a forma de leve desespero que se pode fruir. A diferença é
sutil, mas crucial.
30 Geraldo Holanda Cavalcanti. A herança de Apolo: poesia poeta poema. Rio de Janeiro: Civilização
Brasileira, 2012, p. 73.
31 Ferreira Gullar. Toda poesia (1950–1999). 11ª ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 2001, p. 356.
32 Basil Bunting. Brigg atts. Trad. Felipe Fortuna. Rio de Janeiro: Topbooks, 2016.
33 Henry Miller. A hora dos assassinos: um estudo sobre Rimbaud. Trad. Milton Persson. Porto Alegre:
, 2020, p. 48.
34 Arthur Rimbaud. Poesia completa. 3ª ed. def. Trad., prefácio e notas de Ivo Barroso. Rio de Janeiro:
Topbooks, 1995, p. 249.
35 Id. Um tempo no inferno & Iluminações. Trad. e org. Júlio Castañon Guimarães. São Paulo: Todavia,
2021, p. 79.
36 Witold Gombrowicz. Contra os poetas. Trad. Clarisse Lyra e Rodrigo Lobo Damasceno. Belo
Horizonte: Chão da Feira, 2013. (Caderno de Leituras, n. 17), p. 2. Edição online de acesso gratuito pelo
site da editora: chaodafeira.com.
38 Id., ibid., p. 2. Já não posso, contudo, acompanhar a injustiça que Gombrowicz comete numa
passagem à p. 3, cujo fundamento é tão correto quanto é incorreto seu juízo conclusivo: “Livros como A
morte de Virgílio de Hermann Broch ou ainda o celebrado Ulisses de Joyce se mostram impossíveis de ler
por serem demasiado ‘artísticos’. Tudo ali é perfeito, profundo, grandioso, elevado e, ao mesmo tempo,
nada nos interessa porque seus autores não os escreveram para nós, mas para o Deus da arte”.
39 O próprio Virgílio nos deu o modelo desse ato no modo como altera, na Eneida, a percepção que
seus contemporâneos tinham da cultura grega. Cf. meu posfácio ao poema: “Manhã e noite do Ocidente”.
In: Eneida. Trad., introd. e notas de Carlos Ascenso André. Campinas: Sétimo Selo, 2023, pp. 353–364.
40 Varlám Chalámov. “O encantador de serpentes”. In: Contos de Kolimá. Trad. Danise Sales e Elena
Vasilevich. São Paulo: Editora 34, 2015, p. 138.
41 Id., ibid., p. 139, grifo meu. Sobre apegar-se mais à vida: em outro conto, à p. 191, dirá que num
personagem “o instinto de autopreservação do próprio corpo era mais forte do que a vontade de morrer”.
43 Fundamentos de Wu Chu (Tai Chi Chuen). 2ª ed. São Paulo: Edição da Autora, 1979, p. 54.
44 Yukio Mishima. Con ssões de uma máscara. Versão e apresentação de António Mega Ferreira.
Lisboa: Assírio & Alvim, 1986, p. 44.
45 Yukio Mishima. Patriotismo. Trad. Jefferson José Teixeira. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2020,
pp. 9–10.
47 Id. O Hagakure: a ética dos samurais. Trad. Waltensir Dutra. Rio de Janeiro: Rocco, 1987, p. 31.
50 Id. Sol e aço. Trad. e posf. de Paulo Leminski. 4ª ed. São Paulo: Brasiliense, 1986, pp. 7, 23, 32, 36.
51 Id., ibid., p. 9.
55 Id. Vida à venda. Trad. Shintaro Hayashi. São Paulo: Estação Liberdade, 2020, p. 15.
59 Cf. Jacyntho L. Brandão. A invenção do romance. Brasília: Editora UnB, 2005, pp. 82–89.
60 Marina Tsvetáeva. O diabo. Trad. Aurora Fornoni Bernardini. São Paulo: Kalinka, 2020, pp. 29–31.
64 Carlos Drummond de Andrade. Claro enigma. São Paulo: Companhia das Letras, 2012, p. 105.