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Mata atlântica sob a lente do microscópio
Suellen Medeiros Sales da Silva*; Rosana Marta Kolb
Departamento de Ciências Biológicas. Faculdade de Ciências e Letras. Univ Estadual Paulista. UNESP-
Câmpus de Assis. Avenida Dom Antonio, 2100, Parque Universitário - 19806-900 - Assis-SP. *
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Palavras-chave: anatomia ecológica, árvores, folhas.
Quando falamos em plantas devemos entender que elas, assim como o nosso corpo, também
podem ser divididas em partes. No caso do nosso corpo podemos dividi-lo em: cabeça, tronco e
membros; já as plantas são divididas em: raiz, caule, folhas, flores, frutos e sementes. Neste texto,
vamos entender um pouco mais sobre as folhas, como elas são vistas microscopicamente e suas
alterações de acordo com o ambiente em que vivem, já que elas são o principal órgão que responde
à variação ambiental.
As folhas, assim como os órgãos dos animais, também tem uma anatomia interna. Para
visualizarmos essa anatomia, elas devem passar por alguns procedimentos laboratoriais, antes de
serem observadas no microscópio. Estes procedimentos incluem a obtenção de cortes transversais
e paradérmicos, e o uso de corantes específicos, a fim de visualizarmos todos os seus tecidos.
Agora o que todo esse trabalho pode nos mostrar? Como sabemos, existem plantas em
praticamente todos os ambientes da terra, sejam eles muito quentes e secos, como no nordeste
brasileiro, muito frios, como no norte do Canadá, ou em lugares com muita chuva, como na
Amazônia. Vamos imaginar que estamos indo de férias para o Alasca, não podemos ir de bermuda e
camiseta para lá, então vamos com casacos, calças apropriadas, luvas e touca, tudo isso para nos
protegermos e nos adaptarmos ao clima frio. Com as plantas acontece quase a mesma coisa, só que
em vez de colocar ou tirar roupas, elas conseguem mudar sua anatomia para se adaptar aos
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diferentes ambientes, como por exemplo, o número de seus estômatos e a espessura de seus tecidos
foliares, quais seriam esses?
Dentre os tecidos foliares, temos a epiderme, que forma uma barreira entre a folha e o
ambiente externo. Ela protege contra a perda de água, regula as trocas gasosas e ainda pode
secretar e armazenar alguns compostos metabólicos. A epiderme apresenta externamente uma
cutícula, que é formada por cutina (material impermeabilizante de origem lipídica), sua principal
função é evitar a perda de água da folha. Na epiderme estão presentes os estômatos, pequenos
canais que fazem a comunicação do meio interno da folha com o externo, sendo responsáveis pela
troca de gases e pela transpiração das plantas. As folhas possuem ainda o parênquima clorofiliano,
que contém os cloroplastos. Estes são responsáveis pela realização da fotossíntese, que é o
processo pelo qual a planta produz seu próprio alimento. O parênquima clorofiliano pode ser
classificado em parênquima paliçádico (células alongadas) e lacunoso (células mais arredondadas)
(Figura 1). Além dos tecidos já citados, também encontramos os tecidos vasculares, responsáveis
pela condução de seiva, e o esclerenquimático, que funciona como um tecido de sustentação
mecânica (Figura 2).
Figura 1 - Corte transversal de Calyptranthes clusiifolia mostrando os tecidos foliares. Barra de
escala: 50 μm.
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Figura 2 - A-C cortes transversais e D corte paradérmico de folhas. A: Ocotea velutina mostrando
compostos fenólicos no parênquima clorofiliano (setas finas) e tecido esclerenquimático (seta
espessa); B: Myrcia fallax mostrando cristais de cálcio (seta); C: Myrcianthes pungens mostrando
cristal de cálcio (seta fina) no parênquima clorofiliano e tecidos vasculares (seta espessa); D:
estômato de Roupala brasiliensis (seta). Barra de escalas: 50 μm.
Para exemplificarmos tudo o que foi dito, vamos utilizar 32 espécies arbóreas de uma
floresta estacional semidecidual, localizada no interior do estado de São Paulo, e que pertence ao
bioma mata atlântica. Esta floresta recebe o nome de semidecidual, pois perde parte de suas folhas
durante o inverno e estação seca. Ela ocorre em solos férteis e bem drenados, e durante a seca não
sofre expressivamente com a falta de água. As folhas dessas espécies foram analisadas no
Laboratório de Anatomia e Fisiologia Ecológica de Plantas (LAFEP) da UNESP-Assis.
Ao estudar a anatomia dessas folhas diferentes características foram observadas (Figura 1 e
2). Contudo, a maior parte das espécies apresentou cutícula fina e epiderme com uma única camada
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de células. Isso indica que as folhas dessa formação vegetacional não necessitam realizar grande
economia de água, ao contrário das folhas de plantas do Cerrado ou da caatinga, que apresentam
cutícula espessa e muitas vezes epiderme com múltiplas camadas de células. Compostos fenólicos e
cristais de cálcio, também foram comuns; essas substâncias protegem as folhas, evitando que sejam
comidas por insetos e animais. Em geral, os estômatos das espécies avaliadas foram pequenos e
numerosos, o que favorece a ocorrência das trocas gasosas com menor perda de água para o
ambiente (transpiração).
Concluindo, o estudo das características anatômicas foliares pode nos auxiliar na
compreensão de como as plantas se adaptam aos diferentes ambientes em que ocorrem.
Glossário
Bioma - mesmo tipo vegetacional que se desenvolve sob condições climáticas semelhantes em
diferentes continentes.
Cloroplastos - organelas presentes nas células vegetais que realizam fotossíntese.
Corte paradérmico - corte horizontal (paralelo ao maior eixo do órgão) e superficial, permitindo a
observação de tecidos mais externos.
Corte transversal - corte perpendicular ao maior eixo do órgão, e mais profundo, para permitir a
observação de todos os tecidos.
Estômato - estrutura celular, presente na epiderme das folhas, que tem a função de realizar trocas
gasosas entre a planta e o ambiente.
Trocas gasosas - Entrada de gás carbônico e saída de oxigênio pelos estômatos.
Referências bibliográficas
Silva, S.M.S. 2015. Anatomia foliar de espécies lenhosas da floresta estacional semidecidual do
estado de São Paulo. Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação em Ciências Biológicas) -
Faculdade de Ciências e Letras, UNESP, Assis.
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