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Encontro com a Professora Martha Iglesia
No dia 30 de abril de 2024, nós da SOBRAL, Associação Brasileira de Logoterapia e
Análise Existencial Frankliana, comemoramos os 40 anos de sua fundação.
Ao lançarmos um olhar para o percurso traçado neste período, percebemos a relevância
deste momento e nos decidimos a comemorá-lo de modo correspondente a essa exigência
que se fazia notar.
Em nossas reuniões para deliberar o como realizar isso, desde o início destacava-se em
nosso discernimento, a brilhar como sentido principal, a expressão da gratidão à
professora Martha Iglesia que desde o início e ininterruptamente nos acompanha. Somos
cientes de que sem este acompanhamento não teríamos chegado até aqui, nos tornado a
instituição que a cada dia nos tornamos, enfrentando nossos desafios, conquistas, deslizes,
reparações, obstáculos e realizações, além do cultivo da persistente motivação para
continuar. Nada mais natural, portanto, que convidar esta nossa mestra e guia para um
encontro, um encontro que possa ficar registrado, ser compartilhado e eternizado na
história da SOBRAL.
Foi assim que surgiu a ideia deste encontro online, pelo google meet, uma vez que a
distância física nos separa, Martha na Argentina, nós no Brasil, encontro que poderia vir
a ser traduzido para outras mídias, como agora fazemos, transcrevendo este momento
para fazer parte do primeiro número desta nova revista.
O encontro realizou-se na modalidade online, no dia 13 de abril de 2024, às 16h, pelo
google meet, e resultou numa preciosa gravação, onde pudemos ouvir importantes
mensagens desta tão querida mestra, muito mais que uma entrevista, ou uma aula, um
testemunho de vida que vem sendo vivida de modo integrado a valores perenes e
profundos, e por eles regida.
Estiveram presentes, além da Professora Martha Elena Giuliano Iglesia, Cintia Viana,
nossa Presidente, Maria Inês Pereira Tavares Cardoso e Silvania Rita Ramos, membros
da atual gestão da SOBRAL, e ainda Robson Salvador, nosso Mentor Digital.
Eis a transcrição:
Cintia: Olá, quero agradecer a cada um de vocês que está presente aqui e que quero
apresentar, neste momento, momento especial para a SOBRAL que está comemorando
seus quarenta anos: eu, Cintia, estou aqui representando a equipe gestora da SOBRAL,
juntamente com Maria Inês, nossa vice-presidente, Silvania Ramos, que também faz parte
da equipe gestora e nossa ilustre presença, a professora Martha Elena Giuliano Iglesia.
É uma grande honra, professora Martha, recebê-la aqui, para conversarmos um pouco,
nesta data tão especial dos 40 anos da SOBRAL e eu gostaria agora, de passar a palavra
para Maria Inês, para que ela possa conduzir este nosso momento.
RCALS – Revista Cientifica e Acadêmica da Logoterapia – SOBRAL vol 1, n.1, Ano 2024
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Maria Inês: Martha querida, são 40 anos de Logoterapia no Brasil, 40 anos de SOBRAL,
40 anos que você nos acompanha, então, é uma grande alegria, é uma gratidão imensa tê-
la conosco no dia de hoje. Se não fosse aquele primeiro Congresso, a presença de vocês
ali, a percepção da grandiosidade, do tesouro que se oferecia a nós; se não tivessem tido
esta brilhante ideia de instituir a SOBRAL e seguir oferecendo cursos para que a
Logoterapia pudesse ser conhecida no Brasil, talvez, as coisas não tivessem tido o avanço
suficiente para chegar até os dias de hoje dessa forma.
Nós, portanto, sentimos uma imensa gratidão por aquele momento, por Frankl ter vindo,
por você ter estado lá e permanecer conosco até hoje.
Então, nossa primeira pergunta é exatamente essa: Como você sente esses 40 anos
dedicados à Logoterapia, dedicados à SOBRAL? São tantos encontros! O que você
nos conta dessa história de vida, dessa sua vivência?
Professora Martha: Já se passaram 40 anos, querida Maria Inês e querida Equipe, e
ainda temos a boa disposição para estarmos juntos fazendo essa reflexão. É como se esses
40 anos continuassem com essas palavras de Frankl “A vida chama”, “a cada momento,
a vida nos chama”.
Sem dúvidas, me chamou, como me chamou Viktor Frankl naquele Congresso e, como
tantas vezes já comentei com vocês, chamou também aquele grupo de colegas argentinos
que foi convocado para o I Congresso, pela querida Doutora Izar Xausa, iniciadora da
Logoterapia no Brasil.1
Naquela época, a pessoa que menos conhecia Frankl era eu. Nós, praticamente, naqueles
dias não conversávamos. Eu nunca havia estado em Viena, como vocês já sabem. Ele
(Frankl) falava muito mais com os meus amigos argentinos, como o Dr. Ricardo Sardi,
falava também com o Guillermo Pareja Herrera, menos comigo. Porém, ao final de todos
esses dias, nós estávamos todos reunidos, quando ele me olhou e disse: “Martha, não se
mova daqui”.
“Por que a mim? Por que me chamou?” Como vocês já sabem eu nunca perguntei,
porém, quando ele me pediu isso com tanta firmeza, eu decidi não me mover do Brasil.
Eu somente sinto que fui fiel. Que fui fiel inicialmente e que continuei fiel a esse pedido
de Frankl. Eu não sei o porquê, sei o para quê, mas creio que Frankl teve uma intuição.
Ele tão pouco sabia, porque nunca comentei, porém, ele percebeu qual era o lema de
minha vida. Esse lema, esse ideal, eu formulei quando era uma pré-adolescente, com
apenas 11 anos de idade. Com essa idade, 11 anos, eu queria ser uma missionária, mas,
eu não falava sobre isso com meus pais, nem com meus irmãos. Um dia, porém, eu
acordei e, de repente, experimentei, tive uma experiência muito interessante, porque
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Trata-se do I Encontro Latino-Americano Humanístico-Existencial – “Logoterapia” realizado em
Porto Alegre, entre os dias 27 de abril e 1º.de maio de 1984, no Centro de Convenções da PUC-
RS, idealizado pela Dra. Izar Xausa, durante o qual foi criada a SOBRAL.
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estava sozinha em minha casa e experimentei como que uma voz dizendo a mim que a
minha missão seria fazer sorrir os tristes, acompanhar os corações apagados e semear
amor. Imediatamente, continuei com meus sonhos. Dormi, mas desde este dia, com 11
anos de idade, assim foi. Percebi qual seria a minha missão até a morte: fazer sorrir aos
tristes, acender e consolar os corações apagados e semear amor. Vejam que interessante,
pois, tudo isso, coincidentemente, tem a ver com o sentido do sofrimento, o sentido da
morte, o sentido do amor e o sentido da vida: essas três ideias, que de repente iluminaram
os meus sonhos. Eu, então, acordei, porque de fato, eu não estava sonhando. Acordei,
sentei-me em minha cama e experimentei com muita precisão, essas três ideias
fundamentais que são de total coincidência com os fundamentos da Logoterapia. Então,
eu creio que Frankl, com essa intuição profunda e aguda que o caracterizava, captou isso
em mim, confiou e me delegou responsabilidades muito grandes. Eu acho que essa
confiança estava fundamentada mais nele do que em mim, especialmente nele, porque ele
era um excelente pedagogo, um excelente mestre, muito mais que professor. Um
magister!
Então, ao longo desses 40 anos, querida Maria Inês e querida Equipe da SOBRAL, o que
experimento é uma profunda necessidade de continuar aprendendo a ser fiel e trabalhar a
fidelidade, para fazer prosperar a Logoterapia em cada pessoa, em cada criança, em cada
adolescente e em cada adulto, em toda e qualquer oportunidade.
Maria Inês: Que bonito, Martha! É uma missão de vida e nós, atingidos por ela, só
podemos agradecer e desejar seguir por essa estrada.
E, nesse intervalo de tantos anos, tem alguma memória que marcou especialmente
sua vida e que você gostaria de dividir conosco, hoje?
Professora Martha: Sim, tive muitas e muitas experiências que inclusive já tantas vezes
comentei nas aulas da SOBRAL, em distintas oportunidades. Experiências que não foram
jamais nem imaginadas e nem sonhadas, mas que aconteceram... Por exemplo,
exatamente em 1984, quando Frankl havia vindo para o Congresso e depois, ao final, nós
o acompanhamos até o aeroporto de Porto Alegre, para vê-lo embarcar. De repente, um
jovem se aproxima de mim e diz: “Por favor, minha mãe precisa falar com o Dr. Frankl”
e eu imediatamente respondi que muitas pessoas estavam ali e desejavam falar com ele,
mas era impossível, estava ali para embarcar e, naquele momento, seria mesmo
impossível a ele atender alguém. O jovem, porém, retrucou que o que a mãe dele
precisava falar ao Dr. Frankl era muito importante. Eu tentei explicar que muitas pessoas
ali estavam tentando falar, porém Frankl estava cansado, fatigado após o congresso e
provavelmente não conseguiria atender uma pessoa ali. O jovem, no entanto, não desistiu.
Se aproximou de mim com sua mãe, dizendo: “Minha mãe também é sobrevivente dos
campos de concentração e Tilly, a esposa dele, morreu nos braços dela”. Eu, então, me
dirigi até onde estava o Dr. Frankl e disse: “Me desculpe, mas, está aqui, uma senhora,
também sobrevivente dos campos de concentração, que gostaria de falar-lhe”. Eu não
adiantei o assunto, porém Frankl, imediatamente, com grande solicitude, disse que iria
atendê-la.
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Eles, então, se aproximaram de uma das colunas do aeroporto. Eu estava um pouco
distante, mas atendendo à solicitação de Frankl, também me aproximei. Percebi que essa
senhora falava inglês fluentemente e explicou que no campo de concentração, assim como
todos, Tilly, esposa de Frankl, também estava sofrendo desesperadamente com fome e
sede. De repente, num impulso, ela bebeu da água que estava no chão. Depois de alguns
dias, teve sintomas de tifo e com febre altíssima, faleceu nos braços dessa mulher. Frankl
a abraçou e choraram juntos. Choramos os quatro, choramos juntos, Frankl, a mulher, o
jovem e eu. Foi muito comovente... E, então, eu penso, por que e para que eu deveria estar
alí naquele momento? Por que eu e não os outros? Dr. Oro, Dr. Acevedo Rocca... já que
igualmente, estávamos todos ali, acompanhando o dr. Frankl?
E assim como esse, tantos outros fatos e detalhes interessantes, muito eloquentes e que
tantas vezes relatei a vocês, e para os quais não há explicação. Aconteceram assim e estão
guardados para sempre nesses 40 anos, como tesouros e experiências, verdadeiros
tesouros de experiências vivenciais.
Maria Inês: Como diz Frankl no livro “O que não está escrito nos meus livros”, não é
possível acreditar em coincidências, não é acaso. Há um sentido maior que acompanha a
todos nós. Muito linda essa memória e também emocionou a todos nós. Logo,
identificamos que existe um sentido para nós estarmos aqui, participarmos da SOBRAL
e assistirmos às suas aulas. Então, temos uma dívida de gratidão maior, que vai além de
você, vai também ao Dr. Frankl, que te pediu para ficar, à vida que nos encaminhou para
cá.
E então Martha, já que você nos falou de coisas tão importantes como, por exemplo,
essa questão de missão, eu gostaria de pedir para que você nos falasse um pouco
sobre esse mundo no qual estamos vivendo. Nós sempre esperamos que a
humanidade cresça e evolua com o passar do tempo e das experiências, mas, às vezes¸
nos assustamos, pois parece que acontecem retrocessos. O mundo que deveria estar
se humanizando, às vezes parece estar se desumanizando. Você que vive a
Logoterapia, a Análise existencial, que acredita no humano, como você vê esse
quadro? Qual o seu pensamento sobre isso, o que você nos aconselharia, a todos nós
que estamos vivendo isso, que estamos nesse “barco”? Como olhar para essa
realidade?
Professora Martha: Acho que a realidade na qual estamos vivendo nesse tempo, apesar
de, aparentemente, mostrar um grande desenvolvimento da tecnologia em muitas áreas
importantes, a humanidade permanece com seus traços próprios do humano, com a
fragilidade e a debilidade perante os desafios que de imediato nos surpreendem, como por
exemplo, o que aconteceu nos tempos da pandemia nos surpreendeu. Ou quando
acontecem catástrofes da natureza, como um Tsunami. E nessas situações Frankl sempre
repete: “A vida nos chama”. Acho que, provavelmente, são momentos em cada grupo
social, em cada país, como por exemplo, aquilo que está acontecendo agora em Israel, e
em outros países, a guerra, o sofrimento, a morte e a injustiça. São realidades que se
apresentam em situações limite, que permanecem através da pré-história e da história.
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Não estou dizendo que não desaparecerão nunca, mas sim que não se explica, faz parte
da existência humana. Somos seres no tempo, não somos seres absolutamente espirituais.
Somos bio-psico-socio-espirituais. Como todos os seres vivos, plantas e animais, nós
também estamos no espaço e no tempo. E essa limitação espacio-temporal nos
condiciona, mas como o próprio Frankl nos explica, não nos determina. Isso é
importantíssimo: nos condiciona, mas não nos determina. Por enquanto, vamos continuar
com essa afirmação de Frankl: à Logoterapia lhe interessa despertar a consciência. E
despertar a consciência para sermos responsáveis de nossa liberdade. Acho que esse é o
nosso trabalho. O trabalho da SOBRAL, em educação, em clínica, na parte
organizacional, em situações limites, em situações ótimas de desenvolvimento, em toda
situação, continuar com esta permanente fonte que nos nutre. Devemos beber dessa fonte
inesgotável onde podemos beber água que favorece à sede de sentido. Como o próprio
Frankl explica, a humanidade grita, com sede de sentido, tem fome de sentido. Isso
sempre foi e sempre será assim, até o final dos tempos. Por isso a Logoterapia não caduca.
Maria Inês: Entendi. O mundo vai ser sempre mundo, nós vamos ser sempre humanos e
a nossa tarefa há de sempre continuar. Parece que essa é até mesmo uma atitude amorosa.
O mundo é bom. Com tudo isso o mundo é bom. E nós temos que acolher tudo da forma
que está e fazer o que a vida nos pede, com olhar de esperança, de confiança e responder
sempre ao que a vida nos pede. É como você nos disse, para isso estamos aqui: “Essa é
a nossa tarefa”, pisar esse chão e responder ao que a vida nos pede.
Cintia, você gostaria de falar algo com a professora Martha?
Cintia: Sim, eu gostaria de, primeiramente, agradecer você Martha, pelas palavras que
muito nos emocionaram. Muito bom poder te ouvir. Inclusive, quando combinávamos a
melhor forma de fazer essa entrevista, pensamos em quantas pessoas poderiam estar
presentes, mais algumas pessoas da equipe, talvez, para que pudéssemos escutar você,
com toda a atenção e aproveitar ao máximo tudo aquilo que você está deixando aqui, hoje,
de forma tão expressiva.
Eu digo que sou de uma turma muito mais nova e que teve menos oportunidade de
convivência com você, menos que a Maria Inês, e a Silvania, mas, trago em mim, como
tantos outros que, como eu, estão chegando na Logoterapia, um olhar sobre a sua pessoa,
não somente de admiração, mas, como um lugar onde podemos receber de forma tão
coerente e tão visível em sua própria vida, a Logoterapia e o próprio pensamento e a obra
de Frankl. Quando nós nos aproximamos de você e a ouvimos falar, mesmo que seja algo
dentro de uma aula, ou em algumas outras oportunidades nas quais podemos nos
aproximar, observamos o quanto você consegue expressar a teoria da Logoterapia em
cada fato do cotidiano, em cada situação. Isso traz um encantamento muito grande para
todos nós. E eu gostaria, neste momento, que você pudesse dar uma palavra para todos
nós que estamos colocando a Logoterapia em nossas vidas e em nossa profissão, de modo
a nos motivar, motivar o Brasil, motivar a SOBRAL, nesses seus 40 anos de atividades
dentro de nosso país.
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Eu gostaria que você nos falasse um pouco, pois, essa força que você tem é a força de
resistência do espírito, que é notória em você e também nos faz muito bem.
Portanto, por favor, eu gostaria que você deixasse um recado, uma fala para todos
nós da SOBRAL, nestes 40 anos. Para aqueles egressos, mas, principalmente, para
aqueles que estão ingressando na Logoterapia, que estão vindo conhecer Viktor
Frankl e seu pensamento.
Professora Martha: Uma palavra, uma fala sobre aquilo que Frankl repetia com tanta
energia, com tanto vigor e com tanto entusiasmo. A vida nos desafia e nos convida a
descobrir o sentido pessoal. Esse sentido não pode ser dado, precisa ser descoberto. E,
para essa descoberta, cada um de nós, cada um de vocês, cada criança, cada ser humano
está permanentemente chamado. Por isso, Frankl insiste: “A Vida Chama”. Então, eu
desejo de coração, que cada um de vocês experimente o chamado vocacional, o chamado
profissional para essa missão específica, individual e grupal, institucional, para contribuir
para a humanização pois, nesses momentos, como os que a humanidade já viveu e agora
vive, é quando o ser humano corre os seus piores e grandes riscos: o risco da massificação,
o risco da robotização, o risco do desejo de poder pelo poder, e por causa desses riscos,
desses desejos, o ser humano esquece o humano de si mesmo e dos outros e aí acontecem
catástrofes individuais e sociais. Então, minha palavra para cada um de vocês é que, é o
que eu desejo do mais profundo de meu coração, um desejo que tem um suporte de pelo
menos 90 anos de vida, é que possam contribuir em cada momento, não somente em
eventos, em congressos, mas em todas as oportunidades, para renovar em todas as
pessoas, desde as mais conhecidas até as menos conhecidas, o sentido do humor, a
esperança e renovar a expressão que para mim se sintetiza na letra de uma canção muito
profunda que diz: “Mover é pensar. Que não se apague o fogo, amanhã será um novo
dia! Ainda falta muito, muito para caminhar”, então vamos caminhando e nos preparando
a cada dia, a cada dia preparando-nos para contribuir em cada instante da vida, dentro de
nossas famílias, onde estamos trabalhando, ou mesmo nas ruas, contribuir e trabalhar pela
paz e pela possibilidade de acompanhar as pessoas. Às vezes, isso significa tão somente
acompanhar com o silêncio respeitoso, acompanhar o desenvolvimento de sua vida, e até
mesmo que seja somente acompanhar alguém em alguns passos na rua, acompanhar!
Certa vez, aí no Brasil, um motorista de taxi me presenteou com um livro que havia sido
escrito por pessoas muito simples. Por ser assim tão simples, o livro teve uma publicação
bastante doméstica e seu título, belíssimo, era “Anjos da Rua”. Que cada um de nós possa
aprender a ser anjos da rua. Anjos das ruas universitárias, das ruas familiares, das ruas
das cidades.
Cintia: Muito obrigada Martha, suas palavras são bastante encorajadoras, mesmo! A
Silvania não conseguiu abrir o microfone para conversar um pouco com você, por
problemas técnicos, então vou passar a palavra novamente à Maria Inês.
Maria Inês Martha, como você aconselharia às pessoas lidar com certo sentimento de
impotência que às vezes assola, quando a pessoa percebe tanto a ser feito e tanta
dificuldade para realizar aquilo que percebe que deve ser realizado? Um sentimento em
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relação ao que a realidade pede e que parece ser muito maior do que as possibilidades que
se apresentam, assim, para alguém que como aquele pequenino anjo da rua, sente que o
que pode fazer está tão aquém do que se precisaria fazer. Como se lida com isso?
Professora Martha: O sentimento de impotência, em geral, está relacionado com a
necessidade de conhecer melhor os talentos que se tem. Aqueles talentos que, em cada
um de nós, ainda não estão desenvolvidos. Quando cada um de nós consegue descobrir
os próprios talentos, quando consegue desenvolver os talentos que tem recebido, que
podem vir inclusive de nossos antepassados, de outras gerações (avós, bisavós, tataravós),
como diz Frankl, que podem vir da pré-história pessoal, quando desenvolvemos esses
talentos, acontece isto que Frankl denomina de realização de valores de criação. A
criatividade é sempre proativa e a impotência é um dinamismo reativo, um dinamismo de
auto proteção errado, porque a impotência fecha a criatividade e isso, porque a sensação
de impotência é o medo ao desafio, no caso, um medo do desafio de enfrentar a realidade
e que pode estar sendo desenvolvido justamente por ignorarmos nossos próprios talentos
pessoais. Insisto que talentos pessoais não são privilégios. Todos nós recebemos talentos
de nossas pré-histórias. Já comentei várias vezes que, atualmente, isso não é estudado
pela Psicanálise e nem tão pouco pela Logoterapia, é estudado pela neurogenética e pela
epigenética, pelas neurociências. Isso é comprovável e não são apenas palavras, pois sabe-
se que em nossos neurônios estão conteúdos importantíssimos de como recebemos
talentos psicológicos, científicos, estéticos, de ancestrais e não somente dos pais. Ora,
quando esses talentos não são devidamente desenvolvidos, a personalidade se torna
reativa e aí se experimenta essa sensação de impotência, ou seja, sem poder. Como a
própria etimologia da palavra explica: “im-potência”, algo que está em potência e que
precisa passar a ser ato. Para ser ato o dinamismo precisa ser pró-ativo. Logo, os talentos
precisam ser desenvolvidos, precisam ser ativados, como a proa de uma embarcação que
no mar abre os caminhos.
É necessário, portanto, ser proativo, pois quando uma personalidade desenvolve um, dois,
três ou até vários desses talentos se torna proativa e isso significa, criativa. Essa
criatividade não está acompanhada de impotência, está acompanhada de sentido de
humor, acompanhada de confiança e acompanhada de esperança porque vai dinamizada
pelo dinamismo ad-extra, dinamismo próprio do espírito humano – você se lembra que
há um dinamismo ad-intra e um dinamismo ad-extra. O dinamismo ad-extra é o
dinamismo até afora, até o desenvolvimento cada vez mais abrangente pessoal e grupal.
Quando uma pessoa consegue desenvolver cada vez mais os seus talentos, favorece o
desenvolvimento de todo o seu contexto.
Maria Inês: Então, a nossa tarefa primordial, como educadores, como terapeutas, é
acompanhar esse desenvolvimento para que aflore um autoconhecimento e a pessoa ouse
realizar e ampliar esses talentos. Nossa tarefa é companhar e fazer florescer tudo isso para
que frutifique. É isso?
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Professora Martha: Sim. E conforme Frankl, é aí que a Logoterapia é Psicagogia.2
Maria Inês: Martha, agora estou tão plena de ouvir tudo o que você nos disse aqui, hoje,
e não ouso fazer mais perguntas. Também não gostaria de abusar de você.
Então, para finalizar, gostaria de pedir que você nos dissesse algo que saia do seu
coração. O que mais você gostaria de nos dar nesse aniversário?
Professora Martha: Eu gostaria de dar de presente a vocês hoje, aquilo que eu recebi e
recebo: que é o entusiasmo. O entusiasmo para reiniciar a cada dia. Reiniciar com
entusiasmo mesmo com as dores de cada dia, com as irritações, os problemas econômicos,
falta de dinheiro, essas coisas que acontecem com cada um de nós, com tudo isso,
reiniciem com entusiasmo. Essa foi uma expressão de Frankl para Elly: “Quando o fogo
se extinguir, que a luz continue a iluminar”.
Maria Inês: Amém! Amém! Amém!
Cintia: O que a Martha trouxe hoje, foi uma grande riqueza para todos nós da SOBRAL.
Poder estar aqui com você nesse momento, gravar essa sua fala, essa entrevista, isso tudo
foi para a SOBRAL um grande presente. Porque você sabe, Martha, o quanto você é
importante. O seu protagonismo na SOBRAL, trouxe para nós, e continuará ainda
trazendo, muito do que nós precisamos na Logoterapia.
Uma gratidão imensa a você, a sua disposição e entusiasmo. Em particular, sempre que
tenho oportunidade de falar sobre a Logoterapia, você é um dos meus exemplos de força
de resistência de espírito e dessa dimensão Noética.
Na verdade, eu nunca conheci uma pessoa próxima dos 90 anos com tanto vigor, tanta
clareza, como você, Martha. E isso é uma verdade que, todos nós, pudemos experimentar
aqui nesses minutos, então, agradecemos demais a sua participação aqui conosco. Em
nome de toda a SOBRAL, desde os alunos egressos até os alunos atuais, leve a nossa
gratidão, por você não ter se movido do Brasil.
Professora Martha: Eu é que agradeço muito à SOBRAL pela possibilidade de trabalhar
juntos por tantos anos. Muito obrigada, obrigadíssima!
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Trata-se de uma disciplina científica caracterizada por um modo específico de Acompanhar,
muito caro à Professora Martha, desenvolvido na Europa pós Primeira Grande Guerra, que inclui
o aconselhar, orientar, acolher e conduzir pessoas, crianças, jovens e adultos, auxiliando-as
nesse processo de desenvolvimento pessoal, de auto-conhecimento para promover esse aflorar
de talentos pessoais, o equilíbrio e harmonia da personalidade, de modo a facilitar seu agir no
mundo, um mundo desafiante, em constante transformação, e, em seguida, deixá-las seguir,
estimulando-as a assim atuar com outras pessoas. São pessoas que não necessitam de
psicoterapia, necessitam de um outro tipo de apoio, que integre conhecimentos e técnicas, tanto
da Psicologia, como da Educação. Martha conheceu e estudou Psicagogia com o Dr. Pedro
D’Alfonso, autor do livro, “La Personalidad Humana, Estructura, Formación y Asesoramiento –
Psicagogia” de 1979, editorial Plus Ultra, de Buenos Aires. (M.I.)
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Silvânia: Martha, obrigadíssima, mestra querida!
Maria Inês: Martha, muito obrigada, você sempre nos presenteia com a sua pessoa
inteira, integrada e eu tenho uma gratidão imensa à vida, por ter me dado conhecer você!
Obrigada!
Professora Martha: Um grande abraço a todos vocês e também ao Robson, Anjo de
Tecnologia.
Robson: Muito obrigado! Parabéns pela entrevista!
Professora Martha: Lembre-se da fotografia, Robson!
Robson: Já tirei várias!
Todos os presentes: Tchau! Tchau! ...................................................................
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Revisão final: Maria Inês Pereira Tavares Cardoso
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