e)
(0 Estado de S. Paulo, 14/9/92.)
-Senhores: a crise não paralisou a economia•.. ela contin ua
2. Obser ve atentamente o desenho e o texto e elabore uma dissertação, utilizando a
iorando.
técnica que você considerar adequada:
''Duas mulheres e três crianças
morreram queimadas na madrugada
de ontem, num incêndio provocado
por neonazistas numa casa habitada
por várias f amílias turcas na cidade
de Solingen, próxima à Colônia, na
Alemanha Ocidental. É o pior
ataque racista contra estrangeiros
na histó ria do pós-guerra, e
ocorreu apenas horas depois que o
Parlamento ale mão mudou a
Constituição, permi tindo agora às
autoridades expulsar dezenas de
mulheres de ref ugiados
-gente do Leste Europeu e
Terceiro Mundo - que entraram
na Alema nha pedindo asilo
político.
Quando os bombeiros chegaram
ao local do incêndio, à lh45 da ma
drugada de ontem , o pequeno edifí
cio- de três andares já estava total
mente tomado pelas chamas e
ouviam-se os gritos desesperados das
crianças, cujos corpos carbonizados
só puderam ser recuperados depois
150 que o f ogo foi debelado."
(O Estado de S. Paulo , 30/6/93.)
,
CAPITULO XVII
A DISSERTAÇAO A PARTIR DE UM
OU MAIS TEXTOS
O texto e a dissertação
É possível que, em uma prova de redação, você receba um texto. Neste momento
pensamos em um texto em prosa, uma vez que já tratamos, em capítulo anterior, do
poema . Como você deve proceder? Não há nada de especial.
Primeiramente você deve ler o texto com atenção, procurando compreender o assun
to que está sendo abordado. Em uma primeira leitura, terá uma noção do seu conteú
do. Mas, lendo-o novamente, irá perceber as idéias básicas. Estas idéias podem ser re
sumidas de modo a encontrar-se o conteúdo básico do texto.
Leia atentamente o seguinte texto:
"O principal problema não está nos salários. ( ...) Ele está na maneira de
sastrada com que se administram as estatais. Elas desperdiçam dinheiro (5
bilhões de dólares este ano). Não geram lucros para investimentos
comezinhos (vão receber 8 bilhões de dólares do Tesouro para essa
finalidade) e estão en dividadas até o pescoço. ( ...) As estatais f abricam aço,
plástico, adubo e uma quantidade enorme de mercadorias e serviços que o
setor privado pode perfei tamente administrar. Não haveria problema algum
com os salários dos fun cionários das estatais se o país estivesse bem, com
taxas civilizadas de infla ção e crescimento econômico de 5% ao ano. A
questão é que não está. Nos últi mos anos de recessão, as companhias
privadas demitiram em massa, uma parte delas depois de pedir concordata.
Todos, empresários e trabalhadores, paga ram um preço alto por um penoso
ajuste do Estado. Menos as estatais. A Pe trobrás teve um prejuízo de 140
milhões de dólares no ano passado e não de mitiu. O Lloyd, empresa estatal
de navegação, está f alido e carrega uma dívi da de 320 milhões de dólares,
mas continua a empregar 1000 pessoas, que não têm o que fazer. O quadro
das estatais é horroroso, mas continua-se a pa
.gar salários do mês no dia 20, anuênios e gratificações.
As estatais f oram criadas a partir dos anos 40 para dar um empuxo à in
dústria brasileira. O Estado escolheu esse caminho para promover o desenvol
vimento econômico porque não havia, no país, capital privado suficiente para
construir siderúrgicas, companhias de petróleo e hidrelétricas. Prestaram um
serviço muito bom, mas continuam a existir numa realiuade diversa. O gover
no não tem dinheiro para tocá-las nem é mais necessário, num.a economia
mais madura que a de quatro décadas atrás, que continue a produ tr aço,
plástico e outros bens. Hoje, elas são um problema econômico e polític;-:
'Illcqnômico, porque funcionam mal. Político, porque transf ormaram-se em
corporações fe chadas e arrogantes.''
( Veja, 24/2/93.) 151
Tentaremos agora compreender o conteúdo básico deste texto. Para isso, resumire7
mos este trecho, procurando determinar as idéias mais importantes e, portanto, deixan
do de lado os detalhes, a fim de extrairmos apenas as idéias principais. Se assim
proce dermos, chegaremos ao seguinte parágrafo :
O principal problema das estatais é que são mal-administradas. Desperdi
çam dinheiro, não geram lucros e, ao contrário disso, estão endiv.idadas.
Nos últimos anos de recessão , as empresas privadas demitiram
f uncionários em massa, enquanto as estatais não demitiram. No passado,
desempenharam pa pel importante na economia, promovendo o
desenvolvimento econômico. Ho je, porém, as circunstâncias mudaram e
elas ocupam espaços que poderiam ser ocupados pela livre iniciativa. São
um problema econômico, pois o gover no não dispõe de recursos para
sustentá-las e elas funcionam mal. São tam bém um problema político, pois
o governo, de certa f orma, perdeu o controle sobre elas.
Depois de resu mirmos as idéias principais , cabe elaborar um tema dissertativo.
An tes, porém, convém lembrar que, neste caso, a associação a um aspecto da
realidade torna-se obviamente desnecessária , uma vez que o texto já está se referindo
a um as pecto de nossa realidade econômica. oltemos ao tema. Para elaborá-lo, basta
estabe lecer o conteúdo básico do texto . Sugerimos que seja feito da seguinte
maneira:
As estatais são hoje, no Brasil, um sério pro blema, tanto no que se refere ao aspecto
político, como tam bém sob o ponto de vista econômico.
É evidente que o tema é compacto, apresentando somente a afirmação do
problema, e será desenvolvido pela argumentação. A nosso ver, cabem três técnicas
dissertativas para o assunto proposto. Podemos usar a técnica para temas polêmicos,
se entender mos que a privatização das estatais é passível de discussão. Todavia, pela
maneira co mo o texto apresenta o assunto, entendemos que seria melhor utilizar a
técnica básica ou a da retrospectiva histórica. Optamos por esta última mas
procurando enfatizar a época atual.
Agora é o momento de elaborarmos a dissertação:
Num mundo que exclui os perdedores , num sistema em que a
competitivi dade determina os sobreviventes, eliminando a ineficácia e a
incompetência, no Brasil mantêm-se intocáveis, como verdadeiras ilhas
que desconhecem quaisquer abalos climáticos, as empresas estatais -
certamente um dos nos sos maiores problemas, tanto sob o aspecto
econômico quanto político.
Há aproximadamente meio século, quando o Brasil pretendia impulsionar,
de maneira substancial, o seu desenvolvimento econômico, sobretudo nos
se tores ligados ao petróleo, à siderurgia e à construção de pidrelétricas,
foram criadas as empresas estatais. Na época , não havia capital privado
suficiente para a criação de empresas deste porte. Dessa f orma, coube ao
Estado a im plantação destas indústrias e edificações, indispensáveis ao
nosso crescimen-
152 to econômico.
Mas, com o pssar das décadas, estas mesmas empresas começaram a ad
quirir tamanha auto-suficiência na administração de seus próprios recursos,
que mesmo o governo foi perdendo gradativamente um real controle sobre
elas. Inchadas pelo empreguismo que sempre caracterizou nossa prática
política, acabaram por transf ormar-se em empresas de muitos funcionários
e pouca eficiência. Deficitárias, mal-administradas, tornam-se um peso
quase insus tentável que recai sobre os ombros de todos nós.
Dessa forma, só nos resta esperar que as estatais, que hoje prestam servi
ços que poderiam ser perf eitamente of erecidos pela iniciativa privada, passem
por um necessário processo de desestatização. Esperamos também que os fun
cionários mais humildes destas corporações não se vejam prejudicados pela
privatização, já que os verdadeiros privilégios e gratificações nunca recaíram
sobre eles, de fato.
Para chegarmos a esta dissertação a partir do texto passamos pelas seguintes etapas:
preensão do conteúdo básico do texto.
1 ;: F mlação de um tema dissertativo. .
1
3. Aplicação de uma das técnicas. .
4. Elaboração de uma dissertação.
OBSERVA ÇÃO:
Você pode eventualmente deparar-se com um texto subjetivo, qu contenha idéias
genéricas. Neste caso, entre o item 1 e o item 2 do quadro, cabe um. passo adicional:
a associação do conteúdo básico do texto a algum aspecto da realidade.
EXERCÍCIOS
Agora, procure treinar, elaborando uma dissertação, depois de escolher um dos tex
tos abaixo:
1. ''A simpatia dos brasileiros pelos partidos políticos sof reu uma inversão
completa nos últimos 30 anos. Em março de 1964, uma pesquisa do Ibope
em oito capitais do País mostrou que 63% da população tinha simpatia por
algum partido. Pesquisa semelhante f eita pelo Ibope no mês passado che
gou a resultado exatamente contrário: 63% da população não tem pr.ef
e rência por nenhum dos partidos disponíveis. ' '
(O Estado de S. Paulo, 16/5/93.)
2. "Até há cerca de dez anos, ao pesquisar apartamentos de bom nível para
comprar, o brasileiro prestava muita atenção no tamanho da sala de visi-
tas, no conf orto da suíte do casal e na praticidade da cozinha. Às vezes,
esses apartamentos incluíam uma varanda, mas com freqüência era a
par- te menos notada da planta. No estilo arquitetônico vigente na época,
os pré- dios eram caixotões de concreto e vidro com linhas retas e duras,
e as va
randas, com raras exceções, não passavam de pequenos recortes na f acha- 153
da - às vezes menores ainda que os minúsculos quartos de
empregada. De uns tempos para cá, um sopro de ar ref rescou a moradia
urbana. Em bora continue a prestar atenção na sala e nos quartos ao
comprar um imó vel, o brasileiro descobriu uma paixão arrebatada pelas
varandas. Os ar quitetos as reinventaram como peças f undamentais dos
apartamentos. Os construtores passaram a valorizá -las em seus projetos.
Hoje, basta um pas seio pelas ruas das grandes cidades para constatar
que as varandas prata-
- gonizam a mais persistente mudança na arquitetura vertical brasileira. "
( Veja, 24/2/93.)
O procedimento para dois ou mais textos
Estudemos primeiramente o procedimento que deve adotar aquele que, em um exa
me, receber dois textos a partir dos quais tenha de fazer sua dissertação. Existem três
possi bilidades: dois textos em prosa, dois textos em verso, ou um poema e um texto
em prosa. Independentemente dessa variação , o procedimento , nos três casos, é o mesmo.
De início você deve ler cada um dos textos atentamente. Em separado, procure de
termi nar o conteúdo básico de cada texto . Em seguida, associe estes dois con teúdos
de modo a encontrar um conteúdo básico comum aos dois textos. Como fazer isso?
Bas ta perceber algo que os textos tenham em comum, analisando suas idéias
centrais. Este é o passo inicial. Vej amos como isso pode ser feito em relação aos
seguin tes textos.
Lira Paulistana
Eu nem sei se vale a pena
.J
Cantar São Paulo na lida ,
Só gente muito iludida
Limpa o gosto e assopra a avena ,
Esta angústia tão serena,
Muita fome e pouco pão,
Eu só vejo na função
Miséria , dolo, f erida ,
Isso é vida?
(Mário de Andrade)
"O cidadão brasileiro paga um número de tributos que é no mínimo três
vezes superior às contribuições cobradas no Japão . Uma listagem incompleta
dos dif erentes tipos de impostos , taxas e contribuições em vigor no Brasil ( .
..) revela a existência de quase 60 dif erentes maneiras de tirar dinheiro dos
con tribuintes praticadas pelas três esf eras de poder (município , estado e
União).
·····....... ······....................................................... ···.········ ...........................
No Japão, ao contrário , o Ministério das Finanças relaciona apenas 20 tri
butos. Mais grave ainda do que a disparidade nos números é o f ato de que a
estrutura tributária j aponesa está concentrada nos chamados impostos dire-
1S4 tos, muito mais justos do que indiretos.
Para o ano fiscal de 1992 (que vai de abril a março), 74,1% da
arrecadação no Japão f oi obtida de apenas quatro impostos diretos (sobre a
renda, sobre corporações, sobre heranças e sobre os valores da terra)."
(Folha de S. Paulo, 21/2/93.)
O poema de Mário de Andrade estabelece as condições sofridas da massa de traba
lhadores de São Paulo. A palavra "lida" remete ao aspecto inicialmente abordado no
poema: o trabalho. Nos versos seguintes, caracteriza o povo como criaturas iludidas e
angustiadas, que suportam, com serenida.de (abnegação), a fome, a dor, enfim, a misé
ria em que vivem. No verso final pergunta se o que vivem pode ser chamado de vida.
Portanto, o conteúdo básico do poema é o de que o povo de São Paulo, embora esforça
do em seu trabalho, vive em condições miseráveis.
Analisando agora o texto jornalístico, entendemos que o seu conteúdo básico pode
ser sintetizado desta forma: o cidadão brasileiro paga o triplo do número de impostos
do cidadão japonês. A estrutura tributária japonesa está centrada nos impostos diretos,
cobrados basicam ente sobre a renda, corporações, heranças e valores da terra. O texto
sugere que, no Brasil, os impostos cobrados tam bém são indiretos. Embora isso não
esteja explícito, pelo número de tributos que pagamos, somos levados a essa dedução.
É num momento como este que vemos a importância de estar bem informados sobre
os assuntos da atualidade (veiculados por jornais, revistas e pelos meios eletrônicos de
comunicação). Entendendo um pouco sobre os impostos que nos são cobrados, perce
bemos que, cada vez que compramos algo (como um chocolate), estamos pagando não
somente o preço do chocolate, mas também o imposto sobre este prod uto, que já está
incluído em seu preço. Entretanto, por menos que você conheça o assunto, o texto for
nece o instrumental mínimo necessário para que você possa elaborar a sua redação.
O próximo passo, como explicamos anteriormente, é o de estabelecer o conteúdo
básico comum. Unindo a idéia central do poema e do texto, buscando algum aspecto
comum, podemos, por exemplo, chegar à seguinte afirmação:
Em virtude de arcar com uma enorme carga tributária, o povo brasileiro
vê agravada a sua situação econômica , que já é, para a maioria dos trabalha
dores, extremamente grave.
•
Agora estamos a meio caminho andado para a elaboração de um tem a:
É inegável que os inúmeros impostos que pesam sobre os om- .
bros dos cidadãos brasileiros agravam ainda mais a miséria, na
qual está imersa a maioria da população.
Para a elaboração desta redação, optamos pela técnica de dissertação com predomi-
nância crítica. 155
Vejamos agora como podemos desenvolver este assunto:
A maneira mais f ácil de um governo resolver problemas, com rapidez, é au
mentar a carga tributária. Quando já não é viável aumentar o que foi por di
versas vezes aumentado, criam-se novos impostos. No Brasil este procedimento
é rotineiro e contribui para acelerar o processo de pauperização do nosso povo.
Os especialistas em Direito Tributário estimam que o número de impostos
pagos pelos brasileiros é de, no mínimo, sessenta. São inúmeros os tributos
indiretos que, cobrados em cada produto que adquirimos, incidem igualmen
te sobre o cidadão, quer ele ganhe um salário mínimo, quer seja um poderoso
industrial.
O mais assustador não é o número de impostos, mas o f ato de que tendem
a aumentar, com o passar do tempo. É admirável a criatividade de nossos go
vernantes no que tange à implantação de impostos insólitos, como o selo
pedágio, o compulsório sobre os combustíveis e tantos outros. Alguns deles,
pelo seu caráter bizarro, f azem-nos lembrar do imposto sobre as janelas, ins
tituído há séculos na Inglaterra , o que determinou o tamanho diminuto das
janelas construídas na época.
O número exorbitante de tributos, principalmente os indiretos, colaboram
de maneira substancial para o empobrecimento progressivo ·e acelerado da
maior parte de nossa população, agravando os problemas sociais, martirizan
do aqueles que, embora trabalhando de sol a sol, não conseguem prover seu
sustento.
É de se lamentar que a mesma criatividade demonstrada por muitos dos
nossos governantes para a criação de novos tributos não seja plenamente uti
lizada para encontrar soluções para os problemas emergenciais que angus
tiam a população.
OBSERVAÇÃO:
Embora esta dissertação tenha-se baseado em "Lira Paul.Ístana", o assunto ref eren
te à tributação foi tratado como um problema nacional. Isso mostra que o fundam ental
é o conteúdo básico dos textos e os pontos que possam ·te em comum. No mom ento
em que esse conteúdo foi associado à realidad e, referiu-se à situação nacional.
Vejamos agora as etapas pelas quais passamos para chegar à dissertação:
1. Compreensão do conteúdo básico do primeiro texto ----!
1
2. Compreensão do conteúdo básico do segundo texto.
3. Determinação do conteúdo básico comum.
4. Associação do conteúdo a algum aspecto da realidad e.
5. Formulação de um tema dissertativo.
6. Aplicação de uma das técnicas.
7. Elaboração de uma dissertação. 1
156 _ _ _J
Conforme já explicamos anteriormente, a etapa n ? 4 muitas das vezes é
dispensável, pois o conteúdo básico já alude a algu m aspecto da realidade nacional ou
internacional.
Estudemos agora. ainda neste capítulo, como devemos proceder para elaborar u ma
dissertação a partir de três textos. Passemos a mais um exemplo.
Inicialmente você lerá um poema de Man uel Bandeira:
Versos de Natal
Espelho , amigo verdadeiro,
Tu refletes as minhas rugas,
Os meus cabelos brancos,
Os meus olhos míopes e cansados.
Espelho, amigo verdadeiro,
Mestre do realismo exato e minucioso,
Obrigado , obrigado!
Mas se f osses mágico,
Penetrarias até ao f undo desse homem triste,
Descobririas o menino que sustenta esse homem,
O menino que não quer morrer ,
Que não morrerá senão comigo,
O menino que todos os anos na véspera do Natal
Pensa ainda em pôr os seus chinelinhos atrás da porta .
Como pode mos o bservar, na primeira estrofe, o poem a mostra uma pessoa idosa.
cm frente ao espelho, percebendo sua idade já avançada. E ntretanto, na segunda estro
fe. ex iste a id éia de que o espelho só reflete a matéria daquele homem senil. Caso o
espel ho pudesse refletir o que vai na alma deste homem, veria, na verdade, u ma crian
\'ª co m todas as suas características e aspirações, ou seja, a criança que o sustenta.
que é a sua base. Em resumo, o poema afirm a que, por trás da aparência senil de u m
ho mem, v ive ainda o menino que ele foi.
Agora leia este poema de Luís Vaz de Camões:
Soneto
Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades,
Muda-se o ser , muda-se a confiança;
Todo o mundo é composto de mudança,
Tomando st"mpre novas qualidades.
Continuamente vemos novidades,
Dif erentes em tudo da esperança;
Do mal f icam as mágoas na lembrança,
E do bem, se algum houve, as saudades. 157
O tempo cobre o chão de verde manto,
Que já coberto foi de neve fria,
E em miÍn converte em choro o doce canto.
E, af ora este mudar-se cada dia,
Outra mudança f az de mor espanto,
Que não se muda já como saía * .
Todo o poema pode ser entendido da seguinte forma: com o passar do tem po, todas
as coisas vão sofrendo transformações. Esta é a idéia geral do poema e a síntese das
duas primeiras estrofes. Na terceira estrofe, o poema fala da transformação do "canto"
alegre em choro, nu ma alusão à mudança de estado de espírito do "eu poético" que,
com o passar do tempo perde seu "doce canto". Na última estrofe, existe a afirmação
de que as próprias mudanças não ocorrem da mesma forma, mesmo quand o se repe
tem modificações em circunstâncias semelhantes. Assim, o poema pode ser interpreta
do como uma constatação das várias conseqüências da passagem do tempo, ou seja,
das profundas modificações que o passar do tempo provoca.
Desta vez você lerá um trecho do livro de Eclesiastes (capítulo 3: versículos de 1
a 7) retirado da Bíblia:
"3 1Todas as coisas .têm seu tempo, e todas elas passam debaixo do céu
segun do o termo que a cada uma foi prescrito. 2 Há tempo de nascer, e
tempo de morrer. Há tempo de plantar , e tempo de arrancar o que se
plantou. 3 Há tempo de matar , e tempo de sarar . Há tempo de destruir, e
tempo de edifi car. 4 Há tempo de chorar , e tempo de rir. Há tempo de se
afligir, e tempo de saltar de gosto. 5Há tempo de espalhar abraços, e tempo
de se pôr longe deles. 6 Há tempo de adquirir, e tempo de perder. Há
tempo de guardar, e tempo de lançar f ora. 7 Há tempo de rasgar , e tempo
de coser . Há tempo de f alar , e tempo de calar ."
O texto bíblico afirma, como facilmente se percebe, que para tudo há um te mpo cer
to. Destes versículos podemos inferir que o homem deve possuir a sabedoria de fazer
cada coisa em seu tem po apropriado. O texto, formado com base em antítese , reafirma
que, ao longo da existência, ele encontrará ocasiões oportunas para ter os com porta
mentos mais diferenciados. Em síntese: para cada coisa há um tem po adequado.
Agora você já tem os três textos, seguidos de uma análise sintética de seu conteú
do. O próximo passo para chegar até a dissertação é procura r um conteúdo básico
comum aos trs textos. Assim poderíamos form ulá-lo:
O tempo passa, provocando grandes modificações, transf ormando a reali
dade. No transcorrer da vida há ocasiões adequadas para determinados pro
cedimentos, para certas ações.
Todavia, apesar do tempo conduzir-nos f atalmente para o envelhecimento,
no fundo de cada ser humano existem características da inf ância que, de uma
f orma ou de outra, insistem em permanecer, em cada um de nós.
158 * soía (verbo soer) significa "costu mar" .
A partir deste conteúdo básico, podemos perfeitamente elaborar um tema:
O transcorrer do tempo provoc a, em cada ser humano, grandes
transformações, que estabelecem etapas bastantes diferenciadas;
entretanto , certas características da infância persistem no âmago
de cada um de nós.
Para a abordagem deste tema optamos pela técnica básica de dissertação. Aplican
do esta técnica, podemos agora elaborar nossa composição:
Ao longo de nossa vida, prof undas são as transf ormações que sof remos
pe la passagem do tempo. Estas modificações dividem nossas vidas em épocas
bem distintas, durante as quais devemos assumir comportamentos muito dif
eren ciados. Entretanto , a inf ância, de algum modo, consegue acompanhar-
nos por toda a nossa existência , seja pela importância que tem na f ormação
da perso nalidade , seja pelas características desta fase tantas vezes
evidenciada em nosso comportamento.
Algumas correntes psicanalíticas afirmam categoricamente que os primei
ros anos de nossas vidas , as experiências pelas quais passamos, são _ f atores
determinantes de muitos dos nossos comportamentos na juventude e fase
adul ta . Acredita-se que o caráter e a personalidade formam-se nos primeiros
anos que vivemos.
Cada etapa de nossa existência tem suas características e, em cada tempo,
cabem os comportamentos compatíveis com a idade de cada um. Existe algo
mais próximo do ridículo do que uma senhora de idade avançada usar vesti
mentas ou adornos típicos dos pré-adolescentes? Porém , por mais que tente
mos adequar o que se usa ou o que se faz à f aixa etária correspondente, cada
um de nós, em maior ou menor grau , conserva características inf antis, mui
tas vezes evidenciadas em certas situações: o adolescente que não quer assu
mir seu crescimento: os pais que se divertem com os brinquedos de seus fi
lhos, os adultos que diante de algum problema dizem "brincando": "Eu que
ro a minha mãe' ' .
Assim, parece-nos correta a impressão de que, no fundo, sejamos, de f ato,
crianças . E é até bom que isso ocorra, pois, talvez, valorizando os principais
atributos da criança: a bondade , a ausência absoluta de preconceito, a espon
taneidade, a curiosidade e alegria em descobrir coisas novas, possamos ref or
mular alguns de nossos conceitos e construir uma sociedade na qual, como
afirmou o poeta, "o menino" seja o suporte do "homem".
159
OBSERVAÇÃO:
Note como foi feita a associação do conteúdo básico comum com um aspecto de
nos sa realidade. Ela se deu no exato momento em que partimos para uma
generalização do conteúdo do poema de Manuel Bandeira. A situação particularizada
do "eu poéti co" em afirmar-se criança, embora idoso, permitiu a associação com esse
aspecto dos seres humanos em geral.
Por fim, vejamos as etapas por que passamos:
-- ------- ------------,-·------
-----·
1. Compreensão do conteúdo básico de cada um dos três textos separadamente.
2. Determinação do conteúdo básico comum.
3. Associação do conteúdo a algum aspecto da realidade.
4. Form ulação de um tema dissertativo.
5. Aplicação de uma das técnicas.
6. Elaboração de uma dissertação.
Como você já deve ter notado, estas etapas podem ser utilizadas para qualquer situa
ção em que se necessite associar textos para, depois, elaborar uma dissertação.
EXERCÍCIOS
Elabore dissertações a partir da associação dos seguintes textos, depois de escolher
um ou dois dentre os itens apresentados:
1. a) ''A esperança é o único patrimônio dos deserdados e a ela recorrem as
nações ao ressurgirem de seus desastres históricos. ' '
(Tancredo Neves)
b) Pedro pedreiro
(fragmento)
Pedro pedreiro está esperando a morte,
ou esperando o dia de voltar pro Norte.
Pedro não sabe, mas talvez no fundo
espere alguma coisa mais linda que o mundo,
maior do que o mar.
Mas pra que sonhar se dá
o desespero de esperar demais,
Pedro pedreiro quer voltar atrás,
Quer ser pedreiro, pobre e nada mais, sem ficar
Esperando, esperando, esperando,
esperando o sol,
esperando o trem ,
esperando o aumento
para o mês que vem,
160 esperando um f ilho,
pra esperar também.
Esperando a f esta,
esperando a sorte,
esperando a morte,
esperando o norte.
Esperando o dia
de esperar ninguém.
Esperando enfim
nada mais além
que a esperança aflita, bendita, infinita
do apito de um trem.
(Chico Buarqu e de Holanda)
2. a) HAl-KAI
Frankestein não esquece
Foi operado
No INPS.
(Millôr Fernandes)
b) "O estudo do buraco de uma proteína com f orma de rosquinha deu uma
importante contribuição para o desenvolvimento em um futuro próxi
mo do sangue artificial, um objetivo que a medicina persegue há sécu
los, e com mais premência agora. O produto eliminaria a contaminação
dos bancos de sangue com doenças ( . ..)' '
(0 Estado de S. Paulo, 16/5/93.)
e) Psicologia de um vencido
(fragmento)
Eu , filho do carbono e do amoníaco,
Monstro de escuridão e rutilância,
Sofro, desde a epigênesis da infância,
A influência má dos signos do zodíaco.
Prof undissimamente hipocondríaco,
Este ambiente me causa repugnância ...
Sobe-me à boca uma ânsia análoga à ânsia,
Que escapa da boca de um cardíaco.
(Augusto dos Anjos) 161
3. a) ' 'Em toda discussão há três pontos de vista: o meu, o seu e o correto. '
'
(Provérbio chi nês.)
b) "Não é preciso ser filósofo para ter idéias . A dif erença é que o filósof
o procura construir, através do estudo e da reflexão, um sistema mais
ou menos coerente de idéias para, a partir dele, interpretar e criticar a
rea lidade. A maioria das pessoas, no entanto , vai formando seu
conjunto de idéias sem muita reflexão. Esse conjunto de idéias recebe
o nome de ideologia. Todos nós temos a nossa ideologia, mas de
maneira geral não temos consciência disso. Julgamos que nossas
idéias refletem sempre a realidade. Não nos damos conta de que muitas
dessas idéias f oram co locadas em nossa cabeça pela educação
f amiliar, pela escola, televisão, jornais, moda, cinema , etc. ' '
(PILETTI, Clau clino. Filo.sofia da educação . 2. ed . São Paulo. Ecl. Áti('a, 1991 .)
162