Revista Jurídica da Seção Judiciária de Pernambuco
O REGIME REMUNERATÓRIO DAS CONCESSÕES
PÚBLICAS BRASILEIRAS
THE PAYMENT REGIME OF PUBLIC CONCESSIONS IN BRAZIL
Pedro Dias de Oliveira Netto
Bacharel em Direito pela Universidade Católica de Pernambuco (2013).
Especialista em Direito Administrativo pela Universidade Federal de
Pernambuco (2016). Mestrando em Direito Público pela Universidade
Federal de Pernambuco. Graduando em Ciências Econômicas pela
Universidade Federal de Pernambuco. Conciliador voluntário do Centro
Judiciário de Solução de Conflitos e Cidadania da JFPE (CEJUSC).
RESUMO: A concessão de serviço público trata-se de instituto dos
mais antigos no Brasil. Em momento anterior à proclamação da República,
em 1808, já é possível verificar atos de concessões praticados pelo príncipe
regente D. João VI. Parte essencial dos contratos de concessões públicas diz
respeito à forma em que a remuneração do parceiro privado ocorrerá. O objetivo
deste trabalho é analisar os parâmetros da remuneração obtida pela cobrança da
tarifa aos usuários; a natureza jurídica das contraprestações pagas pelo Poder
Público nos contratos de PPPs; bem como, a possibilidade dos incentivos fiscais
atuarem como mecanismo (in)direto de pagamento e seus efeitos nos contratos
de concessões.
Palavras-chave: concessões públicas. tarifa. contraprestação pública. incentivo
fiscal.
ABSTRACT: The public service concession is one of the most ancient
institute in Brazil. Previously the Proclamation of the Republic, in 1808, it is
possible to recognize acts of concessions managed by regent prince D. João
VI. Essential part of public concessions contracts concerns how to manage and
which are the correct form over the concessionaire’s remuneration. The intent
of this work is to analyze the parameters of the remuneration obtained by users
fees; the legal nature of the amount paid by the Government in PPPs contracts; as
well as the possibility of tax incentives acts as (in)direct mechanism of payment
and its effects on contracts of public concessions.
Key-words: public concessions. fee. public payment. tax incentives.
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INTRODUÇÃO
O presente artigo abordará as possibilidades de remunerações
das concessões de serviços públicos no Brasil. Embora sejam amplas e
diversificadas as pesquisas realizadas sobre as concessões públicas no direito
comparado, o estudo limitar-se-á, em grande parte, em analisar este instituto
através da doutrina nacional e a legislação pertinente ao tema, sendo dividido
em quatro capítulos.
No Capítulo I, serão feitas considerações iniciais para demonstrar a
evolução histórica das concessões públicas nacionais. Assim sendo, mostra-
se imprescindível analisar as transformações dos modelos econômicos
abarcados entre os séculos XVIII e XXI e algumas concepções fundamentais
para permitir compreender os moldes das concessões de serviços públicos dos
dias atuais.
No Capítulo II, as concessões públicas serão analisadas sob a ótica da
Lei n.º 8.987/95. Neste ponto, a remuneração do concessionário será tratada,
sobretudo, como aquela obtida pela cobrança das tarifas aos usuários. Também
serão estudados os métodos para a fixação da tarifa e o equilíbrio econômico-
financeiro do contrato.
O Capítulo III examinará a natureza jurídica das contraprestações
pagas pelo Poder Público à concessionária na modalidade de uma concessão
patrocinada ou administrativa (Parcerias Público-Privadas), sendo estas
consideradas como concessões especiais que surgiram com a vigência da Lei
n. 11.079/04.
O incentivo fiscal como mecanismo (in)direto de pagamento será o tema
do Capítulo IV. Assim sendo, serão abordadas as modalidades de incentivos
fiscais previstas no ordenamento jurídico brasileiro e os efeitos acarretados
às concessionárias e aos usuários do serviço público em decorrência dos
incentivos concedidos.
1. EVOLUÇÃO HISTÓRICA DAS CONCESSÕES DE SERVIÇOS
PÚBLICOS NO BRASIL
1.1. Transformações dos modelos econômicos (sécs. XVIII-XXI)
O sistema de fornecimento de serviços públicos, ao longo do tempo,
passou por diversas transformações. As tendências econômicas desenvolvidas
por países estrangeiros influenciaram as formas em que o Estado brasileiro
atuava, direta ou indiretamente. Deste modo, diversas mudanças ocorreram na
relação entre o setor público e o setor privado.
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Importante, no entanto, ainda que de modo conciso e para melhor
contextualização da pesquisa, mencionar a conjuntura em que as nações
encontravam-se a partir do século XVIII até os tempos atuais.
Em primeiro lugar, no período posterior à Revolução Francesa (1789-
1799), o Estado Liberal arrimou-se como uma referência a ser seguida, sendo
marcado pela forte abstenção do Poder Público. O Estado somente deveria
atuar nas hipóteses em que sua presença fosse indispensável para garantir os
direitos previstos na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão que, de
maneira bem simplista, podem ser sintetizados como os direitos à propriedade
privada, liberdade, igualdade e fraternidade, lema dos revolucionários
franceses.
Destarte, o período supramencionado não foi propício para que
ocorressem intervenções do Estado a nível operacional ou normativo.
A participação mínima do Estado não foi suficiente para reduzir as
desigualdades econômicas e sociais que se instalavam em grandes proporções.
As questões atinentes aos serviços de interesse social eram, por muitas vezes,
repassados ao setor privado sem qualquer forma de regulação ou fiscalização
da atividade.
O cenário era de crescente tensão, conflitos sociais e, principalmente,
as crises econômicas das primeiras décadas do século XX, da qual a quebra
da bolsa de valores de Nova Iorque (1929) tornou-se um marco histórico por
consequência do impacto econômico substancial que ocasionou.
Importante mencionar neste momento que em 1936 foi publicado
o livro “Teoria geral do emprego, do juro e da moeda”, por John Maynard
Keynes, que, de certo modo, foi utilizado como base para as medidas
econômicas adotadas pelo governo de Roosevelt no New Deal, oferecendo um
claro argumento para a intervenção governamental, sobretudo pela utilização
da política fiscal.1
Sem olvidar, ainda, o período conturbado vivenciado nesta época em
decorrência dos conflitos bélicos que, ao seu término, e somado com os outros
fatores, necessitavam realizar mudanças na concepção e atuação do Estado
para assegurar amplos direitos sociais e reduzir as desigualdades econômicas.
Em substituição ao modelo pretérito, ganha força o Estado do Bem-
estar Social (Welfare State) com grandes referenciais a Constituição Mexicana
de 1917 e a Carta Alemã de Weimar.
O Estado do Bem-estar Social defende a atuação ativa do Estado na
busca da justiça social e, para tanto, centralizava a realização de serviços
públicos e até de interesse econômico através da criação de instituições típicas
do setor privado por parte da Administração Pública.
1 - BLANCHARD, Olivier. Macroeconomia. São Paulo: Pearson Prentice Hall, 2004, p. 576.
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Para atingir as metas de intervenção do Poder Público e garantir o bem-
estar social, foi necessário ampliar a estrutura administrativa e as atribuições do
Estado. Este modelo elevou o aumento da burocracia, estabeleceu monopólios
estatais, tornou pouco eficiente a execução direta de determinados serviços
públicos, e elevou bastante os gastos públicos.
Destarte, o enfraquecimento do Welfare State ocorreu de maneira
gradual e com aspectos diferentes entre os países. Nos países industrializados,
a crise fiscal, provocada pelos elevados gastos públicos, contribuiu para
agravar as divergências entre o poder público, empresários e trabalhadores,
que almejavam assegurar seus próprios interesses.
A partir dos anos de 1970, com o surgimento do modelo que ficou
conhecido como Estado Subsidiário, ou Estado Neoliberal, desenvolve-
se a ideia da necessidade de desburocratizar o Estado e reduzir a estrutura
administrativa com a entrega ao setor privado das tarefas de caráter puramente
econômico.
Não obstante, tal mudança não deve ser interpretada como uma
referência completa ao modelo estatal adotado pelo Estado Liberal. Somado
à menor intervenção direta do Estado na economia, foram acrescentados
mecanismos de gestão, controle, fiscalização e regulação, objetivando que os
serviços públicos prestados contemplem também a justiça social.
Na Grã-Bretanha, a Primeira-Ministra Margaret Thatcher (1979-
1990) propôs uma série de desestatizações para frear o abismo econômico
britânico, sendo precursora deste modelo de Estado que estava tornando-se
tendência entre os países. Observa-se a título de curiosidade, que a fábrica
britânica de carros Rolls Royce, até o ano de 1987, também era uma empresa
estatal, sendo privatizada posteriormente.
De maneira bastante concisa, podemos apontar algumas vertentes
principais do modelo de Estado Subsidiário: (i) reduzida participação estatal
nas decisões da economia do país; (ii) privatização das empresas estatais que
atuam em atividades econômicas não-essenciais; (iii) desburocratização do
estado com a criação de leis e regras de regulação, fiscalização e controle; (iv)
proibição do controle de preços dos produtos e serviços por parte do Estado;
(v) base da economia formada por empresas privadas.
1.2. As concessões de serviços públicos
Após esta breve menção aos modelos econômicos mundiais, torna-se
possível realizar uma compreensão holística no que diz respeito ao surgimento
dos contratos de concessões de serviço público ao longo da sua história, haja
vista se tratar de instituto dos mais antigos do direito administrativo.
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O conceito clássico dos contratos de concessões remete ao julgamento
do caso Gaz de Bordeaux, de 1916, onde o Conselho de Estado da França deu
os primeiros passos para delimitar o que, de fato, consistiria a concessão de
serviço público, o qual se disseminou perante outros países que se espelhavam
no ordenamento jurídico francês.2
O objetivo desta caracterização era identificar quais contratos
administrativos poderiam ser considerados uma concessão ou não. Assim
sendo, a definição ficou estabelecida da seguinte maneira:
A concessão é um modo de gestão resultante de um ato denominado
de ‘contrato de concessão’, pelo qual uma pessoa administrativa (o
concedente) encarrega outra pessoa, física ou jurídica, privada ou por
vezes pública (o concessionário), de gerir e de fazer funcionar por
sua conta e risco um serviço público, mediante diversas vantagens,
notadamente o recebimento de taxas dos usuários.3
Para analisar o instituto das concessões brasileiras é preciso
compreender que foram absorvidas várias características de herança
portuguesa. O recurso da Coroa portuguesa às concessões, seja para ocupação
de extensões territoriais, seja para delegar a exploração de atividades
comerciais e rotas marítimas, foi determinante na colonização brasileira.4
Durante o período da vinda da família real para o Brasil, em 1808,
é possível verificar atos concessórios emanados do príncipe regente D. João
VI. Já no ano de sua chegada ao país, o regente editou a Carta Régia de 24
de novembro de 1808, concedendo a Luiz de Souza Menezes, por dez anos,
o direito e o privilégio de explorar a mineração de ferro em Minas Gerais.5
Fato semelhante ocorreu à concessão de comércio entre as capitanias de Goiás
e do Pará, outorgada por meio da Carta Régia de 5 de setembro de 1811,
onde foram concedidos privilégios de realização do comércio entre as duas
capitanias.6
Destarte, o recurso às concessões seguiu firme após a independência
do Brasil. Em 29 de agosto de 1828 D. Pedro I editou a lei que estabelecia
regras para a construção de obras públicas necessárias para navegações de rios,
aberturas de canais, edificação de estradas, pontes, calçadas ou aquedutos.7
2 - PEREZ, Marcos Augusto. O risco no contrato de concessão de serviço público. Belo Horizonte: Fórum,
2006, p. 58.
3 - AUBY, Jean-Marie; DUCOS-ADER, Robert, 1969. In: SCHWIND, Rafael Wallbach. Remuneração
do concessionário: concessões comuns e parcerias público-privadas. Belo Horizonte: Fórum, 2010, p. 26.
4 - MARQUES NETO, Floriano de Azevedo. Concessões. Belo Horizonte: Fórum, 2015, p. 75.
5 - Cartas de Alvarás, Decretos e Cartas Régias, 1891, p. 165. In: MARQUES NETO, op. cit. p. 77.
6 - Coleção de Leis do Império do Brasil, 1811, p. 101. In: MARQUES NETO, op. cit. p. 77.
7 - MARQUES NETO, op. cit. p. 79.
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D. Pedro II, em seu longo período de reinado efetivo, foi o governante que
mais recorreu ao instituto da concessão, seja para permitir a implantação e a
operação de utilidades públicas, ou para admitir que particulares explorassem
atividades ou inventos.8
Objetivando estabelecer uma comparação pretérita e atual das
concessões públicas brasileiras, importante se faz abordar as lições
doutrinárias predominantes, das quais cito, por exemplo, os juristas Mauricio
Portugal Ribeiro9, Navarro Prado e Francisco Cavalcanti10, que, por via de
regra, dividem a evolução dos contratos de concessão no Brasil em três fases.
A primeira fase ocorreu no final do século XIX, em período no qual a
carência de recursos técnicos e capital nacional para viabilizar a implantação
dos projetos de infraestrutura fazia necessária a criação de um ambiente
que desse aos investidores internacionais a segurança para a realização dos
investimentos. A principal função dos contratos de concessão então celebrados
era proteger o concessionário de eventual concorrência pelos anos necessários
à amortização do seu investimento, e, dessa forma, garantir o adequado retorno
na implementação e operação do serviço.11
Salienta, desta maneira, o professor Francisco Cavalcanti, que as
concessões desta época foram utilizadas em atividades que demandariam
elevados investimentos e representavam o domínio de tecnologia mais
avançada. Deste modo, as concessões durante o período Imperial representaram
importante forma de exploração econômica de serviços de competência
estatal.12
Um dos exemplos típicos dessa fase das concessões eram os contratos
para a construção de ferrovias e prestação do serviço ferroviário de carga e
de passageiros e, conforme mencionado anteriormente, seu marco temporal
situou-se na época Imperial do final do século XIX. As primeiras ferrovias
brasileiras, como a D. Pedro II, a Estrada de Ferro do Recife, a Estrada de
Ferro da Província de Pernambuco, a Estrada de Ferro da Bahia à Vila de
Juazeiro, a Estrada de Ferro de Mauá, a Estrada de Ferro Santos-Jundiaí13, são
algumas concessões de serviço público deste período.
No que tange ao aspecto remuneratório, o concessionário era
ressarcido integralmente pelo custo da obra e, também, pelo valor de até 5%
8 - MARQUES NETO, op. cit. p. 80.
9 - RIBEIRO, Mauricio Portugal; PRADO, Lucas Navarro. Comentários à Lei de Parceria Público-Privada
– Fundamentos econômico-jurídicos. São Paulo: Malheiros, 2007, p. 37.
10 - CAVALCANTI, Francisco. Da limitação das parcerias público-privadas ao modelo de concessões:
equívocos do legislador brasileiro. In: CORREA, Andry Matilla; CAVALCANTI, Bruno (orgs.). Estudios
latinoamericanos sobre concesiones y PPP. Ratio Legis Librería Jurídica, 2013.
11 - RIBEIRO; PRADO, op. cit. p. 37.
12 - CAVALCANTI, op. cit. p. 239.
13 - CAVALCANTI, op. cit. p. 237.
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sobre o valor total a título de remuneração. Ainda, a Administração Pública
garantia ao concessionário a exclusividade do uso de cinco léguas de terra,
para cada lado, ao longo da ferrovia, as quais podiam ser exploradas pelo
concessionário e nas quais nenhuma outra infraestrutura de transporte poderia
ser implantada.14
Observa-se que algumas características das concessões de serviço
público pretéritas podem ser comparadas com o modelo atual. Para tanto, faço
menção à pesquisa elaborada por Francisco Cavalcanti, ao analisar a obra de
Veiga Cabral, cujos elementos da concessão da Estrada de Ferro D. Pedro II
podem ser sintetizados da seguinte maneira:
a) autorização legislativa, na Resolução Legislativa n. 641, de 26 de
junho de 1852;
b) a concessão, compreendendo o “privilégio do caminho de ferro”,
por prazo não superior a noventa anos, contado da incorporação da
companhia;
c) direito da companhia de desapropriar, na forma da lei, os terrenos
particulares necessários ao leito do caminho de ferro, estações,
armazéns e demais obras adjacentes, “sendo-lhe para o mesmo fim
concedidos os terrenos devolutos e nacionais”;
d) exclusividade, não se podendo conceder outros caminhos de ferro a
uma distância de cinco léguas de cada um dos lados, salvo acordo com
a concessionária;
e) durante o prazo da concessão, teria a concessionária “direito de
perceber os preços de transportes fixados pelo governo na tabella
organizada de accordo com a companhia, cujo máximo não excederá
o custo actual das conducções garantindo o governo à concessionária
o juro de até 5% do capital empregado na construcção da estrada de
ferro.15
A segunda fase da evolução dos contratos de concessão ocorreu a
partir dos anos 30 do século XX16. Especificamente durante o Governo de
Getúlio Vargas, com a criação de instrumentos para intervenção direta do
Estado na atividade econômica, tais como a criação de diversas empresas
estatais, sobretudo nos setores de infraestrutura e de indústria de base.
Diante deste cenário os contratos de concessões perderam sua força.
Como os contratos eram celebrados com entidades administrativas controladas
pelo Governo, o contrato de concessão se tornou, de certo modo, dispensável
14 - RIBEIRO; PRADO, op. cit. p. 37.
15 - VEIGA CABRAL, Prudêncio Giraldes Tavares. Direito administrativo brasileiro, 1857, p. 408/409. In:
CAVALCANTI, op. cit. p. 238.
16 - RIBEIRO; PRADO, op. cit. p. 38.
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em relação ao poder que o Governo já detinha enquanto controlador das
estatais. Em alguns casos os contratos sequer eram celebrados, ou o foram
anos após o início da exploração do serviço pelas respectivas estatais.
Destarte, salienta-se a opinião de Walter Álvares, no final dos anos
setenta do século passado, onde abordou questões atinentes à desorganização e
a insegurança jurídica do instituto das concessões no setor de energia elétrica:
(...) como a União, há mais de quarto de século, não tem assinado
contratos de concessão, segue-se que todas essas atuais concessões
outorgadas estão sem condições expressas e, na hipótese de encerrada
a concessão ao fim de trinta anos (...) será necessariamente com
indenização (...) como essas não tem sido assinadas segue-se que todas
as atuais concessões estão sem prazo certo. Por conseguinte, se não se
conhece o prazo, a rigor não se poderá falar em reversão, desde que a
reversão só ocorre ao término do contrato de concessão.17
Verifica-se, portanto, que diversos problemas foram encontrados
nesta segunda fase das concessões de serviço público no Brasil. O preço
político das tarifas, a insegurança jurídica dos procedimentos impositivos
de sanção, entre outros vícios formais e materiais, apresentaram-se em
praticamente todas as áreas nas quais a figura da concessão esteve presente.
Não obstante, em alguns casos as concessões foram outorgadas sem
procedimentos seletivos, muitas vezes em função de meros favorecimentos,
como aconteceu com o setor de transporte rodoviário de passageiros no
âmbito interestadual.18
Por fim, a terceira fase da história dos contratos de concessão
de serviço público ocorreu a partir dos anos noventa, onde ocorreram
modificações de relevo para atender ao novo modelo de Estado pretendido.
Neste período foram suprimidos monopólios; alteraram-se as regras
restritivas à existência de concessionárias não-estatais em áreas relevantes
como telecomunicações, petróleo, gás canalizado nas áreas urbanas; também
foram modificadas as regras referentes às licitações para empresas estatais
exploradoras de atividades econômicas.19
Com a vigência das Leis n.º 8.987/95 (Lei Geral das Concessões)
e 9.074/95, estas foram consideradas instrumentos indispensáveis, ao lado
da criação do modelo de agências reguladoras, para se alcançar sucesso no
programa de reforma pretendido pela Constituição de 1988.
17 - ÁLVARES, Walter. Curso de direito da energia, 1978, p. 328. In: CAVALCANTI, op. cit. p. 243.
18 - CAVALCANTI, op. cit. p. 243.
19 - CAVALCANTI, op. cit. p. 244.
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Assim sendo, a reforma do Estado brasileiro foi uma inversão da
tendência adotada a partir da década de 1930. Baseada nos preceitos do
modelo de Estado Subsidiário (ou Neoliberal), pretendeu-se transferir para
a iniciativa privada o investimento e a operação dos serviços públicos, com
objetivos, entre outros:
a) Reduzir os compromissos de investimento direto do Estado em setores
nos quais é viável a exploração pela iniciativa privada;
b) Permitir a concentração do Estado no provimento de serviços que não
geram retornos suficientes para interessar a iniciativa privada e na
regulação e fiscalização dos serviços públicos cuja exploração se tenha
transferido para a iniciativa privada;
c) Utilizar os recursos obtidos com a alienação das estatais para abatimento
da dívida pública; e
d) Beneficiar a sociedade com o aparente aumento de eficiência trazida
pela gestão privada dos serviços.
Analisando o instituto das concessões de serviço público sob a ótica
do direito positivo, verifica-se que a Constituição da República de 1988
estabeleceu, em seu art. 175, os princípios básicos do regime de concessão e
permissão de serviços públicos do seguinte modo:
Art. 175. Incumbe ao Poder Público, na forma da lei, diretamente ou
sob o regime de concessão ou permissão, sempre através de licitação,
a prestação de serviços públicos.
Parágrafo único. A lei disporá sobre:
I – o regime das empresas concessionárias e permissionárias de serviços
públicos, o caráter especial de seu contrato e de sua prorrogação, bem
como as condições de caducidade, fiscalização e rescisão da concessão
ou permissão;
II – os direitos dos usuários;
III – política tarifária;
IV – a obrigação de manter o serviço adequado.
O conceito infraconstitucional do instituto da concessão de serviços
públicos pode ser verificado na Lei nº 8.987/95, que em seu art. 2º, II, define
como
(...) a delegação de sua prestação, feita pelo poder concedente,
mediante licitação, na modalidade de concorrência, à pessoa jurídica
ou consórcio de empresas que demonstre capacidade para seu
desempenho, por sua conta e risco e por prazo determinado.
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Destarte, no que tange à delimitação do conceito de “serviço público”,
é possível admitir diversas acepções, que podem adotar sentido amplo,
como sinônimo de atividade estatal, bem como um sentido mais restrito,
compreendendo exclusivamente as atividades prestacionais diretas e uti
singuli a cargo do Estado.
Nesse passo, a doutrina de Floriano de Azevedo Marques Neto aduz
que a compreensão do objeto das concessões de serviço público pode ser
interpretada da seguinte maneira:
(...) analisando o regime normativo constante da Lei n.º 8.987/1995
(em particular a partir do recorte dado pelo advento da Lei n.º
11.079/2004), podemos passar ao largo dessa discussão conceitual e
identificar o objeto da concessão comum a partir de três elementos:
ser ela uma atividade prestacional (serviço) (i) sobre a qual o Poder
Público tem um dever de oferta; (ii) a que possa ser objeto de uma
relação econômica explorável pelo privado e (iii) cuja exploração
econômica possa ser valorada em unidades individuais de fruição, o
que obriga a que tal prestação seja divisível e quantificável.20
No final do ano de 2004 surgiram novas modalidades especiais de
concessões públicas. Com o advento da Lei nº 11.079, foram constituídas as
parcerias público-privadas: intituladas de concessão patrocinada e concessão
administrativa.21
A concessão patrocinada, de acordo com o conceito legal contido
no art. 2º, §1º, da Lei n.º 11.079/04, é modalidade de concessão de serviço
público ou de obra pública de que trata a Lei nº 8.987/95, quando envolver,
adicionalmente à tarifa cobrada dos usuários, contraprestação pecuniária do
parceiro público ao parceiro privado.
A modalidade estabelecida como concessão administrativa é o contrato
de prestação de serviços em que a Administração Pública seja a usuária direta
ou indireta, ainda que envolva a execução de obra ou fornecimento e instalação
de bens, conforme versa o art. 2º, §2º, desta mesma Lei.
Ao analisar os contratos de concessões públicas de maneira
conglobante, é possível compreender que nestes instrumentos administrativos
são produzidos efeitos trilaterais. Apesar de ser celebrado entre o poder
concedente e o concessionário, os seus efeitos refletem em terceiros, os
usuários.
20 - MARQUES NETO, op. cit. p. 177-178.
21 - Aspectos doutrinários referentes às divergências do enquadramento jurídico das Parcerias Público-
Privadas como espécie do gênero concessões públicas serão abordados em capítulo posterior neste trabalho.
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Bastante elucidativa é a lição de Héctor Jorge Escola22 sobre os efeitos
trilaterais da concessão pública:
A situação do usuário, nos serviços públicos concedidos, é idêntica à que
lhe cabe quando o serviço é prestado diretamente pela administração:
é o beneficiário, é o destinatário do serviço público, e como tal não
é parte na relação contratual concedente-concessionário, mas sobre
ele repercutem os efeitos do contrato celebrado, que se estendem em
relação a ele. De tal modo, a situação, do usuário não é senão uma
situação jurídica objetiva, que se origina no fato mesmo da utilização
do serviço público. São indiferentes – estando sempre no campo dos
serviços públicos uti singuli – as modalidades que ofereça o serviço
e as formas adotadas para sua prestação. Só o fato de sua utilização
é que dá lugar ao nascimento de relações entre o concessionário e o
usuário; só dita utilização gera direitos e impõe obrigações.
Ainda, acrescenta o autor que
(...) estas relações jurídicas, estabelecidas entre o concessionário e
o usuário, resultantes da utilização potencial ou efetiva do serviço,
podem aparecer às vezes com o caráter e o alcance de uma relação
contratual, quando as normas legais assim o estabeleçam, quando
efetivamente se formaram sob a forma de uma relação dessa classe,
ou quando a regulamentação do serviço permite utilizar o mecanismo
contratual, e em outras aparecem com o caráter e o alcance de uma
relação regulamentar.
É evidente a possibilidade de existirem interesses conflitantes e de
certa forma antagônicos desta relação trilateral.
O interesse primário do Poder Público será alcançado através da
garantia dos interesses coletivos, cuja efetivação decorre através de duas
consequências: a) Administração Pública exerce seu controle e poder
sobre o serviço por meio de poderes como a encampação, intervenção, uso
compulsório de recursos humanos e materiais, aplicação de sanções etc.; b)
o concessionário deve ser submetido aos princípios inerentes à prestação dos
serviços de interesse público como forma de garantir a satisfação dos objetivos
sociais buscados com a prestação.23
Do outro lado, a empresa concessionária do serviço público que explore
atividade lucrativa, visa sempre à maximização do maior lucro possível,
22 - ESCOLA, Jorge Héctor, 1979. In: DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Parcerias na administração
pública. São Paulo: Atlas, 2015, p. 97.
23 - SCHWIND, Rafael Wallbach. Remuneração do Concessionário – Concessões Comuns e Parcerias
Público-Privadas. Belo Horizonte: Fórum, 2010, p. 38.
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pois, diante de um cenário capitalista, não estará prestando um serviço por
exclusiva finalidade social. Para tanto, a remuneração deve alcançar os custos
da prestação do serviço, bem como a garantia de um retorno justo em termos
de lucratividade.
Destarte, para que a concessão alcance a finalidade social a que
se propõe, a remuneração do concessionário não pode ser uma barreira ao
acesso dos usuários ao serviço fornecido. Ao dificultar ou impedir o acesso ao
serviço, em decorrência das altas tarifas cobradas, o Estado estaria omitindo-
se no fornecimento de serviço público cuja titularidade é detentor.
Objetivando fornecer uma visão conglobante sobre elemento essencial
do contrato de concessão de serviço público, o presente artigo será delimitado
na análise do regime jurídico da remuneração paga aos concessionários
em suas diversas modalidades e possíveis consequências no orçamento da
Administração Pública.
2. A REMUNERAÇÃO PROVENIENTE DAS TARIFAS
2.1. A tarifa e os métodos para a sua fixação
Prevista no art. 175, parágrafo único, inciso III, da Constituição da
República de 1988, a tarifa corresponde a um valor estabelecido pelo Poder
Público, mediante a celebração de um contrato administrativo, por vezes com
base na proposta formulada pelo concessionário na licitação.
No âmbito infraconstitucional a lei geral das tarifas corresponde
à Lei n.º 8.987/95, que trata da política tarifária. Entretanto, é preciso
ressalvar a possibilidade de leis específicas afastarem a aplicação da lei geral
em determinados setores e, deste modo, apresentarem peculiaridades na
especificação da política tarifária. Refiro-me, a título exemplificativo, à Lei n.º
9.472/97 – Lei de Telecomunicações, que em seu art. 210 afasta expressamente
a aplicação das Leis 8.666/93, 8.987/95 e 9.074/95 às concessões, permissões
e autorizações de serviços de telecomunicações e de uso de radiofrequência.24
A escolha da tarifa como, em regra, opção de pagamento ao
concessionário decorre da ideia de atribuir aos usuários o custeio das despesas
(com pessoal, com manutenção e ampliação da estrutura, aquisição de
equipamentos etc.) e o lucro decorrente do serviço prestado. Assim sendo,
pode-se dizer que não há serviço público gratuito em termos econômicos.
Uma frase bastante conhecida em países ingleses é “there ain’t no such thing
as a free lunch”25, pois sintetiza a ideia de que tudo cujo acesso possa ser
24 - SCHWIND. op. cit. p. 47
25 - Tradução livre: não existe almoço grátis.
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considerado limitado, restrito, terá um custo, podendo ser pago diretamente
ou por terceiros.
Em relação à tarifa, embora o art. 9º, caput, estabeleça que seja fixada
pelo preço da proposta vencedora da licitação, tem-se que entender que,
dependendo do critério a ser adotado para julgamento das propostas, a fixação
da tarifa poderá ser da competência do poder concedente. Isso porque o art. 15
da Lei nº 8.987/95 estabeleceu sete critérios distintos de julgamento.
Art. 15. No julgamento da licitação será considerado um dos seguintes
critérios:
I – o menor valor da tarifa do serviço público a ser prestado;
II – a maior oferta, nos casos de pagamento ao poder concedente pela
outorga da concessão;
III – a combinação, dois a dois, dos critérios referidos nos incisos I, II
e VII;
IV – melhor proposta técnica, com preço fixado no edital;
V – melhor proposta em razão da combinação dos critérios de menor
valor da tarifa do serviço público a ser prestado com o de técnica;
VI – melhor proposta em razão da combinação dos critérios de maior
oferta pela outorga da concessão com o de melhor técnica; ou
VII – melhor oferta de pagamento pela outorga após a qualificação de
propostas técnicas.
Destarte, imprescindível abordar a temática da fixação das tarifas
inseridas em um contexto de política tarifária. Para tanto, serão analisados
os termos definidos como tarifa social, tarifa com efeito arrecadatório em
benefício do poder concedente, tarifas regulatórias e tarifas mínimas.26
A tarifa social é bastante utilizada para retratar situações em que
os recursos de parcela dos usuários do serviço são, em geral, escassos para
custear as despesas do serviço e o retorno financeiro da concessionária. Há
uma série de questões relacionadas na fixação de tarifas em decorrência da
situação econômica.
As lições de Rafael Wallbach Schwind contextualizam, de maneira
concisa, esta modalidade tarifária:
O Poder Público tem o dever de criar condições para que o maior
número de pessoas possa efetivamente se utilizar do serviço, muitas
vezes essencial para a satisfação das necessidades humanas mais
fundamentais. Trata-se, em última análise, de uma preocupação com a
universalização do serviço. Não basta apenas garantir o acesso físico
ao serviço. É preciso instituir condições nas quais ele seja efetivo e
26 - SCHWIND, op. cit. p. 112.
355
Revista Jurídica da Seção Judiciária de Pernambuco
concreto. Somente dessa forma haverá realmente a universalização de
determinado serviço.
Isso significa que eventual impossibilidade econômica apresentada por
determinado universo de usuários para arcar com os custos da prestação
de um serviço tem de se resolver por meio da transferência desses
encargos a outras pessoas, segundo instrumentos de solidariedade
social, de modo que as pessoas desprovidas de riqueza não percam o
acesso ao serviço.27
O estabelecimento de uma tarifa social provoca certa divergência
doutrinária. O motivo desta desavença cinge-se em torno da possibilidade de
repassar os efeitos econômicos da tarifa social para as tarifas cobradas dos
demais usuários.
O doutrinador supracitado entende ser impossível transferir os efeitos
da tarifa social aos demais usuários, exemplificativamente, pelas seguintes
razões28:
a) Como nem todos os membros da comunidade são usuários do serviço,
o repasse dos efeitos econômicos das tarifas sociais aos demais usuários
não atingirá um universo tão amplo de pessoas em comparação com a
instituição de um subsídio estatal;
b) Ao se compensar a instituição de uma tarifa social com o aumento da
tarifa cobrada dos demais usuários, isso significa que aqueles usuários
que mais utilizam o serviço arcarão com um peso maior em comparação
com aqueles que consomem menos o serviço prestado, mesmo que o
consumo mais elevado não seja resultado de uma posição econômica
mais privilegiada.
Nesta mesma linha de raciocínio encontra-se o jurista Guimarães
Pereira, cujo pensamento cinge-se da seguinte forma:
As tarifas sociais não devem ser compensadas por subsídios internos,
mas por subsídios públicos oriundos de receitas gerais. Essa é a
única das alternativas cogitáveis – ônus do concessionário, subsídio
interno ou cruzado ou subsídio público – que atende integralmente aos
princípios constitucionais aplicáveis (especialmente ao da capacidade
contributiva.29
Entretanto, há quem defenda a possibilidade de existir diferenciação
entre as tarifas cobradas àqueles que demonstrem precária condição
27 - SCHWIND, op. cit. p. 113.
28 - SCHWIND, op. cit. p. 114.
29 - PEREIRA, César A. Guimarães. Usuários de serviços públicos. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 377.
356
Revista Jurídica da Seção Judiciária de Pernambuco
econômica. Para tanto, será preciso que ocorra uma autorização legislativa.
Este é o entendimento de Marçal Justen Filho, ao abordar a questão:
É que a decisão sobre distribuição e redistribuição de riqueza depende
da concordância dos titulares da riqueza. O princípio da legalidade
destina-se, nesse campo, a evitar que o ocupante de cargo executivo
valha-se da atividade administrativa para introduzir decisões políticas
fundamentais. A instituição de tarifas sociais importa transferência de
riquezas entre os usuários e não pode ser considerada como pura e
simples atividade administrativa. Pressupõe a aprovação legislativa,
instrumento pelo qual os representantes do povo manifestam sua
concordância com soluções de reforma social. Caberá à lei autorizar
essa solução e estabelecer os critérios fundamentais para a sua
aplicação.30
Em sequência, serão analisadas as tarifas com efeitos arrecadatórios
em benefício do poder concedente. Nesses casos, a tarifa se destina não apenas
a custear o serviço fornecido, mas também a ampliação da arrecadação estatal.
Exemplo extraído da lição de Rafael Wallbach Schwind31 diz respeito
ao fato verificado em concessões de rodovias, em que muitas vezes se prevê
que uma parcela da tarifa cobrada dos usuários seja revertida ao Estado a
fim de que haja a manutenção e ampliação da malha viária não concedida à
iniciativa privada.
Outra hipótese bastante usual trata-se das situações em que o
concessionário deve pagar um valor pela outorga. É notório que o valor pago
pela outorga represente um custo ao concessionário, que deve compensá-lo
justamente na tarifa cobrada pela prestação do serviço. Observa-se que, diante
do cenário de recessão econômica do Brasil, em 2015, o Governo Federal
empenhou-se para tentar realizar outorgas de hidrelétricas com a finalidade
principal de obter receita para equilibrar o orçamento público federal.
Em alguns momentos, a fixação da tarifa tem o objetivo de produzir
uma indução de comportamento dos usuários quanto ao uso do serviço ou da
infraestrutura. Para tanto, a doutrina denominou esse mecanismo como “tarifa
regulatória”.32
Por via de regra, a tarifa regulatória ocorrerá nos serviços que
dependem de bens escassos, como, por exemplo, o abastecimento de água,
ou cuja prestação encontra limites na capacidade instalada do sistema, como
o fornecimento de energia elétrica. Nesses casos, o valor unitário consumido
30 - JUSTEN FILHO, Marçal. Teoria geral das concessões de serviço público. São Paulo: Dialética, 2003,
p. 377.
31 - SCHWIND, Rafael Wallbach. Remuneração do Concessionário..., p. 118.
32 - SCHWIND, op. cit. p. 121.
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pelos usuários é elevado de modo progressivo em função da intensidade do
consumo ou do momento em que se dá a utilização do serviço.
Marçal Justen Filho denomina as tarifas nessa modalidade de “tarifas
extrafiscais” em razão da semelhança com a extrafiscalidade tributária
em que há previsão de tributos com o objetivo indutor de determinados
comportamentos.33
Observa-se, inclusive, que o Superior Tribunal de Justiça consolidou
a possibilidade de tarifas regulatórias ao editar a Súmula n.º 407, cuja redação
estabeleceu o seguinte teor: “É legítima a cobrança de tarifa de água, fixada de
acordo com as categorias de usuários e faixas de consumo”.
Destarte, é válida a previsão de tarifas com efeito regulatório para
incentivar o uso racional do serviço público que depende de bens escassos.
Por fim, existe a modalidade das tarifas mínimas (ou tarifas básicas).
Estas consistem na cobrança de um valor periódico mínimo dos usuários
por conta da disponibilidade do serviço. Trata-se de sistemática de cobrança
prevista em diversos serviços de interesse social, prestados tanto sob delegação
como diretamente pelo Estado.
Bastante precisa é a explicação de Rafael Wallbach Schwind para esta
modalidade de tarifa:
A maioria dos serviços de interesse social depende de um sistema
de prestação, ou seja, de uma infraestrutura que se encontra sob
responsabilidade do prestador. Para que esse sistema seja mantido e
possa ser acionado a qualquer momento pelo usuário, é imprescindível
a permanente realização de investimentos e a adoção de uma série
de providências, as quais envolvem certos custos para o delegatário.
O prestador, portanto, enfrenta diversos custos fixos, que não são
diretamente relacionados à efetiva utilização do serviço pelo usuário.34
Em junho de 2008, o Superior Tribunal de Justiça editou a Súmula
n.º 356 para confirmar a legitimidade da cobrança de tarifas mínimas (ou
básicas): “É legítima a cobrança de tarifa básica pelo uso dos serviços de
telefonia fixa”.
Ainda que a súmula supracitada tenha abordado as tarifas mínimas
apenas no serviço de telefonia fixa, é possível cogitar que os mesmos critérios
devem ser aplicados a outros serviços nos quais a simples disponibilidade
ao usuário provoca custos elevados que precisam ser cobertos de alguma
forma. Por exemplo, os serviços de abastecimento de água, coleta de esgoto,
fornecimento de energia elétrica, gás canalizado etc.
33 - JUSTEN FILHO, op. cit. p. 378.
34 - SCHWIND, op. cit. p. 124.
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Para dar maior completude ao estudo realizado neste artigo, se faz
imprescindível trazer um caso prático que aborda a questão tarifária. Destarte,
será analisado parecer técnico proferido pelo jurista Carlos Ari Sundfeld35.
O episódio gira em torno do pagamento de tarifa diferenciada em
favor de usuária de grande porte dos serviços de saneamento básico.
A usuária do serviço entende se enquadrar nos requisitos de cliente
de grande porte e por isso pleiteia uma tarifa diferenciada de 25% abaixo do
preço normal. Ainda, pretende negociar o critério de reajuste anual dessa tarifa
especial. Defende que o índice de reajuste da tarifa deve acompanhar algum
dos índices oficiais que espelhem a inflação do período, por exemplo, IGP,
IPCA, INPC, IPC etc.
No entanto, a concessionária estadual pretende aplicar os índices de
reajustes e de atualização que vierem a ser aplicados em função da política
tarifária geral, a que está submetida a prestadora estadual. Esses índices
têm embutido uma recuperação tarifária ano a ano, situando-se acima da
inflação, o que tem representado aumento real da tarifa pública cobrada dos
usuários de aproximadamente 15% ao ano, o que, se aplicado, inviabilizaria
comercialmente o contrato em negociação.
Para este caso, importante verificar que a matéria encontra-se
regulada pela Lei nº 11.445/07, que estabeleceu as diretrizes nacionais para o
saneamento público, estabelecendo o art. 37 da referida lei que “os reajustes
de tarifas de serviços públicos de saneamento básico serão realizados
observando-se o intervalo mínimo de 12 meses, de acordo com as normas
legais, regulamentares e contratuais”.36
Portanto, a questão cinge-se em relação a possibilidade de a
concessionária praticar tarifa diferenciada para clientes de grande porte,
comparativamente às cobradas dos usuários comuns, e, ainda, se o índice de
reajustamento de preços nesse caso também pode ser diferenciado, desatrelado
dos índices aplicáveis às tarifas públicas usualmente cobradas dos usuários.
Deste modo, Sundfeld começa analisando a viabilidade legal da
tarifa especial para usuários de grande porte. Afirma que a tendência, cada
vez mais presente nas legislações contemporâneas, é prever a possibilidade
de diferenciação entre usuários em matéria tarifária. No entanto, só deve ser
admitida quando houver diferenças quanto ao perfil de fruição do serviço
pelos usuários que justifiquem, de fato, contraprestações distintas. Não fere
a isonomia a previsão de que usuários com perfis objetivamente diferentes
tenham tratamento tarifário também diferenciado.37
35 - SUNDFELD, Carlos Ari. Direito administrativo contratual – Coleção pareceres; v. 2. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2013, p. 95.
36 - SUNDFELD, op. cit. p. 96.
37 - SUNDFELD, op. cit. p. 96.
359
Revista Jurídica da Seção Judiciária de Pernambuco
A própria Lei nº 8.987/95, em seu art. 13, prevê tal possibilidade,
in verbis: Art. 13. As tarifas poderão ser diferenciadas em função das
características técnicas e dos custos específicos provenientes do atendimento
aos distintos segmentos de usuários.
No setor de saneamento básico, também há previsão na legislação
nacional sobre a possibilidade de pactuação de tarifa especial para grandes
usuários, art. 41 da Lei nº 11.445/07.
As regras gerais pressupõem a existência efetiva de porte diferenciado
na contratação específica a ser firmada, que seja suficiente para justificar
vantagens na tarifa cobrada da usuária em relação à tarifa comum.
Por fim, Sundfeld analisa a viabilidade legal da tarifa especial ter
critério próprio de reajuste. Entende o autor que não há qualquer norma que
impeça o tratamento diferenciado do contrato específico também em relação
ao modo de atualização das tarifas. Muito pelo contrário. Se houver razão
para a contratação apartada, é natural que também se justifique a instituição de
modelo de atualização próprio. Isso serve para garantir a preservação da lógica
econômico-financeira inicialmente pactuada entre as partes.38 A justificativa
econômica para tal fato é que os índices de reajuste da tarifa comum têm
embutida a recuperação de perdas tarifárias passadas, que não faz sentido
aplicar em tarifa especial nova, calculada com base em custos reais.
Entendemos acertada a colocação do parecer emitido por Carlos Ari
Sundfeld. No entanto, pela própria dicção do art. 13 da Lei nº 8.987/95, seria
possível fixar um valor monetário acima da tarifa comum, e não abaixo, como
analisado no caso em tela.
Para determinar o valor diferenciado deve-se levar em consideração
“os custos específicos provenientes do atendimento”. Ora, e se estes custos
forem acima do modelo ordinário? Tal risco já estaria calculado no valor das
tarifas comuns, onerando, assim, todos os usuários? Ou seria possível aplicar
um valor maior isoladamente àqueles que determinaram custos elevados?
Assim sendo, acreditamos que devam ser utilizados fundamentos
econômicos, como analisar o custo marginal, a eficiência na prestação do
serviço de maneira conglobante, os limites da maximização dos lucros da
concessionária, para, assim, poder estabelecer o valor apropriado pela tarifa.
2.2. O equilíbrio econômico-financeiro do contrato
A relação entre a fixação de tarifas e o equilíbrio econômico-financeiro
é bastante evidente no momento de definição dos termos concretos do contrato
administrativo pactuado entre o poder concedente e o concessionário.
38 - SUNDFELD, op. cit. p. 100.
360
Revista Jurídica da Seção Judiciária de Pernambuco
Ao propor o valor estipulado para a tarifa durante o processo
licitatório, o licitante leva em consideração os riscos que terá de assumir caso
seja o vencedor do certame e, desse modo, elabora proposta que preveja uma
remuneração adequada em função daqueles encargos.
Destarte, a equação econômico-financeira constitui uma precificação
do risco em face das oportunidades de ganhos.39
Do ponto de vista legal, a Lei n.º 8.987/95 cuidou desta questão em
três dispositivos. No art. 9º, três parágrafos tratam da preservação do equilíbrio
no tocante às tarifas, ao prever sua revisão como forma de recomposição
do equilíbrio (§2º); que essa revisão ocorra no caso de alteração de ordem
tributária (§3º); e do ajuste concessório que traga desbalanceamento da
equação contratual (§4º).
Floriano de Azevedo Marques Neto aduz que a aferição do
desequilíbrio em uma concessão comum, ou seja, aquela prevista na Lei n.º
8.987/95, envolve quatro momentos, a saber:
(i) a constatação de ocorrência de um evento com o condão de afetar
o equilíbrio inicial;
(ii) a verificação quanto à responsabilidade, à luz das disposições
contratuais, pelo risco associado ao evento ocorrido;
(iii) a avaliação do impacto do evento, tomando como parâmetro o
critério de apuração do equilíbrio; e
(iv) a escolha da medida mais adequada e eficiente para recompô-lo.40
No que tange às concessões celebradas com a roupagem de uma
parceria público-privada, como bem observa professora Maria Sylvia Zanella
Di Pietro, embora a Lei n.º 11.079/04 não fale literalmente em equilíbrio
econômico-financeiro, não há como negar às partes a observância desse direito.
Na concessão patrocinada, tal direito decorre da aplicação subsidiária da Lei
n.º 8.987/95, em especial os arts. 9º e 10. Na concessão administrativa, não
há disposição expressa nem aplicação subsidiária dos artigos anteriormente
mencionados. No entanto, o direito ao equilíbrio econômico-financeiro resulta
de princípios como os da equidade, razoabilidade, continuidade etc.41
Não obstante, continua a autora supracitada, o art. 5º, III e IV, da Lei
das PPPs prevê, entre as cláusulas que devem ser incluídas no contrato de
parceria, a que diz respeito à repartição de riscos entre as partes, inclusive
os referentes a caso fortuito, força maior, fato do príncipe e álea econômica
extraordinária e à forma de remuneração e de atualização dos valores
39 - SCHWIND, op. cit. p. 74.
40 - MARQUES NETO, Floriano de Azevedo. Concessões. Belo Horizonte: Fórum, 2015, p. 191.
41 - DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Parcerias na administração pública. São Paulo: Atlas, 2015, p. 159.
361
Revista Jurídica da Seção Judiciária de Pernambuco
contratuais. Sendo, portanto, técnicas para garantir o equilíbrio econômico-
financeiro dos contratos administrativos celebrados nas PPPs.42
Ao aprofundar o tema em pesquisas doutrinárias, é possível verificar
que o conceito de equilíbrio econômico-financeiro dos contratos cinge-se em
torno das compensações de uma parte a outra, na ocorrência de eventos que
configurem um risco atribuído a um contratante, mas que impacte, de um
modo econômico e financeiro, a outra parte.43
Não apenas os eventos gravosos geram direito à recomposição ao
equilíbrio econômico-financeiro. Muitas vezes a ocorrência de evento benéfico
para apenas uma das partes também pode gerar o direito à recomposição do
equilíbrio econômico-financeiro.
Para o jurista Mauricio Portugal Ribeiro, o motor de arranque de
qualquer processo de reequilíbrio econômico-financeiro é a verificação da
distribuição contratual dos riscos. É indispensável a verificação da matriz de
riscos contratual, pois o direito ao reequilíbrio só surge se o risco do evento
gravoso estiver alocado a uma parte contratual diversa daquela que sofreu as
consequências da sua ocorrência. A função, portanto, do sistema de equilíbrio
é o cumprimento permanente da matriz de riscos contratual.44
Nesse contexto, o processo de recomposição do equilíbrio econômico-
financeiro terá como objetivo trazer o contrato real para a condição anterior
à ocorrência do evento gravoso, utilizando como referência para tanto a
representação do contrato em estado de equilíbrio.
No entanto, também é possível haver compensação entre as partes
pela alteração, inclusão e supressão de escopos contratuais, particularmente
no caso de inclusão de novos investimentos no contrato.
Ainda, utilizando as lições de Mauricio Portugal, o sistema de
equilíbrio econômico-financeiro deve atender basicamente três funções:
a) desestimular a realização de alterações oportunistas pelo governante,
exigindo que qualquer alteração seja devidamente compensada;
b) proteger, estabilizar e dar cumprimento ao cerne do contrato,
permitindo que seja dado cumprimento adequado à matriz de riscos ao
longo do tempo;
c) possibilitar a realização de alterações no objeto (quantitativas
ou qualitativas) e em outros aspectos do contrato para adequá-lo às
necessidades e mudanças consequentes da passagem do tempo.45
42 - DI PIETRO, op. cit. p. 159.
43 - RIBEIRO, Mauricio Portugal. O que todo profissional de infraestrutura precisa saber sobre o equilíbrio
econômico-financeiro de concessões e PPPs, 2014. Disponível em: http://pt.slideshare.net/portugalribeiro/
o-que-todo-profissional-de-infraestrutura-precisa-saber-sobre-equilibrio-economico-financeiro-versao-
publicada-na-internet-39170396. Acesso em: 20 de março de 2016.
44 - RIBEIRO, O que todo profissional de infraestrutura...,2014.
45 - RIBEIRO, Mauricio Portugal. Concessões e PPPs: melhores práticas em licitações e contratos. São
362
Revista Jurídica da Seção Judiciária de Pernambuco
Em relação à função (a), o autor supracitado entende que uma das
finalidades do sistema de equilíbrio econômico-financeiro seria mitigar o risco
de mudanças no contrato realizadas por oportunismo político.46
Já a função (b), mencionada acima, seria um instrumento para garantir
o adequado cumprimento da matriz de riscos do contrato, pois permite que
se realizem as compensações de parte a parte. É preciso, por isso, que haja
um sistema contratual que permita a compensação do parceiro privado por
ter sofrido as consequências gravosas de um risco atribuído pelo contrato à
Administração Pública.47
A função (c) tem por objetivo permitir alterações no contrato para
adequá-lo às necessidades que decorram da passagem do tempo, mudança
tecnológica, ou outras circunstâncias que requeiram alterações quantitativas ou
qualitativas.48
Destarte, sintetizando os casos mais usuais, o contrato administrativo
das concessões pode estabelecer que o poder concedente proceda ao reequilíbrio
econômico-financeiro diante das seguintes hipóteses: a) pagamento direto
de uma parte à outra; b) variação do valor da tarifa; c) variação do valor da
contraprestação ou aporte público; d) variação do valor dos investimentos a
serem realizados pelas partes; e) variação do prazo do contrato.
3. CONTRAPRESTAÇÕES PAGAS PELO PODER PÚBLICO
3.1. As concessões patrocinadas e administrativas (PPPs)
As parcerias público-privadas foram instituídas pela Lei n.º 11.079/04
como novas modalidades de contratos administrativos no âmbito das
concessões de serviço público. Verifica-se que o objetivo do legislador foi
ampliar a utilização do modelo concessionário para alcançar situações que até
então seriam inviáveis se realizadas exclusivamente sob os ditames da Lei n.º
8.987/95.
Para tanto, foi necessária a criação de um regime jurídico que
disciplinasse os diversos aspectos da participação estatal no custeio da
remuneração do parceiro privado.
Esse entendimento é salientado pelo jurista Francisco Cavalcanti, ao
lecionar que
Mostrar-se-ia, hoje, insuficiente tal conceito para alcançar, ou abarcar,
aquilo que a legislação veio a estabelecer ao passar a incluir a figura
Paulo: Atlas, 2011, p. 105.
46 - RIBEIRO, op. cit. p. 106.
47 - RIBEIRO, op. cit. p. 106.
48 - RIBEIRO, op. cit. p. 106.
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Revista Jurídica da Seção Judiciária de Pernambuco
da parceria público-privada, expressamente como concessão, figura
essa, as PPP, que, ontologicamente, não se enquadra naquele conceito
tradicional, pois pode abranger serviços dos quais o Estado não é
titular, que os exerce simultaneamente com particulares e, também, sem
que haja remuneração por parte dos usuários. Em verdade, conforme
será visto, as PPP têm uma acepção bem mais ampla, tanto à luz das
situações em que podem ser utilizadas, no Brasil, como, explicitamente,
em países que as utilizam com maior densidade e desenvoltura.49
Nesse sentido, importante mencionar a observação inicial levantada
por Francisco Cavalcanti, que, ao comparar as características das PPP com as
pertinentes às concessões, ter-se-ia, para enquadrar uma PPP como concessão,
que admitir ter havido uma “metamorfose das concessões”.50 Como bem
mencionado pelo doutrinador, nos seguintes termos:
A inserção das PPP como figuras representativas de um gênero de
concessões é um grande equívoco científico.
Sabido é que, muitas vezes, a PPP pode valer-se de uma estrutura
contratual de concessões, mas a sua abrangência é maior. A utilização
de eventual e parcial da moldura de concessão não pode ter o condão
de transformá-la naquele antigo modelo. Nas PPP, o ente público é
partícipe do empreendimento, bancando parte do financiamento, é
sócio na sociedade de propósito específico. E, como já se disse, a PPP,
um instrumento intermediário entre a delegação, por conta e risco do
delegado, e o exercício direto da atividade. O objetivo básico é aquele
bem expresso pelo Tribunal de Contas português:
‘As parcerias público-privadas (PPP) constituem um modelo de
contratação que permite ao Estado promover a obtenção de serviço
público, através de uma estrutura contratual firmada com um parceiro
privado, na qual se estabelecem obrigações mútuas que refletem uma
alocação, a ambas as partes, dos riscos envolvidos.51
Advertidas as observações fundamentais quanto ao enquadramento
das PPPs como representante do gênero das concessões, passaremos para a
análise das definições das novas modalidades, quais sejam, as concessões
patrocinadas e administrativas.
A concessão patrocinada trata-se da espécie de concessão de serviço
ou obra pública (regida pela Lei n.º 8.987/95) em que a remuneração do
49 - CAVALCANTI, Francisco. Da limitação das parcerias público-privadas ao modelo de concessões:
equívocos do legislador brasileiro. In: CORREA, Andry Matilla; CAVALCANTI, Bruno (orgs.). Estudios
latinoamericanos sobre concesiones y PPP. Ratio Legis Librería Jurídica, 2013, p. 249.
50 - CAVALCANTI, op. cit. p. 252.
51 - CAVALCANTI, op. cit. p. 256.
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Revista Jurídica da Seção Judiciária de Pernambuco
concessionário esteja vinculada em uma contraprestação pecuniária provida
pela Administração Pública. A esta modalidade aplicam-se as disposições da Lei
n.º 11.079/04 e, subsidiariamente, a disciplina da Lei n.º 8.987/95.
Já a concessão administrativa configura um contrato administrativo de
prestação de serviços (não necessariamente serviços públicos estritos), podendo
envolver outras prestações, como o fornecimento de bens e/ou a execução de
obra, em que a remuneração do parceiro privado seja provida por diversas formas
jurídicas admitidas pelo ordenamento. O serviço objeto desta concessão poderá
ser tomado diretamente pela Administração ou pelos usuários, hipótese em que
a Administração figurará como usuária indireta. À concessão administrativa
aplicam-se as disposições da Lei n.º 11.079/04, os arts. 21, 23, 25, 27 e 39 da Lei
n.º 8.987/95 e o art. 31 da Lei n.º 9.074/95.52
Deste modo, verifica-se que o modelo das PPPs serve a dois propósitos
de natureza imediata: primeiro, revestir juridicamente os contratos que tenham
por objeto concessões de serviços públicos cuja receita tarifária e outras receitas
marginais se mostrem insuficientes a custear a prestação do serviço público, o
qual engloba o custo operacional da concessão mais o lucro do concessionário;
segundo, balancear o nível de risco envolvido em certos projetos estruturantes
e de serviço público, permitindo, com a participação do Poder Público, na
remuneração do concessionário, mitigar riscos que tornariam as possibilidades
de financiamento pelo capital privado pouco atrativas.53
Aspecto importante ao analisar o instituto das parcerias público-privadas,
é entender por quais razões o administrador público deve optar por este modelo
de concessão especial em detrimento de outras já consagradas formas como as
licitações, as privatizações e as concessões previstas na Lei n.º 8.987/95.
Para tal questionamento, o professor Marcos Nóbrega54 afirma que
o primeiro ponto relevante é analisar a viabilidade do projeto sob a ótica dos
investidores. Em projetos financeiramente autossustentáveis, a modelagem
de concessões de serviços públicos (Lei n.º 8.987/95) seria a mais adequada,
pois o empresário assumirá o risco do empreendimento e, decerto, somente o
aceitará diante da autossustentabilidade do projeto. No caso de projetos que,
diante dos altos riscos envolvidos e do elevado valor para a sua execução, não
sendo possível o total ressarcimento apenas com a cobrança das tarifas aos
usuários, não atraindo por completo o interesse da iniciativa privada, inserem-
se as PPPs. Por fim, para projetos que devem ser assumidos integralmente pelo
poder público, deve-se utilizar a Lei de Licitações (Lei n.º 8.666/93) para a sua
execução.
52 - GUIMARÃES, Fernando Vernalha. Parceria público-privada. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 20.
53 - GUIMARÃES, op. cit. p. 101.
54 - NÓBREGA, Marcos. Direito da infraestrutura. São Paulo: Quartier Latin, 2011, p. 152.
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Revista Jurídica da Seção Judiciária de Pernambuco
Todavia, para a escolha do melhor procedimento, o autor supracitado
também defende a utilização do critério Value of Money: este procura captar
o benefício total do projeto executado, considerando seu custo durante toda
a sua vida útil, a qualidade do bem ou serviço prestado e as externalidades
geradas, tais como o crescimento econômico, impacto ambiental, mobilização
de recursos, impacto social e governança.55
Ressalva-se, no entanto, caso a Administração Pública opte pela
escolha das modalidades de concessões patrocinadas ou administrativas em
detrimento das demais opções de prestação do serviço público, deverá provar
a superioridade de tal escolha, demonstrando os ganhos de escala e atentando
para o princípio da eficiência.56
Outro aspecto basilar a ser mencionado encontra-se na estrutura
econômica em que os contratos de PPPs são submetidos.
A execução do contrato subdivide-se em uma fase de investimentos,
em que o parceiro privado incumbe-se de implementar a infraestrutura
necessária para a execução do serviço, seguida por uma fase de operação,
quando, a partir deste momento, passam a ser viáveis as contraprestações
públicas que serão vinculadas ao cumprimento de metas de qualidade e de
disponibilidade pelo parceiro privado.
Frisa-se, por oportuno, que o surgimento deste novo instituto veio
permeado por controles diversos sobre a responsabilidade fiscal do Estado
que passa a assumir compromissos financeiros de longo prazo em contratos
administrativos.
3.2. Natureza jurídica das contraprestações em contratos de Parcerias
Público-Privadas
Antes de analisar os enquadramentos jurídicos presentes na Lei n.º
11.079/04 que determinam as formas de contraprestações públicas, faz-se
importante compreender a sua natureza econômica. Diante da diversidade de
opiniões que possam ocorrer para determinar o conceito das contraprestações
pagas pelo Poder Concedente, passamos a mencionar as lições de Rafael
Wallbach Schwind, ao aludir que
As contraprestações públicas nas PPP, sob o ponto de vista econômico,
têm a natureza de subsídios estatais. Destinam-se a viabilizar a
aplicação da técnica concessória a determinados serviços que, de
outra forma, para serem prestados de acordo com as exigências do
Poder Público, não comportariam exploração por entidades privadas.
55 - NÓBREGA, op. cit. p. 153.
56 - NÓBREGA, op. cit. p. 153.
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Revista Jurídica da Seção Judiciária de Pernambuco
Também reforça a natureza econômica de subsídio o fato de as
contraprestações públicas constituírem a aplicação de recursos
obtidos perante toda a sociedade a serviços que serão desempenhados
a um universo menor de pessoas. O Estado, portanto, aplica recursos
amealhados perante toda a sociedade em benefício direto de uma
parcela mais restrita de pessoas.57
Prevista nos incisos do art. 6.º da Lei Geral das PPPs, as contraprestações
públicas podem ser divididas em pecuniárias e não pecuniárias. As pecuniárias
correspondem àquelas arroladas nos incisos I e II; do outro lado, as não
pecuniárias são aquelas relacionadas nos incisos III e IV.
Importante, neste momento, mencionar a opinião de Carlos Ari
Sundfeld58, ao afirmar que, para existir uma concessão patrocinada, é necessário,
entre outros fatores, que o parceiro privado receba uma contraprestação de
natureza pecuniária do poder concedente.
Entretanto, entende de maneira divergente Rafael Schwind59 ao
afirmar que toda contraprestação pública tem valor econômico e, portanto,
pode ser convertida em pecúnia.
Da redação do art. 6.º da Lei n.º 11.079/04 é possível verificar
quatro formas preestabelecidas de contraprestação do Poder Concedente
ao concessionário, quais sejam: ordem bancária, cessão de créditos não
tributários, outorga de direitos em face da Administração Pública e outorga de
direitos sobre bens públicos dominicais. Contudo, em seu inciso V, o artigo
supracitado estabelece que podem ser criados outros meios de contraprestação,
desde que admitidos em lei.
A ordem bancária trata-se do mecanismo mais usual de pagamento,
pois envolve apenas o depósito do valor da contraprestação em conta bancária
aberta pelo parceiro privado.
Em sequência, a contraprestação pode ser realizada através da cessão
de créditos não tributários para o concessionário. Consiste em um negócio
jurídico no qual o titular de uma obrigação a transfere a um terceiro, o qual
fica sub-rogado nos direitos do cedente, é regida pelos arts. 286 e 298 do
Código Civil. Observa-se que o Poder Concedente, ainda que se libere de
tomar medidas acautelatórias do crédito cedido e não responda pela solvência
do devedor, sempre será responsável ao menos pela existência do crédito,
conforme prevê o art. 295 do Código Civil.60
57 - SCHWIND, Rafael Wallbach. Remuneração do Concessionário – Concessões Comuns e Parcerias
Público-Privadas. Belo Horizonte: Fórum, 2010, p. 219.
58 - SUNDFELD, Carlos Ari. Parcerias público-privadas. São Paulo: Malheiros, 2005, p.
59 - SCHWIND, op. cit. p. 225.
60 - SCHWIND, op. cit. p. 226.
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Revista Jurídica da Seção Judiciária de Pernambuco
A outorga de direitos em face da Administração Pública é outra
hipótese de contraprestação ao parceiro privado. Por ter um conceito jurídico
bastante amplo, torna-se difícil elencar todas as situações de outorga. Para
isso, recorro aos exemplos encontrados na literatura de Rafael Wallbach
Schwind61, assim sintetizados: a) a outorga do direito de construir acima do
coeficiente de aproveitamento adotado para determinada área; b) outorga do
direito do uso de solo; c) outorga de opções de compra de ações de sociedades
na qual a Administração Pública detenha participação.
Por fim, a última forma de contraprestação pública prevista na Lei das
PPPs consiste na outorga de direitos sobre bens públicos dominicais.
Os bens públicos são classificados pelo art. 99 do Código Civil
em bens de uso comum do povo (por exemplo, rios, mares, estradas, ruas
e praças), bens de uso especial (tais como edifícios ou terrenos destinados
a serviço ou estabelecimento da administração pública), e bens dominicais.
Ainda, o parágrafo único deste mencionado artigo, estabelece que, se a lei
não dispuser ao contrário, consideram-se dominicais os bens pertencentes às
pessoas jurídicas de direito público a que se tenha dado estrutura de direito
privado.
A previsão de utilizar os bens dominicais para exploração de atividade
da concessionária é defendida por Floriano de Azevedo Marques Neto como
positiva. Pois, para o autor, é descabido que o Poder Público detenha um
acervo de bens dominicais e não promova qualquer uso:
É imperativo o emprego econômico dos bens dominicais de forma a
que eles cumpram a finalidade de gerar receitas para a Administração
Pública. Isto não apenas pelo sobredito princípio da função social da
propriedade (que interdita a ociosidade, a não utilização dos bens),
mas também pelo princípio da economicidade, consagrado também
pela Constituição e objeto de tutela pelos Tribunais de Contas (artigo
70, caput, CF).62
Portanto, após esta breve análise, concluímos ser indispensável que o
edital do certame de licitação da parceria público-privada preveja claramente
quais serão as formas de contraprestações públicas aplicáveis ao caso concreto,
de modo que os participantes possam mensurar adequadamente os riscos
abarcados. Como cada forma de contraprestação apresenta peculiaridades,
a sua definição prévia constitui um importante elemento para estabelecer
61 - SCHWIND, op. cit. p. 228.
62 - MARQUES NETO, Floriano de Azevedo. Bens públicos: função social e exploração econômica. O
regime jurídico das utilidades públicas. Belo Horizonte: Fórum, 2009, p. 222.
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Revista Jurídica da Seção Judiciária de Pernambuco
adequadamente a equação econômico-financeira aplicada ao contrato de
concessão.63
4. INCENTIVO FISCAL COMO MECANISMO (IN)DIRETO DE
PAGAMENTO
4.1 Modalidades de incentivos fiscais
Uma variedade de termos pode ser utilizada para explicar, ou até
mesmo delimitar, o campo de atuação dos incentivos fiscais. Algumas
nomenclaturas são utilizadas internacionalmente para a abordagem deste
instituto, por exemplo, tax benefits, tax incentives, tax expenditure, exemptions,
subventionen.
Diante da necessidade de estabelecer parâmetros e regular a forma
como o Administrador irá gerir os bens e o Erário, a doutrina nacional
aprofundou a pesquisa acerca da matéria. Assim sendo, os incentivos foram
divididos basicamente entre aqueles que operam na órbita da despesa pública
ou na receita pública.64
Inicialmente, para melhor compreensão do campo de atuação
financeira dos incentivos fiscais, utilizamos como referência as lições de
Ricardo Lobo Torres, ao afirmar que
os incentivos que operam na vertente da receita estão em simetria e
podem ser convertidos em privilégios financeiros, a gravar a despesa
pública. A diferença entre eles é apenas jurídico-formal. A verdade é
que a receita e a despesa são entes de relação, existindo cada qual em
função do outro, donde resulta que tanto faz diminuir-se a receita pela
isenção ou dedução, como aumentar-se a despesa, pela restituição ou
subvenção, que a mesma consequência será obtida: o empobrecimento
do ente público e o enriquecimento do contribuinte.65
Analisando sob a ótica da despesa pública, podemos encontrar a
existência de três modalidades: subvenção, créditos presumidos e subsídios.
A subvenção trata-se de uma doação modal destinada a um fim
específico que há de se coadunar com a intenção política da pessoa jurídica de
direito público concedente. As principais subvenções de cunho econômico são
aquelas destinadas ao custeio (correntes) ou ao investimento.
63 - SCHWIND, op. cit. p. 233.
64 - CATÃO, Marcos André Vinhas. Regime jurídico dos incentivos fiscais. Rio de Janeiro: Renovar, 2004,
p. 58.
65 - TORRES, Ricardo Lobo. Os direitos humanos e a tributação. Rio de Janeiro: Renovar, 1995, p. 293-
294.
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Revista Jurídica da Seção Judiciária de Pernambuco
Quanto à natureza jurídica, pode ser entendida como um incentivo
financeiro ou creditício, pois, segundo a doutrina majoritária, dos quais cito
Modesto Carvalhosa e Marcos Vinhas Catão, a subvenção deve ser enquadrada
como figura típica do direito financeiro, dadas as disposições legais66 do nosso
ordenamento jurídico.67
Em sequência, a próxima modalidade trata-se do crédito presumido,
que pode assumir natureza jurídica diversa, sendo por muitas vezes um
subsídio, uma subvenção ou mera redução da base de cálculo. Nestes casos,
o crédito presumido é utilizado como uma técnica tributária para adequação
do montante a ser tributado. O Código Tributário Nacional, ou até mesmo os
dispositivos constitucionais, não cuidou de detalhar a sua definição.68
Como última hipótese de incentivos fiscais que atuam na despesa
pública, temos os subsídios. Para Adilson Rodrigues Pires, esta modalidade
pode ser definida da seguinte forma:
Entende-se como subsídio toda ajuda oficial de governo, com o fim de
estimular a produtividade de indústrias instaladas no país. O subsídio
tem por objetivo promover o desenvolvimento de setores estratégicos
sob o ponto de vista econômico, ou de regiões mais atrasadas, além
de servir como instrumento de incentivo às exportações, sobretudo em
países em desenvolvimento.69
Não obstante, há opiniões divergentes na doutrina quanto à natureza
dos subsídios. Para Ricardo Lobos Torres “os subsídios podem ser incluídos
no conceito mais abrangente de subvenção”. Pois, ao se basear nas lições de
Karehnke, entende que os subsídios seriam apenas “falsas subvenções”.70
O conceito de subsídio não deve compreender apenas o subsídio fiscal
puro, enquadrado como espécie, mas toda e qualquer outra forma de ajuda
que o governo possa oferecer, direta ou indiretamente, como, por exemplo,
juros subsidiados em financiamentos realizados por instituições de fomento
governamentais.
Como se sabe, o capital obtido pelas concessionárias de serviço
público é oriundo, em grande parte, do banco de fomento do Governo Federal,
através de juros subsidiados. Daí resulta a importância da análise, ainda que
de modo perfunctório, desta modalidade de incentivo fiscal para a pesquisa
deste estudo.
66 - Lei n.º 4.506/64, art. 3º. Decreto-Lei n.º 1.598/77 – subvenções de custeio.
67 - CATÃO, op. cit. p. 60.
68 - CATÃO, op. cit. p. 71.
69 - PIRES, Adilson Rodrigues. Práticas abusivas no comércio internacional, 2001. In: CATÃO, Marcos
André Vinhas. Regime jurídico..., p. 73.
70 - TORRES, op. cit. p. 296.
370
Revista Jurídica da Seção Judiciária de Pernambuco
Já a modalidade dos incentivos que atuam no campo da receita pública,
encontramos a isenção, o diferimento, a remissão e a anistia.
As isenções podem ser aplicadas sob duas óticas. Primeira, seria
baseada no caráter negativo da norma. Segunda, teria o fim deliberado de
atingir determinado ramo econômico ou segmento social sem priorizar
aspectos como a capacidade contributiva, por exemplo. Portanto, as isenções
seriam separadas em fiscais e extrafiscais.
Aurélio Pitanga Seixas Filho, baseado na doutrina espanhola e italiana,
defende esta dicotomia (fiscal e extrafiscal) das isenções, in verbis:
Assim, o que acontece na realidade é que na hipótese de exclusão
(isenção fiscal), em decorrência de o fato excluído denotar carência
de capacidade contributiva, razão de ser um elemento negativo dentro
dos demais pressupostos de fato, que são indicadores de capacidade
contributiva, estes, então, compondo os elementos positivos da
tipicidade tributária, o legislador não excepciona ou condiciona a
exclusão tributária com algum encargo, pois não se trata de nenhum
incentivo ou favor, porém mera adequação ou compatibilização da
definição legal do fato gerador com a situação especial da pessoa
vinculada ao mesmo.
De outro lado, desejando o legislador incentivar ou favorecer uma
determinada atividade econômica, que não é desprovida de capacidade
contributiva, mas que, a critério político do legislador, merece ser
particularizada, compensa, então, a concessão deste tratamento
excepcional com a exigência do cumprimento de encargos, que virão
ao fim de tudo, justificar e distinguir essas isenções tributárias.71
Ainda, importante mencionar, que não deve ser confundido o prazo de
fruição do favor fiscal já contratualmente adquirido com o prazo de vigência
da norma isencional, pois a situação jurídica subjetiva que é imodificável, e
não a norma isentiva. Por oportuno, menciono a lição de Aliomar Baleeiro,
nos seguintes termos:
Em princípio, a regra deve ser a revogabilidade ou a redutibilidade
da isenção em qualquer tempo em que o Estado entenda que ela já
não corresponde ao interesse público do qual promanou. Mas há
exceções, quando a isenção, pelas condições de sua outorga, conduziu
o contribuinte a uma atividade que ele não empreenderia se estivesse
sujeito aos tributos da época. Nesses casos, a revogabilidade, total ou
71 - SEIXAS FILHO, Aurélio Pitanga. Teoria e prática das isenções tributárias, 1989. In: CATÃO, Marcos
André Vinhas. Regime jurídico..., p. 78.
371
Revista Jurídica da Seção Judiciária de Pernambuco
parcial, seria um ludíbrio à boa-fé dos que confiaram nos incentivos
acenados pelo Estado.72
Outra hipótese de incentivo que atua no campo da receita pública é
o diferimento. Apesar da ausência expressa dessa modalidade pelo Código
Tributário Nacional, é qualificada como uma isenção condicionada.
Assim, no diferimento, a isenção só se aperfeiçoaria pelo implemento de
um evento futuro, para o qual deveriam concorrer os fatos jurídicos necessários
ao seu enquadramento. Somente neste momento é que o crédito tributário se
tornaria exigível.
Por fim, o instituto da remissão e anistia, embora não sejam propriamente
espécies típicas de incentivos fiscais por não atuarem diretamente na função
regulatória do tributo, podem ser consideradas no conjunto de estímulos a certas
atividades econômicas.73
Segundo os arts. 172 e 180 do Código Tributário Nacional, a remissão e
anistia tratam-se de formas de extinção e exclusão do crédito tributário submetidas
a determinados requisitos e que tem por traço distintivo operarem seus efeitos
sobre obrigação já devida ou sobre créditos tributários já constituídos.
Ao analisar brevemente os incentivos fiscais em espécie, procurou-se
fazer referência às noções gerais, pois será objeto de estudo neste trabalho a
implicação dos incentivos fiscais nas concessões de serviço público, em especial,
na remuneração dos concessionários.
4.2. Os efeitos acarretados às concessionárias e aos usuários do serviço
público
Diante da previsão decorrente do art. 17 da Lei n.º 8.987/95, o subsídio
estatal deve estar à disposição de todos os interessados na prestação do serviço
público. O Estado não poderá condicionar a concessão de um subsídio à
circunstância de determinado concorrente lograr êxito na licitação, excluindo-
se da sua incidência qualquer outro interessado. Em princípio, a aplicação de um
subsídio estatal deve estar prevista no edital da licitação que objetive conceder
determinado serviço público.
Entretanto, tal fato não se torna, por si só, um óbice à instituição
de subsídios estatais no curso de uma concessão, desde que devidamente
justificada. Exemplificando tal hipótese, Rafael Wallbach Schwind alerta para
as situações em que o Estado complemente a remuneração do concessionário
72 - BALEEIRO, Aliomar. Direito tributário brasileiro, 1999. In: CATÃO, Marcos André Vinhas. Regime
jurídico..., p. 82.
73 - CATÃO, op. cit. p. 89.
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Revista Jurídica da Seção Judiciária de Pernambuco
com a finalidade de compensar as perdas derivadas de um benefício tarifário
instituído supervenientemente – decorrente da aplicação do art. 35 da Lei n.º
9.074/95. Também, o mesmo pode ocorrer em função da criação de qualquer
encargo adicional ou redução de vantagens do concessionário como a
antecipação de obras, redução do prazo contratual etc.74
Segundo entendimento de parte da doutrina, onde mencionamos
a consideração feita pelo jurista Marçal Justen Filho, ao defender que a
possibilidade do emprego de recursos estatais para o reequilíbrio de uma
concessão não constituiria propriamente um subsídio, pois deve haver um
“desembolso com cunho de liberalidade”75. Se o Poder Concedente produzir
uma modificação unilateral que amplie os encargos ou reduza as vantagens
do concessionário, diante do dever da Administração Pública em realizar o
equilíbrio econômico-financeiro do contrato, não haveria propriamente um
subsídio.
Outro ponto importante trata-se dos efeitos concorrenciais que possam
ser derivadas da instituição de um subsídio.
Em geral, é instituída uma vantagem ao concessionário para viabilizar
determinados objetivos sociais que não seriam alcançados mediante a
aplicação de uma lógica estritamente empresarial. É, de fato, uma das formas
de atuação do Estado no domínio econômico.
Por produzir alterações nos mecanismos de mercado, os incentivos
fiscais podem gerar efeitos concorrenciais que devem ser analisados com
cautela pela Administração Pública. Importante ressaltar que, se não houver
justificativa plausível para isso, a situação enquadra-se numa ofensa ao
princípio da isonomia.
Situação controversa ocorre quando dois concessionários prestam
serviços diferentes, mas que acabam competindo em um mesmo mercado.
Tal fato pode ocorrer, por exemplo, no setor de transporte de passageiros,
em que o transporte aéreo e o rodoviário competem pela preferência. Nessa
situação, a instituição de um subsídio estatal também deverá observar o
princípio da isonomia, podendo ocorrer a necessidade de reequilibrar o
contrato da concessão caso o concessionário não contemplado pelo benefício
seja prejudicado com a redução da procura pelo serviço derivada da criação
do subsídio.76
Apesar do risco da demanda em uma concessão de serviço público
regida apenas pela Lei n.º 8.987/95, ser atribuído exclusivamente ao
concessionário, onde a lucratividade não é garantida pela Administração
74 - SCHWIND, op. cit. p. 204.
75 - JUSTEN FILHO, Marçal. Teoria geral das concessões de serviço público, 2003. In: SCHWIND, Rafael
Wallbach. Remuneração..., p. 204.
76 - SCHWIND, op. cit. p. 205.
373
Revista Jurídica da Seção Judiciária de Pernambuco
Pública, esta não pode inviabilizar o empreendimento por meio de subsídios
exclusivamente a um serviço concorrente. O ato estatal equipara-se ao “fato
do príncipe”, e, portanto, ensejaria o reequilíbrio econômico-financeiro.
CONCLUSÕES
O presente artigo pretendeu analisar as principais características e
os mecanismos diretos e indiretos que envolvem o regime remuneratório das
concessões de serviço público no Brasil.
Para tanto, imprescindível tornou-se uma revisão doutrinária
do instituto das concessões públicas, abarcando uma visão histórica e
contemporânea, para compreender a essencialidade de um elemento sempre
presente nos contratos de concessões: a remuneração do concessionário.
Destarte, podemos alçar algumas conclusões sobre os aspectos
abordados:
(1) Ao analisar os contratos de concessões públicas é possível verificar
que estes instrumentos administrativos produzem efeitos trilaterais. Muito
embora seja celebrado entre o poder concedente e o concessionário, os seus
efeitos refletem nos usuários do serviço;
(2) Para que a concessão alcance a finalidade social a que se propõe,
a remuneração do concessionário não pode ser uma barreira ao acesso dos
usuários ao serviço fornecido. Ao dificultar ou impedir o acesso ao serviço,
em decorrência das altas tarifas cobradas, o Estado estaria omitindo-se no
fornecimento de serviço público;
(3) No que tange ao equilíbrio econômico-financeiro dos contratos, é
possível verificar que este incide em torno das compensações de uma parte a
outra, no caso do surgimento de eventos que configurem um risco atribuído
a um contratante, mas que impacte, de um modo econômico e financeiro, a
outra parte;
(4) A tarifa cobrada dos usuários pode ter concepções distintas,
podendo ser classificada como: tarifa social, tarifa com efeito arrecadatório
em benefício do poder concedente, tarifas regulatórias e tarifas mínimas;
(5) Originariamente, por força do art. 6.º da Lei n.º 11.079/04, é
possível verificar quatro formas pré-estabelecidas de contraprestação do
Poder Concedente ao concessionário: ordem bancária, cessão de créditos não
tributários, outorga de direitos em face da Administração Pública e outorga de
direitos sobre bens públicos dominicais;
(6) Destarte, faz-se imprescindível que o edital do certame de
licitação da parceria público-privada preveja claramente quais serão as formas
de contraprestações públicas aplicáveis ao caso concreto, de modo que os
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Revista Jurídica da Seção Judiciária de Pernambuco
participantes possam mensurar adequadamente os riscos abarcados;
(7) O capital obtido pelas concessionárias de serviço público é
oriundo, em grande parte, do banco de fomento do Governo Federal, através
de juros subsidiados. Não obstante, outras formas de incentivos fiscais podem
ser utilizadas como mecanismo indireto de remuneração do parceiro privado,
inclusive, para colaborar com a modicidade das tarifas. Deste modo, os
incentivos podem operar na órbita da despesa pública ou na receita pública,
portanto, com consequências diferentes no orçamento do ente público;
(8) Por produzir alterações nos mecanismos de mercado, os incentivos
fiscais podem gerar efeitos concorrenciais desleais. Se não houver justificativa
plausível para a concessão de um incentivo, a situação enquadra-se numa
ofensa ao princípio da isonomia, por exemplo, quando dois concessionários
prestam serviços diferentes, mas que acabam competindo em um mesmo
mercado de usuários.
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