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Revista RIECS - Volume1

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r e v i s ta

de investigação
em educação
e Ciências
SOCIAIS

v o l . 1(1), 2 0 1 6
esecs· ipleiria
r e v i s ta
de investigação
em educação
e Ciências
SOCIAIS

v o l . 1(1), 2 0 1 6
esecs· ipleiria
Ficha técnica

Título
Revista de Investigação em Educação e Ciências Sociais
Vol. 1(1), 2016

Organização
Luís Barbeiro
Hélia Pinto
Isabel Simões Dias

Autores
Ana Paula Abel
Deolinda Varela Correia
Fátima Pereira
Isabel Simões Dias
Liu Gang
Luís Filipe Barbeiro
Maria José Gamboa
Paulo Pimenta
Sónia Correia

Edição
Escola Superior de Educação e Ciências Sociais
— Instituto Politécnico de Leiria
(Núcleo de Investigação e Desenvolvimento em Educação)

Grafismo e Composição
Leonel Brites

ISSN 2183-4210
Depósito Legal 409463/16

© 2016 · ESECS/Instituto Politécnico de Leiria


Índice

7 Apresentação

9 O papel crucial da leitura e do processamento da


informação na resolução de problemas de matemática
Deolinda Varela Correia

37 Clubes de leitura: construção e conquista de leitores


Luís Filipe Barbeiro e Maria José Gamboa

55 Uma profissionalidade reclamada no 1º ciclo


do ensino básico
Paulo Pimenta e Fátima Pereira

71 A relação com a família: uma experiência em contexto


de Jardim-de-Infância
Ana Paula Abel, Sónia Correia e Isabel Simões Dias

91 Cultura e Estratégias de Aprendizagem das Línguas:


Aprendentes Chineses e Portugueses
Liu Gang

114 Normas da Publicação


Apresentação

A investigação constitui um desafio cada vez mais relevante na vida


das instituições de ensino superior. Por seu intermédio, esse desafio
alarga-se à sociedade, em geral, e à comunidade que com elas intera-
ge, de uma forma específica. Esta comunidade é chamada a participar
na investigação, colocando ela própria desafios, empenhando-se para
criar condições que permitam que sejam ultrapassados e ousando pers-
petivar o futuro com o contributo desses resultados.
A Escola Superior de Educação e Ciências Sociais de Leiria (esecs)
retoma o seu projeto editorial nesta área, na sequência da publicação
anterior da Revista de Educação e Comunicação, entre os anos de
1999 e 2005. O novo projeto, a Revista de Investigação em Educação
e Ciências Sociais (riecs), surge ainda mais focado na atividade de
investigação, como o próprio nome torna manifesto.
Com a criação da Revista de Investigação em Educação e Ciências
Sociais (riecs), a Escola Superior de Educação e Ciências Sociais
(esecs) pretende estimular o intercâmbio de ideias e experiências,
divulgando trabalhos relacionados com as áreas em que desenvolve
a sua atividade de investigação, de formação e de participação ativa
na comunidade. Procurando fomentar o debate entre a pluralidade
de linhas de pensamento que atravessam a Educação e as Ciências
Sociais, a riecs constitui um projeto que pretende contribuir para
a construção do conhecimento, fundamentado na divulgação dos re-
sultados de investigação nas áreas referidas e na reflexão que esses
resultados suscitam.
Refletindo a diversidade de áreas que abarca, neste número inaugu-
ral, são também variados os temas: leitura, na sua dimensão transver-
sal e na dimensão da sua fruição, a profissão docente, a relação escola-
-família, a aprendizagem de línguas estrangeiras. Estes contributos
têm no seu percurso a apresentação de comunicações na conferência
internacional Investigação, Práticas e Contextos em Educação (IPCE).
Constituem o adensar da explicitação e aprofundamento da reflexão,
tendo como objetivo alcançar novos limiares.

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O papel crucial da leitura e do
processamento da informação
na resolução de problemas de
matemática

Deolinda Varel a Correia


[email protected]
Laboratório Psicolinguística (FLUL)

Resumo
Estudos empíricos sobre leitura e compreensão de problemas verbais de
matemática permitiram evidenciar, através da análise do desempenho de
sujeitos com diferentes níveis de instrução (4º, 6º e 9º anos de escolari-
dade), que as dificuldades na resolução de problemas não residem ape-
nas ou exclusivamente nas estratégias e nos procedimentos de resolução,
ainda que estes assumam um papel relevante, mas no processamento da
informação e na compreensão dos enunciados com características discur-
sivas e estruturais distintas e na relação do resultado dessa compreensão
com os restantes processos de resolução.
A extensão dos enunciados textuais, as propriedades dos constituin-
tes frásicos e a diversidade de sistemas semióticos (a língua natural, as
escritas algébricas e formais, as figuras geométricas, as representações
gráficas e as ilustrações) presentes nos problemas implicam a mobiliza-
ção de mais recursos cognitivos e, portanto, uma maior sobrecarga na
memória de trabalho que resulta em custos mais elevados do proces-
samento da informação com impacto na compreensão e, consequente-
mente, no planeamento e na execução das restantes etapas de resolução.
Palavras-chave Problemas de matemática; compreensão da leitura;
processamento da informação; memória de trabalho.

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correi a

Abstract
Empirical studies on reading and comprehension of mathematical word prob-
lems have show, through the performance analysis of students from different
grades of education (4, 6 and 9 years of schooling), that the difficulties in solving
problems lie not only or exclusively in the strategies and the procedures of reso-
lution, even though they play an important role, but also in the understanding of
the texts describing the problems, which have distinct structural and discursive
characteristics and in the relationship between the results of that comprehension
and the remaining resolution procedures.
The length of the texts, the properties of linguistic microstructures and the
presence of multiple semiotic systems (natural language, algebraic and formal
writing, geometric figures, graphical representations and illustrations) in prob-
lems involve the mobilization of more cognitive resources and therefore a greater
load on the working memory that results in higher costs of information process-
ing with an impact on the comprehension and, consequently, on the planning and
implementation of the remaining resolution stages.
Keywords Mathematical problems; reading comprehension; information pro-
cessing; working memory.

Introdução

No âmbito da matemática, os resultados dos últimos estudos interna-


cionais, que avaliam níveis de literacia (TIMSS, 2011; PISA, 2012) e em
que Portugal participou, sinalizam os constrangimentos associados à
compreensão/interpretação dos enunciados dos problemas verbais como
uma das principais razões para o insucesso desta área disciplinar, evi-
denciando os défices de capacidades básicas que a população estudantil
portuguesa manifesta no tratamento da informação dos problemas, em
diversas tarefas, envolvendo níveis de compreensão literal e inferencial.

A resolução de problemas verbais de matemática


Do ponto de vista cognitivo, a resolução de problemas assume-se
como uma das tarefas mais complexas na educação matemática, fa-
zendo apelo a vários tipos de conhecimentos, que Mayer (1985) sinte-
tiza da seguinte forma:
The linguistic and factual knowledge is required for the
translation of the problem; the knowledge about schemas

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o pa pel cruci a l da lei t ur a

is required for integration of the problem; the knowledge of


strategies is necessary for planning solution and the algorith-
mic knowledge is necessary for the implementation of the
solution. (p. 149)

Para além de mobilizar vários conhecimentos, a resolução de


problemas envolve ainda uma série de etapas, sustentadas por dois
processos fundamentais: o processamento da informação, i. e., a re-
presentação cognitiva das informações extraídas dos enunciados que
ocorre quando os sujeitos procuram compreender o problema; os
procedimentos e as estratégias de resolução que resultam da realiza-
ção das operações necessárias para alcançar uma solução.
Ao longo de mais de três décadas, o processo de resolução de proble-
mas verbais tem sido tema de inúmeras investigações que evidenciam
os princípios que regulam as várias fases de resolução e enfatizam os
predicadores que podem estar na origem das dificuldades manifestadas
pelos sujeitos, quando são confrontados com a realização das tarefas.
Numa perspetiva linguística, as pesquisas centram-se nas carac-
terísticas estruturais e discursivas dos enunciados cuja complexidade
pode fazer diminuir a compreensão e dificultar a interpretação dos
problemas, designadamente os vários registos semióticos que enfor-
mam os enunciados (Duval, 1993; Schleppegrell, 2007), os contextos
verbais (Verschaffel, Greer & De Corte , 2000; Van den Heuvel-Pa-
nhuizen, 2005) e as propriedades gramaticais dos enunciados tex-
tuais, com particular incidência na precisão do vocabulário técnico
(Foulin & Monchou, 1998; Corrêa, 2005), nas construções sintáticas
(Correia, 2004) e nas estruturas semânticas (De Corte, Verschafiel &
Pauwels , 1990).
No domínio da matemática, as investigações contemplam duas di-
mensões: a dimensão dos conteúdos e a dimensão cognitiva.
Ao nível dos conteúdos, os estudos dão relevância aos temas ma-
temáticos e incidem nas tipologias e na caracterização dos problemas
(Riley, Greeno & Heller, 1983; Bivar, Santos & Aires, 2010).
As pesquisas que se centram na dimensão cognitiva destacam os
constrangimentos associados à resolução dos problemas, tomando
como referência os processos mentais convocados para a resolução
das tarefas, particularmente os conhecimentos (Schneider & Stern,
2010), o raciocínio (Lithner, 2008), as representações mentais e os
procedimentos (Kintsch, 1998; Thevenot, Devidal, Barrouillet & Fay-
ol, 2007).

vol . 1(1), 2016 11


correi a

Há igualmente inúmeras evidências empíricas que enfatizam o


papel dos mecanismos de funcionamento do sistema memorial, no-
meadamente da capacidade limitada da memória de trabalho, nos
procedimentos desencadeados durante o processo de resolução, quer
nas fases iniciais de leitura e processamento da informação (Swanson,
1999), quer na aplicação de procedimentos matemáticos (Andersson
& Lyxell, 2007; Swanson, Jerman & Zheng, 2008).
Não obstante a relevância e a pertinência destes estudos, as abor-
dagens diferenciadas, fundadas em perspetivas diferentes, poucas
vezes estabelecem a associação entre as competências matemática,
linguística e leitora no processo de resolução de problemas e não
evidenciam, de forma clara, a articulação entre o processo de leitura
e as restantes etapas de resolução.
Para resolver qualquer problema verbal, os sujeitos necessitam
ler o enunciado, compreender as quantidades e as relações envol-
vidas entre as variáveis evocadas, “converter” a informação veicu-
lada em língua natural em linguagem matemática, efetuar os pro-
cedimentos necessários e verificar se a resposta obtida é plausível
(Mayer & Hegarty, 1996).
Neste sentido, e sem descurar a necessidade de implementação de
práticas e estratégias que agilizem a resolução dos problemas, parece
fundamental refletir sobre os mecanismos cognitivos e linguísticos
mobilizados no processamento da informação, procedimento com-
plexo que se impõe como uma das fases iniciais do processo de reso-
lução de problemas e está, em parte, dependente das características
discursivas e estruturais dos enunciados.

Estudos empíricos
A reflexão sobre os processos cognitivos requeridos na resolução de
problemas verbais de matemática, nomeadamente a leitura, o proces-
samento da informação e os procedimentos matemáticos, desencadeou
a realização de um conjunto de estudos empíricos que cumprissem,
entre outros, os seguintes objetivos:

i) Determinar a natureza das dificuldades no processo de com-


preensão dos problemas, ou seja, aferir se essas dificuldades
estão associadas à competência matemática, à competência
linguística ou a ambas;
ii) Identificar estratégias cognitivas utilizadas no processamen-
to da informação dos enunciados dos problemas em sujeitos
com diferentes níveis etários e de instrução;

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iii) Analisar a influência dos contextos dos problemas no proces-


samento da informação e nas subsequentes etapas de resolução;
iv) Identificar estruturas linguísticas que, pela sua complexi-
dade ou ambiguidade, conduzem a um aumento dos custos
de processamento com impacto na compreensão e nas res-
tantes tarefas de resolução;
v) Examinar o efeito da combinação de diferentes sistemas de
representação semiótica no processamento dos enunciados e
na compreensão dos problemas.

Para cumprir os objetivos propostos e na impossibilidade de cobrir


uma vasta gama de predicadores influentes no processo de resolução
de problemas, restringiu-se o objeto de estudo a alguns tópicos de
investigação. No âmbito da matemática, elegeram-se dois fatores: os
domínios temáticos, que contemplam as diferentes unidades didáti-
cas do Programa de Matemática, e os processos de operacionalização,
com particular incidência na relação entre os conhecimentos concep-
tual e processual. Na área da linguística, contemplou-se a extensão
dos contextos verbais dos problemas, a estrutura das categorias sin-
tagmáticas que ocorrem como foco informativo nos enunciados tex-
tuais e a estrutura representacional dos enunciados dos problemas.

Metodologia

Nas três experiências, adotaram-se dois tipos de metodologias de


investigação:

• Uma metodologia off-line (Experiência I), a partir da qual foi


possível aceder à fase final do processamento, através da rea-
lização de testes escritos, e observar os procedimentos e as es-
tratégias adotadas por sujeitos, com diferentes padrões de de-
senvolvimento cognitivo e níveis de instrução, na resolução de
problemas verbais de diferentes áreas temáticas e associados a
distintas tipologias;
• Uma metodologia on-line (Experiências II e III), de registo do
movimento dos olhos, que permitiu fazer um exame integral de
como a atenção é dirigida a um estímulo; determinar as dificul-

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dades de processamento e o grau de complexidade dos estímulos;


analisar qualitativa e quantitativamente as fases iniciais de todo
o processo de resolução, ou seja, a leitura e o processamento das
diversas fontes informativas dos enunciados, através de um pa-
drão em que os pontinhos correspondem às fixações, as linhas às
sacadas e os traços diagonais assinalam as transições realizadas
entre as áreas do enunciado (Fig. 1).

Figura 1
Registo ocular
de um sujeito do
1.º ciclo durante
a leitura de um
estímulo

Os dois tipos de metodologia (on-line e off-line) foram aplicados


de forma complementar, embora, no presente artigo, se dê destaque
à metodologia on-line, por se considerar que reflete a forma como a
informação foi processada, permitindo observar processos a que não
seria possível aceder com a aplicação de outras metodologias.

Participantes

Estes estudos empíricos contaram com a participação voluntária de


crianças e adolescentes de ambos os sexos a frequentarem o Ensino
Básico em escolas públicas portuguesas, que foram distribuídos por
três grupos em função da sua faixa etária e do seu nível de instrução:
Grupo 1 – 35 sujeitos do 4.º ano de escolaridade, com idades entre
os 9 e os 10 anos;
Grupo 2 – 37 sujeitos do 6.º ano de escolaridade, com idades entre
os 11 e os 12 anos;
Grupo 3 – 35 sujeitos do 9.º ano de escolaridade, com idades entre
os 14 e os 15 anos.

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Desenho experimental
O desenho experimental de cada experiência obedeceu a uma matriz
semelhante para os três grupos de sujeitos e foi construído com itens ex-
traídos das Provas de Aferição e dos Exames Nacionais de Matemática,
tendo em conta a faixa etária e o nível de instrução dos participantes.
Para a primeira experiência, elaboraram-se testes escritos com pro-
blemas verbais representativos dos vários temas matemáticos e que
contemplam uma variada gama de procedimentos matemáticos.
Nas restantes experiências, optou-se por desenhos experimentais
formados respetivamente por dois tipos de problemas que permitem
avaliar quer operações cognitivas menos complexas, que convocam
apenas o conhecimento conceptual, quer operações cognitivas mais
complexas que implicam simultaneamente os conhecimentos concep-
tual e processual:
Problemas verbais de escolha múltipla (Fig. 2) – itens que apresen-
tam, no enunciado, uma questão, formulada a partir de uma determi-
nada situação contextualizada, para a qual é apresentada um conjunto
de quatro alternativas de resposta, mas apenas uma está correta.

Figura 2
Problema verbal
de escolha
múltipla do
desenho
experimental do
grupo 2 (2.º ciclo)
da Experiência III

Problemas verbais de construção (Fig. 3) – itens que envolvem várias


etapas de resolução, desde a seleção, a organização e a integração da in-
formação numa representação mental coerente das situações descritas
nos enunciados dos problemas até ao planeamento e à execução de um
plano de resolução.

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correi a

Figura 3
Problema verbal
de construção
do desenho
experimental do
grupo 1 (1.º ciclo)
da Experiência II

Nos itens de construção, foram apresentados cenários de res-


posta para cada estímulo, com o objetivo de verificar o compor-
tamento dos sujeitos às propostas de resolução apresentadas, uma
vez que a metodologia on-line aplicada, com recurso ao sistema
Eye Tracker, não permite analisar todos os procedimentos de reso-
lução adotados pelos sujeitos, sobretudo nos problemas que exigem
respostas extensas e implicam a realização de várias operações ma-
temáticas, para além do conhecimento conceptual ou da aplicação
de cálculos mentais.

Situação experimental e procedimentos


Os testes escritos foram aplicados em contexto de sala de aula com as
limitações inerentes às condições da sua realização: teste de “papel e
lápis”, com um tempo de execução de 90 minutos.
As experiências com recurso à metodologia on-line foram rea-
lizadas individualmente por cada um dos sujeitos dos três grupos,
numa sala com as condições adequadas (isolamento acústico e lumi-
nosidade adequada para a apresentação dos estímulos num ecrã de
computador), onde foi instalado o equipamento técnico (dispositivo
Eye Tracking System, modelo R6 - HS, da Applied Science Labora-
tories (ASL)).
Para controlar a apresentação dos estímulos, nomeadamente
o tempo que mediou entre o início e o fim da gravação dos dados,
utilizou-se o programa EPrime. Recorrendo ao software (Eyepos,
Fixplot e Eyenal), disponibilizado com o sistema Eye Tracker, moni-
torizou-se e registou-se o comportamento ocular dos sujeitos durante
a leitura de cada um dos estímulos e a eleição da opção de resposta,
nos problemas de escolha múltipla, ou a seleção do cenário de respos-
ta correta nos problemas de construção.

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Análise
A análise estatística descritiva procurou cumprir os objetivos delinea-
dos para estes estudos empíricos, relacionando as variáveis definidas
para os tópicos em estudo com o desempenho dos sujeitos que foi ana-
lisado de acordo com as seguintes pistas de processamento: (i) tempo
de leitura (abreviadamente, TL); (ii) número total de fixações (abre-
viadamente, N.º de FIX.); (iii) número total de transições realizadas
entre as áreas dos enunciados (abreviadamente, N.º de TRANS.); (iv)
padrão de respostas (certas e erradas).
Neste sentido, construíram-se matrizes de correlações, resultantes
da aplicação do coeficiente de correlação Spearman com os respeti-
vos testes de significância estatística. No estudo da associação entre
variáveis discretas qualitativas, aplicaram-se testes de independência
de qui-quadrado, cujos resultados foram apurados com a aplicação
testes exatos (teste de associação “linearby-linear” e o teste de Fisher).
Para testar os valores de variáveis de escala ordinal, aplicaram-se tes-
tes não-paramétricos (Kruskal-Wallis e Mann-Withney).

Apresentação e discussão dos resultados

No presente artigo, devido às limitações de espaço, apresentam-se ape-


nas alguns resultados relativos à influência das propriedades textuais e
da estrutura representacional dos enunciados no processo de resolução
dos problemas.

A extensão dos contextos dos enunciados dos problemas


No âmbito da competência linguística, nomeadamente ao nível das pro-
priedades textuais, os estudos experimentais incidiram, numa primeira
fase, na análise da extensão dos contextos dos problemas, ou seja, na
influência que a quantidade de informação veiculada nos enunciados
textuais exerce quer na fase inicial de processamento, quer nas fases
seguintes de planeamento e execução dos procedimentos de resolução.
A natureza dos contextos dos problemas não tem reunido o consen-
so dos investigadores, cujos argumentos se dividem entre a pertinência
de enunciados com contextos reduzidos (Fig. 4), que integrem apenas
a informação essencial para a execução das tarefas (Gerofsky, 1996),
ou de enunciados com contextos mais extensos (Fig. 5), que transmi-
tem, para além das informações essenciais, outros dados informativos

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correi a

complementares, ainda que sejam semanticamente coerentes com a si-


tuação do problema (Sowder, 1989).

Figura 4
Estímulo do desenho
experimental do
grupo 2 (2.º ciclo)
da Experiência II

Figura 5
Estímulo do desenho
experimental do
grupo 1 (1.º ciclo)
da Experiência II

A análise contrastiva dos dois tipos de contextos (longos e cur-


tos) demonstrou que os enunciados mais longos, portadores de uma
maior demanda de informação alfanumérica, têm custos mais eleva-
dos no processamento da informação, refletidos no desempenho dos
sujeitos dos três grupos através da inflação dos tempos de leitura e
do volume de fixações, de resto duas variáveis estatisticamente cor-
relacionáveis.
Os resultados do desempenho dos sujeitos do 1.º ciclo evidenciaram
correlações significativas da extensão dos enunciados com o TL dos
problemas de construção, rs (30) = 0.867, P = 0.000, e dos problemas de

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escolha múltipla, rs (29) = 0.856, P = 0.000, e com o N.º de FIX. reali-


zadas durante a leitura dos dois tipos de problemas, rs (30) = 0.902, P =
0.000 e rs (29) = 0.922, P = 0.000, respetivamente. Estes dados não só
revelam que o aumento do número de unidades de significação (pala-
vras e numerais) nos enunciados dos problemas implica um acréscimo
gradual de TL e um incremento significativo do N.º de FIX., como tam-
bém evidenciam uma correlação entre as variáveis TL e N.º de FIX. re-
alizadas nos enunciados dos problemas de construção, rs (30) = 0.693, P
= 0.030, e dos problemas de escolha múltipla, rs (29) = 0.968, P = 0.000.
Os resultados relativos ao desempenho do grupo de sujeitos do 2.º
ciclo refletem a tendência já observada no desempenho dos sujeitos
do grupo 1. Os contextos mais longos exigem TL mais acentuados,
quer nos problemas de construção, rs (32) = 0.667, P = 0.071, quer
nos problemas de escolha múltipla, rs (31) = 0.747, P = 0.003, e pro-
movem o aumento de FIX. em ambos os tipos de problemas, rs (32) =
0.739, P = 0.083 e rs (31) = 0.993, P = 0.001. Verifica-se, igualmente,
uma correlação, estatisticamente significativa, entre as variáveis TL
e N.º de FIX. nos problemas de construção, rs (32) = 0.739, P = 0.031,
e nos problema de escolha múltipla, rs (31)= 0.984, P = 0.000.
O desempenho do grupo de sujeitos do 3.º ciclo (grupo 3) é se-
melhante ao desempenho dos sujeitos mais novos, uma vez que os
resultados assinalam correlações significativas da extensão dos enun-
ciados com o TL, nos problemas de construção, rs (27) = 0.802, P =
0.005, e nos problemas de escolha múltipla, rs (28) = 0.754, P = 0.005,
e com o N.º de FIX., quer nos problemas de construção, rs (27) =
0.968, P = 0.000, quer nos problemas de escolha múltipla, rs (28) =
0.789, P = 0.002. É igualmente significativa a associação entre as va-
riáveis TL e N.º de FIX. nos dois tipos de problemas, rs (27) = 0.912,
P = 0.000 e rs (28) = 0.986, P = 0.000, respetivamente.
Foi também nos problemas com contextos extensos que o volume
de transições e a quantidade de respostas erradas aumentaram sig-
nificativamente, sobretudo no desempenho dos sujeitos mais novos.
No grupo do 1.º ciclo, observaram-se correlações positivas do N.º de
TRANS. com o TL , rs (29) = 0.568, P = 0.027 , e com o N.º de FIX.,
rs (29) = 0.782, P = 0.004, e uma associação negativa, igualmente
estatisticamente significativa, entre o N.º de TRANS. e o N.º de res-
postas certas, rs (29) = -0.594, P = 0.019.
Relativamente aos resultados dos sujeitos do 2.º ciclo, há a regis-
tar, de igual forma, uma correlação positiva entre o N.º de TRANS.
e o TL dos contextos longos, rs (31) = 0.582, P = 0.037, e uma associa-

vol . 1(1), 2016 19


correi a

ção negativa com o N.º de respostas certas, rs (31) = 0.719, P = 0.006.


A dependência negativa entre estas variáveis indica que o aumento
do TL e do N.º de TRANS., associado aos contextos com um maior
volume de palavras e numerais, é diretamente proporcional à dimi-
nuição de respostas certas.
Estes indicadores são fortes indícios de que os enunciados com
contextos mais longos, detentores de informação relevante e irrele-
vante para as tarefas de resolução, não só não melhoram a acessi-
bilidade à representação mental dos problemas, como impedem que
o acesso se faça, dificultando a interpretação e a compreensão dos
problemas.
O facto de, nos enunciados com contextos mais extensos, o aumen-
to dos tempos de leitura e do número de transições ser direta e estatis-
ticamente proporcional à diminuição de respostas certas, é outro dado
robusto que confirma que a natureza dos contextos dos problemas,
nomeadamente dos mais longos, não só se constitui como um obstá-
culo ao processamento da informação e à compreensão das situações
enunciadas, como também tem repercussões nas etapas subsequentes
de resolução, comprometendo a realização com sucesso dos procedi-
mentos matemáticos.
Os dados revelaram, ainda, que a densidade de informação pre-
sente nos enunciados textuais, para além de dificultar a representa-
ção mental dos problemas, tende a promover a seleção de estratégias
de resolução elementares. Os sujeitos focam-se na extração dos da-
dos proeminentes nas proposições, como as palavras-chave e os nu-
merais, sem contemplarem as relações entre as variáveis do problema.
Observe-se, para o efeito, o registo ocular de um sujeito do 1.º ciclo
durante a leitura e o processamento da informação de um problema
de construção (Fig. 6).

Figura 6
Registo ocular
de um sujeito relativo
a um estímulo de
construção com
resposta errada

20 re v is ta de in v e s t ig aç ão em educ aç ão e c iênc i a s so c i a is
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Este registo ocular mostra que o sujeito lê integralmente todo o


problema. Na questão do problema, ao ler a expressão “palmo com
maior” (fixações 52, 53 e 54) procura no enunciado o número com
o valor mais elevado “20” (fixação 55) e retoma novamente a leitura
da questão (fixação 56 e seguintes), avançando com um plano de
solução errado (indicando o Daniel como sendo o irmão que tem o
palmo com maior comprimento).
A estratégia adotada por este sujeito, designada na literatura por
“Direct Translation” (Mayer & Hegarty, 1996), resulta da anexação
direta dos numerais às expressões linguísticas, sem ter em conta as
relações entre as variáveis do problema. Esta estratégia funciona
como um “atalho” heurístico que privilegia o raciocínio quantitativo
mas, ainda que exija menos recursos cognitivos ao nível da memória
de trabalho, parece não ser benéfica, nomeadamente em enunciados
com estruturas semânticas mais complexas, onde as palavras/expres-
sões-chave sugerem um procedimento (maior = valor mais elevado
[20]), mas a descrição da situação apela ao procedimento inverso
(maior = valor menos elevado [18]).
Embora estes resultados estejam em conformidade com as inves-
tigações de Gerofsky (1996), Versachaffel et al. (2000), Österholm e
Bergqvist (2012), entre outros, que apontam os contextos longos dos
problemas de matemática como um “entrave” ao processo de resolu-
ção, a abordagem e a análise da relação entre a natureza dos contextos
e as estratégias de resolução adotadas pelos sujeitos são, de resto, uma
das pistas de investigação a aprofundar em trabalhos futuros, uma vez
que este estudo se focou, essencialmente, na análise das fases iniciais
do processo de resolução.
A extensão dos contextos dos problemas, ainda que se constitua
como um fator preponderante no processo de resolução dos problemas
verbais, nem sempre é a única propriedade linguística influente no pro-
cessamento da informação e na compreensão das situações enunciadas.

A complexidade das categorias sintagmáticas dos enunciados dos


problemas
A relevância das propriedades textuais no processo de resolução dos
problemas não pode ser dissociada da forma como a informação ver-
bal é apresentada ao nível das categorias sintagmáticas que transmitem
a informação essencial para a realização das tarefas.
A estrutura de cada categoria sintagmática pode ser constituída
apenas pelo núcleo (cf. 1), exceto o sintagma preposicional, dado o

vol . 1(1), 2016 21


correi a

carácter intrinsecamente relacional das preposições, ou pode incluir


complementos e/ou modificadores, ou seja, constituintes subcategori-
zados por esse núcleo, que alongam a extensão das construções lin-
guísticas e complexificam o acesso à representação e à significação das
estruturas (cf. 2).

1) A figura integra [triângulos [nome]]


2) A figura integra [dois[quantificador] triângulos [nome] acutângulos
isósceles[modificadores]]

Tomando os sintagmas como constituintes frásicos passíveis de fun-


cionarem estruturalmente como unidades de processamento e aten-
dendo à sua natureza categorial, estrutura interna, posição e fun-
ções sintáticas, analisou-se o efeito da extensão e da composição das
construções sintáticas, que transmitem a informação essencial para
a realização das tarefas de resolução e que ocupam a posição mais
à direita das frases/orações, no processamento da informação e nas
subsequentes etapas de resolução.
Para a análise deste tópico de investigação, contemplaram-se pro-
blemas, cuja informação relevante para a execução das tarefas pro-
postas ocorre em posição pós-verbal, com dois tipos de estruturas
linguísticas distintas:
i) categorias sintagmáticas simples, i.e., sintagmas
que agregam menos constituintes;
ii) categorias sintagmáticas complexas, i.e., sintagmas
que agregam mais constituintes.

A análise do desempenho dos três grupos de sujeitos face a este tó-


pico de investigação legitimou a complexidade das categorias sin-
tagmáticas, que ocorrem na superfície dos enunciados textuais em
posição pós-verbal, como um fator influente no processamento da
informação e na compreensão dos enunciados dos problemas de
construção e de escolha múltipla, tanto nos que convocam opera-
ções cognitivas menos complexas, como nos que envolvem opera-
ções cognitivas mais complexas, com repercussões nas etapas subse-
quentes do processo de resolução.

22 re v is ta de in v e s t ig aç ão em educ aç ão e c iênc i a s so c i a is
o pa pel cruci a l da lei t ur a

Problemas com estruturas sintáticas complexas

1.º ciclo 2.º ciclo 3.º ciclo

Variáveis Variáveis Variáveis


Tabela 1
Expressividade + Tempo de leitura + Tempo de leitura + Tempo de leitura
estatística “p = 0.412” “p = 0.138” “p = 0.021”
das variáveis TL,
+ Fixações + Fixações + Fixações
FIX., TRANS. e “p = 0.489” “p = 0.073” “p = 0.000”
Respostas certas
nos estímulos +Transições +Transições +Transições
com estruturas “p = 0.661” “p = 0.534” “p = 0.006”
sintáticas
- Respostas certas - Respostas certas - Respostas certas
complexas
“p = 0.010” “p = 0.010” “p = 0.048”

De acordo com os resultados apurados (vide Tabela 1), e tomando


como referência que o tempo de processamento e o número de fixa-
ções e de transições é diretamente proporcional à complexidade das
estruturas linguísticas, verifica-se que nos problemas com estruturas
sintáticas que agregam, para além do núcleo, complementos e/ou mo-
dificadores, o processamento da informação afigura-se como uma ta-
refa cognitiva mais exigente, quando comparada com o processamento
da informação dos problemas que apresentam os dados relevantes em
categorias sintáticas formadas apenas pelo núcleo (nomes ou adjetivos).
No desempenho dos três grupos de sujeitos, contabilizaram-se
tempos de leitura significativamente acentuados, associados a um
maior volume de fixações e a um aumento expressivo de transições
realizadas entre as várias sequências enunciativas dos problemas
com estruturas sintáticas complexas. Estes resultados evidenciam
que a presença de constituintes, subcategorizados pelo núcleo das
categorias sintáticas, para além de provocar o efeito de extensão das
construções, complexifica o acesso à representação e à significação
das estruturas linguísticas, afetando o processamento da informação,
que se torna mais lento, e dificultando a interpretação das situações
enunciadas, com prejuízo para as restantes etapas do processo de re-
solução. A presença deste tipo de estruturas nos enunciados dos pro-
blemas faz diminuir significativamente o número de respostas certas.
Para exemplificar estes indicadores, observe-se o desempenho dos
sujeitos do 2.º ciclo relativamente a dois estímulos da área temática da
geometria (Fig. 7 e Fig. 8) que foram selecionados de Provas de Aferi-

vol . 1(1), 2016 23


correi a

ção de anos consecutivos (2001 e 2002) e cuja semelhança, em termos


de estrutura (ambos são bimodais), de número de unidades de signifi-
cação (49) e de procedimentos matemáticos (identificação de proprie-
dades de sólidos geométricos), faria prever um desempenho idêntico.

Figura 7
Estímulo 3
do desenho
experimental
do grupo 2
(2.º ciclo) da
experiência III

Figura 8
Estímulo 4
do desenho
experimental
do grupo 2
(2.º ciclo) da
experiência III

A análise comparativa dos valores obtidos nas variáveis que regulam


o desempenho dos sujeitos, suportada por testes estatísticos comple-
mentares (testes de normalidade de Shapiro-Wilks, o teste paramétri-
co t-Student e o teste não-paramétrico Wilcoxon), revela diferenças
significativas entre os dois estímulos nas variáveis: TL do texto (“p =

24 re v is ta de in v e s t ig aç ão em educ aç ão e c iênc i a s so c i a is
o pa pel cruci a l da lei t ur a

Tabela 2
Valores médios de TL., FIX., TRANS. e Padrão de respostas registados nos
estímulos 3 e 4 do desenho experimental do grupo 2 (2.º ciclo) da Experiência III

Padrão
Tempo de leitura (s) N.º de fixações
N.º de de respostas
Estímulos
Opções de Opções de transições
Texto Imagens Texto Imagens Certas Erradas
resposta resposta
3
1ª parte
(41 US) 6,785 15,331 1,269 25 34 5 7 76% 24%
2ª parte
(8 US)

4
1ª parte
(41 US) 9,620 19,878 1,643 34 38 6 13 42% 58%
2ª parte
(8 US)

0.001”); N.º de FIX. do texto (“p = 0.001”); N.º de TRANS. entre as


áreas do enunciado (“p = 0.000”) e Padrão de respostas (“p = 0.010”).
Conforme se observa na Tabela 2, o estímulo 4 (Fig. 8) regista va-
lores superiores aos do estímulo 3 (Fig. 7) em todas as variáveis, à
exceção do padrão de respostas.
O estímulo 3 (Fig. 7), que requer a identificação do sólido que tem
“o maior volume”, expressa na sequência injutivo-instrucional do
enunciado através de um SNsimples com a relação gramatical de obje-
to direto, apenas registou valores mais altos na variável padrão de res-
postas, com uma elevada taxa de respostas certas. No estímulo 4 (Fig.
8), cuja tarefa de resolução solicita a identificação do sólido geométrico
que reune cumulativamente duas propriedades “paralelepípedo com
24cm3 de volume”, destacadas na sequência injutivo-instrucional do
enunciado através de um SNcomplexo com a relação gramatical de
predicativo do sujeito, apenas 42% dos sujeitos assinalaram correta-
mente o “Sólido A”, que reúne as duas propriedades.
A dificuldade de processamento de categorias sintagmáticas com-
plexas parece resultar da correlação de três fatores: a posição sintática
que essas mesmas estruturas ocupam nos enunciados discursivos, o
efeito de extensão e a capacidade da memória de trabalho dos sujeitos.
Os constituintes sintagmáticos, que transmitem a informação re-
levante para a resolução das tarefas, ocupam sempre a posição mais
à direita das frases ou das orações, sendo interpretados como foco
informacional. Estas estruturas sintagmáticas constituem-se como o

vol . 1(1), 2016 25


correi a

comentário, que acrescenta a informação nova acerca do tópico enun-


ciativo. A informação, destacada pelo comentário, é classificada e ar-
mazenada sob a entrada referencial correspondente ao tópico, que se
assume como a entidade proeminente e é primeiramente instanciada
na memória de trabalho, uma vez que ocupa a posição inicial das pro-
posições dos enunciados dos problemas.
Sabendo-se que o efeito de extensão dos elementos linguísticos que
ocorrem a nível sintagmático e oracional na superfície dos textos não é
compatível com a capacidade limitada da memória de trabalho (Mck-
oon, Ratcliff, Ward & Sproat, 1993; Maciel, 1996; Baddeley , 2001),
poder-se-á compreender que a codificação, manutenção e recuperação
no sistema memorial das estruturas sintagmáticas que agregam mais
categorias lexicais sejam mais difíceis do que o processamento das
estruturas sintagmáticas formadas basicamente pelo núcleo. A aná-
lise do desempenho dos sujeitos permitiu verificar que a informação
destacada nas categorias sintagmáticas complexas não é totalmente
processada, evidenciando-se os efeitos de primazia e de recência em
que apenas os segmentos iniciais ou os segmentos finais das referidas
estruturas são processados, o que compromete as restantes etapas do
processo de resolução.
À semelhança do efeito provocado pela densidade de informação
irrelevante nos contextos dos problemas, a avultada quantidade de
informação relevante presente nas categorias sintagmáticas, para
além de criar fortes restrições ao processo cognitivo da representa-
ção mental dos problemas, fomenta a execução de estratégias e de
procedimentos matemáticos incompletos, que não contemplam nem
a totalidade da informação, nem as relações entre todas as variáveis
do problema e que conduzem inevitavelmente à promoção de res-
postas erradas.
Em conformidade com os resultados apurados, conclui-se que,
no decurso do processo de resolução de problemas, a compreensão
verbal antecede a compreensão matemática dos enunciados e que os
fatores de natureza linguística atuam antes mesmo dos elementos es-
truturantes e dos aspetos fundamentais da competência matemática
no processamento da informação e na interpretação e compreensão
das situações enunciadas nos problemas.

A estrutura e a formulação dos problemas verbais


O processo de resolução de problemas, além de apelar a uma multi-
facetada consciência linguística, requer também o conhecimento das

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o pa pel cruci a l da lei t ur a

propriedades e da funcionalidade dos diferentes sistemas de represen-


tação semiótica que formam os enunciados (a língua natural, as es-
critas algébricas e formais, as figuras geométricas, as representações
gráficas e as ilustrações).
O impacto da formulação de problemas com recurso a múltiplos re-
gistos semióticos no desempenho dos sujeitos tem sido objeto de análi-
se de algumas investigações, cujos resultados dissidentes apontam, ora
para os seus benefícios na eficácia da comunicação e na aprendizagem
de conceitos matemáticos (Schnotz, 2002; Elia, Gagatsis & Demetriou,
2007;), ora para a dificuldade que representam na compreensão dos
problemas (Schleppegrell, 2007; Berends & Van Lieshout, 2009).
Estas prerrogativas suscitaram a análise da influência da formula-
ção dos enunciados no processo de resolução, tendo-se considerado,
para o efeito, dois tipos de problemas:

i) Problemas com contextos monomodais que são formados,


essencialmente, por linguagem verbal em articulação com
linguagem numérica (Fig. 9);
ii) Problemas com contextos bimodais que, para além de lin-
guagem verbal e de linguagem numérica, i.e., informação
alfanumérica, integram representações icónicas, sob a
forma de informação diagramática, como imagens gráficas
e/ou tabelas, ou informação isogramática, como imagens
figurativas, desenhos ou ilustrações (Fig. 10).

Figura 9
Estímulo
monomodal
do desenho
experimental do
grupo 1 (1.º ciclo)
da Experiência III

vol . 1(1), 2016 27


correi a

Figura 10
Estímulo bimodal
do desenho
experimental do
grupo 1 (1.º ciclo)
da Experiência III

A análise do desempenho dos sujeitos dos três grupos relativamente a


estes dois tipos de problemas verbais, suportada estatisticamente pela
aplicação de testes de hipóteses não paramétricos:

i) demonstrou que a presença de distintos sistemas de represen-


tação semiótica nos enunciados dos problemas condiciona
a compreensão e o tratamento da informação, afetando a
representação mental das situações descritas nos problemas e,
consequentemente, as restantes etapas de resolução;
ii) confirmou padrões de desempenho diferenciados que pa-
recem resultar das propriedades e das funções cognitivas
preenchidas pelos vários registos semióticos que ocorrem
na superfície dos enunciados.

Como se pode observar pelos valores expostos na Tabela 3, os pro-


blemas bimodais implicaram custos mais elevados de processamento,
refletidos no acréscimo do TL e no aumento do N.º de FIX. realizadas
nos enunciados e de TRANS. efetuadas entre os diversos registos ver-
bais (texto) e não verbais (figuras geométricas, representações gráficas,
imagens/ilustrações).

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Problemas com contextos bimodais

1.º ciclo 2.º ciclo 3.º ciclo

Variáveis Variáveis Variáveis

+ Tempo de leitura + Tempo de leitura + Tempo de leitura


“p = 0.158” “p = 0.000” “p = 0.000”
Tabela 3
Expressividade - Fixações + Fixações + Fixações
estatística das “p = 0.006” “p = 0.000” “p = 0.000”
variáveis TL, FIX.,
TRANS. e +Transições +Transições +Transições
“p = 0.000” “p = 0.000” “p = 0.000”
Respostas certas
nos estímulos com
- Respostas certas - Respostas certas + Respostas certas
contextos bimodais “p = 0.001” “p = 0.000” “p = 0.000”

O processamento dos problemas bimodais revelou-se uma tarefa


cognitiva mais complexa, uma vez que exige o mapeamento e a cons-
trução de uma representação mental que integre os dados informativos
relevantes dos diferentes sistemas de representação. Envolve a mobiliza-
ção de mais recursos cognitivos e, portanto, exerce uma maior sobrecar-
ga na memória de trabalho. Um simples erro na representação ou uma
representação parcial da relação entre as diferentes fontes informativas
pode comprometer a execução das restantes etapas de resolução.
Contrastivamente, o processamento dos problemas com contex-
tos monomodais assume-se como uma tarefa menos complexa, que
mobiliza menos recursos cognitivos, uma vez que a informação é dis-
ponibilizada apenas numa única fonte informativa (linguagem alfa-
numérica), deixando mais espaço disponível na memória de trabalho
para a tarefa original (resolver o problema através da aplicação de
procedimentos matemáticos).
Os efeitos da articulação de diferentes registos semióticos nos
enunciados dos problemas bimodais refletiram-se sobretudo no de-
sempenho dos sujeitos mais novos (1.º e 2.º ciclos), através de acentu-
ados tempos de leitura e com recurso a mais fixações e a um maior
número de transições entre as distintas fontes informativas que con-
trastaram com as reduzidas taxas de sucesso de resolução.
Nestes dois grupos de sujeitos, com menos competências de lei-
tura, evidenciadas, em parte, pelo tempo de leitura e pelo número
de fixações realizadas em cada palavra dos enunciados (os sujeitos

vol . 1(1), 2016 29


correi a

do 1.º ciclo fizeram, em média, 1,56 FIX. por palavra em 0,520ms


e os sujeitos do 2.º ciclo efetuaram 1,54 FIX. em 0,440ms), o pro-
cessamento da informação dos enunciados com contextos bimodais
parece comprometer o planeamento e a execução das restantes eta-
pas do processo de resolução e dificultar o sucesso na resolução dos
problemas.
Nos sujeitos mais velhos (3.º ciclo), com idades compreendidas en-
tre os 14-15 anos, com a amplitude da memória estabilizada, com
mais espaço disponível para o armazenamento e tratamento das dis-
tintas fontes informativas, com uma maior competência de leitura (re-
alizaram, em média, 1,34 FIX. por palavra em 0,380ms) e com uma
competência mais alargada na utilização de plataformas tecnológicas
claramente bimodais, o processamento da informação dos problemas
com contextos bimodais, embora tenha custos acrescidos (um maior
dispêndio de tempo de leitura, associado a um aumento significativo
de fixações e de transições) parece não afetar o planeamento e a exe-
cução das restantes etapas do processo de resolução, uma vez que este
tipo de problemas registou níveis de sucesso mais elevados, i.e., mais
respostas certas do que os problemas com contextos monomodais.
Os dados atestados nestes estudos e corroborados por outros in-
vestigadores (Bobis, Sweller & Cooper, 1994; Sweller, 1994; Berends
& Van Lieshout, 2009) destacam a formulação dos enunciados com
distintos sistemas de representação (verbal e não verbais) como um
expressivo predicador das dificuldades manifestadas pelos sujeitos
no processo de resolução dos problemas.

Considerações finais
Estes estudos empíricos, centrados nos mecanismos cognitivos e lin-
guísticos mobilizados no processamento da informação, permitiram
distinguir as características estruturais e discursivas dos enunciados
dos problemas de matemática como indicadores relevantes, que pa-
recem estar na origem das fragilidades associadas ao processo de
resolução, designadamente a extensão e a complexidade das estru-
turas linguísticas e a profusão de distintos sistemas de representação
semiótica nos enunciados dos problemas que conduzem ao aumento
dos custos de processamento, com impacto na compreensão e nas
subsequentes fases de resolução.
Não obstante a pertinência dos resultados alcançados, não foi
possível determinar os efeitos da articulação das representações icó-
nicas dos enunciados bimodais com a complexidade das estruturas

30 re v is ta de in v e s t ig aç ão em educ aç ão e c iênc i a s so c i a is
o pa pel cruci a l da lei t ur a

linguísticas para a compreensão global dos enunciados e subsequen-


tes etapas de resolução. No entanto, considera-se que a manipulação
dos estímulos que serviram de análise a estes estudos, quer ao nível
das estruturas lexicais, sintáticas e semânticas, que ao nível da sua
composição gráfica, poderá oferecer evidências complementares que
se mostrem igualmente pertinentes para sustentar o complexo pro-
cesso de resolução e que apontem pistas sobre os caminhos a trilhar
de forma a minimizar os constrangimentos e a melhorar os desem-
penhos dos sujeitos relativamente à “difícil” tarefa de solucionar pro-
blemas verbais de matemática.
Na resolução de problemas, há que atender igualmente aos meca-
nismos de funcionamento da memória, particularmente da memória
de trabalho que desempenha um papel fundamental nas fases iniciais
deste complexo processo. Enquanto estrutura modular constituída
por diversas instâncias, serve para codificar e manter, durante algum
tempo, a informação que está a ser processada no momento, funcio-
nando como “um armazém”, com um número limitado de espaços,
dentro dos quais as unidades de informação podem ser colocadas
(Baddeley, 2001). Ora, quando a memória de trabalho é sobrecar-
regada com mais informação passa a haver menos capacidade dis-
ponível para a compreensão e o raciocínio e, consequentemente, a
performance dos sujeitos é fortemente afetada.
Atendendo aos fortes indícios detetados neste estudo que apontam
a capacidade limitada da memória de trabalho como uma das causas
plausíveis para a dificuldade de processamento de enunciados com
uma grande densidade de informação, deixa-se aqui a sugestão para
que, na construção e/ou seleção de problemas verbais, sejam con-
siderados os três tipos de carga cognitiva, distinguidos por Sweller
(2005), que defende que a aprendizagem melhora quando o volume
de informações oferecidas ao sujeito é compatível com a sua capaci-
dade de compreensão:

i) a carga cognitiva intrínseca que é imposta pela complexi-


dade do conteúdo do material didático;
ii) a carga cognitiva natural (relevante) que está subordinada ao
processamento, à construção e à automatização de esquemas;
iii) a carga cognitiva externa ao conteúdo (irrelevante) que é
gerada pela forma como a informação é apresentada aos
sujeitos. Não interfere na construção e automatização de
esquemas mentais, e, consequentemente, desperdiça re-

vol . 1(1), 2016 31


correi a

cursos cognitivos limitados que poderiam ser usados para


auxiliar a carga natural, ou seja, reduz a quantidade de
recursos disponíveis para processar a carga intrínseca e a
carga relevante.

Ainda que não seja possível controlar a carga intrínseca, associada à


complexidade dos conteúdos aludidos nos problemas, há formas de
reduzir a carga cognitiva irrelevante, nomeadamente extraindo dos
enunciados toda a informação alfanumérica e pictórica que não au-
xilie a representação mental das situações e não seja pertinente para a
tarefa base de resolução.
O incremento da carga cognitiva relevante também parece pos-
sível através da segmentação e reordenação das estruturas linguísti-
cas complexas que ocorrem nos enunciados dos problemas para que
fiquem alinhadas com os procedimentos de resolução.
Neste sentido, considera-se que a otimização do processo de reso-
lução de problemas verbais passa, necessariamente, pela coordenação
concertada entre as áreas disciplinares de Português e de Matemática,
sem menosprezar os “recursos cognitivos” de que os sujeitos dispõem
ou necessitam dispor, em função dos seus conhecimentos prévios e
do seu desenvolvimento cognitivo e linguístico.

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vol . 1(1), 2016 35


Clubes de leitura:
construção e conquista
de leitores
Luís Filipe Barbeiro [email protected]
Maria José Gamboa [email protected]

Instituto Politécnico de Leiria
Escola Superior de Educação e Ciências Sociais
Núcleo de Investigação e Desenvolvimento em Educação

Resumo
Assumida como um desafio das sociedades contemporâneas, a cons-
trução de leitores não pode circunscrever-se à esfera da aprendiza-
gem curricular e ao tempo da escolaridade. Este desafio coloca a
questão de saber o que a escola poderá fazer para ajudar os jovens
estudantes, com experiências leitoras diversificadas, a tornarem-se e
a permanecerem leitores e leitoras ao longo do seu ciclo vital. Co-
nhecer as práticas de leitura dos alunos é um ponto de partida. (Re)
pensar as potencialidades dos clubes de leitura enquanto lugares de
construção e de conquista de (não)leitores poderá revelar meios para
alcançar esse desafio.
Este artigo apresenta alguns elementos de um estudo, realizado no
âmbito do projeto Lectibe (Lectores Ibéricos - Clubes de Lectura), que
baseou a sua estratégia para a construção de leitores nos clubes de
leitura. Os dados obtidos por meio de um inquérito por questioná-
rio, aplicado aos participantes, jovens estudantes espanhóis e portu-
gueses do ensino secundário, revelam os clubes de leitura como uma
iniciativa que obteve a adesão e o envolvimento de estudantes com
diferentes perfis de relação com a leitura. Aí se encontram aqueles
jovens que já têm uma relação positiva com a leitura, mas também os

37
r e v is ta de in v e s t ig aç ão em educ aç ão e c iênc i a s s o c i a is

que apresentam um perfil tendencialmente mais afastado de práticas


e de fruição leitoras. Nessa diversidade, reside uma enorme poten-
cialidade dos clubes de leitura: a conquista para a leitura como parte
integrante de um projeto de vida.
Palavras-chave: Leitura, clube de leitura, perfil de leitor, livro.

Abstract
Generally accepted as a challenge for contemporary societies, the de-
velopment of readers cannot be limited to the sphere of curriculum
learning and time spent in formal schooling. This challenge raises the
question of what schools can do to help young pupils, by providing di-
verse reading experiences, to become and remain readers throughout
their lifetime. To be familiar with the reading practices of pupils is a
starting point. (Re) thinking the potential of reading clubs as places to
develop and win over (non)readers could be a way of developing ways
of rising to this challenge.
This article presents part of a study undertaken in the Lectibe pro-
ject (Lectores Ibéricos - Clubes de Lectura /Iberian Readers - Reading
clubs ), a project whose strategy is based on developing readers in
reading clubs.
The data obtained by means of a questionnaire applied to the partici-
pants in the project – young Spanish and Portuguese secondary school
pupils – shows reading clubs to be an initiative which bring about the
active involvement of students with different profiles in terms of reading.
In these one can find not only young people who have a positive rela-
tionship with reading, but also those with reading profiles that tend to
be further removed from reading practices and the pleasures of reading.
It is in this diversity wherein the enormous potential of reading clubs lies:
the achievement of reading in becoming an integral part of a life project.
Keywords: Reading, reading club, reader profile, books.
clube s de lei t ur a

Introdução

Os desafios do presente e do futuro requerem um movimento perma-


nente de interrogação sobre os valores da leitura, as suas funções, os
seus suportes e os modos didáticos e pedagógicos de a promover den-
tro e fora da escola. Efetivamente, acompanhando a valorização social
e escolar da leitura, espelhada no massivo incremento nacional e trans-
nacional de medidas de promoção leitora, torna-se necessário discutir
as condições escolares e sociais para a formação do leitor, numa pers-
petiva de aprendizagem ao longo da vida, colocando ênfase na neces-
sidade de (re)pensar programas conducentes à emergência de práticas
fundadoras da construção de leitores e da criação e enraizamento do
hábito e do prazer de ler, aquém e além da escola. Verdadeiramente,
perspetivar este além, num tempo de construção de ser leitor, corres-
ponde ainda a desafiar a escola ou a deixar que esta se desafie, num
projeto que vá para além do seu espaço e do seu tempo, numa vida.
Constituindo uma prática essencial da escola e do exercício da apren-
dizagem de ser pessoa, ao longo de toda a vida, a leitura edifica um
lugar de acesso à cultura escrita que importa enraizar precocemente
nas práticas quotidianas dos jovens, devendo assumir uma dimensão
de desenvolvimento emancipatório.
A investigação tem evidenciado a complexidade inerente à constru-
ção de ambientes formativos que favoreçam um envolvimento leitor que
não se confine ao espaço e ao tempo escolares, mostrando igualmen-
te a imprescindibilidade de considerar, no processo formativo, fatores
de ordem motivacional, cognitiva e social, centrados no leitor, texto e
contexto (Colomer & Camps, 1990; Giasson, 1993, 2005; Gambrell &
Almasi, 1996; Tauveron, 2005). Este processo formativo terá de consi-
derar o estatuto afetivo e social que as práticas de leitura têm para os
utilizadores da cultura escrita, nomeadamente, valorizando-se os sen-
tidos pessoais e sociais construídos em torno das experiências com os
textos, anteriores à entrada na escola (Hannon, 1995; Baker, Afflerback
& Reinking, 1996) e, nesta, a condição primeira do ensino da desco-
dificação e da compreensão leitora (Solé, 2001; Sim-Sim, 2007), assim
como a integração e articulação com práticas do espaço social em que
se movem leitores e não leitores.
De modo semelhante, a construção de projetos pessoais e sociais
de leitura implica a consideração de alunos reais, não leitores e leitores,
ou leitores em processo de deixar de o ser, considerando consequen-

vol . 1(1), 2016 39


b a rbeiro & g a mboa

temente a sua singularidade, num percurso precoce e continuado de


aprendizagens, alimentado por estratégias motivadoras em (con)textos
diversificados. Destes, em consonância com o que a investigação tem
confirmado (Terwagne, Vanhulle & LaFontaine, 2001; Daniels, 2002),
a leitura voluntária, para fruição, desejada e construída a partir de um
sujeito leitor na sua relação com o outro, constitui um eixo estrutura-
dor e orientador de práticas condicionadoras de desenvolvimento do
leitor que se quer formar.
Para a integração da leitura no projeto e na esfera alargada da
vida e para uma vida, sem prejuízo da diversidade de abordagens
contextualizadas na especificidade de cada comunidade educativa de
leitores, os clubes de leitura reconquistaram vitalidade nos últimos
anos e confirmaram potencialidades no que diz respeito ao incre-
mento e aprofundamento das práticas leitoras e ao alargamento da
leitura para lá do domínio curricular e para além da esfera individual
(Baker, et al., 1996; McMahon & Raphael, 1997; Terwagne, et al.,
2001; Daniels, 2002).
Sob a denominação de clubes de leitura e/ou círculos de leitura,
estes dispositivos complementam modalidades como as bibliotecas
de turma e aprofundam a relação entre os participantes mediada e
construída, refletida, também através da leitura de um livro. Consti-
tuem-se como lugares de encontro regular de pessoas — participantes
convocados a partir dos livros — como espaços e momentos de leitura,
de discussão e partilha, de construção individual e coletiva de signi-
ficados, que permitem ressignificar as práticas leitoras numa perspe-
tiva individual e social, alargando consequentemente o horizonte de
aprendizagem e/ou de fruição que a prática leitora deve pressupor. Os
clubes/círculos de leitura favorecem e diversificam a interação entre os
participantes, tendo por base a leitura simultânea de um livro. A es-
colha do livro (negociada ou sugerida) representa também, para cada
indivíduo singular, a possibilidade de sair das suas escolhas pessoais
(ou de as alargar aos outros), para ser conquistado e enriquecido por
outras leituras ou escolhas.
Estes dispositivos estão assentes numa conceção de leitura en-
quanto prática situada de aprendizagens (cognitivas, linguísticas,
afetivas, culturais e sociais) e de fruição. As duas vertentes são cons-
truídas coletivamente, em pequenos grupos, mas heterogéneos, onde
se aprende a interpretar e a construir significados (Terwagne et al.,
2001), por entre a pluralidade de contributos, e onde se descobrem
pontos comuns e diferentes de fruição com os textos.

40 re v is ta de in v e s t ig aç ão em educ aç ão e c iênc i a s so c i a is
clube s de lei t ur a

Dando espaço e explorando a dimensão de fruição pessoal da


leitura, partilhada e construída também coletivamente, o clube de
leitura alimenta o desejo de ler. Deste modo, constitui um tempo e
um lugar de construção livre de relação com o livro e com o outro
que se dispõe a ler, a ouvir e a partilhar afinidades leitoras, para
além da obrigatoriedade de leituras escolares e/ou de natureza pro-
fissional. Sendo a leitura para fruição realizada frequentemente de
forma solitária e associada à dimensão individual, os clubes de lei-
tura juntam-lhe as vantagens da socialização e partilha (Swann &
Allington, 2009; Mills & Jennings, 2011; Sanacore, 2013). Como
se expressa em Barbeiro e Gamboa (2014), a dimensão individual
não é monolítica, mas acolhe a pluralidade de vivências do sujeito
e constrói-se nessa constelação de experiências de uma vida. Se a
pluralidade já está presente na dimensão individual, a constelação
ganha novos elementos quando se alarga à componente social, como
a que é proporcionada pelos clubes de leitura, enquanto espaços e
tempos onde adquire relevo a socialização da leitura, por meio da
partilha, discussão e reflexão conjunta. Reconhecidas as potenciali-
dades formativas dos clubes de leitura, estes têm sido disseminados
em contextos diversos com múltiplos objetivos (Baker et al., 1996).
Considerando o contexto espanhol, os clubes de leitura consti-
tuem uma das estratégias de fomento e dinamização da leitura que,
na região espanhola de Castilla-La Mancha, alcançaram maior re-
levância, desde o seu aparecimento, nos anos oitenta. Atualmente,
todas as bibliotecas mais importantes da região contam com clubes
de leitura, destinados a leitores de diferentes idades. Como se pode
ler no relatório respeitante ao exercício de 2012, nesse ano, fun-
cionaram nas bibliotecas públicas da região 649 Clubes de Leitura,
com a participação de mais de 42.414 pessoas (Red de Bibliotecas
Castilla-La Mancha, s.d.a). Para além da dinamização realizada
nos espaços das bibliotecas, procurou-se desenvolver relações com
os estabelecimentos escolares, a fim de reforçar o envolvimento
dos jovens.
Tendo por pano de fundo este dinamismo dos clubes de leitura na
região de Castilla-La Mancha, foi proposto o projeto Lectibe (Lectores
Ibéricos - Clubes de Lectura), um projeto europeu Comenius Regio do
Programa de Aprendizagem ao Longo da Vida. Este projeto propôs-se
desenvolver as potencialidades dos clubes de leitura e alcançar novos
objetivos, sobretudo junto do público escolar jovem, por meio da cria-
ção de uma parceria internacional e do recurso aos livros eletrónicos.

vol . 1(1), 2016 41


b a rbeiro & g a mboa

A parceria foi estabelecida com a região portuguesa de Caldas da Rai-


nha. Assim, o projeto integrou inicialmente cinco clubes de leitura de
estabelecimentos de ensino secundário da cidade de Albacete, tendo
dado origem à criação de um clube de leitura na Escola Secundária
Raúl Proença, em Caldas da Rainha, com quinze participantes iniciais
(que, em conjunto com os 54 respondentes espanhóis constituem os
participantes considerados neste estudo).
A participação dos estudantes no projeto e nos seus clubes de lei-
tura teve um caráter voluntário. Com o objetivo de (re)pensar as po-
tencialidades dos clubes de leitura, a possibilidade de abertura de
horizontes de sentido que estes lugares formativos podem construir,
e, em particular, com o objetivo de conhecer a relação com a leitura
por parte dos alunos participantes no projeto Lectibe e a relação da
leitura com outras dimensões da vida, foi aplicado um inquérito por
questionário, na fase inicial das atividades, subordinado ao tema ge-
nérico Tu e a Leitura. No presente texto, são apresentados alguns dos
resultados obtidos nesse questionário, designadamente os que podem
lançar luz sobre os clubes de leitura como lugares de participação
alargada. Surge em foco a questão se os clubes de leitura ligados ao
projeto, considerando o perfil dos seus participantes, se limitam a
ser um dispositivo de confirmação (por receberem apenas a adesão
dos jovens estudantes do ensino secundário que já têm uma relação
favorável com a leitura) ou se constituem também um lugar potencial
de conquista (por acolherem participantes com um perfil menos fa-
vorável de relação com a leitura).

Metodologia

A metodologia seguida esteve ligada à concretização projeto. Não se


pretendeu constituir uma amostra representativa da população corres-
pondente aos estudantes portugueses e espanhóis do ensino secundá-
rio, eventualmente associada ao objetivo de generalizar os resultados
acerca da relação que esta população estabelece com a leitura. Os par-
ticipantes neste estudo foram circunscritos ao próprio projeto. Apesar
desta (de)limitação, que impede leituras generalizadas, os resultados
obtidos poderão servir de base para aprofundar a reflexão acerca da
relação dos estudantes do ensino secundário com a leitura.

42 re v is ta de in v e s t ig aç ão em educ aç ão e c iênc i a s so c i a is
clube s de lei t ur a

Questionário
O questionário Tu e a Leitura colocou em foco a questão de saber
qual a relação que os alunos, participantes nos clubes de leitura do
projeto, estabelecem com a leitura: que hábitos de leitura possuem,
como é que a leitura se integra nas suas atividades, que valor lhe atri-
buem, etc. A caracterização do perfil do aluno participante permitiu
adequar algumas atividades e iniciativas, segundo as características e
formas de encarar a leitura encontradas.
O questionário encontrava-se organizado nas seguintes partes:
Apresentação, Dados sobre o respondente, Perguntas sobre prá-
ticas de leitura. Esta última parte incidia sobre hábitos de leitura,
perspetivas sobre a leitura, práticas de leitura na escola, práticas de
leitura na biblioteca municipal e recurso às TIC. Na Apresentação
do questionário, era delimitado o seu âmbito e dada a informação
de que se tratava de um questionário anónimo. Para além disso,
esclarecia-se que, em relação às perguntas colocadas, não havia res-
postas certas ou erradas. Realçava-se que o aspeto fundamental é
que fossem verdadeiras.
Os questionários aplicados aos participantes espanhóis e portugue-
ses foram os mesmos na sua quase totalidade, salvaguardada a questão
da língua, tendo sido construídas duas versões, uma em castelhano e
outra em português. Para além disso, procedeu-se a adequações re-
lativas à caracterização escolar, decorrentes de aspetos organizativos
diferentes entre os sistemas educativos.
Na construção do questionário, foram retomadas diversas questões
do questionário aplicado aos estudantes do ensino secundário por La-
ges, Liz, António e Correia (2007). Deste modo, existem elementos
de referência que poderão ajudar a situar o perfil dos participantes
no projeto, na sua relação com a leitura, com as reservas resultantes
de o questionário de Lages et al. (2007) ter sido aplicado apenas no
contexto português.

Participantes
O projeto Lectibe definiu como seus destinatários os jovens estudantes
do ensino secundário (ou também do último ano do terceiro ciclo do
ensino básico, no sistema educativo português), tendo como referência
a faixa etária de 14-16 anos. Os questionários analisados neste texto
correspondem às respostas por parte dos participantes no projeto, no
total de 69, cujo perfil corresponde basicamente ao traçado quanto ao
nível etário ou de escolaridade. A distribuição por idades é a seguinte:

vol . 1(1), 2016 43


b a rbeiro & g a mboa

2 participantes com 13 anos, prestes a perfazer 14 anos; 3 com 14


anos; 25 com 15 e 39 com 16 anos. A idade média em anos é de 15,5
anos. Em relação ao sexo, 49 são do sexo feminino (71%) e 20 do sexo
masculino (29%).

Recolha de dados
Os questionários foram disponibilizados eletronicamente e preenchi-
dos no início das atividades do projeto.

Análise
A análise de dados realizada consistiu, em primeiro lugar, na estatísti-
ca descritiva relativa às frequências alcançadas por cada categoria de
resposta. Complementarmente, procuraram-se algumas relações entre
variáveis, tendo-se testado as associações entre a variável “Sexo” e va-
riáveis de relação com a leitura e entre a variável “Intensidade do gosto
de ler” e variáveis respeitantes às práticas de leitura e ao acesso ao livro.
No presente artigo, devido às limitações de espaço, limitar-nosemos à
apresentação de alguns dos resultados respeitantes às práticas de leitu-
ra e à associação entre estas práticas e as variáveis sexo e intensidade
do gosto pela leitura.

Resultados
Práticas de leitura
Em relação às práticas de leitura, estará em foco se os resultados apon-
tam para um perfil restrito quanto à relação com a leitura, circuns-
crevendo a participação aos bons leitores, ou se emerge um perfil de
participação mais alargado.
Na secção do questionário Práticas de leitura fora da escola, era
apresentado um conjunto vasto de perguntas sobre as práticas de leitu-
ra extraescolar, incidindo sobre aspetos como a frequência dessa práti-
ca, o tipo de leituras, as preferências, as finalidades, as perspetivas que
o sujeito construiu sobre a leitura.

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clube s de lei t ur a

Quadro 1 Costumas ler no teu tempo livre?


Frequência Respostas
(n=69)

N.º %

Todos ou quase todos os dias 21 30,4

Uma ou duas vezes por semana 32 46,4

Algumas vezes por mês 9 13,0

Algumas vezes por trimestre 3 4,3

Quase nunca 3 4,3

Nunca 1 1,4

A leitura no tempo livre (Quadro 1) alcança resultados que apon-


tam para uma frequência bastante presente ao longo da semana, para
a maioria dos respondentes, que lê no seu tempo livre uma ou duas
vezes por semana (46,4%) ou mesmo todos ou quase todos os dias
(30,4%). No entanto, também aderiram ao clube de leitura 15 parti-
cipantes (21,7%) cujos hábitos de leitura no tempo livre são inferiores
(entre Algumas vezes por mês e Nunca).
Em relação à quantidade de livros lidos no último ano, encontra-
mos o mesmo espectro diversificado (Quadro 2). A maior parte dos
alunos (62,3%) integra-se nos escalões intermédios (leitura de 5 a 8 ou
de 9 a 12 livros por ano). Contudo, também encontramos um grupo
razoável de alunos (cerca de 20%) que se situa nos escalões inferiores,
ou seja, menos de 5 livros por ano, indicador que claramente os situa
na classificação de pequenos leitores, segundo o critério de Freitas e
Santos (1992), Freitas, Casanova e Alves (1997) e Neves e Lima (2008),
que atribuem este perfil à leitura de 1 a 5 livros por ano. No outro
extremo da escala (acima de 12 livros por ano), encontramos uma per-
centagem próxima (17,3%), o que, no entanto, ainda corresponde a
um perfil de leitores médios (até 20 livros por ano, segundo os autores
citados, para leitores adultos).

vol . 1(1), 2016 45


b a rbeiro & g a mboa

Quadro 2 Quantos livros leste, aproximadamente, no último ano?

Quantidade Respostas
(n=69)

N.º %
1 livro 1 1,4
2 a 4 livros 13 18,8
5 a 8 livros 20 29,0
9 a 12 livros 23 33,3
13 a 15 livros 5 7,2
> 15 livros 7 10,1

A autoavaliação subjetiva quanto à quantidade de leitura (Quadro


3) mostra que o grupo se reparte pelos dois grandes blocos: os que têm
de si a imagem de bons leitores, no sentido em que consideram que
leem bastante, e que perfazem um pouco mais de metade dos respon-
dentes, e os que consideram que não leem bastante (45%).

Quadro 3 Achas que lês bastante?

Respostas Respostas (n=69)

N.º %

Sim 38 55,1

Não e gostava de ler mais 30 43,5

Não e não gostava de ler mais 1 1,4

A ausência de desejo de aumentar o nível de leitura, apesar da


consciência da sua insuficiência, é muito escassa. Face aos resulta-
dos de Lages et al. (2007), encontramos um nível mais elevado de
respostas “Sim” (55% face a 18%) e, consequentemente, um valor
mais baixo de respostas “Não” (que em Lajes et al., 2007, alcançam
os valores de 68% e 14%, respetivamente para “gostava de ler mais”
e “não gostava de ler mais”). Assim, uma parte importante dos es-
tudantes do projeto já construiu de si uma imagem de satisfação em
relação ao seu nível de leitura. No entanto, uma outra parte também
significativa, pelo contrário, considera que não atingiu ainda o nível
desejado em intensidade de leitura. Porventura, a adesão ao projeto
do clube de leitura por parte destes estudantes poderá fazer parte da

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clube s de lei t ur a

estratégia para alcançar esse desiderato. Em relação aos primeiros,


a adesão poderá decorrer naturalmente da relação que já estabelece-
ram com a leitura e que avaliam de forma satisfatória.
A intensidade do gosto de ler (Quadro 4) mostra a inclinação para
o polo positivo por parte dos participantes, mas também revela um
leque mais alargado de participação, para além da adesão dos que
se reveem na posição extremada de apaixonados pela leitura (13%)
ou dos que afirmam gostar muito de ler (49%). Os que gostam de ler
de vez em quando correspondem a quase um terço dos participantes
(32%) e o leque de participação estende-se aos que gostam pouco de ler
(4%) ou mesmo nada (representado por um caso, 1%).

Quadro 4 Relação com a leitura: intensidade do gosto de ler


Relação Respostas (n=69)
N.º %
Viciado na leitura 9 13,0
Gosto muito de ler 34 49,3
Gosto de ler de vez em quando 22 31,9
Gosto pouco de ler 3 4,3
Não gosto nada de ler 1 1,4

A comparação com Lages et al. (2007) faz ressaltar essa maior incli-
nação para o polo positivo, uma vez que nos resultados destes autores
os níveis Gosto pouco e Não gosto nada atingem quase um quarto
das respostas.

Relações entre as variáveis


Nesta secção, está em foco a procura de associação nos resultados
entre: i) a variável Sexo e variáveis relativas às práticas de leitura; ii) a
variável Intensidade do gosto de ler e igualmente variáveis relativas às
práticas de leitura e ao acesso ao livro.

— Diferenças entre os sexos?


O contraste entre rapazes e raparigas surge, no estudo, quanto ao nú-
mero de participantes: 49 raparigas (71%) e 20 rapazes (29%). Esta
maior adesão das raparigas ao projeto dos clubes de leitura está em
conformidade com os resultados de outros estudos que mostram uma
relação mais favorável com a leitura por parte das raparigas (cf. Lages
et al., 2007; OECD, 2010).

vol . 1(1), 2016 47


b a rbeiro & g a mboa

Na apresentação anterior de resultados, encontrámos um quadro


de diversidade em relação às práticas de leitura, ou seja, aderiram à
participação nos clubes de leitura do projeto Lectibe os estudantes que
já tinham uma relação favorável com a leitura, mas também jovens
cuja relação não era tão favorável. A questão que se coloca é se, quanto
aos rapazes que aderiram, existe uma diversidade correspondente ou
se a adesão se restringiu a um perfil, hipoteticamente mais favorável,
de relação com a leitura.
É essa possibilidade de existência de um quadro de distribuição de
resultados diferente do das raparigas que testámos, com recurso aos
valores dos testes estatísticos do qui-quadrado e do coeficiente de con-
tingência. Para a aplicação dos testes, procedemos, em alguns casos,
ao agrupamento de categorias, a fim de evitar a existência de células
com valores esperados inferiores a 5.
No quadro seguinte, apresentamos os valores dos testes estatísti-
cos relativos à associação entre a variável Sexo e variáveis relativas às
práticas de leitura: Intensidade do gosto de ler (com agrupamento das
duas categorias mais elevadas (Viciado + Gosto muito) e das três me-
nos elevadas (De vez em quando + Gosto pouco + Não gosto nada));
Frequência de leitura no tempo livre (com agrupamento das catego-
rias de menor frequência (Algumas vezes por mês + Algumas vezes
por trimestre + Quase nunca)); Horas de leitura por semana (com
agrupamento das categorias de menor frequência (Algumas vezes por
mês + Algumas vezes por trimestre + Quase nunca); Livros lidos no
último ano (com agrupamento das categorias de menor frequência (1
livro + 2 a 4 livros) e das categorias mais elevadas (> 12 livros).

Quadro 5 Associação à variável “Sexo”

“Sexo” x … χ2 C. contingência Sig.

Intensidade do gosto de ler χ2(1)=0,086 cc=0,035 p=0,769 ns

Frequência de leitura no TL χ2(2)=3,024 cc=0,205 p=0,220 ns

Horas de leitura por semana χ2(2)=0,371 cc=0,086 p=0,831 ns

Livros lidos no último ano χ2(3)=2,436 cc=0,185 p=0,487 ns

Observa-se, no Quadro 5, que nenhum dos valores dos testes estatís-


ticos é significativo. Por conseguinte, não é rejeitada a hipótese nula
correspondente à igualdade de distribuição entre raparigas e rapazes.

48 re v is ta de in v e s t ig aç ão em educ aç ão e c iênc i a s so c i a is
clube s de lei t ur a

Assim, a grande diferença, em termos do projeto Lectibe, entre rapazes


e raparigas reside na própria adesão aos clubes de leitura. Em relação
ao perfil dos rapazes que aderem, continuamos a encontrar a diversi-
dade que também caracteriza o grupo das raparigas. Quer em relação
às raparigas, quer em relação aos rapazes, a participação nos clubes de
leitura do projeto Lectibe não ficou restringida aos que já detêm uma
relação muito ou bastante favorável com a leitura.

— Diferenças nas práticas de leitura, em função da intensidade do


gosto de ler?
Passemos agora à análise da relação entre a intensidade do gosto de
ler e variáveis respeitantes às práticas de leitura e aos meios de acesso
ao livro. A relação que se espera com a frequência de leitura é positi-
va, pois a satisfação obtida tenderá a reforçar os próprios hábitos de
leitura. No entanto, poderá haver indicadores em que este efeito seja
atenuado. Em relação ao acesso, estará em foco se existe associação
entre os graus da intensidade do gosto de ler e o recurso a determina-
das vias de acesso.
No quadro seguinte, apresentam-se os resultados respeitantes às
associações referidas. Os agrupamentos de resultados apresentados
anteriormente mantiveram-se na presente análise. Em relação a outras
variáveis integradas no quadro, efetuaram-se igualmente os seguintes
agrupamentos, para realização dos testes estatísticos: Livros não esco-
lares em casa (agrupamento em três escalões: Até 50, Entre 51 e 200
e Mais de 200); Idas à biblioteca da escola, no último mês (agrupa-
mento do intervalo mais alto, 5 ou mais vezes, com o imediatamente
abaixo, 3 a 4 vezes); Idas à biblioteca municipal (agrupamento das
categorias adjacentes nos dois polos extremos).

Quadro 6 Associação à variável “Intensidade do gosto de ler”

“Intensidade do gosto de ler” x … χ2 C. conting. Sig.

Frequência de leitura χ2(2)=25,750 cc=0,525 p=0,000 ***

Horas de leitura por semana χ 2


(2)
=20,416 cc=0,538 p=0,000 ***

Livros lidos no último ano χ2(3)=14,397 cc=0,415 p=0,002 **

Leitura em férias χ 2
(2)
=13,712 cc=0,407 p=0,001 **

Existência de livros em casa χ2(2)=5,785 cc=0,280 p=0,055 •

Idas à biblioteca da escola χ 2


(2)
=0,012 cc=0,013 p=0,994 ns

Idas à biblioteca municipal χ2(3)=0,979 cc=0,118 p=0,806 ns

Acesso ao último livro χ 3)=18,623


2
cc=0,461 p=0,000 ***

vol . 1(1), 2016 49


b a rbeiro & g a mboa

Os valores do quadro mostram, em relação às práticas de leitura fora


da escola, que existe uma associação com a intensidade do gosto de
ler: os participantes que mais gostam de ler tendem a ser os que apre-
sentam maior frequência de leitura nos tempos livres, mais horas por
semana dedicam à leitura, mais livros leram no último ano e os que
aproveitam as férias para reforçar a sua prática de leitura. No que
diz respeito ao acesso aos livros, não existe essa tendência, de forma
tão pronunciada: o número de livros não escolares existentes em casa
encontra-se no limiar de significância, não apresentando uma asso-
ciação forte com a intensidade do gosto pela leitura. A ausência de
associação torna-se saliente em relação às idas à biblioteca, quer da
escola, quer municipal.
A associação da intensidade do gosto com a variável respeitante ao
acesso ao último livro mostra diferenças significativas na distribui-
ção. Estas manifestam-se no reforço, por parte dos estudantes com
maior intensidade de gosto, de vias como a compra (com contraste
de 28% vs. 23%, em relação aos que apresentam menor intensidade
de gosto), outras/oferta (com contrastes de 28% vs. 15%) e sobretu-
do da via do empréstimo (42% vs. 19%). Os estudantes com maior
intensidade de gosto conjugam, assim, diversas vias para acesso ao
livro, incluindo a compra, a oferta e a participação numa pequena
comunidade ou rede que recorre ao empréstimo mútuo. Esta última
via encontra-se muito mais arredada no caso dos alunos com menor
intensidade de gosto, pelo que estes participantes recorrem em maior
proporção à requisição na biblioteca (que representa 42% da origem
do último livro lido, que contrasta com 2%, no caso dos participan-
tes com maior intensidade de gosto).

Conclusões e implicações
A iniciativa de organizar um clube de leitura para jovens estudantes
do ensino secundário coloca, logo de início, as questões de saber
que jovens serão recetivos a essa iniciativa, tendo em conta a sua
relação com a leitura. Os resultados dos questionários aplicados, no
início do projeto Lectibe, mostram que a criação e dinamização de
clubes de leitura não foram entendidas como uma iniciativa exclu-
siva, ou seja, destinada aos alunos que detêm um gosto e uma de-
dicação de tempo à leitura acima dos colegas, por outras palavras,
uma iniciativa destinada aos “viciados” em leitura ou que gostam
muito de ler.

50 re v is ta de in v e s t ig aç ão em educ aç ão e c iênc i a s so c i a is
clube s de lei t ur a

A diversidade constitui a maior conclusão do questionário. En-


contramos essa diversidade, nomeadamente, em relação a indicado-
res como a leitura no tempo livre, o número de livros lidos no último
ano, a perceção de si próprio como leitor, quanto ao nível de dedi-
cação à leitura e à intensidade do gosto de ler, para além de outros
indicadores cujos resultados não foram aqui apresentados, como as
horas semanais dedicadas à leitura, o gosto pelos diversos géneros,
a quantidade de livros existentes em casa, as idas à biblioteca da
escola ou municipal. Em muitos destes aspetos, a diversidade encon-
trada reflete, em traços gerais (embora apresentando uma tendência
de reforço dos polos positivos), a diversidade que outros estudos,
baseados em amostras representativas, encontraram para a popula-
ção mais alargada, como o de Lages et al. (2007), para o contexto
português. A abertura a essa população, ou seja, à sociedade, cons-
titui um objetivo para os clubes de leitura. E constitui uma primeira
implicação dos resultados. Mesmo considerando as limitações dos
resultados, devido à não representatividade da amostra, a diversida-
de constitui um eixo em relação ao qual os dinamizadores deverão
refletir, tendo em conta os participantes concretos que fazem parte
do clube de leitura.
A diversidade de perfis faz com que encontremos, de forma natural,
entre os participantes nos clubes de leitura do projeto Lectibe, os estu-
dantes que já detêm uma relação favorável com a leitura. A participa-
ção surge para estes participantes como um meio de confirmação da
sua relação com a leitura (que, aqui, ganha um significado de desenvol-
vimento e aprofundamento, no seu processo de construção enquanto
leitores). Mas a diversidade também faz com que encontremos muitos
participantes à procura, precisamente, de desenvolverem a sua relação
com a leitura para níveis de maior frequência e satisfação, ou seja, o
clube de leitura constitui-se como um lugar de conquista de uma rela-
ção favorável com a leitura.
Como reflexo dos perfis de leitores encontrados na sociedade,
existe uma proporção mais elevada de participantes do sexo femi-
nino, cuja relação mais favorável com a leitura tem sido descrita
por variados estudos (OCDE, 2010; Lages et al., 2007). Contudo,
mesmo em relação aos rapazes, não se encontra, entre os partici-
pantes, um perfil restrito de relação com a leitura. Poderemos dizer
que o desafio, em relação aos rapazes, consistirá em obter a sua
adesão, pois a diversidade de perfis pode constituir a base para a
sua participação.

vol . 1(1), 2016 51


b a rbeiro & g a mboa

As implicações da diversidade para o funcionamento dos clubes de


leitura são variadas. Desde logo, deverá alertar o responsável ou di-
namizador do clube para a necessidade de conhecer os participantes
e os seus perfis de relação com a leitura. Depois, no que diz respeito
ao funcionamento do clube de leitura, poderá implicar a adoção de
estratégias que tenham em conta essa diversidade. O objetivo é que
todos encontrem e façam o seu caminho de desenvolvimento da rela-
ção com a leitura, em partilha e interação, segundo os seus objetivos,
sabendo-se que os pontos de partida poderão ser diferentes. Na lei-
tura de um livro concreto e na sua partilha possibilitada pelo clube,
todos poderão dar a sua perspetiva e enriquecer a diversidade de con-
tributos, a partir da forma como cada um estabelece a relação com o
livro que está a ser lido e a partir do que mobiliza da sua experiência,
que é pessoal, para estabelecer essa relação.

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vol . 1(1), 2016 53


Uma profissionalidade
reclamada no 1º ciclo
do ensino básico

Paulo Pimenta
[email protected]
Agrupamento de Escolas de Carvalhos, Ministério da Educação

Fátima Pereir a
[email protected]
Centro de Investigação e Intervenção Educativas (CIIE), Universidade do Porto

Resumo
O estudo decorre de um processo de reflexão crítica dos seus autores so-
bre as reconfigurações que ocorrem na profissionalidade docente, num
contexto de modernidade tardia.
Utilizando como material empírico reflexões individuais escritas e dis-
cursos orais produzidos em grupo no desenvolvimento de um conjunto
de sessões de reflexão sobre a prática, envolvendo professoras do 1º ci-
clo do ensino básico (CEB) num agrupamento de escolas, orientadas por
um dos investigadores, os autores tentam compreender quais os sentidos
que a autonomia profissional está a tomar e como se está a reconfigurar o
papel do profissional reflexivo.
Na interpretação de dados ficou patente que as professoras refletem
sobre diversos temas e problemas para resolver situações que estão
muitas vezes relacionadas com uma racionalidade técnica. No entanto, a
reflexão é usada igualmente em situações que envolvem preocupações
pedagógicas, éticas, culturais e de desenvolvimento pessoal, fundadas na
sua prática pedagógica, e que legitimam opiniões marcadas sobre as mais
diversas temáticas.

55
r e v is ta de in v e s t ig aç ão em educ aç ão e c iênc i a s s o c i a is

Como conclusão fica patente que o grupo profissional dos professo-


res do 1.º CEB poderá assumir-se como agência através das suas reflexões
fundadas no calor da prática e que lhe conferem uma identidade própria,
rejeitando os discursos sobre eles, passando eles próprios a ser os por-
tadores da sua própria narração, tendo em vista uma oportunidade de
mudança.
Palavras-chave Reflexão, trabalho colaborativo, 1.º CEB.

Abstract
The study follows a process of critical reflection on the reconfigurations
that occur in the teaching profession in the context of late modernity.
Using as empirical reflections individual written and oral discourses
produced in groups in the development of a set of reflection sessions on
the practice involving teachers of the elementary education of a group
of schools in which one of the authors was a supervisor/counselor, the au-
thors try to understand which ways the professional autonomy is taking
and how the role of the reflective practitioner is changing. The reflection
sessions were held every two weeks between October and February.
As far as data interpretation is concerned, it was clear that teachers
reflect on several issues and problems so as to deal with situations of-
ten related with a technical rationality. However, reflection is also used in
situations involving pedagogical, ethical, cultural and personal develop-
ment concerns grounded in their teaching practices that make possible
strong opinions on different topics.
As a final reflection it seems that the group of teachers of elemen-
tary education can be assumed as an agency through their reflections
grounded in the heat of practice granting it its own identity, rejecting the
speeches about them and becoming themselves the carriers of their own
narration, aiming the opportunity to change.
Keywords: Reading, reading club, reader profile, books.
um a profis sion a lida de recl a m a da

Introdução

Nas últimas décadas do século passado, e especialmente nos primeiros


anos deste novo século, as sociedades modernas revelam grandes mu-
danças apresentando um fenómeno apelidado de “globalização” (cf.
Giddens, 1998; Santos, 2001).
Concomitantemente, o poder do próprio Estado foi igualmente al-
terado segundo três eixos de transformação: o consenso do Estado
fraco, da democracia liberal e do primado do direito e do sistema
judicial. Estas alterações resultam na desnacionalização do Estado, na
desestatização dos regimes políticos e na internacionalização do Esta-
do nacional (Santos, 2001).
Com estas mudanças em operação, os sistemas educativos mu-
dam igualmente, afetando a profissionalidade dos professores do 1º
Ciclo do Ensino Básico (1.º CEB) que tem vindo a sofrer também
inúmeras alterações.
Assim, interessa conhecer o impacto que as políticas educativas es-
tão a ter no desenvolvimento da profissionalidade dos professores do
1.º CEB. Será que estamos a caminhar no sentido de uma autonomia
profissional ou a cair numa teia tecnicista, na qual a racionalidade
técnica, meramente reprodutiva, predomina? Neste imbricado de ato-
res e políticas, qual é afinal o papel do profissional reflexivo? Houve
alterações? Como se estão a reconfigurar?
Este artigo está estruturado em torno das possibilidades da reflexão co-
laborativa no trabalho dos docentes. Assim, num primeiro momento são
apresentadas as alterações e reconfigurações do “modelo escolar” (Cor-
reia & Matos, 2001), da escola e na profissionalidade docente no 1.º CEB.
Num segundo momento são apresentados os resultados do trabalho rea-
lizado. Num último momento são apresentadas as conclusões do mesmo.

Contexto da modernidade tardia e da reconfiguração da escola


Nas últimas décadas do anterior milénio, assistimos a profundas alte-
rações no “modelo escolar” (Correia & Matos, 2001).
Por um lado, o “modelo escolar” alterou-se, de facto, profundamen-
te devido à radical reconfiguração das profissões em virtude da muta-
ção da natureza do trabalho. Por outro lado, segundo Stoer, Rodrigues
e Magalhães (2003), está em curso uma importante reconfiguração do
contrato social moderno, na qual os “indivíduos e grupos cuja dife-
rença foi durante esse período delimitada, dita e ativada a partir da

vol . 1(1), 2016 57


pimen ta & pereir a

cidadania fundada no Estado-nação assumem-se crescentemente como


alteridade, com assunção da sua própria voz e de voz própria” (p. 207).
Os sujeitos reclamam de volta o que tinham endereçado anterior-
mente ao moderno contrato social com o Estado.
No decurso desta transformação “o Estado-nação, cuja principal
característica é, provavelmente, a territorialidade, converte-se numa
unidade de interação relativamente obsoleta, ou pelo menos, relativa-
mente descentrada” (Santos, 1993, p. 18).
Somando a tudo isto, a crescente transferência de soberania para
entidades supranacionais, como a União Europeia, enfraquece o senti-
mento de pertença a um determinado Estado-nação.
Curiosamente e de uma forma paradoxal, à medida que se insta-
bilizam os alicerces da escola, é ainda a esta que se tem endereçado
o mandato para resolver os problemas sociais que originaram a sua
própria instabilização.
Este novo mandato está fundado, por um lado, como referem
Correia e Matos (2001), na “emergência de uma nova meritocra-
cia, que faz depender a resolução dos problemas sociais da mobi-
lização das vontades individuais e estas da posse de competências
adequadas que a escola é chamada a transmitir” (Correia & Ma-
tos, 2001, p. 92).
A meritocracia tem as suas raízes num “renovado mandato para o
sistema educativo da nova classe média” (Magalhães & Stoer, 2005,
p. 31), a qual insiste numa pedagogia alicerçada na transmissão de
competências visando uma melhor qualificação académica, tentando
escapar a uma tendência geral de desqualificação do trabalho.
Ainda, esta reconfiguração da cidadania, do mercado de trabalho e
do Estado-nação origina um confronto de legitimidades e de justifica-
ções que interagem e interpenetram provocando tensões.
Como vimos anteriormente, com a crescente transferência de so-
berania para entidades supranacionais como a União Europeia, e
como refere Santos (2001), com “a subordinação dos Estados nacio-
nais às agências mundiais tais como o Banco Mundial, o Fundo Mo-
netário Internacional (FMI) e a Organização Mundial do Comércio”
(Santos, 2001, p. 37), as políticas educativas nacionais são cada vez
mais ditadas através de um receituário comum emanado de diversas
entidades e agências supranacionais.

58 re v is ta de in v e s t ig aç ão em educ aç ão e c iênc i a s so c i a is
um a profis sion a lida de recl a m a da

Contexto da necessidade de uma mudança


na profissionalidade docente
A transformação do sistema educativo em mercadoria afeta igualmen-
te os docentes ao nível do trabalho desempenhado, das suas relações
interpares e sociais.
Em primeiro lugar, como vimos anteriormente, há a tendência de
descentralização das responsabilidades do poder central. Em segun-
do lugar, promove-se uma desregulação dos locais de trabalho. Assim,
“pretende-se que os locais de trabalho docente sejam flexíveis, sujeitos a
menos normas e regulamentos provenientes da administração. Outor-
ga-se, em teoria, uma maior autonomia do professorado para o design
curricular, ainda que a posteriori a administração para controlar se
sirva dos órgãos de inspeção (…)” (Santos, 2001, p. 37).
Uma terceira característica é o descentralismo. Santomé (2000) re-
fere que, com o objetivo de controlar as escolas e as aulas remete-se
às famílias a capacidade de aplicar às escolas as suas próprias agendas
e a escolha das mesmas. Uma última caraterística é a colegialidade
competitiva. Como menciona Santomé (2000), existe um real estímulo
da competitividade entre professores, professoras e escolas. Assim, me-
diante estas características e como refere Pacheco (2011), “a globaliza-
ção favorece a emergência de identidades ligadas a contextos de ensino
mais marcados a questões técnicas (gestão da sala de aula, conheci-
mento da disciplina, resultados dos testes dos alunos) do que pelas
questões de natureza pessoal, profissional, social e emocional” (p. 22).
De facto, o trabalho dos professores assim caracterizado aponta,
como refere Domingo (2003), para uma profissionalidade “na qual a
função do docente fica reduzida ao mero cumprimento das prescrições
externamente determinadas, perdendo de vista o conjunto e controlo
sobre a sua tarefa.” (Domingo, 2003, p. 19).
Mas então que caminhos devem ser investigados e trilhados para
contrariar o tipo de profissionalidade que caracterizámos anterior-
mente e que induzam a uma educação emancipatória, possibilitando
aos docentes uma autonomia real que, como refere Pereira (2010), pos-
sa ultrapassar a “crise profunda que tem instabilizado os dispositivos
tradicionais de regulação moderna e deslegitimado as práticas e os
saberes educativos (…)” (p.126).
A profissionalidade descrita anteriormente está próxima do concei-
to de atividade técnica concebida por Aristóteles (2009). Assim, inte-
ressa recuperar o conceito de atividades práticas, uma vez que desfoca
a atenção na técnica, para a concentrar nas atividades práticas.

vol . 1(1), 2016 59


pimen ta & pereir a

Por um lado, como vimos, a profissionalidade está intimamente liga-


da à penetração de uma racionalidade instrumental em esferas de deci-
são onde deveria vigorar uma racionalidade comunicativa. Desta forma,
a racionalidade instrumental deverá ser interpelada para dar lugar a
uma racionalidade comunicativa em que as pessoas interagem e, através
da utilização da linguagem, se organizam socialmente, buscando o con-
senso de uma forma livre de toda a coação externa e interna (Habermas,
1990). Por outro lado, como este tipo de profissionalidade se impõe sobre
os professores quase sem estes poderem interpelá-la, interessa resgatar
o(a) professor(a), dando-lhe a possibilidade de argumentar, de refletir,
de discutir com os seus pares sobre a sua própria profissionalidade. Para
tal, interessa convocar em Giddens o conceito de dualidade da estrutura
(1984) e de reflexividade (1996), no sentido em que permite ao professor
alterar a sua prática profissional em função da informação e reflexão
que vai acumulando através dessa mesma prática. Neste sentido, a prá-
tica é um local por excelência da produção, mobilização e transmissão
de competências, no qual os práticos são detentores de saberes.
Para ultrapassar estas ambiguidades, Schön (2000) propõe uma
inversão.

A questão do relacionamento entre competência profissional


e conhecimento profissional precisa ser virada de cabeça para
baixo. Não deveríamos começar perguntando de que forma
podemos fazer melhor uso do conhecimento oriundo da pesquisa,
e sim o que podemos aprender a partir de um exame cuidadoso
do talento artístico, ou seja, a competência através da qual os
profissionais realmente dão conta de zonas indeterminadas da
prática. (Schön, 2000, p. 22)

Um autor que tenta congregar todos os aspetos acima elencados é Kor-


thagen (2001). Este autor aposta numa dupla dimensão, por um lado,
numa contínua comutação entre a teoria (conhecimento transferido
dos peritos) e a prática (aprendizagem auto-direcionada do professor
ou professora), no entanto, a tónica deverá permanecer na prática.
Este modelo permite uma importante dupla implicação dos parti-
cipantes, por um lado, o objeto de estudo é interpelado pelos próprios
e, por outro lado, são implicados pelo objeto de estudo. Como referem
Lopes e Pereira (2004), esta caraterística permite, “a capacidade de os
autores sociais construírem uma narração sobre a realidade e simulta-
neamente se definirem nessa realidade” (p. 120).

60 re v is ta de in v e s t ig aç ão em educ aç ão e c iênc i a s so c i a is
um a profis sion a lida de recl a m a da

Desta forma, a reflexão sobre a ação das participantes revestiu-se


de uma grande importância, uma vez que, como referem Lopes e Pe-
reira (2004) permitiu “um trabalho discursivo de clarificação e organi-
zação dos saberes profissionais, implicado na produção de dispositivos
de intervenção” (p. 128). Por outro lado, como refere Pereira (2001), as
dinâmicas de investigação desenvolvidas nas escolas possibilitam ou-
tros reajustes entre os discursos teóricos e os discursos práticos, bem
como a produção de novos sistemas de ação que visam a transforma-
ção da educação.

Metodologia
Com o objetivo de conhecer o impacto que as políticas educativas es-
tão a ter no desenvolvimento da profissionalidade dos professores do 1.º
CEB foram elaboradas algumas questões iniciais. Será que estamos a
caminhar no sentido de uma autonomia profissional ou a cair numa teia
tecnicista, na qual a racionalidade técnica, meramente reprodutiva, pre-
domina? Neste imbricado de atores e políticas, qual é afinal o papel do
profissional reflexivo? Houve alterações? Como se estão a reconfigurar?
Para tentar esclarecer e discutir as questões levantadas, importa,
por um lado desenhar um caminho que permita articular uma praxis
científica que dê conta e reconheça as práticas dos professores e, por
outro lado que os resultados da investigação indiciem algumas possi-
bilidades em termos de alternativas no domínio da profissionalidade e
da sua relação com os processos de formação contínua.
Desta forma foi elaborada uma metodologia qualitativa alicerça-
da em aspetos ontológicos, metodológicos e epistemológicos tendo em
vista as caraterísticas do campo educativo.
Neste trabalho partimos da assunção que o conhecimento abissal(1)
tem inúmeras implicações na praxis científica em educação, em espe-
cial, no silenciamento a que tem sido remetida devido à dificuldade em
se apropriar do método científico para produzir conhecimento cienti-
ficamente “válido”; É necessário, por isso, desenvolver uma conceção
que permita a desocultação da praxis científica em educação, assente
num pensamento pós abissal(2) e numa ecologia de saberes(3), que per-
mita dar voz e reconhecimento a estas práticas.
Para além das questões relacionadas com a epistemologia, interessa
congregar um arquétipo ético uma vez que, “o paradigma a emergir
(…) não pode ser apenas um paradigma científico (o paradigma de um
conhecimento prudente), tem de ser também um paradigma social (o
paradigma de uma vida decente) (Santos, 2002, p.71).

vol . 1(1), 2016 61


pimen ta & pereir a

Importa referir que este paradigma congrega em si uma integração


entre as dimensões de ação(4) (micro) e estrutura(5) (macro) das práticas
sociais dos indivíduos. Estes, ao se expressarem como atores, engajam-
-se na prática social usando a linguagem e, mediante esta, produzem a
consciência(6) (reflexividade) e a estrutura.
Através da reflexividade, o ator humano torna-se auto consciente e
detentor do controlo do fluxo das suas atividades.
Emerge, assim, um conhecimento “não científico” que deriva do
real e intervém no real. Este “aparece como uma refundação radical da
relação entre o epistemológico, o ontológico e o ético-político, a partir,
não de uma reflexão centrada na ciência, mas em práticas, experiên-
cias e saberes que definem os limites e as condições em que um dado
modo de conhecimento pode ser «traduzido» ou apropriado em novas
circunstâncias, sem a pretensão de se constituir em saber universal.”
(Nunes, 2008, p. 66).
Assim, estas dimensões encontram-se imbricadas uma na outra
num processo dialético, no qual toda a ação social implica estrutura e
toda a estrutura implica ação social.
Desta forma, como primeira característica deste paradigma, inte-
ressa atribuir a primazia ao “conhecimento-emancipação”(7) em de-
trimento do “conhecimento-regulação”(8) para aceitar e valorizar, por
um lado o caos(9), aqui assumido como a falta de controlo sobre as
imprevisíveis consequências das ações produzidas pelos indivíduos e
pelas sociedades. O que nos remete para a suspeita do mérito da ação
visando a ideia de causa-efeito.
Uma segunda característica deste paradigma é a inexistência da dis-
tinção entre sujeito e objeto, remetendo para uma criação do próprio
conhecimento tornando-se autoconhecimento e autobiográfico. “um
conhecimento compreensivo e íntimo que não nos separe e antes nos
una pessoalmente ao que estudamos” (Santos, 2002, p.80).
Uma terceira característica advém do facto da aproximação às hu-
manidades, ou seja, ao invés de manipular o mundo interessa antes
compreendê-lo. Aproximando-se assim a criação do conhecimento
da criação artística revalorizada através de uma racionalidade esté-
tico-expressiva.
Por último, interessa perceber que este paradigma não almeja subs-
tituir o paradigma anterior de forma hegemónica pairando sobre o
senso comum, pretende o seu retorno reinventando-o.
Assim, a partir de um processo de auscultação de interesse em par-
ticipar na formação de um grupo de reflexão sobre a prática, foram

62 re v is ta de in v e s t ig aç ão em educ aç ão e c iênc i a s so c i a is
um a profis sion a lida de recl a m a da

identificadas seis professoras de um agrupamento de escolas do conce-


lho de Vila Nova de Gaia a lecionar no primeiro ciclo do ensino básico
(CEB) com diferentes tipos de formação inicial (magistério primário,
licenciatura em professores do 1.º CEB e licenciatura em professores do
2º CEB), diferentes tempos de serviço (entre 11 e 28 anos), composição
de turmas (um ano e vários anos de escolaridade), número de alunos
(entre 16 e 24) e diversidade das escolas (escolas entre 3 e 11 turmas).
O grupo desenvolveu a sua ação de reflexão mediante um processo
cíclico que envolveu a ação propriamente dita, na qual as participan-
tes desenvolveram as suas práticas pedagógicas com os alunos. Num
segundo momento, as participantes refletiram sobre as suas práticas
semanais em suporte escrito. Num terceiro momento, as professoras
reuniam-se, quinzenalmente, onde analisavam esses registos, refletiam
e discutiam perspetivas pedagógicas, e planificavam a prática docente.
Por vezes, foram convidadas a participar nestas sessões de grupo
algumas formadoras e colegas de outros ciclos de ensino, como con-
tributo para enriquecer a reflexão e a organização do trabalho peda-
gógico. As sessões de grupo serviram, igualmente, para conhecer e
aprofundar alguns contributos teóricos sobre o profissional reflexivo e
a supervisão pedagógica.
A opção pelo uso de diferentes suportes escritos neste trabalho (no-
tas de campo e textos escritos de trabalho) decorre, por um lado, do
paradigma qualitativo em que nos inserimos, no qual usa o investiga-
dor para recolher dados “necessários para pensar de forma adequada e
profunda acerca dos aspetos da vida que pretendemos explorar.” (Bog-
dan & Biklen, 2010, p. 177).
Por outro lado, os escritos de trabalho são profundamente usados
no campo da formação de professores, em especial, ao investigar o
trabalho dos professores no terreno, mais conhecido como modelo de
investigação em prática desenvolvido por Donald Schön.
Este modelo permite, através da fixação escrita, amarrar um tra-
balho que muitas vezes é “fluido e invisível” (Lopes & Pereira, 2004:
110) para através da sua análise percecionar os progressos alcançados
nas suas práticas.
Através destas narrações podemos encontrar uma forma de reivin-
dicação da sua própria voz como participantes numa realidade educa-
tiva que é comum, na qual todos os participantes estão implicados. É
necessário, por isso, desenvolver uma “comprensión de las voces de los
professores (…) que supone la recuperación de la subjetividade y de la
voz de los sujetos como tales (…)” (Flores & Pastor, 2009, p. 26).

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pimen ta & pereir a

Assim, o estudo das narrativas desafia duplamente a epistemo-


logia abissal, uma vez que, por um lado, se propõe estudar o real
partindo do caráter singular de cada caso, atribuindo à lógica dos
escritos uma forma de experimentar o real recuperando “o estatuto
epistemológico do sujeito, colocando-o ao serviço de metodologias
que não receiem a contaminação do investigado pelo investigador”
(Vieira & Moreira, 2011, p. 26).
A escolha da realização de um grupo de discussão focalizada no
final das sessões de trabalho está relacionada com a necessidade de re-
colher informação baseada nas questões, conceitos, enquadramentos e
prioridades dos próprios participantes na investigação que não tenham
sido convenientemente aprofundados durante as sessões de trabalho.

Resultados/Discussão
Através dos dados obtidos podemos constatar que, uma grande parte
das reflexões realizadas pelas professoras refere-se a interações entre
elas e os alunos; entre as professoras e os seus pares e, finalmente, entre
as professoras e a família dos alunos.
As interações caracterizam-se por assentarem num processo de in-
dagação focalizado nos alunos, mais especificamente, nas interações
com estes como forma de apreender os processos de aprendizagem que,
por sua vez, remetem para novas questões e novas ideias num processo
contínuo que leva em consideração outras opiniões como, por exem-
plo, outros atores da comunidade educativa. Este facto poderá apontar
para uma característica fundamental do trabalho destas docentes que
é a interatividade.
As reflexões realizadas apresentaram um caráter dual alicerçado em
torno de dois eixos: um eixo técnico e um eixo emancipatório.
Se por um lado constatamos que as reflexões apresentaram uma
vertente técnica muito acentuada, ou seja, as reflexões serviram, em
larga medida, para apresentar respostas a problemas técnicos da práti-
ca pedagógica e da avaliação de aprendizagens sem, no entanto, apre-
sentarem uma perspetiva de mudança; por outro lado, verificamos que
as professoras refletiram sobre situações que originaram questiona-
mento pessoal e que por sua vez despoletaram mudanças pessoais so-
bre práticas pedagógicas e ideias anteriormente concebidas.
Assim, a atitude das participantes oscilou entre uma profissiona-
lidade reflexiva mitigada, uma vez que tentaram reproduzir práticas

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um a profis sion a lida de recl a m a da

sugeridas por pesquisas de outros profissionais, tentando ajustar os


meios aos fins propostos por outrem, e uma profissionalidade reflexiva
crítica sobre os propósitos de ensino e sobre a sua própria condição de
professoras do 1.º CEB.
Um terceiro aspeto interessante deste estudo decorre da centra-
lidade do ato reflexivo. Através da legitimação das suas próprias
reflexões, as participantes deste estudo reclamam para elas próprias o
direito a ter uma palavra, a dizer sobre quase todos os aspetos da sua
profissionalidade e da organização escolar.
A legitimidade conferida pela “epistemologia da prática” parece
congregar uma identidade de professora do 1.º CEB. Este tipo de atitu-
de parece emergir a partir das diferentes interações que se vão tecendo
e posterior consumação nas diferentes reflexões realizadas.
Estes factos são muito interessantes, aparentemente, à medida que
a legislação constrange e regula a ação das professoras, através das
diferentes peças de legislação, metas curriculares e programas euro-
peus, emanados pela tutela ou por influência de instituições europeias
ou multinacionais (Afonso & Costa, 2009) que lhes subtrai tempo,
recursos e as amordaça, as professoras apoiaram-se nas suas reflexões
para legitimar uma posição de colaboradora, através de reflexões téc-
nicas, visando a melhor metodologia para atingir os objetivos pro-
postos. Por outro lado, as suas reflexões permitiram legitimar uma
posição contestatária e de oposição, refletindo tomadas de posição
individuais ou grupais sobre quase todos os aspetos da vida escolar.
Estas posições das professoras revelam uma tomada de consciência
em torno de uma identidade de professoras do 1.º CEB que interessa
defender e preservar.
No entanto, esta oposição aparenta estar de acordo com os tempos
da modernidade tardia.
Aparentemente, à medida que se altera a natureza do mercado de tra-
balho, se reconfigura do contrato social moderno, se virtualiza o territó-
rio, se projetualiza a identidade (Stoer et al., 2003) e se mandata a escola
para lidar com os diversos problemas sociais através da aquisição de
competências (Correia & Matos, 2001), as respostas das profissionais
às dificuldades e constrangimentos que encontram na sua profissionali-
dade fundam-se numa crescente reflexividade.
A análise permite inferir que as reflexões das professoras partici-
pantes neste estudo apresentam características de reflexividade, uma
vez que, as suas práticas se foram alterando e reformulando em função
da informação que adquiriram sobre elas.

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pimen ta & pereir a

Assim, a reflexividade capacita os sujeitos. Lash (2000) refere que


“Em primeiro lugar, (…) é uma teoria do poder continuamente crescen-
te dos atores sociais, ou da ‘agência’, em relação à estrutura” (p. 106).
É, igualmente, no contexto da reflexividade que as afirmações
sobre a identidade das professoras podem ser entendidas.
Assim, talvez partindo das suas reflexões as professoras estejam a
construir as suas próprias biografias permitindo, como refere Lash
(2000) um “‘forte programa’ de individualização. (…) em que o ‘eu’
está cada vez mais libertado de laços comunais e está apto a construir
as suas próprias narrativas biográficas” (p. 106).
Este programa de individualização que se apresenta, como refere
Beck (2000) a outra face da globalização, não termina na esfera priva-
da das pessoas, estende-se e torna-se subpolítico, permitindo aos gru-
pos passarem a ter voz.
Beck (2000) refere que ao surgir a “subpolitização existem opor-
tunidades crescentes para os grupos até aqui afastados do processo
de tecnização e industrialização passarem a ter voz e vez no processo
de organização da sociedade: cidadãos, opinião pública, movimentos
sociais, grupos de peritos, os trabalhadores no seu local de trabalho”
(…) (p. 23).
Este trabalho apresenta uma lógica de formação interpretada e
reclamada pelas próprias participantes. Podemos constatar através
desta investigação que a formação não tem de trilhar projetos for-
mais definidos centralmente. Assim, as docentes são capazes de guio-
nar a sua própria formação com dinâmicas e metodologias próprias,
parece ser possível desenvolver uma cultura profissional capaz de de-
senvolver e transmitir uma identidade própria dos professores do 1.º
CEB, desta vez liberta das amarras do discurso oficial, alicerçada nas
práticas e na reflexão produzida por eles próprios.
No entanto, fica a sensação que este desiderato terá que surgir,
por um lado, na margem do sistema, no qual são indefinidos os con-
tornos dos binómios facto/opinião e sujeito/objeto; por outro lado, e
mais importante, a alteração dos critérios de cientificidade que per-
mita a experimentação a grupos que tradicionalmente estiveram fora
dos critérios de verdade da ciência moderna.
O grupo profissional dos professores do 1.º CEB poderá assumir-se
como agência através das suas reflexões fundadas no calor da prática
e que lhe conferem uma identidade própria, rejeitando os discursos
sobre eles, passando eles próprios a ser os portadores da sua própria
narração, tendo em vista uma oportunidade de mudança.

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um a profis sion a lida de recl a m a da

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um a profis sion a lida de recl a m a da

Notas
1. No campo do conhecimento, o pensamento abissal consiste na concessão à
ciência moderna do monopólio da distinção universal entre o verdadeiro e o
falso (Santos, 2007, p. 5).

2. “O pensamento pós abissal pode ser sumariado como um aprender com o Sul
usando uma epistemologia do Sul. Confronta a monocultura da ciência mo-
derna com uma ecologia de saberes. É uma ecologia, porque se baseia no
reconhecimento da pluralidade de conhecimentos heterogéneos (sendo um
deles a ciência moderna) e em interações sustentáveis e dinâmicas entre eles
sem comprometer a sua autonomia.” (Santos, B.2007, pp. 22-23).

3. Expressão cunhada por Santos (2007) que busca, por um lado a credibilida-
de para os conhecimentos não científicos “explorando a pluralidade interna
da ciência, isto é, as práticas científicas alternativas que se têm tornado visí-
veis através das epistemologias feministas e pós coloniais e, por outro lado
de promover a interação e a interdependência entre os saberes científicos e
outros saberes, não científicos.”.

4. O termo ação refere-se a um nível micro, aos atores humanos individuais


conscientes e criativos (Ritzer, 1993).

5. O termo estrutura pode referir-se a coletividades, culturas e a grandes estru-


turas sociais (Ritzer, 1993).

6. O termo reflexividade é aqui entendido como “o facto de as práticas sociais


serem constantemente examinadas e reformadas à luz da informação adqui-
rida sobre essas mesmas práticas…” (Giddens, 1996).

7. “O conhecimento-emancipação é uma trajetória entre um estado de igno-


rância que designo por colonialismo e um estado de saber que designo por
solidariedade.” (Santos, 2002, p. 74).

8. “O conhecimento-regulação é uma trajetória, um estado de ignorância que


designo por caos e um estado de saber que designo por ordem.” (Santos,
2002, p.74).

9. Caos é “concebido como ordem no interior dos sistemas caóticos já que


dispõem de estruturas profundas de ordem” (Santos, 2002, p. 74)

vol . 1(1), 2016 69


A relação com a família:
uma experiência em contexto
de Jardim-de-Infância

Ana Paul a Abel


Instituto Politécnico de Leiria – Escola Superior de Educação e Ciências Sociais

Sónia Correia
Instituto Politécnico de Leiria, Núcleo de Investigação e Desenvolvimento em
Educação (NIDE), Grupo Projeto Creche (GPC)

Isabel Simões Dias


Instituto Politécnico de Leiria, Centro de Investigação em Qualidade de Vida
(CIEQV), Núcleo de Investigação e Desenvolvimento em Educação (NIDE), Grupo
Projeto Creche (GPC)

Resumo
Adotando uma metodologia qualitativa, o presente estudo apresenta
as aprendizagens que as crianças realizaram com a participação de um
familiar (pai de uma das crianças do grupo) no projeto “Os Faróis”, re-
alizado com 22 crianças (com idades compreendidas entre os 5 e os 6
anos) de um Jardim-de-Infância da rede pública da zona centro de Por-
tugal. Os dados dos registos pictóricos realizados pelas crianças foram
sujeitos a uma análise de conteúdo que revelou que as crianças, com a
participação da figura parental, aprenderam sobre as caraterísticas e
funcionalidades dos faróis. Estes dados corroboram o papel da relação
escola-família no processo de aprendizagem das crianças em Educação
Pré-Escolar e sustentam a pertinência do trabalho colaborativo numa
lógica de metodologia de trabalho de projeto.
Palavras-chave Educação de infância, metodologia de trabalho de pro-
jeto, relação escola-família

71
a bel , correi a & di a s

Abstract
Adopting a qualitative methodology, this study presents the learning
acquired by children with the participation of a family member (father
of one of the children in the group) in the project “The Headlights”, con-
ducted with 22 children (aged 5 and 6 years) of a public kindergarten
from central Portugal. The data collected from the pictorial records
made by the children were subjected to a content analysis revealing that
children, with the participation of the parental figure, learned about the
features and functionality of the headlights. These data corroborate the
role of the school/family relationship in the learning process of children
in Pre-School Education, and support the relevance of collaborative work
in a logical methodology for project work.
Keywords: Child education, project work methodology, school / family
relationship.

Introdução

No âmbito da unidade curricular de Prática Pedagógica em Jardim-


-de-Infância, do Mestrado em Educação Pré-Escolar da Escola Supe-
rior de Educação e Ciências Sociais do Instituto Politécnico de Leiria
(ESECS-IPL), ano letivo 2012-2013, tivemos oportunidade de expe-
rienciar a metodologia de trabalho de projeto, desenvolvendo com
as crianças de um Jardim-de-Infância da rede pública da Marinha
Grande, o projeto intitulado “Os Faróis”. Este projeto envolveu as
crianças, os pais/família, os docentes e os futuros docentes, levando-
-nos a questionar o significado do envolvimento da família ao nível
das aprendizagens das crianças. Assim, o presente estudo procura
apresentar o tipo de participação desenvolvida no projeto pelo pai de
uma das crianças do grupo no projeto e as aprendizagens que estas
concretizaram com a sua participação.

Desenvolvimento e aprendizagem das crianças entre os 5 e 6 anos


O trabalho docente no âmbito da Educação Pré-Escolar solicita um
conhecimento aprofundado das características de desenvolvimento
e aprendizagem das crianças nestas idades. Sabendo que o desen-
volvimento e a aprendizagem são processos que se complementam
(Tavares, Pereira, Gomes, Monteiro, & Gomes, 2007), defendemos,
com Papalia, Olds e Feldman (2001), que o desenvolvimento é um

72 re v is ta in v e s t ig aç ão em educ aç ão e c iênc i a s so c i a is
a rel aç ão com a fa míli a

processo resultante da maturação biológica do ser humano e da inte-


ração que o próprio estabelece com o meio envolvente. Partindo desta
característica do desenvolvimento, cada criança é vista como autora
do seu próprio desenvolvimento, uma vez que se vai adaptando tendo
em conta os seus fatores biológicos e contextuais. Conforme refere
Gesell, Ilg e Ames (1979), “reconhecemos, sem dúvida, que o factor
de individualidade é tão poderoso que não há duas crianças, duma
determinada idade, que sejam exactamente similares” (p. 30).
O desenvolvimento humano é um processo holístico e faseado,
isto é, ocorre de forma gradual e em diferentes domínios que cons-
tituem o indivíduo. Papalia et al. (2001) referem que esses domínios
do desenvolvimento podem ser categorizados segundo três níveis:
o desenvolvimento físico-motor, cognitivo e psicossocial. Dol-
le (1997), por sua vez, refere que o desenvolvimento humano (da
criança) ocorre num conjunto de fases/estádios, que contêm crité-
rios definidos. Estas fases ocorrem numa sequência na qual cada
sujeito tem o seu próprio ritmo. Ao passar de uma fase para outra,
a criança vai adquirindo uma maior estabilidade e, à medida que
vai crescendo, o seu desenvolvimento evidencia-se. De acordo com
Gesell et al. (1979) “à medida que a criança cresce, as suas capaci-
dades aumentam” (p. 32).
Nas crianças com idades compreendidas entre os 5 e os 6 anos,
existem evoluções ao nível cognitivo, motor e social que consideramos
importante referir. Segundo Piaget (s.d., citado por Tavares e Alarcão,
2005), nesta faixa etária as crianças encontram-se no estádio pré-ope-
ratório que abrange as crianças com idades entre os 2 e os 7 anos. Tal
como referem Papalia et al. (2001, p. 312), é durante o estádio pré-ope-
ratório que “as crianças se tornam mais sofisticadas no uso do pensa-
mento simbólico”, no entanto, o pensamento simbólico, caraterístico
deste estádio, dominado pela fantasia e pela imaginação, vai sendo
substituído pelo pensamento intuitivo, que se centra na perceção e não
na imaginação, sendo por isso menos egocêntrico (Cordeiro, 2010). De
acordo com Sprinthall (1997), neste estádio as crianças alcançam um
considerável armazenamento de imagens (como palavras e estruturas
gramaticais) e revelam um pensamento criativo e intuitivo. Nesta fase,
a criança liberta-se do seu pensamento egocêntrico, aceita e respeita
as regras, adapta-se a novas situações, é curiosa, ativa, demonstrando
muita atividade intelectual e física. Gesell et al. (1979) reforçam que
“aos 5 anos, a criança tem o seu domínio motor bem amadurecido. Fala
sem articulação infantil. É capaz de contar uma longa história. Prefere

vol . 1(1), 2016 73


a bel , correi a & di a s

as brincadeiras coletivas. Sente-se socialmente orgulhosa (…) das suas


proezas. É, no seu pequeno mundo, um cidadão bem integrado e se-
guro de si” (p. 32).
Aos seis anos dá-se uma “explosão linguística” que, para além do
progresso ao nível cognitivo, facilita o desenvolvimento social (Baptis-
ta, 2009), pois “com a aquisição e as descobertas de novas palavras e
padrões no comportamento, o desenvolvimento social é favorecido o
que serve de instrumento para o avanço nas relações” (ibidem, s.p). As-
sim, a criança gosta de se reunir com crianças do mesmo sexo, em pe-
quenos grupos, revelando necessitar de sentir alguma liberdade dentro
do grupo para realizar as suas ações; nesta idade as crianças começam
a comparar-se com as outras crianças da mesma faixa etária (Baptista,
2009; Papalia et al., 2001).
Relativamente ao processo de aprendizagem, de acordo com Perei-
ra (2004), este implica “mudanças permanentes de padrões de com-
portamento que resultam da experiência do organismo” (p. 178), que
levam à aquisição de conhecimentos, valores, atitudes e a novas habi-
lidades. A aprendizagem nestas idades ocorre através da observação
que a criança faz do seu meio envolvente e através das interações que
estabelece com as pessoas, materiais e espaços que a rodeiam (Pereira,
2004; Hohmann, Banett & Weikart, 1995). Deste modo, todas as ex-
periências observadas e vivenciadas pelas crianças, ao longo da vida,
irão influenciar as suas aprendizagens.

Aprender em parceria na Educação Pré-Escolar


Como foi referido anteriormente, as crianças desenvolvem-se e apren-
dem através das interações que têm oportunidade de realizar, quer se-
jam sociais ou provenientes do meio físico envolvente. Desta forma, “a
criança desempenha um papel activo na sua interacção com o meio
que, por seu turno, lhe deverá fornecer condições favoráveis para que
se desenvolva e aprenda” (Ministério da Educação, 1997, p. 19). Neste
sentido, torna-se importante que a Educação Pré-Escolar desenvolva
uma ação educativa centrada na criança que parta das caraterísticas
dos seus contextos relacionais.
O contexto familiar constitui a primeira instância educativa da
criança sendo neste contexto que vai despertando para a vida, inte-
riorizando atitudes e valores e, de forma espontânea, desenvolvendo o
processo de transferência de conhecimentos, de tradições e costumes
que compõem o seu património cultural (Reimão, 1994, citado por
Homem, 2002). A família apresenta-se como a entidade principal nos

74 re v is ta in v e s t ig aç ão em educ aç ão e c iênc i a s so c i a is
a rel aç ão com a fa míli a

cuidados (alimentação, proteção, pertença) e na educação das crianças,


sendo, por isso, que jamais “a acção educativa dos demais intervenien-
tes – entre os quais a escola – pode ignorar a da família” (Homem,
2002, p. 36).
Tendo em conta que a aprendizagem na infância está muito en-
raizada na vida quotidiana, todas as experiências pessoais e sociais
vivenciadas fora do contexto de Educação Pré-Escolar assumem uma
importância educativa que os educadores devem equacionar. É, por
isso, fundamental que se proporcione o envolvimento das famílias
nos projetos e atividades desenvolvidas com e pelas crianças, valori-
zando-se a pertença à família e estabelecendo-se, ao mesmo tempo,
a ligação ecológica entre o Jardim-de-Infância e as famílias. Propor-
cionando-se o contacto entre famílias, desenvolve-se, igualmente, o
respeito pelos diferentes ritmos e formas de colaboração organizada.
Para Formosinho e Costa (2011), numa “Pedagogia-em-Participação
a forma privilegiada de envolvimento parental realiza-se no âmago
das aprendizagens das crianças. Para isso é necessário desenvolver a
colaboração sistemática com os pais” (p. 97). O envolvimento das
famílias no Jardim-de-Infância permitirá, ainda, entender melhor as
diferenças fundamentais do pensamento e vivências das crianças/fa-
mílias, observando-se as suas caraterísticas individuais como uma
qualidade ímpar. Como defende Ferreira (2011), é essencial aprofun-
dar e propagar o uso de práticas educativas que valorizem as vivên-
cias familiares da criança reconhecendo-a “como sujeito ativo do seu
próprio desenvolvimento e, naturalmente, os seus pais enquanto par-
ceiros do processo educativo” (p. 107).
Aliados à participação dos pais/famílias no Jardim-de-Infância
,surgem os conceitos de colaboração e cooperação. De acordo com Ho-
mem (2002), apesar destes conceitos apresentarem caraterísticas muito
semelhantes, visto que ambos se referem “a uma partilha da acção
entre indivíduos” (p. 49), na colaboração realça-se a existência de um
projeto planeado e concretizado em comum, enquanto na cooperação
se destaca a ajuda e o apoio (apoio que se manifesta, por exemplo,
quando os pais participam/promovem atividades inerentes aos proje-
tos planeados no Jardim-de-Infância). Independentemente do tipo de
envolvimento, “a importância dos pais na educação das crianças é
fundamental e reconhecida, sendo assim recomendada a proximidade
entre estes e os educadores, procurando-se formas de cooperação e
estratégias que a viabilizem” (Homem, 2002, p. 167). Desta forma, os
educadores devem estar conscientes do importante papel dos pais na

vol . 1(1), 2016 75


a bel , correi a & di a s

aprendizagem das crianças, considerando que a sua ação educativa se


deve interligar com as experiências/vivências das crianças para além
do contexto escolar, “de modo a assegurar a personalização das crian-
ças e para que as experiências educativas tenham continuidade nas
experiências familiares e sociais” (Fontao, 2000, p. 167).
Neste processo de aprendizagem em parceria, a metodologia de tra-
balho de projeto poder-se-á assumir como uma proposta efetiva e efi-
caz. De acordo com Castro e Ricardo (2003), esta metodologia é “(…)
um método de trabalho que requer a participação de cada membro de
um grupo, segundo as suas capacidades, com o objetivo de realiza-
rem trabalho conjunto, decidido, planificado e organizado de comum
acordo” (p. 8).
Realçando a participação ativa das crianças na construção do seu
próprio conhecimento, a metodologia de trabalho de projeto fomenta
a aprendizagem das crianças. Partindo dos interesses e curiosidades
das crianças, “o conteúdo ou tópico de um projecto é geralmente
retirado do mundo que é familiar às crianças” (Katz & Chard, 1997,
p. 5), assentindo o envolvimento dos pais de, pelo menos, quatro
modos: i) primeiro, as crianças e os pais podem compartilhar infor-
mações inerentes aos projetos, sendo provável que os assuntos lhes
sejam familiares, promovendo-se, desta forma, a comunicação sobre
o mundo real; ii) segundo, os pais poderão ser incitados a questionar
os filhos sobre o decurso do projeto e quais as atividades que estão
a desenvolver (muitas vezes, os pais não têm consciência do traba-
lho desenvolvido em Jardim-de-Infância, especialmente, em algu-
mas áreas do currículo e, através do trabalho de projeto, o educador
pode promover a comunicação entre as crianças e os pais; ao propor
tópicos para crianças e pais debaterem entre si, o educador está a
divulgar o trabalho desenvolvido no Jardim-de-Infância e “partilha
informação e responsabilidade com os pais. A comunicação forne-
ce às crianças uma oportunidade adicional para praticarem o novo
vocabulário que estão a aprender na escola” [Katz & Chard, 1997,
p. 217]) iii) os pais podem revelar-se muito úteis, contribuindo com
informações importantes para o desenvolvimento do projeto, tais
como fotografias, livros, objetos ou até visitas ao Jardim-de-Infância
(por vezes, as suas profissões estão interligadas com o tópico a de-
senvolver), para prestar esclarecimentos que poderão facilitar a in-
vestigação e iv) numa fase mais avançada do projeto, os pais podem
ser convidados a deslocar-se ao Jardim-de-Infância, para verem o
trabalho desenvolvido com as crianças, através de uma visita guiada,

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a rel aç ão com a fa míli a

por exemplo, de uma exposição, protagonizada pelas mesmas o que,


certamente, revelará as aprendizagens realizadas pelas crianças nas
diferentes áreas de conteúdo preconizadas nas Orientações Curricu-
lares para a Educação Pré-Escolar (Ministério da Educação, 1997).
Como refere Lino (2013), o trabalho de projeto resulta de uma
colaboração entre vários intervenientes da instituição (crianças, edu-
cadores e outros profissionais) e de “fora” da instituição (pais e ou-
tros elementos da comunidade envolvente). Desenvolver um trabalho
de projeto com as crianças aproxima-nos daquilo que Vasconcelos
(2011) intitula de pedagogia de fronteira, pois neste tipo de pedago-
gia “a noção do Outro, a atenção à diversidade, a política da dife-
rença, a diversidade de possibilidades aparecem como provocações e
não entraves ao desenvolvimento” (p. 13). As famílias surgem, assim,
como parceiros privilegiados neste caminhar, gerando-se, nestes en-
contros, momentos de partilha e outras oportunidades de exploração,
pesquisa e descoberta (Marreiros, 2013).

Metodologia

Este estudo, de natureza qualitativa e de índole exploratória, procura


apresentar a participação do pai de uma das crianças do grupo (B., 6
anos1) no projeto “Os Faróis” e identificar aprendizagens que as crian-
ças realizaram com a participação deste pai no projeto. Centrando-se
na análise e compreensão de uma situação educativa, não pretende a
generalização dos resultados (Sousa & Baptista, 2011).
Participaram neste estudo as 22 crianças (com idades compreendi-
das entre os 5 e os 6 anos) de um jardim-de-infância da rede pública da
zona centro de Portugal, sendo 13 do sexo feminino e 9 do sexo mas-
culino. Participou, ainda, o pai de uma das crianças, que se encontrava
na faixa etária dos 40 anos de idade e que tinha a profissão de faroleiro.
Para a recolha de dados, optou-se pelo recurso aos registos pictóri-
cos (representação gráfica que cada criança fez após a participação do
pai – desenho – e os seus comentários sobre o mesmo – registo oral)

1 De forma a salvaguardar a identidade dos participantes do estudo os nomes


serão substituídos por letras. Em algumas situações, essas letras são seguidas da
indicação da idade do participante.

vol . 1(1), 2016 77


a bel , correi a & di a s

realizados pelas crianças após a participação do pai de B. no projeto,


como forma de representarem as aprendizagens realizadas através da
experiência vivenciada. Os comentários das crianças foram escritos
pelos adultos na folha do desenho, nos espaços que as crianças sugeri-
ram (ver alguns exemplos de registos pictóricos: Figuras 1, 2 e 3).

Como se pode ver nas figuras 1, 2 e 3, os registos pictóricos foram


feitos pelas crianças em folha própria (seguindo a prática da educadora
do grupo), que continha um espaço para colocar o nome da criança e
a data de realização do registo (canto superior esquerdo), um título “O
que aprendemos sobre os faróis” (ao centro) e, ainda, um instrumento
de autoavaliação para a criança (no canto superior direito existia um
conjunto de smiles que permitia à criança deixar, com um código de
cores, a sua apreciação sobre a realização do registo). Estes registos
pictóricos foram assumidos neste estudo como “trabalhos artísticos e
de escrita que comunicam o sentir da criança” (Katz & Chard, 1997,
p. 215), e, neste sentido, ricos em dados para análise.
O conteúdo desses registos foi, posteriormente, analisado tendo em
conta as representações gráficas (desenhos) realizadas pelas crianças
e os comentários relativos às mesmas (registo oral). A análise dos co-
mentários das crianças teve como pano de fundo as categorias e sub-
categorias, apresentadas no quadro 1. Para as representações gráficas
apuraram-se as seguintes categorias: Representação do farol, Carate-
rísticas dos faróis, Funcionalidades dos faróis, A casa do faroleiro, As
funções dos faroleiros e O meio envolvente dos faróis.

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a rel aç ão com a fa míli a

Quadro 1 Apresentação das categorias e subcategorias (registo oral)

Categorias Subcategorias

As aprendizagens das Aparecimento dos faróis


crianças sobre faróis Faróis existentes

Faróis no estrangeiro

O farol do Penedo da Saudade - S. Pedro de Moel

Caraterísticas dos faróis

Funcionalidades dos faróis

A casa do faroleiro

As funções dos faroleiros

O meio envolvente dos faróis

Apresentação e discussão dos resultados

Neste ponto será descrita a participação do pai no projeto e apresen-


tar-se-ão os dados recolhidos acerca das aprendizagens que as crianças
revelaram ter realizado com esta participação.

1. Participação do pai no projeto


No início d0 projeto “Os Faróis”, durante uma conversa em gran-
de grupo com as crianças sobre quais as formas de se encontrar
respostas para as questões relativas aos faróis, foi sugerido pelas
crianças que se pedisse ao pai da B. (faroleiro) para vir à instituição
partilhar os seus conhecimentos2. Tendo em conta as sugestões das
crianças, houve uma conversa com o pai da B., contextualizando o
pedido e explicando a finalidade da sua visita ao Jardim-de-Infância
(conversar com as crianças de forma a responder às suas questões
e esclarecer as suas dúvidas). O pai da B. aceitou o convite, organi-
zando a sua visita em três momentos: a) conversa com as crianças
sobre os faróis e divulgação de materiais (lâmpadas e refletores de

2 As crianças sugeriram, ainda, pedir a ajuda dos seus familiares para realizar
pesquisas que lhes permitissem esclarecer algumas das suas dúvidas.

vol . 1(1), 2016 79


a bel , correi a & di a s

faróis), b) apresentação de dois Powerpoints sobre faróis nacionais


e estrangeiros e sobre os faroleiros, e, c) divulgação de material di-
dático sobre os faróis.
Conforme o combinado, no dia 29 de abril de 2013, o pai da B.,
faroleiro de profissão, deslocou-se ao jardim-de-infância para par-
tilhar com o grupo de 22 crianças a sua experiência e saberes so-
bre os faróis. Num primeiro momento, cumprimentou os presentes
e sentou-se com as crianças no cantinho dos pufs. As crianças foram
colocando as suas questões, às quais foi respondendo com a ajuda
dos materiais que trouxe (lâmpadas e refletores de faróis). Disse
como eram os primeiros faróis, apresentou as transformações que os
faróis foram sofrendo ao longo dos tempos (passando de fogueiras
aos atuais edifícios com lâmpadas e refletores de alta potência), in-
dicou o número de faróis que existem em Portugal, as caraterísticas
dos faróis (cores que as construções podem ter, forma, tipo e cores
das lâmpadas e que, para além dos que existem em terra, também
existem faróis marítimos suportados em rochas ou em boias, identi-
ficou as funcionalidades dos faróis (em geral e consoante as cores das
lâmpadas) e das casas que os faróis têm agregadas a si e, ainda, as
funções do faroleiro.
Num segundo momento, apresentou às crianças dois Power-
points, um com dados sobre os diversos faróis existentes em Portu-
gal (e alguns no estrangeiro) e outro com informações acerca dos
faróis e dos faroleiros (a título de exemplo, apresentou uma foto-
grafia sua fardado e outras três de “faroleiras” também fardadas).
Esclareceu as crianças que esta é uma profissão para homens e mu-
lheres, existindo atualmente no nosso país três faroleiras. Ao longo
desta apresentação, disse qual o farol mais antigo, referiu quantos
faróis existem em Portugal, quais as caraterísticas e as funcionali-
dades dos faróis, falou do meio envolvente dos faróis, como se deve
apresentar um faroleiro (farda do faroleiro) e partilhou imagens de
faroleiros.
No terceiro e último momento, entregou às estagiárias e educado-
ra cooperante materiais didáticos para distribuir pelas crianças (uma
ficha com a representação de um farol para colorir ou decorar e outra
para as crianças descobrirem entre as diversas letras a palavra “farol”
e depois colorirem).
De referir que os dois primeiros momentos tiveram a duração de
aproximadamente 1h e 30m. O terceiro momento durou cerca de 5
minutos. Todos ocorreram na sala de atividades.

80 re v is ta in v e s t ig aç ão em educ aç ão e c iênc i a s so c i a is
a rel aç ão com a fa míli a

Estes dados da participação do pai da B. no projeto “Os Faróis”


revelam que houve partilha do espaço com as crianças, colegas da
filha, e, numa relação personalizada, o pai cooperou com o Jardim-
-de-Infância na promoção das aprendizagens das crianças (Homem,
2002). A participação deste pai insere-se numa lógica de cooperação,
visto que, apesar de não ter planeado o projeto com os diferentes in-
tervenientes educativos (crianças, educadora, assistente operacional
e estagiárias), participou no mesmo, proporcionando uma experiên-
cia educativa relacionada com a sua área profissional (ibidem). Ao
integrar-se como parceiro no processo pedagógico (Ferreira, 2011),
facilitou a continuidade das experiências familiares e sociais em con-
texto educativo (Fontao, 2000).
De acordo com Baptista (2009), as crianças, com os outros, des-
cobrem novas palavras e padrões de comportamento que as ajudam a
situar-se no seu contexto físico e social. Ao interagir com os pares e
os adultos, as crianças apreenderam novos vocábulos e conceitos acer-
ca dos faróis (Pereira, 2004). A observação dos recursos pedagógicos
usados pelo pai da B. constitui-se como determinante no processo
de aprendizagem das crianças (Hohmann, Banett & Weikart, 1995),
como se verá de seguida.

2. Aprendizagens das crianças advindas da participação do pai no


projeto
Num momento a seguir à vinda do pai ao Jardim-de-Infância, as crian-
ças foram convidadas a fazer um desenho sobre o que aprenderam
com o pai da B. e, posteriormente, a relatarem o que representaram
nos seus desenhos (sobre a participação deste pai), para que o adulto
procedesse ao registo escrito. Foi a partir destas produções e vozes das
crianças sobre a participação do pai no projeto “Os Faróis” que se
identificaram as aprendizagens realizadas.
Começando por identificar o teor dos comentários das crianças,
expressos nos registos pictóricos, acerca da participação do pai de B.,
procedemos a uma análise de conteúdo desses mesmos comentários
de acordo com a categoria e subcategorias encontradas e apresentadas
anteriormente.
Na categoria Aprendizagens das crianças sobre faróis, verifica-
-se que as crianças, nos seus comentários, evidenciam aprendizagens
sobre os faróis de diferentes âmbitos (traduzidos nas subcategorias).
O Quadro 2 apresenta as evidências em cada uma das subcategorias
e a sua frequência.

vol . 1(1), 2016 81


a bel , correi a & di a s

Quadro 2 Dados do registo oral das crianças na categoria Aprendizagens sobre


os faróis

Categoria

Aprendizagens das crianças sobre faróis

Subcategorias Evidências Freq.

Aparecimento dos “Aprendi que antigamente o farol não tinha luz lá em 1


faróis cima, tinha fogo.” S. (6 a.)

Faróis “(…) Ele disse que há muitos faróis em terra.” R. (6 a.) 1


existentes

Faróis no “ Eu aprendi que o farol tinha gelo, porque tinha 2


estrangeiro nevado e estava muito frio. Também aprendi que
na ponta tinha gelo.” G.L. (6 a.)

“Eu gostei de ver aquele farol com neve.” R.P. (5 a.)

O farol do Penedo “ Eu aprendi com o meu pai a ir ao farol de S. Pedro.” 1


da Saudade B.M. (6 a.)
— S. Pedro de Moel

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Características “(…) E a luz é muito forte. Aprendi que os faróis não 12


dos faróis são todos iguais. Alguns são azuis e outros são
vermelhos. Aprendi que também há faróis no mar e
que os faróis também estão em terra.” R. (6 a.)

“Descobri que há muitas formas e muitas cores nos


faróis.” B.A. (6 a.)

“Aprendi que os faróis tinham duas cores em cada


farol, azul e branco ou vermelho e branco. Aprendi
que eles não eram de todas as formas eram só
quadrados e retângulos.” B. (6 a.)

“Aprendi que os faróis têm eletricidade e dão luz.


Também aprendi que existem faróis com luzes ver-
melhas. Também aprendi que existem faróis com
luzes verdes.” G. (5 a.)

“(…) E que a luz é muito forte e lá dentro há muitas


escadas. Tem muitas luzes lá dentro pequenas, mé-
dias e grandes. O farol é muito giro e tem muitas
cores.” I. (6 a.)

“ Eu aprendi que há muitas lâmpadas médias e


outras grandes.” F. (6 a.)

“ Aprendi que os faróis não são todos iguais.” M.R.


(6 a.)

“ Aprendi que não se acendia a luz num botão, é


automática:” L. (6 a.):

“Aprendi porque é que eles [os faróis] são tão gran-


des. Aprendi que eles têm muitas cores.” G.T. (6 a.)

“Aprendi que os faróis são muito grandes (…)


Aprendi que os faróis têm muitas cores.” V. (6 a.)

“Aprendi que os faróis são grandes.” J. (6 a.)

“Aprendi que a luz pode cegar os meninos. Quando


é de manhã a luz não liga.” B. (5 a.)

vol . 1(1), 2016 83


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Funcionalidades “Aqui (…) que os faróis são muito importantes para 8


dos faróis os barcos. Aqui (…) estava um barco que foi contra
as rochas porque não viu o farol.” C. (6 a.)

“Aprendi que eles [os faróis] acendem a luz, a luz


fica mais forte para eles [barcos] não baterem nas
rochas.” I. (6 a.)

“Eu aprendi que a luz torna-se mais forte para os


barcos não baterem.” E. (6 a.)

“(…) Fui lá acima e vi uma luz muito forte.” B.M. (6 a.)

“Aprendi que a luz é para os barcos verem (…)” I. (6


a.)

“ Também aprendi que eles [faróis] acendem as


luzes para os barcos não baterem nas rochas.” M.R.
(6 a.)

“(…) Aprendi que eles às vezes trabalham bem.” R.P.


(5 a.)

“Eu aprendi como é que os faróis trabalham.” J. (6 a.)

A casa do faroleiro “Eu vi a fotografia de uma casa ao lado do farol.” E. 2


(6 a.)

“ Eu aprendi que um faroleiro está sempre ao pé do


farol, porque tem a casa ao pé do farol.” A. (5 a.)

As funções dos “Aprendi que os faroleiros não ligam as luzes, que 4


faroleiros elas estão ligadas a uma ficha …” B.A. (6 a.)

“Se os faróis avariam, os faroleiros têm que trocar a


luz” C. (6 a.)

“O faroleiro está sempre a ver se a luz avaria.” A. (5 a.)

“Também aprendi que alguns faroleiros têm de viver


ao pé do farol.” F. (6 a.)

O meio “Aprendi com o pai da Beatriz que as rochas esta- 2


envolvente vam no mar …” R. (6 a.)
dos faróis
“Aprendi como é que as gaivotas andam ao pé do
farol.” G.T. (6 a.)

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A leitura dos dados do Quadro 2 permite verificar que as crianças


revelaram conhecimentos ao nível do aparecimento dos faróis, da
quantidade de faróis existentes no país e no estrangeiro, da existência
do farol de S. Pedro de Moel, das características dos faróis, da sua
funcionalidade, da casa do faroleiro e das suas funções e do meio
que envolve os faróis. O maior número de evidências apresentado
refere-se à subcategoria “Caraterísticas dos faróis”, com um total de
12 registos, seguida pela subcategoria “Funcionalidades dos faróis”
com um total de 8 registos. A subcategoria “As funções dos farolei-
ros” apresenta 4 registos e as subcategorias “O meio envolvente dos
faróis” e “Faróis no estrangeiro”, 2 registos cada uma. Nas restantes
subcategorias, verifica-se um registo em cada uma.
Os desenhos de cada uma das crianças foram, também, analisa-
dos procurando-se identificar os elementos que as crianças represen-
taram. Nessa análise foram consideradas as representações das crian-
ças que remetessem para os faróis e os pormenores desses edifícios
(luzes, cúpula, janelas, portas e escadas interiores), para as casas dos
faroleiros, os faroleiros, e para elementos pertencentes ao contex-
to onde os faróis estão localizados (rochas, barcos, mar, vegetação,
aves). Foi feita uma análise individual de cada registo (22 registos no
total), da qual apresentamos cinco exemplos (Quadro 3).

Quadro 3 Exemplos da análise realizada aos registos gráficos

Criança Elementos representados

R.M. (5 a.) - Um farol


- Uma luz amarela no topo do farol a irradiar ao longo do mar
- Uma cúpula no topo do farol
- Muitas janelas no farol
- Mar

B.A. (6 a.) - Um farol com riscas brancas e vermelhas e telhado vermelho


- Luz do farol amarela
- Várias janelas no farol
- Porta do farol
- Mar

G. (5 a.) - Um farol com riscas de várias cores


- Uma luz grande amarela no topo do farol
- Escadas no interior do farol
- Mar
- Rochas no mar

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A. (5 a.) - Um farol vermelho


- Uma cúpula no topo do farol
- Uma luz azul a irradiar, no topo do farol
- Uma casa, ao lado do farol, com duas janelas e uma porta
- Um faroleiro ao lado da casa
- O sol amarelo, nuvens e chuva

B. (5 a.) - Um farol cor de rosa


- Uma cúpula no topo do farol
- Uma lâmpada dentro da cúpula

Os resultados encontrados na análise dos 22 registos das crianças


permitiram encontrar as seguintes categorias de análise: (i) Represen-
tação do farol (representações dos edifícios, um deles denominado de
Farol do Penedo da Saudade e outro no mar representando um farol
marítimo), (ii) Caraterísticas dos faróis (cúpula, luz, janelas, porta,
escadas no interior do farol), (iii) Funcionalidades dos faróis (luz a ir-
radiar, rochas, barcos e os marinheiros – os marinheiros foram inclu-
ídos nesta categoria porque, segundo palavras das crianças, os faróis
serviam para iluminar para que os marinheiros vissem as rochas e
pudessem desviar os barcos), (iv) A casa do faroleiro (casas agregadas
ao edifício do farol), (v) As funções dos faroleiros (faroleiros perto do
edifício do farol), (vi) O meio envolvente dos faróis (mar, gaivotas e
vegetação em redor do edifício do farol), cujos resultados apresenta-
mos no Gráfico 1.

De acordo com os dados do Gráfico 1, as categorias que mais se


destacaram nos desenhos foram as caraterísticas dos faróis (37%) e as
funcionalidades dos faróis (23 %).
Estes dados corroboram os dados advindos dos registos orais das
crianças acerca do seu desenho e colocam em evidência as aprendiza-
gens realizadas pelas crianças com a participação do pai de B.

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Para Cordeiro (2010), as crianças com 5 e 6 anos de idade registam


o que percecionam, revelando-se enquanto sujeitos aprendentes que co-
municam o seu sentir e pensar (Katz & Chard, 1997). Os dados recolhi-
dos evidenciaram uma concordância entre o que as crianças disseram
e o que desenharam, levando-nos a inferir que existiu uma consoli-
dação dos conhecimentos adquiridos através da experiência educativa
proporcionada pelo pai da B. O pai da B. aproveitou a sua experiência
e os seus saberes mobilizando-os de forma a dinamizar uma experi-
ência educativa apelativa e significativa para as crianças, levando-as a
realizar aprendizagens sobre as caraterísticas e as funcionalidades dos
faróis, as funções dos faroleiros, as caraterísticas do meio envolvente
dos faróis, as casas dos faroleiros, a história dos faróis e a quantidade
de faróis. Formosinho e Costa (2011) afirmam que “a forma privilegia-
da de envolvimento parental realiza-se no âmago das aprendizagens
das crianças” (p. 97), sendo, por isso, importante que se estimule a
participação dos pais no Jardim-de-Infância. A participação dos pais
nas atividades “é um meio de alargar e enriquecer as situações de apren-
dizagem ao favorecer um clima de comunicação, de troca e procura de
saberes entre crianças e adultos” (Vasconcelos, 2012, p. 90).Existem
diferentes formas de promover o envolvimento dos pais no Jardim-de-
-Infância, levando-os a disponibilizar os meios para que as atividades/
experiências sejam possíveis e “alcancem o maior grau de êxito” (Fon-
tao, 2000, p. 176) como no caso da metodologia de trabalho de projeto.
A participação do pai da B. no projeto “Os Faróis” terá promovido
o “contacto entre famílias e o respeito por todas as formas e ritmos
de colaboração” (Formosinho & Costa 2011, p. 97). Este pai colabo-
rou e ajudou nas atividades do Jardim-de-Infância, envolvendo-se na
experiência educativa da filha e do grupo, facilitando o processo de
aprendizagem de todas as crianças (Katz & Chard, 1997). De acordo
com Vasconcelos (2012) “As pessoas com quem a criança entra em in-
teracção ajudam a criança a aprender, despertando a sua atenção para
objectos e ideias, dando ênfase ao que é pertinente, falando enquanto
fazem e sobre o que fazem, (…) mediando o mundo, tornando-o aces-
sível para a criança” (p. 56). Os resultados deste estudo comprovam
a importância de envolver a família e estimular a sua participação no
contexto educativo, promovendo, desta forma, a partilha de saberes e
vivências, que contribuirão para a construção de novos conhecimen-
tos por parte das crianças e dos restantes intervenientes. Para Homem
(2002), o envolvimento dos pais/familiares no Jardim-de-Infância con-
tribui para a motivação das crianças no desempenho das atividades

vol . 1(1), 2016 87


a bel , correi a & di a s

uma vez que se sentem acompanhadas afetivamente pelas suas figuras


de referência. Conforme refere Fontao (2000), “a importância dos pais
na educação das crianças é fundamental e reconhecida” devendo-se
por isso procurar “formas de cooperação e estratégias que a viabilizem,
entendendo a participação dos pais como um dos critérios mais claros
da qualidade educativa” (p. 167) de um Jardim-de-Infância.
Em síntese, este estudo revelou o papel da parceria escola/família
na construção de conhecimento das crianças, induzindo-nos a refle-
tir sobre formas de participação das famílias em contexto de Jardim-
-de-Infância, corroborando-se a conceção de Fontao (2000) quando
afirma que é importante promover o envolvimento das famílias “nas
atividades que se julguem importantes para as crianças” (p. 176).

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vol . 1(1), 2016 89


Cultura e Estratégias de
Aprendizagem das Línguas:
Aprendentes Chineses e
Portugueses
Liu Gang
[email protected]
Assembleia Legislativa da Região Administrativa Especial de Macau

Resumo
O presente estudo visa refletir, à luz das teorias das estratégias de apren-
dizagem e das diferenças culturais, sobre o papel da cultura na apren-
dizagem das línguas estrangeiras, nomeadamente no que diz respeito
ao emprego das estratégias de aprendizagem por influência de fatores
culturais. Para este objetivo, foram recolhidos e analisados, através de
questionário por inquérito, dados de dois grupos de amostra, constituí-
dos respetivamente por aprendentes falantes de língua materna chinesa
que estudam português e aprendentes falantes de língua materna por-
tuguesa que estudam chinês. Com base nestes resultados, foram discuti-
dos os seus significados nas aulas de língua estrangeira.
Palavras-chave: Leitura, clube de leitura, perfil de leitor, livro.

Abstract
Based on the theory of learning strategies and cultural differences, this
study is aimed to discuss the role of culture in second language acquisi-
tion, particularly with regard to the use of learning strategies influenced
by cultural factors. For this purpose, we collected and analysed through
questionnaire survey data of two sample groups, made up of Chinese-
speaking learners of Portuguese and Portuguese-speaking learners of
Chinese. Based on these results, their meanings in foreign language
classes were later discussed.
Keywords: language learning strategy, cultural differences, second lan-
guage acquisition.
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Introdução
Nas últimas décadas, os estudos têm refletido uma deslocação da
atenção do ensino e da investigação da aprendizagem das línguas es-
trangeiras (le), que deixou de se centrar no ensinante para se centrar
no aprendente, preocupando-se mais com a questão “como aprender”
do que “como ensinar” (Casteleiro, Meira, & Pascoal, 1988; Cohen,
1998; O’Malley & Chamot, 1990; Conselho da Europa, 2001). De
facto, Stern (1987) apontou, quanto à atenção dada ao fator “como
ensinar”, dois problemas para o ensino de uma le, bem como para
a investigação sobre a sua aprendizagem: (i) na pedagogia, a tendên-
cia para infantilizar os aprendentes e para os manter num estado de
dependência intelectual e emocional em relação ao ensinante; (ii) na
investigação, a tendência para sobrestimar os processos de aquisição
inconsciente que vão muito para além do controlo dos aprendentes
e dos professores. É inegável a importância desses processos. Mas
não há razão para menosprezar os esforços conscientes que os apren-
dentes envidam e que têm de envidar para dominar uma le. O autor
afirma que os aprendentes adultos são ativos, orientados para tare-
fas, e que abordam a aprendizagem com determinados pressupostos
e convicções.
Um dos reflexos verificados na investigação científica, originado
por essa deslocação, é justamente o surgimento da noção de Estraté-
gias de Aprendizagem das Línguas (eal). Esta noção foi introduzida
primeiramente por Rubin (1975) e Stern (1975), que identificaram
estratégias em situações de aprendizagem de língua que aparentavam
contribuir para a aprendizagem realizada.
Nos últimos trinta anos, uma das dimensões sobre as quais se têm
debruçado os estudos sobre as eal diz respeito aos fatores que in-
fluenciam a sua escolha. De facto, muitos autores (Oxford & Nyikos,
1989; Levine, Reves, & Leaver, 1996; Griffiths, 2008) admitem que
a escolha das estratégias está relacionada com uma série de variáveis,
tais como contexto cultural, experiência educacional, atitudes, moti-
vação, objetivos da aprendizagem, vocação profissional, idade e sexo.
Oxford (1990) acrescenta ainda que a nacionalidade e a etnia influen-
ciam o uso das estratégias e que a formação em eal necessita de ter
em conta a língua e a cultura em questão. Esta influência da cultura
no uso das estratégias deve ser bastante notória nas aulas de le, em
que o próprio objeto de ensino-aprendizagem é «the vehicle of culture
and it is an obstinate vehicle» (Hofstede, 1986, p. 314).

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Na prática, observações empíricas apontam que os aprendentes


falantes de língua materna chinesa (lmc) apresentam um estilo de
aprendizagem bastante diferente do dos aprendentes falantes de língua
materna portuguesa (lmp), em termos da participação na aula, intera-
ção com o ensinante, autodisciplina, etc. No entanto, não existe estudo
científico que apoie essas afirmações. Eis a questão que nos motivou
para a realização do presente trabalho, a saber: até que ponto são di-
ferentes os aprendentes de lmc dos de lmp em termos do uso das eal?

Língua Estrangeira vs. Língua Segunda


Apesar do uso por vezes indistinto de língua estrangeira (le) e lín-
gua segunda (L2), existem diferenças entre os dois termos. Uma L2
tem funções sociais e comunicativas dentro da comunidade onde ela
é aprendida. Por exemplo, os imigrantes normalmente necessitam de
aprender uma L2 para poderem sobreviver no país de acolhimento.
Em contraste, uma le não tem imediatas funções sociais e comuni-
cativas dentro da comunidade onde é aprendida. É o caso de apren-
dentes chineses que se encontram a estudar o português na China. No
presente trabalho, é estabelecida a distinção entre as duas noções e o
termo le é utilizado exclusivamente neste seu sentido restrito.

Estratégias de Aprendizagem das Línguas (eal)


As eal são «operations employed by the learner to aid the acquisition,
storage, retrieval, and use of information” e “specific actions taken by
the learner to make learning easier, faster, more enjoyable, more self-
directed, more effective, and more transferrable to new situations»
(Oxford, 1990, p. 8). Além disso, para muitos investigadores (Oxford,
1990; Dreyer & Oxford, 1996; O’Malley & Chamot, 1990; Cohen,
1998) as eal são aplicadas pelos aprendentes de forma consciente e
intencional.
Em relação à taxonomia das eal, não existe consenso no mundo
académico (Oxford, 1990; Cohen, 1998; Dörnyei & Skehan, 2003;
Macaro, 2006). Oxford (1990) divide as estratégias em dois grandes
grupos: (a) estratégias diretas e (b) estratégias indiretas. As primei-
ras são aquelas que envolvem diretamente a língua estrangeira e que
requerem processamento mental da língua. Em contrapartida, as es-
tratégias indiretas relacionam-se com a gestão da aprendizagem sem
envolver diretamente a le.
O grupo (a) – estratégias diretas – subdivide-se em três subcatego-
rias: (i) Estratégias Mnemónicas, tais como agrupamento ou visuali-

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zação, que têm a específica função de ajudar os aprendentes a armaze-


nar e recuperar a nova informação; (ii) Estratégias Cognitivas, como
resumir ou raciocinar dedutivamente, que possibilitam aos aprenden-
tes a compreensão e produção da língua através de diferentes meios;
(iii) Estratégias Compensatórias, por exemplo adivinhar e usar sinó-
nimos, que permitem que os aprendentes usem a língua apesar das
dificuldades.
O grupo (b) – estratégias indiretas – é também composto por três
subcategorias: (i) Estratégias Metacognitivas, que permitem aos apren-
dentes controlar a sua própria cognição, ou seja, coordenar o processo
de aprendizagem através de concentração, planeamento e avaliação; (ii)
Estratégias Afetivas, que visam regular emoções, motivações e atitudes
na aprendizagem; (iii) Estratégias Sociais, que, por sua vez, promovem
a aprendizagem através da interação com os outros.
É essa taxonomia que adotamos neste trabalho, dada a sua coe-
rência relativamente ao Inventário das Estratégias de Aprendizagem
das Línguas (sill, na sigla em inglês), que será apresentado no título
seguinte.

Inventário das Estratégias de Aprendizagem das Línguas (sill)


A versão 7.0 do sill foi publicada por Oxford, em 1990. Trata-se de
um «more-structured survey» ou «objective survey», que se caracteri-
za por possuir categorias estandardizadas para todos os informantes
e portanto faz com que seja mais fácil sintetizar os resultados de um
grupo (Oxford , 1990). Esta versão do sill é composta por 50 ques-
tões e foi desenvolvida para os aprendentes de inglês língua não ma-
terna (le e L2). Para cada questão, existem cinco opções na escala de
Likert, que correspondem aos graus de verdade em relação à afirma-
ção na respetiva questão, sendo que 1 (um) significa que a afirmação
é “nunca ou quase nunca verdadeira” e 5 (cinco) “sempre ou quase
sempre verdadeira”.
O sill 7.0, baseado na taxonomia supracitada, é constituído por
dois grupos de estratégias (o direto e o indireto), que se subdividem
em seis subcategorias correspondentes à classificação descrita no tí-
tulo anterior.
De acordo com a autora, a média global e de cada uma das seis
categorias indica a frequência com que o aprendente tende a recorrer,
respetivamente, ao total e a determinado conjunto de estratégias. A
autora propôs, ainda, uma cotação para a consideração dos resulta-
dos do sill, que indicamos na Tabela 1.

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Tabela 1 Níveis do Uso das eal

Sempre ou quase sempre utilizada 4.5 a 5.0


Alto
Normalmente utilizada 3.5 a 4.4

Médio Às vezes utilizada 2.5 a 3.4

Geralmente não utilizada 1.5 a 2.4


Baixo
Nunca ou quase nunca utilizada 1.0 a 1.4
Nota. Adaptada de Oxford (1990).

Note-se que a própria autora, desde 1995, começou a encorajar os


investigadores a adaptar os elementos do sill para diferentes con-
textos socioculturais e a deixar espaço para os inquiridos escreverem
as estratégias que não se encontram contempladas nos seis grupos de
estratégias (Oxford, 2011). Tendo em consideração esta afirmação,
o inquérito que utilizamos no presente trabalho (Apêndice 1) sofreu
as seguintes modificações para melhor se enquadrar no contexto em
que se encontram os inquiridos:

1. O inquérito foi traduzido para português;


2. A língua de estudo, em todas as questões, foi substituída pelo
chinês;
3. A questão n.º 5 foi alterada para «Comparo caracteres com o
mesmo som para os memorizar», devido às características da
língua de estudo;
4. A questão n.º 7 foi substituída pela pergunta «Associo palavras
novas às diferentes sensações para as memorizar», uma vez que
consideramos equívoca a afirmação original;
5. Na questão n.º 15, foi acrescentado um outro meio de comuni-
cação social importante, nomeadamente a radiodifusão;
6. Devido à considerável distância entre o português e o chinês e à
consequente falta de similitude a nível lexical, a questão n.º 19
foi substituída por uma afirmação mais abrangente, nomeada-
mente «Comparo as semelhanças e as diferenças entre o chinês e
a minha língua materna»;
7. Foi acrescentada uma pergunta aberta – a n.º 51, a fim de permi-
tir aos inquiridos escrever as estratégias que costumam utilizar
e que não se encontram inventariadas nas cinquenta afirmações.

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Cultura no Ensino-Aprendizagem
Hofstede (2010) caracteriza a Cultura da seguinte forma:
Culture is always a collective phenomenon, because it is at least
partly shared with people who live or lived within the same
social environment, which is where it was learned. Culture con-
sists of the unwritten rules of the social game. It is the collective
programming of the mind that distinguishes the members of
one group or category of people from others. (p. 6)

O autor propõe as seguintes cinco dimensões para estudar as diferen-


ças culturais:
1. Large power distance / small power distance (pdi);
2. Individualismo / coletivismo (idv);
3. Feminilidade / masculinidade (mas);
4. Strong uncertainty avoidance / weak uncertainty avoid-
ance (uai);
5. Long-term orientation / short-term orientation (lto).

Power distance corresponde a «the extent to which the less powerful


members of institutions and organizations within a country expect
and accept that power is distributed unequally» (p. 61). Numa so-
ciedade com grande distância de poder, a relação entre os pais e os
filhos é estendida à desigualdade entre o professor e o estudante, que
tem em relação àquele dependência e respeito. O processo educativo
é centrado no professor, muito personalizado e baseado na memori-
zação. Em contraste, num contexto cultural com pouca distância de
poder, prevalece a igualdade de tratamento recíproco entre o profes-
sor e o estudante. O processo educativo é centrado no estudante e é
relativamente impessoal.
Na segunda dimensão, no que diz respeito ao relacionamento com
os outros, o individualismo pertence às sociedades em que «the ties
between individuals are loose: everyone is expected to look after hi-
mself or herself and his or her immediate family», ao passo que o
coletivismo é característica das sociedades em que «people from birth
onwards are integrated into strong, cohesive ingroups, which throu-
ghout people’s lifetime continue to protect them in exchange for un-
questioning loyalty» (p. 92). Na situação individualista, a finalidade
da educação é aprender como aprender, as iniciativas do estudante
são encorajadas e o diploma pode aumentar não só o valor econó-
mico do titular, mas também o seu autorrespeito. Já num contexto

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coletivista, o objetivo da educação é aprender como fazer, as iniciati-


vas do estudante não são encorajadas e o diploma é visto como uma
honra para o titular e garante a sua entrada em grupos de estatuto
mais elevado.
Em relação à terceira dimensão, o autor estabelece a distinção en-
tre a masculinidade e a feminilidade desta forma: a masculinidade
pertence às sociedades em que «emotional gender roles are clearly
distinct: men are supposed to be assertive, tough, and focused on ma-
terial success, whereas women are supposed to be more modest, ten-
der, and concerned with the quality of life» (p. 140); nas sociedades
em que predomina a feminilidade, por outro lado, «emotional gender
roles overlap: both men and women are supposed to be modest, ten-
der, and concerned with the quality of life» (p. 140). As características
das culturas masculinas no domínio da educação são: preferência por
professores brilhantes, competição na turma, sobreavaliação do seu
próprio desempenho por parte dos estudantes, currículo com modali-
dades desportivas competitivas e insucesso escolar considerado como
desastre. As sociedades femininas caracterizam-se pelos seguintes as-
petos: preferência por professores amigáveis, solidariedade na turma,
subavaliação do seu próprio desempenho por parte dos estudantes,
modalidades desportivas competitivas extracurriculares e insucesso
escolar considerado como incidente pouco importante.
Uncertainty avoidance é, segundo a definição de Hofstede, «the
extent to which the members of a culture feel threatened by ambigu-
ous or unknown situations» (p. 191). Os estudantes de uma cultura
de strong uncertainty avoidance esperam dos professores respostas
imediatas para todas as perguntas e não devem discordar dos pro-
fessores em relação aos assuntos académicos, uma vez que isso pode
ser interpretado como deslealdade. Os estudantes das comunidades
de weak uncertainty avoidance, pelo contrário, aceitam professores
que digam que não sabem e podem discutir com os professores sobre
questões académicas.
A quinta dimensão é descrita da seguinte forma:

Long-term orientation stands for the fostering of virtues


oriented toward future rewards—in particular, perseverance
and thrift. Its opposite pole, short-term orientation, stands
for the fostering of virtues related to the past and present—
in particular, respect for tradition, preservation of “face,”
and fulfilling social obligations. (p. 239)

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Numa sociedade com características de long-term orientation, os


estudantes estabelecem uma ligação entre o sucesso e o esforço, têm
bom desempenho na matemática e talento para ciências concretas e
aplicadas. Nas culturas de short-term orientation, os estudantes asso-
ciam o sucesso à sorte, têm desempenho menos satisfatório na mate-
mática, mas mais talento para ciências teóricas e abstratas.
À luz do modelo das cinco dimensões, as divergências entre Portu-
gal e a China são ilustradas no seguinte gráfico:

Gráfico 1. Portugal e a China no modelo das cinco dimensões.

Adaptado de Hofstede, Hofstede, & Minkov (2010).

Observa-se que a China, em comparação com Portugal, é uma socie-


dade com maior distância de poder, mais coletivismo, mais masculi-
nidade, menos evitamento de incerteza e mais orientação de longo
prazo. Se nos primeiros dois aspetos, as divergências não são signifi-
cativas, nos outros três, sobretudo nos últimos dois, a discrepância já
é notável. Portanto, com base nestas comparações e em especial nos
seus impactos no processo de ensino-aprendizagem, acreditamos que
devem existir diferenças em termos do uso das eal entre os aprenden-
tes de lmp e os de lmc.
Em relação ao papel da cultura na adoção das eal, o estudo de
Bedell e Oxford (1996) revelou algumas discrepâncias entre os apren-
dentes, a saber: (a) o frequente uso das Estratégias Compensatórias
pode ser típico dos aprendentes asiáticos; (b) no caso dos aprendentes
asiáticos, as Estratégias Mnemónicas situam-se em último ou penúl-
timo lugar em termos da frequência do uso, ao passo que outros es-
tudos revelaram elevada frequência nos aprendentes egípcios e média

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frequência no público japonês; (c) as Estratégias Metacognitivas são


moderadamente usadas pelos aprendentes chineses, mas são menos
frequentes nos aprendentes porto-riquenhos, egípcios, indonésios e
coreanos; (d) as Estratégias Afetivas reportam-se como raramente uti-
lizadas; (e) as Estratégias Sociais não são frequentemente usadas pelos
aprendentes chineses do Interior da China, ao passo que o público
dos outros países asiáticos que se encontrava a viver nos eua mani-
festou elevada frequência desta categoria de estratégias. Os autores
consideram o seguinte:
[…] the theme of cultural influences on the selection of lan-
guage learning strategy is clear. Learners often – thought not
always – behave in certain culturally approved and socially
encouraged ways as they learn. (p. 60)

Apesar desta afirmação, Bedell e Oxford (1996) defendem que a


cultura não deve ser vista como uma “camisa de forças”, que prende
os aprendentes num determinado conjunto de estratégias durante a
vida inteira. Por isso, a formação em estratégias pode permitir que
os aprendentes compreendam o valor das eal que estejam fora do
seu contexto cultural e encorajá-los a tomar iniciativa para as expe-
rimentar.

Questões de investigação
Quanto ao grupo dos aprendentes falantes de lmp, o presente traba-
lho procura responder às seguintes questões:
1. Qual o perfil dos aprendentes no âmbito do uso global das
estratégias e do emprego de cada uma das seis categorias?
2. Quais as estratégias mais e menos usadas?
3. Existirão diferenças estatisticamente significativas devido
aos quatro fatores (sexo, idade, nível de proficiência e regi-
me de estudo), em termos do uso global das estratégias e das
seis categorias de estratégias?

Em relação às diferenças entre os aprendentes de lmp e os de lmc, a


questão é:
4. Existirão diferenças significativas devido ao fator cultura,
manifestada pela língua materna, em termos do uso global
das estratégias e das seis categorias de estratégias?

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Metodologia
O presente estudo dispõe de dois grupos de amostra. O primeiro é
constituído por respostas de estudantes de lmp do Instituto Politécni-
co de Leiria que estudam a língua chinesa. Os inquiridos foram con-
vidados para responder à versão adaptada do sill (Apêndice 1). O
inquérito foi distribuído online aos inquiridos, através do sítio www.
sojump.com, durante o período de 4 de novembro a 25 de novembro
de 2012. Os dados recolhidos foram exportados para o formato em
Excel para os efeitos de análise.
O segundo grupo de dados, nomeadamente de aprendentes de lmc
(mandarim e cantonense) que estudam o português, foi recolhido e es-
tudado num trabalho anterior nosso, datado de julho de 2012, intitula-
do «Estratégias de Aprendizagem de Português Língua Estrangeira por
Aprendentes Falantes de Língua Materna Chinesa».
Na fase de análise dos dados, recorreu-se à versão 17.0 do spss
Statistics. Os testes realizados são:
1. O alfa de Cronbach, para calcular a consistência interna;
2. A média (M) e o respetivo desvio padrão (dp);
3. O Independent-Samples T Test, para estudar o papel dos
fatores – sexo, idade e regime de estudo no uso das eal;
4. O One-Way anova, para analisar a influência do nível de
proficiência e da língua materna na adoção das eal.

Quanto ao primeiro grupo de amostra, foram recolhidas, no total,


respostas de 56 informantes, distribuídos da seguinte forma:
1. Em termos do sexo, 31 do sexo feminino e 25 do sexo
masculino;
2. Quanto ao regime de estudo, os que pertencem ao regime
de tempo integral totalizam 55, enquanto só se regista
um estudante vinculado ao regime de tempo parcial, isto
é pós-laboral;
3. Recorremos, neste estudo, ao ano de estudo em que se
encontra o aprendente para decidir o seu nível de profi-
ciência. Com base neste critério, os informantes subdivi-
dem-se nos seguintes quatro grupos: 1.º ano: 16 inquiri-
dos, 2.º ano: 17, 3.º ano: 13 e 4.º ano: 10;
4. Em relação à idade, registou-se uma média de 24.48, com
um desvio padrão de 7.35, enquanto o valor mínimo é

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de 18 e o máximo 54. Para estudar a influência do fator


idade na adoção das eal, a amostra foi dividida em dois
grupos a partir do valor médio – 24 anos. Sendo assim,
os inquiridos com mais de 24 anos (inclusive) totalizam
23 e os restantes 33;
5. Em termos da língua materna, além da grande maioria
(53) dos inquiridos, que são falantes de lmp, registaram-
-se um de russo, um de holandês e um de língua crioula.

O segundo grupo é composto por dados de 63 informantes de lmc,


distribuídos da forma seguinte:

1. Em termos do sexo, 46 do sexo feminino e 17 do sexo


masculino;
2. Quanto ao regime de estudo, os que pertencem ao regime
diurno totalizam 44 e os vinculados ao regime noturno,
isto é, pós-laboral, são 19;
3. Em relação ao nível de proficiência, baseado no ano de
estudo, os informantes subdividem-se nos seguintes qua-
tro grupos: 1.º ano: 19 inquiridos, 2.º ano: 18, 3.º ano:
13 e 4.º ano: 13;
4. Foi analisado também o papel do fator língua materna
na escolha das eal, sendo que os falantes de mandarim
são 23 e os de cantonense 40;
5. Quanto à idade, registou-se uma média de 23.08, com
um desvio padrão de 4.43, enquanto o valor mínimo é
de 18 e o máximo 36. Para estudar a influência do fator
idade na adoção das eal, a amostra foi dividida em dois
grupos a partir do valor médio – 23 anos, idade com que
os estudantes terminam o curso de licenciatura, se não
se verificar nenhuma interrupção no percurso académico.
Sendo assim, os inquiridos com mais de 23 anos (inclusi-
ve) totalizam 26 e os restantes 37.
Relativamente à validação do questionário, usou-se, neste trabalho,
o alfa de Cronbach para analisar a fidedignidade do questionário. Ve-
rificou-se que a consistência interna é considerada boa, para todos os
itens do instrumento, pois exibe um alfa de Cronbach de .918 e para
cada uma das seis categorias os valores de alfa de Cronbach oscilam
entre .662 e .863, que são igualmente considerados bons resultados
(Oxford & Burry-Stock, 1995).

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Apresentação e análise dos resultados


Questão 1
A média global do uso das estratégias pelos 56 inquiridos é de 3.34,
como se pode constatar na Tabela 2, tratando-se de um nível médio.
O desvio padrão é de .51, o que significa que o grupo é relativamente
homogéneo em termos do uso geral das eal. O valor mais baixo é de
1.67 (nível baixo – geralmente não utilizada) e o mais elevado 4.89
(nível alto – normalmente utilizada).
Relativamente às seis categorias de estratégias, as Estratégias So-
ciais são as mais frequentemente utilizadas, tendo uma média de 3.90,
enquanto as Estratégias Compensatórias são as menos escolhidas,
com uma média de 2.91.
Tabela 2. Média Global e Média das Categorias.

Mínimo Máximo Média Desvio Padrão

Sociais 1.50 5.00 3.90 .82

Metacognitivas 1.00 5.00 3.76 .69

Cognitivas 1.50 5.00 3.33 .58

Mnemónicas 2.11 4.33 3.16 .62

Afetivas 1.17 5.00 3.01 .73

Compensatórias 1.00 5.00 2.91 .74

Média Global 1.67 4.89 3.34 .51

Questão 2
Quanto à segunda questão de investigação, os resultados encontram-
-se na Tabela 3. A P43 (Anoto os meus sentimentos num diário dedi-
cado à minha aprendizagem da língua - Estratégia Metacognitiva) é
a estratégia menos utilizada (M = 1.23), ao passo que a P32 (Presto
atenção quando alguém está a falar chinês - Estratégia Metacogniti-
va) é a mais utilizada (M = 4.27). As outras estratégias relativamente
menos utilizadas são P26 (M = 1.88), P6 (M = 2.20), P17 (M = 2.30)
e P27 (M = 2.46). Em contrapartida, as outras quatro estratégias mais
frequentes são P10 (M = 4.21), P50 (M = 4.18), P31 (M = 4.14) e P1
(M = 4.11).

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Tabela 3. Média das Estratégias


Média dp Média dp Média dp Média dp Média dp
P1 4.11 .87 P11 3.95 .96 P21 3.46 1.21 P31 4.14 .88 P41 3.02 1.37
P2 3.50 1.06 P12 3.77 .97 P22 3.21 1.22 P32 4.43 .83 P42 3.00 1.45
P3 2.93 1.32 P13 3.41 .85 P23 2.70 1.20 P33 4.02 .90 P43 1.23 .81
P4 3.23 1.14 P14 3.36 .98 P24 3.07 1.20 P34 3.52 1.19 P44 3.45 1.31
P5 2.59 1.28 P15 2.73 1.30 P25 3.57 1.17 P35 3.43 1.11 P45 3.98 1.05
P6 2.20 1.48 P16 2.59 1.30 P26 1.88 1.16 P36 3.21 1.09 P46 4.09 1.07
P7 2.70 1.19 P17 2.30 1.13 P27 2.46 1.21 P37 3.55 1.08 P47 3.43 1.31
P8 3.89 .91 P18 3.43 1.14 P28 2.71 1.29 P38 4.04 .89 P48 3.80 1.09
P9 3.30 1.22 P19 3.84 1.22 P29 3.77 1.06 P39 3.52 1.11 P49 3.89 .97
P10 4.21 .87 P20 3.63 1.15 P30 3.54 1.01 P40 3.82 1.06 P50 4.18 1.03

Questão 3
Nesta questão, não foi considerado o fator regime de estudo, visto
que existe apenas um inquirido vinculado ao regime de tempo par-
cial. No que diz respeito à possível diferença devido aos outros três
fatores (sexo, idade e nível de proficiência), em termos do uso global
das estratégias e das seis categorias de estratégias, apesar de as médias
demonstrarem algumas divergências em função dos fatores, como se
pode constatar na Tabela 4, não se verifica significância estatística na
maioria delas. No entanto, é estaticamente significativa a diferença
(p = .027) em temos do uso das Estratégias Compensatórias entre os
aprendentes do 1.º ano (M = 2.56) e os do 4.º ano (M = 3.45). Além
disso, os aprendentes do 1.º ano (M = 4.24) e os do 3.º ano (M = 3.36),
no âmbito das Estratégias Sociais, também demonstram diferença es-
tatisticamente significativa (p = .036).
Uma outra significância verifica-se no fator idade, em termos do
nível do uso das Estratégias Cognitivas, mais frequentemente usadas
pelos aprendentes com mais de 24 anos (M = 3.51) do que os com
menos de 24 (M = 3.20) (p = .047). Por outro lado, no tocante às
Estratégias Metacognitivas, é também estaticamente significativa (p
= .006) a diferença entre os aprendentes mais velhos (M = 4.06) e os
mais jovens (M = 3.56).

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Questão 4

Tabela 4. Sexo, Idade e Nível de Proficiência na Adoção das eal

Sexo Idade Ano

M F >=24 <24 1.º 2.º 3.º 4.º


ds
Média Média Média Média Média Média Média Média
(dp) (dp) (dp) (dp) (dp) (dp) (dp) (dp)

Mnemónicas 3.25 3.09 3.07 3.23 3.35 3.17 2.96 3.10

(.60) (.63) (.67) (.58) (.64) (.64) (.50) (.65)

Cognitivas 3.33 3.33 3.51 3.20 3.25 3.46 3.20 3.39 Idade*

(.71) (.47) (.58) (.56) (.58) (.56) (.60) (.65)

Compensatórias 2.95 2.88 2.99 2.86 2.56 2.83 3.03 3.45 Ano*

(.72) (.77) (.78) (.72) (.80) (.58) (.55) (.85)

Metacognitivas 3.68 3.84 4.06 3.56 3.92 3.91 3.38 3.78 Idade*

(.81) (.59) (.59) (.69) (.55) (.52) (1.00) (.57)

Afetivas 3.02 2.99 3.07 2.96 3.13 3.12 2.50 3.28

(.80) (.69) (.76) (.73) (.58) (.73) (.80) (.66)

Sociais 3.94 3.86 3.96 3.85 4.24 3.99 3.36 3.88 Ano*

(.92) (.75) (.79) (.85) (.56) (.86) (.88) (.80)

Média Global 3.36 3.33 3.44 3.28 3.41 3.41 3.07 3.48

(.61) (.42) (.52) (.50) (.45) (.44) (.57) (.56)

ds = Diferença significativa
* = p < .05

Questão 5
Comparando os dois grupos de amostra, constata-se que, em termos
da média global do uso das eal, os aprendentes de lmc (M = 3.33,
dp = .52) e os de lmp (M = 3.32, dp = .51) apresentam resultados
bastante semelhantes. Excluem-se, para esta questão, os aprendentes
falantes de russo, holandês e língua crioula, dada a falta de represen-
tatividade. Daí que a média seja diferente do dado referido na questão
1. No entanto, o grupo de lmp apresenta um valor mínimo de 1.67
e um máximo de 4.89, relativamente mais polarizado do que o gru-
po de lmc, com um mínimo de 1.92 e um máximo de 4.36. Porém,

104 re v is ta de in v e s t ig aç ão em educ aç ão e c iênc i a s so c i a is


cult ur a e e s t r at égi a s de a prendiz agem da s língua s

segundo análises mais aprofundadas, essa divergência não releva ne-


nhuma diferença estatisticamente significativa.
Quanto às seis categorias das eal, o maior contraste é observado
no uso das Estratégias Compensatórias. Enquanto o grupo de lmc as
usa com a maior frequência, os aprendentes de lmp desfavorecem-nas,
colocando a categoria no último lugar. Exceto esta divergência, as ou-
tras cinco categorias mantêm a mesma ordem de frequência nos dois
grupos, liderada pela Estratégias Sociais, seguidas das Metacognitivas,
das Cognitivas, das Mnemónicas e por fim das Afetivas.
Ao contrastar as eal mais e menos preferidas reportadas pelos dois
grupos, observa-se que a P43 (Anoto os meus sentimentos num diá-
rio dedicado à minha aprendizagem da língua) e a P6 (Uso cartões-
-relâmpago para lembrar as palavras novas em português/chinês) são
das menos favorecidas por ambos os grupos. A pouca frequência de
uso destas questões deve-se provavelmente ao seu caráter obsoleto
e merece especial atenção nos futuros estudos. A P32 (Presto aten-
ção quando alguém está a falar português/chinês), em contrapartida,
figura-se entre as eal mais pontuadas pelos dois grupos.
Na perspetiva estatística, como ilustra a Tabela 5, a divergência
em termos da adoção das Estratégias Compensatórias é confirmada,
verificando-se diferença significativa nos seguintes aspetos:

1. As Estratégias Compensatórias são mais usadas pelos


falantes de mandarim (M = 3.88) do que pelos de
português (M = 2.88), p = .001;
2. Essa categoria é também mais frequentemente empregada
pelos falantes de cantonense (M = 3.70) do que pelos de
lmp (M = 2.88), p = .001;
3. Além disso, as Estratégias Metacognitivas são mais usadas
pelos falantes de cantonense (M = 3.31) do que pelos de
lmp (M = 3.76), p = .010.

vol . 1(1), 2016 105


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Tabela 5. Língua Materna na Adoção das eal

Língua Materna

Mandarim Cantonense Português


ds
Média Média Média

(dp) (dp) (dp)

Mnemónicas 3.29 3.07 3.15

(.61) (.67) (.61)

Cognitivas 3.49 3.21 3.31

(.63) (.58) (.59)

Compensatórias 3.88 3.70 2.88 Man/Por**

(.61) (.64) (.75) Can/Por**

Metacognitivas 3.45 3.31 3.76 Can/Por*

(.73) (.68) (.70)

Afetivas 3.19 2.77 2.98

(.57) (.70) (.73)

Sociais 3.79 3.46 3.84

(.59) (.71) (.80)

Média Global 3.49 3.24 3.32

(.51) (.51) (.51)

ds = Diferença significativa

* = p < .05 ** = p < .01

Considerações Finais
Em relação ao uso das eal pelos aprendentes de lmp, estudado no
presente trabalho, podemos afirmar o seguinte:

1. Em termos globais, verifica-se um grau de uso médio (M =


3.34) das eal;
2. A categoria das eal mais frequentemente usada é a das Es-
tratégias Sociais, enquanto a menos usada a Compensatória;
3. Os aprendentes do 4.º ano recorrem mais frequentemente
às Estratégias Compensatórias do que os do 1.º ano;
4. Os aprendentes do 1.º ano utilizam com maior frequência
as Estratégias Sociais do que os do 4.º ano;

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cult ur a e e s t r at égi a s de a prendiz agem da s língua s

5. Os aprendentes com mais de 24 anos empregam mais regu-


larmente as Estratégias Cognitivas do que os mais jovens;
6. Os aprendentes com mais de 24 anos adotam mais as Es-
tratégias Metacognitivas do que os mais jovens.

Comparando os aprendentes de lmp com os de lmc, constata-se o


seguinte:
1. Em termos do uso global das eal, os dois grupos revelam
resultados muito próximos;
2. Os aprendentes de lmp desfavorecem as Estratégias Com-
pensatórias, ao passo que os de lmc as preferem;
3. Quanto à frequência das outras cinco categorias, os apren-
dentes de lmp e os de lmc reportam a mesma ordem;
4. Tanto os falantes de mandarim como os de cantonense re-
correm mais frequentemente às Estratégias Compensatórias
do que os de lmp;
5. Os falantes de cantonense empregam com mais frequência
as Estratégias Metacognitivas do que os de lmp.

Apesar dessas diferenças significativas entre os aprendentes de


lmp e os de lmc, não se pode subestimar o papel da língua de es-
tudo na adoção das eal, nomeadamente o chinês para os de lmp e
o português para os de lmc. Como referimos, uma vez que a língua
é veículo da cultura, é inevitável que, numa sala de aula de le, con-
fluam as duas culturas – a da língua materna dos aprendentes e a da
le. Portanto, é possível que essas diferenças, por exemplo nas Estra-
tégias Compensatórias, resultem não só do contexto cultural a que
pertencem os aprendentes, mas também da influência da cultura da
le. Neste caso, talvez sejam as especificidades linguísticas e culturais
da língua chinesa que fazem com que os aprendentes de lmp desfa-
voreçam essa categoria e por outro lado as características da língua
portuguesa, estudada pelos aprendentes de lmc, que conduzam à
maior frequência do seu uso.
Por outro lado, Hofstede (1986; 2010) sugere que as oportunida-
des de uma adaptação cultural bem-sucedida são maiores se o ensi-
nante usar a língua dos aprendentes, em vez de os aprendentes serem
obrigados a aprender a língua do ensinante. No entanto, nas aulas
de le, dado que o objeto de estudo é a própria língua, essa afirmação
pode ser duvidosa. Apesar disso, é certo que deve ser o ensinante a
tentar aproximar-se do estilo de aprendizagem definido pelo contexto

vol . 1(1), 2016 107


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cultural dos aprendentes, em vez do contrário. Isto é aliás defendido


pelo princípio da centragem no aprendente.
Contudo, o ensinante, enquanto assistente e facilitador dos apren-
dentes para atingir os seus objetivos de aprendizagem (Oxford, 1990;
Cohen, 1998), devem considerar integrar, implícita ou explicitamente,
nas aulas de le, as eal em função não só da língua e da cultura dos
aprendentes, mas também da língua e da cultura que se estudam. Os
aprendentes devem conhecer as eal da cultura da le, dado que se
determinadas eal são especialmente preferidas numa dada cultura,
devem ser consideradas eficientes para conhecer essa mesma cultura.

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vol . 1(1), 2016 109


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Apêndice 1
Inventário das Estratégias de Aprendizagem das Línguas
Instruções

O presente inventário das estratégias de aprendizagem das línguas desti-


na-se aos aprendentes de português como língua estrangeira, no qual se
encontram afirmações sobre a aprendizagem do português. O questioná-
rio é composto por sete partes, sendo as primeiras seis em forma de res-
postas em escala. Leia com atenção cada afirmação e escreva as respostas
(1, 2, 3, 4, 5) que correspondem ao grau de verdade da afirmação.
1. Nunca ou quase nunca verdadeira. (a afirmação é muito
raramente verdadeira)
2. Normalmente não verdadeira. (a afirmação é verdadeira em
menos da metade das ocasiões)
3. De certa forma verdadeira. (a afirmação é verdadeira em
cerca de metade das ocasiões)
4. Normalmente verdadeira. (a afirmação é verdadeira em mais
da metade das ocasiões)
5. Sempre ou quase sempre verdadeira. (a afirmação é verdadei-
ra em quase a totalidade das ocasiões)

As respostas não são consideradas corretas ou erradas. Por isso, responda


em termos da fidelidade com que a afirmação o descreve. Não responda
de acordo com o que pensa que deve ser, ou de acordo com que as outras
pessoas fazem. A última parte do questionário é uma pergunta aberta,
onde pode descrever as estratégias que costuma utilizar e que não estejam
contempladas nas primeiras seis partes. O tempo gasto é normalmente
inferior a 30 minutos.

Sexo
Idade
Regime de estudo
Ano
Língua Materna

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1.ª Parte

1. Tento estabelecer relações entre o que já sei e as coisas novas que


aprendo em chinês.
2. Construo frases com as palavras novas em chinês como forma de
memorizá-las
3. Faço conexão do som de uma nova palavra com uma imagem da palavra
para me ajudar a memorizá-la.
4. Lembro-me de uma palavra nova fazendo uma imagem mental da
situação na qual a palavra poderia ser usada.
5. Comparo caracteres com o mesmo som para os memorizar.
6. Uso cartões-relâmpago para lembrar as palavras novas em chinês.
7. Associo palavras novas às diferentes sensações para as memorizar.
8. Costumo fazer revisão das matérias lecionadas.
9. Recordo as palavras novas lembrando-me da sua localização na página,
no quadro, ou num cartaz na rua.

2.ª Parte

10. Digo ou escrevo várias vezes as palavras novas em chinês.


11. Tento falar como falantes nativos de chinês.
12. Pratico os sons de chinês.
13. Uso as palavras em chinês que eu conheço de formas diferentes.
14. Tomo a iniciativa de começar conversas em chinês.
15. Vejo programas em chinês na tv ou filmes falados em chinês
ou ouço rádio em chinês.
16. Leio em chinês por prazer.
17. Faço apontamentos, escrevo bilhetes, cartas ou relatórios em chinês.
18. Primeiro, faço uma leitura rápida e depois volto a ler cuidadosamente.
19. Comparo as semelhanças e as diferenças entre o chinês e a minha língua
materna.
20. Tento encontrar padrões em chinês.
21. Descubro o significado das palavras decompondo-as em partes
que eu conheço.
22. Evito traduzir palavra por palavra.
23. Faço sumário das informações que ouço ou leio em chinês.

3.ª Parte
24. Para compreender palavras desconhecidas, tento adivinhar
o seu significado.
25. Quando não consigo recordar uma palavra na conversa, faço gestos.
26. Invento palavras novas quando não sei as corretas em chinês.

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27. Leio em chinês sem consultar cada palavra nova no dicionário.


28. Tento adivinhar o que o orador dirá em seguida em chinês.
29. Se não me lembro de uma palavra em chinês, uso uma palavra
ou expressão que seja próxima do seu significado.

4.ª Parte

30. Tento criar o máximo de oportunidades para usar o meu chinês.


31. Tento identificar os meus erros em chinês para me ajudar a melhorar.
32. Presto atenção quando alguém está a falar chinês.
33. Tento descobrir formas para aprender melhor.
34. Planeio a minha agenda de forma a ter tempo suficiente para estudar
chinês.
35. Procuro pessoas com quem possa falar chinês.
36. Tento criar o máximo de oportunidades para ler em chinês.
37. Tenho objetivos claros para melhorar as minhas competências em chinês.
38. Reflito sobre o meu progresso na aprendizagem do chinês.

5.ª Parte

39. Procuro controlar-me quando me sinto inseguro(a) ao usar o chinês.


40. Encorajo-me a falar chinês mesmo quando receio cometer erros.
41. Recompenso-me quando tenho um bom desempenho em chinês.
42. Observo se estou tenso(a) ou nervoso(a) quando estou a estudar ou a
usar o chinês.
43. Anoto os meus sentimentos num diário dedicado à minha aprendizagem
da língua.
44. Converso com outras pessoas sobre o que sinto quando estou a
aprender chinês.

6.ª Parte
45. Se não compreendo algo em chinês, peço ao interlocutor para falar mais
devagar ou para repetir.
46. Peço aos falantes nativos para me corrigir quando falo.
47. Pratico chinês com os colegas.
48. Peço ajuda a falantes de chinês.
49. Faço perguntas em chinês.
50. Tento aprender aspetos da cultura chinesa.

7.ª Parte

51. Além das estratégias acima referidas, que outras estratégias costuma utilizar?

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Normas Texto da comunicação
da Publicação O tamanho do documento deve-
rá situar-se entre os 30 000 e os
Título do Artigo 40000 caracteres com espaços
Nome do Autor (texto, bibliografia e anexos).
Instituição de Origem A fonte utilizada deve ser Georgia,
Correio eletrónico 9,5, normal, espaçamento entre
linhas de 1,5 cm, justificado, 6 pts
— depois do parágrafo.

Estrutura do texto
A estrutura dos textos que apre-
sentam resultados de investigação
deverá seguir, grosso modo, a cor-
Línguas de publicação respondente à estrutura dos arti-
A Revista de Investigação em Edu- gos científicos (explicitando: na
cação e Ciências Sociais (RIECS) Introdução, os objetivos e enqua-
publica artigos inéditos em Portu- dramento do estudo no estado da
guês, Espanhol ou Inglês. arte; a Metodologia seguida para
a realização do estudo; os Resulta-
Resumo / Abstract / Resumen dos obtidos; a respetiva Discussão;
A acompanhar os textos devem e as Conclusões a que se chegou;
ser enviados resumos em Portu- havendo a possibilidade de a dis-
guês e em Inglês (Abstract), obri- cussão ser feita em conjunto com
gatoriamente. No caso de artigos a apresentação dos resultados ou
em Castelhano, ou opcionalmente com as conclusões).
para artigos nas línguas anterior-
mente referidas, deve ser também Título da secção
enviado um resumo em Castelha- A fonte é Verdana, tamanho 12,
no (Resumen). O texto do resumo negrito, espaçamento de 1,5 li-
não deve exceder 1500 caracteres nhas, alinhado à esquerda.
com espaços. A fonte utilizada
deve ser Georgia, 9,5, itálico, espa- Título da subsecção
çamento simples, justificado, 6 pts A fonte é Verdana, tamanho 9,5,
depois do parágrafo. espaçamento de 1,5 linhas, alinha-
do à esquerda, com avanço de 1,25
Palavras-chave Entre 3 e 5. cm, 12 pts antes do parágrafo.

114 re v is ta de in v e s t ig aç ão em educ aç ão e c iênc i a s so c i a is


Citações extensas Exemplos para formatação
A fonte é Georgia, 9,5, normal, Ball, D. L. (1990). Prospective el-
justificado, espaçamento simples, ementary and secondary teachers’
6 pts depois do parágrafo, avanço understanding of division. Journal
de 1,25 cm à esquerda e à direita. for Research in Mathematics Edu-
cation, 21(2), 132-144.
Legendas de tabelas ou
quadros, figuras e gráficos, Jonassen, D. (2007). Computado-
Tabelas ou quadros: numerados e res, Ferramentas Cognitivas: De-
titulados em Verdana, 8pt, normal, senvolver o pensamento crítico nas
centrado, espaçamento simples, 18 escolas. Porto: Porto Editora.
pts antes do parágrafo e 6 pts de-
pois do parágrafo; título colocado McDonough, A., & Clarke, D.
acima da tabela ou quadro. Figu- (2002). Describing the practice of
ras e gráficos: numerados e legen- effective teachers of mathematics in
dados em Verdana, 8pt, normal, the early years. In N. A. Pateman,
centrado, espaçamento simples, 6 B. J. Doherty, & J. Zilliox (Eds.),
pts antes do parágrafo e 18 pts de- Proc. 27th Conf. of the Int. Group
pois do parágrafo; título colocado for the Psychology of Mathematics
por debaixo do gráfico ou figura. Education (Vol. 3, pp. 261-268).
Honolulu, USA: PME.
Notas Deverão ser colocadas no
final do artigo, após as Referências Rodrigues, E. F. (2001). Formação
bibliográficas, e antes de eventuais de Professores para a utilização das
Apêndices. TIC no Ensino: Definição de Com-
petências e Metodologias de For-
Referências bibliográficas mação. Acedido em 10 de Outubro,
A fonte é Georgia, 9,5, justificado, 2002, em http://www.educ.fc.ul.pt/
espaçamento simples, com avanço recentes/mpfip/comunica.htm.
especial pendente de 1,2 cm, 6
pts depois do parágrafo. Devem Wu, C.-C., & Lee, G. C. (2004).
seguir-se as normas da APA (Ame- Use of computer-mediated com-
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cum course. International Journal
of Science and Mathematics Edu-
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vol . 1(1), 2016 115


© 2016 · ESECS/Instituto Politécnico de Leiria

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