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Rosanvallon LEGITIMIDADE E DEMOCRACIA

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PERSPECTIVAS

Nº 12/2017

BRASIL A democracia do século XXI

Pierre Rosanvallon
JULHO DE 2017

A atual crise da democracia não se limita à “crise de representa-


ção”. As eleições têm hoje menor capacidade de representação
por razões institucionais e sociológicas e há mal-estar e desas-
sossego cidadãos.

O “povo” já não é apreendido como uma massa homogênea,


mas assemelha-se antes a uma sucessão de histórias singulares.

Para dar conta desse fenômeno, é urgente ampliar a democracia


de autorização em direção a uma democracia de exercício, o
que requer uma democracia narrativa, com cidadãos iguais em
dignidade e reconhecimento. Do contrário, o déficit de repre-
sentação continuará provocando oscilações entre a passividade
e o medo, que com frequência favorecem os chamados populis-
mos de direita.
Pierre Rosanvallon | A DEMOCRACIA DO SÉCULO XXI

O desencanto democrático contemporâneo é uma pressão para cumprirem seus compro-


um fato estabelecido. Ele se inscreve com evi- missos e implementarem seus programas. (As
dência em uma história feita de promessas não noções de voto retrospectivo e de reeleição sem-
cumpridas e ideais traídos. Mas de onde ele pre foram centrais para a apreensão do caráter
provém mais precisamente e como superá-lo? democrático da eleição);
Temos necessidade de um diagnóstico e deve-
mos explorar soluções. Uma parte do proble- Uma função de produção da cidadania, dando
ma decorre certamente dos defeitos e faltas dos consistência ao princípio de “uma pessoa/um
homens e mulheres políticos, com frequência voto”, que define o sufrágio universal (e con-
desvinculados da sociedade, aparentemen- tribui assim, em primeiro lugar, para a produ-
te preocupados antes de mais nada com suas ção de uma “sociedade de iguais”, retomando
próprias carreiras e, por vezes, inclusive cor- a fórmula de Tocqueville, fundada na condição
ruptos. Porém, esse processo da classe política, de igualdade compartilhada por todos, sendo
sobre o qual prosperam os partidos populistas, que o exercício do direito de voto expressa com
está longe de explicar tudo. Há, de fato, cau- efeito um status de igualdade para todos, na
sas mais estruturais e profundas do fenômeno medida em que têm uma função);
contemporâneo da desafeição democrática. Eu
gostaria de frisar aqui uma delas, que estaria no Uma função de animação da deliberação pú-
centro do problema: o declínio do desempe- blica, historicamente expressa pelo modo de
nho democrático das eleições. organização das eleições, que repousava sobre
a participação nas assembleias eleitorais nas
O declínio do desempenho quais era possível o intercâmbio de argumen-
democrático das eleições tos. (Durante a Revolução Francesa, o cida-
dão era definido como “membro de uma as-
Para estabelecer a natureza e medir o alcance sembleia primária”). Vale recordar que o voto
desse fenômeno, é preciso relembrar a teoria individual, expresso pela passagem por uma
clássica da eleição, que reconstituo aqui pois cabine de votação (chamada Australian ballot)
ela tem permanecido apenas implícita e frag- só se difundiu a partir do início do século XX.
mentária nos fatos. Se tomamos o conjunto
das justificações históricas da eleição, consta- Se cumpria com essas funções, a eleição podia
tamos que se espera que ela cumpra as cinco ser considerada o instrumento democrático por
funções democráticas essenciais: excelência. Mas logo se evidenciou, desde as
primeiras experiências de sufrágio universal,
Uma função de representação, ao designar re- que estas cinco funções estavam longe de ser
presentantes eleitos que expressem os interesses cumpridas automaticamente. Daí a longa his-
e os problemas dos diferentes grupos sociais; tória, desde o início do século XIX, dos pro-
jetos de reforma e as mudanças institucionais
Uma função de legitimação das instituições para melhorar o desempenho das eleições.
políticas e dos governos; Implementação de eleições proporcionais,
formação de partidos de classe que sucede-
Uma função de controle dos eleitos, a pers- ram os agrupamentos de notáveis, ou inclu-
pectiva de uma reeleição que exerce sobre eles sive adoção do princípio de paridade para
Este artigo foi publicado pela Nueva Sociedad, nuso.org, em
melhorar a qualidade representativa dos elei-
Maio-Junho de 2017. tos, por exemplo. Estabelecimento de comitês

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Pierre Rosanvallon | A DEMOCRACIA DO SÉCULO XXI

eleitorais e de primárias para reduzir o peso um caráter representativo propriamente dito,


dos aparelhos políticos e associar os cidadãos dado que a representação implica por defi-
à escolha dos candidatos. Adoção de regras nição a manifestação de uma pluralidade. À
que impedem a acumulação de mandatos ou exceção, é claro, dos regimes cesaristas-popu-
restringem o número consecutivo destes para listas-totalitários (equivalentes deste ponto de
limitar a tendência à profissionalização da po- vista), que pretendem se fundar em um prin-
lítica. Mecanismos de revogação (recall) ou de cípio de encarnação: pense-se em Napoleão
impeachment para controlar os representantes afirmando, de forma pioneira nesse sentido,
eleitos mediante interrupção de seu mandato ser um “homem-povo” (o que corresponde
e chamado a novas eleições. Instalação de co- a um retorno secularizado à noção de rei-so-
missões independentes para garantir o bom berano que incorpora a sociedade, tal como
funcionamento do processo eleitoral e tornar Hobbes a havia formulado).
as eleições mais transparentes. Limitação das
despesas eleitorais para reduzir o papel do di- De um ponto de vista sociológico, a noção
nheiro. Organização de campanhas oficiais de representação se sustentava implicitamen-
para pôr os candidatos em pé de igualdade. te na ideia de que a sociedade era composta
Os projetos nesse campo são numerosos e por ordens, por corpos, por classes (o que le-
ainda há muito a fazer para melhorar a quali- vou Rousseau a afirmar que a representação
dade do processo eleitoral. Mas não podemos tinha um caráter medieval). Esta dimensão
permanecer nessa visão do progresso demo- continua sendo predominante, mas a socie-
crático se quisermos alcançar tal propósito. dade não pode mais ser apreendida apenas
Por vários motivos: desse modo. Nós entramos também em uma
nova era da identidade, ligada ao desenvolvi-
1) Em primeiro lugar, as eleições têm hoje mento de um individualismo de singularidade.
uma menor capacidade de representação, por Isso modifica as percepções da sociedade e as
razões institucionais e sociológicas. De uma expectativas dos cidadãos. Abre-se assim uma
perspectiva institucional, a centralidade cres- nova etapa da emancipação humana, uma
cente do Poder Executivo modificou a noção etapa caracterizada pelo desejo de ter acesso
de representação. O projeto de representar a a uma existência plenamente pessoal. Seu ad-
sociedade havia sido concebido no âmbito das vento está relacionado à maior complexida-
assembleias parlamentares. Tratava-se, segun- de e heterogeneidade do mundo social, bem
do a célebre fórmula de Mirabeau em 1789, como às mutações do capitalismo. Porém, de
de concebê-las como a composição ideal de forma mais profunda ainda, o advento dessa
uma imagem da sociedade em escala reduzi- nova era se vincula ao fato de que os indi-
da. A noção de representação era inseparável víduos são agora determinados tanto por sua
da expressão de uma diversidade. Hoje, no história pessoal quanto por sua condição so-
entanto, é a eleição do Poder Executivo que cial. A confrontação com os acontecimentos,
está no centro da vida democrática (seja esta as provações sofridas ou as oportunidades
eleição direta, como na França, ou indireta, reencontradas são o que conforma hoje suas
derivada de uma maioria parlamentar, como existências, marcando pontos de estagnação,
na Alemanha ou na Grã-Bretanha). É o que condenando a retrocessos ou proporcionan-
temos chamado de “presidencialização das do melhoras de posição. Duas pessoas prove-
democracias”, com o problema de que uma nientes do mesmo entorno ou com a mesma
só pessoa, o chefe do Executivo, não pode ter formação podem, assim, traçar percursos de

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Pierre Rosanvallon | A DEMOCRACIA DO SÉCULO XXI

vida fortemente divergentes, a depender de democrática, um princípio de justificação e


terem passado ou não pela experiência de um uma técnica de decisão. Sua assimilação ro-
divórcio ou do desemprego. Os trabalhos dos tineira terminou mascarando a contradição
psicólogos têm ressaltado, nesse mesmo sen- latente que subjazia. Os dois elementos não
tido, o fato de que hoje os indivíduos não são são de fato da mesma natureza. Como proce-
mais tão sensíveis àquilo que possuíam em dimento, a noção de maioria pode ser impos-
determinado momento quanto àquilo que te- ta ao espírito, mas não é a mesma coisa se a
mem perder ou esperam ganhar. É de forma entendermos sociologicamente. Ela adquire,
dinâmica que eles consideram cada vez mais neste último caso, uma dimensão inevita-
a sua existência. O indivíduo-história, neces- velmente aritmética: ela designa aquilo que
sariamente singular, sobrepôs-se assim ao in- continua sendo uma fração, ainda que domi-
divíduo-condição, mais identificado de forma nante, do povo. Ora, a justificação do poder
estável a um grupo, constituído em torno a pelas urnas sempre remeteu implicitamente à
uma característica central. Representar si- ideia de uma vontade geral e, portanto, a de
tuações sociais torna-se então necessário, en- um povo como figura do conjunto da socie-
quanto que antes só se tratava de representar dade. Fez-se então como se o maior número
condições sociais. Não é tanto a designação de valesse pelo todo e a eleição majoritária fosse
um representante o que se faz necessário neste então suficiente para justificar a ação dos go-
caso, mas sim a consideração pública das ex- vernantes. Essa aproximação fez esquecer que
periências e situações vividas. a democracia eleitoral repousava sobre algo
que é da ordem de uma ficção, no sentido
2) As eleições também se tornaram menos jurídico do termo. O problema é que essa fic-
eficazes para legitimar os poderes, ainda que ção tem se tornado cada vez mais problemá-
a característica primeira e mínima de um re- tica, por uma razão decisiva: o próprio termo
gime democrático continue residindo, de for- “maioria” não possui mais o valor simbóli-
ma evidente, na escolha dos governantes pe- co e prático de outrora. Embora permaneça
los governados. Essa afirmação fundacional perfeitamente definido aritmética e juridica-
incluiu, desde as origens, uma aproximação mente, em termos sociológicos não ocorre o
importante: a da assimilação prática da von- mesmo. O interesse do maior número não
tade geral à expressão majoritária. Mas essa é tão facilmente assimilado como no passa-
aproximação não foi discutida. O fato de que do ao de uma maioria. O “povo” não é mais
o voto da maioria estabeleça a legitimidade de apreendido como uma massa homogênea, e
um poder foi, com efeito, universalmente ad- sim como uma sucessão de histórias singula-
mitido como um procedimento identificado res, uma somatória de situações especificas.
com a própria essência do fato democrático. É por isso que as sociedades contemporâneas
Uma legitimidade definida nesses termos foi são cada vez mais compreendidas a partir
imposta primeiramente como ruptura com da noção de minoria. A minoria não é mais
um antigo mundo no qual as minorias dita- a “pequena parte” (que deve se submeter a
vam sua lei. A evocação da “grande maioria” uma ”grande parte”): ela se tornou uma das
ou da “imensa maioria” bastava então para múltiplas expressões difratadas da totalidade
dar corpo à afirmação dos direitos de mui- social. A sociedade se manifesta atualmente
tos diante da vontade claramente particular sob a forma de uma ampla variedade de con-
de regimes despóticos ou aristocráticos. Mas dições minoritárias. “Povo” é agora também
o fato é que assim misturaram-se, na eleição o plural de “minoria”.

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Pierre Rosanvallon | A DEMOCRACIA DO SÉCULO XXI

3) A temporalidade da vida pública, por sua a ideologia populista do referendo, concebido


vez, se transformou de diversas maneiras. A este como manifestação imediata e sensível do
noção de programa, em primeiro lugar, per- povo. Mas o fato é que a dimensão delibera-
deu sua consistência em um mundo domina- tiva e comunitária da eleição foi se apagando,
do pela incerteza, no qual cotidianamente é como demonstram as porcentagens de abs-
preciso lidar com crises locais e acontecimen- tenção eleitoral, por um lado, e a redução do
tos internacionais. Os programas de governo, debate de ideias a slogans simplificadores, por
que constituíram alguma vez o coração das outro. As eleições se converteram, nesse sen-
campanhas eleitorais, delineando os grandes tido, no momento privilegiado de expressão
contrastes entre os partidos, supostamen- das frustrações democráticas, com a ascensão
te deveriam ser logo postos em prática. Eles dos partidos populistas. A ideia de produção
estabeleciam, desta forma, uma ligação entre de uma sociedade de iguais deu passagem à
o momento eleitoral e o tempo da ação go- celebração de um povo abstrato cujo rosto se
vernamental. Mas a nova relação com a ur- desenha negativamente na rejeição de elites
gência, vinculada a uma maior personalização de contornos esquivos.
dos confrontos, modificou essa capacidade de
“projeção democrática” da eleição. A eleição Por essas diversas razões, o desempenho de-
se reduziu, do mesmo modo, a um simples mocrático das eleições declinou. Elas conti-
processo de nomeação e está muito fragil- nuam certamente jogando um papel essencial.
mente ligada a uma forma de validação das Possuem uma função reguladora imprescin-
decisões dos governantes. Caber acrescentar dível e necessária ao constituírem o poder da
que, nesse contexto, o retrospective voting já última palavra. A virtude de sua definição
não desempenha seu papel mais do que como mínima, tal como Schumpeter a formulou,
uma democracia de rejeição, uma democracia continua sendo a de pôr fim aos conflitos
negativa. Não cumpre mais uma função re- de forma pacífica, dado que todos podem
guladora. Não contribui mais ao controle dos ao menos acordar sobre o fato aritmético de
governantes uma vez eleitos com elementos que 51 é maior do que 49. No entanto, isso
de democracia em exercício, prolongando as- não é suficiente para superar as expectativas
sim a democracia de autorização. democráticas, que permanecem insatisfeitas
dessa forma. É por isso que nos encontramos
4) O projeto de construir uma sociedade de hoje em busca de uma democracia pós-eleito-
iguais estivera no cerne das revoluções fun- ral (termo que considero mais adequado do
dacionais do século XVIII, tanto na América que o de pós-democracia). Gostaria de esbo-
quanto na França. E o direito de voto fora çar aqui alguns traços, sublinhando que é no
considerado um de seus símbolos mais evi- sentido da complexidade das formas e dos re-
dentes. Falava-se com frequência das eleições cursos da democracia que se pode vislumbrar
como “festas da democracia”, dimensão que seu desenvolvimento.
era validada por sua ligação com a organização
das eleições no seio das assembleias delibera- Complicar a democracia para
tivas, como já foi mencionado. Tal dimen- realizá-la
são foi reavivada no início do século XX, de
modo perverso e degradado, com o conceito Ao descrever o advento do mundo democrá-
schmittiano de “democracia de aclamação”. tico do qual era testemunha, Tocqueville ob-
Reapareceu também mais recentemente com servava: “A noção de governo se simplifica: o

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Pierre Rosanvallon | A DEMOCRACIA DO SÉCULO XXI

número sozinho faz a lei e o direito. Toda a ativa e multiforme na representação-narra-


política se reduz a uma questão de aritméti- ção, enquanto que a representação-figuração
ca”. Hoje seria necessário dizer exatamente o pressupõe uma atenção às condições sociais
contrário. O progresso democrático implica concebidas de forma muito global.
agora tornar mais complexa a democracia,
mediante a multiplicação dos registros de ex- Este projeto de uma democracia narrativa
pressão da vontade geral, da ampliação das é também um meio para construir uma so-
modalidades de representação, estabelecendo ciedade de indivíduos plenamente iguais em
formas plurais de soberania. A simplificação dignidade, igualmente reconhecidos e consi-
da democracia hoje dá a mão à sua traição, derados, que possam fazer sociedade comum.
sob a forma de regimes “autoritários-liberais” Mais visibilidade e legibilidade ajudam ain-
e de movimentos populistas que os fazem da a tornar a sociedade mais governável e
possíveis. reformável. Uma sociedade com déficit de
representação de si mesma oscila entre a pas-
Rumo a uma representação narrativa sividade e o medo. Ela tende a ser dominada
pelo ressentimento, que combina a cólera e
Em 1789, a Declaração Francesa dos Direitos a impotência, e não consegue então pensar
do Homem e do Cidadão apontava enfatica- concretamente na ação sobre si mesma. Essa
mente que “a ignorância, o esquecimento e o sociedade deve constantemente simplificar e
desprezo dos direitos humanos são as únicas caricaturar o real esperando torná-lo maleável.
causas das desventuras públicas e da corrup- A má representação leva desta forma a apagar
ção dos governos”. A precisão é essencial: a a realidade, a torná-la indizível. A sociedade
qualidade da democracia depende da presen- termina então sendo marcada por uma visão
ça permanente na vida pública das realidades fantasmática de si mesma, erigindo bodes ex-
vividas pelos cidadãos e da lembrança de seus piatórios para explicar todos os seus males. A
direitos. Democracia não significa apenas so- democracia não pode viver a menos que os
berania popular, deliberação pública, desig- homens e mulheres se reconheçam tal como
nação de representantes eleitos; democracia eles são para constituir um mundo comum.
significa também atenção a todos, levando em Isso exige que exista uma forma de intercom-
conta explicitamente todas as condições. Isso preensão entre seus membros. O custo da má
implica desenvolver uma representação narra- representação é, por isso, tanto social e moral
tiva ao lado da clássica representação-delegação quanto individual. “Vivemos em uma terrível
(que, aliás, funciona muito mal, tendo em ignorância uns dos outros”, lamentava-se Mi-
vista que a função representativa dos partidos chelet quando buscava explicar a dificuldade
políticos foi se erodindo à medida que se inte- dos indivíduos em formar um povo frater-
gravam ao mundo dos governantes). Não ser nal na nova república democrática de 1848.
representado significa, com efeito, ser invisí- Quando as realidades são mascaradas, as vidas
vel na esfera pública, não ter os problemas da são deixadas na escuridão, e os preconceitos
própria vida levados em consideração e discu- e fantasmas governam a imaginação. É isso
tidos. A representação possui, nesse caso, uma também o que alimenta a desconfiança e os
dimensão cognitiva e expressiva. Isso vai além medos. Quando os indivíduos se ignoram, os
da noção de representação-figuração que classi- mecanismos de retraimento e “guetização” se
camente costuma-se opor às concepções pro- multiplicam. Uma sociedade não pode de-
cedimentais. Existe, de fato, uma dimensão senvolver mecanismos de solidariedade e de

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Pierre Rosanvallon | A DEMOCRACIA DO SÉCULO XXI

reciprocidade se não houver certo grau de cípio. Algumas foram criadas por assembleias
confiança em seu seio. Entretanto, essa “insti- parlamentares para controlar e equilibrar um
tuição invisível” que é a confiança possui uma Poder Executivo suspeito de partidarismo;
dimensão diretamente cognitiva, como ob- outras, pelo próprio Executivo para restaurar
servara enfaticamente Niklas Luhmann. Não uma credibilidade debilitada ou conceder al-
é de fato possível confiar em alguém que seja guns de seus poderes em âmbitos nos quais
um estranho total, sobre quem não se sabe não se sentia tecnicamente equipado. Seu nú-
nada. Não se pode construir nada com aque- mero cresce atualmente em toda parte, sob a
les de quem ignoramos quase tudo. pressão também dos cidadãos que receiam os
abusos de poder partidaristas por serem sim-
A posta em prática de uma democracia narra- plesmente majoritários.
tiva depende menos de dispositivos institucio-
nais do que do desenvolvimento multiforme O povo-princípio corresponde ao fato de que
de empresas que tenham como objetivo “nar- “o povo” não é apenas uma população. Ele tem
rar a sociedade”. Isso envolve tanto as ciências também uma dimensão histórica. Não possui
naturais quanto a literatura, a fotografia e o somente uma consistência imediata, estática;
cinema. Nos Estados Unidos da grande cri- ele se apreende também de forma dinâmica
se dos anos 1930, fez-se uma tentativa nessa como uma comunidade fundada sobre valo-
direção com o lançamento do Federal Writer’s res compartilhados. Como qualificar essa di-
Project. Eu, mais recentemente, tentei por mensão coletiva senão a partir dos princípios
minha parte constituir na França o embrião que a constituem? Dar politicamente seu lu-
de um Parlamento dos Invisíveis. Existe ali um gar ao povo implica então representar o povo
canteiro de obras democrático essencial. “jurídico” em sua figura constitucional. Isso
justifica a superioridade normativa da ordem
As novas vias da legitimidade constitucional. Os tribunais constitucionais
democrática têm por função representar esse povo no qual
cada indivíduo conta, já que seus direitos são
Essas novas vias correspondem a abordagens garantidos, enquanto que a ordem majori-
da generalidade democrática que atenuam a tária por vezes toma decisões influenciadas
realização de sua expressão eleitoral-majoritá- pelos acontecimentos ou pela preocupação
ria tradicional, procurando encontrar o senti- de privilegiar interesses específicos. O poder
do de uma vontade geral entendida como ex- de todos se define aqui então como o poder
pressão unânime da sociedade. Duas noções de qualquer pessoa (ou seja, de todos os indi-
podem ser utilizadas para avançar nessa dire- víduos que têm o poder de ter seus direitos
ção: a da imparcialidade e a do povo-princípio. protegidos).
A imparcialidade se refere a uma definição
negativa da vontade geral. Uma instituição A crescente influência desses dois tipos de ins-
imparcial é uma instituição da qual ninguém tituições tem modificado progressivamente a
(nem grupo de interesse, nem partido políti- natureza e o alcance dos poderes Legislativo e
co, nem indivíduo específico) pode pretender Executivo tal como tinham sido concebidos
se apropriar. O poder democrático de todos na teoria liberal e democrática clássica. Após
se apresenta nesse caso sob as formas do poder acrescentar seu papel, as autoridades indepen-
de ninguém. As autoridades independentes de dentes de regulação e vigilância mudaram os
vigilância e de regulação se apoiam nesse prin- termos em que se podia entender a democra-

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Pierre Rosanvallon | A DEMOCRACIA DO SÉCULO XXI

cia. Mas trata-se apenas de uma mudança de toral-majoritária. Assim, não devemos criticá-
fato, pois essas instituições ainda não foram -las apenas por seu iliberalismo, mas também
conceituadas como formas políticas novas, por seu incumprimento democrático. O
com um papel específico na ordem democrá- problema é que hoje muitos democratas não
tica. Da mesma forma, elas podem também apresentam essa inteligência em sua crítica es-
conduzir a um aprofundamento inédito das pontânea.
democracias e não ao simples reforço de um
liberalismo tímido. O papel dos tribunais Podemos, por fim, sublinhar que a noção de
constitucionais é, por exemplo, suscetível de democracia indireta, tal como já a defini, que
se inscrever na perspectiva tradicional de um leva a refundar sobre novas bases aquela de
crescimento do poder do direito destinado a regime misto, é mais operacional do que a
limitar e enquadrar a expressão da soberania distinção classicamente utilizada na Ciência
popular. A oposição subjacente entre govern- Política entre input e output democracy.
ment by will e government by constitution não
faz mais do que reproduzir um velho topos li- A democracia de exercício, para além da
beral. A questão da correção dos limites do democracia de autorização
poder majoritário neste caso segue inscreven-
do-se implicitamente na velha perspectiva da Nossos regimes podem ser chamados de de-
denúncia dos riscos de “tirania da maioria” mocráticos, mas nós não somos governados
à que se entregavam no século XIX aqueles democraticamente. Esse é o grande hiato que
que tinham medo de se ver subjugados pelo alimenta o desencanto e o desconcerto con-
advento do sufrágio universal. Mas o desen- temporâneos. Precisemos: nossos regimes são
volvimento desses tribunais também pode considerados democráticos no sentido de que
ser visto como um instrumento de redução o poder surge das urnas após uma competi-
da margem de manobra dos governantes e, ção aberta e de que vivemos em um Estado
portanto, uma forma de aumentar o controle de direito que reconhece e protege as liber-
social sobre os representantes. Uma Consti- dades individuais. Trata-se certamente de de-
tuição, explicava nesse sentido Edouard La- mocracias em grande medida inacabadas. Os
boulaye, importante jurista do século XIX, representados se sentem então muitas vezes
pode ser entendida como “a garantia de que abandonados por seus representantes estatu-
dispõe o povo contra aqueles que fazem seus tários, e o povo, passado o momento eleitoral,
negócios, a fim de que não abusem do man- se percebe bem pouco soberano. Mas essa rea-
dato que lhes confiaram”. As autoridades lidade não deve ocultar outro fato, ainda mal
independentes de vigilância e regulação são identificado em sua especificidade: o de um
também suscetíveis de ser pensadas a partir mau governo, que também corrói profunda-
das duas perspectivas opostas. mente nossas sociedades. Se a vida política se
organiza ao redor de instituições que definem
Cabe observar que as “democracias autoritá- um tipo de regime, é também resultado da
rias” (como a Rússia, a Turquia ou inclusive ação governamental, isto é, da gestão cotidia-
a Polônia e a Hungria), que poderíamos cha- na dos assuntos públicos, instância de decisão
mar de populistas, com frequência se opõem e de comando. É o lugar de um exercício do
violentamente ao papel desses dois tipos de poder que chamamos, em termos constitu-
instituições. Elas são de fato as melhores ex- cionais, de Poder Executivo. É com ele que
poentes de uma democracia puramente elei- os cidadãos lidam imediata e cotidianamente.

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Pierre Rosanvallon | A DEMOCRACIA DO SÉCULO XXI

Por sua vez, o centro de gravidade da exigên- dições de controle deste último por parte da
cia democrática é definitivamente deslocado. sociedade. A relação governados-governantes
Embora durante muito tempo esta última tornou-se a questão principal. O problema é
tenha estado ligada à determinação de um que a única resposta que se tem dado a esse
vínculo positivo entre os representantes e os imperativo atualmente limita-se à eleição
representados, agora é a relação dos gover- do chefe do Executivo. Implantou-se apenas
nantes para com os governados a que deve ser uma democracia de autorização, uma permis-
considerada. são para governar que foi acordada. Nem
mais nem menos. Isso claramente não é su-
Para os cidadãos, a falta de democracia signi- ficiente, como podemos ver no mundo dos
fica não ser escutados, ver que as decisões são responsáveis eleitos, que estão bem longe de
tomadas sem consulta, que os ministros não se comportar como democratas.
assumem suas responsabilidades, que os diri-
gentes mentem com impunidade, constatar Se podemos considerar que, em certas condi-
que a corrupção reina, que a classe política vive ções, a eleição é capaz de determinar adequa-
em uma bolha e não presta contas, e que o fun- damente a relação entre representantes e repre-
cionamento administrativo permanece opaco. sentados, não ocorre o mesmo com a relação
entre governados e governantes. O ponto é
O problema é que essa dimensão da políti- essencial. A designação de um representante
ca nunca foi pensada como tal. A democra- consistiu historicamente em seu princípio
cia sempre foi entendida como regime, mas de expressar uma identidade ou transmitir
quase nunca como um modelo de governo. um mandato, todas questões que idealmente
A prova disso é que as palavras “regime” e podiam ser cumpridas pelo fato eleitoral. A
“governo” muitas vezes se confundiram1. A eleição era, com efeito, considerada capaz de
questão pode parecer secundária na primeira estabelecer o representante em sua qualidade
forma histórica do regime democrático, a do e sua funcionalidade intrínsecas, com a no-
modelo parlamentar-representativo, no qual ção de permanência que o termo implica. Já
o Poder Legislativo domina todos os outros. a eleição de um governante não faz mais que
Hoje, porém, o Poder Executivo se transfor- legitimar sua posição institucional e não lhe
mou no eixo central, e ele gira em direção a confere nenhuma qualidade. O “desempenho
um modelo presidencial-governante das demo- democrático” de tal eleição – volto sobre isso
cracias. Enquanto que antes era o sentimento – é, nesse sentido, inferior ao da eleição de
de má representação o que concentrava todas um representante.
as críticas, hoje o de mau governo também
exige que se deem respostas. Daí, nesse caso, a imperiosa necessidade de
ampliar a democracia de autorização em dire-
Nos tempos de predomínio do Poder Execu- ção a uma democracia de exercício. O objetivo
tivo, a chave da democracia reside nas con- é determinar as qualidades que se esperam
dos governantes e as regras positivas que orga-
nizam as suas relações com os governados. É
1. Foi claramente o caso nos séculos XVIII e XIX, quando o
termo “governo” era tomado como sinônimo de “regime” e no estabelecimento de tal democracia que se
abrangia portanto os poderes Legislativo e Executivo. A expres- joga o essencial de agora em diante. De fato,
são comum “governo representativo” designava dessa maneira
o que chamo aqui forma parlamentar-representativa do regime
é sua falta o que permite à eleição do chefe do
democrático. Executivo abrir caminho para um regime ili-

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Pierre Rosanvallon | A DEMOCRACIA DO SÉCULO XXI

beral, ou até mesmo ditatorial em alguns ca- ficaram açambarcadas pelo poder parlamentar.
sos. Nosso presente está repleto de exemplos Eles outorgam também pleno sentido ao fato
dessa natureza, cuja primeira ilustração foi de que o poder não é uma coisa e sim uma rela-
constituída pelo cesarismo francês do século ção, e que são as características dessa relação as
XIX. As patologias sangrentas e destrutivas da que definem a diferença entre uma situação de
democracia foram, no século XX, junto com dominação e uma simples distinção funcional,
o totalitarismo, patologias da representação. dentro da qual se pode desenvolver uma forma
Tratava-se então de poderes que pretendiam de apropriação cidadã do poder. Em segundo
ter superado as aporias estruturantes do siste- lugar, a determinação das qualidades pessoais
ma representativo e suas incompletudes atra- requeridas para ser um “bom governante”. São
vés de uma perfeita encarnação da sociedade, qualidades que não devem ser enumeradas para
constituindo “poderes-sociedade”, justificando criar um retrato-robô idealizado, superposição
seu absolutismo por esta adequação. Estas ve- de todos os talentos e de todas as virtudes, e sim
lhas patologias continuam sendo uma amea- para considerar mais operacionalmente as que
ça, sem dúvida. Mas as novas patologias do forem necessárias para estabelecer um vínculo
século XXI mudaram de natureza. Elas decor- de confiança entre governantes e governados de
rem agora da restrição da democracia gover- modo a fundar uma democracia de confiança.
nante ao simples procedimento de autoriza- A confiança, repito, entendida como uma des-
ção ou a formas de referendo que constituem sas “instituições invisíveis” cuja vitalidade teve
uma expressão geralmente empobrecida da uma importância decisiva na época da persona-
vontade geral. Se existe uma doença do presi- lização das democracias. Duas delas se impõem
dencialismo, é no sentido dessa atrofia. especialmente: a integridade e o falar com fran-
queza (a parrésia, relembrada por Foucault por
Vale assinalar que a noção de democracia de sua importância na Grécia Antiga).
exercício é mais forte e mais ampla do que a
referência que normalmente se faz na Ciência A construção de uma democracia de confian-
Política à necessidade de considerar a ideia de ça e de uma democracia de apropriação são
qualidade democrática. Esta última, que enfati- as duas chaves do progresso democrático na
za aspectos de gestão, não está incluída em uma era presidencial-governante. Esses princípios
redefinição global do conceito de democracia. de bom governo não devem, no entanto, ser
aplicados apenas ao Poder Executivo em suas
A democracia de exercício poder ser enfoca- diversas instâncias. Eles são chamados tam-
da de dois ângulos. Em primeiro lugar, o dos bém a reger o conjunto das instituições não
princípios que devem reger as relações dos eleitas que têm uma função reguladora (as au-
governantes para com os governados. Três me toridades independentes), as diversas catego-
parecem essenciais: a legibilidade (noção mais rias de magistraturas, e todo o mundo da fun-
ampla e mais ativa do que a de transparên- ção pública. Trata-se de pessoas e instituições
cia), a responsabilidade e a reatividade (termo que exercem de uma forma ou outra uma au-
que talvez seja o mais adequado para traduzir toridade sobre outros e que participam, desse
o conceito de responsiveness em inglês). Esses modo, dos órgãos de governo.
princípios descrevem os contornos de uma de-
mocracia de apropriação. Sua aplicação permi- É verdadeiramente uma segunda revolução
tiria aos cidadãos exercer mais diretamente as democrática a que deve operar nessa perspec-
funções democráticas que durante tanto tempo tiva, depois daquela que constituiu a conquis-

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Pierre Rosanvallon | A DEMOCRACIA DO SÉCULO XXI

ta do sufrágio universal. Ela nos fará entrar vazio se não significar opinião pública”, dizia
na democracia pós-eleitoral. Propus uma um importante jurista da época. Sem a mani-
descrição de suas principais direções e de sua festação dessa opinião, insistia, “o povo já não
institucionalização em meu último livro Le tem nome, é um ser puramente metafísico”.
Bon gouvernement. Limito-me então a fazer
referência a ele. Diante da democracia inter- Associado mais tarde aos excessos do Terror,
mitente das eleições, esta é uma democracia o termo “vigilância” foi abandonado. A duali-
permanente, que visa instaurar os princípios dade confiança eleitoral/desconfiança cidadã
que acabo de expor. à que se referia foi substituída finalmente por
uma distinção muito menos rica, a da opo-
Da voz do povo ao olho do povo sição entre democracia direta e democracia
representativa. Hoje é evidente que se trata
A voz do povo foi tradicionalmente a das urnas. de uma redução que empobrece o ideal de-
Ela pode assumir outras formas de expressão, mocrático, do qual o culto contemporâneo
como os abaixo-assinados ou as manifestações do referendo se tornou emblemático, com a
de rua, por exemplo. Mas, na época da demo- ilusão de que ele canaliza uma expressão total
cracia de exercício, é também o olho do povo o e definitivamente realizada de um povo. Ilu-
que aparece para desempenhar um papel sig- são aritmética, o povo não se reduz à maioria;
nificativo. Ao lado do cidadão-eleitor, a figura duplicada por uma ilusão procedimental, a
do cidadão-controlador adquirirá então uma democracia não se reduz a tomadas de decisão
importância crescente. Esta figura tem uma isoladas, implicando pelo contrário a constru-
longa história. Desde os inícios da Revolução ção, deliberada no tempo, de uma história co-
Francesa, o termo “vigilância” se impõe para mum. A noção de democracia de vigilância,
definir uma modalidade específica do exercí- com o caráter de permanência que ela impli-
cio da soberania do povo. “Amigos da liberda- ca, merece hoje, por isso, ser reativada. Tentei
de, que uma vigilância eterna nos ponha a sal- descrever suas diferentes figuras em meu livro
vo dos perigos que teríamos de correr se nosso La Contre-démocratie. Nele destaquei a distin-
destino fosse confiado inteiramente a nossos ção que conviria fazer entre uma desconfiança
ministros”, podia-se ler em um famoso jornal positiva, forma de atividade cívica que marca
da época. A vigilância do povo era entendi- a exigência democrática, e uma desconfiança
da como necessária para dar vida ao ideal de puramente negativa, crítica sistemática dos
um governo guiado pelo cuidado do interesse poderes e rechaço dos governantes. Ela é ain-
geral. A vigilância era um meio de limitar as da mais essencial na medida em que vemos
disfunções do poder e remediar o que chamei hoje esta segunda figura prosperando sob as
de “entropia democrática” (definida como formas da retórica populista.
um processo de degradação da relação entre
eleitos e eleitores). O olho da vigilância do O desafio contemporâneo
povo se impôs por essa razão como um dos te-
mas principais do imaginário revolucionário. O ideal democrático, tal como o abordei, só
Era um meio de transformar uma forma de pode então progredir complicando a demo-
desconfiança em virtude democrática ativa. cracia, acrescentando complexidade em suas
Constituía também um modo de consagrar instituições, em seus procedimentos, em suas
a opinião pública como figura sensível e co- modalidades de expressão da sociedade. Pelo
tidiana do povo. “A palavra povo é um nome contrário, as forças da simplificação são as

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Pierre Rosanvallon | A DEMOCRACIA DO SÉCULO XXI

que tendem a corromper o ideal pretenden-


do realizá-lo. Simplificação da representação
pela pretensão da encarnação e do culto ao
chefe, simplificação do exercício da soberania
pela sacralização do referendo, simplificação
da ideia de vontade geral pela onipotência do
fato majoritário e a rejeição de outras figuras
de expressão da generalidade. Complicação
contra simplificação: eis o grande combate
de nosso tempo. Seu resultado dependerá em
parte da capacidade de esclarecer os necessá-
rios fundamentos teóricos. Esta é uma das
grandes tarefas das ciências sociais de nosso
tempo. A democracia deve, mais do que nun-
ca, ser definida como regime que não deixa de
se interrogar sobre si mesmo. Deve continuar
sendo uma experiência viva e exigente, que
não permanece fixa em um modelo.

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Autor Responsável

Pierre Rosanvallon é catedrático de História Mo- Friedrich-Ebert-Stiftung (FES) Brasil


derna e Contemporânea da Política no Collège de Av. Paulista, 2001 - 13° andar, conj. 1313
France. Suas pesquisas se centram principalmente 01311-931 I São Paulo I SP I Brasil
na história da democracia, no papel do Estado e na www.fes.org.br
justiça social nas sociedades contemporâneas. É
o diretor de estudos da prestigiosa Escola de Altos
Estudos em Ciências Sociais da França.

Friedrich-Ebert-Stiftung (FES)
A Fundação Friedrich Ebert é uma instituição alemã sem fins lucrativos, fundada em 1925. Leva o
nome de Friedrich Ebert, primeiro presidente democraticamente eleito da Alemanha, e está com-
prometida com o ideário da Democracia Social. No Brasil a FES atua desde 1976. Os objetivos de
sua atuação são a consolidação e o aprofundamento da democracia, o fomento de uma economia
ambientalmente e socialmente sustentável, o fortalecimento de políticas orientadas na inclusão e
justiça social e o apoio de políticas de paz e segurança democrática.

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