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UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA

INSTITUTO DE CIÊNCIAS SOCIAIS – ICS


PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM SOCIOLOGIA – PPGSOL

AUTOR NEGRO, CATÁLOGO BRANCO:


a presença de autores negros no mercado literário brasileiro

BRASÍLIA
2022
UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA
INSTITUTO DE CIÊNCIAS SOCIAIS – ICS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM SOCIOLOGIA – PPGSOL

AUTOR NEGRO, CATÁLOGO BRANCO:


a presença de autores negros no mercado literário brasileiro

Gabriela da Costa Silva

Dissertação apresentada ao programa de Pós-


Graduação em Sociologia do Departamento de
Sociologia da Universidade de Brasília para obtenção
do título de mestre.

Orientador: Prof. Dr. Eduardo Dimitrov

BRASÍLIA
2022
UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA
INSTITUTO DE CIÊNCIAS SOCIAIS – ICS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM SOCIOLOGIA – PPGSOL

Dissertação de Mestrado

AUTOR NEGRO, CATÁLOGO BRANCO:


a presença de autores negros no mercado literário brasileiro

Autora: Gabriela da Costa Silva


Orientador: Prof. Dr. Eduardo Dimitrov

Banca examinadora:

Profª. Dra. Jacqueline Moraes Teixeira (UnB)

Profª. Dra. Mirian Santos (UNIFESSPA)

Profª. Dra. Layla Daniele Pedreira de Carvalho (UnB – suplente)

BRASÍLIA
2022
A data do meu nascimento é o meu maior privilégio. Peso cada
palavra. Houvesse eu nascido setenta anos antes, e não haveria lugar
a estas linhas, ou a qualquer dos meus livros. Fosse eu uma mulher
negra da geração de minha avó, ou mesmo da geração de minha mãe,
e o meu destino seria outro. [...] O meu maior privilégio é este tempo,
o meu (Almeida, 2023, p. 9-10).
Ao meu pai, que me deu o meu primeiro livro, quando eu tinha 11 anos,
me pediu para ler e contar a ele a história. À minha mãe, que sempre
disse sim às leituras de uma jovem negra sonhadora. Vocês me deram
o mundo por meio das páginas.

Neusa e Rogério, quero que vocês saibam que cada página escrita aqui,
também são suas. Eu sou porque vocês são.
AGRADECIMENTOS

O exercício de agradecer a todas as pessoas envolvidas na construção de uma pesquisa sempre


me pareceu algo genuíno e bonito, por marcar a coletividade que atravessa cada página escrita
e a rede que se mobiliza para que uma pesquisadora negra surja. Quando penso nos últimos
dois anos e seis meses, uma série de desafios, inseguranças, anseios, lágrimas, sorrisos e
encontros me vem à cabeça. Fico nostálgica e me lembro da jovem pesquisadora que encontrou
em muita gente um lugar de acolhimento, orientação e força.

O primeiro agradecimento devo sempre aos meus pais. Para eles sempre minhas conquistas,
vitórias e sonhos. Minha mãe que sempre foi essa mulher negra forte e nos ensinou que a
educação muda vida, abre portas e poderia nos dar tudo. Meu pai que nunca nos disse não,
mesmo nos sonhos mais loucos de uma jovem de 18 anos que decidiu estudar em Brasília. Eles
que dirigiram 17 horas, no dia 05 de março de 2016, para me deixar em Brasília em busca dos
meus sonhos. Foi ali que tudo começou, sem vocês eu não seria nada.

Falar de família, também é falar deles, os meus irmãos. Aos quatro pretinhos com quem divido
o orgulho de ser filha dos nossos pais. À Marina que é minha alma gêmea e me ensinou o
significado de irmandade desde o início de tudo. Ao Vitor que é minha inspiração diária de
garra e luta em busca de uma vida melhor. Ao Miguel meu querido bebê (ainda que ele já tenha
crescido), por me abraçar e dar beijinhos sem que eu peça, ele me lembra sempre da
importância do amor. Ao Diego que é o motivo dos meus sorrisos, por me lembrar de mim
sempre que escuto sua voz e por ser livre como nenhum de nós já foi. Todos os dias penso em
construir um mundo melhor por e para vocês. Entre nós podemos ser quem somos e quem
gostaríamos de ser, porque nosso lar sempre será o coração um dos outros. Vocês me inspiram,
me fazem sonhar e sorrir.

Às mulheres da minha família que me ensinaram tudo que eu sei, desde minha vó, que agora
diz que pode se gabar por ter uma neta mestra; as minhas tias que sonharam junto com minha
mãe; as minhas primas, com quem dividi brincadeiras e agora dividimos conquistas. Em
especial, à Letícia que é minha irmã de alma para sempre.

Aos meus amigos queridos, que tanto me ouviram reclamar, desanimar e me empolgar com
cada etapa da pesquisa: à Laisa, Vitoria, ao Allan, Jordhanna, Jallison, Edu, Henrique, à
Kinaya, Pedro e Gabriel, companheiros de todos os dias.
Ao Lucas por estar ao meu lado durante toda essa jornada, me ouvir e acolher sempre que
precisei, mesmo quando duvidei de mim e das minhas realizações. Obrigada por me lembrar
de quem eu sou.

Agradeço à minha turma de mestrado, por nos apoiarmos durante a pandemia e ainda sorrir
perante o caos. Em especial, às mulheres que me apoiaram ao longo de todo o mestrado, nós
que somos as únicas cinco mulheres da turma: à Larissa, Isabela, Andressa e Thayna obrigada
por tudo.

Ao meu orientador Eduardo Dimitrov, por me receber de braços abertos, acreditar no meu
potencial e se tornar um grande amigo. Por fazer essa pesquisa nascer junto comigo, pelas
trocas e conselhos de sempre. Também, a todos que compõem o Grupo de Pesquisa Arte,
Sociedade e Interpretações do Brasil: ao Rodolfo, Eliel, Ana, Flávio, Evellyn, Camilla e ao Lui,
pelas reuniões e discussões que foram grande mote para escrita desse texto. Todos vocês me
ensinaram que pesquisa se faz em conjunto, com acolhida e afeto.

Aos meus amigos-professores, Stefan e Jacqueline, por todas as palavras bonitas, pelas
conversas e conselhos. Por serem grandes exemplos de profissionais e estabelecerem altos
parâmetros de docência, que um dia espero alcançar. Em vocês também encontrei um
pedacinho de casa no cerrado.

À banca, composta por Jacqueline Moraes e Mirian Santos, pesquisadoras das quais
compartilho ideias e admiro muito. Obrigada por toda leitura e pela gentileza em fazerem parte
dessa jornada. Também agradeço a Layla de Carvalho, professora suplenete da banca, que
esteve comigo na qualificação do mestrado, orientando e sugerindo contribuições que
definiram os rumos dessa pesquisa. Ao Programa de Pós-graduação em Sociologia e todos os
professores, por se mostrarem abertos às demandas dos alunos na construção de um PPG mais
diverso, humano e acolhedor.

Aos meus interlocutores por serem generosos em compartilhar suas percepções, histórias e
trajetórias de vida no mercado editorial. O olhar de vocês moldou essa pesquisa e permitiu que
ela alcançasse outros lugares.

À minha psicóloga, que segurou minha mão, me ouviu, me deixou chorar e esteve ao meu lado
no último ano dessa pesquisa. Reconheço que todo trabalho terapêutico que fizemos juntas,
tornou essas páginas possíveis. Obrigada por me mostrar que estar verdadeiramente viva é
viver todos os processos, etapas e momentos, independentemente de quais sejam.
Aos meus colegas de Revista Pós, por todo trabalho que construímos juntos, pela força em
colocar a revista em atividade novamente. Ter me tornado editora-chefe ao lado de vocês foi
excepcional. Em especial, à Ana Clara por dividir a editoria-chefe comigo, por ser uma grande
referência e por sonhar editoriais mais negros ao meu lado.

A Isadora, revisora e parceira de longa data, pelo carinho e atenção na revisão deste texto que
é a realização de um grande sonho.

Por fim, aos escritores e aos intelectuais negros que vieram antes de mim. Obrigada por
pavimentarem o caminho, por nos dar um novo horizonte e novas oportunidades. Agradeço por
continuarem escrevendo, vocês me ensinaram que a literatura salva. E eu fui salva por ela!
RESUMO

O presente trabalho investiga a presença de autores negros no catálogo de 15 editoras não-


negras e tradicionais, localizadas no eixo Rio de Janeiro-São Paulo, entre os anos de 2011 e
2021. A partir de um levantamento quantitativo e da realização de entrevistas com cinco
editores de diferentes empresas, foi possível mapear as práticas, os valores e os
comportamentos adotados no mercado editorial em relação à publicação de autores negros. As
editoras foram agrupadas em pequeno, médio e grande porte, dado o número de autores em seu
catálogo e o tempo de existência da empresa. Tendo como base quatro eixos de análise,
identidade e gênero, ano de publicação, nacionalidade e gênero literário, foi possível cruzar os
dados coletados para entender as diferentes condições materiais e simbólicas que atravessam o
acesso dos autores negros à publicação em editoras tradicionais. Esta investigação observa as
recentes transformações vivenciadas pelo mercado literário, em meio a mobilizações sociais e
à aplicação das políticas públicas voltadas para população negra. A partir da perspectiva racial,
discorro sobre a construção de um catálogo, o recorte e o olhar editorial das editoras, bem como
a dinâmica de curadoria e as redes estabelecidas pelas empresas e seus editores. Para assim,
compreender as nuances e os impactos da raça na institucionalização das práticas da
branquitude brasileira no mercado literário.

Palavras-chave: autores negros; mercado editorial; relações etino-raciais; branquitude.


ABSTRACT
This work investigates the presence of black authors in the catalog of 15 non-black and
traditional publishers, located on the Rio de Janeiro-São Paulo axis, between the years 2011
and 2021. Based on a quantitative survey and interviews with five editors from different
companies, it was possible to map the practices, values and behaviors adopted in the publishing
market in relation to the publication of black authors. Publishers were grouped into small,
medium and large, given the number of authors in their catalog and the length of time the
company has existed. Based on four axes of analysis, identity and gender, year of publication,
nationality and literary genre, it was possible to cross-reference the data collected to understand
the different material and symbolic conditions that affect black authors' access to publication
in traditional publishers. This investigation observes the recent transformations experienced by
the literary market, amid social mobilizations and the application of public policies aimed at
the black population. From a racial perspective, I discuss the construction of a catalogue, the
editorial approach and perspective of publishers, as well as the curation dynamics and the
networks established by companies and their editors. In order to understand the nuances and
impacts of race on the institutionalization of practices of Brazilian whiteness in the literary
market.

Keywords: Black authors; publishing market; ethnic-racial relations; whiteness.


LISTA DE TABELAS

Tabela 1. Editoras divididas por porte............................................................................................... 21


Tabela 2. Número de autores negros publicados por porte ............................................................... 39
Tabela 3. Número de títulos publicados em editoras de pequeno porte ............................................ 41
Tabela 4. Autores da Nós x Número de títulos publicados ............................................................... 48
Tabela 5. Autores da Morro Branco x Número de títulos publicados ............................................... 53
Tabela 6. Autores de HQ Veneta....................................................................................................... 56
Tabela 7. Número de títulos publicados por editoras de médio porte ............................................... 58
Tabela 8. Número de títulos publicados por editoras de grande porte .............................................. 67
Tabela 9. Autores negros de romance Globo Livros ......................................................................... 73
Tabela 10. Editoras com maior número de publicação ao longo dos anos.......................................... 97
Tabela 11. Editoras com menor número de publicação ao longo dos anos ......................................... 98
Tabela 12. Número de autores x Gênero ........................................................................................... 103
Tabela 13. Número de Autores africanos publicados........................................................................ 106
Tabela 14. Autores caribenhos .......................................................................................................... 110
Tabela 15. Número de obras publicadas por gênero literário............................................................ 114
Tabela 16. Livros de não-ficção por nacionalidade........................................................................... 116
Tabela 17. Obras não-ficção por editoras.......................................................................................... 117
Tabela 18. Livros de romance por nacionalidade.............................................................................. 119
Tabela 19. Romances publicados por autores estadunidenses .......................................................... 122
Tabela 20. Livros infantis publicados ............................................................................................... 123
Tabela 21. Autores de contos publicados .......................................................................................... 125

11
LISTA DE GRÁFICOS

Gráfico 1. Obras publicadas por ano .................................................................................................. 96


Gráfico 2. Publicações anuais por gênero......................................................................................... 102
Gráfico 3. Nacionalidade por gênero dos autores ............................................................................. 104

12
SUMÁRIO
Lista de Tabelas ..................................................................................................................................... 11
Lista de Gráficos.................................................................................................................................... 12
Introdução ........................................................................................................................................... 14
Notas sobre metodologia da pesquisa.................................................................................................... 17
Análise quantitativa – recorte metodológico .................................................................................... 18
Levantamento de dados..................................................................................................................... 24
Análise qualitativa – entrevistas ....................................................................................................... 25
Capítulo 1. Questão racial e mercado editorial: as camadas da produção e reprodução do racismo
estrutural ........................................................................................................................................... 27
1.1 O cenário brasileiro em meio ao racismo.............................................................................. 29
O papel das editoras .......................................................................................................................... 35
1.2 Um olhar atento às editoras de pequeno porte ...................................................................... 41
1.3 Editoras de médio porte: entre a velha guarda e as mudanças sociais .................................. 58
1.4 A posição dominante e o status de grandes editoras............................................................. 67
Capítulo 2. Catálogos, identidade e trabalho editorial ......................................................................... 77
2.1 Políticas públicas e a formação de leitores no mercado........................................................ 87
2.2 Perspectiva histórica da capitalização das pautas sociais e comercialização das obras........ 95
2.3 As publicações têm gênero e origem demarcadas?............................................................. 101
Capítulo 3. Pluralidade do trabalho literário de autoria negra ........................................................... 113
3.1 Os desafios enfrentados pelos autores negros ..................................................................... 127
3.2 Redes sociais e visibilidade................................................................................................. 132
Conclusão ......................................................................................................................................... 136
Referências ......................................................................................................................................... 141

13
INTRODUÇÃO

De forma recorrente, a escritora estadunidense Octavia Butler dizia que seu motivo para
mergulhar no universo da escrita estava ligado à dinâmica de poder e às disputas sociais ao seu
redor. No início de Kindred, sua obra mais famosa, referindo-se à sua realidade enquanto
mulher negra afro-estadunidense e às condições de desigualdade as quais ela e tantas outras
foram submetidas em seu país, afirmou: “comecei a escrever sobre poder, porque poder era algo
que eu tinha muito pouco” (Butler, 2017, p. 13). Sua fala retoma um ponto central contido nas
disputas dos campos da cultura, reconhecendo o aspecto político e reivindicatório da literatura.
À medida em que compreendemos essa dimensão, permitimos que autor, narrativa, personagens
e demais elementos do livro não sejam vistos a partir de uma lógica estática, descontextualizada,
mas como fruto da dinâmica social.

A trajetória dos autores negros no meio literário é marcada por uma série de conflitos
trilhados ao lado da radicalização do debate racial no país, em busca do direito ao acesso à
educação e à conquista da cidadania plena. Olhar diretamente para essa produção requer atenção
na história dos negros no Brasil – e nos desdobramentos dessa realidade –, bem como no
reconhecimento do movimento de reivindicação em direção à afirmação da identidade negra e
à valorização da cultura negra. Assim, observo que a produção literária de autoria negra está
diretamente vinculada a um projeto plural de direitos, acessos e reivindicações (Pinto, 2006).

Investigar as experiências e as trajetórias de autores negros demanda olhar diretamente


para os espaços de disputa e para as instâncias de legitimação das obras, para, então, observar
mais atentamente as instituições e os sujeitos que constroem e organizam as dinâmicas e as
práticas do universo dos livros. Compondo a rede de instituições, que poderiam ser elencadas
como estruturadoras dessa realidade, estão a Academia Brasileira de Letras, as feiras, festas
literárias de todo Brasil e as premiações. Entretanto, uma delas ganha mais centralidade nessa
pesquisa: as editoras.

A partir disso, a pesquisa destina seu olhar diretamente ao mercado editorial e,


consequentemente, as editoras brasileiras, considerando a capacidade de agência e a
determinação que essas empresas possuem frente à estruturação do mercado. Possibilitando,
assim, uma análise do papel dessas empresas na estreita relação entre a questão racial e a
inserção deste tema no mercado literário. Desse modo, realizo um levantamento do catálogo de
14
15 editoras não-negras, de pequeno, médio e grande porte, mapeando o número de autores
negros publicadas por elas, nos últimos 10 anos, entre os anos de 2011 e 2021. O levantamento
do catálogo articula suas origens, gêneros e nacionalidades ao estabelecer essas categorias como
principais parâmetros para avaliar diretamente a sintonia dessas empresas com as
transformações sociais e sua mudança no perfil de publicação de livros.

Além desse caráter quantitativo, a pesquisa seguiu por um viés qualitativo, por meio da
realização de entrevistas com editores das empresas investigadas. Nesse diálogo, foi possível
abordar como o trabalho editorial desenvolvido pelas editoras tem caminhado ou não para maior
inclusão de autores negros no mercado, considerando os aspectos econômicos, políticos e
simbólicos que resultam em sua postura editorial frente à questão racial. De que maneira o
mercado literário recebe e trata esses autores? Como suas obras são incorporadas, ou não, diante
desta vasta dinâmica que é a produção editorial?

A partir destes questionamentos, busco compreender os limites de sua atuação,


estrutural e institucional, mas também analisar o real impacto da capitalização da questão racial
no mercado editorial. Essa perspectiva nos leva diretamente para o catálogo das empresas, seu
trabalho editorial cotidiano e suas políticas de publicação, a fim de, com o diálogo com editores
entrevistados, analisar as nuances que perpassam a publicação de autores negros no mercado
brasileiro.

Diante dos casos recorrentes de racismo em eventos, premiações e nas próprias


publicações, penso que um olhar mais direcionado para a recepção dos autores negros no
mercado editorial seja urgente. Logo, esta pesquisa tem o intuito de ampliar a discussão sobre
representatividade e diversidade na literatura, bem como analisar o comprometimento efetivo
de instituições na transformação de um mercado majoritariamente branco, masculino e elitista.

Desse modo, no primeiro capítulo, intitulado “Questão racial e mercado editorial:


camadas da produção e reprodução do racismo estrutural”, discorro sobre as relações raciais no
mercado literário, apresentando uma análise acerca das disputas por poder dentro do campo
literário e sua relação direta com a questão racial no Brasil. Em diálogo com essa discussão,
exponho o perfil de cada editora analisada, evidenciando a realidade da empresa a partir dos
dados quantitativos e das conversas realizadas com os interlocutores das editoras que se
dispuseram a abrir esse espaço.

15
No segundo capítulo, denominado “Catálogos, identidade e trabalho editorial”, reflito
sobre o impacto do trabalho dos editores na construção do catálogo, tendo este como espaço
em que a empresa imprime sua identidade editorial e política. A partir dessa discussão, exploro
as dimensões de gênero e de nacionalidade, discutindo sobre o advento das políticas públicas e
das mobilizações sociais no cenário da atualidade. Para, então, observar detalhadamente a
presença das publicações de mulheres negras no mercado nacional, o aumento de suas
publicações nos últimos anos, bem como as dinâmicas de tradução por trás deste fenômeno.

Na sequência, o terceiro capítulo, “Pluralidade do trabalho de autoria negra”, visa


apresentar o escopo das publicações de autores negros a partir dos gêneros literários publicados,
demonstrando a diversidade de formatos produzidos pelos autores em contraste com as disputas
e as hierarquias que alguns gêneros representam em relação aos outros no mercado. Após essa
discussão, finalizo elucidando acerca dos desafios atuais enfrentados pelos autores, mesmo em
meio ao contexto de transformação a qual o mercado tem vivido.

16
NOTAS SOBRE METODOLOGIA DA PESQUISA

Ao longo dos últimos quatros anos, tenho desenvolvido um trabalho de divulgação


científica e de criação de conteúdo literário por meio da minha página Leia Preta, no Instagram.
Nela, compartilho com a comunidade de leitores obras de autores negros de diferentes origens,
com intuito de visibilizar seus trabalhos. Essa página, que inicialmente começou como atividade
de lazer, hoje ocupa grande parte do meu fazer sociológico, me coloca em contato direto com
um público leitor interessado em conhecer obras de autores negros e com as editoras que
publicam esses autores. Como parte dos resultados dos últimos anos de trabalho, em 2021, a
iniciativa ganhou menção honrosa no II Prêmio de Divulgação Científica da Associação
Nacional de Pós-graduação em Ciências Sociais – ANPOCS, reconhecendo as contribuições do
projeto para o fazer sociológico.

Enquanto construía e repensava o projeto da pesquisa aqui desenvolvida, mantive um


olhar muito atento para as nuances e experiências que esse trabalho me proporcionou. Penso
que a definição metodológica que aqui se segue passa diretamente pela sensibilidade e atenção
desenvolvidas ao longo desses anos, que se cruzam com minha formação sociológica, e agora
meu mestrado. A partir dos mecanismos e das discussões fundamentais, vividas ao longo da
escrita da dissertação, é que essa pesquisa pôde ser pensada, reconhecendo que as diferentes
formas de atuação mantidas nos últimos anos culminaram nas escolhas aqui definidas.

Em parte, esse processo é árduo: exige colocar-se como sujeito em meio a pesquisa,
fazendo com que o texto ganhasse inúmeras versões, justamente para me ver e me posicionar
enquanto sujeita que participa das redes aqui evidenciadas, mas criticamente interessada pelas
transformações – pequenas e grandes – desse mercado apresentadas recentemente. Nesse
sentido, ao analisar o mercado editorial, a partir da perspectiva racial, pretendo tencioná-lo e
questioná-lo repetidamente.

O desenho desta pesquisa foi construído com intuito de realizar um levantamento


quantitativo da presença de autores negros nos catálogos de editoras presentes em território
nacional. Assim, levanto dados dessa presença nos catálogos de editoras nacionais nos últimos
10 anos, mapeando o percentual de autores negros publicados nessas editoras. Para, a partir
disso, explorar práticas editoriais e dimensões sociais que culminam na estreita relação entre
mercado editorial e as relações raciais.
17
A pesquisa assumiu três etapas metodológicas: em um primeiro momento, me dediquei
ao levantamento bibliográfico, considerando as produções de várias áreas do conhecimento,
como as ciências sociais, literatura, antropologia, entre outras; em seguida, defini as editoras
que fariam parte dessa investigação e realizei o levantamento dos dados das editoras
selecionadas e seus títulos publicados; ao final, a terceira etapa seguiu um viés qualitativo por
meio de entrevistas com editores das editoras selecionadas, com intuito de aprofundar sobre
suas visões e percepções sobre a temática discutida aqui.

A revisão bibliográfica proporcionou reflexões e questionamentos pertinentes sobre a


dinâmica da produção literária nacional, possibilitando maior compreensão da complexa
relação entre literatura e relações raciais. Dois tipos de bibliografias destacaram-se, sendo a
primeira delas os trabalhos sobre a presença dos sujeitos negros na literatura, a partir de seu
lugar da autoria, refletindo sobre sua trajetória dentro do mercado. Em um segundo momento,
as pesquisas que realizam levantamentos quantitativos sobre a publicação de autores negros,
seja com enfoque em um gênero literário específico, como romance, ou em âmbitos mais
amplos. Essa bibliografia foi importante para pensar as disputas simbólicas e materiais por trás
deste campo.

Mediante ao panorama encontrado pela bibliografia, o desenho da pesquisa foi


delineado da seguinte forma.

Análise quantitativa – recorte metodológico

Inicialmente, busquei as editoras brasileiras com um vínculo institucional e


reconhecimento entre as próprias empresas, que pudesse ser tomada como ponto de partida.
Assim, tendo como base inicial, optei por trabalhar com a listagem apresentada pelo Sindicato
Nacional de Editores de Livros (SNEL), que conta com 301 editoras. Em seguida, a essa lista
incluí um conjunto de outras editoras que, apesar de não comporem a listagem do SNEL, estão
em atividade e em circulação nos espaços literários mais visibilizados do mercado, tendo, assim,
um conjunto mais amplo e completo possível de editoras. Compus uma lista final com cerca de
315 editoras, que reconheço ser a mais completa e diversa possível considerando aspectos
geográficos e financeiros.

Diante dessa listagem, uma sequência de critérios foi estabelecida para definir um
universo significativo de editoras para os propósitos dessa pesquisa, que a seguir evidencio
todos eles. O primeiro foi o de selecionar as editoras por mim classificadas como não-negras,
18
por serem gerenciadas sem a intenção de publicarem exclusivamente autores negros, e seus
trabalhos se atêm ao público comercial amplo, voltando-se à publicação de autores nacionais e
estrangeiros das mais variadas origens raciais e étnicas.

A partir dos estudos de Cida Bento (2022) e Lourenço Cardoso (2010) acerca da
branquitude, redirecionei meu olhar atentando-me a esse conjunto de editoras que fazem parte
do mercado tradicional, concentrando recursos e capital, bem como alcance e público leitor
diverso. Por, supostamente, não possuírem um viés racialmente orientado sobre quais autores
publicarão, será possível analisar como a perspectiva da branquitude é efetivamente posta em
prática. O objetivo de pensar sobre essas editoras parte de um esforço epistemológico de tornar
a branquitude e suas práticas um interesse de pesquisa, estudando seus discursos e estratégias,
mais especificamente aqui, vinculadas ao mercado editorial.

Essa escolha não ignora nem desconsidera o papel das editoras negras no mercado, pois
são elas frutos de grande articulação política das organizações negras que serão resgatadas ao
longo da análise. No entanto, reconhecendo seus esforços e impactos na vida de autores negros,
pretendo observar os outros agentes do mercado e voltar o olhar a um grupo de editoras não-
negras, mas que de maneira geral afirmam ter interesse em publicar autores negros. Ao olhar
para um lócus de editoras não-negras, reuni um conjunto diverso, representativo do cenário
comercial do mercado editorial brasileiro, contemplando editoras com mais ou menos recursos.

Além deste aspecto, a dimensão regional também foi uma preocupação no desenho desta
dissertação. Na listagem produzida pelo SNEL, por exemplo, observei que 97,68% das editoras
associadas estavam localizadas no eixo Rio de Janeiro-São Paulo, enquanto as de outros Estados
e regiões do país dividiam os 2,32% restantes do percentual de associados ao SNEL. Os
números apresentados evidenciam o histórico de concentração de recursos para o
desenvolvimento de ações, eventos e atividades culturais. O que pode ser observado a partir
destes dados é a reafirmação de um mercado dito nacional, mas que majoritariamente está
concentrado em dois estados específicos. Dessa forma, esta pesquisa não ignora os aspectos
sociais e culturais dessa concentração, mas se volta para a amostra gerada por essa realidade,
com intuito de captar o cenário mais próximo possível do universo dessas editoras.

Ao final, a seleção de 15 editoras pretendeu formar uma amostra diversa em termos de


alcance de público, atuação e destaque em nichos que se propõem a publicar, além de acesso a

19
feiras, livrarias, festas literárias e um trabalho ativo nas redes sociais. A seleção, portanto,
considerou os seguintes critérios:

i) Estabilidade do trabalho nos últimos anos: especificamente, nesse critério


selecionei editoras que mantiveram publicações anuais nos últimos 10 anos, bem
como tiveram atuação e lançamentos durante a pandemia da Covid-19, ainda que
com menor ritmo de trabalho. Além disso, considero nesse quesito a sequência de
trabalho realizado para a promoção do livro, como lançamento e divulgação das
obras, visto que essa prática é comum no mercado e de grande importância para o
próximo critério.
ii) Impacto do trabalho editorial tanto para o público leitor como para o próprio
mercado: um conjunto de fatores compõem a forma como enxergo o impacto das
editoras selecionadas, são eles: a circulação dos lançamentos, as publicações
gerais em eventos literários em todo país e o destaque que as obras recebem na
divulgação feita pela comunidade literária, em podcasts e reviews nas redes
sociais. Além de críticas literárias por profissionais das letras, o uso e a divulgação
das obras em eventos escolares, universidades, livrarias e demais iniciativas como
rodas de leituras, cursos e encontros de discussão. Especialmente, esse critério
passa por um olhar mais atento à dinâmica do mercado editorial e ao lugar a qual
as editoras estão dentro da dinâmica construída pelo mercado.
iii) Presença ativa nas redes sociais: nesse aspecto foi considerado os perfis ativos
e que recebem atualizações constantes nas redes sociais, especialmente Twitter e
Instagram, com um olhar atento para a interação com seus seguidores-leitores e a
realização de atividades literárias no meio virtual.
iv) Disponibilização das informações necessárias em suas plataformas:
especialmente neste critério, busquei sites atualizados com informações sobre os
livros publicados, os nomes dos autores, os selos literários e as informações gerais
sobre a publicação das obras.

Os quatro critérios iniciais direcionam a seleção das editoras para um grupo menor que
tem trabalhado ativamente na publicação de livros – inclusive durante a pandemia –, que estão
em evidência para o público leitor e apresentam algum grau de estabilidade no mercado
editorial. Além disso, caminham em direção da seleção de editoras que tenham visibilidade e
alcance de um público leitor, que pode ou não estar interessado na leitura de autores negros. A

20
partir dos critérios informados e da minha experiência de trabalho nos últimos anos, pude
compilar as seguintes editoras: Aleph, Arqueiro, Bazar do Tempo, Boitempo, Darkside,
Dublinense, Elefante, Globo Livros, Intrínseca, Jandaíra, Morro Branco, Nós, Rocco, Todavia
e Veneta.

Diante desta listagem, foi possível dividir as editoras em três grupos baseados em dois
critérios, sendo eles, o tempo de trabalho da editora e o número de autores no catálogo. A partir
da combinação destes fatores, os grupos serão organizados para reunir as editoras de pequeno,
médio e grande porte, com vistas a uma análise que compreenda as particularidades e as
diferenças destas empresas e seu potencial impacto na temática trabalhada. Desse modo, as
editoras que possuem até dez anos de existência e até 150 autores serão designadas como
pequeno porte; as editoras que possuem entre dez e 20 anos de trabalho com 150 a 350 autores,
estarão no grupo de médio porte; e as editoras com mais de vinte anos de duração e mais de
350 publicações compõe as de grande porte.

Nesse sentido, para compreender um pouco melhor as nuances dessas realidades, as


editoras foram agrupadas de acordo com seu porte empresarial, tal como exposto na tabela
abaixo:

Tabela 1. Editoras divididas por porte

PORTE DA EDITORA EDITORA


Boitempo
Globo Livros
Grande
Intrínseca
Rocco

Arqueiro
Aleph
Médio Darkside
Dublinense
Todavia

Bazar do Tempo
Elefante
Jandaíra
Pequeno
Morro Branco
Nós
Veneta
Fonte: tabela de autoria própria.
21
As editoras agrupadas no grupo de grande porte foram criadas entre as décadas de 1950
e início dos anos 2000, evidenciando que o tempo de atuação impacta diretamente no peso de
seu papel no mercado editorial e no quantitativo de seus catálogos. São editoras de tradição na
publicação nacional, que possuem maior impacto comercial em relação às demais editoras aqui
apresentadas. Contam tanto com poder econômico quanto simbólico, ao considerarmos certa
autoridade e visibilidade em relação à dinâmica do mercado. A própria compreensão do termo
“grandes editoras” nos leva a refletir sobre esta dupla dimensão do impacto material e simbólico
frente ao público leitor, escritores e demais profissionais do mercado editorial.

Cabe aqui fazer uma distinção entre grandes editoras e grupos editoriais. Ao longo da
pesquisa, mantive certa pretensão em trazer para a discussão grupos editoriais, como
Companhia das Letras, Record, Pensamento, entre outros. Tais grupos são conhecidos por
serem conglomerados de editoras, que fazem parte de um guarda-chuva maior, gerenciadas por
uma única empresa, e essas empresas variadas possuem seus próprios selos, recortes editoriais
e nichos de atuação, um universo particular que está englobado em uma estrutura mais ampla.
No contexto brasileiro, são empresas com elevado poder econômico e, em muitos casos, geridas
por famílias da elite branca brasileira.

Enxergo que a principal distinção entre estes grupos editoriais e editoras de grande porte
está na capacidade com que o primeiro consegue gerenciar uma ou mais empresas enquanto a
segunda se volta aos seus próprios catálogos e selos, sem coordenar outras editoras
simultaneamente. Apesar de reconhecer a importância e o impacto que grupos editoriais têm na
consolidação do campo literário nacional, as condições não permitiriam uma análise
aprofundada e crítica destes catálogos 1. No entanto, considerei que a inclusão de algumas
empresas de grande porte possibilitaria uma investigação significativa, mesmo diante do
desafio do levantamento de um catálogo extenso, como foi o caso de Rocco e Intrínseca.

Ainda nessa distinção, o que efetivamente separa as editoras de médio e grande porte –
além do tamanho dos catálogos e tempo de atuação – está na dimensão simbólica e no impacto
comercial que grandes editoras possuem na disputa por reconhecimento e visibilidade. Em

1
Considerando o tempo de realização da pesquisa (2 anos) e a quantidade de material a ser analisado no catálogo
desses grupos editoriais, por apenas uma pesquisadora, não foi possível incluir na pesquisa importantes grupos
editoriais como Companhia das Letras, Record e as demais.
22
alguns casos, as pequenas e médias editoras possuem atuação bem similar, visto que até em
termos temporais elas não se distinguem significativamente. Ainda que os critérios tenham sido
definidos a partir da realidade apresentada pelo mercado, a Editora Aleph, em especial, cumpria
o critério temporal para ser encaixada como grande porte e o número de publicações para ser
tida como de pequeno porte.

Esta possui uma longa trajetória de existência de cerca de 36 anos, trabalhando com
ficção científica no mercado editorial, entretanto, apresenta um catálogo reduzido de apenas 58
autores. Diante da significativa discrepância entre seu catálogo e o de grandes editoras, foi
alocada juntamente ao grupo de editoras de médio porte, escolha que se dá considerando seu
impacto no nicho de ficção especulativa e seu extenso tempo de trabalho. Por sua vez, a editora
Todavia apresentava uma situação similar, com menos de 10 anos de existência possui um
catálogo com 337 autores, sendo alocada juntamente com as editoras de médio porte. Outra
editora que viveu uma alocação similar foi a editora Dublinense, com 24 anos de existência,
que possui um reduzido catálogo de autores, entretanto, somou-se ao grupo de editoras de médio
porte.

Em seguida, estabeleci um recorte temporal com ênfase em um cenário recente, mas que
ainda permitisse a compreensão das práticas de embranquecimento adotadas pelo mercado
editorial nos últimos anos. Com intuito de captar a relação entre mercado literário e as
mobilizações sociais negras, defini um recorte de 10 anos, contabilizados de forma retroativa,
a partir do ano de 2021, o ano que ingressei no Programa de Pós-graduação do Departamento
de Sociologia. Logo, a dissertação se volta ao contexto que está diretamente relacionado às
disputas sociais pelo acesso dos negros ao ensino superior, a crescente popularização dos
movimentos negros e feministas e aos casos de racismo no universo literário.

Além da escolha por uma visão ampla sobre o contexto recente do mercado, outros dois
pontos foram considerados para definição deste recorte: i) a compreensão do contexto sócio-
histórico vivenciado no país nos últimos anos, como as mobilizações sociais em prol dos
direitos humanos, o impacto da internet na sociedade civil, a série de acontecimentos que
expõem o racismo no mercado literário, a consolidação das cotas raciais, a Lei nº 10.639, dentre
outras movimentações que convergem para compreensão de que os últimos anos são centrais
para compreendermos não só o histórico anterior do mercado, mas seus passos em direção ao
futuro; e ii) estão as dimensões práticas do tempo em que a pesquisa pôde ser realizada, de

23
modo a considerar os dois anos de duração do mestrado e as possibilidades palpáveis do
levantamento de dados.

Nesse sentido, atentei-me à redução do recorte temporal para o melhor tratamento dos
dados e a conciliação destes com a realização das entrevistas, parte fundamental da pesquisa.

Levantamento de dados

Estabelecido o recorte do objeto, a etapa seguinte foi a coleta dos dados, para isso
consultei o catálogo online de cada uma das editoras, considerando esta plataforma o meio
oficial e atualizado de obtenção desses dados, e o levantamento dos catálogos coletou
informações sobre os livros e sobre os autores. Foi construído um banco de dados usando o
Excel com as seguintes categorias para os autores: nome, identidade de gênero, nacionalidade;
para os livros: título, gênero literário, ano de publicação2. Para as informações sobre os autores,
consultei os dados disponibilizados no site das editoras e nas redes sociais ou sites dos autores.
Utilizei uma combinação entre autodeclaração e heteroidentificação para definição da raça/cor
dos autores, adequando essa questão aos padrões utilizados pelo Instituto Brasileiro de
Geografia Estatística (IBGE).

Nesse sentido, um conjunto de aspectos foram considerados para o reconhecimento


destes autores como negros, entre eles as fotos utilizadas nos catálogos das editoras, as fotos
encontradas online (em sites, redes sociais e notícias) – quando não havia foto disponível no
site da editora – bem como a descrição utilizada nos catálogos e demais sites sobre a
identificação racial do autor em questão. Em consonância com esta dimensão afirmativa,
também foi central a forma com que estes autores se posicionam quanto a sua identidade racial
em entrevistas, redes sociais e vídeos. A autodeclaração destes autores, somada à leitura social,
legitima o encaixe de cada um destes autores dentro do levantamento que aqui se segue.

Esse conjunto de questões estabelecem um olhar coletivo sobre a leitura aqui adotada,
enfatizam as diferentes ferramentas utilizadas para corroboração da identidade racial dos
autores, sem estabelecer uma normativa que visa excluir ou colocar em xeque a identidade

2
Ao longo dos dois anos de pesquisa, a tabela foi alimentada, reorganizada e revisada para que o máximo de
informações estivessem atualizadas. Nesse sentido, a revisão final das informações apresentadas nos sites das
editoras foi finalizada em 13 de setembro de 2023.
24
racial de qualquer autor. Essa questão foi tratada com a maior sensibilidade possível,
considerando a pluralidade de fenótipos e as leituras sociais, para seguir dialogando com os
padrões de pesquisa estabelecidos e reivindicados pela própria comunidade negra e acadêmica.

Por fim, todos os critérios apresentados visam dar a oportunidade de observar algumas
das seguintes perguntas: i) em que momento dos últimos 10 anos houve de fato um aumento
expressivo no número de publicações de autores negros? ii) qual impacto da questão de gênero
e do movimento feminista negro no número de autores publicados? iii) qual a discrepância de
autores negros publicados em relação ao número de autores brancos? iv) a origem dos autores
negros é determinante para maior chance de publicação? Existe uma preferência por autores
estrangeiros em detrimento de nacionais? Dentre outras perguntas norteadoras que serão de
grande centralidade para refletir sobre quando exatamente o cenário começou a mudar e de que
modo essa questão se relaciona com o contexto do período.

Análise qualitativa – entrevistas

Após a conclusão do levantamento dos dados, voltei-me para a realização de entrevistas


com editores a fim de compreender o funcionamento do mercado editorial e da dinâmica de
publicação no país. Os relatos permitiram uma reflexão crítica sobre a realidade exposta pelos
dados, pensando as confluências e as divergências entre eles e as perspectivas dos
interlocutores. Inicialmente, encaminhei e-mails e mensagens via Instagram para as editoras
selecionadas. Dentre as 15 editoras, 5 delas me concederam entrevistas, de modo que meus
interlocutores são editores destas empresas. Entre as demais editoras, algumas não responderam
ao convite, outras negaram a participação na pesquisa e outras iniciaram certa aproximação,
mas que ao final não culminaram na entrevista. Os nomes utilizados ao longo da pesquisa são
pseudônimos escolhidos por mim, mantendo no anonimato os interlocutores.

As conversas tiveram cerca de 1 hora e 20 minutos de duração, foram realizadas na


plataforma Teams, através de minha conta institucional da UnB, além de serem gravadas e
posteriormente transcritas por mim. A interlocução construída com esses editores foi
fundamental para compreensão de algumas temáticas centrais da pesquisa, como as dinâmicas
internas de poder no mercado, o aspecto mercadológico da questão racial nas recentes
publicações, o lugar de agência dos trabalhadores, o impacto das transformações de gênero para
disseminação da questão racial, entre outras discussões.

25
Dividida em três momentos, inicialmente os editores se apresentaram e narraram um
pouco de suas trajetórias pessoais e profissionais que os levaram ao mercado editorial. Na
sequência, responderam questões gerais sobre as nuances entre relações raciais e mercado
editorial nos últimos 10 anos para, logo em seguida, falar sobre o trabalho da editora em si.
Especificamente nesse tópico, levantei questionamentos e dúvidas que surgiram com a análise
dos dados. As entrevistas possibilitaram uma observação mais detalhada sobre como os
próprios interlocutores enxergam a dinâmica do mercado editorial e seu vínculo com a temática
das relações raciais. Dando pistas e abrindo pontes para refletir sobre como as práticas de
trabalho cotidianas são ou não impactadas pela questão racial.

Ao final, acredito que as entrevistas se somaram aos dados quantitativos de forma


positiva, delineando detalhes e aspectos que passariam despercebidos e/ou com menor enfoque
por mim. Ainda que elas não alterem os resultados numéricos, elas apresentam um panorama
muito interessante sobre a estruturação do mercado editorial brasileiro, as relações mantidas e
formadas nesse espaço e em que medida as editoras não-negras atuam em direção a maior
publicação de autores negros. Em diálogo com esse contexto, pretendo resgatar um material
com entrevistas, reportagens, falas e declarações de autores negros ao longo da dissertação, para
apresentar um panorama histórico de apontamentos sobre essa temática tão pertinente.

26
Capítulo 1. Questão racial e mercado editorial: as camadas da produção e
reprodução do racismo estrutural

De que maneira o racismo se expressa no mercado editorial? Quais barreiras para a


participação dos autores negros em eventos, feiras e na publicação de suas obras? De fato, para
responder essas perguntas é preciso explorar a dinâmica do mercado brasileiro nos últimos anos,
compreender de que forma e quais as medidas adotadas pelas instituições que centralizam as
políticas e as práticas do mercado.

O mercado editorial brasileiro não está isento das disputas sociais e simbólicas
direcionadas à produção de conhecimento e da validação de uma concepção de intelectualidade.
Reconstituindo a disputa de quem pode ser escritor ou de quem pode ser reconhecido como
escritor, percebe-se o impacto da dimensão racial na legitimação de autores e de determinadas
produções literárias. Bem como, as instituições brasileiras de poder e o mercado editorial
nacional consolidaram-se como espaços restritos e marcados pela desigualdade racial que
assola o país. Em seu livro As Regras da Arte: gênese e estrutura do campo literário, Bourdieu
afirma:

Uma das apostas centrais das rivalidades literárias (etc.) é o monopólio da


legitimidade literária, ou seja, entre outras coisas, o monopólio do poder de dizer com
autoridade quem está autorizado a dizer-se escritor (etc.) ou mesmo a dizer quem é
escritor e quem tem autoridade para dizer quem é escritor; ou, se se preferir, o
monopólio do poder de consagração dos produtores ou dos produtos (Bourdieu, 1996,
p. 253).

A lógica interna do próprio campo produz padrões de reconhecimento do que de fato é


literatura e quem está autorizado a fazê-la. Essa dinâmica de poder cria hierarquias socio-raciais
e coloca à margem os sujeitos que não atendem aos critérios de legitimação estabelecidos pelos
agentes dominantes. Desse modo, se estabelece um ciclo em que um seleto grupo é responsável
por autorizar e legitimar o acesso de outros agentes ao mercado.

No contexto brasileiro, essa legitimação passa por uma dinâmica de desigualdade de


raça e gênero, construindo uma rede complexa de autoridade, que está em profundo diálogo
com a história do racismo brasileiro (Gonzalez, 2020; Nascimento, 2016). Esta questão é
levantada pela pesquisadora Fernanda Miranda (2019), que alerta para as hierarquias raciais
construídas na literatura nacional, evidenciando a invisibilização dos autores negros e a falta de
acesso destes às oportunidades de publicação e de reconhecimento. Uma rápida análise histórica

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pode evidenciar o processo de exclusão dos autores negros dos círculos literários, dos eventos,
das academias de letras e demais instituições. O pesquisador Eduardo de Assis Duarte (2013)
denuncia essa situação:

Examinados os manuais – componente significativo dos mecanismos estabelecidos de


canonização literária –, verifica-se a quase completa ausência de autores negros, fato
que não apenas configura nossa literatura como branca, mas aponta igualmente para
critérios críticos pautados por um formalismo de base eurocêntrica que deixa de fora
experiências e vozes dissonantes, sob o argumento de não se enquadrarem em
determinados padrões de qualidade ou estilos de época (Duarte, 2013, p. 147).

Essa dinâmica não pode ser vista de forma alheia à estruturação do racismo no país. A
hegemonia branca no mercado literário, muitas vezes mantida de forma silenciosa e discreta, é
um dos exemplos do que a autora Cida Bento (2022) entende como pacto da branquitude.
Segundo a autora, “esse pacto da branquitude possui um componente narcísico, de
autopreservação, como se o ‘diferente’ ameaçasse o ‘normal’, o ‘universal’” (Bento, 2022, p.
18).

Ainda para Bento (2022), o conceito de branquitude está ligado à compreensão mais
ampla das práticas silenciosas, da subjetividade e dos aspectos culturais por trás do racismo,
possibilitando sua perpetuação na sociedade brasileira. Sua análise destrincha pontos
elementares para compreensão da organização do mercado literário, a concentração dos
recursos financeiros, do capital social e cultural, ao qual pequenos grupos detêm o poder e
delimitam suas raízes. Como essas práticas se mantêm atualmente em sua integridade e força,
a autora a detalha da seguinte forma:

[...] este é o pacto, o acordo tácito, o contrato subjetivo não verbalizado: as novas
gerações podem ser beneficiárias de tudo que foi acumulado, mas têm que se
comprometer ‘tacitamente’ a aumentar o legado e transmitir para as gerações
seguintes, fortalecendo seu grupo no lugar de privilégio, que é transmitido como se
fosse exclusivamente mérito (Bento, 2022, p. 25).

Em si, o pacto da branquitude tem um caráter coletivo, que é perpetuado por instituições
e sujeitos que ali estão. Esse aspecto aponta para complexidade de suas origens e imbricações,
de modo que, ao ser visto sob uma ótica coletiva e estrutural, não pode ser solucionado
unicamente com ações individuais, mas na proposição direta de transformações estruturais.
Nesse sentido, observar e compreender as relações hierárquicas e de poder no mercado literário
brasileiro envolve um comprometimento com transformações no âmbito material, simbólico e
epistemológico.

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A estreita relação entre mercado editorial e questão racial pode ser observada de
inúmeras formas, uma delas está vinculada ao papel das práticas editoriais de exclusão, na
medida em que o mercado reproduz aspectos do racismo estrutural ao produzir barreiras,
amarras e empecilhos para que os negros dele façam parte. O mercado literário brasileiro não é
homogêneo e abriga diferentes posições a respeito da problemática racial. Sua organização e
práticas devem ser analisadas mediante a compreensão da posição de cada agente, sejam eles
autores, editores, críticos, público leitor, entre outros, em suas dinâmicas internas e relações
recíprocas.

Logo, observar as práticas do mercado adotadas pelas mais variadas instituições nos
permite refletir sobre como a temática racial tem sido tratada entre os grupos que detêm o poder
e o direito para assim defini-la. Além de analisar o panorama ao qual as editoras estão inseridas,
cabe refletir de que modo elas são espaços de atuação destoante das demais instituições que
representam o mercado ou se são parte do conjunto de ações que urgentemente precisam ser
revistas.

1.1 O cenário brasileiro em meio ao racismo

Em um país de maioria negra e de mulheres, portanto de maioria de Mulheres Negras,


é um absurdo que o principal evento literário do país ignore solenemente a produção
literária de mulheres negras como Carmen Faustino, Cidinha da Silva, Elizandra
Souza, Jarid Arraes, Jennifer Nascimento, Livia Natalia e muitas outras. Que
naturalizando o racismo, a curadoria considere que fez sua parte convidando autoras
da raça Negra que infelizmente não puderam aceitar o convite. A não procura de
planos a, b, c diante destas supostas recusas relaciona-se à falta de compromisso
político da FLIP com múltiplas vozes literárias nacionais e internacionais, conforme
destacou a literata negra Cidinha da Silva, autora de Sobre-viventes, lançado este ano
pela Editora Pallas (Xavier, 2016).

Entre os maiores acontecimentos de racismo explicito dos últimos anos no mundo


literário, está o ocorrido na 14ª Festa Literária de Paraty (FLIP), em 2016, que homenageou a
poeta Ana Cristina Cesar (1952-1983). Apesar de ficar marcada pelo avanço significativo na
participação de convidadas mulheres, tornou-se um exemplo claro de embranquecimento dos
eventos literários brasileiros. Dentre os 39 convidados, nenhum palestrante negro compunha o
evento, após a divulgação de sua programação, inúmeros pesquisadores e autores negros vieram
a público expor sua indignação e indagar a curadoria do evento sobre o descomprometimento
com a questão racial e a desvalorização de autores negros.

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As palavras escritas pela intelectual brasileira Giovana Xavier denunciam a ausência de
escritoras negras no evento ao expor um cenário de exclusão latente e de descompromisso com
a inclusão racial, além de um olhar desatento, por parte da curadoria, às produções que estão à
margem da literatura canônica. Um dos principais pontos levantados pela historiadora esteve
ligado a inclusão de apenas mulheres brancas no evento, enquanto retirava autoras negras deste
espaço, chamando a atenção para gama de autoras negras que poderiam ter sido convidadas.
Xavier evidencia o local ao qual mulheres negras foram submetidas pelo racismo e a dificuldade
de enxergá-las enquanto escritoras e figuras que circulam em espaços de produção de
conhecimento.

Ao reconhecer o espaço da FLIP como “arraiá da branquitude”, denunciou diretamente


o racismo recorrente que permeia o cenário literário brasileiro, em diálogo com uma
movimentação histórica negra de ruptura da exclusão e de marginalização dos negros na
literatura. Além de apontar que, ainda que a pauta da inclusão de mulheres na literatura seja
alcançada, as mulheres negras seguiram fora do escopo de possibilidades para feiras,
publicações e eventos em geral. O contexto das denúncias realizadas durante a FLIP chama
atenção justamente pela ascensão de nomes citados por Xavier, como Conceição Evaristo e
Jarid Arraes, que ganhavam popularidade no período, e a invisibilização de outras figuras com
extensa produção, como Miriam Alves, Esmeralda Ribeiro, Geni Guimarães e Cidinha da Silva.

A carta de Xavier gerou enorme repercussão e encontrou em outras figuras intelectuais


apoio e concordância, enquanto o posicionamento da organização da FLIP evidenciou o
despreparo e o desconhecimento da equipe em mapear autores negros para participar do evento.
Outro ponto chave diante deste acontecimento está na magnitude do evento e no impacto que
este tem no mercado. Trata-se de uma instância de legitimação de autores, influenciando
diretamente em como o mercado abordará pautas e receberá as produções apresentadas na feira.

As reivindicações por autores negros na FLIP estão vinculadas ao seu valor simbólico,
já que, no mercado, ela tem a potencialidade de afetar direta ou indiretamente as posições de
todos os atores nele inseridos, logo, este episódio não pode ser visto de modo isolado. Outro
caso ocorrido três anos antes esteve ligado a lista de selecionados para Feira de Frankfurt de
2013, que dentre os 70 nomes elencados pelo governo brasileiro, Paulo Lins era o único autor
negro na lista, e para o autor, a lista não representava a literatura do país e evidenciava o racismo
brasileiro. O caso gerou comoção entre inúmeros autores da época que juntos assinaram uma
carta de repúdio contra a seleção, dentre os nomes estavam Cuti e Conceição Evaristo.
30
Em grande medida, esses dois ocorridos apresentam brevemente o cenário literário entre
2010 e 2016, pois sintetizam grande parte das dificuldades de autores negros obterem
reconhecimento e oportunidades no mercado literário. Os inúmeros posicionamentos de
personalidades impactavam a esfera pública e essa discussão ganhava espaço e tornava-se
debatida nos bastidores, nos espaços acadêmicos e entre o público literário. Enquanto parte da
comunidade se via impelida a discordar das sugestões de mudanças e das exigências por maior
diversidade no mercado, a outra estava dedicada a impulsionar debates, pleitear estes espaços
e sair da margem.

A dinâmica imposta entre o cânone e as produções construídas a sua margem


exemplificam parte dos casos ocorridos acima. Enquanto os grupos marginalizados mantêm
uma dupla formação – na tradição do cânone branco e, ao mesmo tempo, nas novas narrativas
de autores negros – como uma das estratégias para burlar barreiras, os agentes centrais
dominantes não se dedicam igualmente a acompanhar a produção negra. Essa lacuna frente ao
conhecimento dos movimentos e das narrativas que se criam ao redor do centro dominante
fortalece a manutenção velada de um ciclo restrito e demarcado racialmente, ainda que,
eventualmente, se mostre progressista quanto a dimensão de gênero, como veremos a seguir.

No entanto, à medida em que a pauta ganhou tamanha expressão em diversos setores da


sociedade, frenteada pelos movimentos sociais e pela comunidade acadêmica, este mercado se
viu impelido a mudar suas próprias práticas. A inserção de mais autores negros nos catálogos
das empresas chama atenção para uma nova postura do mercado. Mediante ao contexto social
e político de fortalecimento de demandas por diversidade racial, ou até mesmo de marketing,
confluem para que, em termos de divulgação de campanhas e visibilidade, as editoras
apresentem a sociedade uma nova postura.

Enquanto a FLIP 2016 recebeu críticas e foi amplamente questionada pela ausência de
palestrantes negros, o corpo de convidados da feira em 2017 mudou consideravelmente em
resposta ao ano anterior. O evento reuniu o maior percentual de convidados negros em sua
história, com cerca de 30% de convidados negros, se propondo a ressignificar sua imagem e
demonstrar que ouviu atentamente as críticas passadas.

Com intuito de homenagear Lima Barreto (1881-1922), a proposta do evento tinha como
objetivo trazer figuras das margens das produções literárias, dando visibilidade para autores
nacionais e estrangeiros que circulavam fora do centro literário. Naquele ano, receberam dois

31
grandes nomes da literatura negra internacional recém traduzidos: Scholastique Mukasonga e
Marlon James. A nova roupagem da feira para sua edição de 2017 mostra que as repercussões
do ano anterior impulsionaram a curadoria e os organizadores a repensarem sua postura perante
a diversidade racial, além de confirmar que as críticas recebidas tinham um direcionamento
certeiro e urgente.

Um fenômeno interessante a ser observado está nas disputas internas deste mercado,
demonstrando que alguns setores estão mais abertos que outros à inclusão dos autores negros
em todas as frentes de atuação, e o exemplo desta realidade foi a candidatura de Conceição
Evaristo a Academia Brasileira de Letras (ABL), em 2018. Sua candidatura começou através
de uma campanha online a partir do comentário da jornalista Flávia Oliveira sobre sua indicação
e, logo depois, pela carta de apoio postada nas redes sociais escrita pela pesquisadora Juliana
Borges incentivando Conceição a tornar real sua candidatura. Um abaixo-assinado reuniu cerca
de 20 mil assinaturas e foi responsável por finalmente encorajar a escritora, que se candidatou
ciente de todos os percalços e usou sua candidatura para desafiar e expor o racismo na eleição
da ABL.

O reconhecimento recebido pela autora nos últimos anos reflete o impacto de suas obras
em toda sociedade. A inovação de sua escrita está ao centralizar e narrar a experiência das
mulheres negras sob uma nova ótica. Entretanto, sua candidatura expôs algumas das camadas
do racismo institucional presente na ABL, visto que, apesar do apelo da sociedade civil, a autora
recebeu apenas um voto e não pode ocupar a cadeira de Castro Alves. Sua vitória era incerta,
mas sua candidatura foi de grande importância para mobilizar inúmeros setores da sociedade a
olharem para a composição da ABL e a postura da instituição diante das emergentes discussões
e urgências por mudanças no campo da literatura.

A candidatura de Conceição evidencia o distanciamento da instituição frente as


demandas populares, visto o apelo da sociedade civil para que a autora ocupasse a cadeira, e a
completa negligência dos “imortais” em dialogarem com essa reivindicação política. Chamo
ainda a atenção para a manutenção da hierarquia estabelecida pela instituição, reforçando seu
lugar de autoridade frente as demais áreas do meio literário. A respeito dessa perspectiva,
Justino afirma:

Precisamos horizontalizar a literatura para que a capacidade da cultura de produzir


práticas discursivas de resistência e aferir relações materiais de poder possam nos
livrar dos essencialismos que, à guisa de viés contra-hegemônico, só repropõem o
estigma em outra base. Horizontalizar para irmos dos lugares especiais às vias comuns
32
da cultura e compreendermos como as instâncias do poder aí se exercem e/ou são
contestadas, com especial atenção para os modos como os produtos culturais das
minorias sociais constroem estratégias de resistência aos diversos modos de
dominação cultural, econômica, social (Justino, 2014, p. 150).

Situações marcantes como essas são recorrentes e não exceções. Casos do racismo
praticados cotidianamente pelo mercado literário: no âmbito editorial, nas feiras e eventos, em
suas premiações. Em cada um desses seguimentos é possível notar como essas práticas estão
imbricadas na hierarquia racial, ao perpetuarem um cenário histórico de subjugação e negação
dos direitos intelectuais a pessoas negras. De fato, muitas são as camadas a serem desvendadas
sobre essa estreita relação que rege o mercado literário e a raça. O passado do mercado, por si
só, diz muito sobre seu papel no racismo brasileiro. Uma nova página tem sido escrita nos
últimos anos, mas ela não pode ser vista descolada de seu histórico extenso e questionável.

Ainda mais recentemente, a 20ª FLIP, realizada em 2021, pela primeira vez homenageou
uma escritora negra, Maria Firmina dos Reis. Com uma curadoria coletiva, o evento ampliou
seu leque de convidados e se debruçou sobre a vasta produção nacional e internacional,
incluindo escritores à margem dos ciclos literários mais consagrados. Uma das convidadas da
edição foi a escritora Cidinha da Silva, que pela primeira vez em toda sua carreira compôs a
programação principal da feira. Sobre seu convite ela disse:

Estou contente por figurar nessa grande vitrine, é verdade, mas sem efusão demasiada.
Por quê? Porque “demorô”! E cabe a pergunta por que tudo demora tanto para a gente?
E quando chega “a nossa vez”, costuma ser a única e não se repetirá? Por ingratidão
e “metideza”, responderão os mais afoitos. [...] Venho insistindo que “a vez da gente”
chegará mais rapidamente e deixará de ser a única, quando as instâncias de decisão
forem pluralizadas, quando as vozes de quem manda forem também do pessoal das
bandas de cá: da invisibilidade, das margens, dos que não são pardos
afroconvenientes, das que pesquisam nas universidades as literaturas não-
hegemônicas, do pessoal da esquerda... esquerda no sentido exúnico das matrizes afro-
brasileiras, se é que vocês me entendem3.

Além de Cidinha, a 20ª FLIP também contou com a poetisa portuguesa Alice Neto de
Sousa e Mídria, poeta de Slam brasileira, que declamou e performou durante o evento. O
convite à cubana Teresa Cárdenas também complementa esse novo olhar sobre a literatura,
visto que a autora é contadora de histórias, uma griô que tem em seus livros essa essência. Após

3
Trecho retirado da publicação da autora em sua rede social pessoal. Disponível em:
https://www.instagram.com/p/CieDjJyMNjf/. Acesso em: 14 de setembro de 2022.

33
as reivindicações e as exigências da sociedade civil, o evento se mostrou comprometido com
uma transformação urgente em sua programação e, mais ainda, em seu desenho e realização.
De certo modo, a FLIP acompanha parte das transformações vividas pelo mercado literário
nacional, caminhando lado a lado com o processo de resgate histórico de autoras invisibilizadas.
Com coro da comunidade literária como um todo, a feira incorporou grande parte das
reinvindicações atuais e esboçou um trabalho muito próximo do que a crítica de Giovana
Xavier, anteriormente exposta, reafirmava.

A partir disso, observamos que este mercado pode ser visto como um verdadeiro espaço
em disputa, uma arena tradicionalmente fundada nas estruturas racistas e violentas, enquanto
outras narrativas e possibilidades de horizontes epistemológicos se impõem e abrem novas
portas. Os últimos anos apresentam uma série de avanços e retrocessos, transformações micro
e macros que são perceptíveis, por meio dos eventos e catálogos, à medida que estes refletem
ou não as urgências coletivas. Ainda que possamos estabelecer que essa série de eventos
escancare o racismo no mercado literário, há um conjunto de camadas complexas que apontam
para como o mercado tem incorporado a discussão racial e, consequentemente, a presença dos
negros em seu cotidiano.

Com intuito de analisar um processo extenso de transformações ou ajustes ao qual este


mercado vem vivendo ao longo dos anos, sob uma ótica sociológica e não apenas econômica,
cabe compreender o processo histórico das relações raciais no país. Essas vozes dissonantes
estão marcadas não apenas pela marginalização, mas por uma discussão mais profunda
vinculada a cidadania, ao direito a escrita e a humanização. Enxergar sua invisibilidade no
mercado é compreender que sua ausência não está configurada pelo mero acaso, mas sim por
um conjunto de violências pautadas na raça.

A reivindicação pelo reconhecimento perpassa pela disputa acerca da cidadania e da


intelectualidade negra, e toca na dimensão simbólica da legitimação. Enquanto o próprio campo
literário instaura sua dinâmica de poder marcada pelo racismo, os autores negros constroem
estratégias para se contrapor e viabilizar suas pautas. Os autores negros trazem sua identidade
racial para o centro da questão, geram desconforto em um mercado que aparentemente “não via
cores”, mas que está, sim, completamente racializado pela presença majoritária dos brancos.
Mediante esse contexto, qual papel das editoras brasileiras?

34
O papel das editoras

O impacto da questão racial no mercado editorial se expressa em inúmeras práticas: na


composição dos quadros de funcionários das empresas, no lugar dos negros nos enredos, no
posicionamento político e ideológico das editoras quanto a questão racial e, como analisarei
aqui, na presença de autores nos catálogos. As editoras exercem um papel em escala macro e
micro dentro do jogo de poder do campo literário, e sobre essa questão, no contexto francês,
Bourdieu afirma:

Cada editora ocupa, em um dado momento, uma posição no campo editorial, que
depende de sua posição na distribuição dos recursos raros (econômicos, simbólicos,
técnicos etc.) e dos poderes por eles conferidos; é essa posição estrutural que orienta
as tomadas de posição de seus “dirigentes”, suas estratégias para publicação de obras
francesas ou estrangeiras, definindo o sistema de coerções e de finalidades que se
impõe, assim como as “margens de manobra”, muitas vezes bem estreitas, que se
delimitam nos confrontos e nas lutas entre os protagonistas do jogo editorial
(Bourdieu, 1996, p. 200).

É esse jogo editorial que complexifica a rejeição aos grupos marginalizados, que impõe
novas camadas, como a compreensão da raça nas relações entre sujeitos e instituições literárias
no país. Essa dinâmica demonstra a complexidade da publicação de autores negros no Brasil,
abandonando uma análise meramente dicotômica, à medida que consideramos o porte de cada
editora, elas podem apresentar práticas e respostas diferentes para uma mesma questão, ainda
que dentro do campo literário estejam ou não vinculadas à lógica dominante.

Ao olhar comparativamente as editoras e a posição que cada uma delas ocupa no campo
editorial, reflito sobre seus papeis na construção do mercado editorial. No caso de algumas das
pequenas e médias editoras, o próprio mercado já possuía uma dinâmica interna bem
estabelecida quando elas surgiram. É possível, então, dar destaque aos limites da autonomia
que as editoras pequenas e médias possuem e, ainda, qual é sua atuação frente a dinâmica
dominante estabelecida material e simbolicamente no mercado editorial.

Assim, diferentes estratégias são definidas para atuação dessas editoras mobilizando
seus próprios recursos, garantindo também autonomia relativa para articulações necessárias
para publicação de autores negros, ainda que em pequena escala. A margem do campo literário
tem sido um espaço de grande disputa, editoras e grupos independentes têm formulado
estratégias de atuação em direção a novos caminhos editoriais e literários. Ainda que um grupo
extenso de pequenas editoras não possuam o mesmo impacto de grandes corporações, o

35
mercado tem sido cotidianamente afetado por suas práticas que, a longo prazo, reverberam nas
tomadas de posição das editoras mais centrais.

Como então podemos enxergar a relação específica entre as pequenas editoras não-
negras e a pauta racial? Ainda que tenham menos recursos, não poderiam comprometer-se com
a publicação literária em uma perspectiva racialmente diversa? Em que medida a questão
econômica justificaria a manutenção de uma prática institucionalmente estabelecida, visto que
é possível vislumbrar um cenário econômico disposto a absorver obras de autores negros. Em
um dado momento, ainda que vinculados a questão material, percebo que esses
questionamentos se alinham a aspectos epistemológicos, sociais e políticos, como também
norteiam as escolhas de publicação das editoras, que possam ou não ocupar um lugar mais frágil
e menos dominante nessa dinâmica.

Publicar autores negros envolve uma escolha, seja ela feita de forma consciente ou não,
atravessando perspectivas de gênero, raça e classe. Ao analisar tal dinâmica, é perceptível sua
estreita relação com os aspectos estruturais da formação da sociedade brasileira, e a ideia de
uma escolha que não passe propositalmente pela forma com que a raça nos impacta está
relacionada diretamente com as raízes do racismo no país e com a tentativa de ignorá-lo.
Quando a racialização não é feita para pensar a inserção de sujeitos negros e indígenas neste
mercado, ela também é uma tomada de posição em direção a branquitude e sua dominação.

Historicamente, o trabalho de publicação que compreendia a questão racial como parte


central dos desafios da literatura brasileira foi desenvolvido mediante iniciativas menores e
independentes. Sendo que em diferentes contextos temporais, essas empresas e organizações
desenvolveram estratégias alternativas, com pouco recurso financeiro. Pensando o impacto de
editoras negras e/ou coletivos organizados que publicavam obras de autores negros, temos um
extenso histórico em escala nacional destas iniciativas, dentre elas, Mazza, Pallas, Malê, Aziza
Editora e até mesmo a experiência marcante do Coletivo Quilombhoje e as publicações dos
Cadernos Negros, tratado mais à frente.

No entanto, ao localizar a discussão especificamente no mercado dito tradicional, cabe


refletir em que medida suas práticas se vinculam a própria estruturação do campo, ou seja, na
possibilidade de dinamizar as publicações de autores negros. O histórico de editoras que têm
como enfoque a questão racial reafirma o extenso trabalho trilhado nesse âmbito, entretanto,
dentro do mercado tradicional, qual foi o papel desempenhado por editoras menores?

36
Ao realizar entrevistas com editores e editoras das empresas de pequeno e médio porte,
foi possível observar as barreiras e as dinâmicas estabelecidas entre as editoras menores ao se
tratar da questão racial. Essas editoras acabam desenvolvendo um trabalho de descoberta, busca
e curadoria de autores nacionais e/ou estrangeiros que não foram publicados, um trabalho em
menor escala, ainda sem tantos recursos, que visa a publicação de outros tipos de produção
literária. Estava em evidência a existência de um jogo de poder e hierarquia entre as editoras
com relação à questão racial, seja ligado à descoberta de novos autores ou ao lançamento de
grandes nomes renomados. A posição que as editoras ocupam no mercado também determina
qual o papel desta editora na publicação de autoria negra.

Na dinâmica organizada atualmente, uma série de relações sociais e investimentos


econômicos entram em destaque, de modo que, se encaramos a pauta racial como um espaço
de disputa entre as editoras, com intuito de se colocar frente a essa dimensão, o jogo de poder
se reorganiza. Essa dinâmica é mais bem detalhada por Luiz, editor da Todavia. O interlocutor
formou-se em jornalismo em Porto Alegre, mudou-se para São Paulo e dividiu sua carreira de
editor entre revistas do grupo Abril e editoras renomadas, como Ática e Companhia das Letras.
A partir de sua experiência ele relata:

Há toda uma produção que já existia, mas muitas vezes ela era desaguada em editoras
menores ou em esquemas muito menores, e isso foi se tornando como hoje o
mainstream. E se você pensar no Geovani Martins, no Itamar, no José Falero, no Paulo
Lins, na Cidinha, na Conceição, há 20 anos eles estariam em editoras menores ou auto
publicados [...].

Um interessante ponto que é compartilhado por todos os editores entrevistados está na


compreensão de que editoras maiores tiveram que exercer um grande esforço nos últimos cinco
e dez anos para buscar novos títulos, com intuito de diminuir a discrepância entre as publicações
de autores negros e autores brancos. Nessa busca por publicações, as editoras grandes acabam
por trazer aos seus catálogos autores já consagrados, com certo histórico de publicações, e/ou
se dedicaram, mais recentemente, a publicar obras de intelectuais negros que haviam saído de
circulação. Segundo Pedro, interlocutor da editora Dublinense, essa realidade se deu da seguinte
forma:

Aí você pensa e olha para os catálogos das grandes editoras e até pouco tempo eles
não tinham nenhum autor relevante nacional, nenhum. Até bem pouco tempo selos
superimportantes. Só que assim, até, sei lá, 2000, não vou nem dizer uma data, mas
até algum tempo atrás era um não assunto, mas de um de um tempo pra cá, isso
simplesmente fica intolerável. Por que como é que você publica 10, 20 30, 40, 50, 60
livros por mês uma editora enorme, e você não tem os seus autores brasileiros, não
tem nenhum? Isso começa a ficar muito aparente e aí eu acho que começa uma
movimentação ótima, saudável de tipo, “bom, isso está errado. Como é que a gente
37
faz?” Começa a publicar, eu acho que é isso que os grandes grupos fazem e começam
a movimentação, começa a dar muita visibilidade para autores que sempre estiveram
por aí, mas em editoras muito menores, né?

Assim como Luiz, Pedro também cursou jornalismo em Porto Alegre e se mudou para
São Paulo a fim de expandir o trabalho realizado pela Dublinense, criando redes e ramificando
do trabalho editorial da empresa. Sua fala revela a complexidade do mercado quando vinculada
a questão racial, mostrando quanto as editoras movimentam-se em direção a transformação,
dedicam-se a publicação de autores jovens e recém iniciados ou autores com longa trajetória de
publicação que passaram boa parte de suas carreiras marginalizados.

Para os editores, o papel de editoras menores ao longo dos anos foi fundamental para
que esses autores publicassem seus primeiros livros e ganhassem determinada repercussão. As
editoras pequenas e médias apresentam-se como espaços de descoberta, curadoria e
oportunidade para que os autores negros cheguem ao mercado tradicional. O levantamento de
dados confirma essa hipótese apenas em partes, visto que nem todas as editoras menores estão
realmente atentas e abertas a publicação de autores negros, enquanto grupos editoriais e grandes
editoras destinam maior recursos e captação para publicação destes.

Ainda trataremos da formação de público leitor, das mobilizações sociais e da


reorganização do mercado literário, no entanto, não podemos esquecer que toda mudança
institucional dessas empresas parte, também, de processos subjetivos, de trajetórias pessoais e
profissionais de quem as compõe. As regras não ditas, as práticas inquestionáveis e o conjunto
de impactos econômicos que grandes editoras e editoras independentes enfrentam, impõem
determinadas práticas de trabalho, ainda que de maneira complexa, cada editora viva sua
própria realidade e possua sua própria política.

A partir do levantamento realizado, observei que nos últimos 10 anos, as 15 editoras


selecionadas publicaram 154 autores negros, sendo que somadas estimamos que tenham mais
de 2.650 autores em seus catálogos4. Ainda que a baixa presença destes no mercado editorial
seja conhecida por todos, os dados são alarmantes e evidenciam a proporção da barreira
levantada para que os negros possam ocupar estes espaços, uma vez que os números reafirmam
um longo histórico de exclusão. São, em si, a materialidade do processo de marginalização no

4
Este número apresentado está baseado no levantamento realizado por mim, com última atualização no dia 13 de
setembro de 2023, considerando os autores informados nos sites das editoras.
38
meio literário. Em termos de representatividade, os dados apontam para o fato de as empresas
construírem seus catálogos e políticas de aquisição alheias à representação de cerca de 56% da
população brasileira, e essa constatação aprofunda a marginalização destes autores e o papel
destas empresas na reafirmação de um imaginário social brasileiro embranquecido, colonial e
violento (Gonzalez, 2020).

Como podemos verificar na Tabela 2, o número de autores negros nos catálogos se altera
a partir da divisão por porte, evidenciando que entre as próprias editoras as políticas de
aquisição de autores negros variam segundo o porte.

Tabela 2. Número de autores negros publicados por porte

EDITORAS POR PORTE NÚMERO DE AUTORES


Boitempo 14
Globo Livros 19
Intrínseca 15
Rocco 3
Grande 51
Aleph 0
Arqueiro 5
Darkside 9
Dublinense 5
Todavia 20
39
Médio
Bazar do Tempo 6
Elefante 4
Jandaíra 29
Morro Branco 6
Nós 10
Veneta 9
64
Pequeno
TOTAL GERAL 154
Fonte: tabela de autoria própria.

Há relativa discrepância entre o número de autores entre os portes das editoras. Apesar
do grupo de pequeno porte reunir um número superior de editoras que o de grande porte, quando
comparados os catálogos das quatro maiores editoras, ainda somam um número superior às

39
editoras de pequeno porte juntas. Dito de outro modo, editoras de menor porte somam maior
número de autores publicados, ainda que com menor catálogo em relação a editoras maiores.

A longevidade do trabalho desenvolvido pelas maiores empresas possibilitou um


catálogo extenso em termos numéricos, mas muito pouco diverso em termos de gênero e raça.
Esse aspecto se torna gritante quando observamos a editora Rocco, que com 48 anos de
existência, possui um número inferior de autores negros publicados do que qualquer editora de
pequeno porte. Se considerarmos que muitas dessas editoras sequer tem dez anos de existência,
a situação quanto ao caso da editora Rocco se torna ainda mais problemático.

Outro exemplo de ausência de publicação se reflete no caso da editora Aleph, que não
possui nenhum autor negro em seu catálogo de 39 anos de existência. Este caso específico gera
certo choque e desconforto por justamente escancarar uma política de brancura nas publicações
editorais da editora e sua ausência de mobilização na transformação dessa perspectiva. As
editoras não se atentaram a isso? Elas supostamente publicam autores independentes de sua
raça/cor? São algumas das perguntas que me fazem olhar para as práticas institucionais destas
empresas, analisando seus objetivos e narrativas enquanto atuantes no mercado literário.

Em diálogo com as produções de Cida Bento (2022), parece haver um pacto


supostamente silencioso acerca da racialidade dos autores publicados. Este pacto estabelecido
como prática padronizada no mercado dita os trabalhos cotidianos destas empresas. Em seu
livro O pacto da branquitude, a autora desenvolve a concepção teórica do que compõe esse
pacto:

[...] sempre os entendi como acordos tácitos, como pactos não verbalizados, não
formalizados. Pactos feitos para se manter em situação de privilégio, higienizados da
usurpação que os constituiu. E que se estruturam nas relações de dominação que
podem ser de classe, gênero, de raça e etnia e de identidade de gênero, dentre outras
(Bento, 2022, p. 120).

Nesse sentido, ao observar os dados apresentados, é possível imaginar as nuances e as


expressões que esse pacto da branquitude assume no mercado literário, de modo que não
podemos negar que este espaço é racializado, marcado majoritariamente pela presença de
sujeitos brancos. Neste mercado, a branquitude é vista também como prática naturalizada,
composição estruturante do trabalho cotidiano, fazendo com que a branquitude também seja
um jeito de ser e estar neste campo. Seja a partir de uma prática comumente estabelecida e não
necessariamente determinada de forma verbal, pois editoras diferentes têm históricos similares,
até que mais recentemente isso venha mudando.

40
Bento (2022) ainda aponta que em muitos contextos o pacto da branquitude se delineia
de modo a ignorar o próprio público ao qual o mercado se destina, ela afirma “as organizações
constroem narrativas sobre si próprias sem considerar a pluralidade da população com a qual
se relacionam, que utiliza seus serviços e consome seus produtos” (Bento, 2022, p. 17). No caso
das editoras, ao publicarem pouquíssimos autores negros, elas apresentam ao público leitor sua
postura frente à representatividade e aos interesses diversos que este mesmo público possui.

As editoras detêm um papel direto na determinação de práticas e na visibilização de


autores negros, visto que “as instituições são constituidoras, regulamentadoras, e transmissoras
desses pactos, que em sua essência são coletivos” (Bento, 2022, p. 121-122).
Consequentemente, seus catálogos e funcionários também são parte desse amplo escopo de
atuação ao qual o livro é o produto final. Nesse sentido, cabe refletir sobre quais diferenças e
semelhanças são estabelecidas entre as práticas editoriais dessas empresas, com intuito de
compreender as discrepâncias apresentadas nos dados acima.

Será a partir dessa perspectiva que observei as práticas que as diferenciam ou não entre
si, evitando um olhar individualizante sobre o papel de cada uma dessas editoras, buscando,
então, observá-las em si e em relação à própria dinâmica coletiva. A seguir, discutiremos a
realidade das editoras por porte, com intuito de destrinchar melhor essa atuação.

1.2 Um olhar atento às editoras de pequeno porte

À medida que conhecemos o número de autores publicados pelas editoras, podemos


dialogar sobre o número de obras que essas mesmas editoras publicaram. Na Tabela 3
observaremos essa questão para as editoras de pequeno porte:

Tabela 3. Número de títulos publicados em editoras de pequeno porte

EDITORA TÍTULOS
Bazar do Tempo 6
Elefante 9
Jandaíra 29
Morro Branco 17
Nós 16
Veneta 13
Total Geral 90
Fonte: tabela de autoria própria.

41
O número de títulos publicados entre as editoras de pequeno porte dialoga com os
números apresentados na Tabela 2, 64 autores publicaram 90 títulos diferentes até o ano de
2021. Esse dado chama a atenção para o fato de que um grupo seleto de autores negros terem a
oportunidade de publicarem mais de uma obra, pela mesma editora ou por editoras diferentes.
Tal característica chamou atenção para certa particularidade entre as práticas editoriais das
empresas, sendo possível observar dois tipos de perfis entre as editoras de pequeno porte: i) em
que há maior investimento em publicações de autores distintos, tendo maior pluralidade de
autores no catálogo; e ii) que opte pela centralização de publicação em poucos autores, em
especial traduzidos, que possam agregar maior interesse do público leitor. Ainda que as duas
políticas atinjam objetivos similares, elas passam a ditar os interesses e os recursos comerciais
adotados pelas editoras para modificar parcial ou definitivamente seus catálogos.

Entre as editoras com maior percentual de autores negros, a editora Jandaíra possui uma
trajetória interessante que se cruza diretamente com as reivindicações feministas dos últimos
anos. Fundada em 2012 pela jornalista Lizandra Magon de Almeida, inicialmente como editora
Pólen, que posteriormente passou por um extenso processo de mudança de marca e de
identidade, tornando-se a editora que conhecemos hoje como Jandaíra. O nome remete a abelha
brasileira comumente conhecida no Nordeste, de nome indígena, e significa literalmente “inseto
que produz mel”. A mudança de nome orienta um perfil de trabalho muito parecido com o
anterior, enquanto a nova identidade visa dialogar com a dinâmica matriarcal que se dá por
meio do universo das abelhas e da presença da abelha rainha na colmeia.

A partir da trajetória de sua fundadora e seu envolvimento pessoal com a luta coletiva
das mulheres, a editora manteve um olhar atento nas pautas feministas desde sua fundação.
Pensando em gênero a partir da perspectiva interseccional, novos títulos chegaram ao catálogo
da editora. Desde seu início, a editora mantém abertamente um foco na publicação de mulheres
e em temas voltadas a realidade feminina em sua pluralidade. Sobre esse perfil, a interlocutora
Mariana comenta:

[...] acabou que a gente foi indo para todos esses recortes de raça, classe, gênero. Você
tem livro indígena, mas também tem a questão das gordas, mas também tem a questão
trans, tem toda a questão de gênero, então a gente foi para tudo o que causa. Daí a
gente criou esse slogan, livros que causam. Tudo de causa mesmo. Todas as causas
que a gente aborda de alguma forma.

Entre os editores com quem pude dialogar, a editora Jandaíra foi a única empresa na
qual conversei com uma editora mulher que gerenciasse a parte editorial da empresa
diretamente. Interessante notar como a trajetória da interlocutora se vincula aos interesses da
42
editora e reflete diretamente nos números da empresa. Mariana é jornalista formada pela Escola
de Comunicação e Artes, da Universidade de São Paulo e acabou no meio editorial de uma
forma não tão planejada. Com pai jornalista, o universo da impressão e do trabalho em redação
acabou sendo um espaço de maior familiaridade, porém, após longo tempo trabalhando na
Publifolha, decidiu sair do jornalismo e trabalhar como prestadora de serviços no mercado
editorial, com um colega designer.

Construindo seu caminho pelo mercado editorial, ela comenta que foi buscando
encontrar seu olhar editorial e quais tipos de livros tinha anseio por publicar, e a partir de seu
relato foi possível observar que sua trajetória em um grupo terapêutico para mulheres, que
discutia histórias e temas relacionados a dimensão de gênero, a editora encontrou nesse nicho
seu potencial interesse. Movida por sua realidade pessoal e de outras mulheres de sua geração,
observou que novos temas estavam sendo colocados em pauta, sendo pensados a partir da
perspectiva interseccional e por um movimento de mulheres jovens que trouxeram outros
olhares para as temáticas anteriores. Sua fala aponta sobre seu aprendizado com a geração atual.

Então, a princípio, apesar de eu ter nascido na ditadura e da gente entender exatamente


o que acontecia, a parte política era muito forte, mas na parte do feminismo parece
que os grandes direitos que a gente estava brigando já tinham sido resolvidos. Então
eu pude escolher a faculdade que eu quis, eu estudei, ninguém me obrigou a casar com
ninguém, ninguém me obrigou a ter filho. Eu não tenho filho porque eu não quis.
Enfim, já tinha algumas conquistas que a gente estava dando como certas, assim, sabe?
Nesse momento, começou a aparecer as meninas mais novas dizendo: “tem muita
coisa errada, olha esse patriarcado!”. Eu falo sempre que a gente tem que ser ensinado
pelas meninas mais jovens que perceberam que a gente estava já se acomodando
numas coisas que não eram bem assim.

No cotidiano do trabalho editorial, a trajetória profissional e pessoal dos sujeitos acabam


por orientar o viés editorial e as publicações realizadas, suas experiências e escolhas políticas
são apresentados de forma direta ou indireta no cotidiano laboral. Desse modo, enfatizo aqui
que a presença de uma mulher com extensa trajetória voltada para as discussões de gênero,
moldam boa parte do catálogo da editora, refletindo na presença de autoras publicadas ou na
probabilidade maior de espaço que estas autoras podem vir a ter.

Em parceria com a filósofa Djamila Ribeiro, a editora lançou o Selo Sueli Carneiro e,
nele, a Coleção Feminismos Plurais, com intuito de publicar obras de não-ficção de autoria
negra que trouxessem debates fundamentais para a sociedade de forma didática extrapolando
os espaços acadêmicos. A referida coleção lançou obras como Racismo Estrutural, de Silvio
Almeira; Lugar de fala, de Djamila Ribeiro; Encarceramento em massa, de Joyce Berth; e

43
tantos outros títulos que foram largamente utilizados em eventos, oficinas, rodas de leitura,
ementas de disciplina e espaços acadêmicos.

Ambas as iniciativas desenvolvidas pela editora são responsáveis por rechear seu
catálogo e demonstrar ativamente seu comprometimento com a questão racial. De forma geral,
os livros publicados pela coleção e pelo Selo representam 62% das obras de autores negros
publicados pela editora até 2021, totalizando 18 obras. Bem como, a parceria desenvolvida com
Djamila Ribeiro possibilitou que um leque de autores fosse publicado e outros temas e
referências bibliográficas entrassem em evidência no próprio círculo de publicação do mercado
editorial.

O trabalho desenvolvido em parceria destina à fundadora da coleção a escolha de autores


publicados, os desejos dos temas que ganharão espaço ou não nas publicações e a editora o
trabalho de publicação e divulgação das obras. Dito isso, é necessário ressaltar que não só o
gerenciamento de Djamila Ribeiro sobre a coleção evidencia sua interlocução com outros
pesquisadores em função de sua própria trajetória acadêmica, fator determinante para moldar o
desenrolar da coleção ao longo dos anos. Ou seja, o engajamento de profissionais negros e/ou
sensíveis às questões raciais e de gênero, formados em meios universitários, tiveram forte
impacto nas opções editoriais da Jandaíra.

Nesse sentido, o Selo Sueli Carneiro representa grande parte do avanço da publicação
de autores negros da editora, expondo um trabalho curatorial de publicação de obras nacionais
de não-ficção de autores negros de todo país. O Selo o e a Coleção Feminismos Plurais
apresentam uma prática disruptiva frente ao apagamento massivo de autores negros no
mercado. Suas publicações e a discrepância numérica entre outras editoras que não possuem
projetos editoriais específicos ou politicamente estruturados visando a publicação de autores
negros e temáticas correlatas aos estudos das questões raciais. Para Mariana, a Coleção
Feminismos Plurais possibilita o resgate de alguns referenciais teóricos centrais para pensar as
relações raciais no país:

A Djamila com a Coleção fala, “vamos criar também uma nova epistemologia. Vamos
ver que jeito que a gente vai fazer pesquisa acadêmica”. Como não só ela, mas isso é
uma tendência, então, que bibliografia é essa que a gente vai usar? Que mulheres são
essas que a gente vai remeter na bibliografia e tudo mais? Como que a gente vai fazer?
Então ela foi trazendo isso. Então tinha, por exemplo, o pacto da branquitude, da Cida
Bento, que sempre foi uma referência, estava uma edição completamente esgotada,
estava o livro largado e a Companhia [das Letras] levou. Foi o livro da Lélia Gonzalez,
tinha várias referências, mas também estavam todos com edições antigas e foram
reeditadas. Essas são as bibliografias básicas desses livros [da Coleção Feminismos

44
Plurais], Abdias do Nascimento, vários livros que estavam fora de catálogo, vários
livros que estavam em editoras menores foi para Zahar, que é da Companhia das
Letras. Enfim, as editoras foram criando esses olhares, foram vendo quem são esses
intelectuais, essas obras fundamentais que estavam fora e reeditaram praticamente
toda essa bibliografia.

A fala de Mariana toca nas disputas entre pequenas editoras e grandes grupos editoriais
diante da questão racial e do impacto de mercado que ela tem representado atualmente, e
evidencia a política editorial das empresas em descobrir novos autores, investir em seus
trabalhos ou publicar autores já consagrados. Sobre essa discussão, Mariana afirma:

São geralmente essas editoras [menores] que descobrem os autores novos, que
investem em pessoas novas, que têm esse olhar, porque você vai fazer uma tiragem
menor e depois vai fazendo outras e tal. As editoras grandes, em geral, têm um olhar
para uma coisa muito maior, em medir esse potencial, ainda mais no mundo de hoje,
onde tudo é muito mais pulverizado e onde você realmente tem outros olhares que não
necessariamente são hegemônicos. Então você vai dividir isso em vários, você vai
dividir essas tiragens e tal, então as várias editoras pequenas acabam conseguindo
ampliar esse lugar. Claro que quando você publica e você descobre, depois vem uma
editora grande, leva essas pessoas, porque está achando um nicho de oportunidade,
criando o seu próprio lugar, entrando nesse espaço que ela não dava bola, mas que a
gente provou que é viável que é bom de que rende dinheiro e tudo mais. É um pouco
revoltante, né?

Ainda que o poder de impacto de pequenas editoras seja reduzido, se comparado com o
das grandes, suas apostas editoriais de vanguarda podem iniciar um rompimento com a lógica
até então ditada pelas grandes editoras, obrigando-as a se reposicionarem para manterem seu
caráter hegemônico. Podemos pensar, então, que há em curso uma transformação do campo
editorial que vem sendo feita de baixo para cima, das pequenas editoras de vanguarda e
acompanhadas pelas editoras maiores. Há, portanto, diálogo com as transformações sociais
vividas nos últimos anos, nas quais a população negra vem conquistando novos espaços e
pautando reivindicações por acesso a direitos.

Por sua vez, a editora Bazar do Tempo apresenta aos leitores seis autores, cada um com
um título. Em muitos aspectos seu projeto editorial assemelha-se ao da Jandaíra: também com
um olhar direcionado à questão de gênero, tendo um projeto editorial que visa publicar autoras
mulheres. A Bazar conta com uma equipe exclusivamente feminina e, em muitos contextos, se
apresenta justamente como “editora feminista”. Fundada pela jornalista Ana Cecilia
Impellizieri Martins, em 2015, seu catálogo visa publicações de não-ficção, poesia e ficção de
autores nacionais e estrangeiros. Em entrevista para o jornal Estado de Minas, a fundadora da
editora comenta sobre o perfil feminista da editora,

Se a gente não nasceu com isto, acabou criando uma rede [de escritoras]. Realmente
uma autora vai puxando a outra e hoje publicamos muitos livros feministas. Mas há

45
uma diferença entre ter livros feministas e ser uma editora feminista. A Bazar é uma
editora feminista, mas nem todos os livros de mulheres são feministas stricto sensu.5

Uma das maiores expressões deste perfil feminista é o Clube F, que consiste em um
clube mensal de assinatura que publica mulheres, brasileiras e estrangeiras, com enfoque
feminista e de gênero. Mensalmente, os assinantes recebem uma caixa personalizada com o
livro do mês, conteúdos e brindes exclusivos relacionados ao livro, e, ainda, acessam a cursos
voltados às temáticas abordadas no livro. Lançado em março de 2021, o Clube F reúne
intelectuais e títulos inéditos no país, caminhando em direção às discussões que ganharam cada
vez mais espaço nos últimos anos, como relações raciais, gênero, meio ambiente e sexualidade.
A editora constrói um clube politicamente desenhado para um público politicamente
interessado nessas obras inéditas, que, de alguma forma, se vincula à mobilização feminista.

Para a fundadora da editora, há um espaço editorial a ser explorado e um público leitor


mobilizado em conhecer cada vez mais a produção de autoras. Em sua entrevista para o jornal
Estado de Minas, ela diz: “quando olhei minha programação para 2021 e vi que tinha um título
de uma grande autora em cada um dos 12 meses do ano, por que não afirmar isso e engajar um
grupo para formar leitoras dessa produção feminina?”6, expondo de forma clara o compromisso
da empresa e da própria iniciativa em contribuir com a discussão sobre publicação de mulheres
no mercado. A iniciativa editorial acompanha um conjunto de outras ações voltadas à discussão
da presença feminina na literatura, entretanto, precisamos olhar para essas publicações ainda
questionando a presença feminina negra.

Ao observar as publicações realizadas pelo Clube F, das nove publicações realizadas em


2021, três correspondiam a publicação de autoras negras, Oyeronke Oyewumí, Alice Walker e
Sayidia Hartman, sendo as duas primeiras publicadas nos meses iniciais de lançamento do clube
de leitura. Enxergo que a construção da iniciativa trouxe a editora um olhar mais atento para a

5
Matéria Ana Cecilia Impellizieri Martins: identidade feminista, disponível em:
https://www.em.com.br/app/noticia/pensar/2023/08/04/interna_pensar,1540714/ana-cecilia-impellizieri-martins-
identidade-feminista.shtml. Acesso em: 12 set. 2023.
6
Matéria Bazar do Tempo cria clube do livro dedicado a obras escritas por mulheres, disponível em:
https://www.em.com.br/app/noticia/cultura/2021/04/17/interna_cultura,1257883/bazar-do-tempo-cria-clube-do-
livro-dedicado-a-obras-escritas-por-mulheres.shtml. Acesso em: 12 set. 2023.
46
publicação de autoras negras, visto que, antes de 2021, apenas Audre Lorde havia sido
publicada em 2020, sendo a primeira autora negra do catálogo da empresa.

Iniciativas editorais voltadas à questão de gênero, com perspectivas feministas, podem


ser interessantes portas de entrada para a inserção de autoras negras. Entretanto, em muitos
contextos, sozinhas elas não garantem transformações profundas acerca da presença de autoria
negra. Há necessidade de ampliar o leque de autoras negras publicadas, por meio de uma
perspectiva mais plural, receber no mercado editorial outras produções e referenciais de teóricos
antes não acessados.

Quando comparamos os projetos editoriais da Bazar e da Jandaíra, observamos o


impacto que uma figura intelectual negra e sua própria rede podem contribuir para a presença
negra no catálogo da editora. A estreita relação com Djamila Ribeiro permite que Jandaíra
acesse outras redes e profissionais negros brasileiros e some ao catálogo da editora títulos e
autores variados. Enquanto para a Bazar, a ausência dessa figura direciona o trabalho editorial
para as traduções de autoras negras já consolidadas, fazendo com que seu interesse pela pauta
feminista negra seja direcionado às escritoras com maior visibilidade. São duas editoras de
mesmo porte, histórico e interesses parecidos, no entanto, observo que o aspecto relacional e o
vínculo com uma intelectual específica têm produzido realidades distintas.

As experiências da Bazar e Jandaíra destacam que iniciativas com enfoque nas questões
racial e de gênero têm ganhado cada vez mais espaço no mercado editorial e podem ser boas
alternativas para a diversificação dos catálogos das empresas. Além de interessadas na pauta
feminista, as editoras possuem um perfil majoritário de trabalhadoras mulheres, desenhando de
certa forma como essas profissionais têm impactado a realização de projetos editoriais
diversificados. Quando grupos minoritários começam a compor as equipes editoriais das
empresas, outros olhares e perspectivas podem ser assumidos na publicação. Nesse sentido,
enxergo a relação direta entre o trabalho dessas mulheres e a maior presença de autoria feminina
no mercado. Ao longo da dissertação, veremos em mais detalhes a relação entre o avanço das
pautas feministas e seu impacto na publicação de autores negros, em especial de mulheres
negras.

Para além do Clube F, outros autores negros compõe o catálogo da Bazar, em que Audre
Lorde, Edouard Glissant e Danez Smith reforçam o perfil de publicação de traduções, visto que
não houve nenhuma publicação de autoria negra nacional até 2021. Em determinado aspecto,

47
me parece que a editora assume um equilíbrio entre um catálogo menos centralizador na
produção de alguns autores e a possibilidade de tradução de obras de autores mais visibilizados,
assim como boa parte das traduções de autoras negras. O olhar para o feminismo trouxe ao
catálogo da editora algumas produções inéditas de autoras negras com maior destaque e
visibilidade, entretanto, observo que esse leque pode ser ampliado observando as recentes
contribuições e produções femininas negras brasileiras, por exemplo.

Ao discutir sobre o impacto da presença feminina no processo editorial, cabe dialogar


com o trabalho desenvolvido pela editora Nós, fundada em 2015 por Simone Paulino. A editora
tem enfoque em produções de ficção, não-ficção e mais recentemente inaugurou seu selo
editorial de publicação infantil. Apresenta um catálogo muito diverso, que reúne desde Paulo
Lins, com seu mais recente livro de contos chamado Dois amores, passando por Vilma Piedade,
Sacolinha até Scholastique Mukasonga, a autora negra com mais publicações em seu catálogo.

Tabela 4. Autores da Nós x Número de títulos publicados

AUTORES NÚMERO DE TÍTULOS PUBLICADOS


Allan da Rosa 2
David Diop 2
Edimilson de Almeida Pereira 1
Igiaba Scego 2
Paula Anacaona 1
Paulo Lins 1
Sacolinha 1
Scholastique Mukasonga 4
Vilma Piedade 1
Wallace Andrade 1
Total Geral 16
Fonte: tabela de autoria própria.

Como observamos na Tabela 4, com 10 autores publicados e 16 títulos, a editora Nós


está entre as com maior número de publicações. Chamo atenção para a presença de autores de
vasta trajetória e produção literária, que seguem marginalizados por grandes editoras, como é
o caso de Edmilson de Almeira Pereira, Allan da Rosa e Sacolinha, ambos com mais de 15 anos
de carreira. Suas trajetórias exemplificam um cenário comum: autores negros que têm longa
trajetória de trabalho com a escrita, iniciam publicando de forma independente ou por editoras
negras, mas quando conseguem acessar o mercado editorial mais tradicional, são
majoritariamente publicados por editoras menores.

48
Essa realidade apresenta dois aspectos, o primeiro deles está no investimento realizado
por editoras menores na publicação de autores negros, com menor expressividade no mercado
de editoras não-negras. Essa alternativa, exige certa curadoria e pesquisa, fugindo, assim, da
tendência de busca por nomes internacionais de grande peso. O segundo aspecto se vincula às
barreiras enfrentadas por autores negros, que já têm carreira consolidade entre pesquisadores e
editoras negras, mas que precisam se articular para se inserirem no mercado tradicional.

Em muitos contextos, a publicação por editoras menores é a principal alternativa,


levando os autores a fazerem parte do catálogo de mais de uma empresa, como é o caso de
Allan da Rosa, por exemplo, que possui obras publicadas pela editora Veneta e Jandaíra; bem
como Sacolinha, que já passou pela Todavia. Autores de produção contemporânea que são
anteriores a atual mobilização por maior diversidade na literatura, mas que não conseguiram
chegar a editoras de grande porte.

Com o catálogo bastante diverso, a editora possui um grande sucesso literário em suas
publicações. A autora Scholastique Mukasonga, escritora ruandesa, sobrevivente do conflito
étnico entre tutsis e hutus, as obras da autora relatam sua trajetória familiar e o contexto político
do país durante a disputa étnica. A sua primeira obra foi publicada em 2017, ano em que
participou da FLIP em uma conversa sobre maternidade em contextos de guerra e genocídio.
Seu maior sucesso, As mulheres de pés descalços, obra que narra a luta de sua mãe para proteger
sua família em meio a guerra, seu cotidiano enquanto jovem durante o período e sua própria
percepção sobre o conflito político e étnico.

Em entrevista para o coletivo Las Leilas, intitulada Escrever para não esquecer:
entrevista com Scholastique Mukasonga, a autora comenta um aspecto muito interessante do
seu trabalho com editoras ao redor do mundo, em especial com a editora Nós:

Seguimos o ritmo de Simone Paulino, minha editora no Brasil. Em todo lugar, são
editoras mulheres: Argentina, Itália, Espanha, Dinamarca, só tem um homem editor,
na Alemanha. A Nós é jovem, cinco anos não é nada para uma editora. Acho que ela
é muito ágil, será tão importante como a Gallimard, talvez não igual, mas não muito
longe disso [...] (Silva et al., 2020, p. 220).

Um ponto muito significativo de sua fala está no marcador de gênero que atravessa as
editoras que cuidam de suas obras ao redor do mundo, pois acredito que há uma relação direta
com a forma que a temática trabalhada pela autora, como a maternidade, se vincula
especialmente às editoras mulheres. Ainda que esse interesse possa marcar uma perspectiva
crítica sobre o lugar da maternidade para as mulheres, suas obras trazem outra ótica acerca do

49
tema e evidenciam a experiência da maternidade em meio ao colonialismo, a violência e a
guerra. O importante trabalho desenvolvido por algumas editoras no mercado, no que tange ao
tema da maternidade, como a própria Dublinense, ao traduzir Buchi Emecheta, evidencia um
novo ciclo de interesse e debate sobre essa questão.

Enquanto as editoras Nós e Jandaíra reúnem um catálogo mais descentralizado, ou seja,


publicando diferentes autores em detrimento da publicação de um único autor, a editora
Elefante compra os direitos de publicação de bell hooks e se dedica a traduzir obras nunca
publicadas no Brasil. Ainda que tardiamente, aumenta a circulação dos trabalhos da autora
consagrada internacionalmente, de modo que bell hooks ocupa 6 das 9 publicações de autoria
negra. Apesar de ter sido fundada em 2011, pelo jornalista Tadeu Breda e pela designer Bianca
Oliveira, somente em 2015 a empresa passou a ter um trabalho mais consistente e atuar
fortemente no mercado editorial. Com intuito de publicar obras de não-ficção, o catálogo da
editora consiste em temáticas sociais como gênero, sexualidade, raça, questão ambiental,
discussões anticapitalistas e política de maneira geral.

Em contato com a editora, conversei e conheci Lucas, um jornalista também formado


pela Escola de Comunicação e Artes da USP. Assim que se formou, trabalhou como repórter e
acabou no mercado editorial sem nenhuma pretensão anterior, ou seja, tornar-se editor não era
sua primeira escolha profissional. Durante a entrevista, ele narrou que não tinha conhecimento
sobre coisas técnicas do universo dos livros, como a importância do ISBN nas obras. Nesse
sentido, foi aos poucos que realmente conheceu mais do mercado e se dedicou ativamente aos
detalhes que envolvem a publicação de um livro no país, considerando o contexto econômico
de uma pequena editora.

Lucas comenta sobre a experiência de publicar bell hooks no país, dando destaque a
importância de suas obras e afirma ter ficado, de certa forma, surpreso com a atenção que as
obras receberam imediatamente. Também, narrou um fato interessante sobre a publicação da
obra Tudo sobre o amor:

[...] eu acho que Tudo sobre o amor é curioso, porque na mesma época que ele
começou a fazer mais sucesso aqui, ele também entrou na lista dos best-sellers do
New York Times. Eu fiquei muito curioso com esse fenômeno, porque lá ele já foi
lançado há muito tempo, né? Se eu não me engano, lançado no ano 2000,
originalmente nos Estados Unidos, então ele já tem 20 anos e ainda assim ele voltou.
Ele apareceu na lista, também não sei se tem a ver com esse período que a gente passou
de Bolsonaro e Trump.

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Interessante aspecto está no reconhecimento do hiato temporal de publicação da autora,
bem como as pontes e conexões entre o público leitor e o contexto sociopolítico vivido por
ambos os países. A intelectual tem sido internacionalmente reconhecida por sua política do
afeto, suas reflexões críticas que chamam atenção para um olhar mais sensível sobre a realidade
a qual estamos inseridos. De certo modo, assim como outras autoras, hooks chega ao Brasil de
maneira tardia, visto que sua produção intelectual está sendo traduzida com um gap de 20 a 30
anos, em alguns casos específicos, o que direcionam meu olhar para um complexo jogo que se
estabelece na ideia de “por que agora e não antes?”.

Ainda em conversa com o Lucas, ele mesmo levanta esse questionamento ao expor suas
impressões sobre o mercado editorial dos anos 80 e 90, quando poderiam ter publicado obras,
não só de bell hooks, como de Angela Davis. Sobre o tema, ele afirma,

Eu acho que tem coisas que para mim são bem inexplicáveis. Por exemplo: Angela
Davis, ela é pop há décadas, desde os anos 60 e 70. Ela é conhecida no mundo inteiro,
inclusive no Brasil. Não é uma figura obscura, tipo uma intelectual genial, mas pouco
conhecida só em nichos, não. Ela é uma pessoa mega conhecida, e por que que ela foi
ser publicada só agora? Mas esses descompassos, para mim, é meio difícil entender
por que nenhuma editora quis publicar esses livros nos anos 70, 80 e 90. Então eu
acho que existia uma espécie de invisibilização ou de desinteresse. Acho que usar uma
palavra mais palatável, um desinteresse de quem decidia ou definia o que ia ser
publicado ou não por essas questões. Talvez baseada num cálculo de que haveria um
desinteresse por parte do público leitor.

Seu questionamento é direto para as editoras da época, mais especificamente aos grupos
editoriais que ainda se mantêm ativos, de modo a colocar em evidência uma política clara e
bem-organizada de delimitação de temáticas, autores e pautas que poderiam ganhar
determinado espaço. Considerando o cenário de 1970 a 1990, que historicamente ficou marcado
pela ampla mobilização social e intelectual em direção as relações raciais, parecia propriamente
pertinente publicar a autora, considerando o vínculo construído entre os intelectuais da época
com seu ativismo nos Estados Unidos.

De certa forma, na atualidade, uma série de intelectuais negros têm sido resgatados por
meio do trabalho de pesquisadores e ativistas. Suas obras ganharam traduções e até, em
determinados contextos, editoras brigam e disputam essas publicações, entretanto, o hiato
ganha contornos políticos e éticos propriamente alinhados aos moldes racistas que determinam
o tipo de conhecimento e conteúdo com os quais a sociedade pode ter acesso. Parecia
politicamente interessante publicar Angela Davis frente às mobilizações sociais da época?
Durante a entrevista com Lucas, ele comenta sobre sua própria percepção acerca do catálogo
da editora e a publicação de autores negros, afirmando:
51
[...] se eu não me engano foi só com a bell hooks, quando a gente publicou Olhares
Negros no comecinho de 2019. E aí, pouco a pouco, a gente foi olhando com mais
atenção para a questão de ter autores e autoras negras no catálogo. E ainda assim,
também considero que demorou bastante para ter mais porque a bell hooks só em 2019
a gente publicou 3 livros dela. Aí o próximo foi em 2020.

O editor tece um olhar um tanto crítico do papel da editora frente a questão racial,
mesmo tendo surgido em meia as reivindicações sociais, algum tempo foi necessário para
assimilação desta pauta no catálogo da editora. Lucas ressalta que, inicialmente, as publicações
de hooks no Brasil se deram mediante parcerias, como foi o caso da primeira publicação,
Olhares Negros, financiada com o apoio da Fundação Rosa Luxemburgo. Em sua fala, ele
evidencia que a empresa precisou de apoio financeiro para lançar a autora no país enquanto não
podia publicar seus livros de forma autônoma.

Além de bell hooks, a editora publicou Audre Lorde e Keeanga-Yamahtta Taylor, duas
intelectuais feministas negras, seguindo, de certa forma, a linha de publicação de traduções de
autoras internacionalmente reconhecidas. Apenas Daniel Mello compõem o catálogo de não-
ficção da editora como um autor negro nacional.

Assim como bell hooks para a Elefante, Octavia Butler representa boa parte das vendas
e visibilidade da Morro Branco. A empresa conta com 9 publicações da escritora afrofuturista
Octavia Butler, dentre as 17 obras de autoria negra publicadas. Assim como a recepção da
produção de bell hooks foi fundamental para o aprofundamento de reflexões críticas sobre as
relações de gênero e raça no país, as obras de Octavia Butler compõem um movimento de
leitores e pesquisadores que reivindicam maior atenção às produções femininas negras na ficção
científica. As obras lançadas possuem um hiato de mais de 40 anos e foram publicadas no Brasil
após a morte da autora, de modo que seu reconhecimento e visibilidade no país não vieram em
vida.

A Morro Branco surge em 2016, fundada pelos empresários Ricardo Gomes, Sonia
Gomes e Victor Gomes, e já nasceu com a pretensão de divulgar ficção científica com perfil
diverso, com autores de todos os lugares do mundo. Em seu site apresentam o desejo de
trabalhar com autores jovens e pioneiros, bem como o enfoque em tradução de obras inéditas.
Realizando esforço em tornar mais plural a publicação de livros de fantasia, ficção científica,
suspense e terror.

A proposta de incluir outras produções de mulheres na ficção ganha grande espaço na


empresa. Publicam Ursula Leguin, autora branca de ficção, e de N. K. Jemisin, autora negra
52
estadunidense de fantasia, consagrada como a primeira mulher negra a vencer três vezes
seguidas o Prêmio Nebula. A premiação é conhecida como a maior premiação da ficção
especulativa do mundo, de modo que, além de torna-se a primeira mulher negra premiada, a
autora também se consagrou como a primeira pessoa a vencer três vezes seguidas o prêmio,
com os livros de sua trilogia traduzida pela Morro Branco.

Um aspecto interessante a ser observado sobre esse nicho de ficção especulativa está na
vasta produção de autores negros estadunidenses que se aventuraram no gênero entre os anos
1970 e 1990, que recentemente ganharam espaço nas traduções tardias em um hiato de mais de
50 anos (Souza, 2019). Um dos exemplos deste fenômeno é a publicação de Kindred, em 2016,
pela editora Morro Branco, quando havia se passado cerca de 37 anos de sua publicação
original.

A opção da Morro Branco em garantir os direitos autorais da obra de Octavia trouxe à


editora um público interessado em produções ficcionais racialmente diversas, de modo que,
compreendo que as obras da autora compõem parte central da renda e das vendas da editora
atualmente. Atenta à exclusão de autores fundamentais para produção de ficção especulativa do
século XX, além de Octavia Butler, a editora também foi responsável por publicar Samuel
Delany, ambos pioneiros do movimento literário, artístico e político denominado afrofuturismo.

Morro Branco, em certa medida, traz outros autores negros e publica mais de um título
de três deles. Como podemos observar na Tabela 5, apesar de seguir um perfil de publicação
mais centrada em poucos autores, estrategicamente, a editora possibilita que uma parte das
obras destes autores chegue ao país, dando continuidade ao trabalho de tradução, deixando de
ser algo esporádico e momentâneo, para também diversificar seu leque.

Tabela 5. Autores da Morro Branco x Número de títulos publicados

AUTORES NÚMERO DE OBRAS PUBLICADAS


N. K. Jemisin 3
Nicolle Dennis-Benn 1
Nnedi Okorafor 1
Octavia Butler 9
Samuel R. Delany 1
Victor LaValle 2
Total Geral 17
Fonte: tabela de autoria própria.

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Os autores que fazem parte do catálogo da editora evidenciam o interesse em uma
produção negra de ficção científica contemporânea e sólida, marcada majoritariamente por
autores estadunidenses, com um perfil de livros afrofuturistas, afropessimistas, de horror negro
e ficção negra, que ganharam cada vez mais espaço no universo da cultura pop. Em especial,
uma autora acrescenta uma perspectiva ainda mais diversa ao catálogo, Nnedi Okorafor,
escritora de ficção científica nigeriana, é responsável pela produção conhecida como
africanofuturismo.

Esta perspectiva pensa justamente a construção artística, literária e política de mundos


futurísticos baseados nas tradições africanas. Ao criar livros para jovens, que pensem a ficção
sob uma perspectiva cultural africana, a autora tem bastante circulação entre editoras
estadunidenses, bem como coleciona diversos prêmios. Em especial, observo que neste nicho
de ficção especulativa publicado pelo editora Morro Branco, as premiações e o destaque de
autores negros, a partir dessas competições, acaba por possibilitar que entrem com mais força
no radar curatorial da empresa. Visto que cada um dos autores citados acima coleciona pelo
menos um prêmio literário internacional, sua maioria nos Estados Unidos.

Há uma pauta histórica de intelectuais e de organizações negras pelo resgate, publicação


e visibilidade de autores negros invisibilizados e marginalizados. Nesse sentido, traduzir obras
de autoras como bell hooks e Octavia Butler marca um grande avanço para a circulação de
conhecimento a partir de outras perspectivas. Quando discutimos sobre o hiato entre a primeira
edição e a tradução, falamos justamente sobre o tempo em que estiveram marginalizadas para
a sociedade brasileira. Entretanto, é notável que o resgate, para essas duas editoras, se dê
justamente nas produções estadunidenses. A editora Morro Branco, por exemplo, não possui
nenhum título de autor negro brasileiro, mesmo quando nos deparamos com uma vasta
produção de escritores brasileiros negros dedicados ao afrofuturismo e à ficção especulativa,
mas que não ganham espaço.

A escolha pela publicação de grandes nomes está orientada pela legitimidade e pela
autoridade das autoras em suas respectivas áreas, ainda que marginalizadas, que são tidas como
grandes referências em suas áreas por especialistas dos temas. Nesse sentido, fica mais explícito
certo interesse das editoras em publicá-las, mas nos leva a pensar: será que apenas grandes
referências e intelectuais legitimadas internacionalmente serão publicadas no mercado
nacional? Há pouco interesse em abrir espaço para novos nomes nacionalmente?

54
Acredito que a retomada de publicação de autores negros marginalizados de diferentes
origens e a ampliação de publicações de autores negros brasileiros deveria ser um processo
duplo e cotidiano. Entretanto, observei ao longo da pesquisa que esses caminhos têm se
mostrado escolhas, de certa forma, opostas para as linhas editorais de pequenas editoras que
não podem investir duplamente neste processo.

Desde 2012, a editora Veneta publica livros de não-ficção da chamada cultura pop e
cultura nerd. Seu catálogo reúne interesse pelas ciências humanas e pelas pautas vinculadas a
mobilizações sociais. A editora fundada por Rogério de Campos, Letícia de Castro e Solange
Reis, visa se alinhar a discussões progressistas e produções ainda não publicadas no país. Em
entrevista com o editor Antônio, ele descreveu o interesse da editora voltado a produções de
esquerda, também com cunho de humor político, e ainda, cultura pop mais diversa. Ele chega
a ironizar o lugar que a empresa ocupa dentre os tradicionais apreciadores da cultura pop, ao
destacar “a gente é odiado pelos nerds”, ao destacar que o trabalho da Veneta gera afastamento
de um público que se identifica com o cenário misógino e racista presente na cultura pop.

Antônio me pareceu um interlocutor bem marcante, pois durante nossa conversa contou
que é jornalista, entretanto, não possui formação acadêmica em qualquer área. Quando
questionado sobre sua trajetória e formação acadêmica ele relata:

De formação, nada, Gabriela. Há uns anos atrás, minha irmã ficou muito enfurecida
comigo porque eu não tinha (ensino superior). Eu dava o maior mau exemplo para os
meus sobrinhos, porque eu não tinha faculdade. Eu não tinha um colegial completo.
Aí ela fez minha inscrição no Enem. Ela pagou o Enem, a taxa do negócio, e ela me
ligou para me acordar no dia que era do exame, porque, senão, eu também não teria
nem ido. Eu sou jornalista com Enem.

Ele conta essa história de certa forma satirizando sua apresentação enquanto jornalista,
entretanto, ao longo de nossa conversa, observo que sua vasta atuação na área impõe a ele o
título. Narrou que ao longo da vida atuou em revistas e jornais, como revista Biz e a Folha de
São Paulo, depois disso, Antônio mergulhou no universo dos quadrinhos e teve sua própria
editora antes mesmo de contribuir na construção da Veneta. Seu olhar sobre o universo literário,
em especial sobre as publicações de não-ficção e quadrinhos, parece bem central e definidor
para a linha editorial que a empresa possui. Ao longo de nossa conversa, ele destrinchou melhor
o interesse geral da editora e o desenho do que será publicado ou não. Sobre isso, ele comenta
que os critérios definidores estão ligados a seguintes perspectivas:

[...] que a gente acha o livro importante, o livro, por várias razões, é importante porque
o conteúdo, porque ele é lindo, porque ele representa uma visão que a gente não tem
no momento no Brasil. Eu não estou muito interessado em publicar coisas de autores
55
que já estão sendo publicados. Não estou muito interessado, eu acho que até porque
se já tem gente fazendo, tem tanta coisa para ser publicado no Brasil. Eu não entro em
leilão, se tem várias editoras interessadas? Ah, ótimo, porque a gente não tem esse
negócio de ficar segurando e tal, né? A gente tem uma coisa de política dos autores
que a gente já publica, de publicar tudo que a gente puder deles.

Esse caráter de continuidade da publicação de autores da casa pode ser percebido com
bastante força. Dentre as produções de autores negros, as histórias em quadrinhos ganham
maior centralidade com autores como Marcelo D’Salete e Rafael Calça – roteirista de Jockey –
os principais autores negros do gênero no momento. Assim como Morro Branco investiu em
produções negras na cultura pop, a Veneta construiu um perfil de HQs voltadas para a discussão
racial, iniciando em 2015 e tendo pelo menos uma HQ de autoria negra publicada em cada ano
subsequente, com foco nas produções nacionais. A partir da Tabela 6, podemos observar como
a editora investiu no gênero, não somente traduzindo HQs premiadas, mas também abrindo
espaço para uma perspectiva negra no cenário brasileiro.

Tabela 6. Autores de HQ Veneta

AUTORES OBRAS ANO NACIONALIDADE


Woodrow Phoenix A vida secreta de Londres 2017 Inglaterra
Woodrow Phoenix Autocracia 2015 Inglaterra
Sirlene Barbosa Carolina 2016 Brasil
Rafael Calça Jockey 2015 Brasil
Marcelo D'Salete Angola Janga 2017 Brasil
Marcelo D'Salete Encruzilhada 2016 Brasil
Marcelo D'Salete Cumbe 2018 Brasil
Ho Che Anderson King 2021 Canadá
Ho Che Anderson Black Dogs 2021 Canadá
Fonte: tabela de autoria própria.

Em especial, gostaria de chamar atenção para o trabalho desenvolvido por Marcelo


D’Salete, que se dedica a produção de HQs que adotem uma perspectiva histórica sobre a
existência negra positiva e empoderadora. Considerando as obras presentes no catálogo acima,
D’Salete ganhou com seus três livros prêmios internacionais, com Cumbe o autor venceu o
Prêmio Eisner Awards, considerada a maior premiação mundial de quadrinhos. Há nessas HQs
publicadas pela editora um fio condutor muito similar que se vincula à importância de contar e
narrar história de personalidades negros, mobilizações sociais e demais aspectos da resistência
negra no mundo.

Essa perspectiva também se aplica a outros dois exemplos, a HQ Carolina, de Sirlene


Barbosa e João Pinheiro, também se voltam para história de uma das principais escritoras negras
56
brasileiras, Carolina Maria de Jesus. Ao narrar parte do cotidiano da escritora, ainda quando
vivia com seus filhos na favela do Canindé, os autores recuperam a trajetória de vida de
Carolina, seus anseios e desafios frente aquela realidade. Assim como Ho Che Anderson, que
publicou duas HQs narrando a história e biografia de Martin Luther King, discutindo sobre a
luta pelos direitos civis nos Estados Unidos.

A Veneta reúne em seu catálogo uma variedade de produções, seja estrangeira ou


nacional, tornando-se uma forte referência para as publicações de quadrinhos no país. Apesar
de caminhar em direção a mobilização e a novas perspectivas de produções literárias e visuais,
a empresa segue centralizando seu catálogo em cinco autores nesse gênero literário, enquanto
majoritariamente, possui um catálogo masculino. Quando incluímos os demais autores do
catálogo, a empresa publicou outros três autores negros, são eles W. E. Dubois, Aimé Cesairé
e Allan da Rosa, enquanto apenas mais uma mulher se somou ao catálogo, a autora Catherine
Anyango. O perfil majoritariamente masculino da editora contrasta quando posto em
comparação com as demais editoras de pequeno porte e a atual reivindicação social pela
presença feminina negra nos catálogos.

O editor Antônio destacou que, em muitos momentos, o trabalho desenvolvido pela


editora exige definição de escolhas e prioridades, ele comenta:

[...] como uma editora pequena, tudo é muito pensado, porque a gente não pode lançar
tudo, então o que a gente lança, a gente tem que ter muita confiança na importância
daquilo. Aquilo tem que ter uma relevância, porque a gente não pode lançar tantos
títulos.

Sua fala evidencia a estreita relação entre a escolha dos lançamentos e o retorno
financeiro. As editoras pequenas alinham suas publicações de acordo com os recursos
disponíveis, logo, a escolha pelo lançamento de um título em detrimento de outro, atravessa o
olhar do editor sobre quão relevante é o título. A publicação de W. E. Dubois e Aimé Cesairé
podem ser lidas a partir desta perspectiva, visto que são autores reconhecidos
internacionalmente com, portanto, baixo risco editorial no Brasil que conferem, ao mesmo
tempo, prestígio à editora.

A partir das experiências das editoras menores, é possível observar que a questão
econômica é uma das condicionantes na construção de seus catálogos. Porém, elas criam
estratégias para contornar tais dificuldades e publicar autores negros. Adotam modelos de
catálogos diversos, mesclando autores novos e nacionais com traduções, criam selos, coleções,
clubes do livro, recebem apoio de fundações, entre outras possibilidades. Essa realidade está
57
vinculada ao fato de que as empresas surgem nos últimos 10 anos, em meio as reivindicações
por maior representatividade de gênero, raça e sexualidade. Esse cenário as torna mais abertas
e atravessadas por tais discussões, ainda que não as incorporem completamente em seus
catálogos.

O potencial criador e autônomo que as editoras menores adotam possibilita que os


leitores tenham acesso a novos gêneros literários, traduções e até mesmo conheçam autores
negros nacionais. Entretanto, as condições materiais para o trabalho exercido por essas
empresas estão ligadas ao baixo recurso econômico, o alcance e as visibilidades reduzidos,
quando comparados a empresas de grande porte. Existe um jogo econômico e simbólico
estabelecido em torno da atuação dessas empresas no campo editorial, entretanto, essas
pequenas empresas têm empurrado o mercado em direção a um horizonte mais próximo e
palpável exigido pelos leitores, intelectuais, ativistas e a sociedade de maneira geral.

1.3 Editoras de médio porte: entre a velha guarda e as mudanças sociais

Entre o grupo de editoras de médio porte, o número de autores negros segue caindo, o
que indica uma correlação direta entre o tempo de existência da editora e a proporção de autores
negros. Considerando, também, o tempo de existência da editora Aleph, ela não apresenta uma
exceção.

Tabela 7. Número de títulos publicados por editoras de médio porte

EDITORA TÍTULOS
Aleph 0
Arqueiro 6
Darkside 9
Dublinense 10
Todavia 23
Total 48
Fonte: tabela de autoria própria.

Entre os dados acima, uma triste realidade fica em evidência, o catálogo da editora
Aleph não possui nenhum autor negro entre seus 58 autores publicados. As demais editoras
também apresentam um baixo percentual trazendo sérios questionamentos quanto a curadoria,
o alinhamento editorial e político da editora. A editora Aleph foi fundada em 1984 pelo italiano
Pierluigi Piazzi, reconhecido professor de física e química que se naturalizou brasileiro após

58
longos anos vivendo no país. O foco da editora está na publicação de livros sobre a cultura pop
e ficção científica, sendo uma das editoras mais reconhecidas neste nicho literário.

A Aleph pode ser colocada lado a lado da editora Morro Branco, que também publica
ficção científica, especulativa e fantasia. Quando comparadas, a distinção entre ambas é
evidente. Observamos que a editora Morro Branco consegue apresentar um percentual maior
de autores negros, com menos autores em seus catálogos e com menor tempo de existência,
tendo ainda autores negros que publicaram mais de uma obra ao longo dos últimos cinco anos.
Enquanto a editora Aleph, em 36 anos, não publicou sequer um autor negro, tendo inclusive a
oportunidade de publicar os autores negros já publicados pela editora Morro Branco com
antecedência.

O trabalho curatorial feito por pesquisadores e interessados pela temática da literatura


de autoria negra não é acionado por empresas que pouco voltam seus olhares para essa questão.
Alheias às publicações, não buscam conhecer a amplitude da literatura produzida nacional e
internacionalmente, o que falta a essas empresas olhares atentos e profissionais quanto a
publicação de autores negros, aprofundando suas redes de busca de forma proposital e política.
Um aspecto interessante a ser observado é que recentemente a editora Aleph anunciou que uma
obra de Samuel Delany fará parte de seus futuros lançamentos de 2023, tardiamente
demonstrando interesse na publicação de autores negros na ficção especulativa.

Nos últimos anos, temos acompanhado um processo de transformação em produções da


cultura pop, seja por meio de filmes de heróis, universos de ficção científica, seja nas histórias
literárias. Entretanto, o catálogo da empresa não incorpora parte das mudanças que o gênero
tem vivido. Esse contexto de diversidade é destacado por Antônio, editor da Veneta, ele narra:

O que a gente está vendo hoje é uma variedade enorme, é uma produção enorme, uma
variedade de temas, variedade de produção nacional, tem quadrinho no Amazonas,
cada lugar do desse país tem alguém produzindo e tem mulheres, tem gays. Tem o
Poc Con7, que é um evento de quadrinhos LGBT... Cara, assim você não consegue
andar de tão lotado que fica aquilo lá.

A partir de um olhar refinado para o universo da cultura pop, é possível identificar uma
série de produções nacionais e estrangeiras que têm trabalhado temáticas sociais ligadas às

7
Poc Con é a Convenção LGBTQIA+ de Quadrinhos e Artes Gráficas que acontece em São Paulo. O evento reúne
quadrinistas do Brasil inteiro e homenageia autores que tenham publicado obras de temas pertinentes vinculadas
a comunidade LGBTQIA+.
59
relações raciais que poderiam compor o catálogo da editora, entre autores mais visibilizados ou
produções marginalizadas.

Em contextos de baixa publicação, temos também as editoras Arqueiro e Darkside, que


apresentam mais de 200 autores publicados em seus catálogos, mas seguem respectivamente
com 6 e 9 obras de autores negros publicadas nos últimos 10 anos, apresentando uma média
inferior a uma obra por ano. Apesar dos números bem próximos, as editoras estão em nichos
completamente distintos no mercado. A editora Darkside surgiu em 2012, com foco em
publicações de terror, suspense, fantasia e histórias em quadrinho, com selos variados atende
também ao público infantil, mas seu maior foco tem sido nos lançamentos de horror e universo
do terror de forma geral.

Seu trabalho tem sido desenvolvido a partir de publicações de grandes nomes do gênero,
traduções inéditas, através de relançamentos de autores, como é o caso de uma recente obra de
Machado de Assis. Além disso, a editora também realiza o concurso Prêmio Machado Darkside,
para publicação de autores nacionais que escrevam no gênero. O prêmio rendeu o lançamento
de Porco de Raça, do autor Bruno Ribeiro, um dos poucos autores brasileiros do catálogo.

Também, a editora lançou o quadrinho A bruxa Margaret, do brasileiro Diox, e tem


buscado publicar cada vez mais autores negros produzindo horror, gênero que tem ganhado
destaque desde os recentes filmes de Jordan Peele. Nesse horizonte, em 2019, a empresa
publicou Horror Noire, de Robin R. Means Colleman, no qual a pesquisadora negra
estadunidense apresenta uma análise da trajetória da representação dos negros em filmes de
terror dos Estados Unidos, desde o surgimento da indústria do audiovisual até as recentes
produções de Jordan Peele. A obra é um grande marco em termos de pesquisa, para as
produções do audiovisual, arte e literatura, por explorar a lógica da construção imagética e seu
vínculo com a história das relações raciais no país.

O nicho de horror negro tem crescido e caminhado juntamente com as discussões sobre
representatividade na cultura pop, como vimos na experiência de editoras como Morro Branco,
Veneta e Aleph. Entretanto, considerando o trabalho de curadoria a nível nacional, Darkside
tem caminhado lentamente na publicação destes autores, visto que a editora concentra seus
lançamentos na autoria estadunidense. Essa ausência de publicação de autores nacionais será
analisada com mais atenção ao longo do texto, mas marca certo padrão entre as editoras do país.

60
Em especial, as empresas que trabalham com os nichos listados acima, os Estados Unidos se
consolidam como principal lócus de tradução e lançamentos.

Além do olhar para o terror, a editora se dedica a fantasia e HQs. Nesse cenário, com
exceção do lançamento de Diox, até 2021 a editora não havia publicado nenhum autor de
fantasia e de quadrinhos negro. A presença de autores negros nos mais variados gêneros
evidencia a pluralidade literária as quais esses autores têm se dedicado, caminhando pelos
diferentes gêneros, formatos e perspectivas. No terror, na cultura pop ou nos romances as
editoras têm universos bem amplos para expandir seu trabalho.

Nesse sentido, a Arqueiro está entre as principais editoras que publicam romances no
país. Desde 2011, a editora vem publicando em sua maioria traduções de romances e best-
sellers internacionais de fantasia, ficção científica, terror, policial e literatura infantil. Com um
catálogo bem diverso, reúne grandes autores de cada gênero entre seus mais vendidos, no
entanto, a autoria negra concentra-se nos romances, voltados para as diferentes idades, que
abordam a temática racial atreladas fortemente a experiência de mulheres negras.

Com exceção de J. R. Lankford, com seu livro O clone de cristo, publicado em 2014, a
editora publicou cinco autoras negras entre 2019 e 2021, Beverly Jenkins, Nicole Yoon, Tayari
Jones e Kiley Reed, ao final tendo uma lista composta exclusivamente por autoras
estadunidenses. Entre elas, Nicola Yoon, mundialmente famosa escritora de livros de jovens
adultos, possuí duas obras publicadas, Tudo e todas as coisas e O sol também é uma estrela,
ambos romances com adaptações para o audiovisual.

Apesar de muitas editoras seguirem um perfil mais adulto e pouco voltado para o
mercado jovem, Arqueiro parece atenta ao potencial de livros para jovens adultos que estão se
firmando no universo literário. Histórias com representatividade, fugindo dos estereótipos de
protagonistas brancas, trazendo para seu catálogo protagonistas jovens negras que têm suas
vidas atravessadas por outras experiências raciais e de gênero. O perfil de autoras publicadas
pela editora é similar, com trajetórias e perspectivas literárias parecidas e as cinco autoras
publicadas parecem compor um nicho específico ao qual a editora vem se dedicando.
Enfatizando a escolha comercial da empresa, em publicar autoras negras estadunidenses
vinculadas ao gênero de romance.

A editora Dublinense, por sua vez, possui dez obras de autoria negra publicadas. Criada
em 2009 por Gustavo Faraon e Rodrigo Rosp, tem como foco a ficção e a não-ficção, além de
61
uma linha editorial específica voltada para a psicanálise. Seu trabalho inicia em Porto Alegre,
mas ao longo tempo a empresa desloca boa parte das suas relações para se centrar e articular
também em São Paulo. Nesse sentido, se volta para a capital paulista visando maior articulação
e a inserção mais ampla no mercado literário. Acerca do contato da editora e o trabalho de busca
de autores negros, Pedro relata:

Na dublinense eu te digo que essa questão começou a aparecer para a gente, quando
começamos a fazer um intercâmbio com outros editoras e, sobretudo, começamos a
nos aproximar muito de editores árabes e editores da África. E quando eu começo a
fazer esse intercâmbio e começo a olhar o trabalho deles, como é que a coisa se move
em outras culturas e em outras geografias, isso começa a ficar claro para mim. Nesse
momento, por exemplo, era 2012, a editora tinha 3 anos. Puxa vida, a gente fala
português, eu não tenho nenhum autor, por exemplo, dos países de língua portuguesa
da África. Hoje parece um lugar comum absoluto, na época não era.

Pedro segue comentando que foi a partir desse interesse que a editora se deparou com o
trabalho de Futsi Ntisingila, autora de Sem Gentileza, uma das primeiras negras publicadas pela
editora. Uma curiosidade relatada pelo editor está no fato de que a autora sul-africana acabou
vendendo mais exemplares no Brasil do que em seu próprio país de origem. O caminho para
autoras do continente africano se abriu e a editora também acabou publicando Paulina Chiziane
e Buchi Emecheta, essa última com cinco livros no catálogo. Em contrapartida, o editor
comenta que a Dublinense nunca teve necessariamente um planejamento que buscasse
exatamente publicar autores negros, que isso se deu através das relações estabelecidas.

A gente publicou a Buchi Emecheta, e depois a gente foi navegando a partir daí. Eu
digo navegando porque eu acho que nosso recorte de publicação ele tem muito de
incidental, no sentido, de que a gente vai puxando um novelo e vai vendo qual é a
próxima coisa e qual é o próximo tema curioso, o que que nos interessa, é meio que
genuinamente assim. Então, nesse sentido, eu acho que editorialmente, embora a gente
tenha alguns autores negros de relevância, a gente nunca buscou, nunca foi uma coisa
ativa assim. Vou fazer uma pesquisa por autores negros, não foi. Eu diria que foi o
acaso, acho que foi o acaso de ter se permitido se abrir, né?

Estar aberta às oportunidades é um caminho inicial para a publicação de autores negros.


Receber exemplares, fazer conexões e buscar entre outros editores possibilidades de publicação.
Entretanto, em um mercado que se estrutura para excluir e marginalizar autores negros, é
necessário que para combater efetivamente a exclusão haja um esforço ativo e orientado. A
organicidade das publicações também caminha em direção ao planejamento e no trabalho de
redução de desigualdades, é um projeto construído.

Ainda nesse tema, o editor comenta que a editora busca avaliar sempre como foi seu
perfil de publicação do ano, mantendo uma análise crítica sobre identidade de gênero, raça e
nacionalidade dos autores. Pedro diz:

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Foi um ano muito masculino? Foi um ano que não teve mulheres? Foi um ano muito
branco? Foi um ano pouco queer? Como é que é isso dentro dos 10 ou 12 que a gente
publica, exatamente 14 por ano. A gente olha para trás e vê, ele foi representativo?
Ele teve variedade ou ele foi tudo igual? Mais ou menos por aí que a gente faz, tipo,
a gente tenta ser máximo aberto possível para entrada, para análise dos livros de tudo
que a gente possa estar curioso [...]. Mas eu diria que a gente trabalha mais em sentido
de soar um alarme se a coisa parece discrepante.

Esse olhar anual tem orientado o trabalho desenvolvido pela editora, de modo que se
mostram atentos à discussão e a reverter um quadro muito embranquecido ou masculino, caso
tenha sido a realidade de publicação daquele ano. A longo prazo, isso pode desenhar um
catálogo naturalmente diverso, possibilitando a distribuição das possibilidades de publicação e
a inserção de temas relevantes que caminhem em direção a essas mudanças de autoria.

Entre os principais autores publicados pela editora, Buchi Emecheta tem se destacado e
circulado entre os leitores, e seu primeiro lançamento no país foi o livro As alegrias da
maternidade, de 2019. A autora nigeriana, que não havia sido apresentada aos leitores
brasileiros, ganhou forte espaço com suas obras sobre a maternidade e a relação de gênero.
Assim como bell hooks, seus livros datam da segunda metade do século XX e já haviam sido
aclamados em outros países, demonstrando mais uma vez como as recentes traduções chegam
ao Brasil após um extenso hiato. Para Pedro, a publicação da autora possibilitou maior
visibilidade e vendas.

Foi um livro superimportante pra editora. Muita gente conheceu a editora por causa
desse livro. [...] Então acho que eles [livros da autora] tiveram uma importância
enorme na trajetória da editora naquele período, acho que muita gente veio conhecer
editora e se identificou com o que a gente estava publicando por causa da Buchi
Emecheta. Por muito tempo, a Buchi teve os livros mais vendidos, sempre foi muito
importante pra ser sustentável mesmo a editora. Primeiro Alegrias da Maternidade,
depois teve uma época que o Cidadã de Segunda Classe foi o livro digamos assim,
que mais saía da Buchi, que existia mais interesse, que era mais comentado, mais
resenhado, mais procurado e tudo.

O impacto de Buchi Emecheta no trabalho desenvolvido pela editora caminha em


direção a outras experiências vistas nas empresas de pequeno porte, como bell hooks para
Elefante, e Octavia Butler para a editora Morro Branco. Na atualidade, com o aumento da
procura e o interesse por temáticas atuais e escritas por autores negros, algumas publicações
acabam se tornando fenômenos editoriais, vendendo inúmeros exemplares, dando base para que
outras obras desses autores sejam publicadas no país. Criando espaço para editoras menores,
que talvez não teriam o mesmo alcance, serem reconhecidas por um público diverso, negro e/ou
interessado em leituras nessas perspectivas.

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Uma editora que segue uma linha próximo dessa realidade é a Todavia, que está entre
as editoras com maior número de publicação de autores negros das empresas aqui analisadas.
Fundada em 2017, por um grupo de editores que trabalhavam na Companhia das Letras e
decidiram construir sua própria empresa. A editora tem foco em ficção, não-ficção literária,
poesia, quadrinhos, ensaios de intervenção, biografias, entre outras produções. Em conversa
com o editor Luiz, ele conta um pouco sobre o processo editorial construído na Todavia, em
contraposição ao trabalhado realizado por eles na Companhia das Letras:

Quase todos nós trabalhávamos na Companhia das Letras, é um grupo editorial muito
grande, muito importante, que foi ficando muito grande, com muitos selos e a gente
sentia falta muitas vezes, de um trabalho mais dedicado ao autor, a todas as etapas do
livro, da conversa inicial com o autor [...]. Então, esse trabalho que tem pouco de
industrial e muito de artesanal, é uma coisa que a gente ambicionava com a Todavia,
e está conseguindo, que é estar próximo do autor, próximo do livro. E não o livro,
como às vezes em a editora muito grandes, vira um produto um pouco distante do teu
dia a dia.

Segundo ele, a empresa publica uma média de 60 livros por ano, sendo de 5 a 7
lançamentos mensais, e a proposta de manter esse ritmo de publicação vem justamente na
tentativa de realizar um trabalho mais dedicado ao autor, que vincule as etapas editoriais ao
conjunto de atividades necessário para a concretização do livro, o lançamento e as divulgações
realizadas posteriormente. Observo que esse perfil também é mantido e preferencialmente
estabelecido por outras editoras menores e de médio porte, o que garante, de certa forma, que
o conceito e a proposta política da empresa sejam construídos por meio desses processos com
a participação ativa dos editores.

Quando questionado sobre o trabalho de busca e curadoria realizado pela equipe para
publicação de autores negros, ele afirma:

Não tem assim uma coisa de “a gente precisa publicar isso ou aquilo”, é como eu te
disse, a gente surgindo em 2017, já foi um dado muito natural. Contar com o melhor
da literatura e o melhor da literatura, inclusive produzido por autores pretos
brasileiros, afro-americanos, franceses de origem africana, portuguesa. A gente tem
alguns portugueses, angolanos, moçambicanos etc. Então não é que foi uma coisa
programática foi uma coisa de ficar atento, porque tem que ficar atento. Tem uma
produção muito rica, por exemplo, na lusofonia africana e a gente está atento que é
trazer mais autores, ficar atento para a nova literatura brasileira.

A partir de sua fala, observo que a empresa não tem como objetivo adotar uma política
de selo ou espaço editorial exclusivo para autores negros, mas de estabelecer uma prática
cotidiana de publicação de autores negros, um contexto bem próximo da editora Dublinense,
por exemplo. À medida que o contexto de surgimento da empresa dialoga diretamente com as
reivindicações e as transformações sociais, assumir essa postura para eles parece algo

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naturalmente estabelecido. Além de um olhar atento para as produções brasileiras, a editora
possui alguns destaques de origem lusófona, autores de Angola e Luanda, e para Luiz o
processo de se aproximar desse mercado do português africano consistiu em pesquisa e tem
sido algo contínuo para empresa.

Por exemplo, os autores da lusofonia africana é uma coisa que a gente pesquisa, que
a gente quer trazer mais. Porque tem pontos de contato muito grande com a literatura
brasileira, com a realidade brasileira, com os debates do Brasil de hoje [...] então esse
movimento é muito rico para a nossa literatura, para nossa cultura, poder trazer livros
com esse sotaque do português da África, com a temática, com a realidade, com essa
qualidade. Então, no caso da lusofonia africana, sim, é uma coisa ativa que a gente
tem pesquisado e tem consultado outros autores [...].

O interesse na produção lusófona foge da tendência mais geral adotada pelo mercado
literário, que tem buscado majoritariamente produções anglófonas, especialmente
estadunidense, ao publicar autores negros no país. Ao longo das entrevistas e das análises dos
catálogos das editoras, chamou minha atenção o olhar curatorial e de pesquisa realizado pelos
editores, justamente por compreender que a atividade do editor consiste na busca ativa por
trabalhos e publicá-los envolve não somente contatos, mas pesquisa que possam ampliar o leque
das empresas.

A publicação de autoria negra no Brasil está sendo desenhada, cada empresa tem
adotado uma prática, ainda que determinados padrões estejam fortemente estabelecidos, e é
inegável que a transformação de uma dinâmica embranquecida de mercado passa pela pesquisa
programática que oriente o olhar de editores majoritariamente brancos para outras produções
que possam ganhar espaço e destaque no mercado.

Apesar do catálogo bastante diverso, recheado de autores das mais variadas


nacionalidades, o sucesso editorial da Todavia é Itamar Vieira, especialmente seu primeiro
livro, Torto Arado. Assim como outros autores negros, Itamar é um caso de publicação que traz
visibilidade e destaque para a empresa, tornando-se o carro-chefe, em termos de vendas para
editora. Sobre o sucesso de Torto Arado, Luiz comenta,

Hoje ele vendeu 750 mil exemplares, um negócio assim... e eu acho que tem dois
caminhos: Torto Arado se beneficiou dos temas que ele traz e esses temas foram tão
bem entendidos, tão bem absorvidos, calaram tão fundo na alma das pessoas, por
causa daquela coisa que eu estava comentando, de todo um leitorado que há 20 anos
não existia ou que tinha sido pouco estimulado. Leitores jovens, leitores da
universidade pública que ajudaram a catapultar o livro pro tamanho que ele está. E aí
veio a internet, através do Instagram, o livro ganhou uma ressonância que nunca tinha
tido e o Torto Arado, para além das vendas, ele abriu um precedente muito virtuoso
no mercado editorial como um todo.

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Um aspecto interessante sobre a fala do editor está na compreensão de que autores como
Itamar possibilitaram maior destaque para literatura nacional contemporânea, bem como
Conceição Evaristo, Jefferson Tenório, entre outros, que demonstraram quão lucrativa e
interessada para um público esquecido e marginalizado essas produções podem ser. Em parte,
estamos falando de uma mudança editorial recente que se volta para a produção nacional negra;
se volta para temáticas diversas, vinculadas as relações raciais e de gênero, que ganham corpo
e espaço entre leitores e que há muito tempo esperavam por isso. Em certa medida, o editor
também aponta que o sucesso da obra está diretamente ligado aos processos de transformação
social vivida no país.

Por fim, enxergo que as editoras de médio porte têm sido afetadas pelas mobilizações
sociais à medida que seu trabalho editorial já estava consolidado, incorporando mais
tardiamente a presença de autores negros. Essas editoras são de grande importância para
dinâmica geral do campo literário. A postura e a política adotada por elas, diante do atual
cenário, fundamenta forte crítica e repercussão frente aos grandes grupos editoriais e editoras
maiores. Elas conseguem se manter em meio a dinâmica tradicional, adotando algumas
perspectivas e possibilidades de publicação não tão tradicionais, mas ainda podem contribuir
de maneira mais assertiva, considerando seu impacto e poder de articulação frente a outras
editoras.

Um perfil que se mescla em duas perspectivas, sendo a primeira delas moderada, ou


seja, com poucas publicações e interesses bem localizados, frente aos recursos que poderiam
utilizar. A segunda, mais progressista, que adota uma atenção maior à questão racial em seus
catálogos, tem isso em mente e orientam suas publicações a partir de um olhar mais social. No
entanto, não necessariamente essa perspectiva entregará relevantes números de publicação de
autores negros ao final de cada ano. Aqui, a distinção está mais vinculada à agência da empresa
e à antecedência com que conseguem inserir autores negros em seus catálogos.

Desse modo, a possibilidade de um trabalho moderado e progressista sustenta a


prerrogativa de que a empresa está interessada e comprometida com a questão, ainda que
concretamente seu catálogo não demonstre efetivamente essa realidade. Reafirmo essa questão,
pois evidentemente o catálogo é a vitrine e o resultado de um trabalho coletivo construído por
essas empresas, ainda que pontualmente cinco a seis autores tenham ganhado espaço, em termos
coletivos e longínquos ela precisa ser observada continuamente. Apesar do interesse dos

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editores e demais trabalhadores do livro que compõem a empresa, são as publicações que
determinarão, de fato, o perfil da empresa frente às discussões atuais.

1.4 A posição dominante e o status de grandes editoras

As editoras maiores têm uma experiência distante das editoras de menor porte,
aproximam-se, porém, das empresas de médio porte. Enquanto o grupo de editoras pequenas
apresenta certa diversidade de práticas editoriais, entre as editoras maiores as experiências são
bem similares. Diante da marginalização e a presença reduzida de autores negros, o
comportamento editorial passou a mudar mais recentemente, essas empresas passaram a maior
parte de sua trajetória negligenciando a presença desses autores no mercado, e quando esse
cenário mudou, autores renomados e de longa trajetória ganharam destaque.

Na Tabela 8, apresento o compilado dos dados de obras publicadas por essas editoras
nos últimos 10 anos, e chamo atenção para o fato de que os catálogos dessas empresas possuem
inicialmente 400 obras, chegando até mais de 900 obras.

Tabela 8. Número de títulos publicados por editoras de grande porte

EDITORA TÍTULOS DE AUTORIA NEGRA


Boitempo 18
Globo Livros 27
Intrínseca 18
Rocco 5
Total 68
Fonte: tabela de autoria própria.

O artigo Entre silêncios e estereótipos, da pesquisadora Regina Dalcastagnè (2008),


apresenta os resultados de um estudo que analisou 258 romances publicados pelas editoras
Companhia das Letras, Rocco e Record, com intuito de mapear o perfil dos autores que
publicaram nestas editoras, dando ênfase para dimensão de raça e gênero. Apesar da noção
geral de que os autores negros possuem pouco ou quase nenhum espaço dentre as maiores
editoras do país, os resultados são gritantes ao apresentar que 93,9% dos autores – entre homens
e mulheres – eram brancos (Dalcastagnè, 2008). Para a pesquisadora, embora nos últimos anos
os romances venham apresentando novas perspectivas do ponto de vista literário, isso não se
reflete na dimensão externa à obra, quando observamos quais autores têm sido publicados.

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Dando continuidade à sua pesquisa, Dalcastagnè (2021) aprofundou esta análise dos
romances brasileiros no artigo Ausências e estereótipos no romance brasileiro das últimas
décadas: alterações e continuidades, e dessa vez levantou os dados sobre autoria de romances
dos anos 1960 e 1965, de 1990 a 2004, bem como 2005 a 2014, totalizando 689 romances. Entre
as editoras analisadas estavam Civilização Brasileira, José Olympio, Rocco, Record,
Companhia das Letras e Objetiva.

As perspectivas não se distanciam totalmente da sua primeira pesquisa. Sobre essa


análise ela afirma que entre 1965 e 1979 não existiu nenhum autor não-branco publicado,
enquanto entre 1990 e 2014 apenas 2,9% dos autores foram identificados como não-brancos
(Dalcastangè, 2021). A autora também chama atenção para o fato de que para ambos os
períodos alguns autores não puderam ser identificados no quesito raça/cor, entretanto, de
maneira geral, os dados seguem reafirmando a realidade atual e a constante marginalidade das
produções de autoria negra. A pesquisadora afirma:

Os números indicam, com clareza, o perfil do escritor brasileiro. Ele é homem, branco,
aproximando-se ou já entrado na meia-idade, com diploma superior, morando no eixo
Rio-São Paulo. Pouco mais de um terço (34,6%) já havia estreado em livro antes de
1990 (ou seja, os livros constantes do corpus se inserem em meio a uma carreira
literária já em curso); a grande maioria (81%) tem outros livros publicados além dos
incluídos no corpus da pesquisa (Dalcastangè, 2021, p. 121).

Ainda sob uma perspectiva histórica, o contexto dos anos 60 e 70 marcam justamente o
surgimento de editoras de grande porte aqui investigadas, como é o caso da editora Rocco. A
editora que está entre as maiores editoras do país iniciou seu trabalho em 1975, fundada por
Paulo Roberto Rocco, e recentemente aproximou-se ainda mais do público jovem ao publicar
a série de livros de Harry Potter e a trilogia Jogos Vorazes. A editora também trabalha com
fantasia, romances e ficção científica.

Na pesquisa realizada por Dalcastagnè (2008), a empresa já possuía um perfil pouco


diverso e no levantamento realizado nessa dissertação a empresa publicou apenas 3 autores
negros, em 48 anos de história, sendo a primeira publicação apenas em 2013, quando lançou a
antologia de Nelson Mandela. Com um dos catálogos mais longos do levantamento aqui
estabelecido, foi possível observar que a empresa se volta majoritariamente para publicação de
obras estrangeiras de autores brancos.

Os três autores negros publicados pela empresa são Tomi Adeyemi, Yaa Gyasi e Nelson
Mandela, e vejo que este último foi um lançamento muito pontual e uma oportunidade de
tradução dado sucesso e importância de Mandela para a história, enquanto as duas primeiras
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autoras se alinham mais a pequena tentativa da empresa de se alinhar as recentes mudanças no
mercado. Ainda que tardiamente, a empresa pouco consegue ser efetiva ao agregar novos
autores em seu catálogo, considerando recursos editoriais e econômicos a ampliação e a
diversificação do catálogo seguem um ritmo lento e pouco aprofundado.

Ambas as autoras possuem duas obras publicadas. Enquanto Tomi Adeyemi vem
ganhando mais espaço no gênero de fantasia e de ficção, com uma perspectiva negra, Yaa Gyasi
se consagra como uma das principais romancistas de Gana da atualidade. Apesar da
singularidade das autoras, o baixo número de publicação de autoria negra da empresa enfatiza
um olhar comercial pouco diverso, visto que entre as empresas com maior recurso, as barreiras
simbólicas e raciais são maiores.

Fundada em 2003, pelo empresário Jorge Oakim, a Intrínseca tem se dedicado a


publicação de gêneros variados. Com vários best-sellers em sua história, a empresa tem forte
impacto no público jovem com obras de infanto-juvenil e romances. Entre as maiores editoras
do país, a empresa informa em seu site que tem publicado em média 100 livros ao ano,
apresentando ao final desse levantamento 18 obras de autoria negra, lançadas por 15 autores
diferentes. A primeira publicação de autoria negra da empresa foi feita em 2014, com a obra As
doze tribos de Hatie, da escritora Ayna Mathis, que não se encontra mais disponível para
compra no site. Assim, sua segunda publicação foi apenas cinco anos depois, em 2019. O hiato
de cinco anos demonstra uma perspectiva bem similar à da editora Rocco, que somente passou
a ter publicações consecutivas a partir de 2019.

A partir de 2019, suas publicações intercalam majoritariamente entre produções de


romance, fantasia e infanto-juvenil. Esses três gêneros parecem ter sido escolhidos e bem-
organizados para abrigar a maioria dos autores negros publicados. Em conversas com
interlocutores de editoras menores, em muitos momentos questionei se o olhar editorial por eles
definido passava por algum gênero específico, no entanto, para maioria dos interlocutores a
presença dos autores negros na editora não passava por esse olhar, mas sim por uma lógica mais
vinculada aos temas das obras e os reflexos desse tema no público leitor. Entretanto, ao observar
as publicações da editora Intrínseca, um horizonte mais desenhado e uma atenção maior voltada
aos gêneros já bem estabelecidos pela editora parece acompanhar o trabalho de publicação da
empresa.

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Além desse viés, observo que grande parte dos autores que ocupam os gêneros da editora
possuem longa trajetória e forte reconhecimento por seu trabalho, e destrinchando essa
perspectiva, poderemos ver que entre os romances publicados, a empresa tem Ta-nehisi Coates,
Brit Bennet e Cinthia Bond, ambos premiados e respeitados por suas produções nos Estados
Unidos. Nas publicações de fantasia, a empresa tem lançado a série de livros de Tracy Deonn
e do brasileiro Jim Anotsu, um dos únicos brasileiros negros do catálogo. Já no universo
infanto-juvenil, as publicações de Nic Stone e Jayson Reynolds ocupam o lugar da legitimidade
e do reconhecimento.

Dessa forma, me parece que a publicação de autores negros passa pelo lugar da
autoridade e do reconhecimento internacional para que possam ganhar espaço no catálogo da
empresa, tanto que entre os 15 autores, apenas dois são brasileiros, Nath Finanças, que lançou
seu livro Orçamento sem falhas, e Jim Anotsu, com O serviço de entregas fantasma. A baixa
presença de autores negros brasileiros pode ser um indicador de que os editores não conhecem
o universo da literatura de autoria negra. Desse modo, uma das estratégias adotadas pelas
grandes editoras para acompanhar as reivindicações por representatividade é se vincular a
premiações e ao reconhecimento internacional de autores estrangeiros. A tradução de autores
consagrados elimina as etapas de pesquisa, preparação do original em um diálogo estreito entre
editor e autor, e a incerteza do sucesso.

Em contrapartida, a editora Boitempo, fundada em 1996, pela jornalista Ivana Jinkings,


apresenta um catálogo um pouco mais abrangente. A empresa leva o nome em homenagem ao
poeta Carlos Drummond de Andrade, com a expressão criada por ele e adotada em sua obra
memorialística. Ela mantém um catálogo voltado para as ciências humanas, com perfil
progressista e de viés marxista. Ao trabalhar com obras voltadas para os debates sobre cultura,
história, sociologia e pensamento social, consolidou-se como uma das principais editoras no
campo, além de estabelecer sólida relação com intelectuais e professores, abrindo pontes entre
a universidade e o meio literário.

Entre as editoras de grande porte, Boitempo tem suas publicações de autoria negra mais
concentradas entre os anos de 2016 e 2021, sendo responsável por traduzir ativistas e
intelectuais estadunidenses como Angela Davis e Patricia Hill Collins. Assim como outras
editoras menores, a Boitempo tem em Angela Davis uma de suas principais autoras, com quatro
obras: Mulheres, raça e classe, Mulheres, cultura e política, A liberdade é uma luta constante
e Uma autobiografia.
70
Vale destacar que a editora também realizou cursos e eventos presenciais em que Angela
Davis compareceu, marcando suas passagens pelo Brasil. A opção de traduzi-la foi tomada mais
de 30 anos após sua publicação em inglês. As obras de Davis chegam ao Brasil tardiamente,
com uma vasta produção e contribuições marcantes para o pensamento feminista negro
brasileiro, bem como Pensamento feminista negro e Interseccionalidade de Patricia Hill
Collins, a primeira obra da autora a ser traduzida. Dessa forma, a editora foi pioneira na
publicação de ambas as intelectuais, abrindo espaço no mercado para que um público
interessado acessasse as obras que ainda não havia encontrado antes.

Nos últimos anos temos acompanhado a crescente onda de reconhecimento e de estudos


sobre gênero e raça, oriundos das contribuições e das leituras do trabalho de Davis e de Collins,
sua larga produção tem sido revisitada por intelectuais de diferentes áreas do pensamento. Nesse
sentido, ambas se tornaram centrais para as pesquisas sobre relações raciais e feminismo,
impactando diretamente nas reivindicações sociais, na disputa por perspectivas interseccionais
e plurais frente a realidade das mulheres no país.

A empresa conseguiu reunir em seu catálogo um conjunto de autores negros que


dialogassem com as discussões de gênero, raça e classe, alguns abertamente alinhados ao
marxismo. Um aspecto marcante está na percepção de que a empresa assumiu um compromisso
com a perspectiva racializada de horizonte marxista, se articulando diretamente com o histórico
de produção de pensamento social e ativismo das organizações negras. Nesse horizonte, a
editora trouxe Frantz Fanon, com sua obra Escritos políticos, fazendo parte da ampla tradução
do autor no país. Em relação a publicação de autores brasileiros, a editora tem nomes como
Djamila Ribeiro, Silvio Almeida, Preta Ferreira, Marcio Faria, entre outros, com obras em
conjunto e/ou de autoria própria.

A empresa reúne uma série de intelectuais negros brasileiros, abrindo espaço para
discussões alinhadas aos temas já fundamentados como seus principais interesses, além de
contar com esses mesmos autores para prefácios, orelhas e comentários gerais em seus
lançamentos estrangeiros. A meu ver, a Boitempo possui uma rede bem consolidada de autores
com os quais trabalha e tem desenvolvido atividades ao longo dos últimos anos, incluindo-os
na publicação de outros autores negros, construindo, assim, um diálogo interessante sobre como
essas obras irão reverberar na produção de intelectuais negros brasileiros.

71
A perspectiva editorial em direção ao campo progressista e às ciências humanas poderia
ter aproximado a empresa das questões raciais com maior antecedência e amplitude, antes
mesmo de 2016, visto que as temáticas trabalhadas pelos autores já haviam ganhado espaço
muito antes a esse ano. Apesar de possuir bom desempenho em comparação as empresas de
grande porte, a Boitempo também deixa em evidência que não necessariamente empresas com
perfil mais progressistas serão pioneiras ou antecederão o cenário do mercado de publicação de
autoria negra.

A editora Globo Livros possui o maior número de obras publicadas entre as maiores
editoras. Ela faz parte da Editora Globo, fundada em 1983, corpo editorial gerido pelo grupo
Globo de Comunicação e pela família Marinho. Gerida sob uma perspectiva familiar, a empresa
está entre um grupo seleto de empresas do ramo literário que comandaram por um bom tempo
o mercado editorial, seguida de editoras como Companhia das Letras, administrada pela família
Schwarcz, bem como, o Grupo editorial Record, pela família Machado. Ao longo dos anos de
trabalho, a empresa possui diversos selos editoriais que se dedicam aos diferentes gêneros
literários e volta-se a uma variedade de gêneros literários atendendo a um público muito mais
amplo.

Avaliando o perfil da empresa com relação aos autores negros, observo que essa possui
um perfil bem similar a editora Intrínseca, focando em gêneros específicos, sendo perceptível
que as publicações estavam majoritariamente presentes nos gêneros romance, biografia, não-
ficção e infanto-juvenil. Em especial, dois desses gêneros possuem mais publicações: romance
e biografia. Diferente de todas as editoras aqui analisadas, a empresa tem algumas biografias
em seu catálogo, que trabalham a trajetória e a vida dos autores sob uma perspectiva crítica,
feminista e negra em muitos casos. O maior destaque dessa possibilidade é a biografia de
Roxane Gray, intitulada Fome: uma autobiografia do meu corpo, em que a autora discute
temáticas ligadas a gordofobia e suas percepções sobre a pressão estética.

Outros dois exemplos de biografias lançadas pela empresa estão ligados a figuras
públicas e a debates públicos construídos através de suas histórias, como a obra A sapatilha que
mudou meu mundo, de Ingrid Silva, a bailarina negra que ficou nacionalmente conhecida por
dançar com sapatilhas de balé que tinham a cor mais próxima do seu tom de pele negra, abrindo
debate sobre o embranquecimento e a imposição da branquitude no balé. Além desta, o
lançamento da biografia do economista e participante do programa Big Brother Brasil, Gil do

72
Vigor, intitulada Tem que vigorar, trazendo como título um bordão muito famoso de sua
trajetória no programa.

Nesse sentido, observo que a presença de algumas biografias no catálogo da empresa


abre espaço para um público maior, através de personalidades marcantes e dos debates
produzidos por eles. A recepção e a publicação desses autores chegam justamente quando os
debates em torno de suas trajetórias e repercussões estão acontecendo, aponta a capilaridade da
empresa em termos de recursos econômicos e humanos, evidenciando, de certa forma, a herança
jornalística que delineia o trabalho da editora, marcado pela influência do Grupo Globo na
construção da linha editorial.

Além do trabalho realizado com as biografias, a Globo Livros chama atenção pelos
romances, e um fato marcante é que as cinco obras publicadas são de autores de origem africana.
Na Tabela 9, verificamos que quatro autores são responsáveis por cinco obras, enquanto todos
são de países diferentes.

Tabela 9. Autores negros de romance Globo Livros

AUTORES OBRAS GÊNERO E ANO NACIONALIDADE


IDENTIDADE
Ngũgĩ Wa Sonhos em tempos Homem 2015 Quênia
Thiong’o de guerra
Imbolo Mbue Aqui estão os Mulher 2016 Camarões
sonhadores
Chigozie Obioma Os pescadores Homem 2016 Nigéria

Chigozie Obioma Orquestra de Homem 2019 Nigéria


minorias
Ayesha Harruna O imenso azul Mulher 2021 Gana
Attah entre nós
Fonte: tabela de autoria própria.

A presença de autores africanos no catálogo da empresa soma-se a uma crescente de


autores africanos no mercado brasileiros, em geral oriundos da Nigéria ou de países de língua
portuguesa, abrindo espaço para autores africanos de outros países, mais ainda, vinculados a
um gênero específico. A começar por Chigozie Obioma, todos os quatro autores são premiados,
sendo agraciados pelos mais diversos prêmios internacionais, de modo que fica evidente a
estreita relação entre as premiações e a publicação no Brasil. Assim, observo que os autores
ganham maior espaço à medida em que são legitimados internacionalmente e premiados por
suas produções em outros países.

73
As obras traduzidas pela empresa trazem à tona temáticas voltadas ao colonialismo e
neocolonialismo, construindo narrativas diversas sobre as experiências africanas em contextos
de violências e os conflitos oriundos do imperialismo. Assim como outros autores de origem
africana publicados por outras editoras, Chigozie Obioma, Imbolo Mbue, Ayesha Harruna e
Ngũgĩ Wa Thiong’o fazem parte de uma geração de autores que trazem olhar mais plural às
realidades de seus países.

Em perspectiva histórica, a publicação de autoria africana ganha espaço no país ao longo


do final do século XX, em especial pelas publicações da editora Ática. De acordo com os
pesquisadores Márcio Roberto Pereira e Clauber Ribeiro Cruz (2017), foi de forma isolada que
os autores de origem africana chegam no mercado editorial brasileiro, a partir de 1960, abrindo
pontes e diálogos em meio as lutas anticoloniais e pela libertação de seus países (Pereira; Cruz,
2017). Apesar disso, os últimos anos também mobilizam e possibilitam maior publicação de
autoria africana, em destaque para obras que ainda estão ligadas às discussões sobre a
independência africana e a luta contra o neocolonialismo europeu. A editora parece captar boa
parte desse momento, voltando uma pequena parte de suas publicações de romance a esses
autores.

Ainda que seu enfoque esteja na produção de romance, chamo atenção para o fato de a
editora buscar aproximação com os leitores mais jovens. Entre os demais gêneros aqui
destacados, gostaria de apontar as duas publicações voltadas ao público mais jovem, com
Reticências, de Solaine Chioro, e Espere até me ver de coroa, de Leah Johson, ambos
explorando um público muito similar da editora Intrínseca e da Rocco destinado aos leitores
jovens. Com intuito de atender as demandas por histórias com maior representatividade de
gênero e raça, em um movimento que explode através das redes sociais, ainda que esse não seja
único e exclusivamente seu foco, a editora não se desprende desse público em potencial.

Por fim, compreendo que as editoras de grande porte possuem um perfil que as divide
entre duas possibilidades de atuação, sendo a primeira delas a atuação tardia, ou seja, quando a
empresa possui um número irrisório de publicações negras frente ao seu extenso catálogo.
Apresenta um perfil marcado por uma tentativa recente de publicação de autoria negra,
enquanto os resultados ainda são bem desproporcionais, com esforços recentes que pouco
dizem sobre a profundidade do comprometimento da empresa com a questão.

74
Enquanto o segundo, destaca a atuação de empresas que possuem um olhar mais
orientado para a questão racial, voltando-se a nichos específicos de atuação, seja a partir de
gêneros literários mais aprofundados pela empresa, seja a partir de temáticas e interesses
políticos mais definidos. Todas as editoras se dedicam a nichos específicos e voltam suas
publicações para temáticas que as interessam, como vimos nas entrevistas das empresas de
pequeno porte. Entretanto, quando comparamos o catálogo extenso de empresas que atuam há
mais de 20 e 30 anos, as recentes inclusões de autores negros parecem orientadas e programadas
através de um olhar mais comercial, destinado a buscar autores premiados internacionalmente,
com determinados estilos e gêneros literários.

Essas empresas buscam nos nichos que já têm longa trajetória, explorar o vazio de
representatividade, como o caso da editora Globo Livros ao publicar os romancistas de origem
africana, ou na atuação da Boitempo, publicando Angela Davis e Patricia Hill Collins.
Entretanto, essa atuação também tem um potencial limitador da capacidade de busca e de
oportunidades para outros autores. Essa alternativa parece colocar o trabalho dessas editoras
em uma zona de conforto bem estabelecida, quando o assunto envolve o largo trabalho que
necessitam realizar para completa transformação de seus catálogos.

Outro olhar primordial para compreensão do papel de grandes editoras no mercado está
no impacto e na produção de livros para jovens leitores. Segundo a pesquisa Retratos da Leitura
no Brasil, realizada pelo Instituto Pró-livro (2020), 52% da população brasileira é leitora,
entretanto a média de livros lidos por ano, em 2019, foi de apenas 4 obras por pessoa. Quando
comparado a nível internacional, esse dado se torna ainda mais discrepante, um estudo
desenvolvido pela Associação Internacional para a Avaliação de Conquistas Educacionais
(IEA), pretendia medir a habilidade de leitura entre as crianças, comparando países de todo
mundo, entre os 57 países analisados, o Brasil ocupou a 52ª posição 8.

Entretanto, observo que mais recentemente o advento das redes sociais e o avanço da
tecnologia em produtos de leitura, por meio de e-books e aplicativos de leitura, iniciaram um
movimento de popularização entre os jovens do hábito da leitura. Um exemplo recente do

8
Brasil fica em 52º lugar em ranking internacional de leitura. Disponível em:
https://www.poder360.com.br/educacao/brasil-fica-em-52o-lugar-em-ranking-internacional-de-leitura/. Acesso
em: 17 out. 2023.
75
impacto do aumento de leitores jovens pode ser observado na Bienal do Rio de Janeiro, que
bateu recorde de público e vendas em 2023. De acordo com os dados informados pela própria
Bienal, em sua comemoração de 40 anos, o evento recebeu cerca de 660 mil pessoas e vendeu
em torno de 5,5 milhões de livros 9.

Esse cenário tem sido fortemente explorado pelas empresas, de modo que novos autores
ganhem espaço no mercado publicando histórias com maior representatividade de gênero, raça,
origem, e em destaque, sexualidade. Editoras como a Rocco, com público leitor
majoritariamente jovem, passaram a investir em algumas mudanças considerando os gêneros
que esses jovens têm interesse. A possibilidade de impactar diretamente jovens leitores com
histórias infanto-juvenil de fantasia, ficção científica e romances abre espaço para produções
diversas e possibilita que esse próprio público tenha acesso a perspectivas negras de diferentes
universos literários. Além da Rocco, a editora Intrínseca também investe fortemente nesse
público e tem se voltado para o mercado com outras propostas de autores.

Por fim, compreendo que editoras de grande porte tem um trabalho mais extenso a ser
realizado, quando comparadas com as editoras de menor porte. Para a reformulação do catálogo
ou a inclusão de forma mais significativa, visto que os leitores estão interessados em perfis de
autores mais diversos, mas não apenas isso, eles desejam histórias plurais e narrativas ainda não
compartilhadas. Quando as empresas estão atentas a esse lugar, podem contribuir fortemente
para que diferentes gerações sejam igualmente afetadas na busca por um universo literário mais
próximo de si.

9
Bienal do livro rio bate recordes: mais de 600 mil pessoas e 5,5 milhões de livros vendidos.
Disponível em: https://bienaldolivro.com.br/namidia/bienal-do-livro-rio-bate-recordes-mais-de-600-mil-pessoas-
e-55-milhoes-de-livros-
vendidos#:~:text=Bienal%20do%20Livro%202023%20%7C%20Bienal,5%20milh%C3%B5es%20de%20livros
%20vendidos. Acesso em: 17 out. 2023.
76
Capítulo 2. Catálogos, identidade e trabalho editorial

O catálogo de uma editora apresenta a seu público sua proposta editorial, seu
posicionamento político-ideológico, sua relação com a literatura nacional e internacional, além
da posição que ocupa no campo literário. A publicação de títulos e autores é orientada por um
conjunto de valores construídos para atingir um público específico, de modo que esses valores
são desenvolvidos e afirmados em seu trabalho cotidiano, em seu site e lojas virtuais, bem como
em suas plataformas de divulgação, entre outras redes.

A identidade da política editorial de cada uma das editoras é exposta em seus catálogos.
Em muitos casos, como leitores e os consumidores, temos uma visão parcial do catálogo ao
conhecer e fazer leituras pontuais. O catálogo expõe o que os editores reconhecem como
literatura, materializa suas relações sociais e profissionais, bem como a trajetória formativa e
profissional dos editores e/ou sócios fundadores das empresas. Essa perspectiva nos permite
enxergar o catálogo como trajetória, não só editorial, mas subjetiva, sendo atravessado pela
materialidade do lugar em que os sujeitos ocupam na sociedade. Ainda, que os editores digam
que seus catálogos são construídos de forma “orgânica” e não necessariamente previamente
“planejada”, ele expressa o interesse pessoal ou de um grupo.

De forma geral, cada editora assume um nicho de mercado: a publicação de autores


clássicos e estrangeiros, a diversificação de autoras mulheres ou gêneros literários específicos,
entre tantas outras possibilidades. Essa escolha está ligada aos aspectos simbólicos da trajetória
de seus fundadores, editores e equipe em geral, mas também as dimensões concretas dos
resultados de seu trabalho. Ao longo das conversas com editores, foi possível perceber o caráter
pessoal que atravessa os catálogos e como as políticas editoriais que os definem não são
totalmente imutáveis. O catálogo se constrói no cotidiano e nas interações que ali se desenham.

Para Lucas, o interlocutor da editora Elefante, essa discussão passa justamente pelo
lugar da subjetividade e da dimensão política, ele comenta:

Li uma vez um textinho de um editor pernambucano, que eu esqueci o nome, mas


naquele Suplemento Pernambuco, sabe? Ele tem uma definição que eu achei legal, ele
fala que uma editora é uma amálgama de subjetividades. Eu acho muito isso, cada
editor, cada editora tem ali uma visão de mundo, um interesse e ele acaba
transportando para o catálogo. É claro que é limitado como já disse, por questões
econômicas e de disponibilidade de trabalhos etc. Então eu acho que é muito isso,
acho que a obra do editor, isso também eu li em algum lugar que fez bastante sentido

77
para mim, a obra do editor [ou da editora] é o catálogo. Ali que está um pouco a visão
política da pessoa ou do grupo de pessoas que que controlam uma editora.

A partir da compreensão do catálogo vinculada à questão política das práticas


cotidianas, podemos pensar duas questões: a primeira delas está ligada aos grupos e sujeitos
que estão por trás da publicação no país hoje; a segunda, se relaciona ao público leitor que esse
grupo pretende se comunicar. Desse modo, uma gama complexa de relações e de marcadores
sociais entram na conversa. Como sabemos, o mercado editorial segue composto
majoritariamente por homens brancos de classe média, o público com qual se conectam (ou
imaginam se conectar) são seus próprios pares.

Entretanto, considerando o último Censo IBGE, em um contexto brasileiro que cerca de


56% da população é negra e 51% feminina, nos deparamos com cenário de sub-representação
e, ainda em alguns casos, ausência de representação. Com pouco ou quase nenhum autor negro,
catálogos podem ser atrelados a um conjunto de colaboradores pouco diverso, até mesmo a uma
empresa alheia as discussões ou pouco participativa na transformação do cenário de publicação
de autores negros.

Empresas que vendem seus livros em um país de maioria feminina e negra, não têm em
seus catálogos um compromisso com a representação e/ou a representatividade desta parcela
leitora. Desse modo, o primeiro contato com uma postura pública das editoras frente a questão
racial, os catálogos apresentam um histórico massivo de exclusão e marginalização da autoria
negra, ainda que os dados mostrem que os últimos anos têm apresentado uma perspectiva de
mudança.

Se o catálogo está atrelado a essa realidade social, as mudanças nele acabam


acompanhando parte dos processos de transformações sociais vividas na sociedade, mas
também os processos de busca e atuação ativa dos editores e demais trabalhadores do livro.
Ainda que represente seus próprios interesses, o catálogo se volta a um público que estabelece
ou não diálogos com as editoras, ele deve apresentar um caráter coletivo e uma possível
conversa com outras realidades, narrativas e possibilidades literárias.

Nesse sentido, Mariana, editora da Jandaíra, traz um interessante ponto.

A gente tenta abranger esse olhar, acho que é porque eu tenho um olhar muito
jornalístico para coisa e às vezes isso é bom, às vezes não é. Porque é um interesse
muito da coisa do momento. Olha, a gente está falando desse assunto, tá pegando, a
gente tem que falar alguma coisa sobre isso. Não é sempre essa lógica de quem está
construindo um catálogo de editora, porque às vezes pensar na oportunidade de venda
é diferente de pensar no tema que você quer que pôr em pauta, entendeu? Porque a
78
oportunidade de venda pode ser simplesmente pegar alguma coisa que já está rodando
por aí, porque já vem com o marketing pronto.

A possibilidade de “pôr em pauta” que as editoras possuem pode abrir espaço para
determinadas discussões e definir o compromisso das editoras com tópicos específicos. A
capacidade de agência dos atores sociais nos direciona novamente para as reflexões de Bourdieu
(1996) para incluir nessa dinâmica as estratégias dos sujeitos e dos grupos em posições
dominadas no campo editorial, mas que, trabalhando no micro, produzem novas possibilidades
de publicação para autores negros, por exemplo.

O olhar jornalístico destacado por Mariana atravessa a experiência de todos os editores


que entrevistei: todos são formados em jornalismo e comunicação. Observei que essa
experiência, enquanto repórter e/ou jornalista, perpassa diretamente o olhar dos editores para
as obras, seu trabalho de pesquisa e curadoria, bem como os desejos por apresentar
determinadas temáticas ao público. Nesse sentido, a partir das entrevistei, comecei a
compreender o impacto da formação em jornalismo na definição dos catálogos, no
direcionamento adotado pela empresa e em como o vínculo entre jornalismo e o universo
literário determinavam o trabalho desenvolvido por essas empresas.

Lucas conta que trabalhou como jornalista por algum tempo e seu desencontro com a
profissão o levou a novos lugares. Ele afirma,

[...] me tornei editor meio que por acidente na verdade. Eu fiz jornalismo, meu interesse
prioritário era trabalhar como repórter, eu trabalhei como repórter durante alguns anos,
depois que me formei também, só que aí chegou um momento que eu meio que desisti ou
o jornalismo desistiu. Eu costumo dizer que o jornalismo desistiu de mim.

Sua experiência negativa enquanto jornalista o empurrou para o mercado literário. Ele
relata que essa possibilidade era muito remota no começo de sua carreira, o distanciamento da
vida editorial e o imaginário elitizado acerca do mercado editorial marcavam sua impressão
sobre o mercado. Sobre isso ele diz: “para mim era uma coisa muito distante, nunca nem
imaginei. Sempre me parecia algo muito distante, para pessoas muito inteligentes e refinadas
trabalhar com o livro”.

Essa perspectiva é partilhada por Mariana, que para ela o mercado editorial parecia bem
demarcado em termos de classe, atravessado por questões hereditárias que impediam a inclusão
de editoras menores, com outras propostas. Ao narrar sua familiaridade com o meio jornalístico,
comenta sua impressão sobre o universo editorial:

Mas o livro é engraçado, a gente pensar porque eu sou de São Paulo, eu nasci aqui,
minha mãe também. Enfim, meu pai veio do interior, mas também era de uma família
79
que tinha até estudo e tudo. Mas mesmo que a gente pudesse considerar muito classe
média e eu ter alguma familiaridade com esse mundo, que nem sempre as pessoas
têm, o livro ainda era uma coisa que para mim era muito inatingível sabe? Era uma
coisa de você ser muito culto e muito lido, ter lido todos os clássicos e ter esse lugar
muito forte nisso ou você ser herdeiro. Porque as editoras todas eram grandes, não
existia esse mundo de editoras pequenas que existe hoje. Então era uma coisa que para
mim era muito fora, nem passava pela minha cabeça que eu poderia trabalhar com
isso.

A realidade dos dois editores demonstra uma camada tradicional do lugar que as grandes
editoras e grupos editoriais, geridos por famílias abastadas, determinam no trabalho cotidiano
do mercado. A dinâmica de classe se impõe fortemente, ainda que os editores tenham cursado
ensino superior, não possuíam a capital social e legitimidade simbólica das grandes empresas e
grupos editoriais. Além dessa visão, Lucas e Mariana compreendem o impacto direto de sua
formação na comunicação em sua integração ao mercado literário, e Lucas conta como a
experiência e formação de jornalista se relacionou com seu trabalho enquanto editor:

Desde quando eu comecei a me entender como editor e poder escolher as coisas para
publicar eu meio que transportei meu interesse jornalístico como repórter para a linha
editorial da Elefante. Então, é como se os temas pelos quais eu me interessava como
repórter, do que me chamava atenção, aquilo sobre o que eu gostava de escrever e
gostava de investigar, tivesse se transposto para a linha editorial quando eu me tornei
editor. Então não ia mais tratar daqueles assuntos como repórter, mas ia publicar essas
coisas outras de outras pessoas – não sei se abrir espaço é a palavra – mas ia dar vazão
a esses assuntos como editor, ou seja, numa outra posição.

A transposição dos interesses temáticos enquanto jornalista para o catálogo da Elefante


torna, de certa forma, concreta a impressão do editor e da equipe na forma como esse catálogo
será visto e conhecido pelo país. Demonstrando que o catálogo não pode ser tido como um
espaço alheio da trajetória dos editores e proprietários da empresa, ele se relaciona com aspectos
culturais, políticos e econômicos da condição da empresa em relação ao mercado, mas ele
também é fruto das ideias, experiências e desejos de um conjunto de trabalhadores.

Uma história interessante é narrada por Pedro, sobre como esse trabalho jornalístico
pode ganhar o cotidiano das empresas, quando ele expõe os caminhos investigativos que o
levaram a publicar Buchi Emecheta no país. Durante nossa conversa ele conta que foi buscar
Emecheta por meio de um trabalho muito manual,

[...] eu vou pesquisar por sobrenome e tal, eu descobri um contato de um filho dela,
que na época estava gerindo os direitos, ligando para telefones. Eu peguei gente com
sobrenome e eu fui ligando. Eu fui dando Google, ligando como um louco assim, tipo
“alô, tu tem alguma coisa a ver com o Buchi Emecheta?”, assim como se fazia em
1950, sei lá. Tem um pouco do meu lado jornalista, porque era impossível. Eu tinha
ido em não sei quantas feiras, falado com não sei quantos editores, não sei quanta
gente e ninguém sabia.

80
Esse pequeno “causo” acerca da busca realizada pelo editor também expõe certa
invisibilidade a qual a autora passou após ter suas primeiras obras publicadas nos anos 1980,
sem ter continuidade na publicação. O editor comenta que conheceu a autora em uma pesquisa
e curadoria que estava realizando em conjunto com o clube de assinatura TAG, e que durante
o processo a autora já estava doente e logo em seguida faleceu. Os esforços na busca por Buchi
foram compensadores, como discutimos acima, a autora representa uma grande virada na
trajetória da editora. Assim como Buchi Emecheta, outros autores negros representam forte
impacto editorial para o catálogo de cada empresa, sua experiência não é isolada.

O viés jornalístico do trabalho desenvolvido por essas editoras molda diretamente sua
relação com os livros, de quantas formas possíveis a trajetória dos editores e proprietários têm
definido o que o universo dos leitores lerá? Essa é uma questão a ser observada seriamente,
visto que mais recentemente temos um público leitor mais ativo frente aos anseios e aos
interesses de leitura, cabendo as editoras definirem seus papéis frente a esse cenário.

Em muitos casos me vi surpresa com os baixos resultados numéricos, visto que, a partir
de minhas hipóteses iniciais, compreendia que algumas editoras em específico apresentariam
maior ou menor número de publicação de autores negros. No entanto, os dados expuseram um
caráter marcante sobre a diferença entre a realidade concreta do trabalho editorial de cada
empresa com relação a pauta racial e seu investimento em marketing e divulgação online.

Neste cenário, foi possível observar que algumas das editoras aqui selecionadas tem um
cuidadoso trabalho de evidenciar suas obras de autoria negra, dando destaque e trabalhando seu
marketing para que esses autores permaneçam como carro-chefe de suas principais publicações.
Em casos recorrentes como estes, os dados expõem a complexidade dessa estratégia.

Em um primeiro momento, a visibilidade e o investimento parecem fazer jus ao espaço


que estes autores devem possuir, no entanto, quando os números são apresentados o excesso de
investimento em um único autor evidencia a falta de diversidade ali presente. Enquanto
publicamente um ou mais autores negros ganham evidência, no conjunto dos catálogos eles
representam boa parte do número total de autores negros ali publicados, demonstrando que as
publicações de autoria negra dessas empresas estão mais vinculadas a nomes específicos do que
a uma pluralidade de autores.

Este ponto coloca em xeque a importância de discutir profundamente e a longo prazo as


mudanças tomadas pelas editoras frente a ebulição social construída, de modo que, o mercado
81
nacional do livro possa construir coletivamente com outras instituições, organizações e com o
próprio público leitor um olhar mais complexo, atento e diverso sobre as produções
contemporâneas. A partir disso, também cabe refletir se essas mudanças são parte de uma
apropriação comercial e capitalizadora de pautas sociais ou um real compromisso com novos
horizontes literários.

A partir destes catálogos, vale explorar a relação direta e/ou indireta existente entre o
aumento da publicação de autores negros e a repercussão financeira que essa mudança pode
causar. Quais as nuances e os limites estabelecidos entre o comprometimento da empresa com
a discussão e a adesão ao seguir certa tendência de mercado? Como toda comunidade negra e
literária têm sido afetada cotidianamente com este cenário? São algumas questões que levam
ao desdobramento dos dados, e nesse caminho, a escritora Miriam Alves aponta já desde os
anos 1980 a dificuldade de publicação para autores negros:

O direito a publicação é, muitas vezes, vetado por causas ideológicas e comerciais.


Mas eu acho que tem mercado e existem escritores possíveis de serem publicados. Há
possibilidade de uma linha editorial lucrativa, desde que sejam respeitados os
princípios das empresas: investimento capital, trabalho, lucro, mídia, retorno (Rowell;
Alves, 1995).

Sua fala já no final dos anos 90 chama atenção para a séria denúncia sobre a dificuldade
de autores negros publicarem nas editoras de circuito mais tradicional do país, e, ainda,
evidencia que a inclusão de autores negros neste mercado não geraria prejuízo. De certa forma,
as empresas poderiam continuar lucrando e abrir suas portas para as produções marginalizadas
da época, seu ponto retoma um argumento bem comum e constante que é reafirmado de tempos
em tempos, de forma indireta, que a publicação de autores negros acarretaria prejuízo
financeiro, pois não há demanda do público leitor, nem interesse nos temas discutidos pelos
autores.

Quando a questão racial não poderia ser vista como um tema a ser comercializado, as
produções de autores negros movimentaram-se entre espaços progressistas e de ativismo
político. Um dos pontos retomados nesta pesquisa está justamente no interesse por compreender
quando o mercado passa a interessar-se amplamente por essa questão e de que forma ela está
sendo estampada em seus trabalhos. A fala de Miriam Alves, indiretamente, evidencia que a
inserção do autor negro no mercado é construída, ao longo dos anos, por contatos e trocas com
os sujeitos que estão inseridos no mercado cotidianamente. Essa dinâmica constitui boa parte
das estratégias para publicação de autores negros.

82
Um livro é publicado em meio a uma vasta rede de profissionais, a curadoria e a
descoberta de títulos se dão em função de indicações, comentários e trocas que editores têm em
feiras e/ou com sua rede de relações. Um processo, em parte orgânico e não necessariamente
planejado, que demonstra como as redes de contatos formadas por esses editores são
determinantes para a construção dos seus catálogos, e mais ainda, para publicação dos autores
que conseguem acessar os mesmos ciclos que esses.

Ao longo das entrevistas, as relações interpessoais surgiram com grande força na


explicação e na narrativa de como certas obras tinham sido descobertas e publicadas. Em muitos
casos, as conexões formadas na universidade e em outros espaços de trabalho, possibilitam
acesso a obras e a encontros com a produção de alguns autores, sejam brasileiros ou
estrangeiros. Um relato interessante sobre tema vem de Luiz, editor da Todavia, ele diz:

Embora seja um negócio, uma indústria, o mundo editorial ele ainda é muito baseado
em indicações, em relações, na leitura que alguém que a gente respeita fez e conta
para gente. Então muitos livros que a gente publica e vai publicar é porque um
jornalista que é amigo ou um próprio autor da casa, uma autora da casa, falou “fica de
olho”.

Nesse sentido, o acesso a sua própria rede e o diálogo com outros profissionais assume
prática frequente entre o trabalho editorial, de modo que o lançamento do livro reverbera as
relações construídas entre editores e sua rede de trabalho. Chamo atenção para esse ponto
justamente porque o catálogo reflete a intenção e a projeção dos editores, mas também suas
redes de contato e os acessos a determinados espaços. Assim, ao pensar a presença ou a ausência
dos autores negros, uma nova questão entra em jogo: são os autores negros parte dessas redes
e relações que se estabelecem no mercado editorial brasileiro? Os dados e as entrevistas
evidenciam que há uma movimentação estratégica desses autores e um trabalho coletivo de
intelectuais e editores interessados na publicação de autores negros, para furar determinadas
bolhas relacionais e se aproximar das editoras.

Sobre isso, os autores que conseguem ser publicados pelas editoras assumem uma
postura bastante coletiva, ao indicar outros autores negros para seus editores. Essa prática,
muito recorrente a meu ver, determina o caráter coletivo da reivindicação por mais autores
negros publicados entre a própria categoria. Uma autora ou autor negro, com sua própria rede
e relações interpessoais, distintas dos editores, é capaz de promover pequenas mudanças ao
recomendar novos autores, atuando de forma direta na projeção deste catálogo. Como um
trabalho a longo prazo, esse catálogo pode ir se moldando, abrindo espaço para as chamadas
exceções, que em breve possam ser a regra.
83
Vários exemplos são citados nas entrevistas, em especial uma indicação que foi
responsável por transformar completamente o catálogo da editora Jandaíra. A autora cearense
Jarid Arraes faz a ponte entre a editora e Djamila Ribeiro, para lançar a coleção Feminismos
Plurais. Essa intermediação foi de grande importância, visto que as redes e os espaços de
atuação de Ribeiro e da própria editora são distintos, estabelecendo diálogos com grupos e
públicos diferentes.

Sobre essa nova organização entre as redes da editora e de Djamila, Mariana destaca:

Eu estudei em uma universidade importante, que tem 11 cursos de artes e


comunicações e que me colocou hoje. Tenho uma colega de classe que apresenta o
Jornal Nacional, eu tenho um colega de classe que é casado com a Natália Pasternak.
Eu tenho um colega de classe que é editor da Época Negócio, então assim, o meu
privilégio já me colocou num lugar de relações x, que já me coloca num determinado
lugar. Então, por exemplo, eu trabalhei durante 20 anos em paralelo com tudo, fazendo
freelance para uma revista chamada HSM Management, que é uma revista de negócios
para empresas e que não pôde deixar de entrar nesse mundo. Então tem relações que
vieram daí, a gente já está tendo livros que estão vindo agora de autores que também
foram alguns contatos que vieram por aí e daí, sejam negros ou não, mas que a questão
negra está acontecendo. Relações que você vai desenvolvendo na sua vida que são
minhas, aí outros autores que vão trazendo, então a Jarid apresentou a Djamila, depois
a Djamila, tem a própria turma dela. Então assim, ela tem um grupo que ela enxerga
mais próximo, que alguns são os ativistas mais antigos que ela trouxe, tipo a Sueli
Carneiro. Outros são pessoas do candomblé que têm a ver com o terreiro que ela
frequenta, que são pesquisadores também e que tem um pouco esse mundo.

Um conjunto de relações se somam para construção de um catálogo mais próximo da


questão racial, da pauta feminista e das demais discussões sociais, entretanto, fica evidente que
exclusivamente através das relações formadas pela editora essa tarefa seria construída de outras
formas. O movimento de aproximação de intelectuais negros, de ativistas e de outros grupos
vinculados a questão racial tem marcado as transformações de perfis editoriais que possuem
maior abertura para a publicação de autores. O mesmo se dá entre as editoras Dublinense e
Todavia, quando autores de seu próprio catálogo indicaram outros colegas, ou a própria rede de
editores que possuem fora do país indicaram autores estrangeiros, sejam eles africanos ou
estadunidenses.

Um aspecto central desta discussão acerca das relações pessoais se dá justamente a partir
da compreensão de que se essas relações atravessam exclusivamente sujeitos brancos, o reflexo
final, seja nos catálogos, eventos e feiras literárias, será de autores majoritariamente brancos. O
resultado desse conjunto de aspectos, está na produção do que enxergo ser o catálogo branco,
fruto de experiências e vivências de sujeitos majoritariamente brancos, que se volta para um
público leitor majoritariamente branco. Que, consequentemente, passa diretamente pela

84
experiência da branquitude, estabelecendo uma dinâmica social de definição desses catálogos,
pautada através da raça.

A tentativa de reestruturação deste catálogo branco se dá, mais recentemente, na


inclusão de autores negros, em busca da legitimação de sua posição e circulação dentro do
mercado literário. Diante de um novo contexto político e cultural, a presença, ainda que
reduzida, de autores negros impõe as empresas elegibilidade e destaque em relação a questão
racial. Essa construção se dá através das relações, trocas e práticas tradicionais que podem
receber uma nova roupagem, mas exige que se desloquem e se aproximem de sujeitos negros,
que foram constantemente marginalizados ao longo da formação deste catálogo branco.

Quando a sociedade empurra o mercado em direção a novos horizontes, novas


dinâmicas relacionais também precisam ser estabelecidas, para que outros grupos e sujeitos
entrem na composição das redes, e, assim, podemos observar estas transformações acontecendo
nos catálogos. Em diálogo com Luiz, editor da Todavia, ele exemplifica essa situação de uma
forma muito ampla ao traduzir essa dinâmica dentro da empresa:

A Yara Nakarrama Monteiro, é um exemplo, Kalaf Epalanga, a gente publicou ele, aí


ele falou, “cara, tem uma autora de Angola minha amiga, publicou lá em Portugal, é
um romance, dá uma olhada”. Eu e Clara, uma colega, a gente leu, tudo certo, é pra
gente. Fomos atrás. O Paul Beatty indicou um livro, a gente foi [e disse] “é pra gente”.
Então eu acho que esses autores que a gente publicou, eles mesmos nos fortalecem,
no sentido de indicar. O Faleiro indicou a Lilia Guerra, por exemplo, então muitos
autores a gente chega ou porque está atento a isso, eu dei sorte de cair numa crônica
do Faleiro na internet. Ou esses nossos autores vão indicando autores que eles têm
pontos de contato, que eles têm afinidade e a gente percebe que daí tem tudo a ver [...]

A exemplificação de Luiz explana com muita nitidez a articulação e estratégia que


autores negros estabelecem entre si e para com as editoras, no sentido muito prático da dinâmica
de coletividade em compartilhar oportunidades, abrir portas, ampliar redes de outros autores
em si. Essa perspectiva bagunça internamente as práticas das empresas e acaba por refletir em
um catálogo diversificado, como o da Todavia, a abertura dos editores e sua aproximação com
o tema tornam também essa realidade possível. Nesse sentido, são os autores agentes de grande
importância para transformação do mercado, que atuam em bastidores, que em muitos contextos
não ganham ou são reconhecidos por isso, mas permanecem atuando para reorganizar as redes
majoritariamente embranquecidas.

Esse aspecto remete diretamente as reflexões de Cida Bento (2021), sobre como o pacto
da branquitude se vincula as relações e como estas reverberam na dinâmica institucional dos
espaços, ainda que os sujeitos estejam conscientes ou não deste processo. Evidenciando que as
85
relações estabelecidas profissionalmente compõem uma forte expressão dessa sólida rede
pactuada pela branquitude em direção a manutenção de práticas tradicionais. Assim, ao
observar a realidade do mercado literário, são justamente os atravessamentos raciais a partir da
experiência de sujeitos brancos, seus contatos brancos e sua formação embranquecida que o
mercado é moldado. Nesse sentido, os poucos sujeitos negros que alcançam esse espaço, que
se tornam exceções, são em alguma medida uma forte fagulha para possíveis mudanças
internas.

Desse modo, o interesse pela publicação de autores negros passa por um trabalho
construído cotidianamente, um processo que se desenrola por anos e que atravessa diretamente
a trajetória pessoal do editor e suas relações pessoais. À medida que os editores são expostos a
novos temas, debates e trajetórias distintas, outros olhares são assumidos sobre a publicação
literária. A presença de profissionais negros em editoras, para além de autores, pode ser um
fator fundamental para reorganização dessas dinâmicas, visto que um novo público leitor foi
formado e está ávido para que o mercado editorial possa acompanhar as transformações sociais
vividas nos últimos anos.

Um conjunto de fatores são acionados para pensar a ausência dos autores negros nos
catálogos de grandes editoras, e até mesmo, a baixa e média presenças destes autores em
editoras menores. Diante desta discussão, cabe avaliar os limites e as possibilidades de atuação
dos editores em suas empresas, e, consequentemente, o papel das empresas em relação ao
mercado, para justamente compreender como e de que forma estes grupos se colocam frente a
uma realidade socialmente construída por eles e por seus pares. Sobre essa perspectiva, a
intelectual Jurema Werneck aponta:

O que pode o indivíduo diante da estrutura? Primeiro, pode denunciar a estrutura,


romper com ela, se insurgir contra ela. Quando falamos de racismo estrutural, estamos
falando de processos, culturas, imaginários e instituições (Estado, família, formas de
agir, pensar e conduzir o destino de si e dos outros ou de expropriar o destino de si e
dos outros). É isso que estamos chamando de estrutura. O que pode o indivíduo em
relação a essa máquina de moer gente? Pular fora dela, largar a mão da manivela
(Werneck, 2023, p. 121).

O trabalho a ser desenvolvido para as transformações no mercado não cabem


exclusivamente aos editores, mas eles são chaves centrais para o início dessa realidade. Em
conjunto com as figuras intelectuais que se aproximam e anseiam por compor esse quadro de
mudança, as editoras podem e devem usufruir dessas parcerias para romper com a “manivela”
discutida por Werneck, construindo um trabalho estruturado que irá impactar de forma longeva

86
no mercado editorial. Assim como a coleção de Djamila Ribeiro, o trabalho desenvolvido por
Conceição Evaristo e Vera Eunice, no relançamento dos livros de Carolina Maria de Jesus, pela
Companhia das Letras.

Nas coleções e dossiês construídos por Flávia Rios e Márcia Lima sobre Lélia Gonzalez,
ainda no trabalho desenvolvido por Alex Ratts, nas publicações de Beatriz Nascimento, bem
como, Muryatan Barbosa e o lançamento recente da obra de Guerreiro Ramos, são exemplos
da vasta possibilidade e diálogo que as editoras podem construir em direção a transformação de
seus catálogos.

2.1 Políticas públicas e a formação de leitores no mercado

Ao longo do tempo, o mercado se transforma diante das constantes mudanças vividas


por ele, e dentre os vários aspectos que impactam nessa realidade estão o avanço da tecnologia,
os inconstantes investimentos no setor literário e até mesmo a dinâmica de competitividade
estabelecida no mercado, que se dá a partir do fechamento de algumas empresas e a chegada de
outras. Para o pesquisador Leonardo Nóbrega, todos esses acontecimentos têm “alterado a
forma como se acessa e se comenta os livros, o formato de apresentação e distribuição dos
textos e a divulgação dos lançamentos” (Nóbrega, 2021, p. 118).

O tempo é um fator central nesta análise e cumpre um papel interessante na


transformação ou na preservação das práticas frente a constante mudança social, além de ser
um dos principais aliados das lutas por reivindicação negra ao longo das gerações. Ainda que
apenas recentemente estejamos colhendo e observando certa transformação neste mercado, há
mais de 50 anos que a disputa pela presença negra no mercado ocorre. As mobilizações travadas
interna e externamente ao circuito de publicações mais consolidado refletem boa parte do
cenário atual da presença dos negros no mercado e pode ser analisada na figura do coletivo
Quilombhoje.

De uma forma coletiva, os esforços realizados em direção a maior presença de autores


negros no mercado culminaram em uma vasta produção contra hegemônica que visava a
humanização dos negros dentro e fora da literatura. Uma importante iniciativa abriu espaço e
guiou o rumo ao qual a produção literária negra seguiu entre as décadas de 1980 e 1990, o
Quilombhoje.

87
Fundado em 1980 por escritores de grande relevância, como Cuti, Oswaldo de Camargo,
Paulo Colina, entre outros nomes, para divulgar e discutir amplamente as produções de autores
negros, tornou-se uma das primeiras iniciativas da época destinadas exclusivamente para
repensar o campo literário a partir da perspectiva racial (Correia, 2010). Aqui as obras
produzidas por autores negros ganham espaço fundante no discurso acerca do reconhecimento,
da identidade negra, do senso de historicidade acerca da experiência negra diaspórica e,
sobretudo, a complexificação da existência negra dentro das obras literárias.

Através da auto-organização, o coletivo construiu uma sólida organização como


alternativa à marginalização das produções negras no mercado editorial, suas estratégias
vinculavam a disputa no campo literário com as exigências por transformações sociais, de modo
que os autores que compunham a iniciativas também eram ativistas. O trabalho desenvolvido
nesse período dialogou com a crescente discussão acerca das relações raciais durante os anos
1970, 80 e 90, que impactaram diversos setores das Ciências Sociais, estabelecendo o sujeito
negro no centro das ações e como agente de suas próprias demandas.

Acerca da influência que o Quilombhoje representou na vida dos escritores da época, a


escritora Esmeralda Ribeiro comenta “eu acho que o Quilombhoje foi o que fez com que o autor
[negro] tivesse coragem de tirar o seu trabalho da gaveta, todos nós” (Tennina et al., 2015, p.
69), enfatizando também o caráter coletivo e político das gerações de escritores que hoje
compõem parte da literatura de autoria negra do país.

O trabalho desenvolvido pelas organizações negras no âmbito da cultura, arte e literatura


tencionaram a sociedade para discussões gerais sobre a valorização da cultura negra, sobre a
humanização destes sujeitos e o potencial que as narrativas a partir dos negros teriam frente ao
combate ao racismo. No prefácio do Cadernos Negros 5, a antropóloga Lélia Gonzalez reafirma
a potência do que representava o trabalho do Quilombhoje.

E a voz desse povo taí, na fala de Tietra, Cunha, Maciel, Esmeralda, Mesquita,
Kibuko, Regina Helena, Minka, José Alberto, Miriam, Márcio, Cuti. Tai, nesse
esforço conjunto de jovens poetas que, enfrentando muitas dificuldades materiais,
enfrentam sobretudo o silencio ressentido da cultura dominante. Afinal, a voz do poeta
é a fala do sujeito; com suas metáforas, ela diz muito além do que a consciência
(dominante) se esforça por afirmar e fazer crer, justamente porque seu compromisso
essencial é com a verdade. Senão, vejamos, e para encerrar, o que nos diz um dos
nossos poetas, presente nestes Cadernos Negros: “Somos aqueles que foram obrigados
a comer espinhos e são obrigados a vomitar flores porque a digestão não se realiza”
(Cuti). É isso aí (Gonzalez, 2018, p. 3).

88
Em busca de espaço, o coletivo construía seus cadernos para se auto publicarem e
fortalecerem os laços entre os próprios escritores. Ainda que seu impacto tenha sido
fundamental para a história dos movimentos negros nacionais, as editoras da época seguiram
alheias a sua imensidão. Quando avaliamos o percurso histórico da realidade atual do mercado,
outras tantas frentes devem ser consideradas, dentre elas, as mobilizações sociais em direção
aos direitos da população negra, as políticas públicas, em especial as ações afirmativas, que
impulsionaram o mercado, bem como toda sociedade em direção a uma estruturação de suas
práticas. As transformações vividas nos últimos 10 anos são reflexo direto dessas mobilizações,
visto que quando a discussão ganha corpo, visibilidade e espaço no âmbito comercial o mercado
editorial também é impelido a fazer parte desse processo.

Uma das principais políticas públicas responsáveis por essa mudança é a política de
ações afirmativas. Desenvolvida de forma coletiva por organizações negras, intelectuais,
parlamentares e outros agentes, a Lei nº 12.711, aprovada em 2012, estabeleceu a
obrigatoriedade da reserva de vagas para candidatos pretos, pardos e indígenas nas
universidades federais brasileiras, como parte de um amplo escopo de mudanças que viriam a
possibilitar a entrada de estudantes negros no ensino superior.

A Lei de Cotas é tida como escopo final do que foi um longo processo de reivindicação
social e política para que as ações afirmativas fossem adotadas em todas as universidades
federais do país, enquanto algumas instituições, como a Universidade de Brasília e a
Universidade Estadual do Rio de Janeiro, já haviam estabelecido suas próprias políticas. Para
o sociólogo negro Joaze Bernardino-Costa, o impulsionamento do debate sobre ações
afirmativas nos anos 2000 surge a partir de duas mobilizações dos anos 1990.

Ainda que a Lei 12.711/2012 subordine a dimensão racial a outras dimensões sociais
(tipo de escola de proveniência e renda familiar), seu maior esteio proveio do ativismo
negro e antirracista que se intensificou no Brasil, na década de 1990. Dois eventos
daquele período são dignos de nota: a Marcha Zumbi dos Palmares, promovida pelo
movimento negro, em 1995, e a importante participação do movimento negro na III
Conferência Mundial da ONU contra o Racismo, realizada em 2001, em Durban,
África do Sul (Bernardino-Costa, 2023, p. 2).

Diante desta realidade, as ações afirmativas são fruto direto da atuação dos movimentos
negros brasileiros, como um trabalho construído para futuras gerações, em direção a mudança
do perfil estudantil do ensino superior e a possibilidade de maior acesso a oportunidades e
direitos. Em seu recente artigo Política afirmativa, democratização do acesso à universidade e
propostas de avaliação, Bernardino-Costa apresenta o impacto da legislação no perfil dos

89
estudantes que adentram as universidades públicas, informando que “a presença de negros e
indígenas passa de 15%, em meados da década de 1990, e chega a 39%, em 2019” (Bernardino-
Costa, 2023, p. 3).

A mudança de perfil dos estudantes possibilitou a expansão e a visibilidade do debate


sobre relações raciais de forma ampla na sociedade, formando uma geração de jovens
pesquisadores, leitores, intelectuais e autores que reivindicam mudanças e se alinham às
mobilizações sociais anteriores às próprias ações afirmativas. A política teve amplo impacto na
sociedade de maneira geral, seja no mercado de trabalho, seja no serviço público brasileiro e
nas escolas, e não seria diferente no mercado editorial brasileiro. A virada de chave nesse
sentido vem quando um processo duplo de agência que se estabelece entre o mercado,
consequentemente os trabalhadores ali inseridos e as pautas populares. Sobre essa perspectiva,
o editor da Todavia ressalta:

Eu acho que formação de público e informação das editoras mudou muito nos últimos
20 anos. É um público melhor formado, é um público mais exigente, o leitor jovem
muito mais exigente hoje do que já foi, que é mais bem informado, mais consciente,
é socialmente consciente. E as editoras no início, tiveram que correr atrás porque era
uma coisa que nossa “existe? Cadê?” Eles perceberam que é uma coisa muito forte
que já estava aí. É um dado da cultura, mas que estava sem visibilidade, sem acesso
aos grandes centros, sem acesso aos grandes selos literários, grandes editoras. Então
eu acho que uma demanda do público naturalmente exigiu de muitas editoras o olhar
atento e estão buscando se informar, descobrir e radiografar esse momento.

Um processo de formação e informação se estabelece entre o mercado e a sociedade,


visto que, quando se tem leitores negros formados que anseiam por um novo olhar sobre
narrativas históricas acerca das experiências da negritude no país, bem como o rompimento
com estereótipos racistas na literatura, isso acaba por exigir das editoras outros tipos de
literatura a serem publicadas. Nesse sentido, nos deparamos com uma demanda que chega não
só pela maior presença de autores negros publicados, mas também uma transformação no tipo
de literatura que interessa esse público. Conscientes da vasta produção teórica e literária negra,
nacional e diaspórica, as demandas por mudanças caminham em diálogo com a reestruturação
simbólica e intelectual das produções das ciências humanas.

Ainda para Luiz, as mudanças do mercado editorial são fruto dos movimentos sociais
brasileiros e das políticas publicadas implementas nos anos 2000, ele diz:

Nos últimos 30, 40 anos, houve a pressão dos movimentos negros, dos movimentos
sociais, de 20 anos para cá, com o primeiro governo Lula e com ampliação do público
universitário também formou um caldo cultural que desaguou no nosso quadro de
hoje, ou seja, a pressão dos movimentos e uma população que antigamente não estaria
na universidade por diversas razões, se transformou em leitores em consumidores de

90
livros e começou também a querer se ver nos livros não só o autor do sul de classe
média, branca, universitário.

Seu ponto sobre o “caldo cultural” evidencia a relação entre as políticas de educação e
a cultura pode transformar o cenário cultural do país, como os resultados da implementação de
uma política pública de maior acesso ao ensino superior. Considerando aproximadamente 11
anos após a implementação das ações afirmativas, o resultado a curto e médio prazo é potente
em muitos sentidos.

O maior acesso à universidade brasileira permitiu que uma série de outras barreiras
fossem fragilizadas, ainda que não tenham sido rompidas em sua integralidade, modificando
não só o perfil dos alunos nas universidades, mas dos profissionais e sua atuação no mercado
de trabalho. Ainda sobre a formação destes leitores, os autores Luiz Henrique Oliveira e Fabiane
Cristine Rodrigues comentam:

[...] para formarmos autores e leitores negros, é necessário que haja, inicialmente, a
inserção desses sujeitos nas esferas de formação discursiva, como o ambiente letrado,
responsável pela legitimação dos discursos, e o midiático, capaz de garantir a
circulação e aceitação dos discursos (de Oliveira; Rodrigues, 2022, p. 58).

A circulação e a aceitação dos discursos estão diretamente ligados ao poder de


estabelecer uma narrativa histórica e literária, de modo que a abertura para a publicação precisa
estar acompanhada de transformações temáticas, de interesse social e a uma maior espaço para
pluralidade literária. Os autores seguem trazendo um ponto central, “o leitor só pode selecionar
que lerá a partir do que lhe é disponibilizado, em escolhas que já são resultados de escolhas
anteriores, que fogem ao seu controle” (de Oliveira; Rodrigues, 2022, p. 88), que novamente
deixa em evidência o caráter definidor e o poder que o mercado tem para definir e moldar, em
certa medida, os interesses dos leitores.

O impacto da universidade na publicação brasileira tem outra característica bem


marcante, que se dá no vínculo estreito entre professores, pesquisadores e trabalhadores do livro
de forma geral, de modo que as pontes entre as universidades e as editoras são primordiais na
estreita relação entre produção de conhecimento e publicação. Nesse sentido, Lucas lembra que
um conjunto de fatores contribuíram para o momento atual do mercado:

Eu acho que tudo isso é uma questão multifatorial que explica. Eu acho que tem a ver
com a expansão das universidades, tem a ver com as cotas. Tem a ver com FIES, tem
a ver com o próprio fortalecimento do debate do movimento negro e do debate racial.
Tem a ver com a proliferação de editoras, de existir mais editoras do que antes, que
dão mais espaço para assuntos que não são mainstream.

91
A percepção de Lucas se vincula diretamente à produção de Joaze Bernardino-Costa,
pois o pesquisador enfatiza que as políticas de ações afirmativas somadas a outras políticas
educacionais, como o Programa Universidade para Todos (Prouni), o Fundo de Financiamento
Estudantil (FIES), o Programa de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais
(Reuni), o Sistema de Seleção Unificado (SISU) e o Exame Nacional de Ensino Médio (Enem)
contribuíram diretamente para a renovação que as universidades vivenciaram nos últimos anos
(Bernardino-Costa, 2023).

A discussão em torno das ações afirmativas visa evidenciar a estreita relação entre a
mobilização política e o fazer científico, de modo a deixar explícito o impacto direto que não
só a universidade vivencia após os resultados iniciais da política, como a força com que essa
medida transformou a realidade dos brasileiros. Nesse sentido, Bernardino-Costa e Antonádia
Borges (2023) afirmam que

Em suma, a ciência a que se propõem está embebida em sua política vivida e dela não
pode ser dissociada: não só reivindicam a valorização de suas experiências e
sensibilidades sócio-históricas concretas e particulares, como também questionam os
privilégios desfrutados por pesquisadores/as brancos/ as e a estabilização de seus
padrões de excelência acadêmicos, forjados a partir da exclusão (Borges; Bernardino-
Costa, 2023, p. 21).

Em diálogo com as mudanças propiciadas pelas ações afirmativas, outra potente atuação
que impactou diretamente a sociedade e o mercado foi a onda crescente do movimento feminista
e feminista negro. A partir do trabalho desenvolvido por organizações femininas negras, em
alguns contextos até mesmo anterior a legislação das ações afirmativas, um processo formador
de consciência não só racial, mas de gênero se estabelece.

De certa forma, a discussão de gênero parece ganhar mais espaço no mercado editorial
com pouco mais de antecedência que a temática racial. Entretanto, é a partir dessa pequena
fresta que as reivindicações de feministas negras sobre a ausência de publicação de mulheres
negras ganham destaque. O contexto social de ebulição de diversas pautas dos movimentos
sociais feministas possibilita e assenta o surgimento de movimentos como #leiamulheres, que
tem como foco maior leitura e divulgação de autoras, buscando justamente reivindicar a
importância do trabalho destas autoras clássicas e contemporâneas.

Após grande repercussão internacional, a iniciativa ganhou espaço no Brasil por meio
do trabalho de três mulheres, Juliana Gomes, Juliana Leuenroth e Michelle Henriques, que
passaram a realizar um clube de leitura Leia Mulheres, em São Paulo, com objetivo de lerem

92
autoras mulheres e de disseminar esta literatura ao redor do país10. Passados quase dez anos do
projeto, a iniciativa ganhou várias cidades como João Pessoa, Curitiba, Marília, Goiânia, entre
outras cidades, que somam cerca de 131 em diferentes lugares do Brasil. Os clubes de leitura,
em sua maioria compostos por mulheres, trouxeram à tona o desejo dos leitores brasileiros nas
produções de autoria feminina, bem como um olhar crítico e atento sobre a desigualdade de
gênero das publicações (Rossi; Brignol, 2020).

Apesar da iniciativa ganhar grande repercussão na internet, outra extensão dessa


mobilização surgiu a partir de uma perspectiva feminina negra, o #leiamulheresnegras. De
forma mais descentralizada, a campanha ganhou destaque em paralelo a iniciativa do Leia
Mulheres, para disseminar a leitura de mulheres negras, que seguia escassa e com pouca
visibilidade. Diante da visibilidade que a primeira iniciativa alcançou, um conjunto de
questionamentos foram levantados sobre quais autoras passaram a compor os ciclos de leitura
e como autoras brancas ainda eram a maioria das obras a serem divulgadas. O enfoque
interseccional ganha destaque a partir da reivindicação de autoras e de leitoras negras que
tinham como objetivo um olhar interseccional sobre a produção de autoria feminina. O
movimento online foi potencializado pela ampliação do debate feminista, a partir da perspectiva
interseccional e negra, e é nesse contexto que um conjunto de grupos de leitura e eventos foram
realizados em busca da maior visibilidade para autoras negras.

Nesse sentido, é a mobilização feminina negra que empurra o mercado diretamente para
as discussões de gênero e raça, visto que a inserção do debate de gênero no campo literário
abriu uma janela de oportunidade para a discussão sobre a presença de mulheres negras nesse
mercado, entretanto, não garantia necessariamente a presença feminina nesses espaços com
assertividade. Diante disso, as mulheres negras disputam as reivindicações feministas para que
o debate sobre a presença feminina no mercado se estendesse para a possibilidade da inserção
de autoria feminina negra, trazendo à tona os casos de denúncia e de críticas, como a realidade
exposta por Giovana Xavier, na FLIP. Acerca das disputas em torno dessa existência feminina
negra, a intelectual negra Mirian dos Santos afirma:

10
Leia mulheres: projeto valoriza a produção intelectual de mulheres e dá 9 dicas. Disponível em:
https://elle.com.br/cultura/leia-mulheres-projeto-valoriza-a-producao-intelectual-feminina-e-da-9-dicas-de-
leitura. Acesso em: 20 set. 2023.
93
Nesse processo de desessencialização do que seria “a mulher”, a partir de uma
perspectiva interseccional, e atentando para a problematização de concepções do que
seria a ação política, não apenas limitada a discussões sobre a esfera pública, mas
também enfatizando a esfera privada, abrem-se fronteiras para que se considere os
espaços ocupados pelas mulheres negras brasileiras (dos Santos, 2018, p. 18).

A partir de novas narrativas que repensem as identidades marginalizadas, um conjunto


de trajetórias são colocadas em evidência, fazendo com que as perspectivas humanizadoras e
históricas ganhassem evidência. Outras possibilidades e interesses de publicação também
ganham determinado enfoque, e temas como racismo, colonialismo, sexualidade, entre outros,
começam a aparecer com maior frequência entre os lançamentos literários. Nesse cenário, a
estreita relação entre identidade e autoria tem culminado em novos horizontes de mercado.

À medida que essa dinâmica se dá, autoras negras começam a ganhar mais destaque,
entre elas Conceição Evaristo, Eliana Alves, Cidinha da Silva, Jarid Arraes, Cristiane Sobral
entre outras. Tornando-se grande fonte de possibilidades literárias, com produções diversas em
gêneros distintos, essas autoras chamam atenção de editoras e tornam-se responsáveis por
transformar a publicação de autoria negra na literatura brasileira contemporânea. Ao trazer para
o centro de suas obras, uma escrevivência amparada na perspectiva feminina negra de enxergar
o mundo, novos temas ganham destaque e outras perspectivas sociais sobre a condição de ser
mulher negra são contadas. O conceito desenvolvido por Conceição Evaristo (2020) partilha da
potencialidade da escrita feminina negra, das vivências e das trajetórias que permeiam a
produção literária dessas autoras, a partir de sua própria condição de mulher negra.
Evidenciando que o papel da literatura produzida por mulheres negras desvela realidades e
conduz novas conversas e narrativas sobre inúmeros temas, antes ignoradas pela produção
masculina e branca.

Acerca disso, Mirian dos Santos comenta que “considera-se que as representações
literárias produzidas por intelectuais negras possibilitariam a observação de uma grande luta
para questionar privilégios não apenas de gênero, mas também étnico-raciais e de classe” (dos
Santos, 2018, p. 19). Em diálogo com essa perspectiva, as próprias editoras passam a buscar
mais histórias e temáticas que atravessam a noção de identidade, vinculada a negritude, a
maternidade, a migração, a xenofobia, ao colonialismo, entre tantos temas, que de certa forma,
em outro contexto, não teriam tamanha visibilidade. Para Luiz, isso se dá em função do olhar
que a editora apresenta sobre os interesses de leitura do público, visto que assim que as histórias
chegam para editora, os profissionais ficam atentos a essas realidades. Desse modo ele comenta:

94
Tem grandes agências que mandam um release com 10 livros. Mas aí tem um que fala
das tensões ou então é um livro sobre raça e sexualidade, a gente já fica mais atento,
porque são temas que estão na ordem do dia, temas que a gente quer, se mobiliza, que
o leitor é mobilizado por eles. Então acho que, naturalmente a gente acaba indo para
autores negros, para atores gays, para autores que trazem temas que hoje são
importantes pautas, importantes pautas de intervenção na sociedade, ainda mais
depois de 4 anos, que a gente teve de absoluto, obscurantismo. Então eu acho que
embora não seja uma coisa programática diferentemente, talvez um pouco do mundo
da lusofonia africana tem esse interesse sim, da gente estar mais atento quando fala
“o autor é descendente ou é um imigrante de um país africano ou veio da periferia de
Los Angeles latina”, a gente já está mais atento a isso. Porque a gente percebe que
tem pontos de contato com a nossa realidade e que o leitor brasileiro, principalmente
os leitores mais jovens, 20 a 30 e poucos anos, estão interessados nisso. Estão
interessados nessa produção, estão interessados em enxergar esses pontos de contato
e se enxergar muitas vezes em culturas parecidas ou realidades parecidas, sabe?

Acompanhamos, então, uma transformação profunda em termos de representação e


representatividade, que em termos sociais é possível verificar essa reestruturação no tipo de
literatura que passa ser interesse de publicação, abrindo espaço para novos autores, novos
formatos e contextos literários. Acompanhando os interesses desse público leitor negro e
feminino formado, as editoras buscam obras que possam gerar identificação, reconhecimento e
diálogo crítico com as pautas levantadas por esse público. Para Mariana, da Jandaíra, há
realmente uma mudança no tipo de histórias que se pode contar, ela afirma:

Então são muitas possibilidades de histórias novas que a gente não via serem
publicadas, que talvez até estivessem sendo escritas, mas que não chegavam. A gente
está achando muito legal, a gente pode olhar para esses outros lugares e ter esse
reconhecimento também de uma literatura que você vai ver com outros olhos, com
outro critério, que não são os mesmos critérios que você analisa de uma certa
qualidade que se dizia que tinha que ser a prerrogativa, entendeu?

A fala de Mariana expõe como essas obras têm circulado por mais espaços, ganhado
destaque e tornado interesse de editoras mais tradicionais. São tanto os autores, leitores e demais
trabalhadores do mercado do livro, frutos das políticas públicas e dos movimentos sociais
brasileiros, parte fundante para as reivindicações, construções de estratégias e disputas em
direção a consolidação de um novo cenário de publicação brasileira, com enfoque nas
produções de autoria negra.

2.2 Perspectiva histórica da capitalização das pautas sociais e comercialização das obras

Com o levantamento de dados, é possível estimar que a virada para maior publicação de
autores negros acontece somente em 2019. Ao nos depararmos com um panorama geral das
publicações de autores negros da atualidade, podemos verificar quanto as publicações
cresceram e a partir de quando o cenário do mercado muda drasticamente em relação a recepção
destes autores. No recorte de 10 anos, nenhuma das editoras listadas acima publicou obras de
95
autoria negra em 2011, assim, a primeira publicação mapeada por mim entre estas editoras se
dá em 2012, pela editora Dublinense.

O ano de 2013 também foi marcado por apenas uma publicação dentre todas as
empresas, feita pela editora Rocco. Já entre os anos de 2014 e 2018, acompanhamos um número
superior e gradual entre algumas editoras, entretanto, é a partir de 2019 que o cenário passa a
mudar, visto que em apenas um ano o número de publicações dobra de 20 obras entre diferentes
editoras para 44 publicações, em 2019. Observando o Gráfico 1, verificamos o padrão de
publicação de autores negros ao longo de 2011 e 2021, observando a curva crescente que
acompanha esse cenário de mobilizações sociais e mudanças no mercado. Ainda que 2020
represente uma queda com relação a 2019, o número ainda é superior ao de qualquer ano
anterior a 2018, demonstrando uma certa tendência de mudança do mercado que pode ser
evidentemente percebida entre esses três anos, de 2019 a 2021.

Gráfico 1. Obras publicadas por ano

Fonte: gráfico de autoria própria.

Ao olhar especialmente para o ano de 2020, a queda de publicação com relação ao ano
anterior parece marcar também um período atravessado pela pandemia da Covid-19, que
impactou diretamente as publicações anuais das editoras de maneira geral, e durante a crise
global foi possível acompanhar o esforço e o trabalho redobrado das editoras em manter as
publicações frente a crise internacional. Em 2020, a International Publisher Assotiaton (IPA)
96
publicou uma carta discutindo o futuro da publicação editorial pós-pandemia, e entre os
objetivos do documento estavam a preocupação com o impacto ambiental, com a publicação de
autores indígenas e o fomento às editoras pequenas e livrarias independentes 11, evidenciando
alguns dos maiores percalços das editoras vividas ao longo do período. Frente a essa realidade
e a tantas outras transformações as quais o mercado tem sofrido, o pesquisador Leonardo
Nóbrega (2021) comenta:

O perfil das editoras e a sua capacidade de inovação em um momento de retração do


mercado, as escolhas com relação ao formato dos livros, o estilo dos textos, a autoria
e as estratégias de divulgação revelam não só alguns possíveis caminhos a serem
percorridos nos próximos anos, mas as consequências das mudanças pelas quais vem
passando o mercado editorial nas últimas décadas e se impõem à circulação e ao
acesso aos livros no Brasil (Nóbrega, 2021, p. 139).

De fato, o tempo tem sido um aspecto fundamental para acompanhar as mudanças, as


repercussões e as novas estratégias adotadas pelas editoras frente as mais diversas realidades.
Para observar esse aspecto, utilizo a tabela abaixo e nela encontraremos as editoras com maior
número de publicação nos 10 anos analisados, e ainda podemos observar seu desempenho
anual. Em um primeiro momento, vale ressaltar certa consistência da editora Globo Livros, que
apenas em 2018 não publicou nenhum autor negro, bem como a Boitempo, que desde 2016 tem
publicado anualmente. A consistência na publicação tem sido um fator considerado relevante
ao longo da pesquisa, justamente por expressar a construção de um projeto e atenção a questão
racial de forma programática.

Tabela 10. Editoras com maior número de publicação ao longo dos anos

EDITORA 201 2015 2016 2017 2018 2019 2020 2021 TOTAL
Boitempo 3 1 4 4 1 5 18
Globo Livros 3 2 3 1 4 1 13 27
Jandaíra 1 12 5 11 29
Todavia 2 2 4 6 9 23
Total Geral 3 3 6 4 6 24 13 38 97
Fonte: tabela de autoria própria.

11
IPA reúne mais de 30 associações ligadas ao livro para assinar carta que visa um futuro pós-covid sustentável
para o setor. Disponível em: https://www.publishnews.com.br/materias/2021/09/21/ipa-reune-mais-de-30-
associacoes-ligadas-ao-livro-para-assinar-carta-que-visa-um-futuro-pos-covid-sustentavel-para-o-setor. Acesso
em: 20 set. 2023.
97
Entretanto, a consistência de publicação não pode ser observada de forma isolada, ela
deve ser alinhada ao potencial de publicação que as empresas possuem em termos econômicos
e de visibilidade, considerando, assim, a proporção de dedicação e de cuidado que a empresa
adotou para a questão racial em seu catálogo. Na Tabela 11 podemos observar que as editoras
com menor número de publicação também possuem constância anual, entretanto, apresentam
um investimento muito abaixo do que seus recursos poderiam proporcionar, bem como um
índice de publicação anual igual a 1 ou 2 autores apenas.

Tabela 11. Editoras com menor número de publicação ao longo dos anos

EDITORA 2013 2014 2017 2018 2019 2020 2021 TOTAL


Arqueiro 1 1 2 1 1 6
Rocco 1 1 1 1 1 5
Total Geral 1 1 2 1 2 2 2 11
Fonte: tabela de autoria própria.

O comprometimento e o interesse das editoras podem ser observados a partir dessa linha
cronológica de publicações, evidenciando o momento que a empresa abre espaço para os
autores, e ainda a intensidade com que a editora se dedica a diversificar seu catálogo ao longo
dos anos. O potencial de grandes empresas pode e é muito maior do que o prospecto que os
números apresentam, visto que empresas de grande porte têm recursos humanos e econômicos
suficientes para realizarem um trabalho de pesquisa e de editoração com vistas a tornar seus
catálogos mais plurais.

A publicação anual também pode ser analisada diante da crescente comercialização e da


apropriação de pautas políticas, em torno do lucro e dos realinhamentos de marketing. Nesse
sentido, nos últimos anos estamos acompanhando uma complexa relação entre esses dois
contextos, como a indústria da beleza e do audiovisual, e o mercado do livro não está imune a
essa realidade. Para Pedro, editor da Dublinense,

O mercado funciona com modismos. No mercado eu acho que tem, obviamente, todas
as lutas sociais que vão dando visibilidade para a questão racial e vira uma questão
inescapável, porque assim, ou você está vivo e tá olhando as coisas acontecendo ou
você está totalmente míope. Então, primeiro é meio que jogado na cara essa questão.
Mas tem uma outra questão que é a questão, que é uma coisa muito brutal, que é o
mercado, vamos chamar o mercado, essa instituição. O mercado é especialista em
pegar qualquer pauta social, engolir, mastigar e depois cuspir em forma de produto.
Então, se você for ver todas as pautas e assim isso não diz respeito a mais ou menos
relevante, o mercado é especialista nisso. Você vê, por exemplo, grupos grandes que
publicavam autores de extrema direita, de repente publicam e lançam um selo
feminista. Sem nenhuma vergonha e a questão racial não passa longe disso também.
Ela também se cruza nessas questões de mercado. Então o que eu vi é que teve um

98
momento que o mercado chamamos assim, identificou que é essa temática racial
estava absolutamente sub-representada no que era publicado e que tinha uma
curiosidade real, uma demanda real por isso [...].

A perspectiva apresentada por Pedro evidencia o poder que o mercado possui para
capitalizar questões sociais, em meio a lógica capitalista as pautas tornam-se objeto de disputa
comercial e venda. Enquanto o público leitor se modifica, os seus interesses e as reivindicações
sociais são utilizados pelo mercado para tornar lucrativo, a literatura de autoria negra torna-se
um produto a ser comercializado, justamente pela expressão política, social e imagética da
identidade negra. Nesse sentido, as obras de autores negros começam a ser vistas com potencial
lucrativo, bem como a possibilidade de acessar determinados públicos que antes não chegavam
à editora. Em conversa com Antônio, editor da Veneta, ele expõe sua percepção acerca desse
tópico:

Então, eu acho que existe o interesse de público, existe grana, também vende mais.
Então as pessoas começaram (a ler) e os editores seguiram o dinheiro. Eu acho que
assim, a maior parte é isto, não? E falando eu também, assim como eu disse, eu
publicava bem menos e agora estou publicando mais. E deixou de ser um temor,
porque você imagina o que seria há 30 anos, alguém propor uma história em
quadrinhos estrelada por uma enfermeira negra do SUS, isso daí não seria publicado,
não ia achar editora no Brasil, sabe? E agora, não só como é um grande sucesso,
ganhou o Jabuti e tal; ganhou um Angoulême12 e tal. Eu acho que é ótimo, a gente
pode falar em oportunismo das editoras tal, mas é ótimo que esteja acontecendo esse
movimento, sabe?

A percepção dos próprios editores sobre o papel do mercado defini a visível relação
entre a pauta e o consumo. A linha tênue entre o real comprometimento e o oportunismo,
apontado pelo editor, é difícil de ser estabelecida, dependendo de um conjunto de fatores, que
determinarão ou não como o próprio mercado se posiciona frente a essa discussão. A
compreensão de que após longos anos ser negro vende e, consequentemente, sua experiência
negra – em especial de violência – ganha cada vez mais espaço para circular no universo
literário. Orientado boa parte pelo marketing atual, podemos observar lançamentos, divulgações
em redes sociais e no próprio site das editoras o enfoque que autores negros recebem.

Essa complexa relação entre o avanço da luta contra o racismo e a intencionalidade das
empresas em incluir autores negros em seus catálogos gera inúmeros debates, ainda que a
inclusão desses autores seja benéfica para a disseminação e a visibilidade de suas produções,

12
O Festival de Angoulême foi fundado em 1974 e é atualmente uma das maiores premiações de Histórias em
Quadrinhos da Europa e um dos mais populares do mundo.
99
em meio ao sistema capitalista, o mercado também se orienta em busca de publicações
lucrativas. O intelectual Lourenço Cardoso expõe sua opinião ao afirmar “esse selo antirracista
– que é uma perspectiva defendida pelo negro de direito, ainda que não exclusivamente – pode
ser uma hipocrisia, mas, em termos de prática, para uma empresa serve como propaganda, como
marketing.” (Cardoso, 2023, p. 104).

Esse aspecto adiciona mais uma camada acerca da presença de autores negros no
mercado literário, visto que nessa dinâmica um jogo entre comercialização e luta política se
relacionam diretamente, tornando difícil estabelecer uma fronteira entre ambos. Assim como
Pedro e Antônio, Luiz ressalta que o momento no mercado não permite que as empresas estejam
alheias a importância da questão racial e da produção desses autores, de modo que as empresas
utilizam dessa pauta no direcionamento aos seus públicos. Luiz ressalta:

Agora só não só não vê quem fecha os olhos, só não vê quem não quer se interessar,
quem não quer ler, quem não gosta de literatura de verdade, porque a literatura
brasileira é a mais diversa possível, está em todos os lugares, tem que estar informado.
Com vontade de ler de buscar esses nomes. Eu acho que tem público para isso, é claro
as editoras não são bobas nem nada, muitas delas têm público. Vamos atrás das coisas
que também o público está querendo, está pedindo, então tem um pouco isso também
nesse ambiente capitalista.

Logo, um primeiro caminho para compreensão desse limite está na diferença entre o
marketing e a concretude do trabalho desenvolvido pela editora, isso se dá justamente quando
observamos os discursos midiáticos das empresas sobre a questão racial e sua materialidade,
em termos de investimento em curadoria e de diversificação de autores em seus catálogos. Em
seguida, a compreensão de que a autoria negra vende, que há um público consumidor para esse
movimento, gira em torno de enxergar os negros enquanto consumidores, mas não somente
isso.

Um olhar sensível precisa ser atribuído ao lugar do autor negro e dos leitores negros
nesse mercado, quando tratados apenas como produtos e como meio para um fim imagético e
lucrativo, que escancara como a pauta antirracista tornou-se um selo de boa intencionalidade e
de pouca concretude, em muitos casos, meramente imagético. Em contrapartida, reconhecer a
potencialidade de venda e do sucesso de obras literárias, como as várias já citadas acima,
garantem legitimidade, reconhecimento e lucro para os próprios autores. Destaco que ao tecer
críticas sobre poder de capitalização e de distorção de pautas antirracistas pelo mercado, não
antagonizo ou diminuo a importância que o reconhecimento e o sucesso de vendas desses
autores possam representar.

100
Outro aspecto desse jogo mercadológico está no enfretamento acerca da disputa pela
identidade negra, visto que recentemente temos vivenciado um processo de torná-la mais
desejável e consumível, de modo que ela tem sido esteticamente apropriada por outros grupos.
Sobre a apropriação e o uso da identidade como tática de mercado, bell hooks (2019) afirma:

A apropriação cultural do Outro alivia os sentimentos de privação e de vazio que


assaltam a psique da juventude branca radical que opta por trair a civilização
ocidental. Enquanto isso, grupos marginalizados, considerados Outros, que têm sido
ignorados, tratados como invisíveis, podem ser seduzidos pela ênfase na Outridade,
pela sua comodificação, porque ela oferece a promessa de reconhecimento e
reconciliação” (hooks, 2019, p. 73).

Quando a imagem e a identidade se tornam chaves centrais para explorar suposta


reconciliação com a demanda da população negra, um jogo de culpa e de consciência são
impressos no marketing e no trabalho dessas empresas. Esse processo se relaciona com o
marketing editorial, a projeção de vendas e a divulgação que a obra possuirá, fazendo com que
a construção de uma imagem junto ao leitor, seja feita com grande investimento por boa parte
das editoras, ainda que isso não reflita um maior número de autores em seus catálogos.

Com isso, as editoras buscam autoria negra que possa dialogar com suas projeções
imagéticas e editoriais de venda, ainda que o mercado editorial não possa ser comparado com
mercado do audiovisual, da moda, da estética, dentre outros, as relações comerciais que
atravessam essa pauta também são construídas e reproduzidas em suas dinâmicas de trabalho.

2.3 As publicações têm gênero e origem demarcadas?

De acordo com Jurema Werneck (2010) e Sueli Carneiro (2003), as mobilizações em


direção a luta das mulheres negras marcam diretamente a história brasileira, e o reflexo do
caminho trilhado em direção aos direitos sociais, civis e reprodutivos permeiam boa parte da
trajetória dos movimentos negros brasileiros. Nesse sentido, pensar a questão racial no mercado
literário brasileiro é diretamente pensar sobre a presença das autoras negras, o impacto de suas
mobilizações históricas e seu fazer literário.

Investigar sobre a presença feminina negra passa por um extenso exercício de


reconstrução da realidade das mulheres negras no país. Ao olhar para a crescente de publicações
ao longo dos anos, é possível observar que o gênero é um marcador muito relevante no aumento
massivo de publicação de obras escritas por autores negros, de modo que, são as publicações
de mulheres negras responsáveis pelo início da transformação que o mercado vem

101
apresentando, fruto direto deste movimento de luta feminista negra, como podemos verificar
no Gráfico 2.

Gráfico 2. Publicações anuais por gênero

Fonte: gráfico de autoria própria.

Quando o número de publicações cresce, objetivamente notamos que o número de


publicações de mulheres negras é responsável direto por esse fato. Ao analisar o cenário dos
últimos 10 anos, podemos observar que de 2011 até 2016 apenas seis mulheres tinham sido
publicadas, o que muda drasticamente a partir de 2016, quando as mulheres assumem a frente
do número de publicações em relação aos homens. Em apenas 5 anos o número de publicações
de mulheres negras aumentou 8 vezes, mesmo considerando que em 2020 o número de
publicações caiu relativamente. A partir de um olhar histórico-social, a maior presença de
publicações de mulheres negras não subverte a real lógica racial do mercado, mas se alinha ao
cenário atual e a urgência por essas publicações tardias.

Se investigarmos o perfil de cada editora na publicação dos últimos anos por gênero,
também poderemos acompanhar como se alinham a essa demanda social e como incorporam a
pauta em sua agenda editorial. Na Tabela 12, podemos verificar que as editoras Globo Livros,
Boitempo, Jandaíra e Intrínseca apresentam maior número de publicação de autoras negras, e
de modo geral a maioria das editoras assume este padrão de publicação com exceção de três
delas, Veneta, Darkside e Todavia, que possuem um catálogo com maior presença de autores
homens.

102
Tabela 12. Número de autores x Gênero

EDITORA MULHER HOMEM TOTAL GERAL


Arqueiro 5 0 5
Bazar do Tempo 4 2 6
Boitempo 10 4 14
Darkside 3 6 9
Dublinense 2 3 5
Elefante 3 1 4
Globo Livros 14 5 19
Intrínseca 10 5 15
Jandaíra 20 9 29
Morro Branco 4 2 6
Nós 4 6 10
Rocco 2 1 3
Todavia 9 11 20
Veneta 2 7 9
Total Geral 92 62 154
Fonte: gráfico de autoria própria.

O perfil da editora Veneta chama certa atenção justamente por sua especialidade na área
de quadrinhos, cultura pop e não-ficção, de modo a questionar qual tem sido o espaço ocupado
pelas mulheres negras em suas curadorias para estes gêneros literários. Como os quadrinhos,
por exemplo, que passam a ser vistos majoritariamente ligados a uma cultura masculina, mas
tem sido ocupado cada vez mais por mulheres negras. Além disso, a editora Todavia, que
representa um dos maiores índices da pesquisa, tem números bem parecidos entre as
publicações por gênero, mas ainda possui majoritariamente publicação de autores homens.

Ainda na mesma tabela, destaco que a editora Arqueiro não publicou nenhum autor
homem, lançando exclusivamente cinco autoras negras, um fenômeno um tanto interessante,
visto que foge completamente das tradicionais práticas do mercado. Entretanto, pode ser
explicado pela publicação tardia de autoria negra, independente do gênero, atravessando, assim,
o período de reivindicação de autoria feminina. De fato, a crescente publicação de autoria
feminina negra parece compor um fenômeno muito bem compreendido pelas editoras,
desenhando o potencial de venda e de alcance que a presença dessas autoras pode possuir em
seus catálogos.

Em meio ao aumento da presença de escritoras negras, cabe observar atentamente quais


autoras têm ganhado espaço recentemente, visto que nos últimos anos a publicação de autoras

103
estadunidenses em detrimento da publicação nacional ou demais origens. Quando refletimos
sobre as autoras negras mais publicadas atualmente, nos deparamos com o seguinte cenário:
bell hooks com oito obras publicadas, em algumas editoras diferentes como Boitempo e
Elefante; na sequência, Octavia Butler com sete obras, todas publicadas pela editora Morro
Branco; e Angela Davis com quatro obras, publicadas pela editora Boitempo. Estamos
trabalhando em um cenário de crescente publicação de autoras negras estrangeiras, mais
especificamente mulheres estadunidenses.

De acordo com o Gráfico 3, observamos a relação direta entre gênero e origem para a
publicação de autoria negra no país.

Gráfico 3. Nacionalidade por gênero dos autores13

Fonte: gráfico de autoria própria.

A dimensão de gênero parece alinhada à nacionalidade das autoras, quando olhamos


para o panorama geral das publicações, notamos que o mercado tem optado por traduzir
predominantemente obras de autoras estadunidenses em detrimento da publicação de qualquer
outra produção de origem estrangeira. Enquanto a publicação de autores negros nacionais ainda

13
Além dos países destacados no gráfico, outros 10 países possuem uma única publicação cada no país, são eles:
África do Sul, Camarões, Canadá, Moçambique, Quênia, Ruanda, Somalilândia, Somália, Suécia e Itália.
104
segue equilibrada entre homens e mulheres, considerando os últimos anos como uma tentativa
desse feito, as traduções feitas diretamente dos Estados Unidos têm uma orientação de gênero
bem definida.

Em conexão com a extensa relação construída entre os movimentos negros brasileiros e


as organizações negras nos Estados Unidos, essa relação direta entre a presença de obras
oriundas do país não surpreende. Neste mesmo caminho, se considerarmos o vínculo do
movimento feminista e a crescente visibilidade de autoras como Angela Davis, bell hooks e
Patricia Hill Collins, por exemplo, explicam também as conexões diretas do interesse na leitura
dessas autoras, visto a oportunidade de finalmente traduzi-las no país.

Um ponto a ser considerado está na relação complexa e na política que se evidencia na


dinâmica de se privilegiar traduções para o Brasil, em detrimento do lançamento e do
investimento nas publicações nacionais. Em que medida essa decisão é tomada
conscientemente? Quais motivos para tal dinâmica? Durante as conversas com os
interlocutores, esse tópico foi bastante discutido por eles sob um olhar mais crítico, acerca da
realidade de tradução a nível nacional, Pedro comenta:

Eu acho que tem que ter um cuidado muito importante, o mercado editorial brasileiro
tem um comportamento muito diferente da maioria dos outros mercados com relação
à incidência de traduções. Então, é muito curioso ver como você vai nos mercados
editoriais de estados anglófonos e as traduções são, sei lá, 3% ou 2%. Aí você vai para
outros países que já traduzem bem mais, vai para França, deve ser uns 15% ou 18% e
aqui no Brasil é uma coisa meio de um, sei lá, um colonialismo cultural, alguma coisa
assim, que é meio que o padrão assim, o piloto automático de uma editora é sair
comprando e traduzindo sem nem pensar. Então tem isso talvez, se você for ver só a
quantidade, eu acho que é meio natural que a quantidade de qualquer coisa vai ter
mais em tradução, do que em autor nacional, simplesmente porque se publica mais
tradução do que autor nacional como padrão, como um piloto automático mesmo.

Sua fala aponta para um lugar de prática cotidiana do mercado que se dá justamente por
vários fatores históricos e culturais. Além dessa perspectiva, o diálogo com os interlocutores
destacou que a dimensão linguística se faz importante, visto que a amplitude que a língua possuí
para a busca de profissionais aptos para a pesquisa e a tradução, que determina a preferência,
os custos e a circulação interna no mercado durante a produção do livro. Sobre o domínio da
língua inglesa, Luiz aponta sua percepção:

No caso de língua inglesa é um defeito de fabricação do mercado inteiro, tem muito


mais gente lendo inglês, quando lê uma outra língua estrangeira, e tem o poderio do
mundo cultural no anglo-saxônico que está em tudo, está no cinema, na música nos
últimos 70 anos. Os grandes agentes literários são todos de língua inglesa, mesmo
quando eles vendem autores portugueses, italianos, por exemplo, a maior agência de
todas que vende todos os prêmios Nobel praticamente, Jorge Amado está lá, Saramago
e outros autores de outros idiomas que não o inglês. Então é o mundo de língua inglesa
105
pelo poderio econômico, pela hegemonia cultural da indústria cultural eles
concentram muito [...].

Nesse sentido, a centralidade do interesse do mercado em traduções de língua inglesa se


relaciona não somente com a especificidade da língua, mas nas dimensões políticas e históricas
dos Estados Unidos, bem como através de perspectivas culturais. Visto que o mercado orienta
suas traduções a um território e produções bem demarcadas da língua inglesa, em detrimento
de outras produções no contexto diaspórico, que produzem em língua inglesa e poderiam
receber parte dessa atenção.

A partir desse olhar, enxergo que a origem da tradução também está na centralidade da
questão, ou seja, não basta exclusivamente produzir em inglês, os autores de língua inglesa,
fora dos Estados Unidos necessitam de uma série de articulações e redes para serem vistos,
redes essas que passam pelos Estados Unidos, em busca de visibilidade e expansão de mercado.
Quando observamos as traduções de língua inglesa dos países africanos, por exemplo, essa
distinção fica mais evidente. Na Tabela 13 conseguimos analisar a quantidade de obras
traduzidas do continente.

Tabela 13. Número de Autores africanos publicados

NACIONALIDADE CONTAGEM DE AUTORES


África do Sul 2
Angola 2
Camarões 1
Gana 2
Itália/Somália 2
Luanda 2
Moçambique 1
Nigéria 4
Quênia 1
Ruanda 1
Somalilândia 1
Suécia/Quênia 1
Total Geral 21
Fonte: tabela de autoria própria.

Dentre os países africanos, observamos uma divisão mais centrada na língua inglesa,
marcada principalmente pelas obras oriundas da África do Sul, Nigéria e Gana. Nesse contexto,
a tradução das obras apresenta boa parte da discussão já evidenciada acerca da aproximação
com a produção africana de língua portuguesa, por parte de algumas editoras. No caso da língua

106
inglesa, um movimento de relações e circulações se evidencia, fazendo com que editores de
outros lugares do mundo conheçam seus trabalhos por meio de um vínculo com o país, se
voltando a esse mercado com intuito de ser visto por todo o mundo.

Luiz, da Todavia, partilhou dessa perspectiva comigo ao comentar:

A Nigéria, na África, no universo de língua inglesa na África, é o epicentro de onde


tem as grandes editoras. As editoras que exportam os autores que daí vão ficar
famosos na Inglaterra, vão ficar famosos nos Estados Unidos, mas isso é um lado.
Mas o lado mais forte de novo é um autor sul-africano, autor nigeriano, autor que
ganha um Booker Prize na Inglaterra, que ganhou um Pulitzer nos Estados Unidos, ou
que vira uma matéria do New York Times da seção de livros, é por aí que a gente
descobre. Para gente tomar conhecimento deles, eles ainda precisam passar por esses
filtros, chancelas que é uma resenha no New York Times, é um prêmio na Inglaterra
[...]. Porque às vezes não chega aqui de outra forma, se você não for ativamente
ocupado em descobri-los e entrar em catálogos de editoras nigerianas, muitas vezes
autores não tem agentes ativos na Inglaterra, nos Estados Unidos, eles têm agentes ali
no contexto africano do continente, e aí esses agentes não nos conhecem muitas vezes,
ou a gente não conhece, não conhece nas feiras que a gente frequenta, a Feira de
Frankfurt ou Feira de Londres. Então muitas vezes os autores da produção de língua
inglesa africana a gente descobre porque sai uma grande resenha no New York Times,
porque foi publicado [nos] Estados Unidos com barulho ou porque ganhou um Booker
Prize na Inglaterra.

Para o editor, os prêmios são os canais direto de busca e de espaço para a publicação de
obras traduzidas e inéditas no país, premiações internacionalmente respeitadas que premiam
obras majoritariamente em língua inglesa, como é o caso do Prêmio Nobel ou Booker Prize,
citado pelo editor. Sua fala também deixa em evidência a larga rede que precisa ser mobilizada
para que o editor ultrapasse algumas barreiras estabelecidas e práticas tradicionais que
determinaram por tanto tempo a falta de diversidade no mercado.

As dinâmicas culturais estabelecidas historicamente impactam diretamente no trabalho


de profissionais do livro que desejam explorar outros horizontes e exige que tanto a empresa,
quanto seus profissionais saiam do lugar da passividade. Explorar e incluir autores negros no
mercado exige agência, uma mobilidade baseada na construção de novas relações pessoais, na
busca por outros referenciais de premiações, meio de comunicação e de divulgação, línguas e
origem, a nível internacional e nacional.

Além da presença de traduções do inglês, as obras de autores africanos do português


também possuem certo espaço entre as traduções feitas pelo mercado nos últimos, através de
autores angolanos, moçambicanos e luandenses. A experiência colonial partilhada por esses
países e o Brasil, bem como nosso idioma oficial, unem, em certa medida, ambos os territórios,
se tornando espaço frutíferos de divulgação das obras. Apesar desse cenário, a busca por obras
de origem africana passa em sua maioria pelo inglês.
107
Para o pesquisador Marcos Bucaioni (2022), existe uma relação de assimetria na
visibilidade entre as produções africanas em inglês e português, que segundo ele:

Para um autor africano que escreva em inglês, como o recente caso de Chimamanda
Ngozi Adichie, é sem dúvida mais fácil entrar no circuito de uma consagração
internacional que permanece fora do alcance da maioria dos autores que escrevem em
português. Esta dupla perifericidade cria uma forte tendência para ver a tradução como
arma de afirmação e como prêmio em si e a circulação das próprias obras em
importantes mercados do Norte global como um objetivo fundamental de afirmação
(Bucaioni, 2022, p. 12).

Em escala global, a literatura produzida em língua portuguesa recebe um status de


periférica, sendo pouco traduzida ou recebida em vários países, de modo que ainda que haja um
número considerável de falantes da língua portuguesa no mundo, a língua não representa a
dominação cultural e colonial que possuía anteriormente (Bucaioni, 2022). Dentro do próprio
país, a língua oficialmente falada tem sido relegada e pouco utilizada como fonte de diálogo,
referência e experiências. Tendo a oportunidade de abrir portas e apresentar aos leitores
brasileiros diferentes autores, algumas editoras têm maior interesse nisso, como Dublinense e
Todavia ressaltaram em suas entrevistas, entretanto, essa característica parece muito mais uma
escolha dessas editoras do que uma tendência fortemente estabelecida no mercado como um
todo.

Apesar da baixa presença de autoria africana em língua portuguesa nos dados


apresentados, devemos reconhecer a importância das obras de autores africanos para a
construção dos movimentos negros brasileiros, como Amílcar Cabral, Agostinho Neto, Noemia
de Souza, Paulina Chiziane e tantos outros autores africanos que produziram em português.
Além do seu impacto direto na produção de autores negros que acompanharam as lutas pelas
independências de países africanos, ao longo da segunda metade do século XX, desenhando
uma produção literária política e combativa ao partilhar as diversas realidades que seus povos
viveram em meio ao neocolonialismo europeu.

A distinção entre as línguas desenha o caráter político e epistemológico que as traduções


possuem no mercado, orientando um olhar de interesse e de legitimação dentro do próprio
mercado. O que é traduzido afirma a postura e as escolhas das empresas, enquanto as obras que
não são traduzidas também devem ser alvo de nossa atenção, denunciando parte do desinteresse
e da marginalidade que determinadas produções de autoria negra ganham em detrimento de
outras.

108
A partir desse cenário, vale ressaltar que a presença de traduções de autoria feminina
negra estadunidenses marca grande avanço nas publicações do país, entretanto, coloca em
questão a capacidade que as empresas possuem de ampliar seus leques, horizontes e interesses
de tradução, permeando vários países da diáspora africana, que falam inglês ou não, para ocupar
cada vez mais espaços no mercado literário.

Para Paul Gilroy (2001), o atlântico negro estabelece entre os diferentes países da
diáspora africana relações de memória, história e cultura, visto que a partilha dessas
experiências cria vínculos e proporciona maior reconhecimento entre os negros, independente
das fronteiras nacionais. A compreensão desse cenário, estabelece que o compartilhamento
dessas trajetórias apresenta novos horizontes teóricos, de ativismo e literários a serem
explorados por toda sociedade, ampliando referenciais de experiência negra.

Em meio ao contexto diaspórico, o exercício de tradução torna-se grande aliado, seu


caráter político marca um compromisso necessário de conexão e no diálogo feito a partir da
literatura de modo a transpor a barreira da língua, unindo discursos, objetivos e subjetividades
que são partilhadas entre os negros. Já para a intelectual Denise Carrascosa (2016), a discussão
acerca do atlântico negro, feita por Gilroy, evidencia o caráter epistemológico da tradução.
Sobre isso ela afirma:

A tradução, portanto, desponta no Atlântico Negro como tarefa política no sentido


spivakiano de trabalho forte com a linguagem como agente produtor de identidade,
subalternidade e, ao mesmo tempo, em sua dimensão retórica, como potencial fator
gerador de disseminação subversiva (Carrascosa, 2016, p. 66).

Essa perspectiva possibilita compreensão do lugar da tradução sob uma perspectiva


cultural, política e potencializadora de subjetividades, abrindo pontes para a compreensão e a
percepção da identidade negra (Carrascosa, 2016). O reconhecimento do potencial da tradução
de autoria negra de toda diáspora caminha ao lado das cobranças em direção a maior pluralidade
de traduções de autores com diversas origens. Permitindo, assim, que os Estados Unidos não
seja a única referência de existência e pluralidade negra, ainda que possamos dialogar
fortemente com toda produção de autoria negra do país.

Essa perspectiva evidencia a possibilidade de traduções várias, a começar pela produção


negra latina que chega muito pouco e de forma pontual ao país, ademais, os dados analisados
também evidenciam que nenhuma das editoras selecionadas publicou um autor negro da
América Latina. As produções de autoria negra sul-americana tem sido mais invisibilizadas em
relação as demais origens, os países que partilham duras experiências escravistas com o Brasil,
109
históricos de violência racial em meio a ditaduras, entre outros contextos, pouco tem chegado
aos leitores brasileiros. Esse cenário não é exclusivo das traduções, pois em termos acadêmicos
o debate sobre o reconhecimento da produção latino-americana tem sido travado ao longo de
décadas, discussão que ganhou cada vez mais força a partir da perspectiva decolonial.

Em meio ao horizonte racial, seguimos buscando e estabelecendo referências a partir de


outras experiências na diáspora. Explorando ainda as Américas, as referências caribenhas agora
ganham espaço com autores como Frantz Fanon, e o cenário caribenho tem sido mais
aproveitado pelas editoras, tendo como foco dois países: Martinica e Jamaica.

Na Tabela 14 é possível observar os autores publicados em ambos os países.

Tabela 14. Autores caribenhos

AUTORES NACIONALIDADE
Aime Cesaire Martinica
Claudia Rankine Jamaica
Édouad Glissant Martinica
Françoise Ega Martinica
Frantz Fanon Martinica
Nicolle Dennis-Benn Jamaica
Fonte: tabela de autoria própria.

A partir da experiência de tradução de Fanon no país, observo a tendência em explorar


autores martinicanos em produções que discutem o colonialismo francês e discussões sobre a
identidade negra a partir dessa complexa relação. Em especial, o diálogo entre as experiências
caribenhas e brasileiras se dá com a obra Cartas a uma negra, de Françoise Ega, que reúne uma
série de cartas e conversas da autora para Carolina Maria de Jesus. Bem como as produções de
Aime Cesaire, que têm contribuído fortemente para o debate sobre identidade, território e
violência a partir das críticas ao colonialismo, dando escopo para as investigações e as análises
sobre a realidade brasileira. As produções trazidas ao Brasil, de origem caribenha, têm
demonstrado grande enfoque nas discussões sobre identidade, de modo que a literatura tem sido
grande aliada para a disseminação e a partilha dessas reflexões. Para a pesquisadora Denise
Carrascosa (2016),

Assim como a música, o teatro e o cinema negros e suas demais práticas performáticas
e interartísticas, os textos literários afrodiaspóricos têm formulado narrativas, sons e
imagens que gestam e reoperacionalizam os sentidos de viagem, perda e exílio, com
função menemônica de produzir memória social e consciência de grupo nos processos
de invenção e reinvenção da identidade [...] (Carrascosa, 2016, p. 65).

110
A conversa destacada por Carrascosa realça o potencial literário na transformação e na
conexão entre sujeitos negros, a partir desse lugar podemos explorar as reflexões sobre
identidade e imaginário social construído sobre os negros, tendo como princípio narrativas
positivas e plurais sobre a experiência negra nas Américas. Em meio a essa perspectiva, Stuart
Hall (2006) afirma que a construção da identidade é marcada por um lugar coletivo e passível
de reorganização, visto que:

Não devemos jamais subestimar ou desprezar a importância do acto de redescoberta


imaginativa que esta concepção de uma identidade redescoberta, essencial, implica.
As “histórias ocultas” desempenharam um papel fundamental na emergência de
muitos dos mais importantes movimentos sociais dos nossos tempos - nas correntes
feministas, anticoloniais e anti-racistas (Hall, 2006, p. 23).

Em meio a essa reflexão, evidencio a importância da análise sobre a origem das


traduções e quais narrativas referentes à identidade, ao imaginário e a trajetórias estamos tendo
acesso, considerando o lugar destas “histórias ocultas”, devemos buscar maior circulação e
articulação possível entre os países da diáspora negra. Assim como a publicação de autoria
negra nacional é um espaço de disputa, as traduções também caminham por esse lugar e devem
ser enxergadas como demarcação de um lócus intelectual e referencial literário buscado pelo
mercado. Entretanto, vale questionar, à medida que traduzimos constantemente essas autoras,
também investimos em traduzir nossas autoras brasileiras para outros países? O movimento
feito tem a mesma proporção?

Precisamos olhar para nossa produção intelectual feminina negra nacional com o intuito
de valorizar suas contribuições e de seguir compartilhando urgentemente suas obras,
considerando os reais impactos que as autoras negras brasileiras tiveram, e ainda têm, no modo
de fazer ciência e literatura. Dentre as editoras investigadas, a Jandaíra é editora com maior
percentual de publicação de autores brasileiros, que dentre os livros lançados até 2021, apenas
Black Power – A política de libertação dos Estados Unidos, de Kwame Ture e Charles V.
Hamilton, é uma tradução. Sobre o investimento entre tradução e publicação nacional, Mariana
comenta:

Eu acho, pessoalmente, que é um investimento muito alto, a gente tem que pagar
adiantado dos royalties em dólar, em euro, do jeito que as coisas estavam e depois
ainda tem a tradução e tudo mais. Eu acabo achando que não vale muito a pena. Mas
eu entendo que algumas editoras partam para esse caminho, porque se o livro já vem
chancelado de fora, em geral, ainda mais se ele foi um sucesso lá fora e tudo mais,
isso já puxa as vendas. Então a gente acaba tendo que fazer um trabalho de divulgação
de cada autor e tal, que é um negócio bem difícil e que realmente muita gente escapa
disso. Mas eu acho que a gente tem essa missão, vamos dizer assim, um pouco esse
compromisso desde sempre, de querer divulgar o pensamento do Brasil e discutir as

111
questões aqui, porque para mim, o que interessa mesmo, até nos livros infantis, a gente
quer discutir as questões aqui, sabe?

A fala da editora também evidencia um cenário contrário, de valorização e escolha


política de foco destinado a autoria brasileira, uma característica que destoa do perfil editorial
das empresas analisadas. O exercício de valorização da produção nacional nos permite
questionar diretamente se o exercício de partilha dos saberes encorados na perspectiva
diaspórica e atlântica negra, tem sido feito de forma unilateral, bem como pensar coletivamente
as estratégias para a tradução e a movimentação de publicação de autoria negra brasileira fora
do Brasil, em especial nos Estados Unidos.

Por sua vez, a pesquisadora estadunidense Geri Augusto (2013) tem se dedicado a
pensar as contribuições de Conceição Evaristo, não só para o trabalho da tradução, como para
a produção feminista negra, como também suas pesquisas sobre autoria negra brasileira que
têm invertido a geografia das referências, tendo na produção brasileira uma fonte de análises
críticas. Em sua produção ela destaca,

[...] quero trazer à tona algumas das maneiras em que as experiências históricas e a
expressividade criativa que marcam as vidas diaspóricas evocam ideias e expressões
companheiras e, portanto, podem trazer de modo fecundo inflexões particulares e
significados enriquecedores para a tradução e a interpretação (Augusto, 2013, p. 2).

O olhar sensível estabelecido por Geri Augusto e por Denise Carrascosa expõem a
importância que as publicações de autoria negra têm para a identidade, a trajetória e a
experiência negra no país. Reconheço que recentes publicações de autoria negra culminam em
um avanço coletivo para toda sociedade, entretanto, é necessário olhar para essas publicações
com uma lupa atenta sobre sua origem, em especial porque historicamente temos tentado
recuperar e articular as histórias que nos cercam por toda diáspora.

Enquanto leitores, cabe a nós também estabelecer esse olhar crítico para as produções
traduzidas, bem como estar atento à experiência de gênero e de identidade de gênero, de modo
a incluir e receber no mercado cada vez mais obras de autoras mulheres, autores não-binários e
trans, em busca do abandono da dicotomia de gênero a partir da cisnormatividade. Compreendo
que o mercado só se tornará efetivamente diverso quando puder, de alguma forma, burlar e
construir estratégias que possam receber amplamente narrativas marginalizadas, entre os
próprios marginalizados; que possam se apoiar em reflexões críticas e sociológicas sobre a
experiência negra em diáspora, um exercício que atravessa não só o mercado literário, como
musical e audiovisual. Ao final, reconhecendo, assim, a urgência de estabelecer pontes e beber
da pluralidade literária de autoria negra, formatos e gêneros literários de diferentes países
112
Capítulo 3. Pluralidade do trabalho literário de autoria negra

A diversificação de produções de autoria negra atravessa diretamente a predisposição


das editoras em abrir espaço, publicar e se voltar para os mais variados gêneros literários. A
atuação de diferentes empresas, que se dedicam a diversos gêneros literários, produz para essa
pesquisa uma rica análise acerca da amplitude do trabalho dos autores negros, para além de
uma lógica única e homogeneizante. Nessa perspectiva, a escritora Esmeralda Ribeiro dispõe
que a “nossa literatura nos faz refletir que as situações estão interligadas, por meio de romance,
conto ou poema. A poesia toca no coração de todas as pessoas” (Frederico et al., 2017, p. 278).

A delimitação dos gêneros literários e nichos de trabalho das editoras atravessa a


construção do catálogo, bem como seus olhares para o mercado e o que está sendo produzido a
partir disso. O início da pesquisa existia um interesse em verificar se as editoras possuíam um
direcionamento e uma busca por autores negros por meio de determinados gêneros específicos,
construindo determinadas caixinhas exclusivas e limitantes da produção de autoria negra.
Durante meu diálogo com Luiz, da editora Todavia, ele comenta:

[...] a gente está atrás de coisas relevantes, de qualidade, que a gente veja que tem um
público interessado, que abrace essa obra literária. Então, dentro desse nosso guarda-
chuva, conto, romance e poesia quando vem uma coisa de qualidade, que a gente acha
que tem um poder de inserção no mercado, que vai trazer um debate, vai ser relevante
para o leitor, sem pé atrás, com esse gênero ou com aquele. Claro que tem gêneros
que são visivelmente mais prestigiados pelo mercado, pelos setores: o romance, se
você chegar para uma livraria hoje e falar que “eu tenho esse lançamento aqui que é
romance, esse aqui que é conto. Você quer quantos?” Ele vai pegar 10 romances e 3
contos. Conto é um gênero, comercialmente falando, muito mais difícil para inserir
no mercado, do que o gênero romance, sabe? Então tem essas questões, mas
internamente na hora que a gente está em diálogo com o autor ou com o futuro autor,
isso não importa. Estando dentro dessa nossas [linhas], ficção, romance, crônica,
conto poesia, não-ficção, biografia, jornalismo literário e ensaio, estando dentro disso
e tendo a qualidade que a gente deseja que a gente queira construir, tá limpo. Não
tenho pretensão para esse gênero ou para aqueles. Ou privilegiar esse ou aquele, sabe?

Sua fala coloca em evidência que o trabalho desenvolvido pelas empresas pauta a
escolha dos autores a partir de suas próprias diretrizes e políticas editoriais, muito menos pelo
gênero que o autor produz e mais pela qualidade literária, que para ele tem sido medida a partir
do encontro e do interesse no que o autor tem produzido. Mesmo essa “qualidade literária” está
condicionada aos fatores econômicos, políticos, estéticos e simbólicos do campo, e nesse
sentido enxergo que esta avaliação construída pelo editor está vinculada a sua posição e a sua
trajetória de vida. Esses aspectos contribuem diretamente para a impressão do editor dentro do
113
mercado. Entretanto, ainda que olhemos sob essa ótica da ausência de determinação do gênero
na escolha do editor, não podemos ignorar que em termos históricos existem disputas políticas
em torno da publicação de alguns gêneros específicos, como o próprio Luiz retrata a realidade
de distinção entre o romance e o conto.

Essa situação pode ser vista em meio a disputa pelo próprio campo, em que se estabelece
determinada hierarquização entre as produções que pode limitar ou ampliar a atuação dos
autores no mercado. Em termos de mercado, alguns gêneros dão maior legitimidade e
valorização a carreira do autor, de modo que distribui desigualmente o status entre os autores,
estabelece pontes e possibilita maior alcance literário que outros formatos não possuem. Como
apresento na Tabela 15, as obras de escritores negros levantadas na pesquisa são diversas em
termos de gêneros literários, entretanto, os dados colocam em evidência que as publicações de
autores negros se dividem entre dois principais gêneros: não-ficção e romance.

Tabela 15. Número de obras publicadas por gênero literário

GÊNERO LITERÁRIO HOMEM MULHER TOTAL GERAL


Antologia 1 1 2
Biografia 1 9 10
Contos 10 2 12
Crônicas 1 0 1
Fantasia 1 4 5
Ficção científica 1 15 16
Infantil 6 8 14
Infanto juvenil 2 7 9
Não-ficção 21 45 66
Poesia 4 4 8
Quadrinho 9 2 11
Romance 18 30 48
Terror e suspense 3 1 4
Total Geral 78 128 206
Fonte: tabela de autoria própria.

No âmbito da não-ficção, as 66 obras se vinculam diretamente aos trabalhos teóricos de


autores, que recentemente foram resgatados desde os lançamentos inéditos e os compilados de
trabalhos há muito tempo ignorados, incluindo as reedições. Enxergo que esse número é o
reflexo direto do longo processo de valorização das produções intelectuais negras, dos arranjos
e das disputas em torno do direito à intelectualidade para pesquisadores e pensadores negros no
país. No âmbito da produção de conhecimento, é possível observar as transformações
114
epistemológicas as quais as ciências humanas e Sociais têm vivido, ao dialogar com autores
antes marginalizados, ao trazer para o centro da discussão as contribuições de extrema
relevância acerca da realidade social.

As produções de não-ficção atravessam inúmeros temas e têm sido escritas desde


diferentes trajetórias, ganhado cada vez mais espaço, visto o anseio dos leitores por outras
perspectivas históricas e sociológicas da experiência negra. A pesquisadora bell hooks (2020)
afirma como as contribuições históricas dos movimentos negros e feministas organizados
possibilitaram espaço de debate, ampliando alcance para que outras produções tenham sido
resgatadas. Para ela, “sem um contexto de afirmação crítica, a subjetividade negra radical não
se sustenta por conta própria” (hooks, 2020, p. 124).

A ponte entre as experiências subjetivas, o ativismo e a produção de conhecimento se


vinculam diretamente ao trabalho de intelectuais negros, contribuindo para a ruptura de
perspectivas embranquecidas, virando a chave para pensar a ciência a partir das produções de
sujeitos antes marginalizados. Para Patricia Hill Collins, o impacto do trabalho que a
intersecção entre as categorias de gênero, raça e classe tiveram nessas produções possibilitam
um conjunto de transformações para além do ambiente acadêmico.

A interseccionalidade conecta dois lados de produção de conhecimento, a saber, a


produção intelectual de indivíduos com menos poder, que estão fora do ensino
superior, da mídia de instituições similares de produção de conhecimento, e o
conhecimento que emana primariamente de instituições cujo propósito é criar saber
legitimado. A interseccionalidade pode ser vista como uma forma de investigação
crítica e de práxis, precisamente, porque tem sido forjada por ideias de políticas
emancipatórias de fora das instituições sociais poderosas, assim como essas ideias têm
sido retomadas por tais instituições (Collins, 2017, p. 7).

A perspectiva discutida por Collins (2017) se alinha ao histórico de diálogo entre as


produções teóricas da população negra e as mobilizações sociais ao longo do século XX,
reafirmando o papel fundamental que o próprio movimento negro organizado possui frente às
transformações na produção de conhecimento. Neste contexto, em especial, a atuação feminina
ganha certo destaque. Em seu artigo Intelectuais negras, bell hooks (1995) discorre sobre o
trabalho intelectual desenvolvido a partir de uma perspectiva negra e feminina:

Muitas vezes o trabalho intelectual leva ao confronto com duras realidades. Pode nos
lembrar que a dominação e a opressão continuam a moldar as vidas de todos sobretudo
das pessoas negras e mestiças. Esse trabalho não apenas nos arrasta mais para perto
do sofrimento como nos faz sofrer. Andar em meio a esse sofrimento para trabalhar
com ideias que possam servir de catalisador para a transformação de nossa consciência
e nossas vidas e de outras e um processo prazeroso e extático. Quando o trabalho
intelectual surge de uma preocupação com a mudança social e política radical quando

115
esse trabalho é dirigido para as necessidades das pessoas nos põe numa solidariedade
e comunidade maiores. Enaltece fundamentalmente a vida (hooks, 1995, p. 477-478).

As rupturas dos horizontes teóricos e a oportunidade de construir conhecimento com


novos parâmetros alteram as produções acadêmicas e, consequentemente, também se voltam
para as publicações de obras de não-ficção. Abrindo espaço, então, para que o mercado publique
temáticas ainda não exploradas, recebendo contribuições e traduções vinculadas a perspectivas
interseccionais ou alinhadas ao debate racial. Ao olhar com mais detalhes para as obras de não-
ficção, é possível observar que elas se centram justamente em dois países: Brasil e Estados
Unidos. Com poucas produções distribuídas entre outros países do mundo, de modo que o
padrão estabelecido para os dados gerais se mantenha para o gênero de não-ficção. A Tabela
16 reafirma o pequeno círculo de nacionalidades que têm sido privilegiadas na busca por obras
de não-ficção, também evidenciando um cenário discutido ao longo do debate sobre tradução
da língua inglesa.

Tabela 16. Livros de não-ficção por nacionalidade

NACIONALIDADE NÃO-FICÇÃO
Brasil 37
EUA 22
Inglaterra 1
Jamaica 1
Martinica 3
Nigéria 1
Suécia 1
Total Geral 66
Fonte: tabela de autoria própria.

Em específico sobre a realidade brasileira, as publicações de não-ficção têm seu número


elevado atribuído aos catálogos das editoras Jandaíra e Boitempo, que no caso da primeira isso
se dá justamente pela Coleção Feminismos Plurais, enquanto a segunda editora esse aspecto se
volta para as publicações de cunho marxista e interseccional da Boitempo. Para ambas as
empresas, observo que o alinhamento à pauta progressista e o viés teoricamente próximo da
questão racial direcionam e tornam o catálogo das empresas responsáveis pela centralização do
gênero literário. Já na Tabela 17, destaco o número de publicações de não-ficção por editoras.

116
Tabela 17. Obras não-ficção por editoras

EDITORA HOMEM MULHER TOTAL GERAL


Bazar do Tempo 1 3 4
Boitempo 5 9 14
Darkside 1 1 2
Dublinense 1 0 1
Elefante 0 7 7
Globo Livros 0 5 5
Intrínseca 1 1 2
Jandaíra 7 15 22
Nós 0 1 1
Todavia 3 3 6
Veneta 2 0 2
Total Geral 21 45 66
Fonte: tabela de autoria própria.

Com exceção das duas editoras, as demais apresentam tendência bem similar de
publicação do gênero, seja mediante centralização em apenas um autor, seja no enfoque mais
diverso. A incidência de publicações variadas por diferentes editoras demonstra o interesse
amplo e a capilaridade com os temas relacionados às relações raciais têm tido no mercado,
fazendo com que as empresas se voltem para as produções do gênero. Na conversa com Pedro,
ele relatou que no trabalho cotidiano de uma editora pequena como a Veneta, existe certo
alinhamento do que precisa ser publicado, considerando a questão econômica. Nessa
perspectiva, a dimensão política e a identificação com a obra se tornam prioridade. Sobre a
publicação de autores como Du Bois e Aime Cesaire ele comenta:

Aí tem a questão política, vamos falar toca assim. Eu confesso que eu quis publicar o
Aime Cesaire, sem dúvida, assim. Era uma coisa que eu queria tal, mas, por exemplo,
a gente publicou agora C. R. James14, que é o autor que faz anos que eu queria também
publicar e é uma coisa que eu acho que ele tem uma importância muito grande. Eu
fiquei com uma gana, uma urgência de publicar logo esse livro, porque eu acho que
ele é importantíssimo pro debate no Brasil. Importantíssimo! Então assim, por
exemplo, o Du Bois que eu publiquei O Almas do Negro tinha uma importância,
publicar um clássico, né? Um clássico tal, aí eu fiz questão de fazer uma edição
querendo ser definitiva, porque assim não tem um termo que não esteja lá explicado
das questões, tem notas lá que passam de uma página porque eu achei que era
importante todos os detalhes. Mas no caso do C. R. James eu achei que era uma
urgência também, teve todo esse capricho das notas, mas eu estava assim, temos que
publicar, temos que publicar porque é um debate esse marxismo caribenho tem muito

14
O editor se refere ao lançamento do livro Uma história da revolta pan-africana, de C. R. L James, lançado em
2023. O título não entrou nos dados da pesquisa.
117
a ensinar para o Brasil, né? Eu acho que é muito importante essa discussão que vem
alimentado pelo trotskismo, outras correntes de pensamento marxistas, né? Eu acho
que era muito importante.

O reconhecimento dos próprios editores sobre a oportunidade de publicação dessas


obras atravessa diretamente o impacto significativo que o gênero possui em detrimento de
outros. É possível perceber que a urgência dos editores em lançar novos títulos alinhados a
correntes teóricas de perspectiva negra se alinha à demanda e ao forte interesse do público em
ler mais sobre isso. Diante dessa perspectiva, a dualidade entre a disposição de venda do
mercado, os interesses sociais e políticos dos leitores parecem entrarem em consonância, de
modo que essa realidade é construída e mantida de forma cíclica.

No caso do romance, o gênero apresenta outra dinâmica no mercado por ser um dos
principais gêneros a serem disputados no âmbito da literatura, envolvendo diretamente aspectos
sociais, culturais e políticos quando pensamos no acesso a oportunidades e a publicação no
mercado. No contexto da literatura de autoria negra, esse cenário se torna ainda mais complexo
dada as hierarquias raciais, que impõem uma barreira para a produção de autoria negra no
gênero. Ao considerar o gênero literário que mais recebe autores negros, é possível afirmar,
diante de um longo contexto histórico, que a produção de autoria negra tem se voltado
majoritariamente a poesia (de Miranda, 2019; de Oliveira; Rodrigues, 2022). Nesse sentido, no
Brasil, o romance tem sido espaço de pouca visibilidade, acesso e reconhecimento, visto que os
autores que ao longo do século XX puderam romper as barreiras e publicar um romance foram
pouco recompensados pelo feito.

No caso dos romances, as 48 obras publicadas apresentam maior pluralidade de origem,


mesclando publicações de países caribenhos e africanos, entretanto, ainda possuem certa
centralização nos Estados Unidos. Na Tabela 18, é possível mapear a origem dos autores dessas
obras de maneira geral.

118
Tabela 18. Livros de romance por nacionalidade

NACIONALIDADE ROMANCE
Angola 2
Brasil 5
Camarões 1
EUA 14
França 3
Gana 3
Itália/ Somália 1
Jamaica 2
Luanda 2
Martinica 1
Moçambique 1
Nigéria 7
Quênia 1
Ruanda 4
Suécia/Quênia 1
Total Geral 48
Fonte: tabela de autoria própria.

O mercado brasileiro tem buscado ativamente publicações fora do país, tornando o


cenário de traduções, como já discutimos anteriormente, alvo mais privilegiado de atuação.
Quando se trata das publicações gerais, o Brasil e os Estados Unidos possuem uma diferença
bem pequena entre si, no entanto, ao observar as publicações de romances essa diferença se
torna discrepante. Esse cenário reforça pesquisas e análises que apontam a baixa presença de
publicação de autores negros no gênero romance, como os trabalhos de Dalcastagnè (2021),
Eduardo de Assis Duarte (2011) e Fernanda Miranda (2019).

O cenário de baixa publicação de romances de autoria negra brasileira pode ser


observado sob duas perspectivas, a primeira delas vinculada as dimensões materiais e
econômicas que a produção e dedicação para escrita de um romance exigem de um autor negro.
Enquanto, a segunda está ligada à marginalização e à invisibilidade dos romances já publicados
por autores negros brasileiros, considerando a baixa circulação entre o mercado de editoras não-
negras. Quanto a essa discussão, Fernanda Miranda (2019) destaca que historicamente os
autores negros brasileiros se voltaram majoritariamente a produção de poesia, de modo que o
romance possui um lugar de baixo acesso e viabilidade, dado a dedicação financeira e de tempo
que esse tipo de trabalho exige. A escolha pela poesia passa por um lugar de oportunidade, o
lugar da produção literária possível. Em seu livro ela afirma:
119
Por certo, as características estilísticas da forma impõem exigências específicas sobre
cada suporte. Bem como as condições materiais de produção implicam objetivamente
na possibilidade da narrativa longa que exige tempo e dedicação da escritora ou do
escritor. Entretanto, ladeando o dado indiscutível da realidade social que afeta
objetivamente o trabalho intelectual dificultando a escrita em prosa, deve-se
acrescentar outro, tão material e objetivo quanto, para pensarmos a minoridade do
romance de autores negros no Brasil: o apagamento da voz negra é sistêmico, histórico
e concreto (de Miranda, 2019, p. 28).

Essa realidade atravessou a trajetória de uma série de escritores negros brasileiros ao


longo do século XX, de modo que a partir dos dados levantados nesta pesquisa noto que ela se
mantém. As condições raciais do contexto de estruturação do mercado editorial seguem
perpetuando e impondo certa discrepância na oportunidade de autores negros publicarem
romances, ainda que os autores brasileiros, em especial as mulheres negras, sejam maioria em
publicações gerais e seguem com baixa publicação no gênero.

Apesar da realidade estruturante do racismo brasileiro, encontramos ao longo da história


algumas obras de romance escrita por autores negros brasileiras, e Miranda (2019) segue
discutindo o nosso papel em resgatá-las e trazê-las para centralidade das discussões, “na
literatura de autoria negra o poema é majoritário, o romance é marginal. O silêncio sobre a
forma também é resultado do raro investimento da crítica em buscá-la” (de Miranda, 2019, p.
29).

Diante dessa realidade, destaco aqui, que a partir do levantamento dos dados, os cinco
autores brasileiros que publicaram um romance, entre os anos de 2011 e 2021, são José Faleiro,
Itamar Vieira Jr., Carlos Eduardo Pereira, Edimilson Pereira de Almeida e Davi Boaventura,
todos homens. A marca masculina nesse gênero remete a uma discussão feita por Jeferson
Tenório, no livro Escritos Negros: textos contemporâneos (2021), em seu texto intitulado As
confissões de um romancista negro. Ele faz uma reflexão crítica acerca do impacto de sua
própria vida pessoal em seu trabalho enquanto escritor, pensando seu papel enquanto
romancista negro a partir das constantes discussões sobre a negritude, proporcionadas por
Frantz Fanon.

A potente reflexão de Tenório nos faz questionar o lugar das trajetórias e das
experiências negras no romance brasileiro, já que em uma das passagens do texto ele narra o
momento em que essa compreensão se altera, ao dizer “fiquei paralisado porque não sabia de
algo importante: que a minha vida, as experiências que tinha vivido até ali poderiam ser
transfiguradas em ficção. Para mim, naquele momento, as vidas negras não importavam para a
literatura” (Tenório, 2021, p. 70). O vínculo entre o romance e a repercussão da história social
120
atravessam fortemente sua visão enquanto autor, apontando a urgência com que determinadas
narrativas históricas possam ser compartilhadas, narradas e lidas.

A oportunidade de escrever essas histórias e partilhar memórias coletivas, divididas


entre pessoas negras, evidencia a preocupação com que alguns autores contemporâneos têm
escrito seus romances e dando ao mundo uma nova perspectiva para enxergar a realidade. Ao
imaginar o que um romancista negro deseja, Tenório afirma:

Examinei minha vida até aqui e pensei que a única coisa que poderia fazer era
continuar escrevendo. Escrever é meu exílio cotidiano, uma fuga da vida que me
permite migrar de um eu para um outro que me habita. Ainda assim às vezes não sei
bem se o que faço é de fato literatura ou apenas o resultado de uma percepção precária
da vida. Olhando para trás, talvez eu consiga responder com mais segurança o que
afinal um romancista negro quer: um romancista negro quer é ser lido como literatura
(Tenório, 2021, p. 74).

A ênfase no reconhecimento e na valorização destacados pelo autor são genuínas,


entretanto, elas também são partilhadas por escritoras negras, que não figuram entre as cinco
publicações brasileiras de romance. Apesar das mulheres negras terem recebido mais espaço no
mercado literário nos últimos anos, quando tratamos do gênero romance essa realidade parece
ainda impermeável para as autoras brasileiras. Quando tratamos das constantes disputas teórico-
conceituais possibilitadas pela formação de intelectuais negras, enxergamos no romance de
autoria feminina negra uma arena de possibilidades narrativas. Acerca do lugar das autoras
negras na produção do romance, Miranda (2019) destaca:

Tomar a autoria de mulheres negras, interseccionada ao gênero romance, como centro


de organização do corpus textual implica em assumir que este corpo autoral fala por
si, mas, pelas suas próprias nuances, discursivas, perceptíveis na leitura comparada,
essa fala produz um campo diccional que interpela a própria nação e a posiciona no
lugar da escuta de atos-de-fala que dialogam com a História, posicionando a História
no centro duma arena discursiva onde se ginga com ela, atravessando-a e
recompondo-a: vias produtivas que rompem o silêncio nacional constitutivo (de
Miranda, 2019, p. 45).

Os desafios têm sido trilhados em busca do rompimento com o silenciamento da história


brasileira, para justamente a publicação de projetos literários que humanizem e sejam
construídos por essas autoras, enquanto, paralelamente, as condições materiais e simbólicas
para publicação desses livros sejam estabelecidas. No cenário brasileiro, ainda travamos uma
longa trajetória para a construção de oportunidades para que o gênero seja espaço de direito
dessas autoras, enquanto isso, o mercado busca em outros países obras que se alinhem a essa
mesma perspectiva. Na Tabela 19, é possível verificar que a relação entre romance, tradução e
origem fica ainda mais evidente quando pensamos o número de publicação de romance de
autoria feminina negra estadunidense.
121
Tabela 19. Romances publicados por autores estadunidenses

AUTORES OBRAS ANO


Beverly Jenkins Ventos de mudança 2021
Paul Beatty Slumberland 2019
Kiley Reid Na corda bamba 2020
Paul Beatty O vendido 2017
Jaqueline Woodson Um outro brooklin 2020
Tayari Jones Um casamento americano 2019
Zakiya Dalila Harris A outra garota negra 2021
Ta-nehisi Coates A dança da água 2020
Ta-nehisi Coates Leopardo negro, lobo vermelho 2021
Cynthia Bond Ruby 2017
Brit Bennet A metade perdida 2021
Brit Bennet As mães 2017
Ayana Mathis As doze tribos de Hattie 2014
James Hannaham Sabor Amargo 2021
Fonte: tabela de autoria própria.

Entre as 14 publicações de romance dos Estados Unidos, 8 autoras publicaram 9 dos 14


romances, demonstrando a abertura do mercado para autoria feminina negra estadunidense no
gênero, que sequer existe para autoras brasileiras. A dinâmica de curadoria e de trabalho das
empresas torna ainda mais difícil que as autoras brasileiras sejam encontradas sem conexões e
redes, autoras que têm trabalhado de forma independente e ocupado diferentes lugares do país.
O que os dados têm evidenciado é que elas ainda são desprivilegiadas de oportunidades, em
detrimento de autoras que vêm chanceladas, como os interlocutores destacaram, de fora do país.

Pensando a realidade de outros gêneros, as publicações de ficção científica (16), infantil


(14) e contos (12) vêm logo em seguida como os principais gêneros publicados por esses
autores. Observo que os dados de ficção científica estão muito mais atrelados ao desempenho
da editora Morro Branco, como discutimos no Capítulo 1, visto a quantidade de publicações
que a empresa tem trazido ao país. Enquanto as publicações de literatura infantil parecem ser
um caminho com grande potencial a ser explorado, mas que ainda aparece timidamente no
catálogo das empresas, dado que algumas editoras possuem seus próprios selos infantis e maior
interesse no gênero, trazendo mais histórias diversas e com representatividade em suas
publicações.

122
As obras de literatura infantil ocupam um pequeno espaço em diferentes editoras, em
especial Jandaíra e Boitempo, com três publicações, e Globo Livros, com quatro. Na Tabela 20,
podemos observar atentamente as autoras e autores negros do gênero.

Tabela 20. Livros infantis publicados

Editora Autores Obras


Boitempo Vita Murrow Lute como uma princesa
Boitempo bell hooks Minha dança tem história
Boitempo bell hooks Meu crespo é de rainha
Darkside Jean Basquiat A vida não me assusta
Darkside Maya Angelou A vida não me assusta
Globo Livros Marcel Tenório da Costa Alafá e a pantera que tinha olhos de Rubi
Globo Livros Gilberto Lacerda Santos Eduardo Peçanha e os misteriosos meninos
primos
Globo Livros Gilberto Lacerda Santos A história estranha de Eduardo Peçanha
Globo Livros Toni Morisson O que me diz, Louise?
Intrínseca Amanda Gorman Canção da mudança
Jandaíra Murilo Martins Eu era um pastor alemão
Jandaíra Midria A menina que nasceu sem cor
Jandaíra Bethânia Nascimento Betha a bailarina pretinha
Nós Allan da Rosa Zumbi assombra quem?
Fonte: tabela de autoria própria.

As publicações de literatura infantil têm uma divisão de gênero mais paritária, além de
apresentar obras de autores que se dedicam a outros gêneros também, desde contos até não-
ficção, em especial nos nomes presentes na tabela acima a maioria não se dedica
exclusivamente a publicação de literatura infantil. As conversas sobre o potencial literário de
obras infantis com enfoque racial marcam grande parte das discussões sobre educação feitas
pelos movimentos negros brasileiros, tendo em vista o desejo de que os currículos escolares e
as perspectivas históricas estabelecidas como oficiais fossem alteradas estiveram entre as
principais pautas dessas organizações ao longo do século XX.

Essa mobilização resultou na aprovação da Lei nº 10.639/2003, que alterava a Lei de


Diretrizes de Bases (LDB) e instituía o ensino de História e Cultura Afro-brasileira e Africana
nas escolas, abrindo espaço para um longo processo de formação e de discussão sobre os
aspectos que atravessam a história das relações raciais no país. Para Nilma Lino Gomes e
Rodrigo de Jesus (2013), a aprovação da lei

[...] sinaliza avanços na efetivação de direitos sociais educacionais e implica o


reconhecimento da necessidade de superação de imaginários, representações sociais,
discursos e práticas racistas na educação escolar. Implica, também, uma postura
estatal de intervenção e construção de uma política educacional que leve em
123
consideração a diversidade e que se contrapõe à presença do racismo e de seus efeitos,
seja na política educacional mais ampla, na organização e funcionamento da educação
escolar, nos currículos da formação inicial e continuada de professores, nas práticas
pedagógicas e nas relações sociais na escola (Gomes; Jesus, 2013, p. 22).

Diante desse contexto, uma longa e histórica discussão sobre a relação entre ensino e
questão racial tem sido vivenciada, incluindo o próprio universo da literatura infantil na
urgência por narrativas positivas sobre e para as crianças negras, bem como a necessidade de
que esses livros sejam lidos por meio dos currículos escolares. Para os pesquisadores Tarcia da
Silva e Ernani dos Santos (2020), um debate acerca da humanização das crianças negras
atravessa essa discussão, pois segundo eles “precisamos evidenciar a criança como sujeito
social que, ao mesmo tempo em que se forma, é também formado na trama das relações sociais,
constituindo-se a partir dessas relações uma criança e negra" (Silva; Santos, 2020, p. 48-49).

Na busca por referenciais positivos para a infância de crianças negras, a literatura


infantil tornou-se grande aliada nos desafios travados pela luta antirracista, sendo espaço para
que autores negros abordassem diretamente temáticas vinculadas à socialização dessas crianças,
dentro e fora das escolas. Em seu texto Literatura infantil e juvenil negra: o lugar da menina
negra, as pesquisadoras Ayodele Floriano Silva, Maria Fernanda Luiz, Anete Abramowicz
(2022) destacam:

Os livros de literatura infantil e juvenil, por meio de suas narrativas – texto e ilustração
– contribuem para que percebamos a existência de uma literatura infantil e juvenil
negra que, ao desconstruir o estereótipo das meninas negras, contribui para
reconfigurar o campo da literatura infantil e juvenil brasileira (Silva et al., 2022, p.
1681).

O papel dessas obras no rompimento com estereótipos negativos acerca da estética, da


história e das perspectivas de futuro para jovens negras é fundamental na construção de novas
narrativas para as crianças, atuando diretamente no desenvolvimento de autoestima mais sólida
e no resgate de contextos ancestrais antes não apresentados. Realidade que pode ser encontrada
nas obras de Midria, Bethânia do Nascimento, Amanda Gorman e bell hooks, livros que trazem
protagonistas que vivem sua própria jornada de autoconhecimento e de descoberta de sua
identidade negra, aceitação capilar e reconhecimento de sua história.

Essa possibilidade também se estende para as narrativas contadas sobre as experiências


de meninos negros, nos debates acerca da construção dessa masculinidade de forma plural
Tarcia da Silva e Ernani dos Santos (2020) ainda destacam a importância das obras em expor
as diferentes possibilidades de tornar-se homem, o respeito e o cuidado com as emoções, além

124
da formação de uma autoestima que se desvincule das imposições do racismo e do machismo
na vida destas crianças. Para eles,

[...] há múltiplas possibilidades para vivenciar, ser e existir como homem e negro,
como menino e negro, e os livros de literatura podem apontar esses caminhos [...]
dessa forma, desde a Educação Infantil, bebês, crianças bem pequenas e crianças
pequenas, meninos e negros, meninas e negras precisam ter a oportunidade de pensar
a si, o outro e o mundo a partir do reconhecimento e da valorização da sua identidade
de criança e negra (Silva; Santos, 2020, p. 58-59).

A partir dessa perspectiva, são as obras de literatura infantil arenas a serem exploradas
com mais força pelas empresas, por serem oportunidades de diálogo com um público que segue
ainda negligenciado, oportunizando novos olhares e perspectivas sobre a vivência de crianças
negras. Em meio a crescente de publicações de autoria negra, um universo literário infantil de
autoria negra tem sido ampliado, ainda que ele não esteja captado amplamente nessa pesquisa.
A extensa trajetória de editoras como Mazza, Malê, Pallas, entre outras, publicando obras do
gênero, enfatiza o comprometimento dos movimentos negros e aliados na publicação dessas
obras, entretanto, entre as empresas não-negras, essa adesão tem sido gradual e ainda muito
pontual, quando tem um grande potencial para angariar mais espaço.

A realidade da publicação de contos atravessa um lugar um tanto quanto interessante


nesse cenário, quando pensamos o histórico de publicações do Quilombhoje, observamos que
tanto conto como poesia são gêneros de grande produção negra entre as iniciativas geridas por
negros. Entre as publicações de conto das editoras não-negras, 11 são de autores brasileiros,
enquanto apenas uma delas é de Roxane Gray, autora negra estadunidense.

Tabela 21. Autores de contos publicados

EDITORA AUTORES OBRAS


Darkside Machado de Assis Medo Imortal
Dublinense Davi Boaventura 17 de Abril
Globo Livros Roxane Gray Mulheres difíceis
Jandaíra Rai Soares A mulher que pariu um peixe e outros contos
fantásticos de Severa Rosa
Nós Sacolinha Eu sou favela
Nós Paulo Lins Dois amores
Nós Allan da Rosa Reza de mãe
Nós Wallace Andrade Fragmentos de um homem só
Todavia Sacolinha Entre amar e morrer, eu escolho sofrer
Todavia Itamar Vieira Jr. Doramar ou a Odisseia: histórias
Todavia Edu Carvalho Na curva do S: histórias da rocinha
Veneta Allan da Rosa Águas de homens pretos
125
Fonte: tabela de autoria própria.

De acordo com a Tabela 21, as publicações do gênero reúnem obras de Machado de


Assis, Allan da Rosa, Sacolinha, Paulo Lins entre outros autores, tendo maior predominância
de autoria masculina, seguindo o mesmo perfil das obras de romance. Fazendo diálogo entre os
dois gêneros, vale destacar que Davi Boaventura e Itamar Vieira Jr. são os únicos autores a
publicar romance e conto, um feito um tanto quanto excepcional quando pensamos as barreiras
impostos aos autores negros brasileiros neste mercado. Em seu livro, Oliveira e Rodrigues
(2022) destacam que existe

[...] um silenciamento velado do campo editorial em relação ao autor negro ao menos


no que diz respeito aos gêneros conto e romance. Se esse silenciamento nem sempre
está explícito, por um outro lado ele pode ser percebido tanto pelo ‘pequeno’ número
de obras individuais de autores negros (quando comparamos com os autores não-
negros de nossa literatura), quanto pela desproporção entre autores negros e não-
negros presentes em nossas historiografias literárias tradicionais (de Oliveira;
Rodrigues, 2022, p. 80).

Nesse sentido, a periodicidade e a continuidade da publicação das obras desses autores


se tornam cada vez mais difíceis, criando certos hiatos no trabalho da escrita. Os autores ainda
destacam que essa condição está intrinsecamente relacionada ao acesso à escolarização tardia,
a herança escravista brasileira e a discussão sobre o aspecto simbólico na determinação de quem
deve ou não ser lido. Essa discussão remete a compreensão de que “o legado cultural negro
ficou às margens dos mecanismos de construção do prestígio e de circulação de bens
simbólicos” (de Oliveira; Rodrigues, 2022, p. 81). Nesse caso, as publicações de Davi
Boaventura e Itamar Vieira Jr. reafirmam a oportunidade de ambos os escritores em construir
redes e driblar as barreiras impostas para suas trajetórias, ainda destacaria que a própria
experiência de Itamar Vieira Jr. é singular por si só, frente ao histórico de publicações de autoria
negra no país.

Dentre todos os autores contistas, Rai Soares compõe a lista como única autora negra
brasileira, com sua obra A mulher que pariu um peixe e outros contos fantásticos de Severa
Rosa, tornando sua presença ainda mais marcantes nesta lista, pois foi com esta obra que a
autora foi finalista do prêmio Jabuti em 2021. Apesar de reconhecer o conto como um grande
espaço de insurgência feminina negra nos últimos 20 ou 30 anos, com as publicações de Cidinha
da Silva, Conceição Evaristo, Cristiane Sobral, Eliana Alves, dentre outras, enxergo que o
mercado tradicional não-negro aqui analisado pouco se voltou a essa produção feminina negra.
Realmente deixando de lado a grande potência e oportunidade que as produções de conto
escritas por autoras negras podem gerar e contribuir para o atual cenário do mercado.
126
Ao final, observo que, ainda que o número de autoras negras esteja crescendo
gradativamente, as hierarquias do campo literário seguem bem sólidas na marginalização de
autoras negras nesses gêneros, determinando sua ausência ou baixa presença de publicações.
Seja entre os autores brasileiros homens, quando analisamos as publicações de conto e romance,
ou mesmo, entre as autoras negras estadunidenses de maneira geral, as autoras brasileiras
enfrentam mais barreiras para inserção e para formação de redes que possibilitem seus acessos
aos editores e empresas.
Essa realidade evidencia que ainda entre os negros o gênero e a nacionalidade têm sido
fatores determinantes na publicação. Mesmo com o destaque do movimento feminista negro,
detectamos as nuances que impedem autoras negras independentes, e ainda não tão conhecidas
a nível nacional, de chegarem a essas empresas e publicarem.

3.1 Os desafios enfrentados pelos autores negros

A busca por espaço e por publicação no mercado literário tradicional atravessa as


diferentes trajetórias pessoais dos autores negros, entretanto, ao longo da pesquisa uma série de
barreiras e percalços foram apresentados, evidenciando que em alguns contextos eles são
afetados amplamente pelas imposições do gênero, da raça e da classe. Apesar de determinados
avanços em termos de espaço, visibilidade e em alguns contextos de lucro, ainda são grandes
as dificuldades travadas pelos autores no mercado.

Em um primeiro momento, cabe observar o acesso tardio aos quais os escritores negros
possuem no mercado, que se dá por meio da longa disputa travada em torno da possibilidade
do negro enquanto intelectual, autor e sujeito pensante. Para Luiz Henrique Oliveira e Fabiane
Rodrigues (2022), esse processo “trata-se de subverter a ideia de que o autor negro e suas
produções servem apenas como objeto de estudo ou de mercado para participar da construção
da fortuna crítica e dos processos de distribuição e produção gráfica” (de Oliveira; Rodrigues,
2022, p. 69). O reconhecimento desse lugar para a autoria negra possibilita a inclusão desses
sujeitos no mercado, dando visibilidade e circulação para o seu trabalho.

Esse processo chegou por etapas e atravessou gerações de autores, afetando diretamente
suas trajetórias e caminhos na literatura. Em Escritos negros: textos contemporâneos, a
escritora Cidinha da Silva narra sua percepção sobre o tema. Após ouvir uma palestra do
pesquisador e escritor Mário Medeiros, ela conta que:

127
O discurso do Mário era libertador: nossa formação tinha valor e podíamos, sim, ser
escritoras, escritores e intelectuais públicos, mesmo não tendo nascido em berços de
livros, mesmo não tendo lido os clássicos da literatura mundial (descobertos,
encontrados e acessados tardiamente) em edições de capa dura herdadas da biblioteca
dos pais, avós e outros parentes ainda mais longínquos na árvore genealógica (Silva,
2021, p. 123).

Sua fala valida os processos formativos vividos pelos autores negros, dando a devida
importância para essas trajetórias carregadas de outras origens, referências e contextos de
ensino que não são pautadas por uma perspectiva eurocêntrica, embranquecida e elitista. A
discussão feita por Mário Medeiros e confirmada por Cidinha da Silva reafirmam que a
validação e a legitimação dessas histórias podem produzir novas perspectivas, bem como
incentivar autores a publicarem. Entretanto, essa oportunidade não é garantia, visto que um dos
principais desafios da longa trajetória dos autores negros está vinculado a sua condição de
autoria independente, alheio ao suporte que um editor e sua empresa poderiam possibilitar. Em
entrevista para os pesquisadores Joelma Santana Siqueira e Vivaldo Andrade dos Santos (2017),
a escritora Miriam Alves relata os desafios cotidianos da profissão:

Como escritora negra, é um exercício de resistência e de persistência, porque existem


várias barreiras a serem quebradas. A primeira é passar pelo descrédito de que nós,
negros e negras, podemos escrever ficcionalmente, podemos fazer literatura e
publicar. Superada a primeira começamos a enfrentar a outra barreira, que é ir atrás
de editoras para fazer esse material chegar ao público leitor. Aí complica, porque,
normalmente, aquele primeiro descrédito de que você escreve mesmo, de que negro
escreve, passa a ser para publicar. O resultado do nosso material escrito nunca é
avaliado como tendo qualidade estética, uma qualidade literária para, como eles
falam, “o projeto editorial desta editora” (Alves, 2020, p. 198).

A fala da escritora explana que as barreiras impostas pelo racismo estão em todas as
etapas da carreira e da construção de um livro, principalmente atravessados pela ideia de que a
produção literária de autoria negra não é válida, bem construída e esteticamente qualificada.
Essa realidade distancia os autores do mercado tradicional, os empurra para construção de um
circuito alternativo e independente de publicação e divulgação das obras. Nesse caso, o autor
desempenha um papel múltiplo de atuação, pois ele é autor, editor, divulgador e vendedor de
suas próprias obras, Oliveira e Rodrigues (2022) destacam:

[...] percebemos, então, que, para além de seu papel como autor, ou seja, aquele que
escreve, o produtor da literatura de autoria negra brasileira muitas vezes atua como
editor de suas próprias obras, já que necessita dominar toda a cadeia de materialização
de seu discurso em livro (de Oliveira; Rodrigues, 2022, p. 70).

Essa realidade é constantemente partilhada por autores que publicam suas obras de
forma artesanal, que contam com financiamentos coletivos, recursos governamentais, entre
outras possibilidades de suporte que sequer passam pela oportunidade de publicação em uma

128
editora tradicional. As condições de classe nesse contexto dificultam a continuidade do
trabalho, somadas às barreiras raciais, o que podemos acompanhar são inúmeros relatos de
autores que trilharam longo caminho da autopublicação até serem bem recebidos por grandes
editoras.

A intrínseca relação entre a condição de classe e raça da população negra é discutida


por Cida Bento, quando explana sobre as nuances da colonização brasileira e o pacto da
branquitude, que para ela “a colonização europeia das Américas inaugurou um sistema mundial
capitalista que ligou raça, terra e divisão do trabalho, conferindo substância à relação de
dominação que se constituiu” (Bento, 2022, p. 36). Os reflexos diretos da experiência escravista
e sua reorganização na dinâmica capitalista impõem a esses autores uma realidade de
marginalidade não apenas em termos de produção literária, mas de recursos, detenção material
e econômica para publicação de seus livros sem depender dos grupos dominantes do mercado.

A dinâmica de dominação que se estabelece a partir desses marcadores raciais e de


classe impõem aos autores uma jornada dupla e talvez tripla para o acesso a oportunidades e ao
alcance, que muitas vezes escritores brancos conseguem com maior permeabilidade na
estruturação do mercado. Essa discussão é fortemente explorada por Lélia Gonzalez, em seu
texto A juventude negra brasileira e a questão do desemprego, a antropóloga analisa:

O privilégio racial é uma característica marcante da sociedade brasileira, uma vez que
o grupo branco é o grande beneficiário da exploração, especialmente da população
negra. E não estamos nos referindo apenas ao capitalismo branco, mas também aos
brancos sem propriedade dos meios de produção que recebem seus dividendos do
racismo. Quando se trata de competir no preenchimento de posições que implicam
recompensas materiais ou simbólicas, mesmo que os negros possuam a mesma
capacitação, os resultados são sempre favoráveis aos competidores brancos. E isso
ocorre em todos os níveis dos diferentes segmentos sociais. O que existe no Brasil,
efetivamente é uma divisão racial do trabalho (Gonzalez, 2020, p. 46).

Na tentativa de burlar a realidade imposta, os autores negros desenvolvem redes e criam


estratégias próprias, se dedicando a um trabalho coletivo e independente nas publicações de
seus pares e em busca de alternativas para longevidade do trabalho. Esse cenário contextualiza
a discrepância em termos materiais e políticos que impactam a publicação dessas suas obras.
Em entrevista para Mário Medeiros, o escritor Oswaldo de Camargo conta sobre as dinâmicas
por traz da publicação de seus livros:

Por exemplo: tem um livro meu que não saiu, que eu perdi, ia sair pela Martins, que
foi uma carta do Júlio Mesquita, me recomendando ao Martins. A Roswitha Kempf,
eu saí por lá, porque eu tinha amizade com Paulo Colina – que fez um livro com ela
– e eu cheguei e levei os textos; como era uma editora pobra, ela disse ‘se você me
trouxer a parte da composição, o resto eu faço’. Ela fez, eu fiz a capa. Sempre a gente

129
gasta alguma coisa. O que não gastei nada foi com O Negro Escrito [ensaio, 1987],
foi a Secretaria [de Cultura de São Paulo] que fez. O carro do êxito, o Estadão pagou
a parte gráfica – eu era funcionário – o Estadão mandou alguém ler. Esse alguém
aprovou o livro (Tennina et al., 2016, p. 119).

As mobilizações e as articulações em torno da publicação de suas obras deixam em


evidência que a oportunidade foi fortemente construída e articulada, a partir de suas próprias
redes. Bem como, expõe a dificuldade travada pelo autor na publicação de todos os livros,
excluindo a ideia de que essa situação seria pontual, criando, então, uma realidade assumida e
estabelecida sobre as imposições que a ausência de recursos, oportunidades e visibilidade que
acarretam a publicação de suas obras.

A rede de contatos torna-se ponto central para o acesso a alguns espaços e algumas
pessoas que podem viabilizar a publicação destes autores, para além dessa realidade, enxergo
que a publicação das obras de autores negros passa por um lugar da coletivização dos contatos,
das redes e das oportunidades. Além da indicação feita para editores, a realidade da carreira
literária de autores negros se confunde com as reivindicações coletivas, com sarais e coletivos
artísticos-literários, com expressões populares e periféricas da literatura em seus territórios. Isso
se reflete nas vendas, nos lançamentos, nas campanhas de financiamento ou na busca por
recursos para publicação, pode ser visto não só na experiência histórica dos Cadernos Negros,
mas também no cotidiano da atuação desses autores.

O trabalho coletivo reflete diretamente no aspecto político dessa produção, mas também
chama atenção para as estratégias e as ferramentas estabelecidas por autores, trabalhadores do
livro, editoras negras, professores e pesquisadores na inserção e disseminação das obras no
campo literário. Diante desse contexto, ainda que eles cheguem ao mercado tradicional, outra
disputa tem sido travada posteriormente, que está ligada ao reconhecimento e a memória de sua
produção. O histórico de autores que mesmo publicados seguiram invisibilizados pelas
gerações futuras é extenso, cabendo um esforço duplo de valorização do trabalho desses autores
em vida e após ela. A escritora Miriam Alves narra um acontecimento recorrente em sua
trajetória enquanto autora:

Nos meios formais, quando apareço agora, depois de quase quarenta anos de atividade
de escrita, com seis livros individuais publicados, várias participações em antologias
nos Estados Unidos, na Alemanha e alguma coisa na França também. Causa
admiração, aqui no Brasil, a minha trajetória literária, suscitando comentário: “Mas
eu nunca ouvi falar de você”. Não é porque você não ouve falar de mim que eu não
exista, com uma carreira como escritora e um reconhecimento internacional. A
diferença, é sobre o entendimento de visibilidade, se não está aparecendo nos meios
televisivos e outras mídias hegemônicas não existimos. Mas, existimos, fazemos

130
literatura, vendemos literatura, estamos sendo discutido lá fora, no exterior, e agora
dentro de algumas universidades aqui no Brasil (Alves, 2020, p. 199-200).

A dura fala de Miriam Alves, reforça significativamente que a popularização das obras
de autoria negra é recente, sua expansão para um público leitor que não acessou as obras
anteriormente causa situações como esta, quando uma escritora de mais de 20 anos de trabalho
é desconhecida pelo público em geral. A complexa dualidade entre esquecimento e a
visibilidade parece acompanhar as trajetórias de autores negros como um todo, de modo que as
disputas em torno da memória atravessam as discussões sobre literatura de autoria negra. Esse
aspecto vem sendo discutido por inúmeras autoras e pesquisadores, a escritora Cidinha da Silva
compartilha uma perspectiva interessante sobre a manutenção da memória da sua trajetória
enquanto escritora,

Tenho, também, me empenhado em construir uma história editorial da escritora negra


que sou, ou seja, me interessa documentar todos os meus passos, processos,
aprendizados, conquistas e estratégias para existir de maneira vitoriosa no mercado.
Este é um dos principais legados que intento deixar para as novas gerações: a
documentação da minha carreira literária (Silva, 2021, p. 132).

A estratégia adotada pela autora tem como intuito driblar a política do apagamento e da
invisibilização da produção de autoras negras, entretanto, seus registros não necessariamente
poderão garantir a disseminação de seus trabalhos e do reconhecimento que sua produção
efetivamente pode vir a receber. A ideia de uma história editorial da escritora abre portas para
um caminho interessante de mapeamento das trajetórias das autoras negras no mercado, desde
seus trabalhos independentes até a circulação por distintas casas editorais, dando espaço para
uma análise que se volte as estratégias, alternativas e redes criadas para permear novos espaços.
Como discutimos no Capítulo 2, os autores negros são grandes fontes de sugestões e de
indicações para editoras, um trabalho individual que acaba por coletivizar o acesso que um
escritor alcança, conectando autores e editoras.

Essa trajetória editorial de escritores negros se dá em um longo processo de formação


enquanto autor, de destaque frente as produções estrangeiras e na oportunidade que as empresas
enxergam em seus trabalhos. Seja uma grande editora, pequena ou média, os autores negros
precisaram construir diferentes alternativas para driblar determinadas barreiras. Sobre essa
resiliência e persistência, Cidinha afirma que “para nós nunca houve tempo bom, então não
pode haver tempo ruim” (Silva, 2021, p. 119).

131
3.2 Redes sociais e visibilidade

Ao tratar dos desafios e das novas perspectivas apresentadas para trajetória dos autores,
bem como para o próprio mercado literário, as redes sociais são um ponto de grande reflexão e
de centralidade nos últimos anos. Com o avanço da tecnologia, as redes sociais impactaram
diretamente a vida em sociedade, popularizando discussões, ampliando debates e permitindo
maior circulação de informação (Ferreira, 2019; Castells, 2005; Vermelho et al., 2015). Em
especial, voltada para a realidade do mercado literário brasileiro, as redes sociais reformularam
o impacto que a literatura tem na comunidade leitora, apresentaram as editoras novos espaços,
propostas e possibilidades de divulgação de obras. Neste cenário online, uma nova arena de
debate da questão racial se abriu, garantindo certa repercussão e a amplitude de discussões sobre
racismo no mercado editorial.

Nessa perspectiva, gostaria de pensar a relação das redes sociais com o universo dos
livros a partir dos três principais segmentos envolvidos nesse processo, são eles: os
trabalhadores do livro e editoras, os criadores de conteúdo e leitores, e por fim, os próprios
autores. Diante dos reflexos do impacto direto que as redes sociais como Instagram, Facebook,
Twitter, YouTube, e mais recentemente o TikTok, tiveram no mercado um novo panorama que
se estabelece em termos de visibilidade, abrindo espaço para que essas redes sejam utilizadas
como ferramenta central de alcance e divulgação das obras.

Para os autores, a possibilidade de circulação, divulgação e de autonomia na construção


de sua própria imagem garantiram, de certa forma, um público ativo que acompanha o trabalho
e circula online entre sua própria rede as obras e publicações. Acerca dessa dinâmica online,
Esmeralda Ribeiro afirma que:

Quando sabemos usá-la a nosso favor, sim. Redes sociais ainda são um tabu para
algumas pessoas da comunidade negra, como também para autores e autoras. Muitos
não dão a mínima importância. Mas é preciso estar conectado, porque ajuda a divulgar
a nossa produção. Ajuda os pesquisadores a nos encontrar. Ajuda-nos a sermos
convidados para ministrar palestras ou cursos em universidades de toda parte do Brasil
e no exterior. Auxilia-nos a conhecer, por meio de vídeos, a forma contemporânea de
declamar poesia. As redes sociais, para a literatura negra, levam nossa produção para
além-mar, por meio das bandas largas em alta velocidade. Agora não tem como nos
parar (Frederico et al., 2017, p. 278-279).

A visão destacada por Esmeralda Ribeiro aponta para a autonomia e o alcance que os
escritores têm para criarem suas próprias plataformas, participarem de eventos, circularem por
espaços com maior amplitude, do que necessariamente conseguiriam pessoalmente. Se fazer
presente nestas redes permite que novas relações sejam formadas, uma nova dinâmica é
132
estabelecida a partir das ferramentas da plataforma e dos encontros possíveis que ela propicia
para pessoas interessadas nas temáticas trabalhadas pelos autores, e não acessariam essa
produção em outro contexto. Nesse sentido, observo que “se fazer visível” nas redes sociais,
possa ser uma interessante estratégia de expansão do trabalho dos escritores.

Em especial, observo que para autores mais jovens, as redes sociais têm sido a principal
ferramenta que conecta seu trabalho com os leitores, quando observamos a produção
contemporânea brasileira voltada para literatura jovem de vários gêneros distintos, a ponte
estabelecida entre o público e o autor se torna cada vez mais próxima através das redes sociais.
A familiaridade com o universo online entre a própria geração facilita com que as relações
sejam estabelecidas, rompendo certa barreira e distanciamento estabelecido para figura do
escritor como distante e inalcançável para seu próprio público. A inteiração entre autor e leitor
através das redes sociais tem contribuído para popularização da leitura, a disseminação das
obras e aberto portas para autores negros independentes.

Apesar do alcance que as redes possibilitam, enxergo que essa mesma relação se torna
complexa por muitos fatores, mas gostaria de me ater a duas principais discussões, as condições
de trabalho e os desafios do racismo nas redes sociais. Acerca das condições de trabalho, se faz
necessário pensar nas inúmeras tarefas e atividades profissionais que agora passam a ser
fundamentais e obrigatórias, em muitos contextos, para que seu trabalho seja visibilizado. A
cobrança por se fazer presente e disponível online exige dos autores mais um desdobramento,
entre tantos já estabelecidos, quando falamos sobre escrita, planejamento, publicação e
lançamento das obras.

Enxergo que essa nova demanda se soma às condições de trabalho desfavoráveis e não
remuneradas realizadas pelo escritor, de modo que o escritor se vê preso a essa divulgação
online realizada por ele para que sua obra seja vista, sem qualquer estrutura ou apoio de
profissionais capacitados. Ainda que pessoalmente, cada escritor se sinta aberto ou não a
naturalização desse trabalho extra, enxergo que o desafio, nesse sentido, tem sido conciliar essa
dinâmica entre estar online ou offline, sem tornar cada vez mais marginalizada sua própria a
produção.

Para os autores negros, o trabalho de estar online ativamente se vincula a forma com
que as redes sociais também são espaços de reprodução e produção do racismo. Para o
pesquisador Tarcísio Silva (2020), há certa urgência na análise e na denúncia dos elementos

133
racistas que permeiam a construção de algoritmos, na forma com que as redes sociais
possibilitam e criam espaços de constantes micro agressões e violência racial contra minorias
(Silva, 2020). O autor discute um conceito interessante de racismo algoritmo, que explicita os
aspectos sociais e culturais que atravessam o desenvolvimento de algoritmos, formulação de
bases de dados e programas tecnológicos. Seu trabalho volta a discussão do racismo online,
para os sujeitos que programam e investem na formulação das tecnologias que reforçam
aspectos racistas, bem como responsabilizam as próprias empresas pelo ambiente que acaba por
determinar e impulsionar práticas racistas online.

Logo, as redes sociais são mais um espaço de disputa para população negra, elas não
estão isentas dos reflexos socioculturais vividos fora das telas, mas o impacto que as redes
sociais, em especial após a pandemia da Covid-19, trouxeram para comunicação e divulgação
de produtos, obras e trabalhos em geral, não podem ser ignorados pelos autores. Apesar do
aspecto conflituoso, as experiências recentes têm mostrado que estar visível online tem
garantido bem mais alcance e acesso para os autores. Isso também se dá porque as redes sociais
são arenas de divulgação e de produção de conteúdo voltados ao incentivo à leitura, ao
compartilhamento de experiências de leitura conectando leitores do país todo por intermédio
do interesse pelos livros.

Nesse sentido, chamo atenção para o trabalho desenvolvido por criadores de conteúdo
e divulgadores científicos na popularização da leitura entre os jovens, mediante resenhas,
indicações e comentários sobre as obras (Ferreira, 2022). Em meio a vários gêneros literários,
diferentes tipos e formatos de conteúdo, os criadores compartilham com seus seguidores
impressões e opiniões sobre as obras, em alguns contextos essa divulgação atravessa
perspectivas mais ligadas à dimensão estética e à crítica da obra; em outros, caminha para uma
relação pessoal e subjetiva do vínculo criado com a história.

Quando pensamos a estreita relação entre as mobilizações sociais e a popularização dos


conteúdos literários na internet, enxergo que estes criadores foram diretamente impactados
pelas transformações sociais aqui discutidas, são em muitos contextos frutos das políticas de
ações afirmativas, do acesso ao ensino superior, ligados a comunidade LGBTQIAPN+ que se
dedicam e se interessam pela disseminação desta produção literária, que há muito tempo estava
marginalizada. Nesse sentido, esses criadores são parte do coro feito pela mudança, na cobrança
por posturas editoriais e de marketing mais progressistas e antirracistas no mercado.

134
Através do trabalho de divulgação e de visibilização de livros, os criadores de conteúdo
estabelecem pontes e estratégias de comunicação, no que tange a divulgação de autores negros,
e observo que o trabalho exercido por criadores de conteúdo negros tem aberto portas e
demonstrado aos demais criadores a importância do olhar diverso na divulgação e na leitura das
obras. Em muitos contextos, a presença desses criadores dinamiza e insere discussões antes
invisibilizadas pela comunidade literária nas redes sociais, complementando as mobilizações
levantadas fora das redes. O trabalho exercido por esses comunicadores se soma às demais
instâncias do campo literário, possibilita mobilizações, se vincula a novas linguagens e formas
de comunicar aos leitores.

Para as editoras, a plataforma construída por esses criadores e pelos próprios autores
tem sido utilizada em direção a venda, ao marketing e a divulgação das obras. O espaço online
se encaixa como um potente lócus de investimento, por meio das ferramentas digitais, a
circulação das obras se dá de maneiras diversas, seja por via do investimento financeiro para
publicidade e/ou patrocínio, seja nas parcerias e envios gratuitos, até mesmo nos eventos online
e nas conversas que podem ser estabelecidas.

Enxergo que um novo cenário de trabalho foi apresentado a essas empresas com o boom
das redes sociais, marcados por aspectos positivos e negativos que a visibilidade traz. Também,
destaco esse ponto justamente porque com o novo alcance que as empresas possuem, as reações
do público com relação às ações das editoras são mais visíveis e amplificadas, pela mesma
circulação que as redes sociais possibilitam. Nesse sentido, para as empresas, o desafio tem sido
maior e mais complexo, justamente pela atenção redobrada ao trabalho realizado e pela
necessidade de manter-se alinhado aos parâmetros estabelecidos pelas reivindicações sociais.

Esse tópico por si só é extenso e complexo, justamente porque as redes sociais se


tornaram mais um fator desorganizador das práticas estabelecidas no campo literário. Dessa
forma, destaco a importância que as redes sociais tiveram nos últimos anos para as mudanças
vivenciadas pelos autores, editoras e pelos criadores de conteúdo. Entretanto, não podemos
ignorar os desafios que as redes sociais, somadas à dinâmica capitalista e neoliberal de mercado,
trazem para a democratização das informações e do trabalho com o livro. Estamos diante de um
novo tempo para este mercado, que também será construído intrinsecamente através das
dinâmicas estabelecidas nas redes sociais.

135
CONCLUSÃO

A presente pesquisa pretendeu apresentar um panorama atual sobre o mercado editorial


brasileiro de editoras não-negras, a partir do levantamento das publicações de autores negros
nos últimos 10 anos. Por meio dos dados e das trocas partilhadas pelos interlocutores, um
cenário mais amplo foi apresentado, destacando o vínculo entre o mercado editorial brasileiro,
as mobilizações sociais de movimentos negros brasileiros e a experiência racial na formação da
sociedade. Em um primeiro momento, o cenário histórico de publicação e de inserção de autores
negros foi exposto, evidenciando a baixa presença, os casos de racismo e as duras
transformações que eventos e empresas precisariam realizar para maior inclusão.

O extenso histórico de marginalização e de exclusão se relaciona diretamente com as


reflexões de Cida Bento (2022), sobre as tentativas de manutenção do pacto da branquitude,
dadas as dificuldades de inserção e de abertura para um diálogo horizontal acerca da baixa
presença de autoria negra no mercado literário e no campo cultural. Desse modo, os dados
discutidos no Capítulo 1 pretendiam adicionar mais algumas camadas a análise sobre o racismo
no mercado editorial, observando as estratégias, os estilos e as escolhas políticas de cada editora
frente a essa questão. Divididas por porte, refleti de forma crítica sobre o lugar dessas editoras
na estrutura e sua atuação frente a outras empresas de mesmo tamanho.

Para empresas de pequeno porte, compreendo que o lugar de autonomia e de pesquisa


se volta justamente para autores que não receberam grandes oportunidades, essas empresas têm
se engajado na pauta e buscado abrir espaço para autores negros, seja com a criação de selos
literários e clubes de assinaturas, seja por meio de políticas editoriais feministas. Entretanto,
apresentam menor poder de ruptura ou reformulação do mercado, quando comparadas a médias
e a grandes editoras tradicionais. Elas exercem um trabalho de impacto voltado ao longo prazo,
uma atuação em menor escala, mas ainda de grande importância, oportunizando novas
experiências aos autores negros.

Para as editoras de médio porte, a realidade se estabelece em uma dinâmica de meio


termo. Enquanto são editoras jovens, que acompanharam ou surgiram em meio as
reivindicações sociais, seus resultados não apresentam necessariamente grandes mudanças de
parâmetros quando comparadas a grandes editoras. Em alguns casos, algumas delas possuem
perfil de baixa publicação e uma tendência de análise do mercado muito similar a de grandes
136
editoras, ainda que não detenham o mesmo acesso a capital quanto as maiores empresas. Neste
caso, enxergo que essas empresas parecem ter poder de agência bem grande, mas ainda estão
vinculadas aos moldes tradicionais, embranquecidos e padronizados do mercado, possibilitando
mudanças em uma escala muito menor do que poderiam (Bordieu, 2017).

Já a realidade das grandes editoras é discrepante, em termos de recursos e capital


simbólico, pois elas detêm a legitimidade das práticas e da dominação frente a organização do
próprio mercado, de modo que os números refletem a postura de manutenção e pouca
transformação que essas empresas empregam em seus catálogos. A publicação de autores
negros nessas empresas parece tardia frente ao panorama geral, caminha de forma muito
específica, orientada por investimentos pontuais e tendências de mercado. Seja explorando um
nicho já estabelecido pela empresa ou em busca de um padrão de publicações e obras que
possam atender ao seu público, sem curadoria ou pesquisa mais ampla que diversifique seus
catálogos.

Entre todos os portes, as experiências são diversas entre si, já que as empresas possuem
trajetórias e se dedicam a públicos distintos, entretanto, é possível enxergar a padronização e a
historicidade das práticas estabelecidas. Em diálogo com Bourdieu (1996), essa dinâmica pela
dominação e imposição das práticas determina a marginalidade que alguns grupos possuirão no
próprio campo literário. Neste caso, enxergo que a estruturação racial do mercado literário
atravessa não só as práticas editoriais e políticas de publicação das editoras, mas suas relações,
discursos e visões do que é literatura.

As entrevistas foram um meio fundamental para dimensionamento destas nuances e


possibilitaram a compreensão do aspecto relacional. Essa perspectiva me levou ao mapeamento
do impacto direto das relações pessoais e profissionais no cotidiano do trabalho, na construção
de uma barreira impermeável entre os editores, suas empresas e os autores negros. A partir
disso, pude explorar no Capítulo 2 os aspectos raciais explícitos na rede de contatos, nas
trajetórias e no ciclo de amizades que caminham cotidianamente no trabalho das empresas. Isso
evidencia que a presença dos autores negros em catálogos está diretamente vinculada as redes
de contatos e submetida ao pacto da branquitude, estabelecido pelos profissionais do mercado,
de maneira consciente ou não.

Enxergar esse processo é primordial para desvendar camadas subjetivas que estão
relacionadas aos números, uma teia de ações e estratégias precisam ser desenhadas para que um

137
autor negro seja publicado. Inúmeros são as histórias e as narrativas destacadas aqui que
demonstram esse processo. Ou seja, mesmo uma editora progressista que se vincule ao tema e
tenha claro desejo em romper com as barreiras do racismo, lidará com os empecilhos
institucionais e estruturais que o racismo impõe ao trabalho dos autores negros. Nesse sentido,
é de grande importância que enxerguemos os catálogos de forma propositiva, crítica e política,
pois seu desenho e resultado são produto de um conjunto de anseios, desejos e realidades
concretas do compromisso que a empresa possui com a questão racial, diversidade e
representatividade negra literária.

Entretanto, optei por analisar o posicionamento da empresa sob perspectiva ampla frente
ao mercado capitalista e a monetização que a adesão à diversidade racial pode proporcionar,
sendo que em termos concretos existe uma linha tênue e muito pouco visível que pode separar
o trabalho de transformação desenvolvido por algumas empresas e o anseio por algo superficial
e temporário. Essa questão se tornará mais explicita ao longo dos anos, porque a dissociação
entre os dois casos será possível a partir da observação de um trabalho de longo prazo que reflita
não só as publicações pontuais, mas toda a cadeia da publicação do livro da qual essa empresa
faz parte. Logo, as práticas de contratação, organização de eventos, de tradução, entre outras,
poderão ser repensadas com intuito de possibilitar a maior circulação destas obras no mercado.

O interesse das publicações atravessa as reivindicações feministas, aqui com ênfase no


feminismo negro, determinando gênero e a nacionalidade como fatores centrais para
publicação, quando se trata de autoria negra. As empresas têm adotado a recorrente prática de
tradução e de publicação majoritariamente feminina negra e estadunidense, em detrimento de
uma perspectiva mais diversa em termos de origem, quando tratamos da diáspora negra nas
Américas. Em meio a dominação imperialista estadunidense a partir da língua, do poder
econômico e cultural, as empresas se voltam com muita rapidez e conforto para esse mercado,
criando um cenário de concentração, pouca pluralidade literária e científica, quando pensamos
a experiência negra.

Essa questão dialoga com os aspectos históricos que vinculam o movimento negro
brasileiro e estadunidense, marca a relação direta entre os intelectuais de ambos os países, mas
também evidencia o lugar de invisibilidade das autoras negras brasileiras, bem como a
desvalorização destas produções. Os pequenos avanços em termos de publicação no período,
quando delineados por gênero literário e origem, reforçam os desafios trilhados pelos autores
negros brasileiros quando recepcionados pelo mercado literário do país.
138
Essa dinâmica caminha em direção ao reconhecimento da pluralidade literária, do
projeto democrático e humanizador que atravessa o direito a escrita (Miranda, 2019). Em
termos de memória e de legitimidade, estamos falando de um investimento em pesquisa,
curadoria e publicação de autoria negra em vários gêneros, estilos literários, formatos e
empresas de diferentes portes. Ampliando os diálogos entre a diáspora negra nas Américas, em
especial para a vasta produção nacional, com intuito de romper com barreiras editoriais
pautadas na própria dinâmica colonial e escravista do país.

Logo, no Capítulo 3, explorei diretamente a complexa relação de disputa que está


imposta em meio a perspectiva plural da produção negra, por meio dos gêneros romance, não-
ficção e conto. Ainda que possamos ver perfis editoriais mais inclusivos, também nos
deparamos com a concentração masculina em gêneros como romance e contos, enquanto as
autoras negras brasileiras seguem à margem destas produções. O detalhamento dos dados impõe
a essa pesquisa camadas complexas em torno da inserção dos autores negros que não estão
apenas vinculadas a publicação, mas ao de formato, a temática e aos gêneros literários de seus
livros.

Quando abordamos historicamente o impacto do romance para literatura,


compreendemos os aspectos sociais e políticas por traz da importância do acesso e publicação
de autoras negras brasileiras por empresas de diferentes portes. A partir dos diálogos com
Fernanda Miranda (2019), Luiz Henrique Oliveira e Fabiane Rodrigues (2022), enfatizo que o
desafio para transformação profunda e histórica na publicação de autores negros no país
atravessa concepções prévias e definidoras do próprio campo literário, seus embates simbólicos
e econômicos frente ao trabalho da escrita.

Os desafios e percalços para a continuidade do trabalho de autores negros são vários e


são vivenciados em diferentes escalas, seja no âmbito econômico e relacional, ou até mesmo
no trabalho de construção de imagem feito através das redes sociais. Estamos acompanhando
uma recente transformação que ainda pode ser mais bem delineada, mais profunda e construída
de forma coletiva em direção a novos horizontes da publicação de autores negros no país.
Atualmente, colhemos frutos do espaço aberto com as gerações anteriores, entretanto, esse
momento curto é ainda uma janela de oportunidade para a construção de algo duradouro, para
uma política reparadora dos tempos, histórias e trajetórias marginalizadas.

139
Dessa forma, pois, precisamos de uma reestruturação profunda que atravesse os
processos editoriais de maneira geral, que possibilite a construção de novas redes e que troque
entre editoras e autores, ocupando espaços antes restritos. Que parte deste processo também
seja construído por editores e profissionais do livro negros, com a devida remuneração e a
valorização do trabalho, que coletivamente possamos empurrar os olhares e os horizontes de
atuação para outras origens, saberes e perspectivas literárias. Por fim, enxergo que essa análise
me permite reconhecer os esforços e as estratégias de todos os autores que chegaram aqui e
fazer uma reivindicação pelos autores que ainda virão pela frente.

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