Contribuciones 318
Contribuciones 318
RESUMO
Enquanto alguns defendem legítima nos moldes atuais para proteger herdeiros necessários,
garantindo justiça e segurança econômica, outros argumentam que ela deve ser modificada pois
restringe a liberdade testamentária, prejudica a gestão do patrimônio e está obsoleta. Nesse
contexto, o artigo busca explorar as bases teóricas e argumentativas que sustentam a perspectiva
da modificação da legítima no ordenamento jurídico brasileiro. A par disso, o presente estudo
constatou que a destinação cogente de uma porcentagem fixa do patrimônio aos herdeiros
necessários reduz significativamente a autonomia privada dos testadores. Outrossim, o artigo
também evidenciou que a justificativa tradicional da legítima, centrada na subsistência de
descendentes jovens, tornou-se obsoleta devido às mudanças sociodemográficas. Atualmente, os
filhos herdam bens em idades mais avançadas, contrariando a ideia de limitar a vontade do
testador. Assim, o texto enfatiza a necessidade de uma análise sistêmica e uma atualização das
normas sucessórias para adaptar a legislação à realidade contemporânea e aos princípios
constitucionais. A reflexão apresentada sugere que as normas vigentes precisam evoluir para
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atender às transformações nas estruturas familiares, nas relações afetivas e nas expectativas
individuais em relação à propriedade e herança.
ABSTRACT
While some argue that it is legitimate in its current form to protect necessary heirs, ensuring
justice and economic security, others argue that it must be modified as it restricts testamentary
freedom, harms the management of assets and is obsolete. In this context, the article seeks to
explore the theoretical and argumentative bases that support the perspective of modifying the law
in the Brazilian legal system. In addition, the present study found that the cogent allocation of a
fixed percentage of the estate to the necessary heirs significantly reduces the testators' private
autonomy. Furthermore, the article also showed that the traditional justification of legitimacy,
centered on the subsistence of young descendants, has become obsolete due to sociodemographic
changes. Currently, children inherit assets at older ages, contradicting the idea of limiting the
testator's will. Thus, the text emphasizes the need for a systemic analysis and an update of
succession rules to adapt legislation to contemporary reality and constitutional principles. The
reflection presented suggests that current norms need to evolve to meet changes in family
structures, emotional relationships and individual expectations in relation to property and
inheritance.
Keywords: legitimate inheritance, private autonomy, wealth management, legal and social
incompatibility, revision.
RESUMEN
Mientras que algunos sostienen que es legítima en su forma actual para proteger a los herederos
necesarios, garantizando la justicia y la seguridad económica, otros sostienen que debe ser
modificada, ya que restringe la libertad testamentaria, perjudica la gestión de los bienes y es
obsoleta. En este contexto, el artículo busca explorar las bases teóricas y argumentativas que
sustentan la perspectiva de modificación de la ley en el ordenamiento jurídico brasileño. Además,
el presente estudio constató que la atribución cogente de un porcentaje fijo del patrimonio a los
herederos necesarios reduce significativamente la autonomía privada de los testadores. Además,
el artículo también demostró que la justificación tradicional de la legitimidad, centrada en la
subsistencia de los descendientes jóvenes, ha quedado obsoleta debido a los cambios
sociodemográficos. Actualmente, los hijos heredan bienes a edades más avanzadas, lo que
contradice la idea de limitar la voluntad del testador. Así, el texto subraya la necesidad de un
análisis sistémico y de una actualización de las normas sucesorias para adaptar la legislación a la
realidad contemporánea y a los principios constitucionales. La reflexión presentada sugiere que
las normas actuales deben evolucionar para responder a los cambios en las estructuras familiares,
las relaciones afectivas y las expectativas individuales en relación con la propiedad y la herencia.
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1 INTRODUÇÃO
A morte, inescapável e universal, desencadeia uma série de eventos legais que são
intrinsecamente relacionados à transferência de relações jurídicas de uma pessoa falecida para
outras. Nesse contexto, o direito sucessório surge como o fenômeno legal que emerge a partir
desse momento e envolve a distribuição dos bens e ativos do falecido para seus herdeiros, bem
como a nomeação de sucessores para titularizar suas relações jurídicas.
Essa relação (entre a morte e o direito sucessório) pode ser estreitamente correlacionada
com o conceito de legítima. A legítima sucessória, também conhecida como reserva legal, é a
fração de bens que a lei determina como parte indisponível do patrimônio do falecido, destinada
a herdeiros necessários como cônjuges, ascendentes e descendentes. Tal previsão desempenha
um papel fundamental na proteção dos interesses familiares para equilibrar a autonomia
testamentária com a proteção dos direitos dos herdeiros necessários, visando à estabilidade e
harmonia nas relações familiares.
Entretanto, a existência da legítima não está isenta de reflexões. A dualidade entre críticas
e elogios estabelece um desacordo moral razoável dentro da sociedade e da comunidade jurídica.
Enquanto alguns argumentam que a legítima é essencial para proteger herdeiros necessários,
garantindo a justiça e a segurança econômica, outros sustentam que essa reserva legal restringe
indevidamente a liberdade testamentária e, em alguns casos, prejudica a eficiência na gestão do
patrimônio.
A partir desse panorama, e considerando a academia como um espaço dialógico como
decorrência da própria essência democrática, este artigo tem como objetivo explorar as bases
teóricas e argumentativas que sustentam a perspectiva de que a legítima deve ser modificada no
ordenamento jurídico brasileiro.
Para isso, estruturaremos o artigo em três seções: a primeira será dedicada à
contextualização da legítima sucessória; a segunda será a abordagem da mitigação da autonomia
privada patrimonial; e a terceira será a abordagem da (in)compatibilização da legítima diante das
modificações legais e estruturais da sociedade.
Nossa abordagem metodológica será dedutiva, o que nos permitirá analisar as correntes a
partir de uma perspectiva lógica e argumentativa. Ao adotar esse método, buscamos promover
uma análise clara e sistemática sobre o assunto, a fim de contribuir para um entendimento mais
profundo e informado da legítima sucessória no contexto do direito brasileiro.
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2 BREVES LINHAS SOBRE A LEGÍTIMA NO DREITO BRASILEIRO
No âmbito do direito sucessório, a legítima decorre de imposição da norma jurídica e se
refere à parcela da herança a que certos herdeiros têm direito por disposição legal, independente
da vontade do falecido, uma vez que o legislador presume a vontade do de cujus. A previsão é
amplamente regulada pelos códigos civis de várias jurisdições, mas para fins de contextualização,
abordarmos a legislação brasileira, onde a previsão encontra amparo Constitucional e
infraconstitucional.
A Constituição Brasileira, em seu artigo 5º, inciso XXX, estabelece que "é garantido o
direito de herança" (BRASIL, 1988). Primeiro, é importante estabelecermos que o direito à
herança deve ser distinguido do direito a suceder alguém, pois antes do falecimento não existe
um direito de sucessão direito consolidado, e sim uma mera expectativa de direito, sendo apenas
uma possibilidade futura. Se a lei, por exemplo, antes da abertura da sucessão, estabelecer
restrições na ordem de sucessão, ou se um possível herdeiro falecer antes do de cujus (a pessoa
falecida), aquele que poderia ter sido herdeiro deixa de sê-lo (LOBO, 2014).
A Constituição não aborda a sucessão de forma geral, bem como também não define quem
são os herdeiros, deixando essa definição para o legislador infraconstitucional. A Carta Maior se
concentra especificamente na herança, elevando à um status de garantia constitucional o direito
daqueles que se qualificam como herdeiros do falecido.
Nesse panorama, costuma-se dizer que o legislador infraconstitucional está limitado pelo
propósito social da norma constitucional, que é proteger as pessoas que possuem relações
familiares ou de parentesco próximas com o autor da herança. Os legatários, por exemplo, sejam
pessoas físicas, jurídicas, entes ou entidades não personificadas, ainda que possuam laços
estreitos com o de cujus, são considerados sucessores, mas não se qualificam como herdeiros
necessários.
Além disso, a Constituição também aborda indiretamente o direito de herança em seu
artigo 226, § 6º (BRASIL, 1988), que estabelece a proteção do patrimônio familiar como um dos
princípios do direito à moradia. Esse princípio está relacionado às regras de herança que visam
proteger a habitação da família, evitando que ela seja objeto de partilha em casos de sucessão.
Pela legislação infraconstitucional, de acordo com o artigo 1.846 do Código Civil
brasileiro, a legítima corresponde à metade da herança, sendo que a outra metade denominada de
"quarta parte disponível". A metade destinada à legítima é devida aos herdeiros necessários, que
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são os descendentes, os ascendentes e o cônjuge sobrevivente, sendo permitido ao testador dispor
livremente da "quota parte disponível".
Se o testador não utilizar completamente a parte disponível de seu patrimônio, o
remanescente é acrescido à legítima dos herdeiros necessários. A porção denominada legítima
está associada ao direito do herdeiro, enquanto a parcela disponível está relacionada ao ato do
testador, representando aquela metade do patrimônio que ele pode dispor (VENOSA;
RODRIGUES, 2019).
Tais herdeiros têm um direito inalienável à legítima, que não pode ser suprimida ou
reduzida pela vontade do testador. Conforme o artigo 1.851 do Código Civil brasileiro, qualquer
disposição testamentária que vise prejudicar a legítima dos herdeiros necessários é considerada
nula (BRASIL, 2002).
Portanto, a legítima no direito sucessório representa a parte da herança que a lei reserva
aos herdeiros necessários, protegendo-os contra eventuais tentativas de exclusão ou preterição
por parte do testador. Esta é uma pedra angular do sistema sucessório, visando equilibrar a
autonomia de disposição do patrimônio com a proteção dos interesses familiares, como
preconizado no ordenamento jurídico brasileiro.
A par dessas noções introdutórias, mesmo se reconhecendo a importância do instituto, a
sua existência jurídica não está isenta de críticas. Dentre os posicionamentos, temos, de um lado,
a defesa de que a legítima é vital para preservar os direitos dos herdeiros necessários, assegurando
justiça e estabilidade econômica no seio familiar, enquanto outros argumentam que essa reserva
legal limita indevidamente a liberdade testamentária e, em certas situações, prejudica a eficácia
na administração do patrimônio.
Essa dualidade entre críticas e elogios cria um desacordo moral razoável1 na sociedade e
no meio jurídico, e por isso a análise crítica das diferentes perspectivas é fundamental para o
aprimoramento contínuo do direito, permitindo que se leve em consideração uma variedade de
pontos de vista éticos e jurídicos.
1
Um "desacordo moral razoável" refere-se a uma situação em que pessoas éticas e bem-intencionadas podem ter
perspectivas diferentes ou opiniões divergentes sobre uma questão moral específica. Essa expressão sugere que,
embora haja discordância, as posições mantidas por cada parte são fundamentadas em razões ou argumentos válidos,
e não simplesmente em preconceitos ou falta de consideração. Em outras palavras, é uma discordância na qual ambos
os lados têm justificativas plausíveis para suas visões, criando uma condição de respeito mútuo pela diversidade de
opiniões morais.
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Nesse contexto, o presente artigo se propõe a discutir os dois principais argumentos contra
a manutenção da legítima nos moldes atuais (de 50%): a possível violação à autonomia privada
dos testadores e uma possível incompatibilidade da legítima ao ordenamento jurídico com os
contornos dados pela Constituição Federal de 1988.
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ou ruim para si mesmo, e essas escolhas devem ser feitas com liberdade, desde que não
prejudiquem os direitos de terceiros ou violem valores significativos da comunidade
(SARMENTO, 2005).
É por esse motivo que se diz que a autonomia privada é vista como um pilar da
democracia, uma vez que sem ela não é possível a formação de um debate aberto de ideias, que
permite aos cidadãos fazer escolhas políticas informadas e supervisionar os governantes em
assuntos públicos. Não obstante, é preciso frisar que o valor da autonomia privada não é apenas
instrumental para a democracia, pois está inextricavelmente ligada à proteção da dignidade da
pessoa humana (SARMENTO, 2005).
Quanto a esse aspecto, Carvalho (2022) ressalta a importância de observar que uma parte
significativa da expressão da liberdade dos sujeitos autônomos se encontra na capacidade de
dispor livremente de seus bens, ou, em outras palavras, na habilidade de determinar o destino de
seu patrimônio, o que se relaciona diretamente com o reconhecimento da propriedade privada.
Nesse contexto, atualmente se fala que a ideia moderna de propriedade se encontra
escorada na relação entre liberdade, propriedade e autonomia privada (PRATA, 2016), onde se
inclui a liberdade do indivíduo de exercer controle sobre seus bens, tanto no sentido de protegê-
los contra interferências externas como no de usufruir dos benefícios econômicos resultantes do
exercício desse direito por outros, quanto internas, reconhecendo-se a liberdade ilimitada de usar
a coisa em questão. Em outras palavras, quando o sujeito aliena um bem, por exemplo, isso nada
mais é do que a afirmação do seu poder sobre a coisa (CARVALHO, 2022).
Com esse propósito, inicialmente, o Código Civil dispõe no art. 1.857 do que "toda pessoa
capaz tem o direito de dispor, por meio de testamento, de todos os seus bens ou de uma parte
deles, após sua morte" (BRASIL, 2002). Não obstante a previsão, Carvalho (2022) nos lembra
que a própria lei impõe várias restrições significativas ao testador.
Estas restrições incluem a definição de um limite máximo da propriedade que o testador
pode dispor (legítima), a identificação de herdeiros necessários 2, a enumeração de casos
estritamente definidos para deserdação3, a fixação de requisitos formais específicos4, a proibição
2
Ver art. 1.845 do Código Civil.
3 Ver artigos 1.814, 1.962, 1.963, todos do Código Civil.
4 Ver art. 1.862 para os testamentos ordinários e art. 1.864 para o testamento público, bem como arts. 1.865, 1.866,
1.867, todos do Código Civil.
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de certas formas de testamento5, e até mesmo a imposição de limitações quanto ao conteúdo das
disposições testamentárias6, sob pena de invalidação.
Onde a sucessão se apresenta simplesmente como a transferência de um patrimônio
(desprovido de qualquer afetação ou vinculação a um propósito social específico) em decorrência
do falecimento de um indivíduo, é essencial manter o princípio da autonomia da vontade do
falecido como um guia fundamental, como um elemento central na interpretação jurídica e como
a diretriz principal na elaboração e controle ético das normas legais (LIMA, 2019).
É por isso que Carvalho (2022) defende de forma irretocável que essas intervenções do
Estado devem passar por uma análise criteriosa, pois há o risco de os indivíduos sofrerem com
interferências excessivas ou injustificadas em uma esfera onde a liberdade individual deveria, em
princípio, prevalecer.
Nesse contexto, surge a principal crítica à legítima. Muitos a veem como uma restrição à
liberdade de testar, limitando a capacidade do testador de dispor de seus bens de acordo com sua
vontade. Em teoria, se o indivíduo possui autonomia privada fundamentada na dignidade da
pessoa humana e é considerado um sujeito de direitos, seus interesses deveriam ser protegidos a
fim de garantir a efetivação dessa autonomia.
Isso porque, ao longo da vida, o indivíduo busca acumular patrimônio, acreditando
erroneamente que tem total controle e liberdade sobre seus bens, incluindo a certeza de
determinar o destino desses ativos ao constituírem sua herança. Contudo, as atuais leis não
concedem essa plena autonomia (CARNEIRO, 2023).
Uma outra crítica bastante latente quanto à legítima, ainda no campo da mitigação da
autonomia, é o desencorajamento ao planejamento sucessório, uma vez que as pessoas podem se
sentir limitadas em suas escolhas de como distribuir seus bens após a morte, levando em
consideração a parcela que deve ser reservada aos herdeiros necessários.
De acordo com Flávio Tartuce e Giselda Hironaka (2019), o planejamento sucessório
pode ser definido como:
conjunto de atos e negócios jurídicos efetuados por pessoas que mantêm entre si alguma
relação jurídica familiar ou sucessória, com o intuito de idealizar a divisão do
patrimônio de alguém, evitando conflitos desnecessários e procurando concretizar a
última vontade da pessoa cujos bens formam o seu objeto.
5
Código Civil: art. 1.863, que dispõe ser proibido o testamento conjuntivo, seja simultâneo, recíproco ou
correspectivo.
6
Ver art. 1.900 do Código Civil.
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Os mesmos autores sustentam que há duas regras de ouro para o planejamento sucessório:
a primeira é relacionada à proteção da legítima; e a segunda é a vedação dos pactos sucessórios
ou pacta corvina (art. 426 do Código Civil), segundo o qual não pode ser objeto de contrato a
herança de pessoa viva (HIRONAKA; TARTUCE, 2019).
Discorrendo sobre os argumentos a respeito da legítima e as contraposições de Clóvis
Beliváqua, Gisele Hironaka e Flávio Tartuce (2019) apontam que o argumento mais sólido contra
a legítima é que a incerteza pode motivar indivíduos a buscar ativamente meios de sustento pela
insegurança quanto à recepção da herança. A incerteza em torno da herança, de acordo com esse
ponto de vista, cria um ambiente em que os indivíduos são incentivados a explorar oportunidades
profissionais, buscar educação e adotar estratégias financeiras prudentes para garantir seu próprio
sustento7.
Concluem os autores que a tutela da legítima no atual modelo, que restringe o patrimônio
a cinquenta por cento do patrimônio do falecido, torna-se um obstáculo significativo para a
realização completa do planejamento sucessório. Para mitigar esse problema, propõem que este
é o momento para debater a redução do percentual para 25% do patrimônio do falecido,
assegurando a autonomia da vontade e o planejamento sucessório, mas também garantindo um
percentual para garantir o mínimo existencial dos herdeiros que necessitam dessa proteção, como
menores de 18 anos e enfermos (HIRONAKA; TARTUCE, 2019).
7
Muito embora Beviláqua concorde que esse parece ser o argumento mais plausível contra a legítima, o autor ainda
assim discorda do mérito da discussão, pois, segundo ele, a educação cuidadosamente orientada pode alcançar
benefícios semelhantes aos proporcionados pelo desenvolvimento da capacidade de autodeterminação na vida, mas
sem os potenciais efeitos prejudiciais associados à liberdade de testar, como a inflação do egoísmo, animalidade, e
a desintegração do núcleo familiar (BEVILÁQUA, 1983).
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romana o objetivo da legítima era evitar a nulidade dos testamentos que tinham como objetivo
deserdar os filhos.
Nas palavras de Eduardo de Oliveira Leite (p. 264, 2003):
na ótica romana, o testador que despojava sua família, sem justa causa, faltava com o
dever de solidariedade (officium pietatis: dever de piedade), e o testamento podia ser
anulado, como se tratasse da obra de um louco, através da querela inofficiosi testamenti:
contestação do testamento que faltou com seus deveres. A nulidade podia ser evitada se
o legatário liberasse ao herdeiro, parente próximo do defunto, o quarto daquilo que
herdaria ab intestat e que se passou a chamar “quarta legítima” (também chamada,
“legítima” ou, a quarta Falcídia, nome decorrente de uma lei Falcídia. A legítima
traduzia o dever moral post mortem em que pesava sobre um parente em relação aos
mais próximos.
No Brasil, ainda desde o período colonial, a família era vista como uma unidade
econômica e política sustentada por casamentos endogâmicos ou com parceiros comerciais do
marido/pai, e a sucessão hereditária era tratada como uma forma de transmissão patrimonial com
o objetivo de evitar a dissipação dos bens familiares após a morte de seus integrantes (AMLEIDA
JUNIOR; SOUZA, 2021).
A propriedade, a família e a herança são conceitos que evoluíram de maneira fragmentada
sob a influência do valor social do que se pode chamar de comunitarismo proprietário familiar
(LIMA, 2019). Esse paradigma reconhecia o indivíduo como detentor de direitos em virtude da
estrutura familiar à qual pertencia, em detrimento de sua valoração como entidade autônoma.
Essa concepção foi incorporada e disseminada no ordenamento jurídico brasileiro, resultando na
ampla aceitação social da legítima (NEVARES, 2006).
Nesse contexto, a relevância do casamento como uma união indissolúvel e dos laços de
parentesco desempenhava um papel fundamental no fortalecimento das relações comerciais e
políticas entre as elites durante a maior parte dos séculos XVIII e XIX, consolidando os acordos
econômicos e políticos familiares da época (KUZNESOF, 1989).
A manutenção da fidelidade à tradição e à estrutura social é evidente no âmbito do direito
de família e do direito das sucessões. Nesses campos, sempre foram preservados princípios como
a indissolubilidade do matrimônio, o regime da comunhão universal de bens, as regras relativas
às legítimas e várias outras normas de natureza conservadora8 (GOMES, 2006). O casamento,
8
Como exemplo, podemos citar o art. 6° do Código Civil de 1.916, que dispunha: São incapazes, relativamente a
certos atos (art. 147, n. 1), ou à maneira de os exercer: II. As mulheres casadas, enquanto subsistir a sociedade
conjugal.
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como sistema de trocas e de incremento do patrimônio, não poderia ser colocado em risco pela
manifestação de vontade daquela que nada entendia sobre a gestão financeira da família (DAHL,
1993).
Ocorre que a continuidade dos bens no interior da família encontrou justificativa na
organização política e econômica da sociedade brasileira pré-constituição de 1988, bem como na
noção comum de que entre os familiares haveria a presumida afeição e consequente desejo de
amparo, sobretudo se considerada a premissa de que o pai (que provavelmente pela expectativa
de vida à época faleceria cedo) se encarregava do provimento das necessidades dos integrantes
do grupo familiar (AMLEIDA JUNIOR; SOUZA, 2021).
No entanto, na atualidade, dada a modificação dos valores regentes do direito civil e da
realidade brasileira, torna-se premente uma análise interpretativa sistemática sobre a necessidade
e/ou benefício resultante da manutenção desse limite. Com as transformações sociais e jurídicas
ocorridas ao longo do tempo, a concepção de família e de propriedade mudou, o que tem gerado
debates sobre a necessidade de revisão das normas sucessórias.
A par dessas noções, é preciso destacar que a legítima não leva em consideração as
circunstâncias individuais de cada família. A rigidez das regras pode não ser adequada para todas
as situações, levando a resultados considerados injustos, bem como porque a preservação da
legítima nos moldes das disposições que foram pensadas e descritas no século XIX encontra em
resistência à luz dos princípios constitucionais de 1988 (BARBOZA, 2016).
A transformação nos papéis desempenhados dentro das famílias, notadamente na
ampliação da participação das mulheres, e os avanços científicos que resultaram em uma maior
expectativa de vida dos pais e na possibilidade de que estes faleçam quando seus filhos já são
adultos, são apenas alguns dos fatores que têm sido levados em consideração para a revisão da
concepção normativa da legítima, especialmente quando comparada a outros sistemas.
Outros fatores como a equiparação das uniões estáveis ao casamento, o reconhecimento
dos relacionamentos entre pessoas do mesmo sexo como um núcleo familiar (STF - Recurso
Extraordinário 878.694 MG e Recurso Extraordinário 646.721 RS), arranjos plurais e fluidos,
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famílias recompostas9, filiação híbrida10, que nem sempre são acompanhados pelo legislador,
mas que evidentemente possuem forte repercussão sucessória, contribuem para a necessidade de
atualização dos parâmetros normativos (AMLEIDA JUNIOR; SOUZA, 2021).
Apesar de ter evoluído em comparação com o Código de 1916, o Código Civil de 2002
permaneceu com uma abordagem sucessória rígida, que não se alinha adequadamente às diversas
configurações familiares contemporâneas. Adicionalmente, essa abordagem ainda reflete a
perspectiva patrimonialista da família, concebendo-a como uma unidade dedicada à produção e
preservação de bens dentro da estrutura de parentesco, o que poderia indicar uma
incompatibilidade com os princípios e valores consagrados pela Constituição de 1988.
Até porque, como bem observa Carvalho (2022), analisando estatisticamente os dados do
IBGE, verificou-se que no início por volta de 1940 a expectativa de vida média era de
aproximadamente 45,5 anos. Entretanto, trinta anos depois, em 1970, essa expectativa já havia
aumentado em 12,1 anos. Em 2019, a expectativa de vida atingiu cerca de 76 anos, representando
um acréscimo de 30,2 anos para os homens e 31,8 anos para as mulheres.
Isso significa não apenas que as pessoas têm mais tempo atualmente para acumular
patrimônio ao longo de suas vidas e realizar um planejamento patrimonial, mas também que os
filhos costumam herdar os bens dos pais em idades mais avançadas. Nos dias atuais, quando os
pais falecem, seus filhos geralmente já estão na faixa etária mais madura e em uma posição
financeira estável.
Portanto, a justificativa tradicional para a legítima, que tinha como objetivo assegurar a
subsistência dos descendentes e sua emancipação, como ocorria em séculos passados quando os
herdeiros eram frequentemente crianças ou adolescentes, não se aplica mais nos tempos
contemporâneos.
9
Uma família recomposta, também conhecida como família reestruturada, é um tipo de arranjo familiar em que pelo
menos um dos parceiros em um relacionamento tem filhos de relacionamentos anteriores e se une a um novo parceiro
para formar uma nova unidade familiar. Em outras palavras, é quando pais divorciados ou viúvos se casam ou se
unem a novos parceiros, e esses parceiros também podem ter filhos de relacionamentos anteriores. Como resultado,
a família recomposta inclui crianças de diferentes relacionamentos, padrastos, madrastas e meios-irmãos ou meias-
irmãs.
10
A filiação híbrida se refere a uma situação em que uma criança é legalmente reconhecida como tendo mais de um
tipo de filiação. Geralmente, isso ocorre em situações em que uma criança é adotada por um membro da família
(filiação por adoção) e, ao mesmo tempo, mantém algum nível de relação legal com seus pais biológicos (filiação
biológica).
O conceito que aborda a coexistência de diferentes formas de filiação em uma única situação, reconhecendo a
importância tanto das conexões biológicas quanto das relações afetivas e legais na vida de uma criança. É um
exemplo de como a diversidade de configurações familiares e as complexidades legais podem se manifestar na
sociedade moderna.
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É dever do legislador deve estar atento ao desenvolvimento da sociedade e às emergentes
necessidades humanas, especialmente ao preservar a dignidade e considerar de maneira
apropriada as situações práticas com seus contínuos conflitos de direitos (SILVA; DIAS, 2021).
Decerto, os princípios constitucionais parecem não mais respaldar e validar o conceito de
legítima nos moldes inflexíveis e quantitativos estabelecidos no início do século passado. A
defesa intangível da solidariedade no contexto da sucessão parece não justificar a reserva de uma
parte fixa da herança para os membros da família, de acordo com a ordem de herança.
A elaboração de uma lista de herdeiros de forma genérica, baseada unicamente em laços
de parentesco e relações conjugais, sem levar em conta as circunstâncias individuais dos
sucessores e suas necessidades, parece de fato não estar em consonância com os princípios
estabelecidos na Constituição.
5 CONCLUSÕES
Muito embora se reconheça na legítima um importante mecanismo na defesa do
patrimônio familiar e por consequência da própria família, sua existência não está imune de
análises críticas assim como todo o direito.
Essa dicotomia entre críticas e elogios gera um desacordo moral razoável na sociedade e
na esfera jurídica, tornando essencial a análise crítica das distintas perspectivas. Esse processo é
fundamental para a constante melhoria do direito, possibilitando a consideração de uma ampla
gama de pontos de vista éticos e jurídicos.
Enquanto alguns defendem a importância da legítima para resguardar herdeiros
necessários, promovendo equidade e estabilidade financeira, outros argumentam que essa reserva
legal limita indevidamente a liberdade testamentária e, em certos casos, prejudica a eficácia na
administração do patrimônio.
Diante desse cenário, e reconhecendo a academia como um espaço de diálogo intrínseco
à natureza democrática, este artigo visa examinar as bases teóricas e argumentativas que
sustentam a perspectiva de que a legítima precisa ser ajustada no contexto jurídico brasileiro.
Assim, o presente artigo centrou-se na análise crítica da manutenção da legítima nos moldes
atuais, considerando dois argumentos fundamentais.
Primeiramente, exploramos a preocupação em relação à autonomia privada dos
testadores, onde se observou que a destinação cogente de uma porcentagem fixa do patrimônio
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aos herdeiros necessários pode limitar indevidamente a liberdade de dispor dos bens conforme a
vontade do falecido, o que viola a autonomia da vontade privada, e consequentemente suscita
preocupações quanto à liberdade de testar.
Em seguida, abordamos a incompatibilidade jurídica e social da legítima com os
princípios da Constituição Federal de 1988. Observamos que a concepção da legítima,
fundamentada em tradições familiares antigas, não acompanhou as transformações sociais
contemporâneas, como a diversificação de arranjos familiares. A rigidez da legítima pode resultar
em desigualdades e conflitos com os princípios constitucionais, demandando uma revisão
necessária para alinhar a legislação sucessória à realidade atual.
Ao longo da discussão, evidenciamos que a justificativa tradicional da legítima, centrada
na subsistência de descendentes jovens, tornou-se obsoleta devido ao aumento da expectativa de
vida e mudanças nos papéis familiares.
Foi visto que atualmente não só as pessoas têm mais tempo para acumular patrimônio ao
longo de suas vidas, mas também que os filhos costumam herdar os bens dos pais em idades mais
avançadas. Nos dias atuais, quando os pais falecem, seus filhos geralmente já estão na faixa etária
mais madura e em uma posição financeira estável, o que contraria a ideia de que se limitar a
vontade do testador.
Por fim, enfatizamos a necessidade de uma análise sistêmica e uma atualização das
normas sucessórias para adaptar a legislação à realidade contemporânea e aos princípios
constitucionais. A flexibilização da legítima nos moldes atuais não apenas resguarda a autonomia
privada, mas também abraça a diversidade de arranjos familiares.
Ao destacar a importância do diálogo, o presente trabalho sinaliza para a dinâmica
natureza do direito sucessório e a necessidade de alinhá-lo de maneira mais efetiva às demandas
e valores da sociedade contemporânea. A reflexão apresentada sugere que as normas vigentes
precisam evoluir para atender às transformações nas estruturas familiares, nas relações afetivas
e nas expectativas individuais em relação à propriedade e herança.
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