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Estratégias da terapia de aceitação

e compromisso no luto
José Ignacio Cruz Gaitán
Mariana Sanseverino Dillenburg

O
luto é uma experiência normal e universal posterior à perda de um ente
querido, cuja função é adaptar-se a um novo contexto e às condições
emocionais e de vida que foram alteradas por essa perda. A maioria
das pessoas enlutadas pode adaptar-se e continuar com sua vida, porém, entre 7
e 20% dos casos podem complicar-se e não continuar com seu funcionamento
esperado (Stroebe, Schut & Van Den Bout, 2013). Uma opção de tratamento
para o Luto Complicado é a Terapia de Aceitação e Compromisso (ACT),
já que permite ao enlutado experimentar seu luto com maior flexibilidade,
favorecendo a aceitação das reações físicas e emocionais posteriores à perda.
Isso permite ao enlutado adaptar-se a um lugar onde seu ente querido já não
está, enquanto trabalha para conseguir uma vida valiosa e comprometida
apesar da dor que acompanha a perda (Cruz, Reyes & Corona, 2017b). A
ACT proporciona uma base teórica útil para ajudar os terapeutas que pensam
em adotar novas formas de trabalhar com luto, já que esse modelo aborda
aspectos comumente reportados (Walker, 2013), que incluem não somente
os problemas emocionais como a ansiedade e a tristeza, mas também os pen-
samentos sobre o passado e o futuro, mudanças práticas e problemas como
dificuldades financeiras, mudança de papéis, etc.
Neste capítulo, apresenta-se uma conceitualização geral sobre a Terapia de
Aceitação e Compromisso para o Luto Complicado e algumas estratégias clínicas
que podem ajudar na abordagem com esta população. Na primeira parte, será
apresentado o modelo de tratamento de ACT para o luto, explicando os princípios
teóricos e sua relação com os modelos explicativos do luto. Na segunda parte,
serão oferecidas algumas estratégias que podem beneficiar os profissionais que
trabalham com enlutados independentemente de sua orientação clínica.

Terapia de aceitação e compromisso para o luto complicado

A Terapia de Aceitação e Compromisso (ACT) é um modelo de trata-


mento cujo objetivo é desenvolver a flexibilidade psicológica nos clientes em
processo de luto, ao invés de somente enfocar-se em reduzir seu mal-estar,
favorecendo a adaptação e integração a esse novo contexto (Hayes, Strosahl &
Wilson, 1999). Esta adaptação é alcançada quando o enlutado identifica como
130

suas estratégias utilizadas para reduzir a dor e/ou o mal-estar causado por sua
perda interferem com a assimilação da perda e a adaptação a um meio onde
o ente querido já não está. Pelo qual, o tratamento favorece que o enlutado
mude o centro da atenção para os comportamentos que realçam e dão sentido
a sua vida enquanto aprende a relacionar-se de uma forma distinta com sua
dor (Cruz et al., 2017b).
Posterior à morte de um ente querido, é comum que os enlutados
não queiram continuar experimentando tristeza nem recordar a pessoa
que faleceu devido à dor dos sintomas ou à sensação de desconexão com
o defunto. Razão pela qual, na maioria dos casos, optam por neutralizar,
controlar, ou tentar fazer desaparecer essas sensações ou pensamentos. O
resultado de evitar essa experiência, a curto-prazo, é que diminui os sin-
tomas dolorosos e/ou a sensação de desconexão com o defunto, por isso,
esta estratégia é visualizada como a “solução” para sua dor problemática.
O paradoxo desta estratégia é que, quanto mais tentar controlar ou evitar
a experiência, esta ficará presente por mais tempo e, na maioria dos casos,
tende a prolongar o curso, sintomas e dificuldades de funcionamento
do luto.
Desde a perspectiva da ACT, uma reação mais adaptativa ante o luto
implica que o indivíduo reconheça a perda, permaneça em contato com outros
e com sua própria experiência de luto e trabalhe em prol de uma vida que ainda
pode ter significado e propósito. É dizer, a aceitação em lugar da evitação
emocional (Luoma, Hayes & Walser, 2017).

Conceitualização do luto e integração com a Terapia de Aceitação


e Compromisso

O modelo teórico que melhor descreve como se conceitualiza o luto atual-


mente é o Modelo do Processamento Dual do Luto (Stroebe & Schut, 2001).
Este modelo explica que o luto não se transita por etapas, senão que é um
processo dinâmico de oscilação entre a experiência da perda e a restauração de
sua vida. Quando a orientação é em direção à perda, os enlutados expressam
suas emoções e dão significado à experiência, enquanto quando a orientação
é em direção à restauração, a pessoa focaliza sua atenção em reorganizar sua
vida, buscando ativamente novas atividades, papéis e/ou relações interpessoais
(Cruz, Corona & Portas, 2017a). Esta oscilação permite adaptar-se e integrar
a experiência emocional do enlutado, mas também assumir o controle das
demandas atuais de sua vida.
O PROCESSO PSICOLÓGICO DO LUTO: teoria e prática 131

Mindfulness
Consciência

Disposição Compromisso
Aceitação Valores

Orientação Orientação
na perda na restauração

Defusão Ação
Comprometida

Eu como
contexto

Figura 1. Modelo de processamento dual de luto com Hexaflex como


modelo clínico.

Neste modelo de Processamento Dual do Luto, a Flexibilidade Psico-


lógica tem um papel muito importante como se mostra na Figura 1, já que
favorece a oscilação entre orientação em direção à perda desde um estilo
aberto. Favorecendo, assim:

1. a aceitação, a qual implica reconhecer que as emoções e reações


dolorosas depois da perda, são parte da experiência de amar e pos-
teriormente perder e que a tentativa de evitá-las somente se interpõe
a uma vida significativa e valiosa para a pessoa; e,
2. a desfusão, como uma alternativa para se relacionar com seus pensa-
mentos, tomando perspectiva, para que estes não limitem o contato
com a experiência direta, e facilitando assim, conviver com esses
pensamentos naturalmente sem vê-los com uma verdade absoluta,
senão como um ponto de vista que não necessariamente tem que
atuar em função deles (Westrup, 2014).

Estar orientado para a restauração, por sua parte, permite abordar a fle-
xibilidade psicológica desde um estilo comprometido. Favorecendo, assim, a
aproximação com: (a) os valores, os quais refletem o que a pessoa realmente
deseja ser e fazer, implicando aquilo que se quer alcançar e funcionando como
132

um guia ou direção para orientar sua conduta e; (b) a ação comprometida que
implica trabalhar e adaptar-se aos problemas que surgem continuamente na
vida, enfrentando-os e fazendo o necessário para alcançar aquelas coisas que
realmente importam.
Estas duas orientações (i.e. perda e restauração) necessitam de um estilo
centrado para poder oscilar de acordo às necessidades do contexto. Para isso
é necessário que a pessoa esteja:

1. consciente do momento presente, notando a experiência que está


vivendo no momento, em lugar de atender unicamente aos pensa-
mentos que se tem sobre a experiência e;
2. o eu como contexto, que facilita que o indivíduo possa per-
mitir-se viver a experiência em função do contexto e as neces-
sidades do mesmo e não por regras preestabelecidas que regem
seu comportamento.

Diretrizes principais do tratamento

Relação terapêutica

Desde a ACT, as ações e reações do terapeuta tem um impacto relevante


para modelar os processos de flexibilidade psicológica dentro da consulta. Para
conseguir que isso suceda, o terapeuta busca criar um ambiente de segurança e
confiança, respondendo apropriadamente às respostas do cliente, (Kohlenberg
& Callaghan, 2010).
A relação terapêutica significativa, desde as terapias contextuais, se dá
quando o terapeuta e cliente são sensíveis às suas necessidades e atuam para
ajudar-se mutuamente a satisfazê-las, favorecendo a conexão social e aumen-
tando a intimidade dentro de um contexto ético, cuidadoso e profissional
(Reyes & Kanter, 2017). Esta relação se converte em uma variável relevante
durante a avaliação e o curso do tratamento, já que alguns enlutados che-
gam com desconfiança e medo. Então gerar um espaço de aceitação, calidez,
validação e respeito será fundamental para que as pessoas se mantenham em
tratamento e para que possam fazer frente a sua dor desde outra perspectiva
em um ambiente seguro. Um ambiente no qual o terapeuta possa demons-
trar em cada momento interesse genuíno pelas experiências e bem-estar do
enlutado. Facilitando com que este expresse sua dor e expectativas da vida
depois da morte de seu ente e ajudando-o a correr riscos e fazer mudanças
em benefício de sua vida.
O PROCESSO PSICOLÓGICO DO LUTO: teoria e prática 133

Avaliação

Para que o cliente se beneficie do tratamento, é necessário avaliar previa-


mente para conhecer a intensidade dos sintomas e o nível de deterioramento
em diferentes áreas de funcionamento (Mitchell, Kim & Prigerson, 2005).
Os pontos mais importantes para avaliar (Cruz et al., 2017b) são:

• Antecedentes de outras perdas e a forma como foram enfrentadas;


• Fatores de vulnerabilidade (i.e. individuais e ambientais);
• Tipo de relação que tinha com o falecido;
• História e condições da morte;
• Reconhecer padrões de evitação experiencial;
• Avaliação dos sintomas de luto;
• Suporte social e redes de apoio;
• Outras problemáticas que estejam ocorrendo na vida do enlutado.

Tratamento

Em muitas ocasiões, a morte de um ente querido obriga o enlutado a


notar o que é verdadeiramente significativo em sua vida, e o trabalho em
sessão se enfoca em ajudá-lo a tomar ações concretas para que se dirija para
o caminho direta e comprometidamente. Auxilia o cliente a se expressar se
permitir estar em contato com suas emoções, facilitando a aceitação das expe-
riências privadas não desejadas e ajudando a entender as respostas do luto de
uma forma aberta. Reconhecendo o impacto que deixou a perda em sua vida
e facilitando viver uma vida de acordo com seus valores, sem lutar com os
obstáculos que sua mente lhe atribui.
O tratamento se enfoca em favorecer os processos que incrementam a
flexibilidade psicológica a partir dos estilos aberto (i.e. aceitação, desfusão),
centrado (i.e. contato com o momento presente, eu como contexto) e compro-
metido (i.e. valores, ação comprometida). Ajudando, assim, a que o cliente
possa oscilar entre estar em contato com sua experiência de luto enquanto
toma ações comprometidas no que é importante em sua vida para adaptar-se
a estas mudanças.

Estratégias da Terapia de Aceitação e Compromisso em pacientes


com luto

A Terapia de Aceitação e Compromisso se apresenta como um modelo


clínico para incrementar a flexibilidade psicológica nos pacientes, porém,
outras abordagens podem se beneficiar de algumas estratégias que se utilizam
134

neste modelo. Conseguindo melhoras terapêuticas ou outras alternativas para


abordar determinada problemática. Estas estratégias se dividirão de acordo
com os estilos mencionados anteriormente: aberto, centrado, comprometido.

Estratégias desde o estilo aberto

Ao início do tratamento, os pacientes em luto complicado chegam evi-


tando principalmente:

1. os sintomas e experiências dolorosas (i.e. tristeza, ansiedade, dor


no peito, etc.), já que a intensidade ou a duração dos mesmos são
tão incômodas, eles preferem buscar formas de os neutralizar ou
evitar; e,
2. a sensação de desconexão com o falecido, que ocorre quando o
vínculo que se tinha com seu ente querido era tão significativo,
que continuar com sua vida como se não tivesse acontecido nada
se torna também doloroso para o enlutado.

Isso deriva em dificuldades para continuar com sua vida, já que desde a
ótica do indivíduo, continuar com sua vida é evidência de que seu ente que-
rido não foi tão importante para ele, razão pela qual não quer desprender-se
desse vínculo.
No fundo, o processo que se busca incrementar é a aceitação, tanto dos
sintomas resultantes da perda como dos relacionados à readaptação em sua
vida. A aceitação tem relevância clínica para o bem-estar das pessoas que
perderam alguém importante. Porém, diferente de outros modelos teóricos, a
ACT não busca necessariamente a aceitação sobre as circunstâncias da morte,
mas aceitação sobre as respostas dolorosas relacionadas com o luto. Desde
esta perspectiva, cada resposta tem uma função, neste caso, é permitir-se dar
tempo para sentir e deter-se para reconhecer o quão importante foi essa pes-
soa em sua vida e como esses sintomas dolorosos favorecem que o enlutado
possa notar as mudanças que requerem para adaptar-se a este novo contexto
em que seu ente querido já não está.
As condições principais para decidir se a aceitação é recomendável no
tratamento (Farmer & Chapman, 2016) são:

1. se está justificada, para isto é importante realizar uma avaliação


para determinar se as emoções ou pensamentos da pessoa são con-
gruentes com as circunstâncias da perda;
2. se é possível mudar de alguma forma a reação ou a situação, no
caso da morte de um ente querido, inevitavelmente a reação do
O PROCESSO PSICOLÓGICO DO LUTO: teoria e prática 135

enlutado envolve tristeza, nostalgia, etc. não há forma de modificar


a situação, pelo qual a aceitação é a melhor alternativa; e,
3. a resposta do cliente é efetiva, pelo que se necessita considerar se
a resposta é consistente com os valores e metas da pessoa.

A aceitação desde a ACT está indicada para qualquer experiência pessoal


estressante (como lembranças dolorosas, pensamentos, emoções e sensa-
ções difíceis e incômodas) que impedem que as intervenções dirigidas para
a mudança tenham um efeito ou se mantenham nos enlutados, já que não
querem estar em contato com essas experiências. Atualmente, a aceitação é
um processo importante dentro de tratamentos baseados em evidências como a
Terapia Comportamental Dialética (Linehan, 1993) ou a Terapia de Aceitação
e Compromisso (Hayes et al., 1999). Mais que uma técnica, se entende como
uma postura que guia a terapia e a vida do paciente ao fomentar a diminui-
ção do controle e evitação da experiência emocional, para favorecer outras
estratégias que permitam relacionar-se de forma distinta com sua experiência
de luto, permitindo-os se aproximar do que é importante em sua vida, sem
colocar condições para tomar ações para consegui-lo.

Desesperança criativa

Para alcançar que o cliente reconheça a aceitação como uma forma alter-
nativa de se relacionar com sua dor, é importante que primeiro renuncie a suas
antigas estratégias e possa ocupar-se em viver melhor e não, simplesmente,
sentir-se melhor. Para esta finalidade, ACT recorre à Desesperança Criativa,
um processo cujo objetivo é que o terapeuta e o cliente explorem as soluções
aos problemas do cliente previamente tentadas, avaliando se tem funcionado
a curto e longo prazo, e se são factíveis e sustentáveis. A ideia não é gerar
desesperança no cliente, senão que possa notar a inoperância das estratégias
e soluções aplicadas anteriormente aos seus problemas relacionados ao luto
(Walser & Westrup, 2007).
Para começar com a desesperança criativa é necessário que o tera-
peuta conheça:

1. os comportamentos com os quais o enlutado tem lutado;


2. o que tem vivido desde a morte de seu ente querido e as dificuldades
derivadas dessa perda;
3. as barreiras que o impedem de melhorar;
4. outros problemas além dos relacionados com o luto,
5. os obstáculos para resolver esses problemas; e,
6. como é que gostaria que fosse sua vida no futuro (Cruz et al., 2017b).
136

O terapeuta valida a experiência de sofrimento com a qual o cliente tem


lutado, e pode utilizar o seguinte registro de estratégias (Hayes, 2005):

Pensamentos/ Eficácia a Eficácia a


Estratégias
sentimentos curto prazo longo prazo Custo
de controle
dolorosos (1-5 eficácia) (1-5 eficácia)

Cansaço, evito
Estar trabalhando Algo acontece que coisas que gosto,
Distrair-me
Tristeza evita que lembre volto a pensar nele a tristeza não vai
no trabalho
tanto dele (5) e sentir tristeza (1) embora, me sinto
mais sozinho.

Figura 2. Registro de estratégias.

Nesta tabela se registram as situações difíceis pelas quais o paciente tem


estado lutando a longo de seu luto. Posterior a isso, lhe pede que descreva
as estratégias com as quais tem tentado controlar esses pensamentos e sen-
timentos dolorosos, para posteriormente avaliar sua eficácia a curto e longo
prazo. Na última coluna, o terapeuta trabalha com os custos de manter essas
estratégias de controle. A maioria dos clientes, ao aplicar-lhes estas perguntas,
relatam como suas relações sociais têm diminuído, os problemas em sua vida
ou problemas emocionais tem aumentado. Razão pela qual o custo é muitís-
simo maior do que simplesmente aceitar a experiência dolorosa da primeira
coluna (Cruz et al., 2017b).
Esta estratégia é de grande utilidade já que, em lugar de que o terapeuta
tente resolver ou debater esses pensamentos ou emoções que o cliente tem
nestes momentos de dor, se favorece um ambiente onde o enlutado nota que
as estratégias de controle só aliviam momentaneamente, mas não resolvem
nem o levam ao tipo de vida que quer ter. Dessa forma o cliente se sente mais
disposto a utilizar novas estratégias para adaptar-se a sua vida.

Estratégia desde o estilo centrado

Experimentar o luto desde uma postura plena, aberta, com aceitação e


sem defesas não é o que o enlutado normalmente espera como estratégia para
trabalhar com sua dor. Porém, permite-lhe se liberar de suas estratégias de
O PROCESSO PSICOLÓGICO DO LUTO: teoria e prática 137

controle e dedicar seus esforços em se manter em contato com o que ocorre


em sua vida, enquanto consegue a perspectiva suficiente para estabelecer um
contato pleno com a experiência de luto e favorecendo as estratégias neces-
sárias para o conseguir.
Um ponto muito frequente em enlutados é a dificuldade para manter-se
consciente de sua própria experiência e como sua própria história influi em
seu comportamento posterior à morte de seu ente querido. Esta falta de cons-
ciência o impede de observar, descrever e entender suas emoções e por outro
lado também lhe dificulta contatar com as coisas que são valiosas e que neste
momento se veem nubladas pela experiência de luto.

Contato com o momento presente

Uma forma em que o enlutado pode ser mais efetivo ante as necessidades
de sua vida é desenvolvendo maior sensibilidade ao contexto (M. Villatte,
Villatte & Hayes, 2015). Isto lhe permite notar o que é necessário fazer a
cada momento: algumas vezes será estar recordando o seu ente querido, falar
sobre ele, ou somente estar presente e reconhecendo sua dor, outras vezes será
assumir o comando de sua vida, ir às compras, assistir um filme, conhecer
mais pessoas, mudar a disposição dos móveis, etc. A forma de conseguir essa
sensibilidade ao contexto é prestar maior atenção ao momento presente com
flexibilidade, abertura e curiosidade (Strosahl, Robinson & Gustavsson, 2015).
Quando os pensamentos e as emoções que são tão dolorosos, é difí-
cil estar consciente do que ocorre nesse momento na vida enquanto a dor
está presente. Os enlutados se mantêm bastante tempo presos no mundo das
palavras, preocupados com o futuro e com o que acontecerá depois e com o
que não poderá mais ser. Regressar ao momento presente desde uma postura
aberta e sem julgamentos, observando e descrevendo nossa experiência atual,
nos regressa ao contexto em que está ocorrendo tudo, para criar as condições
necessárias para atuar em prol do que queremos, de acordo às circunstâncias
atuais (Luoma et al., 2017).
Estar consciente no momento presente é vital para receber e dar em
consequência do que ocorre na vida, aprendendo com as experiências emo-
cionais difíceis, já que implica deixar de evitar estas experiências e atuar de
acordo ao que a situação requer (Hayes & Strosahl, 2013). Existem muitos
exercícios estruturados para desenvolver a consciência do momento presente
que podem ser revisados em qualquer livro de ACT, porém, uma estratégia
útil para os terapeutas é o desenvolvimento desta postura consciente dentro
da sessão. A forma de alcançá-la é mantê-la em sua própria experiência ao
longo da sessão. O terapeuta pode sugerir ao cliente que se detenha e revise
o que ocorre dentro e fora dele, pedindo que note por alguns momentos o que
138

é que aparece desde uma postura curiosa e aberta. Isto pode ser utilizado em
qualquer parte do processo da terapia, inclusive quando a pessoa tem dificul-
dades para expressar o que ocorre, sugerindo-lhe que note sua experiência
ao ter dificuldades para se expressar. O terapeuta simplesmente facilita a que
note os pensamentos, memórias, emoções como vão fluindo, solicitando que
preste atenção a como vão acontecendo.
O trabalho com enlutados inevitavelmente implica conectar-se com as
próprias perdas do terapeuta, questão pela qual trabalhar com essa população
provê uma importante oportunidade para os clientes de aprender a praticar
novos caminhos mais flexíveis de se relacionar com os outros (Luoma et al.,
2017). A relação terapêutica é vital dentro do tratamento, portanto falar sobre
a experiência que estão tendo paciente-terapeuta no momento da consulta,
quais são as experiências internas que estão acontecendo. Isto pode ajudar o
paciente a observar, descrever e participar no momento presente com seus pen-
samentos, sentimentos e sensações dolorosas, facilitando também uma melhor
aderência terapêutica e um modelo para melhorar suas relações interpessoais.

Estratégia desde o estilo comprometido

É comum que os clientes com luto complicado, que levam bastante tempo
lutando contra o seu sofrimento, se esqueceram ou não tem muito clara a direção
que querem levar em suas vidas, ou colocam condições e não podem consegui-
-las agora que seu ente querido já não está. Razão pela qual enfrentam seu luto
com indisposição e improvisação, afastando-se do tipo de vida que querem viver.
O trabalho em terapia implica permitir aos clientes decidir sobre o tipo
de vida que eles gostariam de levar em relação com seus valores e não como
uma estratégia para diminuir seu mal-estar. Vivendo, assim, em seus próprios
termos com independência e responsabilidade, identificando as condutas que
são consistentes com o que a pessoa quer ser (Moran, Bach & Batten, 2018).

Clarificação de valores

Desde a ACT, o compromisso é importante para influenciar as pessoas


a que dirijam seus comportamentos em caminhos mais funcionais e possam
manter-se no tipo de vida que querem levar. Não só implica saber o que
querem, precisam atuar e responsabilizar-se do que é necessário fazer para
consegui-lo. Dentro da sessão, o terapeuta ajuda a clarificar esses valores e
quais são as ações que incrementam a possibilidade de levar esse tipo de vida
congruente com isso que valorizam (Dahl, Plumb, Lundgren & Stewart, 2009).
Uma estratégia que pode ser implementada dentro de consulta é a folha
de trabalho para clarificar os valores (Walser & Westrup, 2007), que pode
O PROCESSO PSICOLÓGICO DO LUTO: teoria e prática 139

ser observada na figura 3. Essa folha qual consiste em pedir que o paciente
descreva alguma (1) área valiosa em sua vida, tentando que a descrição
seja o mais detalhada possível, para amplificar a experiência do paciente.
Posterior a isso, lhe pede que possa dar uma pontuação de (2) importância
a essa área valiosa, com o objetivo de hierarquizar em que áreas devem se
estabelecer primeiro os compromissos. Na continuação descreve (3) as metas
específicas para se aproximar de forma congruente com esse valor, se busca
que as metas sejam descritas em comportamentos observáveis e que sejam
alcançáveis. No caso de que as metas sejam difíceis de serem atingidas a curto
prazo, se buscarão comportamentos que eventualmente ajudem a alcançar
essas metas a longo prazo. Definidas as metas, busca-se (4) os pensamentos
ou emoções que poderiam evitar o cumprimento de suas metas, identifi-
cando as possíveis barreiras internas para acessar o que se quer, sugerindo
as estratégias para fazer frente a esses obstáculos para manter-se em ações
congruentes com seu valor. Neste ponto, o enlutado reconhece que ações tem
que levar a cabo para se manter focado no que é importante para ele. Porém,
podemos perguntar (5) que significaria viver de acordo com esse valor, para
amplificar a experiência e que possa notar as vantagens de se manter nesse
caminho. Também podemos perguntar (6) o que significaria não viver de
acordo a esse valor, para que o cliente note o custo potencial em sua vida
de continuar se mantendo em estratégias de evitação sem assumir o controle
do que realmente importa.

1. Descrição do valor:
2. Importância (1 a 10):
Relação familiar, sendo mais afetuoso com meus filhos. 10 de importância.
3: Metas específicas:
Dizer-lhes que os amo, abraçá-los, passar tempo de qualidade com eles.
4: Pensamento e emoções que poderiam evitar o cumprimento de
suas metas:
Raiva, estresse, estar triste pela morte de meu filho.
Estratégia: me manter focada na meta.
5: O que significaria para você viver de acordo com esse valor?
Ser congruente com a mãe que quero ser, estaria feliz, plena.
6: O que significaria não fazê-lo?
Sentiria-me culpada, vazia, sozinha.
Figura 3. Folha para clarificar os valores.
140

Conhecer o que valorizamos e queremos manter em nossa vida nos ajuda


a tomar ações comprometidas para nos levar a isso de diferentes formas, inclu-
sive se o contexto para essas condutas é adverso e desolador como quando
perdemos alguém que apreciamos. Agir desde os valores permite retomar
de novo o controle sobre nossos comportamentos enquanto aprendemos a
integrar esta resposta emocional posterior à perda. Não se trata de uma forma
para diminuir o mal-estar ou adiantar o processo de luto, é uma direção, uma
direção de vida que nos permite nos manter motivados e congruente com o
tipo de pessoa que queremos ser, independente das adversidades da vida.

Conclusões

ACT é um modelo cujo enfoque se centra em viver melhor, o que signi-


fica se aproximar com maior plenitude, profundidade e de forma significativa
do que é importante para a pessoa. Como se mencionou ao longo do capítulo, o
tratamento não é voltado em liberar os clientes de pensamentos ou sentimentos
relacionados com seu luto, nem lhes ensinar formas mais elegantes de reduzir
seu mal-estar. Se pode viver com luto e ter uma vida significativa, portanto
o tratamento busca favorecer o desenvolvimento funcional do enlutado, ocu-
pando-se ao mesmo tempo a que possa viver de forma coerente com seus
valores, vivendo sua vida em plenitude, inclusive frente às dificuldades e à dor.
No fundo, é se aproximar da dor da pessoa sem julgamentos, enten-
dendo as condições que estão ajudando-lhes a conviver melhor com sua dor,
a integrar sua perda em sua vida junto com tudo que implica, é adaptar-se às
necessidades do cliente, e acompanhá-lo enquanto oscila entre conectar com a
perda e tomar o comando de sua vida, mantendo-se consciente do que necessita
de acordo ao momento e às circunstâncias, com a flexibilidade necessária para
fazer frente às mudanças da vida que o permite adaptar-se e crescer.
O PROCESSO PSICOLÓGICO DO LUTO: teoria e prática 141

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