Ludicidade, Brinquedos e Brincadeiras no Contexto da Educação Infantil
Este texto explora a importância fundamental do brincar e das atividades lúdicas no
desenvolvimento infantil no contexto da Educação Infantil.
Inicialmente, apresento uma breve contextualização da evolução histórica da
concepção da infância, seguida de reflexões pautadas na perspectiva
histórico-cultural sobre o papel dos brinquedos e brincadeiras na construção da
identidade, na aprendizagem e na compreensão do mundo pelas crianças,
destacando a relevância da intervenção pedagógica que valorize a liberdade e a
autonomia.
Contextualização Histórica da Infância
Segundo Philippe Áries (1981), no período medieval, a criança era vista como um
adulto incompleto, sem reconhecimento das particularidades da infância. Essa visão
mudou com Rousseau, que valorizou a criança como protagonista do processo
educativo, defendendo um ensino ativo e o respeito às necessidades infantis.
Ou seja, as concepções históricas sobre a infância influenciaram a construção da
nossa concepção moderna e da educação que desenvolvemos.
Hoje, sem descartar aspectos controversos, pode-se considerar que a legislação
sobre os direitos da criança e sobre a etapa da educação infantil no Brasil evoluíram
consideravelmente e garantiram a educação como direito fundamental a partir dos 4
anos, promoveram a proteção integral das crianças e estabelecem diretrizes para a
etapa.
As Diretrizes Curriculares Nacionais para a educação infantil foram um grande
marco para o atendimento das especificidades da aprendizagem das crianças por
meio do reconhecimento da brincadeira como um dos eixos estruturantes da prática
pedagógica, aliada ao estabelecimento de um conceito de infância que atende as
especificidades do desenvolvimento e aprendizagem nesta faixa etária.
Ou seja, a criança compreendida como sujeito histórico e de direitos que, nas
interações, relações e práticas cotidianas que vivencia, constrói sua identidade
pessoal e coletiva, brinca, imagina, fantasia, deseja, aprende, observa, experimenta,
narra, questiona e constrói sentidos sobre a natureza e a sociedade, produzindo
cultura.
A Importância do Brincar na Educação Infantil
Se, conforme a legislação vigente, a função primeira da Educação Infantil é articular
os saberes, necessidades e interesses das crianças com o patrimônio de
conhecimentos já sistematizados pela humanidade, precisamos nos perguntar que
interesses e necessidades são esses.
A primeira resposta que encontramos é de que as crianças têm necessidade e
interesse pelas atividades lúdicas, pois para compreender a realidade numa esfera
mais ampliada, necessitam agir sobre ela, isso se dá por meio da experiência lúdica.
Vygotsky destacou a brincadeira como uma atividade central na infância, na qual a
criança participa de um mundo imaginário, criando regras próprias e expressando
seus desejos e emoções.
Segundo ele, o ato de brincar possui um fim em si mesmo, contribuindo
significativamente para a formação do pensamento e da subjetividade infantil, e não
apenas como uma atividade para passar o tempo. Embora possa parecer sem
propósito para os adultos, o brincar é essencial para a afirmação do "eu" da criança.
O brincar de faz de conta, referendado teoricamente na perspectiva histórico-cultural
por Vigotski e seus seguidores (Elkonin, Luria, Leontiev, Mukhina) é considerado
como atividade guia do desenvolvimento infantil nas crianças em idade pré-escolar,
pois promove o desenvolvimento das funções mentais superiores dentro da "zona
de desenvolvimento proximal" (ZDP).
Durante a brincadeira, com mediação de adultos ou colegas mais capazes, a
criança pode operar além de suas capacidades atuais de forma colaborativa,
permitindo avanços significativos em seu desenvolvimento cognitivo, social e
emocional. Essa interação e mediação social facilitam a internalização de
ferramentas culturais, tais como a linguagem.
Para a construção do brincar é necessário que a criança assuma um papel
qualquer, que ela protagonize, e que não seja ela. Sem isso não existe brincar de
faz de conta. Assim que aparece o papel, aparece o brincar de faz de conta, e este
não consiste apenas na interpretação do papel do adulto, mas também de outra
criança.
Segundo Brougére (1998), a brincadeira é uma mutação do sentido da realidade:
as crianças tornam-se outras. É um espaço à margem da vida comum, que obedece
às regras criadas pela circunstância. Este autor salienta que a brincadeira de faz de
conta tem um resultado cultural. Não existe na criança de forma natural, mas
pressupõe uma aprendizagem social. Aprende-se a brincar.
Este brincar ensina a criança a conhecer as relações sociais dos adultos e as regras
que regem essas relações. A brincadeira é, assim, a realização das tendências que
não podem ser imediatamente satisfeitas.
O exercício da persistência e da repetição, tão necessários à criança que brinca,
constituem-se na ferramenta essencial para que ela compreenda o mundo real
(estabelecendo a ponte entre a fantasia, o imaginário e a vida real).
Brinquedo
Quanto ao brinquedo, conforme indica Tizuko Kishimoto (2008) é um objeto das
brincadeiras que auxilia o aprendizado de forma prazerosa. Podem esses
brinquedos desenvolver a coordenação motora, o equilíbrio, as noções espaciais e
ainda ter diferentes significados nas mãos das crianças, pois elas naturalmente
transmutam de um objeto a outro na fantasia e imaginação, cria, recria, se envolve,
se perde. Estamos a falar de brinquedos físicos, palpáveis.
É necessário que os docentes reflitam sobre qual espaço os brinquedos
industrializados ocupam no cotidiano das crianças. Qual é o espaço para a
construção de engenhocas e para a invenção de brinquedos? Como está o
equilíbrio entre a oferta de brinquedos convencionais – tanto para o faz-de-conta
como para os jogos de mesa – e de materiais menos estruturados?
Outro aspecto a se considerar são os brinquedos cantados, também conhecidos
como atividades rítmicas expressivas, danças cantadas, brincadeiras cantadas,
brincadeiras de roda, brincadeiras musicadas, brincadeiras musicais, rodas
cantadas, cirandas. Eles unem à música, expressão corporal ao brincar, os
brinquedos são assim as formas de se estruturar uma atividade lúdica.
Brincadeira livre
No contexto da educação infantil as crianças necessitam de espaço e tempo que
lhes permitam a liberdade de pensar e agir de maneira imaginária ou simbólica.
Suas expressões lúdicas envolvem diversas atividades criativas e interativas, como
o uso de humor, jogos de faz de conta, e a utilização de arte e desenho para
expressar sentimentos e ideias. Quando os educadores intervêm, é fundamental
que essa intervenção seja cuidadosa para não comprometer o caráter essencial das
atividades lúdicas, permitindo que as crianças explorem livremente suas
capacidades criativas e imaginativas.
É imprescindível que o professor distinga o que é brincadeira livre e o que é
atividade pedagógica que envolve brincadeira.
Se quiser fazer brincadeiras com a turma, deve considerar que o mais importante é
o interesse da criança por ela; se seu objetivo for a aprendizagem de conceitos,
habilidades motoras, pode trabalhar com atividades lúdicas, porém isso não
caracteriza a promoção da brincadeira, mas atividades pedagógicas de natureza
lúdica.
Quando é mantida a especificidade da brincadeira livre, têm-se elementos
fundamentais que devem ser considerados: a incerteza, a ausência de
consequência necessária e a tomada de decisão pela criança; ela emerge como
possibilidade de experimentação, na qual o adulto propõe, mas não impõe, convida,
mas não obriga, e mantém a liberdade dando alternativas.
Papel docente
O principal papel docente é organizar os espaços, materiais, brinquedos, tempos
para que a brincadeira aconteça.
E, a partir da observação, registro e reflexão constantes acerca dos interesses e
necessidades das crianças, constantemente perguntar-se: o que elas fazem? Como
fazem? Porque fazem? e assim prospectar propostas que atendam ao que elas
necessitam.
Acrescento ainda, a perspectiva de Jorge Larrosa Bondía de que não podemos
reduzir a infância a algo que, de antemão, já sabemos o que é, o que quer ou do
que necessita. Por isso, pensar sobre a criança e a infância é, necessariamente,
refletir sobre o novo, o inesperado, o encanto e a descoberta. Algo que acontece
constantemente no brincar.