Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa
DIREITOS REAIS
Vítor Palmela Fidalgo
XV
Hipótese Prática
Ana e Bruno adquiriram, em 2019, uma fração autónoma destinada à habitação num prédio com cinco andares,
situado em Braga, por € 200.000,00.
Face a esta situação, Ana e Bruno solicitam ao administrador do condomínio que:
1. demande judicialmente Carla, proprietária de outra fração autónoma no mesmo prédio, porque apesar das várias
advertências, esta insiste em colocar no vão das escadas do seu andar vários pares de sapatos e sacos com lixo
doméstico.
2. Demande judicialmente Daniel, por este ter arrendado a sua fração autónoma a um casal que, além de ser muito
barulhento, confeciona refeições no apartamento para venda em regime de “take-away”
3. Demande judicialmente Ernesto, que insiste em fazer festas na fração em frente à sua.
Entretanto, Ana e Bruno pretendem saber o seguinte:
(i) se, ao comprar a fração imediatamente acima da sua, poderão juntá-las e assim proporcionar uma casa
suficientemente espaçosa para os futuros filhos;
(ii) se podem construir uma churrasqueira no pátio do edifício localizado imediatamente atrás da sua fração e que
tem sido sempre por eles utilizado;
(iii) se podem fechar a varanda com uma marquise e;
(iv) instalar uma rampa de acesso aos elevadores do prédio, que são apenas servidos por escadas.
Resposta:
Definição do direito:
• A propriedade horizontal representa um tipo especial do direito de propriedade que tem por objeto uma fração
autónoma de edifício constituído
• O objeto do direito de propriedade horizontal não reside somente na fração autónoma. Tal afirmação exprime
apenas uma parte da realidade pois a posiçao juridica do proprietário contém poderes e deveres que respeitam
igualmente às partes comuns do edifício o que mostra que estas pertencem igualmente ao objeto desse direito. O
objeto do direito de propriedade horizontal se compõe da fração autónoma e das partes comuns do edifício- JAV,
MC E SANTOS JUSTO
• Assim podemos dizer que o direito de propriedade horizontal é o direito do condómino sobre o edifício constituído
nesse regime. Não é certo dizer que se trata apenas de um direito sobre a fração autónoma- isso representaria ignorar
a extensão do direito às partes comuns do edifício.
• JAV- rejeita a tese da existencia de 2 direitos- à fração autónoma e às partes comuns- EXISTE UM ÚNICO
DIREITO- o direito de propriedade horizontal. O conteudo desse direito exprime a duplicidade do seu objeto e o
regime jurídico que cada parte do mesmo se encontra sujeito.
• Assim o tipo de propriedade horizontal envolve uma posiçao dúplice do condómino- por um lado, proprietário da
fração; por outro comproprietário das partes comuns do edifício que não constituem frações autónomas- 1420º, 1-
cada condómino é proprietário exclusivo da fração que lhe pertence- que pode estar em regime de propriedade
singular ou de compropriedade e é comproprietário das partes comuns do edifício.
• Assim sendo, neste caso e presumindo a constituição válida do direito de propriedade horizontal, Ana e Bruno
tornar-se-iam proprietários da fração autónoma e comproprietários das partes comuns do edifício.
Nota- caso a propriedade horizontal não haja sido constituída validamente não é possivel que o direito de propriedade tenha
uma fração de um edifício por objeto. Nesse caso a propriedade em regime de propriedade ou de comunhão –
compropriedade terá por objeto todo o edifício e não cada uma das frações em que este seja suscetível de ser decomposto
de acordo com um critério economico e social.
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A sujeição de um edifício ao regime da propriedade horizontal muda este cenário tornando possivel que cada uma das frações
em que se decompõem juridicamente o mesmo seja objeto de uma afetação juridica diferenciada das demais- deixa de existir
uma propriedade sobre todo o edifício e passam a coexistir várias propriedades - em regime de propriedade singular ou de
compropriedade, sobre cada uma das frações em que o edifício foi repartido.
Requisitos civis da propriedade horizontal- 1414º:
1. A propriedade horizontal só pode recair sobre um edifício, portanto sobre uma coisa imóvel com determinadas
características de construção
2. O edifico, por sua vez, tem de estar dividido em frações autónomas
3. As frações autónomas do edifício devem ser independentes entre si
Ø A propriedade horizontal constitui uma propriedade que tem por objeto um edifício dividido em frações
autónomas- que são partes do edifício capazes de afetação individual a um fim- habitação, comércio, exercicio
de profissão liberal, exercicio de atividade industrial…
Ø Não basta que as frações estejam aptas a permitir a realização de um fim de pessoas, singulares ou coletivas. A
lei exige que sejam independentes, todas elas e não apenas alguma ou algumas- 1414º e 1415º. Serão
independentes se forem distintas e isoladas entre si e com saída propria para uma parte comum do prédio ou
para a via pública
Constituição da propriedade horizontal:
Ø Pode ser por negócio jurídico, usucapião, decisao administrativa ou decisão judicial, proferida em açao de divisão
de coisa comum ou em processo de inventário…
Ø Presume se que neste caso foi constituído por um desses tipos- 1418º, 1
Definição do fim no título constitutivo:
Ø 1418º, 2, a)- no título constitutivo pode conter a menção do fim a que se destina cada fração ou parte comum
Ø A indicação do fim a que se destina cada fração ou parte comum é meramente supletiva, mas nesse caso ela tem de
bater certo com o projeto que foi aprovado pela entidade administrativa competente sob pena de nulidade do título
constitutivo.
Efeitos da constituição da propriedade horizontal:
Ø Apenas o proprietário singular e os comproprietários voluntariamente ou em açao de divisão da coisa comum
podem submeter o edifício ao regime da propriedade horizontal.
1. Uma vez concluída a constituição válida da propriedade horizontal o anterior proprietário singular adquire tantos
direitos de propriedade horizontal quanto as frações autónomas individualizadas no título constitutivo.
2. Se o edifício estava em compropriedade, os direitos às frações podem resultar do titulo constitutivo. Se este for
omisso deve entender-se que os comunheiros adquirem a compropriedade sobre todas as frações autónomas na
proporção das respetivas quotas na compropriedade do edifício.
3. Com a constituição da propriedade horizontal, o direito de propriedade singular ou a compropriedade sobre o imóvel
extingue-se- deixa de haver um direito de propriedade ou vários no caso da compropriedade sobre todo o imóvel,
para passar a haver tantos direitos de propriedade horizontal quantas as frações autónomas individualizadas no titulo
constitutivo.
Ø Adquirido o direito de propriedade horizontal sobre a fração, o proprietário pode exercer qualquer dos poderes
conteúdo do seu direito, vender, doar, onerar, devendo, todavia, cumprir os deveres que delimitam a extensão do
aproveitamento concedido por ele.
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Ana e Bruno procuraram, desde sempre, rentabilizar a sua fração através da prática do alojamento local, mas em janeiro de
2023, a assembleia de condomínios deliberou, por maioria, que esta prática devia cessar imediatamente em virtude dos
maiores incómodos e insegurança generalizada decorrente da receção de vários turistas.
1422º, 2, c)
Face a esta situação, Ana e Bruno solicitam ao administrador do condomínio que:
4. demande judicialmente Carla, proprietária de outra fração autónoma no mesmo prédio, porque apesar das várias
advertências, esta insiste em colocar no vão das escadas do seu andar vários pares de sapatos e sacos com lixo
doméstico.
5. Demande judicialmente Daniel, por este ter arrendado a sua fração autónoma a um casal que, além de ser muito
barulhento, confeciona refeições no apartamento para venda em regime de “take-away”
6. Demande judicialmente Ernesto, que insiste em fazer festas na fração em frente à sua.
Ø Os órgãos do condomínio são as assembleias de condóminos, onde tem assento todos os condóminos e o
administrador que é eleito e exonerado pela assembleia- 1435º, 1 – sem prejuízo dos casos em que a nomeação
ou exoneração resulta de decisao judicial- 1435º, 1 e 3.
Ø A assembleia de condóminos é o órgão deliberativo e o administrador é o órgão executivo
Ø Estes órgãos existem unicamente para a administração das partes comuns – 1430º/1. Não tem competencia de
deliberação ou de execução relativamente às frações autónomas.
Ø O limite da atuação destes órgãos encontra-se nas partes comuns do edifício. Logo em nenhum destes
casos, que não se reportam às partes comuns, podia intervir o administrador do condomínio nem a
assembleia de condóminos. Se tomasse deliberações fora do âmbito da sua competencia, ou seja, em relaçao
às frações autónomas, tais deliberações são juridicamente nulas e não apenas anuláveis e nem vinculam o
condómino- 1433º, 1
1. demande judicialmente Carla, proprietária de outra fração autónoma no mesmo prédio, porque apesar das várias
advertências, esta insiste em colocar no vão das escadas do seu andar vários pares de sapatos e sacos com lixo
doméstico,
A delimitação da propriedade horizontal ocorre nos mesmos termos que a propriedade – assim o dispõe o art. 1422º. No
entanto, existe um conteúdo negativo que introduz uma delimitação específica da propriedade horizontal – art. 1422º/2, que
corresponde aos deveres do condómino.
Ainda, outros deveres podem impender sobre o condómino: é o caso do que dispõe o artigo 1424º/1 (despesas de
conservação do edifício e as despesas com serviços de interesse comum, na proporção das quotas).
JAV- o regime jurídico que opera a delimitação negativa tem aplicação direta á propriedade horizontal VS Oliveira Ascensão
defende aplicação analógica desse regime.
1346º do CC- opor-se aos cheiros- provenientes do lixo- no caso do lixo provocar odores, cheiros terríveis
Vão das escadas- parte imperativamente comum nos termos do 1421º,1, c)
Se é uma parte imperativamente comum- depois a assembleia dos condóminos poderia deliberar sobre essa matéria e decidir
algo. Por exemplo a assembleia de condóminos poderia proibir que Carla continuasse a colocar sacos de lixo nas escadas.
Nos termos do artigo 1422º, 2, d) do CC, caso a assembleia decidisse no sentido da proibição desses atos por Carla- seria
lhe vedado praticar quaisquer atos ou atividades que tenham sido proibidos por deliberação aprovada sem oposição.
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2. Demande judicialmente Daniel, por este ter arrendado a sua fração autónoma a um casal que, além de ser muito
barulhento, confeciona refeições no apartamento para venda em regime de “take-away” e
O proprietário, adquirido o direito de propriedade horizontal pode arrendar a sua fração autónoma.
Quanto à questão do barulho- 1422º, 1 – remissão para o 1346º, 1- delimitação negativa do direito de propriedade- pode
opor-se á emissão de ruídos sempre que esse facto importe um prejuízo substancial para o uso do imóvel ou não resultem
da utilização normal do prédio de que emanam.
Confeciona refeições no apartamento para venda em regime de take-away- será que o fim poderá estar a ser contornado
nos termos do 1418º, 2, a) e 1422º, 2, c)? - os condóminos não devem dar “uso diverso a fim a que a coisa se destina”.
Talvez o fim pode estar a ser contornado- 1418º, 2 a) e 1422º, 2, c)- os condóminos não devem dar uso diverso do fim a
que a coisa se destina. Neste caso o fim era habitação –contudo o facto de confecionarem refeições para venda em regime
de take away a meu ver não contraria o fim habitacional. Tal só aconteceria por exemplo se criassem uma indústria ou se
abrissem um restaurante na fração autónoma, aí seria mais explícito. O que acontece é que confecionam e depois as pessoas
devem ir lá levantar, ou eles entregam. A meu ver não há qualquer tentativa de desvirtuar o fim.
Quanto muito também poderíamos aplicar o 1346º devido aos cheiros.
Ø 1092º- regime do arrendamento –indústria
Ø Desde que não monte uma fábrica ou um restaurante não há problema
3. Demande judicialmente Ernesto, que insiste em fazer festas na fração em frente à sua.
Artigo 1346º- emissão de ruídos- depende do barulho…
Ainda que na teoria a assembleia de condóminos não possa administrar sobre as partes comuns, isso acontece na realidade.
Mas a regra é que essas regras de proibição de barulho após x horas, proibição de animais deve ser estabelecida pelos
proprietários das frações autónomas.
Na prática obviamente que podemos proibir festas depois das 22 até as 8 da manhã, desde que seja enquadrado no
regulamento geral do ruído.
Temos de garantir a efetividade do direito de propriedade, não podemos apenas concebê-lo e dizer que existe, reconhecer
uma pessoa como proprietário e tirar qualquer utilidade do seu exercicio, impedindo a efetividade plena do seu exercicio.
Tudo tem de ser justificado á luz do regime, e neste caso do regulamento do ruído, garantindo sempre a proporcionalidade
das limitações.
Seria desproporcional proibir um caniche ou um cão de pequeno porte, já um labrador ou cães de grande porte seria
justificado
Ø Assim como a hora de proibição de festas e obras por exemplo entre as 00-8
Entretanto, Ana e Bruno pretendem saber o seguinte:
(i) se, ao comprar a fração imediatamente acima da sua, poderão juntá-las e assim proporcionar uma casa
suficientemente espaçosa para os futuros filhos;
(ii) se podem construir uma churrasqueira no pátio do edifício localizado imediatamente atrás da sua fração e que
tem sido sempre por eles utilizado;
(iii) se podem fechar a varanda com uma marquise e;
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(iv) instalar uma rampa de acesso aos elevadores do prédio, que são apenas servidos por escadas.
i. se, ao comprar a fração imediatamente acima da sua, poderão juntá-las e assim proporcionar uma casa
suficientemente espaçosa para os futuros filhos;
1422º- A do CC- junção e divisão de frações autónomas
Através deste artigo procurou-se assegurar que o condómino que seja proprietário de mais do que uma fração
do mesmo prédio constituído em propriedade horizontal possa, sem necessidade do assentimento dos restantes
condóminos juntar as referidas frações desde que estas sejam contíguas. Assim se assegura que a fração que
surge da junção cumpre os requisitos de independência, individualidade e isolamento previstos no 1415º
i. 1422º-A, 2- requisito da contiguidade é dispensado quando as frações sejam garagens ou
arrecadações
1422º-A, 4- cabe a ele fazer a alteração na escritura publica ou documento particular autenticado- dado que a junção
ou cisão de frações não é realizada em benefício de todos os condóminos mas somente em favor daqueles que são
os proprietários das frações modificadas, cabe a estes últimos a obrigação de por escritura pública ou documento
particular autenticado introduzir tal alteração no titulo constitutivo.
1422º-A, nº5- comunicação no prazo de 10 dias
ii. se podem construir uma churrasqueira no pátio do edifício localizado imediatamente atrás da sua fração e que
tem sido sempre por eles utilizado;
nos termos do artigo 1421º, 2 a)- os pátios são partes supletivamente comuns – o que significa que no titulo
constitutivo da propriedade pode ser determinado que fazem parte de uma dada fração autónoma ou que constituem
mesmo uma fração autónoma. Temos portanto uma parte presuntivamente comum.
1421º, 3 – se o título constitutivo tiver lhes conferir o uso exclusivo desse pátio
1422º, 3- as obras que modifiquem a linha arquitetónica ou arranjo estético do edifício podem ser realizadas se para
tal se obtiver previa autorização da assembleia de condóminos aprovada por maioria representativa de 2/3 do valor
total do prédio.
1426º- encargos com as inovações
1. Temos uma parte presuntivamente comum
2. Temos de ver se foi estabelecido alguma coisa no título constitutivo
3. Verificar se o pátio sempre esteve afeto de forma objetivo e material ou só em relaçao àquela fração?
Ø Há autores que defendem que a ausência de qualquer informação presente no título constitutivo determina
que a presunção nem opera- se o pátio sempre esteve afeto àquela fração a presunção nem opera
Ø A meu ver não faz sentido, tem de haver essa presunção de que é parte presuntivamente comum
PODENDO ESTA SER POSTERIORMENTE ILIDIDA.
iii. se podem fechar a varanda com uma marquise e;
1422º, 2, a)- é vedado aos condóminos prejudicar quer com obras novas quer por falta de reparação a segurança, a
linha arquitetónica ou o arranjo estético do edifício.
1422º, 3- - as obras que modifiquem a linha arquitetónica ou arranjo estético do edifício podem ser realizadas se
para tal se obtiver prévia autorização da assembleia de condóminos aprovada por maioria representativa de 2/3 do
valor total do prédio
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INVOCAR ABUSO DE DIREITO- ex- os outros condóminos já fecharam as suas varandas, não podemos
impedir mais um de o fazer, não podemos beneficiar apenas uns…
iv. instalar uma rampa de acesso aos elevadores do prédio, que são apenas servidos por escadas.
1423º, 3- - as obras que modifiquem a linha arquitetónica ou arranjo estético do edifício podem ser realizadas se
para tal se obtiver prévia autorização da assembleia de condóminos aprovada por maioria representativa de 2/3 do
valor total do prédio
1424º, 5- despesas relativas às rampas de acesso e elevadores
1425º, 3, a) e b) + 1425º, 4 , 5, 6
Mas qualquer tipo de construção não pode ser prejudicial para outros condóminos- não posso construir um elevador
e impedir os restantes de utilizar o elevador apenas as escada- 1425º, nº7 do CC.