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Memória e Sociedade - Volume 1 - EM

O documento apresenta a trilha formativa 'Memória e Sociedade', destinada ao ensino médio, que explora as relações sociais contemporâneas através de três componentes curriculares: Ancestralidade e Cultura, Multiculturalidade: Tempo e Espaço, e Preservação dos Espaços Coletivos. Cada componente visa promover a reflexão sobre a diversidade, a importância do outro e a conexão entre espaço, memória e identidade. O material é estruturado para estimular a criatividade e habilidades críticas dos estudantes em relação ao mundo ao seu redor.
Direitos autorais
© © All Rights Reserved
Levamos muito a sério os direitos de conteúdo. Se você suspeita que este conteúdo é seu, reivindique-o aqui.
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Memória e Sociedade - Volume 1 - EM

O documento apresenta a trilha formativa 'Memória e Sociedade', destinada ao ensino médio, que explora as relações sociais contemporâneas através de três componentes curriculares: Ancestralidade e Cultura, Multiculturalidade: Tempo e Espaço, e Preservação dos Espaços Coletivos. Cada componente visa promover a reflexão sobre a diversidade, a importância do outro e a conexão entre espaço, memória e identidade. O material é estruturado para estimular a criatividade e habilidades críticas dos estudantes em relação ao mundo ao seu redor.
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TRILHAS

FORMATIVAS
ENSINO MÉDIO

MEMÓRIA E
SOCIEDADE
VOLUME 1
GRUPO

Copyright © 2024 da edição: Eureka Soluções Pedagógicas Ltda.

1a EDIÇÃO EQUIPE PEDAGÓGICA:

DIRETOR-EXECUTIVO: Cintia Tolosa


Marco Saliba Marcela Rodrigues
DIRETORES: PREPARAÇÃO E REVISÃO:

Carlos Garrido A Teia de Histórias


Júlio Torres Crear-e Conteúdo educacional
Leandra Trindade
GESTOR-EXECUTIVO:
Madrigais Editorial
Emmanuel Gustavo Haddad
GESTÃO DE ARTE:
EDITORA-EXECUTIVA:
Desenho Editorial
Malu Carvalho
Miguel Mael
GERENTE DE PRODUÇÃO:
DIAGRAMAÇÃO:
Marcelo Almeida
Bruna Marchi
COORDENADORAS EDITORIAIS: Caio Cézar
Elizete Oliveira Felipe Ferri
Mayara Ferreira Igor Oliveira
EDITORAS: Luca Ferrari
Alexandra Fonseca Luiz Garcia
Maira Moreira Vinicius Campagna
Viviane Borba Barbosa EDUCAÇÃO DIGITAL:
ASSISTENTES EDITORIAIS: Bruno Galhardo
Alice Dionísio Cláudia Nascimento
Heloísa Fernandes IMAGENS:
Luana Reis Depositphotos
Freepik

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)


_GRUPOEUREKA (BENITEZ Catalogação Ass. Editorial, MS, Brasil)
Aline Graziele Benitez – Bibliotecária - CRB-1/3129
GRUPOEUREKA.COM.BR

RUA VERGUEIRO, 3307


VILA MARIANA, SÃO PAULO/SP F899t Fernandes, Eunícia 1.ed. Trilhas formativas :
04101-300 memória e sociedade : volume 1 / Eunícia Fernandes ;
organizadores Thiago Carvalho, Letícia Tury. – 1.ed. –
São Paulo : Eureka Soluções Pedagógicas, 2023. 144 p.;
il.; 20,5 x 27,5 cm.
Texto conforme Novo Acordo Ortográfico da
Língua Portuguesa. ISBN 978-85-5567-784-7

1. Sociedade. 2. Sociologia (Ensino médio). I. Carvalho,


Thiago. II. Tury, Letícia. III. Título.
IMPRESSO NO BRASIL

Todos os direitos reservados e protegidos pela Lei n. 9.610, de 10/02/98. 09-2023/192 CDD 301
Nenhuma parte deste livro, sem autorização prévia por escrito da Editora
Eureka, poderá ser reproduzida ou transmitida, sejam quais forem os meios
empregados: eletrônicos, mecânicos, fotográficos, gravação digital ou
quaisquer outros. Índice para catálogo sistemático:
A natureza dinâmica da internet e as constantes atualizações podem impactar 1. Sociologia : Ensino médio 301
a disponibilidade dos recursos on-line indicados.
APRESENTAÇÃO
Caro estudante,
A trilha Memória e Sociedade ativa questões fundamentais para pensar as relações sociais no
mundo contemporâneo. Os três componentes curriculares que compõem a trilha focam em encon-
tros e embates entre diferenças, o que se tornou inevitável num mundo globalizado e com grande
fluxo migratório.
O primeiro componente curricular, Ancestralidade e cultura, é convite à reflexão sobre o reco-
nhecimento e a valorização da diversidade humana. Durante séculos, o paradigma foi de domínio
de alteridades e estabelecimento de uma regra única por parte do dominador. No século XXI, há
a exigência de respeito ao outro, antes dominado, e há a colisão entre povos que se ancoram na
ancestralidade e aqueles que, amparados pela razão moderna ocidental, querem fazer do mundo
seu espelho.
No componente curricular, Multiculturalidade: tempo e espaço, você terá a oportunidade de co-
nhecer conceitos que buscam explicar relações no mundo plural, observando a negociação entre os
diversos, mas também conhecer casos de conflito e desqualificação do outro.
Por fim, no componente curricular Preservação dos espaços coletivos, a reflexão sobre os “espaços
coletivos” evidenciará a insuficiência das categorias espaço público/espaço privado e exemplificará
como a vivência compartilhada confere significado aos espaços. Será chance de pensar sobre a conexão
entre espaço, memória e identidade, colocando a necessidade de avaliarmos criticamente a construção
do coletivo nacional.
A trilha oferece várias atividades que pensam escola e educação articuladas à vida e propõem
desafios à criatividade, promovendo habilidades indispensáveis para interpretar e agir no mundo.
Aproveite!
SUMÁRIO
APRESENTAÇÃO . . . . . . . . . . . . . . . . . . 3

ANCESTRALIDADE E CULTURA . . . . . . . . . . . . . . . 7
Introdução . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 8
Avaliação diagnóstica . . . . . . . . . . . . . . . . . . 8

CAPÍTULO 1: O que é ancestralidade? . . . . . . . . . . . . . . . . . 10

CAPÍTULO 2: Nomes e ancestralidade . . . . . . . . . . . . . . . . . 19

CAPÍTULO 3: Eu sou porque nós somos . . . . . . . . . . . . . . . . . 27

CAPÍTULO 4: Respeite a si mesmo, respeite o outro . . . . . . . . . . . . . 36

MULTICULTURALIDADE: TEMPO E ESPAÇO . . . . . . . . . . . . 51


Introdução . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 52
Avaliação diagnóstica . . . . . . . . . . . . . . . . . . 53

CAPÍTULO 1: O que é multiculturalismo? . . . . . . . . . . . . . . . 54


CAPÍTULO 2: Camadas de interações culturais . . . . . . . . . . . . . . 63

CAPÍTULO 3: Mundo digital e multiculturalismo . . . . . . . . . . . . . . 71

CAPÍTULO 4: Multiculturalismo e interculturalidade . . . . . . . . . . . . . 80

PRESERVAÇÃO DOS ESPAÇOS COLETIVOS . . . . . . . . . . . . 95


Introdução . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 96
Avaliação diagnóstica . . . . . . . . . . . . . . . . . . 97

CAPÍTULO 1: Espaços coletivos: memória e identidade . . . . . . . . . . . . 99

CAPÍTULO 2: O Iphan: criação e preservação de espaços coletivos . . . . . . . . . 108

CAPÍTULO 3: Participação, biblioteca e transformação . . . . . . . . . . . . 116

CAPÍTULO 4: Cais do Valongo: memória e identidade . . . . . . . . . . . . 123

FECHAMENTO . . . . . . . . . . . . . . . . . . 136

AVALIAÇÃO FINAL . . . . . . . . . . . . . . . . . 138

REFERÊNCIAS . . . . . . . . . . . . . . . . . . 140
ANCESTRALIDADE
E CULTURA
TRILHAS FORMATIVAS

INTRODUÇÃO

Que lembranças a sociedade escolhe? Quais esquecimentos produz? Nossos antepassados têm
algo a dizer que possa nos orientar no presente? As orientações do passado podem ser chamadas de
cultura? As próximas páginas não pretendem ser respostas para essas questões, mas materiais para
que você, os colegas e o professor construam seu próprio caminho.
No Capítulo 1, vamos pensar sobre o que é ancestralidade, mas não como um verbete de
dicionário; ao contrário, vamos problematizar o uso da palavra. Você sabia que ela só surgiu em
português no século XIX? E, mantendo o sentido de se conectar ao passado, sabia que seu valor
muda dependendo de quem a diz?
No Capítulo 2, vamos aprofundar como a língua, e mais especificamente os nomes, são caminhos
para percebermos a diversidade cultural, e como alguns povos seguem seus ancestrais, enquanto
outros, não.
No Capítulo 3, vamos conhecer eventos e estratégias que procuraram apresentar a importância
do outro – sim, aquele que é diferente de nós – para a existência da humanidade, compreendendo
como ele, inclusive, nos ajuda a constituir quem somos.
No Capítulo 4, vamos refletir sobre responsabilidades e ações e como nos colocamos diante
de dilemas resultantes da tensão entre ancestralidade e modernidade.
Os textos foram escritos e pensados para gerar deslocamentos, fazê-lo sair de suas certezas. Tal-
vez não especificamente no conteúdo – em que você encontra alguns dados que conhece e outros
dos quais talvez nunca tenha ouvido falar (você sabe qual é a língua falada pelos Bakongo?) –, mas
sobretudo no modo de lidar com eles. Vamos começar?

AVALIAÇÃO DIAGNÓSTICA

1. Eu não tenho velhos livros como eles, nos quais estão desenhadas as histórias dos meus antepas-
sados. As palavras dos xapiri estão gravadas no meu pensamento, no mais fundo de mim. São as
palavras de Omama (*demiurgo). São muito antigas, mas os xamãs as renovam o tempo todo
(Kopenawa, 2015, p. 65).

a) De acordo com a fala, como o conhecimento se atualiza?


b) O que está em causa para o pajé iniciar a frase com a comparação com os povos não indígenas?
c) Pensando na frase, o que seria a “ancestralidade”?

8
MEMÓRIA E SOCIEDADE

2. Assista à animação da Pixar Coisas de pássaros, disponível no QR Code a seguir, depois, em uma
roda de conversa, discuta com seus colegas sobre convivência, diferença e ética.

Coisas de Pássaros,
direção Ralf Eggleston, 2000.
Acesso em: 05 jun. 2024

3. Segundo o geógrafo Guy di Méo, “O espaço vivido se alinha ao imaginário do ator social”
(Di Méo, 1998, p. 31). Vamos pensar juntos: O que significa a frase? E se o ator social fosse
um coletivo em lugar de um indivíduo, a frase ainda teria pertinência?

9
CAPÍTULO 1

O que é
ancestralidade?
COMPREENDER

As palavras têm história, pois dependem da significação de quem as usa. Quando a vida dos ho-
mens muda, as palavras mudam com eles. Por isso, se considera que as línguas são organismos vivos:
seus falantes criam termos em função das experiências vividas e novos significados para antigos ter-
mos. Uma língua inteira pode ser esquecida caso seus falantes sejam extintos: perde-se o acesso às
formas de ver e pensar o mundo daquele grupo. Pense no vazio que se instaura.
A língua é uma poderosa referência da comunidade e de sua continuidade, portanto, da
ancestralidade de um grupo. O ancestral é o antepassado, e a ancestralidade é o conceito que
aponta simultaneamente para os valores de anterioridade e de coletividade, identificados nos
mais velhos: a consciência de que o que vivemos – a realidade atual como nossa própria existên-
cia – dependeu de ações deles.
A língua revela a comunicação entre pessoas e tempos, construindo pertencimento: aprender
uma língua é ser inserido numa coletividade, num modo de pensar que nos antecede. Mas a língua
é viva: respeitar a ancestralidade não significa reproduzir os antepassados, mas levá-los em
consideração na escolha de novos caminhos. Com a língua, conhecimentos são elaborados e
transmitidos, mas também atualizados, garantindo que as antigas referências estabeleçam vínculos
com as novas realidades: que os princípios da comunidade continuem fazendo sentido e orientando.
“Quando não souber para onde ir, olhe para trás e saiba pelo menos de onde vem”, expressão de
provérbio africano.
Sabe o que é curioso? A palavra ancestral só apareceu no português no século XIX. Dá o que
pensar: Por que não existia antes? Qual foi a motivação para ela aparecer naquele momento? E será
que seus usos no século XIX são os mesmos do século XXI?
De imediato, parece existir uma contradição: Como a palavra ancestral (que destaca o valor do pas-
sado) vai aparecer no século XIX, que é referência na consolidação da Revolução Industrial, do capitalis-
mo e de valores burgueses, ou seja, o século da palavra progresso (que destaca e valoriza o futuro)?
O século XIX foi o momento das pesquisas de Charles Darwin sobre a origem das espécies e da
construção de teorias racialistas que guiaram a formação dos Estados-nações, localizando quem
seria (ou não) cidadão.

10
MEMÓRIA E SOCIEDADE

Também foi momento da onda imperialista europeia, mais uma vez subordinando populações
tradicionais em todo o mundo e criando, a reboque do discurso científico, um conteúdo para com-
preender o que eram e como viviam tais populações: a Antropologia.
Estão ficando evidentes motivações para o aparecimento de ancestral e de ancestralidade. Não há
contradição: por um lado, a busca da origem das espécies incorpora a busca do ancestral humano; por
outro, na voz de cientistas e governantes, tais palavras ajudavam a expressar a diferença de princípios
entre colonizadores e colonizados, legitimando uma suposta inferioridade das populações tradicionais
(voltadas para o passado) que, por isso, deveriam se subordinar aos superiores europeus em nome de
uma ideia de evolução (voltada para o futuro).
Mas no século XX, em lugar de representar visões e teorias europeias, ancestral e ancestra-
lidade foram enunciadas por aqueles que haviam sido marginalizados. O conteúdo das palavras
– seu vínculo com o passado – permaneceu, mas usado por outros sujeitos e em novos contex-
tos seu significado foi transformado.
Quais são os novos contextos? É preciso considerar que o conhecimento científico avança na medida
de seu questionamento: as verdades de hoje podem não ser as de amanhã. No caso, no campo das ciências
humanas e sociais, o conceito de raça primeiro foi deslocado pelo conceito de cultura para pensar as so-
ciedades e, depois, no campo da Biologia, chegou a ser cientificamente invalidado. Lutas de trabalhadores,
guerras e até uma crise de superprodução romperam com a antiga esperança de progresso infinito, sur-
gindo críticas severas ao capitalismo. E não podemos esquecer que o sujeito universal do Iluminismo foi
questionado e se tornou insustentável diante da descolonização na África e na Ásia: permitiu a quebra de
subordinações seculares, deu visibilidade a culturas silenciadas e fôlego à luta por direitos por parte de
afrodescendentes e indígenas submetidos em terras americanas.
Em meio a tudo isso, as palavras ancestral e ancestralidade migraram para a voz dos povos
que haviam sido dominados, afirmando a permanência de valores e critérios de antes da do-
minação. O vínculo com o passado mudava de estatuto, deixando de ser algo que deveria ser
apagado e passando a algo que deveria ser celebrado. Assim, as palavras foram positivadas por
representarem a recuperação de filosofias silenciadas, evidenciando outras lógicas e saberes
capazes de fortalecer a resistência a padrões e costumes impostos.
Povos desterritorializados e
distanciados de suas origens vi-
ram, na afirmação de suas cultu-
ras tradicionais, um caminho para
garantir respeito, dignidade e me-
lhores escolhas, especialmente na
convivência com aqueles que os
despossuíram. Olhar para trás não
como atraso ou obstáculo, mas
como condição de existência e
possibilidade de amanhã.

Multigeração de uma família reunida e feliz.

11
TRILHAS FORMATIVAS

O conceito de ancestralidade enunciado por esses outros atores sociais ativou uma circulação inten-
sa entre passado, presente e futuro, inventando outros horizontes. Por exemplo, a consciência sobre a
conexão entre nós e os que nos antecederam institui uma ética distinta da ética individualista do capita-
lismo, pois exige o reconhecimento da coletividade, ou seja, exige uma responsabilização nossa pelo todo.
É um outro modo de pensar.
Mas como povos distanciados de suas origens poderiam se reconectar a elas? É importante res-
saltar que o conceito de ancestralidade se relaciona com uma linhagem, com pais, avós, bisavós
concretas, mas não só. O vínculo biológico existe na formação da comunidade, mas a herança à qual
o conceito se refere não está apenas nele, ao contrário, é extremamente cultural.
Pela visibilidade e realizações, alguns movimentos por di-
reitos de negros nos Estados Unidos se tornaram emblemáticos
da afirmação da ancestralidade. O Black Power e o partido dos
Panteras Negras são exemplos importantes, tanto por terem exi-
bido silenciamentos culturais como por terem construído lastro
para movimentos posteriores, como Black Lives Matter, iniciado
em 2013. Entretanto, é necessário não confundir a visibilidade
conquistada com a ideia de que a ancestralidade seja um valor
ou uma filosofia exclusivamente de africanos e afrodescenden-
tes. Sem o mesmo alcance midiático, outros tantos povos origi-
nários e comunidades tradicionais a estabelecem como valor
fundamental. Podemos falar dos aborígenes da Austrália, dos
inuítes da América do Norte, dos nenets da Rússia e devemos
falar das diferentes etnias indígenas do Brasil. Devemos ainda
considerar que, como é uma ideia/um valor em circulação, seu
sentido pode atingir grupos e sociedades que não possuíam tal
princípio. Lembre-se: a trajetória humana se faz com mudanças.
Os velocistas americanos Tommie
Talvez você não tenha lido, mas um dos últimos livros do
Smith e John Carlos, junto com o líder indígena Ailton Krenak (lançado em dezembro de 2022)
australiano Peter Norman, na cerimônia
de premiação da prova de 200m nos tem o título Futuro ancestral. Foi este autor que, em 1987, em
Jogos Olímpicos do México. Durante meio às discussões para a elaboração da nova Constituição
a cerimônia de premiação, Smith (ao
centro) e Carlos protestaram contra a Brasileira, subiu ao plenário na Assembleia Constituinte para
discriminação racial: eles foram descalços
no pódio e ouviram seu hino abaixando a expor quem seriam os indígenas e as ameaças que sofriam, ao
cabeça e erguendo um punho com uma mesmo tempo que se pintava como muitos indígenas pin-
luva preta. México, 1968.
tam-se em luto. Em meio à instituição e às regras dos bran-
cos, fez uso da ancestralidade para marcar seu discurso e in-
tenção. Amplie suas referências e assista ao vídeo da fala de
Ailton Krenak na Constituinte: Índio cidadão?.

Índio cidadão?
Grito 3 Ailton Krenak - Índio
cidadão? – O filme.
Acesso em: 25 fev. 2024.

12
MEMÓRIA E SOCIEDADE

APLICAR
1. Leia o fragmento a seguir e assinale a alternativa que não tem fundamento.
O preconceito linguístico resulta da comparação indevida entre o modelo idealizado de língua que se
apresenta nas gramáticas normativas e nos dicionários e os modos de falar reais das pessoas que vivem na
sociedade, modos de falar que são muitos e bem diferentes entre si. […]. Quando analisado de perto, o
preconceito linguístico deixa claro que o que está em jogo não é a língua, pois o modo de falar é apenas
um pretexto para discriminar um indivíduo ou um grupo social por suas características socioculturais e
socioeconômicas: gênero, raça, classe social, grau de instrução, nível de renda etc (Bagno, 2014).
a) A divisão entre língua (norma) e fala (uso) nos permite ver que entre a norma-padrão e
o uso da língua há variações. Tal perspectiva se adéqua à ideia de que a língua é um orga-
nismo vivo e que as palavras podem ganhar novos usos e significados.
b) A validação de apenas uma língua nacional em país onde são faladas muitas línguas tende
a criar situações de preconceito linguístico para os falantes das outras línguas que não
dominem completamente a língua oficial.
c) A definição do português como língua brasileira e a inclusão de indígenas em escolas
tradicionais podem ser uma ameaça à perpetuação das línguas maternas indígenas.
d) A ideia de preconceito linguístico não dialoga com a ideia de ancestralidade, pois ela se
refere às questões socioculturais e socioeconômicas.
e) O preconceito linguístico pode ser mecanismo de silenciamento da língua materna e,
consequentemente, de perda de referências ancestrais.

2. Os séculos XIX e XX apresentam contextos sociais diferentes no uso da palavra ancestral. A se-
guir você encontra afirmações sobre os dois séculos e deve assinalar aquela que não se relaciona
com o tema da ancestralidade.
a) A quebra da Bolsa de Nova York, em 1929, foi a primeira crise de superprodução do capitalis-
mo, abalando as certezas sobre o sistema que tem uma perspectiva individualista do mundo.
b) A Proclamação da República no Brasil, em 1889, deu início a um período de governantes militares,
esvaziando o lugar de grupos e projetos liberais que foram mobilizados desde a década de 1870.
c) O modelo fabril implementado pela Revolução Industrial – consolidado no século XIX e
base da economia mundial ainda hoje – tem como característica a subdivisão em seções
de trabalho, em que cada trabalhador se torna especialista. Teoricamente, é um modelo
que separa as partes do todo, fragilizando a responsabilidade coletiva.
d) Os domínios coloniais tradicionalmente impuseram língua, leis, religião, crenças, modos de vida
do dominador etc. As lutas de descolonização na África e na Ásia depois da Segunda Guerra
Mundial, deste modo, iam muito além da intenção de quebra do controle político e econômico.
e) A performance de Ailton Krenak na Assembleia Constituinte de 1987 pleiteava um lugar para
os indígenas como indígenas, ou seja, mantendo seus princípios e práticas, dentro da sociedade
contemporânea. Podemos dizer que pleiteava a manutenção/validação de valores ancestrais.

13
TRILHAS FORMATIVAS

3. Sobre a palavra ancestralidade, o que é possível afirmar?


a) Como todos temos antepassados (ancestrais), ancestralidade é uma palavra que sempre existiu.
b) O termo ancestralidade é um conceito da Biologia e se refere exclusivamente a característi-
cas fenotípicas.
c) “Quando não souber para onde ir, olhe para trás e saiba pelo menos de onde vem” é um
provérbio africano que aciona o sentido de ancestralidade.
d) O conceito de ancestralidade é uma filosofia africana, impossível de ser pensado para
outros povos.
e) Independentemente de quem fale e de por que fale, a palavra ancestralidade vai ter sem-
pre o mesmo sentido, sua positividade ou negatividade não se altera.

4. Leia o fragmento a seguir e assinale a afirmação mais completa na consideração do caso


apresentado.
A cacica Kátia Akrãtikatêjê, primeira líder feminina da etnia Gavião Akrãtikatêjê, sofreu na pele a
tentativa de apagamento da sua língua nativa. No documentário Pisar Suavemente na Terra, ela lembra
que, ao entrar na escola, com 9 anos, a então professora dava beliscões nos seus braços e ainda a deixava
de castigo, alegando que ela não falava direito e que usava muita gíria. “Eu sentia vergonha de mim, por
falar daquele jeito” (Melo, 2022, on-line).
a) A consideração exclusiva de uma língua nacional em países com diferentes línguas pode
gerar silenciamentos por meio dos projetos educacionais.
b) O caso expressa práticas antigas e não mais aceitáveis de violência de professores contra
estudantes, muitas vezes exercida em função de uma ideia de autoridade sobre o saber, a
conduta e os corpos dos estudantes.
c) O fragmento apresenta mudanças nas referências tradicionais da etnia Gavião, haja vista
o depoimento ser da primeira cacica do grupo, função antes sumida exclusivamente por
homens.
d) A escola pode ser espaço de ampliação e abertura ao conhecimento como pode ser espa-
ço de fragilização do conhecimento.
e) O fragmento expõe o contraste e a convivência entre mudanças – como o cacicado de
uma mulher na etnia Gavião – e permanências – como as aas práticas violentas antes
aceitas – na sociedade brasileira, destacando como a escola pode ser instrumento de si-
lenciamento de saberes.

5. Clementina de Jesus foi uma cantora negra brasileira nascida em 1901. Filha de uma parteira e
de um capoeira e violeiro, passou a infância em Valença (RJ), ouvindo sua mãe cantar enquanto
lavava as roupas à beira do rio. Foi reconhecida por resgatar cantos negros tradicionais e por
popularizar o samba. Música de seu repertório, Cangoma me chamou é marcada por tambores e
palmas: “Tava durumindo cangoma me chamou/Tava durumindo cangoma me chamou/Disse
levante povo, cativeiro já acabou”. Assinale a sentença que é obstáculo à ancestralidade.

14
MEMÓRIA E SOCIEDADE

a) A tradição oral de muitos povos africanos permitiu, na África e nas Américas, a


transmissão de conhecimentos ancestrais apesar da escravização. Ideias e valores po-
dem, assim, ter atravessado séculos e serem acessados hoje.
b) A letra da música de Clementina traz palavras que não seguem a norma padrão, por-
tanto não deveria ser cantada ou tocada nas escolas.
c) A palavra cangoma é traduzida como festa de tambores. Tanto a permanência/o
uso de vocábulo banto no Brasil como a alusão aos tambores expõem a transmis-
são de cultura ancestral.
d) Ouvir Clementina de Jesus hoje em dia é uma possibilidade de acesso ao tempo dela
(1901-1987), mas também a tempos imemoriais de culturas africanas.
e) Ao sabermos que a mãe cantava no trabalho, o pai era violeiro e identificarmos a filha can-
tando músicas aprendidas na infância, fica exposta como ocorre a transmissão ancestral.

6. Sair do lugar onde se conhece tudo e todos. Chegar num lugar onde não se conhece nada
nem ninguém. Sem conhecer mercados e o que se come; sem falar a língua e não conseguir
se comunicar; sem direção, tanto física como simbólica. Mais do que perda de um lugar, a
desterritorialização é uma experiência de perda das referências, por isso mesmo, aqueles que
não viveram talvez não alcancem seu impacto. Como os testemunhos orais costumam nos
aproximar do outro, a proposta é, em grupo, encontrar narradores que passaram por uma
desterritorialização e estejam dispostos a compartilhar o impacto causado na vida deles. Cada
grupo fará pequenos vídeos para trocar com os colegas na classe, e todos narrarão. Após as
apresentações dos vídeos, é importante que seja aberta uma roda de conversa, para que divi-
dam as experiências da realização dos materiais e da reflexão sobre as experiências.

15
TRILHAS FORMATIVAS

7. No Brasil, alguns nomes se destacam na luta con-


tra o racismo e pelo reconhecimento de direitos
de negros: Abdias Nascimento e Lélia Gonzalez Como fazer um Zine ou
são referências inescapáveis. Faça uma pesquisa Fanzine - Dicas de como
colorir - Camila Cabral.
sobre um deles e produza um zine que possa ser Acesso em: 25 fev. 2024.
copiado e distribuído na sua escola. Observe no
QR Code ao lado um modelo.

Atenção! Não devemos comparti-


lhar informações falsas ou equivocadas;
por isso, tenha cuidado com as fontes
que utilizar.

8. Você já ouviu falar em epistemicídio? O termo expressa a invisibilização dos conhecimentos


não europeus dentro de processos colonizadores e imperialistas. Dito de outro modo, os
povos colonizados tiveram seus saberes silenciados ou deslegitimados e foram submetidos
ao saber europeu, compreendido como um padrão universal. Desenvolva uma reflexão sobre
a relação entre epistemicídio e a validação do conceito de ancestralidade com base no que
leu na seção Compreender.

16
MEMÓRIA E SOCIEDADE

CONECTAR
• Slam.
Você já foi a alguma apresentação ou batalha de slam?
Sabe o que é? Você sabia que essa expressão artística dia-
loga com o sentido de ancestralidade tanto na sua forma
como no seu conteúdo?
Reconhecida como a pessoa que trouxe o slam para o Brasil, Participantes de uma batalha de slam.
Roberta Estrela D’Alva diz que:
Os poetry slams, ou simplesmente slams, são batalhas de poesia falada que surgiram na década de
1980 nos Estados Unidos e hoje se estabeleceram como uma das mais democráticas formas de poe-
sia performática em todo o mundo. Sua popularização se deu como uma resposta à ideia elitista de
que a poesia seria um gênero restrito aos círculos acadêmicos; que pertenceria exclusivamente a um
ou outro determinado grupo social específico; ou mesmo que existiria somente enquanto manifes-
tação escrita (D’Alva, 2019, p. 270).
As batalhas poéticas falam de exclusões e violências (como o racismo e a misoginia), muitas
vezes resultantes dos processos de colonização, exploração e diáspora, assumindo uma voz de
resistência, portanto, de afirmação de identidades ancestrais, e não daquelas estabelecidas pelos
colonizadores. Mas não só o tema dos poemas cantados ativa sentidos da ancestralidade: o fato
de ser uma performance também é significativo. O slam reativa a oralidade diante do poder da
palavra escrita.
Você conhece o movimento do slam no Rio de Janeiro? Já ouviu falar no Slam Colegial RJ? Que
tal montar um slam na sua escola?
» Acesse o QR Code ao lado e visite a página da Flup
– Festa Literária das Periferias, organizadora do
Slam Colegial RJ: @fluprj.
» Acesse o QR Code ao lado e visite os perfis do
Instagram @slamrj e @slamdasminasrj. @fluprj.
Acesso em: 25 fev. 2024.
» No site do Sesc, há uma página com um breve
histórico dos grupos no Rio de Janeiro e a in-
dicação de mais de 50 grupos. Acesse-o atra-
vés do QR Code a seguir.
@slamrj e
@slamdasminasrj
Acesso em:
25 fev. 2024.

Sesc.
Acesso em: 25 fev. 2024.

• Negras Cabeças, de Íldima Lima.


Sabemos como um filme ou uma banda podem influenciar pessoas no modo como elas se ves-
tem e se arrumam. Mas o que mobiliza isso? A identificação com os conteúdos que são transmi-
tidos. Entretanto, mais do que “modinha”, como apresentamos nossos corpos é expressão do
que temos como referência e do que acreditamos.

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TRILHAS FORMATIVAS

A luta de afrodescendentes nos Estados Unidos pode ser um exemplo: já havia desde o início do
século XX um questionamento sobre o alisamento de cabelos, mas o avanço da luta por direitos fez
aderir um conjunto de ideias a uma forma específica de se apresentar. O movimento Black Power,
assim nomeado em 1966 por Stokely Carmichael, ganhou evidência física nos cabelos volumosos e
arredondados: afirmar outro parâmetro de beleza era parte da luta, pois o reconhecimento de direitos
era também um reconhecimento cultural. O cabelo Black Power era um modo de expressar que Black
is Beautiful.
Segundo o filósofo e professor da UFRJ, Renato Noguera:

O cabelo Black Power é uma resistência à estética do racismo estrutural. Numa sociedade racista,
um dos aspectos mais presentes é a recusa da elegibilidade das pessoas negras serem bonitas. Isso
passa pelo cabelo, de tal forma que os cabelos crespos eram colocados como ruins. A poetisa Elisa
Lucinda até coloca em um dos seus espetáculos: “É um cabelo que está preso ou armado, que nem
bandido (Noguera, 2022).” A relação entre cabelo e ancestralidade, porém, não se limita às lutas so-
ciais no século XX. O modo de se apresentar – o tecido, os adornos, a pintura ou a escarificação cor-
poral e penteados – foi e é referência na identificação entre povos e etnias, ou seja, são índices da
ancestralidade, da trajetória e valor dos antepassados na orientação da vida.

Ficou interessado? Visite o site Negras Cabeças


da artista plástica Íldima Lima, através do QR Code
ao lado
Negras cabeças.
Acesso em: 25 fev. 2024.

SISTEMATIZAR
ANCESTRALIDADE

VISIBILIDADE BIOLÓGICA/CULTURAL LÍNGUA

Black Power Comunidade/


Ailton Krenak
Panteras Negras Transformação
Black Lives Matter

Constituinte Futuro
1987 Ancestral

SÉCULO XIX SÉCULO XX


VOZ DOS COLONIZADORES VOZ DOS COLONIZADORES

Origem das espécies Guerras e crise de superprodução


Teorias racionalistas Tentativa de invalidação de raças
Imperialismo Descolonização da África e Ásia

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CAPÍTULO 2

Nomes e
ancestralidade
COMPREENDER
Uma das formas de exibir a ancestralidade é através do nome, não só porque ele tradicional-
mente faz sentido em uma língua que carrega uma história, mas também porque, para nós brasilei-
ros e ainda para outras sociedades, o sobrenome nos conecta a nossos antepassados, a uma linha-
gem: muito antes de testes de DNA, árvores genealógicas mapeavam trajetórias familiares.
Nomear, ter um nome e ele se referir diretamente a pais, avós, bisavós é tão comum que não nos
detemos a pensar sobre isso. Mas, ao não pensar, naturalizamos coisas que não são naturais, por
exemplo, que o último sobrenome é o paterno. Não, não é uma regra de toda sociedade moderna
cristã. Na Espanha e na América colonizada por espanhóis, o último sobrenome é o da mãe.
Já foi hábito comum o menino carregar todo o nome do pai ou do avô, adicionando Filho
(Júnior) ou Neto, construindo uma honraria e ideia de perpetuação familiar vinculada à proprieda-
de. Outra norma tradicional no Brasil era a mulher assumir o sobrenome do marido após o casa-
mento, portanto, passando da posse paterna para a posse marital. O movimento feminista impactou
tomadas de decisão e cada vez mais mulheres mantêm seu nome de solteira, seja por não constituí-
rem famílias tradicionais, seja por continuarem com seus nomes de nascimento após o casamento.
Mais um exemplo interessante para complexificar o sentido dos nomes
no Brasil é a regulação para sua alteração, antes restrita e difícil e agora fle-
xibilizada em função de diferentes demandas que vão dos testes de DNA/
paternidade à situação de pessoas trans que, atualmente, nem precisam de
processo judicial para fazê-lo, podendo alterar nome e gênero diretamente
no cartório. Os nomes e as formas de nominar expressam mudanças no
modo de ver da sociedade. São evidências da transformação cultural, opor-
tunidades de observar e refletir que, de modo coletivo, a compreensão que
a sociedade tem de si mesma vai mudando: nada é universal ou eterno.
Na chave da diversidade cultural, que tal conhecer a forma árabe de
nominar? São outras orientações com longos nomes, organizados num
encadeamento conhecido, que ajudam a localizar quem é a pessoa para além de
seus genitores ou linhagem, uma vez que incluem características pessoais ou
localidade de nascimento. São partes do nome: ismi, que é o nome principal;
Mulher grávida com
sugestões de nomes para o
bebê que vai nascer.
19
TRILHAS FORMATIVAS

nassabi, que é a referência da ascendência (o sobrenome no Brasil); lacabi, que é uma descrição da
pessoa, como um adjetivo; e nisba, um adjetivo que indica o local de origem ou afiliação tribal, usado
no final do nome. Numa apresentação entre desconhecidos, de imediato, ao dizer o seu nome, você
conta para o outro quase uma história da sua vida, dizendo características pessoais e de onde você vem.
As normas para dar nomes são culturais, portanto, mais do que o nome em si, o porquê e o como
da nominação são pistas de condutas que valorizam (ou não) a ancestralidade. Em 1934 na Turquia,
por exemplo, foi criada uma lei alterando o modo tradicional de nomear. Chamada Lei do Sobrenome,
passou a exigir um sobrenome (antes opcional) e estipulou que os prenomes fossem turcos. A propos-
ta era criar uma nova sociedade turca depois da proclamação da república, medida que representava
uma adesão ao modo ocidental (ocidentalização) e previa uma facilitação na tributação de impostos e
no recrutamento militar, portanto, inspiração em nada relacionada à ancestralidade.
Em oposição a regras que se orientam pelo conceito de propriedade, subordinação feminina ou
gerenciamento governamental, há sociedades em que a escolha do nome sequer é da esfera dos seres
humanos, pois é recebida de divindades pelo pajé ou, na ausência dele, pelo pai da criança, que tem
o nome revelado em sonho.
Entre os indígenas Mbyá-Guarani, por exemplo, cada pessoa costuma ter três nomes diferentes:
o nome verdadeiro (vindo das divindades), o nome juruá (em português) e o apelido. O nome ver-
dadeiro só é concedido em ritual com 1 ou 2 anos de idade. Ele é nome-espírito, que acompanha o
sentido da vida daquele indígena: acredita-se que aqueles que não seguem o seu nome podem vir a
ter problemas graves de desorientação, justamente por fugir ao caminho de ser Mbyá. O equilíbrio
da existência, individual e coletiva, depende do alinhamento entre nome e espírito.
O nome tem uma grande importância para o povo mbya guarani, pois é nele que se baseia qua-
se toda a estrutura de vida, o Nhandereko. Sem ele, o indivíduo, parece não existir, fica como um ser
invisível na sociedade. A pessoa pode contrair doenças em seu corpo e na sua comunidade, podendo
até influenciar na convivência entre seus parentes, prejudicando a religiosidade e interferindo no
bem-estar, Tekó (Martins, 2020, p. 41).
Além da origem divina do nome estar conectada ao papel social na comunidade, o cerimonial
de nominação da criança é também ritual de consagração do milho, principal alimento do grupo.
Deste modo, a existência da pessoa está articulada à existência de todos na dimensão espiritual e
material, considerando o alimento como precondição da vida.
A palavra (e o nome) conecta culturas ancestrais e culturas orais. Não que a aquisição da escrita
impeça a manutenção da filosofia ancestral, mas é preciso pontuar que na ausência da escrita há um
esforço sistematizado de memória, de construção de histórias que possam localizar a experiência da
comunidade no tempo. Assim, as narrativas, ao mesmo tempo que podem singularizar sujeitos (como
a história de um rei ou fundador), entrelaçam os sentidos da comunidade.
Segundo pesquisadores, atualmente em Angola, os nomes tradicionais da cultura Bakongo estão
sendo substituídos por nomes de colonizadores portugueses, o que enfraquece significados sociais,
pois os nomes e o ato de nomear contavam histórias e orientavam a interpretação sobre a pessoa, loca-
lizando-a num conjunto particular de experiências, de modo assemelhado ao caso árabe.

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MEMÓRIA E SOCIEDADE

Entre os falantes de kikongo, língua bakongo, a atribuição do nome não está prevista por deuses, mas
revela contextos do nascimento da pessoa – se é primogênito, se é o último, se é gêmeo, a posição ao nas-
cer ou se foi prematuro –, contando aos outros a história de sua entrada no mundo. E como há mais de
uma entrada, há previsão de mudança de nome na juventude, após o período de iniciação para a vida
adulta. Ao serem assumidos nomes portugueses, tais referências se apagam, interferindo em como a co-
munidade compreende quem e como faz parte dela. “De onde eu vim?”; “De onde ele veio?”; “Quem é?”.
Já foi visto como a língua é alicerce para uma cultura e, aqui, a escolha por nomes próprios portugue-
ses não só esgarça a capacidade de reconhecimento entre a comunidade, mas incide também no gradual
apagamento da língua em si, em função de perdas gráficas, fonéticas e semânticas. Por exemplo, quando
o nome nativo Nkosi é preservado, ele passa a ser escrito como Coxe, uma grafia portuguesa. A grafia
diferente mina a sonoridade da palavra nas novas gerações e se afasta do sentido original de Nkosi (leão
ou homem capaz de solucionar ou resolver seus problemas sem intervenção de outros).
Enquanto para os Mbyá-Guarani, o nome juruá (em português) não é importante, eles esco-
lhem qualquer um apenas para fazer o registro no cartório, para a cultura bakongo em Angola, a
adesão ao nome do colonizador aparece como ameaça à ancestralidade. O dilema de “ser ou não ser”
apresentado por Shakespeare deve ser observado com base no “como ser”.

APLICAR

1. Os colonizadores, em suas viagens, foram nomean-


do rios, mares e terras. Como num ato de magia,
foram criando lugares que passaram a constar em
mapas, viabilizando indicações para o retorno. O
ato de nomear é um exercício de poder e, no caso
citado, não só pela criação do lugar, mas também
por desconsiderar/apagar a existência de nomes e
significados dados pelos nativos. Com tal com-
preensão, assinale a questão incorreta.
a) Podemos supor que, enquanto os
colonizadores utilizavam certos nomes para
identificar a costa brasileira, os indígenas
utilizavam outros nomes. A subordinação Mapa histórico do Brasil de 1652.
ao uso do nome colonizador pode gerar esvaziamentos de significados ancestrais.
b) O que vale é o registro escrito, tanto os mapas dos colonizadores como o nome cartorial
dos Mbyá-Guarani.
c) O exemplo de nomeação territorial se assemelha ao que ocorre atualmente em Angola no
exemplo de nomeação de pessoas da cultura bakongo.

21
TRILHAS FORMATIVAS

d) O termo mapeamento tanto se adequa aos nomes colocados no papel junto a imagens
que orientam o retorno como aos nomes que revelam uma trajetória pessoal, localizan-
do o sujeito no tempo (ascendência) e no espaço (local de origem), como ocorre com
os nomes árabes.
e) Os colonizadores, ao procederem as nomeações, estavam executando rituais de posse
para seus respectivos monarcas.

2. A língua é um elemento sensível. As palavras, iguais, dizem coisas diferentes, como já visto no Capí-
tulo 1, com o significado de ancestral (os contextos diversos dos séculos XIX e XX e o falante). O
escritor angolano Ondjaki, no episódio 84 do podcast da Revista 451 (24 de março de 2023), fez
questão de marcar que a palavra preto possui distintas conotações entre diferentes áreas colonizadas:
“[...] Brasil às vezes está numa frequência e as pessoas ali estão. Outras não, não é igual. Sabe, por
exemplo, o termo preto em Angola tem que ser usado com algum cuidado. Claro que depende de quem
está a usar, em que contexto é que está a usar, mas isso é uma coisa brasileira... [...] nos últimos anos tem
tido mais força da valorização e da naturalização: diz o que é cabelo preto, fui a uma festa preta [...] Isso
não é igual em todos os países, não é igual”.
Considerando a reflexão acima e o fato de que um nome pode ser (muitas vezes é) um chama-
mento, marque a alternativa adequada:
a) As normas para dar nomes orientam as normas de chamamento, portanto, é esperado
que se chame de preto a alguém da cultura bakongo em Angola.
b) As regras para nomear alguém vistas no capítulo apresentam distinções de acordo com a
cor daquele que será nomeado.
c) O chamamento “meu (minha) preto(a)” será igualmente percebido no Brasil e em Angola.
d) O comentário de Ondjaki evidencia que as experiências sociais e históricas marcam de modo
distinto as culturas e, consequentemente, os modos de dizer de cada lugar.
e) Entre os Bakongos angolanos, o nome Nkosi está associado à designação preto.

Acesse QR Code a seguir para mais informações.

De São Paulo
a Luanda.
Acesso em:
25 fev. 2024.

3. Língua, oralidade e ancestralidade conectam as informações sobre o ato de nomear entre os


Mbyá-Guarani e os Bakongos. Assim considerando, assinale a afirmativa que melhor expressa
tal argumento.

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MEMÓRIA E SOCIEDADE

a) O modo com que os Mbyá tratam o nome juruá (em português) expressa, mesmo que
sem intenção, um desdém quanto ao documento escrito em cartório.
b) O registro escrito em português altera sonoridade do nome, afastando os falantes
da língua ancestral.
c) O nome indígena é apresentado pelas divindades e ativam um compromisso do seu por-
tador consigo mesmo e com a comunidade.
d) Os nomes verdadeiros Mbyá-Guarani são revelações divinas e os nomes bakongos são
expressões da experiência no mundo (como o nascimento e os ritos de passagem), entre-
tanto, apesar dessa diferença, os dois sistemas apresentam orientações para seus portado-
res que os conectam com a comunidade.
e) Trajetórias de pessoas – previstas no caso Mbyá-Guarani, realizadas no caso Bakongo –
estão presentes nos modos de nomear dessas culturas.

4. Sobre o que você acessou do processo de nomeação Mbyá-Guarani, não é possível afirmar:
a) a ausência do pajé não é impeditivo para a revelação do nome verdadeiro.
b) a revelação divina do nome da criança na ausência do pajé se realiza através do sonho do pai.
c) o nome revelado é considerado o verdadeiro, e o nome em português, registrado em car-
tório, não é significativo para os Mbyá.
d) a revelação do nome através do sonho é menos verdadeira do que a revelação através dos
rituais sagrados.
e) o nome verdadeiro não é uma escolha, mas um destino que, quando não respeitado, gera
desorientação e problemas para a pessoa e a comunidade.

5. Leia o texto a seguir, reflita e, na sequência, assinale a sentença incorreta.


Tabya Yala, na língua do povo Kuna, significa Terra madura,
Terra Viva ou Terra em florescimento e é sinônimo de América. O
povo Kuna é originário da Serra Nevada, no norte da Colômbia,
tendo habitado a região do Golfo de Urabá e das montanhas de
Darien e vive atualmente na costa caribenha do Panamá na Co-
marca de Kuna Yala (San Blas).
Abya Yala vem sendo usado como uma autodesignação dos
povos originários do continente como contraponto a América. A
expressão foi usada pela primeira vez em 1507, mas só se consagra
a partir do final do século XVIII e início do século XIX, por meio Indígenas com pintura corporal e adereços.
das elites crioulas, para se afirmarem no processo de independência, em contraponto aos
conquistadores europeus. Muito embora os diferentes povos originários que habitam o continente
atribuíssem nomes próprios às regiões que ocupavam – Tawantinsuyu, Anahuac, Pindorama – a
expressão Abya Yala vem sendo cada vez mais usada pelos povos originários do continente
objetivando construir um sentimento de unidade e pertencimento (Gonçalves, 2009, p. 25).

23
TRILHAS FORMATIVAS

a) O fragmento é evidência de atos de nomear (americano e europeu) e de ressignificação


histórica de um nome.
b) A retomada da nominação nativa, no caso tratado, dá legitimidade à luta por direitos dos
povos originários.
c) “Terra madura, Terra Viva ou Terra em florescimento”: a indeterminação vocabular de
Abya Ayala permite questionamento no seu uso.
d) Por situações econômicas – como o caso de hamburguer – ou por situações políticas –
como o caso de Abya Ayala –, um nome estrangeiro pode ser assumido e legitimado por
diferentes culturas na expressão de ideia ou coisa.
e) Considerando o uso de Abya Ayala, no passado, por elites vinculadas aos povos nativos
que afirmavam independência em oposição aos colonizadores, há pertinência no atual
uso do termo em contextos de reconhecimento de saberes ancestrais.

6. No Brasil, há a tradição de nomear ruas para homenagear eventos ou pessoas. No centro da


cidade do Rio de Janeiro há a Praça XV de Novembro, e no bairro de Copacabana há a Rua
Barata Ribeiro. É possível que você saiba o que representa a data de 15 de novembro, mas você
sabe quem foi o Barata Ribeiro? Além de conhecer quem ou o que foi homenageado, nós deve-
ríamos nos perguntar sobre o porquê da homenagem, afinal, nomear as ruas é uma estratégia
interessante para criar uma memória coletiva, não acha? Você sabia que em quase toda cidade
do Brasil tem uma praça ou avenida 15 de novembro? Por que acredita que é assim?
Que tal fazer um mapa da região da escola? Mas não o simples mapa que você acessa na Internet
e imprime. A turma deve se dividir em duplas e cada dupla ficará responsável por um nome de
rua do entorno. Farão pesquisa que procure esclarecer (a) quem ou o que foi? (b) qual teria sido
o porquê da homenagem?
O conjunto das pesquisas deve resultar num mapa local, em que, em uma página da folha A4,
haverá o mapa onde está localizada a escola, o nome das ruas e os elementos de referência que
desejarem, e, na outra página (o verso), haverá a lista de ruas com explicação de quem foi e o
motivo da homenagem.

7. Você conhece a sua origem? A origem de sua família? Sabe os nomes e sobrenomes de seus avós e
bisavós e o que eles faziam quando jovens? Organize uma árvore genealógica para sua família e
acrescente, em texto, informações do que considerar relevantes sobre cada um apresentado na árvo-
re.
Você não tem acesso a elas? Tudo bem! Faça uma pesquisa sobre outras pessoas que estão nessa
mesma situação e escreva um texto sobre isso.

8. Você como griô. Nem todos são músicos, mas todos podem contar uma história. Você tem à dis-
posição a árvore genealógica que fez de sua família, some a isso algumas histórias e transforme
em narrativa rimada que tenha o tamanho aproximado de uma música.
Caso você faça parte daqueles que não tiveram acesso aos seus dados, você terá a oportunidade
de inventar uma história para si, fazendo a mesma atividade que os colegas.

24
MEMÓRIA E SOCIEDADE

CONECTAR

• Entre nós, um segredo (2020), dirigido por Beatriz Seigner e Toumani Kouyaté.
Você sabe o que é um griô, griot ou djeli? Em muitos povos africanos é a pessoa respon-
sável pela transmissão do conhecimento. Há registros de que nos antigos reinos do Mali e de
Gana, a iniciação para ser griô começava bem cedo. Em Gana, os iniciados deveriam passar
sete anos repetindo as histórias ensinadas pelos mestres, que poderiam estar em forma de
narrativas faladas ou cantadas. Depois desse tempo, partiam em viagens para conhecer outras
e novas histórias para que fossem legitimados como griô.
Quando esteve no Brasil, o griô Toumani Kouyaté cantou uma história num programa da
TV e você pode assistir no YouTube.
No Brasil ainda, ele recebeu notícia para que voltasse urgente para a África, pois seu avô,
que estava para morrer, queria falar-lhe algo. Desse encontro, junto com Beatriz Seigner, foi
feito o filme Entre nós, um segredo. Você pode assistir ao teaser do filme no YouTube ou ao filme
inteiro no Vimeo, acessando os QR Codes a seguir

Entre nós, um segredo (Between


Griot Toumani Kouyaté canta us, a secret) por Beatriz
uma história no Arte do Seigner e Toumani Kouyaté -
Artista - TV Brasil. Encantamento Filmes.
Acesso em: 25 fev. 2024. Acesso em: 25 fev. 2024.

• Sobrenome e feminismo.
Comparado com o tempo em que vigorou o jugo do sobrenome masculino, podemos dizer
que, em termos históricos, é recente o sancionamento da Lei n. 6.515 de 26 de dezembro de 1977.
A lei do divórcio no Brasil não só legitimou as separações como também trouxe outra transforma-
ção significativa para as mulheres: tornou facultativa a adoção do sobrenome do marido quando
do casamento. Isso mesmo, até 1977 não havia escolha. Seguindo o Código Civil de 1916, a inclu-
são do sobrenome do marido ao nome da esposa acontecia de modo automático.
Você ia receber um convite? Estaria escrito Sra. X. No médico, na farmácia, no mercado, as
mulheres seriam as Sras. X, Y, Z, cujas letras indicavam a posse e o controle marital. Na socie-
dade onde a autoridade se expressa regularmente com um “você sabe com quem está falando?”,
a resposta feminina seria “a esposa de fulano”. Figura deslocada de si, despersonalizada, por ter
o reconhecimento da existência em função de outra pessoa.
Em 2002, o Código Civil incluiu a possibilidade de o marido (ou companheiro) acrescer o
sobrenome de sua parceira. Uma reviravolta para uma sociedade que definia a linhagem pelo
nome paterno e na qual o homem (e apenas ele) deveria ser o arrimo da família, não acha? Que
tal conversar sobre essa inovação legal com uma pessoa idosa? O que será que ela pensa?

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TRILHAS FORMATIVAS

SISTEMATIZAR

NOME E
ANCESTRALIDADE

BRASIL ÁRABES TURCOS MBYÁ-GUARANI BAKONGO

Sobrenome Localização Lei do Três nomes Angola


social sobrenome
1934

Sociedade Perda de
patriarcal Ascendência/ Divino/juruá/
características/ referências
apelido
local de origem ancestrais

Mudança
Nome
verdadeiro

Significado
pessoal e
comunitário

LINHAGEM LÍNGUA

Ancestralidade Propriedade Cultura

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CAPÍTULO 3

Eu sou porque
nós somos
COMPREENDER

A possibilidade de apreciarmos pássaros, jogos de basquete, alimentos ou qualquer outra coisa


depende de uma iniciação, uma formação. Sem conhecer as regras do jogo, sem apurar o paladar ou
identificar sutilezas na natureza, muito dificilmente desenvolveremos um interesse, pois seremos inca-
pazes de identificar o que é específico ou geral, o que mudou ou por que mudou. E, quando incapazes
de fazer conexões, nosso cérebro dispersa e não nos envolvemos. Entretanto, uma formação pode nos
enclausurar em verdades e julgamentos, fragilizando o olhar curioso e inaugural, como o da infância,
que nos deixa abertos a coisas que parecem absurdas ou impossíveis, porque já fomos educados a saber
que o sol não surge à noite ou que os objetos não flutuam.
Um meio-termo é possível e necessário quando nos referimos à cultura, pois não basta sermos aplica-
dos em conhecer nossa cultura se não reconhecermos a do outro. É preciso considerar o diferente, sobre-
tudo quando ele nos parece “absurdo ou impossível” porque já normatizamos nosso olhar. Ao olharmos
para a trajetória da humanidade, veremos inúmeras guerras, situações de domínio e exploração, além de
fundamentalismos gerando ações de destruição do outro em nome
de verdades particulares, o que não é mais eticamente aceitável.
Depois da Segunda Guerra Mundial foi criada a Organiza-
ção das Nações Unidas (ONU) no intuito de promover a paz por
meio de acordos entre as nações e de medidas de amparo às di-
ficuldades de cada uma delas. Atreladas à ONU, foram criadas
entidades com focos específicos, como a Unesco para a educa-
ção, a FAO para erradicar a fome, a OIT para garantir a justiça
social, a OMS para garantir a saúde mundial e a Acnur para os
refugiados, entre outras.
A Declaração de Direitos Humanos, criada em 1948 pela ONU,
faz parte do conjunto de ações para garantir a paz. Seus 30 artigos e
preâmbulo usam termos como “família humana” no intuito de esta-
belecer uma equidade entre todos, porém, simultaneamente pon-
tuam o direito a diferenças, como está no segundo artigo:
Mulher com binóculos observando
detalhes de uma mata.

27
TRILHAS FORMATIVAS

1. Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e em direitos. Dotados de razão e
de consciência, devem agir uns para com os outros em espírito de fraternidade.
2. Todos os seres humanos podem invocar os direitos e as liberdades proclamados na presente De-
claração, sem distinção alguma, nomeadamente de raça, de cor, de sexo, de língua, de religião, de opi-
nião política ou outra, de origem nacional ou social, de fortuna, de nascimento ou de qualquer outra
situação. Além disso, não será feita nenhuma distinção fundada no estatuto político, jurídico ou inter-
nacional do país ou do território da naturalidade da pessoa, seja esse país ou território independente,
sob tutela, autônomo ou sujeito a alguma limitação de soberania (ONU, 1948).

É fato que a Declaração é um conjunto de princípios nem sempre praticados, seja porque há
países que não são membros, seja porque países signatários em algum momento desconsideraram o
que a instituição preconiza, pois entre estes há os que instauraram ditaduras desrespeitosas aos di-
reitos individuais, os que praticaram terrorismo ou iniciaram guerras. Mas é igualmente fato que a
ONU alicerça cuidados com as populações que passam por tais situações e ainda orienta boas práti-
cas na convivência mundial, como foi o caso de sua atuação na pandemia da covid-19.
No âmbito da orientação, por exemplo, na década de 1950, a ONU criou a coleção “A questão
racial diante da ciência moderna” que, com publicações de distribuição gratuita, buscava romper
antigos paradigmas que permitiram a exploração e a exclusão de populações. Essa coleção era com-
posta por textos de enfrentamento ao etnocentrismo e a tradicional ideia de progresso para apresen-
tar a importância da diversidade e colaboração entre as culturas, considerando que, sem elas, a hu-
manidade estaria fadada à extinção.
Refletir sobre a extinção humana nos leva ao conceito de ecossistema, fundamental na com-
preensão do mundo natural e do que hoje acontece com o planeta Terra, mas que só apareceu nas
pesquisas científicas na década de 1930. Colocado em evidência na ECO-92 (foi a primeira Confe-
rência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, e realizada no Rio de Janeiro),
o conceito elucida a interação entre os seres e defende seu equilíbrio, recordando à humanidade que
ela faz parte da natureza e que seus gestos possuem consequências. Mas nas diferentes etnias indíge-
nas tal conceito é milenar, acionando a responsabilidade humana de “pisar suavemente na terra”,
respeitando todos os seres vivos e agindo em prol do equilíbrio. Devemos conhecer e valorizar o
caminho da ciência ocidental, mas ficarmos fechados a tal conhecimento é limitante. Talvez, se ti-
véssemos escutado os povos originários, não estaríamos agora nomeando uma era geológica pelo
impacto negativo da ação humana no planeta, o Antropoceno.
Como aprender a identificar e apreciar a diversidade e a cultura ancestral? Como aprender que
conhecer e valorizar nossa cultura – seus parâmetros e sentidos – não implica na desvalorização ou
na eliminação da cultura alheia?

28
MEMÓRIA E SOCIEDADE

Talvez, um primeiro passo seja compreender


que as identidades se fazem justamente no contato
com o outro. Sim! Não é por estarmos afastados de
outros que consolidamos o que somos, mas o opos-
to, o contraste, a identificação de diferenças nos aju-
dam a forjar quem somos. A consciência de que a
identidade é parte inseparável da alteridade pode ser
transformadora, pois altera a condição de disputa
entre culturas para a de colaboração entre elas. Deste
modo, quem sabe, em lugar de ameaça recebida com
violência e repúdio, o reconhecimento da diferença
nos impulsione ao outro, animados por curiosidade
e interesse em trocar e ampliar perspectivas. Eu e o
outro vivendo o significado de dignidade humana, Mãos de tamanhos e cores variados, simbolizando,
segundo sua filosofia: “Eu sou, porque nós somos”.
como proposto pela ONU.
A ideia de uma convivência colaborativa está assentada na filosofia da ancestralidade, pois sem-
pre considera a comunidade, e nunca o eu sozinho, mas sempre coletivo, como expressa a palavra
banto ubuntu, por vezes traduzida por “eu sou, porque nós somos”. A dimensão ética dessa formu-
lação não pode passar despercebida, pois tal perspectiva incorporada constrói um caminho de não
violência e valorização da troca. De acordo com a tradução, ubuntu vai além da humanidade.

Para fechar o capítulo, assista ao teaser do filme Pisar


suavemente na Terra, disponível no YouTube, acessando o
QR Code ao lado.
Pisar Suavemente na Terra -
Amazonia Latitude.
Acesso em: 25 fev. 2024.

29
TRILHAS FORMATIVAS

APLICAR

1. Leia um trecho do texto Raça e História, de Claude Lévi-Strauss. Entre as alternativas, escolha
a que melhor representa o que o autor quis dizer.
A diversidade das culturas humanas está atrás de nós, à nossa volta e à nossa frente. A única
reivindicação que podemos fazer a este respeito, (exigência que cria para cada indivíduo deveres
correspondentes) é que ela se realize de modo que cada forma seja uma contribuição para a maior
generosidade das outras (Lévi Strauss, 1987, p. 366).

a) O ponto fundamental do fragmento é a afirmação de que a diversidade é inerente à vida


humana, ocupando o passado, o presente e o futuro.
b) Depois de afirmar que a diversidade cultural é inerente à vida humana (sentido desco-
nhecido de europeus que acreditaram que a imposição de sua língua, sua religião e suas
leis – através da colonização – eliminaria o não igual), o antropólogo diz que não pode-
mos fazer nada a respeito senão aceitar.
c) As duas frases do antropólogo culminam como conclusão e como proposição depois das
reflexões realizadas sobre os conceitos como os de raça, cultura, etnocentrismo e progres-
so. A conclusão elimina a utopia iluminista da universalidade e do alinhamento futuro da
humanidade com o padrão europeu, entendido como progresso. A proposição é de uma
ação consciente e responsável na gestão da própria cultura, permanentemente conside-
rando a existência e a validade de outras culturas.
d) O autor se sente mergulhado na diversidade e a compreende como inescapável, por isso
sugere que sejamos todos simpáticos e generosos para com o próximo.
e) A diversidade está no passado, na nossa realidade e no nosso futuro e é preciso mudar o
modo de olhar e de agir no mundo, pois somos responsáveis pelo que nos acontece.

2. A seguir estão os primeiros artigos da Declaração Universal dos Direitos Humanos. Assinale a
alternativa admissível segundo os artigos e o que você já aprendeu na Trilha.
Artigo 1
Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotados de
razão e consciência e devem agir em relação uns aos outros com espírito de fraternidade.

Artigo 2

Todo ser humano tem capacidade para gozar os direitos e as liberdades estabelecidos nesta Declara-
ção, sem distinção de qualquer espécie, seja de raça, cor, sexo, língua, religião, opinião política ou de outra
natureza, origem nacional ou social, riqueza, nascimento, ou qualquer outra condição. Além disso, não
será também feita nenhuma distinção fundada na condição política, jurídica ou internacional do país
ou território a que pertença uma pessoa, quer se trate de um território independente, sob tutela, sem
governo próprio, quer sujeito a qualquer outra limitação de soberania (ONU, 1948).

30
MEMÓRIA E SOCIEDADE

a) “Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos”, mas se eu não
considerar o outro um ser humano não preciso respeitar tal premissa.
b) A indicação formal de “raça, cor, sexo, língua, religião, opinião política ou de outra natu-
reza, origem nacional ou social, riqueza, nascimento, ou qualquer outra condição” expõe
um conjunto de elementos identificados historicamente como passíveis de promover dis-
córdias em 1948, quando a Declaração foi criada.
c) Os princípios da Declaração foram construídos a partir da filosofia africana, sobretudo
do conceito de ubuntu.
d) O artigo 2 é inconstitucional, pois não acata as normas da Constituição Brasileira.
e) A menção à fraternidade (artigo 1) direciona uma interpretação da relação entre Estados-nações
amparada na tradicional autoridade que o irmão mais velho possui sobre irmãos mais novos.

3. O texto a seguir faz parte do site de divulgação do documentário Pisar suavemente na Terra.

No documentário Pisar suavemente na Terra, três lideranças indígenas da Amazônia tentam


manter vivas suas formas de estar no mundo. São as histórias de Kátia, cacica do povo Akrãtikatêjê,
de Manoel, cacique do povo Munduruku e de José Manuyama, professor de origem Kokama. Os
três narram as ameaças aos seus territórios promovidas pela grande mineração, pelo monocultivo,
pelo garimpo, pela exploração de petróleo, pela extração de madeira e pela construção de usinas
hidrelétricas. Interligadas pela voz e o pensamento ancestral de Ailton Krenak, esses relatos de
resistência nos apresentam outras formas de existir e caminhar no mundo.

Assinale como V (verdadeira) as afirmações que se relacionam com a ancestralidade e como F


(falsa) aquelas que não se relacionam com o conceito.

( ) O modo como usamos a língua faz toda diferença. Como mera legenda no site, o tex-
to pode nem ser lido, porém, aqueles que lerem vão se deparar com a escolha do
plural já na primeira frase. Tal cuidado revela que quem escreveu sabe que não existe
“o índio” abstrato e genérico da colonização europeia (que apagou a diversidade dos
povos americanos) e valoriza diferentes “formas de estar no mundo”. É respeitoso.
( ) A mineração, o monocultivo e a extração de madeira são ações idênticas às imple-
mentadas pelos europeus quando da colonização nas Américas. Considerando o
impacto ambiental que causam – incluindo a destruição de modos de sobrevivência
nativos –, a existência de indígenas Akrãtikatêjê, Munduruku e Kokama como par-
te do documentário indica a persistência dos povos originários.
( ) As ações de exploração econômica indicadas no fragmento estão fundadas no modelo
capitalista que, por seu princípio individualista, desconsidera sentidos coletivos como o
conceito de ‘mãe terra’.

31
TRILHAS FORMATIVAS

a) V–F–F
b) F–V–V
c) V–F–V
d) F–F–V
e) V–V–V

4. “A ideia de uma convivência colaborativa está assentada na filosofia da ancestralidade, pois sem-
pre considera a comunidade, nunca o eu sozinho, mas sempre coletivo, como expressa a palavra
banto ubuntu, por vezes traduzida por ‘eu sou, porque nós somos’”. Identifique a seguir a atitude
cotidiana que corresponde ao fragmento.
a) Na distribuição de alimentos, o que vale é a formação da fila.
b) Na escrita de um livro, o autor é individual.
c) A maior parte dos sobrenomes indígenas é referência à etnia, como Daniel Munduruku e
Denilson Baniwa.
d) A conquista de uma medalha olímpica é do corredor que chegou em primeiro lugar.
e) A responsabilidade de criação dos filhos é exclusiva dos genitores.

5. Você percebe que nosso cotidiano está repleto de orientações sobre como devemos agir? Os dita-
dos populares são um exemplo. Como costuma ser dito “está na boca do povo”, mas exatamente
o que é que está? A seguir, você tem cinco ditados populares, mas apenas um é um convite à ação
colaborativa. Assinale qual é, mas aproveite para pensar quais valores de fato os provérbios estão
disseminando.
a) Não se faz uma omelete sem quebrar os ovos.
b) Olho por olho, dente por dente.
c) Amigos, amigos, negócios à parte.
d) Aqui se faz, aqui se paga.
e) A união faz a força.

6. Construímos sentido coletivo todos os dias, nas pequenas ações, mas podemos construir também
de uma forma divertida! Você já jogou algum jogo de tabuleiro cooperativo, daqueles em que todos
ganham ou todos perdem? Não conhece? Tem o Pandemic, o Ilha Perdida, o Mysterium, só para dar
algumas referências. A ideia é empreender e criar um jogo cooperativo. Vocês podem partir do zero
ou usar as regras de um jogo já existente e criar uma trama.

32
MEMÓRIA E SOCIEDADE

Crie o jogo para apresentar uma cultura ances-


tral, ou seja, através de ações do jogo, os jogado-
res devem aprender sobre um determinado povo.
Importante 1: é preciso definir um perfil do jogo,
se ele será um jogo para crianças do Ensino Fun-
damental Anos Iniciais ou adolescentes a partir
do Ensino Fundamental Anos Finais, converse
com seu professor para definir.
Importante 2: o tempo de jogo é outro ponto a ser
pensado. O ideal é que as jogadas se definam em
30 ou 40 minutos, para que se possa jogar no tem- Família jogando um jogo de tabuleiro.
po de uma aula.
Caprichem na apresentação e marquem um dia para que todos os tabuleiros estejam prontos e os
grupos possam jogar.

7. Por que manter o conhecimento sobre a Declaração Universal dos Direitos Humanos apenas na
turma? Por que não aproveitar as atividades do capítulo para promover mais ações coletivas e
colaborativas? Proposta: realização de um conjunto de podcasts que contemple: a) contexto de
criação da Declaração; b) preâmbulo comentado; c) leitura integral dos artigos.
Elabore podcasts curtos (máximo de 10 minutos) e dinâmicos. Um modo interessante de fazer a
leitura dos artigos é separá-los em blocos (cinco por vez) e incluir uma breve comparação entre o
que eles preconizam e o que está acontecendo de fato no mundo. Para funcionar bem, os respon-
sáveis precisam se preparar antes e ter uma pauta: a conversa/discussão deve ser cronometrada
para caber no tempo definido.
Realizá-lo no coletivo, dividindo tarefas e, criando os comentários, certamente será envolvente,
mas o produto final poderá ser compartilhado não só na escola, mas, sim, como um material para
ouvir ocasionalmente, mesmo depois que tiverem se formado.

8. Temos uma expressão em português que é comum dizer (ou ouvir) quando alguém está chateado
com algo e procura legitimar a si mesmo: ‘‘coloque-se no meu lugar’’. A expressão é uma solicita-
ção de empatia, para que o outro saia de seu contexto e perspectiva e, através do deslocamento,
possa ter uma visão diferente.
Para garantir a alteridade, será uma atividade de zoopoética, ou seja, a proposta é construir um
texto imaginando que você é um animal. A ideia é contar sobre o seu dia, seus pensamentos e
sentimentos, mas observando um contexto específico: você mora num zoológico.

33
TRILHAS FORMATIVAS

CONECTAR

• Inimigo meu (1985), dirigido por Wolfgang Petersen.


Muitas vezes a arte – pin-
tura, música, literatura etc. – é
capaz de nos afetar. Somos to-
mados por uma emoção, rela-
cionamos a obra com algo pes-
soal, temos um insight. Caso
você queira um bom insight
sobre os sentidos de conflito
sendo substituídos pelos de
colaboração, que tal assistir a
um filme antigo com o sugesti-
vo título Inimigo meu?
Ficção científica lançada
em 1985 e disponível no
YouTube conta a história da
relação entre um ser humano
e um alienígena, obrigados a
conviver em um planeta pe- “O Racismo na Construção
rigoso e estranho aos dois. Identitária: os casos
cinematográficos de
Como humanos e alieníge- Adivinhe quem vem para o
nas estão em guerra, a situação inicial é muito tensa, mas, jantar (1967) e Inimigo meu
(1985)” – Artigo.
para sobreviver, precisam mudar suas posições e se unir. Acesso em: 25 fev. 2024.
Assistir ao filme é uma experiência de empatia, mas a re-
flexão que ajuda a construir não passou despercebido da-
queles que criam a história. Caso você se interesse, pode
ler também o artigo “O Racismo na Construção Identitá-
ria: os casos cinematográficos de Adivinhe quem vem
para o jantar (1967) e Inimigo meu (1985)”, de Marcelo
Carreiro, publicado na revista Cadernos do Tempo Pre- Inimigo Meu – Filme.
Acesso em: 25 fev. 2024.
sente (n. 18, dez. 2014/jan. 2015, p. 98-106), disponível
no QR Code ao lado.

• Endossimbiose.
Você já ouviu falar neste termo? E em Lynn Margulis? Não? Mas imagino que tenha ouvido falar
no Charles Darwin e sua teoria do mais apto para a seleção natural. Lynn Margulis foi uma bióloga
norte-americana e seu trabalho com as mitocôndrias revolucionou o modo de pensar sobre a evolu-
ção humana.

34
MEMÓRIA E SOCIEDADE

Ela teve seu trabalho sistematicamente rejeitado por revistas científicas por contradizer o
paradigma hegemônico. Enquanto seus colegas confirmavam a competição no processo evolutivo,
ela apresentava a cooperação, contrariando a crença de que só sobrevive o mais forte.
Qualquer relação com a vida cotidiana não é mera coincidência. Lembre que os paradig-
mas mudam e devemos exercitar nossas habilidades em ver diferente ou, no mínimo, apreciar
a diferença alheia.

SISTEMATIZAR

EU SOU PORQUE
NÓS SOMOS

UBUNTU DECLARAÇÃO RAÇA E HISTÓRIA


ENDOSSIMBIOSE
UNIVERSAL DOS
DIREITOS HUMANOS CLAUDE
ONU, 1948 LÉVI-STRAUSS
Convivência
colaborativa Não violência

Dignidade Importância
humana da diversidade
humana

CONHECER/ IDENTIDADE E
VALORIZAR ALTERIDADE

Nossa cultura Cultura do outro

35
CAPÍTULO 4

Respeite a si mesmo,
respeite o outro
COMPREENDER
No documentário Pisar suavemente na Terra – mencionado no capítulo anterior –, a cacica do
povo Akrãtikatêjê conta que indígenas tentaram fazer seu registro civil e não conseguiram porque
portavam nomes nativos em lugar de nomes cristãos. O não reconhecimento da língua indígena e a
exigência de nome cristão pelo cartório (num Estado laico) são expressão de séculos de dominação
e desqualificação que os princípios atuais não conseguiram ainda desfazer.
Pode ser fácil fazer uma linha do tempo e dizer como as formas de vida ou ideias de uma
sociedade mudaram; por exemplo, dizer que houve a Proclamação da República no Brasil, e que
todo mundo passou a aderir às ideias republicanas. A vida é bem mais complicada: os republicanos
não só precisaram enfrentar monarquistas como precisaram também pensar a organização da
República. Havia ainda aqueles que não se interessavam pelo regime de governo ou os que sequer
sabiam o que significava. Quando falamos em mudanças nas sociedades, falamos em hegemonias,
nunca como se algo fosse absoluto.
Em nosso mundo, uma constituição é marco significativo porque é uma lei; então, mesmo quem não
concorda precisa se submeter: há uma pressão extra para que as práticas mudem, mas sabemos que não
é garantia. Você sabia que, no Brasil, a Constituição de 1988 foi a primeira a reconhecer aos indígenas o
direito de ser indígena? Desde 1824, todas as cartas magnas anteriores os desclassificaram como sujeitos
e apostaram na sua transformação, quer dizer,
mobilizaram serviços para que deixassem de ser
indígenas, como foi o caso do SPILTN, o Serviço de
Proteção aos Índios e Localização de Trabalhadores
Nacionais, transformado depois em SPI. Hoje
podemos achar um absurdo a recusa de registro dos
Akrãtikatêjê, mas a dimensão histórica nos permite
compreender melhor o porquê: uma resistência
resultante de antigos modos de fazer e pensar.

Promulgação da Constituição de 1988.

36
MEMÓRIA E SOCIEDADE

A consciência de que a mudança de valores é lenta e de que o acolhimento de direitos acontece


com embates nos faz responsáveis, pois não é possível “desver”. Os que fazem parte da comunidade
e já compreenderam precisam multiplicar o respeito ao outro, buscando caminhos de diálogo e de
acomodação entre as diferenças sem que haja subordinação, marginalização ou até extermínio,
como ocorreu no passado.
O conceito de “novo” foi estruturante no impulso europeu para as grandes navegações, as coloniza-
ções, o modelo fabril, o discurso científico e muitas outras coisas. Podemos associar quase imediatamen-
te “moderno” a “novo”, mas cabe a pergunta: Quando tornado um valor, o que acontece com o antigo?
Noções como as de evolução e de progresso estão diretamente associadas à mudança, à transformação e
à novidade e incutem nas pessoas sentidos e práticas de desvalorização do que veio antes, rejeitando o que
já existia e construindo uma sociedade que descarta coisas facilmente e apaga memórias. Afinal de contas,
o que vale está no que acabou de aparecer ou até no que não existiu ainda: o futuro.
Já ouviu o ditado popular “não jogue a criança fora junto com a água da bacia”? Ele alerta sobre
escolhas, sobre quais são nossos descartes ao longo da vida e nos faz pensar no que importa. É uma
reflexão que precisamos realizar de modo contínuo e que aqui pode iluminar o que a sociedade mo-
derna está jogando fora, material e simbolicamente. Uma sociedade amparada pela ancestralidade
se comporta de modo distinto. Ela acolhe mudanças e novidades, mas procura fazer isso em diálogo
com a tradição. Acolhe o tempo da reflexão e da experiência. Não precisa tomar a decisão “para
ontem”, como faz uma sociedade orientada para o futuro. Ao fim e ao cabo, não costuma jogar fora
água e criança juntas.
Vivemos num planeta plural. Hoje em dia se considera que a biodiversidade e a sociodiversidade
são precondições para a existência da humanidade, portanto, quanto mais povos com modos de pensar
e agir diferentes, melhor. Mas, durante séculos, os europeus acreditaram que suas verdades eram me-
lhores e deveriam ser impostas (por meio do colonialismo e do imperialismo) aos povos que viviam de
forma diferente. Podemos dizer que, em parte,
foi um projeto de sucesso, pois a ação do escri-
vão do cartório que não registrou nomes indí-
genas é resultado desse processo, mas o fato de
ainda existirem indígenas depois de tudo que
foi feito para eliminá-los nos faz questionar.
Quando olhamos o mapa-múndi,
observando a dimensão espacial desse
processo, é intrigante como os valores da
pequena Europa se alastraram para todos os
continentes. Porém, é ainda mais interessante
constatar os limites do mesmo processo:
identificar como os mapas das navegações e
de impérios nos quais estudamos ocultam as
relações travadas naqueles espaços, as
resistências e as permanências daqueles que
foram invadidos e desautorizados. Os mapas
ocultam que as culturas europeias foram

Imagens de diversos animais do nosso planeta.

37
TRILHAS FORMATIVAS

filtradas, selecionadas, transformadas por povos locais e, em vários casos, abandonadas, como
mostra a história da colonização portuguesa nas Américas, com o recuo de nativos para o interior
quando os europeus chegaram na costa.
Os valores da modernidade orientaram as pretensões europeias de unidade territorial e cultural,
assim como orientaram a constituição do paradigma científico, criando componentes como a Biolo-
gia e a Antropologia. O que torna irônico pensar que eles advogam atualmente o oposto daquilo que
os europeus modernos fizeram, pois declaram que a diversidade é indispensável para a continuidade
da vida e dos seres humanos no planeta.
Deste modo, seja pela manifestação das culturas que foram silenciadas, seja pelas contemporâ-
neas conclusões da ciência, é preciso validar a diversidade e, com ela, a ancestralidade. Quando ve-
mos pessoas que as desconhecem ou a desconsideram, mantendo práticas de desqualificação ou
marginalização daqueles que lhes são diferentes, precisamos exercer nossa responsabilidade de ga-
rantir o direito do outro ser outro (como preconiza a Constituição), sobretudo, o direito à vida, haja
vista uma insistência na eliminação da alteridade.
Como agir? Em perspectiva macro, as notícias de intolerância com abusos, destruição e assassi-
natos em todos os lugares tendem a nos imobilizar, exibindo nossa impotência. Mas se pensarmos
no nosso dia a dia, em ambientes de convivência, veremos que podemos fazer a diferença combaten-
do discriminações no espaço escolar ou esclarecendo familiares preconceituosos. Foi no cotidiano
que povos souberam persistir diante de grandes ameaças a sua cosmovisão.

APLICAR

1. Considerando os conteúdos estudados e performance


apresentada no vídeo Agora, de Arnaldo Antunes, qual “Agora” - Arnaldo Antunes.
(Álbum Nome, de 1993).
é a reflexão mais adequada sobre a ancestralidade? Acesso em: 25 fev. 2024.
a) O tempo voa e não volta.
b) A aparição intercalada das palavras AGORA e OUTRO sobre a passagem de inúmeras
imagens remete a como vivemos o tempo presente: instantes fragmentados e acelerados
que constroem ansiedade.
c) Além das imagens, ouvimos a voz do poeta dizendo “já passou”, porém, para gerar impac-
to, a gravação muitas vezes corta as palavras que são ditas, e ouvimos apenas partes. Uma
das partes que se repete é o “sou”, de “passou”. A combinação da voz com a palavra escrita
nos faz interpretar seguidamente “agora sou outro”. No poema, imagens, palavras escritas
e palavras faladas constroem desconexão e impossibilidade de acesso ao passado.
d) A modernidade é fragmentária.
e) Sabemos que são imagens e, se pararmos o vídeo, conseguimos vê-las, mas a velocidade
com que passam criam borrões de cor e forma, impedindo que identifiquemos o que
realmente está aparecendo.

38
MEMÓRIA E SOCIEDADE

2. Indique a alternativa que se opõe ao argumento do texto.


Em estudo etnográfico em um terreiro de candomblé, o psicólogo social Ramos encontrou
relatos de adeptos que apontavam aquele local como um território africano no Brasil. Essa nação
sem Estado, reminiscente da resistência de negros africanos e crioulos gerada durante o período
escravagista, tem como característica a prevalência das culturas de matrizes africanas sobre a
ocidental, possibilitando a reconstrução da identidade africana e aquisição da subjetividade afro-
-brasileira ao reviver o estilo de vida de seus ancestrais africanos de forma semelhante à como eles
o vivenciaram antes do período diaspórico africano (Ramos, 2021, p. 3).
a) As religiões, por suas características de dogmas e ritos, permitem a transmissão de valo-
res ancestrais.
b) Uma nação se mantém unida por compartilhar hábitos, tradições, língua e a consciência
de fazer parte de uma comunidade. Existem nações sem Estado, como curdos e catalães.
c) A construção de pertencimento de um grupo não configura a construção de território.
d) Embaixadas e consulados são territórios estrangeiros dentro de um território nacional.
e) A existência de um espaço que possibilite a expressão de perspectivas e crenças ancora a
ancestralidade, filosofia que é fragilizada diante da impossibilidade de transmissão de
conhecimentos e valores.

3. Para pensar e decidir. Escolha a resposta que traz a melhor alternativa para a minimização do
problema apresentado, por considerar tanto a incorporação efetiva de novas práticas como a
ação no tempo.
[...] infelizmente nos cursos de Pedagogia e Licenciatura, percebe-se muitas resistências sobre
a inclusão da temática sobre a África e as questões da cultura afro-brasileira no ensino. Na maioria
das grades curriculares dos cursos de graduação e pós-graduação da área da educação, a África e
as questões raciais brasileiras continuam invisíveis (Vergulino, 2012, p. 119).
a) Caso os docentes adotassem religiões de matriz afro não haveria invisibilidade ou racismo.
b) A inclusão de um componente (4 meses de aulas) nos cursos de Pedagogia e Licenciatura
reverte a resistência de docentes.
c) O desconhecimento é a base para intolerâncias e resistências, deste modo, as escolas pre-
cisam garantir bibliotecas bem equipadas com bibliodiversidade.
d) Além de incluir formação regular nos cursos de Pedagogia e Licenciatura, é funda-
mental um trabalho de formação continuada que garanta ao docente atualização de
referências e compartilhamento de experiências, sentindo-se amparado em conteúdo
e estimulado em ideias.
e) A criação de uma lei que exija aplicação de conteúdos sobre África e afrodescendentes na
escola resolve o problema.

39
TRILHAS FORMATIVAS

4. Em 2003, o Estado brasileiro criou a lei que tornou obrigatório o ensino da história e cultura afro-
-brasileiras (Lei n. 10.639). Em 2008, a lei foi alterada, tornando obrigatório o estudo da história e
cultura afro-brasileira e indígena (Lei n. 11.645). Diante disso, indique a sentença inadequada.
a) O intervalo entre as leis, com inclusão apenas posterior da obrigatoriedade do ensino de
história e cultura indígena, é evidência de que, no Brasil, há hierarquia entre as invisibili-
dades criadas pelo colonialismo.
b) A criação de leis por parte do Estado indica simultaneamente o vazio desse conteúdo nos
anteriores currículos escolares e mudanças sociais no modo de ver a sociedade brasileira.
c) Apesar de a lei orientar mudanças em livros didáticos, o alcance da legislação não foi e
não poderia ser imediato, pois sua aplicação depende da formação dos docentes e aqueles
que estavam atuando não haviam sido preparados com tais conteúdos, exceto situações
extraordinárias como a presença nas escolas de professores pesquisadores dos temas.
d) A criação das leis demandou a inclusão de novos conteúdos nos livros didáticos, entre-
tanto a perspectiva da narrativa histórica ainda é primordialmente europeia.
e) Como passaram 20 anos da publicação da Lei n. 10.639/2003, podemos dizer que o qua-
dro de intolerância e racismo no país mudou completamente, pois foram efetivos e cons-
tantes a inclusão e o trabalho de conteúdos sobre África, afrodescendentes e indígenas.

5. Assinale a sentença que expõe a problemática de modo mais completo, observando a história e o
caso específico.
No ano de 1993, o Ministério Público Federal (MPF) acionou a Justiça Federal do Estado da
Bahia via duas ações judiciais com o objetivo de proteger os direitos dos quilombolas de Rio das
Rãs. Situada no município de Bom Jesus da Lapa, na região do Vale do Rio São Francisco, a
comunidade vivenciava, desde o início da década de 1980, uma situação de intenso conflito com
a Bial Agropecuária Ltda.
Os moradores sofriam com atos violentos praticados pela empresa, tais como a destruição de
casas e roças, o envenenamento do rio que abastecia a localidade, e a destruição de matas nativas.
A intervenção do MPF visava reverter essa situação, garantindo o cumprimento do direito recém-
-conquistado pelo grupo social atingido por essa situação de violência (Chasdin, 2015, p. 33).

a) Através do Ministério Público Federal, o Estado brasileiro tem possibilidades de inter-


venção diante de agressões a grupos sociais que representam valores e práticas tradicio-
nais, como é o caso dos quilombolas.
b) Os quilombos foram, antes, uma experiência africana de reunião de guerreiros derrotados
que buscaram novo território. Nas Américas, criados por escravizados fugidos da condição
colonial, representaram a resistência ao jugo europeu. Os espaços quilombolas que existem
ainda hoje são expressão de modo de vida secular alicerçado na ancestralidade.
c) Entendido como local de resistência à autoridade no período colonial e no imperial, é
comum o desprezo pelos direitos constitucionais de quilombos e quilombolas, seja na
invasão física de suas terras, seja em estratégias jurídicas que procuram deslegitimar
sua existência.

40
MEMÓRIA E SOCIEDADE

d) A informação “direito recém-conquistado” pode ser compreendida tanto positivamente


como assinalação do direito como contemporização dos atos violentos informados na
frase anterior, haja vista a ideia de “recém” dar espaço para hipótese de que tais violências
não seriam penais se não fosse o direito constitucional.
e) Como território de resistência aos domínios coloniais e imperiais, quilombos e quilom-
bolas atualizam intolerâncias no imaginário daqueles que compreendem que estão per-
dendo algo em função deles. Está em evidência que, no caso baiano, a tradição autoritária
e violenta da sociedade brasileira se soma a princípios individualistas do capitalismo,
gerando atos de eliminação do outro. Em oposição, o direito constitucional conquistado
e a ação do MPF são demonstrações de mudanças na sociedade brasileira, que se orienta
pela defesa de direitos que acolhem tanto a diversidade como a ancestralidade.

6. Art. 231. São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradi-
ções, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União
demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens (Brasil, Constituição de 1988).

Mas o que significa ter juridicamente o reconhecimento da língua num país que tem apenas uma
língua nacional, o português? O que significa o reconhecimento do direito à terra e a obrigação
da União proteger e fazer respeitar? E quando os costumes nativos são contrários ao modo de
pensar e viver dos não indígenas?
Pensando nisso, a turma deve escolher um tema para que todos pesquisem casos concretos das
implicações sociais do reconhecimento constitucional para seleção de um único caso. O professor
organizará uma simulação de julgamento, em que parte da turma defenderá o interesse dos indí-
genas e a outra parte defenderá o interesse de não indígenas em conflito.

41
TRILHAS FORMATIVAS

7. Pesquise sobre resistência cultural e quilombos. Após a pesquisa, escreva um texto argumentativo
relacionando os termos de pesquisa ao conceito de “ancestralidade”. Lembre-se: o professor precisa
acessar o material pesquisado, portanto, as referências/fontes precisam estar completas!

8. Vamos imaginar que você é um líder comunitário e está enfrentando disputas sérias entre dife-
rentes grupos religiosos que procuram impor sua verdade por meio de ações violentas na tentati-
va de eliminação do outro. Apesar do clima tenso, você tem o respeito de todos e acredita que,
com seu projeto, poderá diminuir as rivalidades e consolidar um clima de tolerância e aceitação
entre as partes em disputa. Que projeto é esse? Pondere sobre tudo o que aprendeu na Trilha e seja
criativo. Você pode apresentar um texto, cartaz, maquete, vídeo, podcast etc. O formato é livre,
mas a proposta deve ser transformadora.

42
MEMÓRIA E SOCIEDADE

CONECTAR

• Limpeza cultural.
Talvez você não se recorde, mas em 2015 o Estado
Islâmico destruiu inúmeros patrimônios históricos da
humanidade em espaços museais e cidades, como Hatra.
A direção da Unesco na época declarou que “A destrui-
ção de Hatra marca um momento crítico na terrível es-
tratégia de limpeza cultural em curso no Iraque”.
Por meio de intimidação e extermínio, o apa-
gamento do passado e a intolerância com o outro
estão em várias partes do mundo, e a expressão
“limpeza cultural” se opõe aos princípios da Decla- Ruínas de patrimônio histórico em Hatra, no Iraque.
ração dos Direitos Humanos, da sociodiversidade e
da ancestralidade.
Você pode assistir no QR Code ao lado a um dos ví-
deos da destruição divulgados pelo próprio Estado Islâ-
EI destrói estátuas milenares
mico: EI destrói estátuas milenares em museu no Iraque. em museu no Iraque - AFP.
Acesso em: 25 fev. 2024.
A narração da agência de notícias portuguesa des-
taca que, para o Estado Islâmico, as estátuas seriam ob-
jetos proibidos pela fé muçulmana. Vale lembrar que há variações de credo e de postura no Islamis-
mo – sunitas e xiitas – e que nem todos os muçulmanos concordam com o que foi feito.

• Emergência étnica.
De acordo com a Antropologia, os grupos étnicos se formam a partir da reunião de alguns
pontos: a) possibilidade de perpetuação biológica; b) compartilhamento de valores culturais
fundamentais; c) ter um campo de comunicação e interação; d) estabelecer-se como um con-
junto de membros que se identificam e são identificados por outros. Não está disposto, portan-
to, a existência infinita das etnias: elas são históricas.
No Brasil, por exemplo, as transformações político-sociais e a Constituição de 1988 permitiram
um movimento de “emergência étnica”, ou seja, quando indígenas dispersos e fraturados pelas polí-
ticas de extermínio de suas identidades puderam reconstruir jun-
tos símbolos e territorialidades. Como o antropólogo João Pa-
checo de Oliveira afirma, “seria próprio das identidades étnicas é
que nelas a atualização histórica não anula o sentimento de refe-
rência à origem, mas até mesmo o reforça” (Oliveira, 2004, p.33).
Culturas e etnias se transformam ao longo do tempo,
portanto, não devem ser considerados indígenas apenas
aqueles que estavam nas Américas quando da chegada de
Colombo ou de Cabral e que persistiram como povos. Novos
povos se criaram.
Indígena discursando em tribuna.

43
TRILHAS FORMATIVAS

SISTEMATIZAR

RESPEITO

NOVO VERSUS TENSÃO/


ANTIGO CONVIVÊNCIA

Passado/ Ação violenta/


ancestralidade
VALORES ESCOLHAS eliminação das
diferenças

UNIDADE
Futuro/ PLANETA Diálogo/
modernidade VERSUS Acomodação das
PLURAL diferenças
DIVERSIDADE

CONVIVÊNCIA Biodiversidade/
COM AS DIFERENÇAS sociodiversidade

Ação cotidiana

44
MEMÓRIA E SOCIEDADE

REVISÃO GERAL

Ancestralidade e cultura
• A ancestralidade é um conceito/valor que conecta o passado ao presente, valoriza a expe-
riência dos antigos como forma de orientar o presente e a intenção de futuro.
• A razão moderna ocidental, direcionada ao futuro, se opõe à ancestralidade como modo de
ver e de agir no mundo.
• O colonialismo e o imperialismo europeu foram movimentos centrados nas verdades euro-
peias, mobilizando o apagamento ou silenciamento das verdades de outros povos e culturas.
• Um dos meios mais presentes e eficazes de dominação é a língua. Como elemento cultural,
ela expressa modos de pensar e é instrumento de transmissão da ancestralidade.
• Apesar das ações de dominação, povos e culturas mantiveram valores ancestrais e os atua-
lizaram, o que, por meio das lutas de descolonização da África e da Ásia, se tornaram pilares
de transformações no mundo, sobretudo nas Américas e áreas de anterior colonização
europeia.
• Na sociedade brasileira, indígenas e afrodescendentes resistiram ao domínio português de
inúmeros modos, e a Constituição de 1988 garantiu reconhecimentos que permitiram, pela
primeira vez no Brasil, que indígenas se mantivessem indígenas, garantindo também as
territorialidades deles e dos quilombolas.
• A Declaração de Direitos Humanos da ONU resultou da intenção de manutenção da paz
mundial e em seus artigos há a defesa da “família humana”, resguardando as singularidades
de indivíduos, culturas e nações.
• A diversidade atualmente é, além de argumento da Biologia e da Antropologia para manu-
tenção do planeta Terra, um valor social que deve conduzir a humanidade em práticas de
respeito ao outro e trocas.

1. Na década de 1980, as condições sociopolíticas no Brasil permitiram o crescimento e o avanço


tanto do movimento negro como do movimento indígena em prol do reconhecimento de suas
ancestralidades. A participação de Ailton Krenak na Constituinte de 1987 é um exemplo, mas
existem muitas outras ações. Volte ao passado e procure localizar dois agentes sociais – um indí-
gena e outro afrodescendente – envolvidos nessa luta na década de 1990, e depois identifique se
tais agentes sociais se mantêm ativos atualmente. Avalie se as causas defendidas no fim do século
XX tiveram algum resultado e qual a pertinência delas agora, na década de 2020. Importante: os
agentes sociais podem ser indivíduos ou organizações.

45
TRILHAS FORMATIVAS

2. Que diferença uma palavra pode fazer? Faz diferença usar o termo indígenas em lugar de “ín-
dios”? Pesquisem sobre o tema e realizem uma roda de conversa que avalie de maneira geral o
impacto de mudanças vocabulares no modo de pensar e de agir para com o outro em sociedade.

3. Quais seriam os pontos frágeis do valor da diversidade no espaço escolar? Coloque em pauta a
vida cotidiana e, em conjunto, produzam uma lista de práticas cotidianas validando o princípio
dentro da escola.

4. Como o princípio da novidade nos afeta cotidianamente? O novo é sempre melhor? Você já ou-
viu falar da síndrome de FOMO? Hora de olhar para os impactos nocivos da tecnologia através
de uma roda de conversa.

AVALIAÇÃO DE PROGRESSO
O desconhecimento é o maior problema no tocante ao respeito à diversidade, pois a partir
dele a rejeição ou o desprezo diante do outro pode se tornar aceitação e orgulho. Por meio do
componente Ancestralidade e cultura vocês consolidaram conceitos além de conhecerem histórias
e casos que, como coletivo, os tornam capazes de fazer a agir em prol do conhecimento e de con-
vivências sociais mais harmônicas.
Como combater o desconhecimento e levar adiante o valor da diversidade e da ancestralidade?
Com a criação de um site de informação sobre comunidades quilombolas ou aldeias indígenas no
Rio de Janeiro atual. No processo de sua criação, vocês terão a chance de avançar nas discussões
realizadas na Trilha e o produto final pode multiplicar conteúdos bem além do espaço escolar.
Uma atividade como essa é longa e exige contínua alimentação, mas é possível dar um primeiro
passo sólido no apoio a grupos que sofrem preconceitos na formação de vocês. Por exemplo, reali-
zando: a) um mapeamento geral, como localização geográfica, nominação e referência histórica do
conjunto de comunidades; b) disponibilização de material de apoio para conhecimento do que se-
jam comunidades quilombolas e aldeias indígenas; etc.) seleção de uma comunidade/aldeia para o
desenvolvimento de apresentação/divulgação mais substantiva.

46
MEMÓRIA E SOCIEDADE

a) Mapeamento geral
• Com mapa do Rio de Janeiro, identificar os pontos em que as comunidades/aldeias estão
registrando seus nomes e endereços.
• Breve texto histórico, com identificação de sua formação (mesmo que presumível, quan-
do inexistirem registros precisos).

b) Comunidade quilombola
• Texto apresentando a comunidade/aldeia indígena.
• Fotografias da comunidade/aldeia indígena.
• Entrevistas com liderança e moradores/fotos/vídeos/podcasts.
• Reconhecimento: listagem/explicação de demandas e processos.
• A comunidade/aldeia indígena por ela própria: espaço de divulgação de falas e interesses
pautados por eles.

c) Apresentação do site
• Apresentação da escola e da turma.
• Apresentação da proposta e de sua motivação, desenvolvendo a defesa da diversidade
cultural e da ancestralidade.
• Orientação sobre as partes do site.

Para saber mais:


• Disponibilização de textos, organizados por tema.
• Disponibilização de sites, informando o nome completo do site e sigla/instituição respon-
sável pela manutenção/frase informativa sobre os conteúdos apresentados.

Como fazer:
• Talvez vocês já tenham sites ou conheçam plataformas
para realizarem essa atividade, mas existe uma plataforma
gratuita de criação de sites que é autoexplicativa, a Wix. Wix.com
Acesso em:
• Lembrete 1: o rigor da informação é imprescindível as- 25 fev. 2024.
sim como a legalidade do produto. Portanto, além de da-
dos confirmados e com as respectivas informações de
referência, terão de providenciar autorizações dos entrevistados.
• Lembrete 2: não desperdicem oportunidades. Aproximando-se do líder da comunidade
ou de algum participante, pensem que o compartilhamento das histórias de vida junto à
escola pode ser um outro caminho de dar visibilidade.
• Acesse os QR Codes a seguir e veja os sites que vocês podem usar como referência tanto no
formato como no conteúdo:

47
TRILHAS FORMATIVAS

Mapa de Conflitos. Injustiça


Ambiental e Saúde no Brasil,
da Fiocruz. Rio Memórias.
Acesso em: 25 fev. 2024. Acesso em: 25 fev. 2024.

Povos Indígenas no Brasil, do


Instituto Socioambiental. Fundação Palmares.
Acesso em: 25 fev. 2024. Acesso em: 25 fev. 2024.

Coordenação Nacional
de Articulação de das
Conselho Indigenista Comunidades Negras Rurais
Missionário. Quilombolas.
Acesso em: 25 fev. 2024. Acesso em: 25 fev. 2024.

AUTOAVALIAÇÃO
É hora de se autoavaliar: atribua notas de 1 a 5 (1 quer dizer totalmente insatisfeito e 5 quer dizer
totalmente satisfeito) para os seguintes quesitos, referentes ao aproveitamento deste material, permi-
tindo que você observe em quais pontos há margem para maior empenho. Marque apenas uma alter-
nativa em cada linha.

Aspectos avaliados

Compreensão da exposição 1 2 3 4 5

1. Não foi tão fácil entender o que estava sendo apresentado. Fiquei um
pouco confuso e talvez precise de mais ajuda para compreender melhor.

2. Entendi parte do conteúdo, mas algumas partes ainda me deixaram


um pouco confuso. Preciso de um pouco mais de prática para ficar
mais à vontade.

3. Consegui acompanhar bem a maior parte do que foi apresentado. Estou


confiante com o que entendi, mas ainda há espaço para melhorias.

4. T
 ive uma boa compreensão do conteúdo geral. Fiquei à vontade com a
maioria das informações apresentadas.

5. E
 ntendi muito bem o que foi apresentado. Sinto-me confortável com o
conteúdo e estou pronto para avançar.

48
MEMÓRIA E SOCIEDADE

Participação nas atividades 1 2 3 4 5

1. Não pude contribuir muito nas atividades. Tive dificuldade em participar


e compartilhar minhas ideias.

2. P
 articipei um pouco, mas ainda não me senti totalmente à vontade.
Estou trabalhando para me envolver mais.

3. Participei de maneira satisfatória e contribuí quando possível. Ainda


estou me adaptando, mas estou no caminho certo.

4. C
 ontribuí ativamente para as atividades. Sinto-me envolvido e confor-
tável em compartilhar minhas opiniões.

5. F
 ui muito participativo e contribuí significativamente para todas as
atividades. Sinto-me parte integrante do processo.

Realização das atividades 1 2 3 4 5

1. Tive dificuldade em completar a maioria das atividades. ­Minha realização


ficou abaixo do que eu esperava.

2. C
 onsegui fazer algumas atividades, mas enfrentei desafios em outros.
Ainda estou aprimorando minhas habilidades.

3. Completei a maioria das atividades de maneira satisfatória, embora


possa ter cometido alguns erros aqui e ali.

4. Realizei a maior parte das atividades com confiança. Estou progredindo


e me sentindo bem com meu desempenho.

5. Fui bem-sucedido em todas as atividades. Sinto-me orgulhoso do meu


trabalho e do meu entendimento.

Reflexão crítica 1 2 3 4 5

1. N
 ão me aprofundei muito em minhas reflexões. Preciso de mais tempo
para pensar e analisar melhor.

2. R
 efleti um pouco, mas ainda não consegui explorar completamente os
aspectos críticos. Pretendo aprimorar essa habilidade.

3. Fiz algumas reflexões relevantes e comecei a analisar criticamente o


material. Estou me esforçando para melhorar nisso.

4. R
 ealizei reflexões críticas de maneira consistente e analisei aspectos
importantes do conteúdo. Sinto-me confiante em minha abordagem.

5. M
 inhas reflexões críticas foram excepcionais. Fui além do óbvio e
explorei profundamente os temas abordados. Estou satisfeito com
minha capacidade de análise.

49
MULTICULTURALIDADE:
TEMPO E ESPAÇO
TRILHAS FORMATIVAS

INTRODUÇÃO
Falamos dos ancestrais, que são muitos e diversos! A ancestralidade integra crenças, costumes e
tradições que nos conectam às nossas heranças culturais. Agora, a pergunta que nos move é: O que
é viver numa sociedade multicultural? Em Multiculturalidade: tempo e espaço, atravessaremos temas
que, embora polêmicos e, às vezes, trágicos, são importantes para fazer uma análise mais verdadeira
da sociedade e para ampliar seu repertório, instigar a reflexão e embasar suas escolhas.
No Capítulo 1, veremos as acepções das palavras multicultural e multiculturalismo, conceitos
cujo entendimento se torna indispensável para não cedermos ao impulso e à tentativa de transfor-
mar o outro em igual e, ao mesmo tempo, entendermos a necessidade da luta contínua pela parida-
de das diferenças.
No Capítulo 2, a perspectiva histórica da relação entre os países permitirá perceber que os even-
tos, incluindo os trágicos, como ataques terroristas, não são consequência apenas da realidade atual,
mas, sim, estão repletos de camadas de significação.
No Capítulo 3, a reflexão é sobre os dilemas éticos criados ou ampliados pelo uso da internet,
ferramenta icônica da percepção multicultural que transformou práticas e valores no mundo con-
temporâneo.
No Capítulo 4, a constitucionalização dos direitos dos indígenas, que lhes permite manter seus
idiomas e suas tradições, é veículo para acessar um novo conceito, o de interculturalidade, e verificar
por que ele é mais pertinente para a gestão das diferenças do que o conceito de multiculturalismo.

52
MEMÓRIA E SOCIEDADE

AVALIAÇÃO DIAGNÓSTICA
1. Assista através do QR Code ao lado a um breve
comentário do filósofo Edgar Morin sobre unida-
Edgar Morin – Unidade
de e diversidade e discuta suas premissas com a e Diversidade.
turma. É possível que a unidade biológica assina- Acesso em: 25 fev.
2024.
lada pelo filósofo seja vivida fora da particularida-
de de uma cultura?

2. O que é terrorismo? Você saberia expressar o significado de atos terroristas e por que
ocorrem? Consegue supor a origem da palavra? Que relações podem ser feitas entre
terrorismo e multiculturalismo?

3. Você já recebeu alguma divulgação de campanha de conscientização em sua rede social?


Campanha para vacinação, contra as drogas, contra o racismo etc. Já parou para pensar como
a internet viabiliza um alcance nunca antes imaginado? Quando a campanha é por algo em que
acreditamos, temos uma sensação boa, um conforto por não estarmos sozinhos na defesa
daquela ideia. Mas e quando o que se divulga é algo com que não concordamos? Você se
preocupa com o alcance dessa mensagem? E você já parou para pensar que as campanhas, em
geral, têm o propósito de estabelecer consensos? Discuta sobre o papel da internet na
homogeneização do pensamento.

4. Qual é a diferença entre os prefixos multi-, inter- e trans-? Que palavras usamos no dia a dia
que têm esses prefixos? Qual é o significado delas? E, na comparação entre multinacional,
internacional e transnacional, o que cada termo tem de específico, o que os diferencia?

53
CAPÍTULO 1

O que é
multiculturalismo?
8

Socializando
Já vimos a historicidade das línguas, como as palavras são criadas e como seus significados são
mantidos ou alterados em função de experiências e contextos. Multicultural e multiculturalismo são
exemplos desse dinamismo, revelando tanto o contexto das mudanças que ocorreram depois da
Segunda Guerra Mundial quanto, e especialmente, sendo articulado à descolonização na África e na
Ásia, onde a compreensão de que as sociedades são multiculturais esteve entrelaçada aos movimentos
por direitos que rompiam com o colonialismo, seja nas lutas por independência locais, seja nas
antigas metrópoles.
O avanço tecnológico que apoiou a imprensa na cobertura das guerras nacionalistas deu a
conhecer muitas etnias africanas, antes escondidas pela homogeneização do domínio europeu,
recriando imaginários.
As diferenças se tornaram palpáveis quando, depois da Segunda Guerra, “países ricos vi-
veram intenso fluxo migratório proveniente das ex-colônias como decorrência de problemas
sociais e econômicos gerados à época da sua exploração” (Neira, 2012). É também preciso
lembrar que as ações para uma cultura de paz – como a criação da ONU – reconfiguraram
imaginários, sobretudo no campo dos direitos dos povos. Foi um momento novo para a longa
história de desmandos e subordinação de negros descendentes de escravizados nas Américas.
Como afirma Marcos Neira:
Nos Estados Unidos, em especial, o multiculturalismo surgiu como um movimento educacional de rei-
vindicação dos grupos culturais subordinados contra o currículo universitário tradicional e a política de se-
gregação das escolas, que marcou os anos 1960 com violentos conflitos étnicos. O currículo da escola ameri-
cana de então, compreendido como a cultura comum dada a ausência das vozes reprimidas, consistia, na
verdade, na expressão do privilégio da cultura branca, europeia, heterossexual, masculina e patriarcal, isto
é, uma cultura bem particular (Neira, 2012, p. 1).

54
MEMÓRIA E SOCIEDADE

Multiculturalismo é um substantivo que se refere às práticas adotadas para gerenciar problemas


derivados da diversidade em sociedades multiculturais; e multicultural é um adjetivo que caracteri-
za a heterogeneidade dentro de uma sociedade. O multiculturalismo indica a existência de práticas
para lidar com o que é multicultural.

Diversos rostos compõem o retrato do multiculturalismo nas sociedades modernas.

Atualmente, é difícil pensar em um país que não seja multicultural, mas é preciso levar em con-
ta que o multiculturalismo não atua de igual modo em todos os lugares. No Canadá, por exemplo,
há leis específicas que procuram atender a diversidade de culturas presentes no país; já na França, há
resistências para aprovação de políticas que beneficiem as significativas comunidades de antigas
colônias francesas, como árabes e afrodescendentes.
A palavra multiculturalismo não representa, portanto, um único modo de agir. O pesquisador
Stuart Hall fez uma descrição interessante. Ele afirma que existem vários tipos de multiculturalismo:
o conservador, o liberal, o pluralista, o comercial, o corporativo e o crítico. O conservador insiste na
assimilação da diferença, ou seja, há o reconhecimento da diversidade, mas as ações estão voltadas
para a eliminação dela por meio da homogeneização; o liberal procura a integração pública daque-
les que são considerados diferentes no preceito da cidadania individual universal, mas sem tolerân-
cia de práticas culturais em público, sendo restritas ao privado; o pluralista faz uma avaliação entre
os grupos culturais que pertencem à sociedade e concede direitos distintos para os grupos; o comer-
cial imagina que a combinação entre reconhecimento público da diversidade e consumo privado
resolve as tensões; o corporativo busca administrar as diferenças culturais das supostas minorias em
prol de interesses comuns; por fim, o crítico vocaliza privilégios, hierarquias e opressões e realiza
movimentos de resistência.
Tantas possibilidades de práticas associadas ao multiculturalismo fizeram o pesquisador india-
no Homi Bhabha sugerir que o termo seria uma palavra-valise, ou seja, uma palavra que pode car-
regar diversos significados. O uso com definições e orientações diferentes é preocupante, porque se
trata de um conjunto de ações destinado a gerenciar tensões, portanto, quando alguém diz “azul”,
quem ouve não pode compreender “amarelo“ só porque os dois nomes começam com a letra “a”.

55
TRILHAS FORMATIVAS

Além dessa análise do termo, é preciso retomar a ideia de movimento que, quando esquecida,
encobre coisas fundamentais. Falar em multicultural e multiculturalismo sugere que se saiba ou se
tenha uma ideia do que seja cultura. Cabe perguntar, assim, se o conceito de cultura é um consenso.
Ainda que fosse, ele mesmo não estaria em transformação com as experiências sociais? Não pode-
mos esquecer que responder a essas questões define, no âmbito coletivo, quem é o outro, estabele-
cendo alianças e confrontos na vida em sociedade.
O multiculturalismo está relacionado à tolerância, na medida em que é uma ação que procura
gerar equilíbrio entre culturas diferentes que ocupam o mesmo território. O que está em causa é que
o território, quando instituído como um Estado-nação, define elementos (língua, religião, culinária
etc.) que lhe são próprios e sanciona leis e normas para acomodar seus valores na administração do
coletivo. Quando alguém (indivíduo ou grupo) com outras características e valores passa a viver no
mesmo território, os contrastes aparecem e podem gerar incômodos ou conflitos, daí a convocação
da tolerância.

Dança sufi, praticada por uma corrente do islamismo.

GLOSSÁRIO
Culinária, moda e festas tradicionais costumam ser indicadores Sári: traje feminino indiano que consiste
pacíficos da diferença. Não precisa ser indiana para vestir sári nem numa única e longa peça de tecido enrolado
ao corpo, amarrado na cintura e com uma
ser dervixe para assistir a uma dança sufi. Mas no dia a dia a conver- das pontas passada pelo ombro.
sa é outra. Em 2020 e 2021, foi comum o destrato de pessoas com Dança sufi: o sufismo é uma corrente dentro
do islamismo em que os fiéis procuram um
feições asiáticas, mesmo que nascidas fora da Ásia, em função da contato direto com Deus por meio de práti-
pandemia da Covid-19, ou a agressão a muçulmanos por ocasião cas como músicas e danças. A dança sufi se
realiza em giros contínuos sob o próprio eixo
dos ataques de 11 de setembro de 2001. A intolerância existe, e por em cerimônias tradicionais na Turquia.
ela se propagam falas perversas, desenhando o outro como maligno.
A pessoa que se deixou fotografar vestindo um sári pode ser feminista e discordar da posição
da mulher na Índia; a pessoa que fotografou a dança sufi pode perseguir colegas muçulmanos na
escola. A acomodação cultural não é simples e apresenta contradições e mudanças. É comum a
estratégia de ocultação de si que muitos utilizaram ou utilizam para não serem perseguidos ou
discriminados. O que a estratégia cria, além de uma ilusão de homogeneidade, são novas formas
de se ser o que se é.

56
MEMÓRIA E SOCIEDADE

1. Conversando com o escritor angolano Ondjaki no episódio 84, do dia 3 de março de 2023,
sobre as diferentes formas de racismo existentes no mundo, a antropóloga e escritora Juliana
Borges conta um caso ocorrido na Inglaterra que ratifica a “negação do pertencimento à Europa
por conta ainda de uma classificação étnico-racial” (Podcast 451 MHz, 2023). Uma funcionária
de loja foi demitida por atitude que evidencia a negação: ela “fez insistentes perguntas para
uma mulher negra que entrava no estabelecimento”, questionando de onde ela era e, mesmo
que a cliente respondesse que era europeia e/ou britânica, a indagação sobre a origem da cliente
continuou. Sobre o evento relatado, assinale a alternativa equivocada.
a) A atitude de dispensa da funcionária por seu comportamento demonstra uma responsa-
bilidade social sobre valores multiculturais.
b) A insistência da funcionária, evidenciando a não aceitação da resposta da cliente,
expõe a não sedimentação de sentido de que a comunidade inglesa é multicultural e
multiétnica.
c) A visibilidade internacional (Juliana Borges estava no Brasil) de conflitos cotidianos dian-
te da designação de diferenças construídas pelo colonialismo é índice de que a suposta
harmonia que a palavra multicultural parece traduzir não existe.
d) Documentos de identidade que atestem oficialmente o cidadão como participante da co-
munidade nacional são garantia de reconhecimento de pertencimento.
e) Quando aceita a existência de alteridades desde que elas se mantenham em seus “respec-
tivos lugares”, o conceito de multiculturalismo não representa a construção efetiva de
coesão social, podendo manter distâncias e desqualificações entre grupos.

2. O discurso da tolerância corre o risco de se transformar num pensamento de desmemória, da conci-


liação com o passado, num pensamento frágil, light, leviano, que não convoca à interrogação e que
pretende livrar-se de todo o mal-estar (Duschatzky; Scliar, 2011).
Identifique a afirmação incorreta.
a) As locuções “pensamento de desmemória” e “conciliação com o passado” se referem aos
processos colonialistas e imperialistas que em nome da tolerância colocam uma pedra
sobre temas sensíveis como escravidão e epistemicídio.
b) O discurso do multiculturalismo convoca a tolerância entre os diferentes.
c) O discurso da tolerância pode equivaler a um discurso de indiferença.
d) O objetivo do discurso do multiculturalismo e da defesa da tolerância é acabar com o
mal-estar dos colonizadores.
e) O discurso de tolerância pode ser um poderoso instrumento de transformação quando,
em lugar de agir como silenciamento de vozes, convoque-as, garantindo a existência da
divergência e o enfrentamento de perspectivas diferentes.

57
TRILHAS FORMATIVAS

3. O que seria o multiculturalismo? Haveria somente uma forma de multiculturalismo? Podemos en-
contrar diferenças entre países multiculturais (como o Brasil) e países que, mesmo sendo multicultu-
rais, não admitem políticas focalizadas no multiculturalismo (como a França)? Ou, ainda, há dife-
rença entre esses países e aqueles que, efetivamente, possuem uma constituição multicultural (como
o Canadá)? Diversidade cultural é igual a multiculturalismo? O que está implicado na implementa-
ção de políticas públicas multiculturais e quem teria direito a elas? (Santos, 2020, p. 14).
Marque a alternativa incorreta.
a) O questionamento sobre diversidade cultural ser o mesmo que multiculturalismo exibe a
importância do conhecimento, pois sabemos que palavras parecidas ou que parecem ex-
pressar a mesma ideia podem não ter o mesmo significado.
b) O conjunto de perguntas indica que, com histórias diferentes (Brasil e Canadá foram
colônias, França foi metrópole), muitos países atualmente precisam enfrentar o multicul-
turalismo em seus territórios.
c) Considerando que o multiculturalismo surgiu da reivindicação de direitos por grupos
que foram marginalizados em função de relações colonialistas, historicamente é signifi-
cativa a rejeição da França (ex-metrópole) em desenvolver uma política multicultural.
d) O conjunto de perguntas indica que o tema do multiculturalismo é simples, basta responder
às questões que se tem um quadro do que seja multiculturalismo.
e) Com o parágrafo, passamos a saber que a legislação é a melhor ferramenta na construção
de políticas multiculturais.

4. Marque a alternativa correta.


a) Em todos os locais multiculturais é praticada a tolerância.
b) Quando se usa o termo multiculturalismo a compreensão de seu significado é única.
c) O multiculturalismo conservador reconhece a existência de várias culturas, mas age em
prol da dissolução das diferenças, buscando a prevalência da cultura dominante.
d) Antes de tudo e exclusivamente, multiculturalismo é um termo acadêmico, um conceito
de análise sobre como se portam grupos dentro de uma sociedade.
e) Como sempre houve sociedades que reuniam culturas diferentes, o princípio de multicul-
turalismo é atemporal.

5. O mito da consistência cultural supõe que todos os negros vivem a negritude do mesmo modo, que
os muçulmanos experimentam uma única forma cultural, que as mulheres vivem o gênero de forma
idêntica (Duschatzky; Scliar, 2011, p. 127).
Marque a afirmativa incorreta.
a) A frase afirma que o sentido de usarmos o termo cultura está justamente no fato de
todos viverem do mesmo modo.
b) A palavra mito reforça que as afirmativas da frase são ilusórias.
c) Elementos culturais como a religião podem unir pessoas, mas não significa que elas
vivam sua fé do mesmo modo.

58
MEMÓRIA E SOCIEDADE

d) Múltiplas etnias negras africanas com diferentes línguas, religião, organização social
e de parentesco evidenciam o equívoco da suposta consistência.
e) A construção da ideia de “consistência cultural” tem o propósito de simplificar a
representação do outro, eliminando variações e contradições que podem dificultar
o domínio.

6. Que tal fazer um mapa cultural da cidade? Existem


bairros que se caracterizam pela presença de imi-
grantes? Ou restaurantes de famílias imigrantes que
mantêm a culinária dos países de origem? Existem
associações ou festas regulares na cidade que façam
homenagem a um país ou um grupo cultural? Que
elementos você localiza como afirmações de alteri-
dade que confrontam a ideia de Brasil ou cultura
brasileira? A turma pode ser dividida em grupos
para facilitar o mapeamento: enquanto uns pesqui-
sam festas, outros pesquisam restaurantes, outros
pesquisam museus etc. A apresentação do trabalho Exemplo de mapa cultural de uma cidade.
será a montagem física de um mapa com formato de
mapa turístico.

7. Reflita sobre a seguinte questão: “Uma pergunta inquietante permanece na construção da ideia
do multiculturalismo; a saber: quais são os limites na definição da alteridade? Ou, dito mais
simplesmente: quem são esses outros na representação multicultural?” (Duschatzky; Scliar,
2011, p. 130). Escreva um ou dois parágrafos sobre as reflexões que essa questão despertaram
em você.

59
TRILHAS FORMATIVAS

8. Assista ao filme O ódio (1995), dirigido por Mathieu Kassovitz, disponível em plataformas digi-
tais, e discuta com os colegas sobre o enredo, as características dos personagens, a forma como o
diretor filmou e o desfecho, articulando o filme com o que foi estudado sobre o multiculturalis-
mo. Identificar as áreas do imperialismo francês, a história de antissemitismo no país e o que são
e como foram criados os banlieues pode ajudar a construir uma boa perspectiva. Procure estabe-
lecer conexões com a situação de outros lugares, como o Brasil.

• Gastronomia multicultural.
O conceito de multicultural prega o reconhecimento da
diversidade cultural e isso está intrinsecamente ligado tam-
bém a gastronomia. Assista através do QR Code ao lado, a um
documentário da CNN Brasil, que aborda a gastronomia
Gastronomia multicultural.
multicultural de São Paulo, algo que contribui e é influente à Acesso em: 25 fev. 2024.
sociedade na medida em que enriquece a expressão culinária
por meio de imigrantes.
• Estereótipo.
Formada pela junção da palavra grega stereos (“sólido”) e do francês type (“tipo”), o uso ini-
cial da palavra estereótipo esteve vinculado ao processo de impressão com uma placa de metal,
mas seu significado migrou das artes gráficas para a compreensão da sociedade (observe o mo-
vimento das línguas…). Mantendo a ideia de imagem preconcebida ou padronizada estabelecida
pela chapa, a palavra passou a ser usada como metáfora para representar uma visão simplificada
e padronizada de pessoas.
Quando pensamos em multiculturalismo, é preciso dar atenção especial ao conceito, pois uma
das formas mais comuns de dominação é construir uma imagem simplista do outro, integrando-a
num sistema que enaltece o dominador e desqualifica o dominado. Além de criar um perverso pa-
râmetro de bom/ruim, serve para isentar de responsabilidade aqueles tidos como “bons” dentro do
sistema. Vejamos um exemplo clássico: o “índio preguiçoso”.

60
MEMÓRIA E SOCIEDADE

Você já sabe que o termo índio é uma invenção europeia promotora de homogeneização de so-
ciedades muito diferentes, então, quando se qualifica o substantivo índio com o adjetivo preguiçoso,
qualificam-se todos os indivíduos, de todas as sociedades originárias, que passam a ser vistos do
mesmo modo.
No projeto colonizador português para as Américas, o sistema de plantation escravista foi o
modelo de produção agrícola implementado antes mesmo da chegada dos africanos. Contando com
a mão de obra nativa, os portugueses se indignaram com a resistência encontrada por parte dos
povos originários, naturalizando a aceitação da escravidão e desconsiderando a cultura dos indíge-
nas com que se relacionaram: a atividade da agricultura era função feminina e não devia ser pratica-
da pelos homens.
Foi fácil chamar de “preguiçoso” o indivíduo que desconhecia o sentido de propriedade privada,
que trabalhava sem produção de excedentes, que estabelecia outros sentidos para as trocas realiza-
das entre povos e etnias, que possuía uma lógica própria de divisão do trabalho e que, como se pode
imaginar, não estava interessado em ser escravizado.
Em função da má administração do colonizador, as primeiras colheitas não deram certo, e o
fracasso foi atribuído aos indígenas, chamados desde então de preguiçosos.

Técnica antiga de gravura/impressão feita com uma placa de metal.

61
TRILHAS FORMATIVAS

MULTICULTURALISMO

CULTURA MULTICULTURAL
Ação: Gestão ≠ Culturas

Não é uni-
Adjetivo
forme nem fixa

Movimento

ONU & PALAVRA-VALISE


DESCOLONIZAÇÕES HOMI BHABHA

Reconfiguração de Risco de
imaginários incompreensões
VARIAÇÕES

Luta por
direitos
Lugares Propostas

Conservadora

Liberal

Crítica

62
CAPÍTULO 12

Camadas de
interações culturais
8

O que acontece hoje reverbera camadas e mais camadas de experiências históricas e, diante de
uma situação específica, como o caso do atentado ao jornal satírico Charlie Hebdo, ocorrido em
2015, em Paris, nada se explica ou se entende quando focamos apenas o ataque terrorista promovido
por um grupo de muçulmanos. É preciso voltar séculos atrás. Pode parecer um exagero, mas não é,
pois o que está em pauta aqui é a ideia de globalização, de convivência entre os povos, e não pode-
mos ser ingênuos e acreditar que esse é um processo novo, do século XX.
A expansão marítima e comercial da Europa na Era Moderna é o gancho, pois até a chegada de
Colombo no que hoje são as Américas, os habitantes do planeta não conheciam o mundo como ele é. O
movimento expansionista e a chegada às Américas são o ponto de partida da globalização, sustentado por
outras bases; se o conceito de globalização contemporâneo deriva de ações internacionalistas de mercado
e da criação da web, os europeus fizeram. Afinal, apesar de o conceito de nação dos séculos XV e XVI não
ser igual ao atual, as trocas entre continentes e a concorrência entre monarquias valida a ideia de mercado
internacional e, se não havia internet, ao considerarmos as redes de comunicação de cartas da Companhia
de Jesus no intuito de informar seus integrantes sobre o controle de culturas diferentes e a instauração da
religião católica, podemos dizer que eles estavam, sim, conectados.
Considerando que áreas africanas conquistadas por portugueses no século XV permaneceram
coloniais até a segunda metade do século XX, podemos perceber que não estamos falando de passa-
dos remotos e, sim, de práticas que marcaram estruturalmente a relação entre culturas diferentes.
Além disso, é preciso lembrar que a expansão colonialista criou deslocamentos compulsórios que se
tornaram permanentes. O tráfico de escravizados impôs a presença de culturas africanas na Europa
e, sobretudo, nas Américas, e os nativos americanos se viram obrigados a se relacionar com diferen-
tes culturas europeias e africanas. A chegada de estrangeiros ao continente americano também pres-
sionou a interiorização de certos grupos que, inevitavelmente, entraram em conflito.
O pano de fundo não estará completo se não assinalarmos que ocorreu uma nova onda colonialista
no século XIX, agora impulsionada pela industrialização europeia. A França iniciou um novo ciclo de
dominação em 1830, com a conquista da Argélia, tomando quase todo o norte da África e áreas no Pací-
fico. Matéria-prima e mão de obra barata alicerçavam a exploração, levando a confrontos e desqualifica-
ções de alteridades, tal como foi visto em Ancestralidade e cultura e no capítulo anterior.

63
TRILHAS FORMATIVAS

Na década de 1920, iniciaram-se movimentos nacionalistas argelinos, rechaçados pelos france-


ses. Durante a Segunda Guerra Mundial, argelinos foram convocados para lutar ao lado de franceses
contra os alemães e havia a promessa de libertação nacional. A promessa não se cumpriu e as mani-
festações contrárias ao colonizador aumentaram, assim como aumentou a repressão. Inclusive, as
práticas de tortura física e psicológica do governo francês contra os argelinos tornaram-se um mo-
delo para outros países. Formalmente, considera-se o ano de 1954 como o início da luta de liberta-
ção, que durou sete anos, terminando com o acordo de Évian em 1962.
Mais algumas informações relevantes: (1) o islamismo foi suporte dentro dessa luta, sendo
elemento comum na união entre árabes e berberes contra o colonialismo; (2) as fragilidades
econômicas e sociais do novo país fizeram com que muitos argelinos migrassem para a França, onde
enfrentaram o racismo, em busca de melhores condições de vida; (3) em 2001, houve o ataque de 11
de setembro às Torres Gêmeas em Nova York; (4) seja republicando sátiras de um jornal dinamarquês
(2006), seja fazendo as próprias, Charlie Hebdo já havia insultado muçulmanos antes e vivido
represálias com bomba e invasão hacker.
Quando o Charlie Hebdo publicou uma sátira sobre Maomé, dois irmãos franco-argelinos de origem
muçulmana invadiram o jornal e promoveram um ataque que matou doze pessoas. Dois dias depois, os
irmãos invadiram uma gráfica e fizeram reféns. A polícia matou os terroristas no local. Houve uma gran-
de comoção popular pelas mortes no Hebdo, e também pela liberdade de expressão com a hashtag “Je suis
Charlie” (Eu sou Charlie). O slogan virtual mobilizou milhares de pessoas em todo o mundo.

Manifestação contra os atos terroristas que vitimaram 12 pessoas em um ataque ao


jornal satírico Charlie Hebdo, em 2015.

A cultura da paz, o respeito ao outro, a defesa da liberdade, tudo nos convoca a assumir a
hashtag, mas ao fazer isso estamos mesmo defendendo a paz, o outro e a liberdade? O conhecimen-
to histórico nos mostra ações de guerra, desrespeito e cerceamento por parte da França contra a
comunidade argelina e muçulmana. A eliminação do outro não é uma opção, mas, se não examinar-
mos o contexto, não observaremos a legitimidade da indignação dos irmãos franco-argelinos e en-
cobriremos idênticas ações francesas contra argelinos muçulmanos. O multiculturalismo é mais
complexo do que parece.

64
MEMÓRIA E SOCIEDADE

Não vimos pela televisão as torturas contra argelinos, mas vimos o ataque às Torres Gêmeas.
Não somos franceses, não lemos o Charlie Hebdo, não acompanhamos sua história ou escolhas po-
líticas, mas uma hashtag nas redes sociais foi capaz de fazer incontáveis brasileiros se colocarem ao
lado do jornal. O fluxo da informação (sua celeridade e intensidade) é capaz de exercer pressão na
sociedade, impondo adesões a campanhas sem que tenhamos tempo de conhecer os fatos e refletir
sobre eles. O exemplo do ataque ao Charlie Hebdo mostra que é preciso ir além do imediatismo e
problematizar os acontecimentos.
No banheiro de uma universidade pública brasileira uma mulher expressa nojo diante de alunas
indígenas que se molhavam inteiras com a água da pia. De onde veio o nojo? De uma subentendida
regra de uso para a pia. Mas de onde vem a autoridade da regra? A pergunta permite que identifi-
quemos a perpetuação de condutas coloniais de repressão da alteridade com base em normas estra-
nhas a essa alteridade, equivalente à exigência dos portugueses de cobrir os corpos desnudos dos
indígenas no século XVI. O caso das indígenas se molhando na pia permite um perverso desdobra-
mento: como não sabem usar a pia ou o banheiro, a universidade não é lugar para elas.
A situação possibilita localizar o lugar de privilégio econômico de quem naturalizou a existência
de chuveiro ou banheira (que não fazem parte da realidade de muitas pessoas no Brasil, mesmo
entre não indígenas), definindo o que é certo ou errado no uso da pia ou no banhar-se e reforçando
estereótipos de inferioridade que geram exclusão. Vale observar que em nenhum momento a mulher
não indígena foi empática e se perguntou por que as indígenas estavam se molhando na pia do ba-
nheiro. Não considerou que elas, acostumadas a banharem-se várias vezes ao dia, não tinham rio
para fazê-lo e, apesar dos muitos desconfortos que enfrentavam para estudar, lavar-se ainda era uma
possibilidade, mesmo que não da forma como elas gostariam.
Ainda que o multicultural esteja expresso na beleza dos anéis olímpicos, na celebração de com-
petições amigáveis entre diferentes continentes ou nos anúncios de produtos, pensar o multicultu-
ralismo é pensar a gestão cotidiana das diferenças, evitando se fechar em verdades individuais e
desqualificar o outro apenas por ser outro.

1. Com base nos conteúdos vistos, assinale a alternativa incorreta.


a) Multicultural e multiculturalismo significam a mesma coisa.
b) As religiões são expressões culturais especialmente passíveis de promover confrontos por
se estabelecerem como verdades incontestes para seus fiéis.
c) A ação e a reação dos seres humanos estão informadas por códigos culturais e contextos.
Tanto códigos como contextos são influenciados pela história.
d) A convivência entre diferentes exige um equilíbrio entre conhecer/valorizar a própria
cultura e a do outro.
e) A conexão digital permitiu a aproximação entre distantes e diferentes, mas a aproximação
virtual tem limites claros: não conhecemos o odor de pessoas e lugares, por exemplo.

65
TRILHAS FORMATIVAS

2. Assinale as frases que se completam.


I. Entre dizer e fazer há diferentes graus de comprometimento.
II. Comprometer-se com o multicultural exige empatia e dis-
ponibilidade para negociar acordos possíveis.
III. Falar sobre respeito é uma coisa, respeitar o outro no dia a
dia é outra. Menino chorando ao ser apontado por
IV. O bullying costuma expressar preconceitos. outras pessoas.

V. A acomodação entre diferentes valores e práticas numa mesma sociedade é difícil.


a) I e IV c) II e V e) IV e V
b) I e III d) II e III

3. Identifique a sentença que melhor expressa nosso limite na avaliação do caso Charlie Hebdo.
a) A dominação secular de europeus sobre territórios e culturas africanas promove, ainda
hoje, relações tensas.
b) A união de grupos diferentes por meio do islamismo, no caso da luta pela independência da
Argélia, ativa a religião como um elo de pertencimento e, simultaneamente, cria uma leitura
daqueles que fazem parte do grupo e daqueles que não fazem parte e contra os quais se luta.
c) A naturalização da versão histórica do dominador diante das ações colonialistas e impe-
rialistas – muitas vezes apresentada como estratégia de progresso e luta contra a barbárie
– oculta as violências perpetradas pelos povos dominadores, o que interfere tanto na
interpretação do evento como na possibilidade de nos posicionarmos diante dele.
d) O capitalismo é um elemento-chave na composição dos agentes em conflito, não só
pelas espoliações sofridas em território argelino em função do imperialismo francês,
mas também pela exclusão sofrida por descendentes argelinos em território francês,
onde a desqualificação econômica (pobreza) se mistura às características físicas e cul-
turais em contínuos constrangimentos.
e) A campanha “Eu sou Charlie” realizada no Twitter (atual X) caracteriza a dimensão midiática
do evento francês, demandando reflexões sobre a tecnologia e a globalização, assim como
sobre os comportamentos relacionados a elas (por exemplo, a adesão à campanha não ser
fruto de uma reflexão sobre o que ocorreu, mas de um sentimento de pertencimento virtual).

4. Assinale o título de reportagem que não sugere conflito cultural entre pessoas que convivem na
mesma sociedade.
a) “Oferendas encontradas na rua viram caso de polícia na Itália” (Cauti, 2017).
b) “Refugiado sírio é atacado em Copacabana: ‘Saia do meu país!’” (Viana, 2017).
c) “Venezuelano é preso suspeito de esfaquear homem durante discussão em Goiânia”
(Santana, 2023).
d) “Polícia Federal agiliza atendimento a refugiados em São Paulo” (Albuquerque, 2023).
e) “Conflitos étnicos deixam 55 mortos e 23.000 deslocados em Manipur, na Índia” (Farooqui;
Sehgalda, 2023).

66
MEMÓRIA E SOCIEDADE

5. Marque a sentença inadequada na avaliação da relação entre tecnologia e multiculturalismo.


a) O mundo digital criou a possibilidade de acesso imediato a alteridades no mundo todo.
b) Na gestão de relações entre diferentes, o mundo digital tanto pode ser ferramenta agregadora
como de ruptura. A tecnologia em si não é boa nem má, os usos humanos é que o podem ser.
c) As redes sociais se tornaram uma poderosa ferramenta digital de mobilização. Seja com
a transmissão ao vivo de um acontecimento, para arregimentar assinaturas, seja de uma
reunião popular.
d) As redes sociais podem ser ambientes de hostilidade, sob a forma de haters, bullying etc. entre
pessoas de diferentes culturas que convivem no dia a dia.
e) O mundo digital garante adesão imediata a causas.

6. Formem grupos de quatro ou cinco integrantes. Cada


grupo será uma agência de publicidade contratada pelo
governo de um país fictício para criar uma campanha de Festival do Minuto.
Acesso em: 25 fev. 2024.
promoção de atitude empática entre culturas. Cada grupo
deve fazer um pequeno filme (usando o celular), de no
máximo 3 minutos, mostrando situações que descons-
truam olhares preconceituosos. Criem um Festival de
Curtas na escola e marquem uma data para que outras
turmas possam assistir aos filmes. No festival, cada espec-
tador deve receber uma folha com o título dos filmes, o Human Rights Watch.
Acesso em: 25 fev. 2024.
nome dos realizadores e o seguinte texto: Escreva uma fra-
se sobre o que cada filme inspira ou faz pensar.
Três minutos podem parecer pouco tempo, mas obser-
ve estas dicas:
• Inspirações de como apresentar uma ideia em 1 minuto: Emocionante campanha
de uma seguradora
Festival do Minuto. tailandesa [Legendado
• Vídeo canadense para campanha contra violência a PT/BR] | Lei da Atração.
Acesso em: 25 fev. 2024.
mulheres indígenas criado por publicitário brasileiro:
Human Rights Watch.
• Vídeo tailandês para campanha de seguradora promo-
vendo a empatia: Lei da Atração.
• Vídeo português feito por jovens do Projeto Vivacida-
de-E8G para promover uma sociedade mais inclusiva:
Diferentes somos todos! Diferentes somos todos!
Acesso em: 25 fev. 2024.
• Vídeo brasileiro criado em 1946 nos Estados Unidos para
identificar o racismo em crianças (há outros semelhantes
no YouTube): Teste da Boneca - Elix Comunicação.

Teste da Boneca - Elix


Comunicação.
Acesso em: 25 fev. 2024.

67
TRILHAS FORMATIVAS

7. Procure no jornal da semana evento de violência e discriminação cultural como os que foram
vistos no capítulo. Dê preferência para algo que tenha ocorrido na sua cidade ou no seu estado,
mas também pode ser nacional. Recorte e cole a reportagem completa em folha de papel almaço,
registrando a fonte (nome do jornal, do jornalista, data, título da reportagem e link). Faça uma
análise do caso, observando quem são os agentes sociais envolvidos e o contexto, lembrando de
estabelecer conexões mais abrangentes além do fato revelado. Por exemplo, se for o assassinato de
uma mulher indígena, o conteúdo se relaciona a feminicídio, mas também a violência contra in-
dígenas. O resultado deve ser um texto argumentativo crítico.

8. A tolerância não é uma posição contemplativa, dispensando as indulgências ao que foi ou o que é.
É uma atitude dinâmica, que consiste em prever, compreender e promover o que quer ser
(Lévi-Strauss, 1987, p. 366).
Discuta com sua turma a frase do antropólogo, amadurecendo o que ela significa e a que tipo de
ação ela convoca. Depois, faça a tarefa “Declaração de Tolerância”, com 15 artigos. Os artigos
devem ser iniciados com a listagem de premissas gerais, mas também devem incorporar orienta-
ções específicas referentes às questões da escola e da turma. Utilizem a atividade para reconhecer
dificuldades interpessoais e negociar um convívio harmônico.

68
MEMÓRIA E SOCIEDADE

• Hijab, niqab e burca.


Os véus se tornaram uma referência do islamismo,
mas é importante saber que antes de o Alcorão indicar
que a mulher deveria cobrir o corpo, eles já eram
vestimenta usual na Arábia, ou seja, se tornaram uma
regra religiosa em diálogo com prática já existente. Os
mais conhecidos são o hijab, que cobrem a cabeça e o
colo da mulher; o niqab, que cobre a mulher inteira
deixando os olhos de fora; e a burca, que cobre Mulheres muçulmanas usando véu sobre a cabeça.
integralmente o corpo da mulher.
O tipo de véu varia em função de referências culturais e de contextos nos quais a mulher vive.
Por exemplo, o uso da burca, mais restrito ao Afeganistão, só se tornou obrigatório depois que o
Talibã (grupo fundamentalista sunita) assumiu o poder no fim do século XX, assim como a cria-
ção de trajes adaptados para a prática de esportes ou a idas à praia.
Apesar do discurso de liberdade e direitos, em 2016, vários municípios litorâneos da França
instituíram uma lei que proibia o uso do burquíni, vestimenta adaptada para o banho de mar.
Mais do que a repercussão mundial da humilhação de uma mulher sendo retirada da praia de
Cannes por policiais, é interessante observar os ter-
mos do jornal Nice Matin, que endossava a proibi-
ção e defendia um traje “correto, que respeite os
bons costumes, o princípio de laicismo e as regras “Veto ao ‘burquíni’ na França”,
G1, 18 ago. 2016.
de higiene” (G1, 2016). Leia a notícia na íntegra Acesso em: 25 fev. 2024.
acessando o QR Code ao lado.
Em 2020, na Alemanha, a mãe de uma adolescente
de 16 anos precisou entrar na Justiça para que a filha
frequentasse as aulas usando o niqab. Em pauta
estavam em confronto ideais culturais e educacionais:
os contrários ao uso se manifestaram contra o
patriarcado que a vestimenta representaria e segundo
“Tribunal alemão autoriza véu
a compreensão de que a aprendizagem só é possível que cobre o rosto em escola”,
DW, 3 fev./2020.
com a visão dos rostos (DW, 2020). Leia a notícia na Acesso em: 25 fev. 2024.
íntegra acessando o QR Code ao lado.

69
TRILHAS FORMATIVAS

• Que mal eu fiz a Deus?, (2014), dirigido por Philippe de Chauveron.


O sugestivo título da comédia francesa de 2014 coloca em pauta a França multicultural, em que
cada uma das quatro filhas de um casal católico decide se casar com homens de outras nacionalida-
des e religiões.
O filme, que mostra a resistência dos pais diante
da escolha das filhas, apresenta desde conflitos peque-
nos à mesa, que vão minando as possibilidades de o
grupo criar elos familiares em almoços e jantares, e
uma hilária conversa entre os pais dos noivos sobre o Trailer oficial do filme
Que mal eu fiz a Deus?
que servir no casamento com base no termo “tradicio- Acesso em: 25 fev. 2024.
nal” (francês ou africano), até alianças inusitadas que
espelham as possibilidades de acomodação, negocia-
ção e convivência.
Acesse o QR Code ao lado e assista ao trailer do filme.

Elenco do filme Que mal eu fiz a Deus?, no Festival de Cannes.

Camadas de Experiências
Históricas

Expansão Marítima e Comercial

INTERAÇÕES CULTURAIS Colonialismo e Imperialismo

Verdade colonizador Capitalismo

Globalização
INDÍGENAS NO USO DA RUA PARA ATAQUE
BANHEIRO EBÓ E CORPUS CHARLIE HEBDO
CHRISTI
Autoridade/
Padrão Argélia/França
Cegueira
Pertencimento

Empatia Islamismo

Terrorismo

70
CAPÍTULO 13

Mundo digital e
multiculturalismo
8

As línguas de mesma matriz possuem palavras ou estruturas parecidas, o que nos ajuda a supor
– quando não dominamos o idioma – o significado de palavras em espanhol, francês, italiano e em
todas as línguas derivadas do latim, como o português. Além disso, atualmente é possível que pala-
vras como hambúrguer ou Coca-Cola façam parte do repertório de 90% da população mundial.
Mas as duas situações podem gerar equívocos. Vimos que a Coca-Cola mudou a cor do rótulo
em Parintins e, caso você estivesse por lá, talvez se confundisse na hora de pegar uma garrafa na
geladeira. E é provável que saiba a confusão que é dizer que se está embaraçada em países de língua
espanhola, pois, apesar da mesma grafia e sonoridade do português, os significados são muito dis-
tantes: enquanto a pessoa diz que está constrangida, alguém entende que ela está grávida.
Agora, multiplique situações assim acontecendo de forma exponencial e dê uma boa risada imagi-
nando um mundo insano, onde em cada interação quem fala diz uma coisa e quem escuta entende outra.
Apesar de ser caricato, não está muito longe da realidade, pois a internet faz exatamente isso: amplia ex-
ponencialmente o contato entre diferentes línguas, criando condições para equívocos e multiplicando as
armadilhas na comunicação.
A internet concretizou o sentido da palavra global. Se o telefone já permitia que duas pessoas se
falassem sendo 10h no Brasil e 22h em Tóquio, a internet trouxe a possibilidade da imagem instan-
tânea, e o smartphone tornou possível caminhar pelas ruas da Roma antiga com um amigo em via-
gem sem sair do sofá de casa. Em pouco tempo, o mundo virtual se tornou ele mesmo um lugar,
deixando de ser percebido apenas como meio de comunicação.
As implicações dessa percepção são fundamentais para o entendimento da sociedade contem-
porânea, na qual os indivíduos convivem com as leis nacionais do país em que moram, mas encon-
tram no mundo virtual um outro país, formado por pessoas
com interesses comuns. As comunidades de afinidade po-
dem trazer o conforto do pertencimento, mas ao mesmo
tempo criam a ilusão de que o mundo virtual é, ou deve-
ria ser, real. Excluídos os outros, aqueles com quem não
se têm afinidade, fortalecem-se valores e práticas que
voltam ao mundo real como intolerância.

71
TRILHAS FORMATIVAS

Os temas e casos para pensar sobre como o mundo digital interfere no multiculturalismo são
muitos, mas como nosso objetivo é refletir sobre questões-limite na gestão das diferenças, vamos nos
deter em dois movimentos da internet. As campanhas e os haters são tópicos interessantes para
observar a época estranha em que vivemos, na qual a defesa da diversidade, da liberdade e da
igualdade de direitos convive com a homogeneização operada pelo capitalismo (que faz todos
conhecerem o hambúrguer) e pela internet (que cria parâmetros que atravessam fronteiras). Longe
de oferecer respostas, a intenção é propor questões que exibam como os tempos são desafiadores.
As fronteiras nacionais são ultrapassadas pela convivência no virtual e, se o simples contato
virtual com pessoas de diferentes países gera a sensação de que somos cidadãos do mundo, a convo-
cação à opinião e à adesão a campanhas internacionais a potencializam. A internet permite a sensa-
ção de pertencimento e de engajamento, mas e quando o pleito demanda a mudança cultural?

O cyberbulying afeta milhões de jovens no mundo inteiro.

Vejamos um exemplo concreto: a campanha contra o cyberbullying. O cyberbullying é um pro-


blema global que afeta milhões de jovens ao redor do mundo. Com o advento das redes sociais e a
facilidade de comunicação online, muitos adolescentes têm sido vítimas de comportamentos agres-
sivos e humilhantes na internet. Esse tipo de bullying pode ter consequências devastadoras para a
saúde mental e emocional das vítimas. Em resposta, várias campanhas internacionais foram lança-
das para combater o cyberbullying, promovendo um ambiente online mais seguro e respeitoso.
Uma dessas campanhas é a “Stop Cyberbullying Day”, que ocorre anualmente e é promovida por
diversas organizações e plataformas de mídia social. A campanha visa aumentar a conscientização
sobre o impacto do cyberbullying e incentivar comportamentos positivos online. Ela também oferece
recursos e apoio para vítimas de cyberbullying e orienta sobre como lidar com essas situações.

72
MEMÓRIA E SOCIEDADE

No QR Code ao lado, você pode assistir a uma aula


sobre cyberbullying.
Cyberbullying - Brasil Escola.
Acesso em: 11 jun. 2024.

Logo na campanha mundial “Stop Cyberbullying Day”. Tradução livre: Dia de acabar com o cyberbullying.

As campanhas na internet ativam a ideia do virtual como espaço onde indivíduos se encontram e
planejam ações em prol de interesses comuns, mas, em lugar de mediações humanitárias, o medo e o
ódio é que são os aglutinadores. O fenômeno dos haters que agridem as pessoas no mundo digital é
exemplo claro de intolerância e desrespeito majoritariamente associado à xenofobia e ao racismo,
como foi o “caso Maju”.
A jornalista da Rede Globo Maria Júlia Coutinho atuava
no Jornal Nacional quando, em 2015, viu publicadas – tanto
em sua página pessoal do Facebook como na página do tele-
jornal – as seguintes mensagens: “Só conseguiu emprego no
Jornal Nacional por causa das cotas. Preta imunda” e “Não
tenho TV colorida para ficar olhando essa preta não”. Vamos
analisar a referência às cotas na mensagem e o fato de terem
sido usados perfis falsos, ainda que o caso e as mensagens
tenham muitas outras perversidades.
A alusão às cotas expõe a tensão diante de ações afirmativas
que, para aqueles que fundam seus critérios sociais em princí-
pios hierarquizantes de superioridade cultural, são ameaças a
seus privilégios. O “só conseguiu” cria a suposição de incompe-
tência da jornalista, o que atualiza a desqualificação histórica de
negros e negras e age de modo semelhante ao caso das indíge-
nas se molhando no banheiro de uma universidade. Entretanto,
apesar de ter sido feita em voz alta para que outras pessoas ou-
vissem, o campo de impacto da crítica às indígenas é infinita-
Jornalista Maria Júlia Coutinho, no palco central
mente menor do que uma mensagem lançada na internet, espe- durante a noite de abertura da Web Summit Rio 2023,
cialmente considerando o perfil público do jornal televisivo no Riocentro, Rio de Janeiro. Foto: Sam Barnes/Web
Summit Rio via Sportsfile.
mais visto no país.

73
TRILHAS FORMATIVAS

A publicidade alcançada contrasta com o fato de as mensagens serem atribuídas a perfis falsos,
o que impede a identificação dos autores e a responsabilização pela fala e pelo ato. A ética nas rela-
ções interpessoais é diretamente atingida e condutas assim não podem ser descoladas da reflexão
sobre a idealização do virtual como espaço fora de fronteiras nacionais (fora de controle), onde co-
munidades se afastam dos limites estabelecidos fora do virtual, como a identificação de autoria de
agressões e crimes ou a resposta imediata de quem foi atingido.
A internet é um terreno fértil para inconsequências e covardias, portanto, adiciona difi-
culdades ao multiculturalismo. Como ferramenta que permite a ocultação de agentes sociais
e que se atualiza rapidamente, cria entraves e longos intervalos na possibilidade de controle
pelos governos.

1. A violência e o preconceito contra a população de origem asiática foram acentuados durante a pan-
demia de covid-19. Segundo relatório divulgado em maio pelo Stop Asian Hate, movimento que
denuncia o aumento dos crimes de ódio contra a comunidade, foram 6.603 casos de violência regis-
trados entre março de 2020 e março de 2021. De acordo com o Departamento de Polícia de Nova
York, houve aumento de 1.900% nesses incidentes, além das denúncias que não são relatadas
(Tammaro, 2021).
Marque a alternativa incorreta.
a) O racismo não se restringe a afrodescendentes.
b) O racismo é uma construção histórica, derivada do contato e do enfrentamento entre diferentes
grupos culturais e da associação de características físicas aos processos de detração do outro.
c) A expressão “povos asiáticos” no parágrafo expressa bem a dimensão difusa do racismo.
d) Somadas as denúncias não relatadas em Nova York, o aumento de incidentes seria de
2.200%.
e) A informação “foram acentuados” e a existência de um movimento chamado “Stop Asia
Hate” indicam a existência de tensões contra grupos asiáticos nos Estados Unidos a des-
peito da Covid-19.

2. Os atos discriminatórios com relação à raça são mais evidentes em situações cotidianas, como em
insultos ou gestos. O que se vê nos últimos anos, porém, é um crescimento desse preconceito no âm-
bito digital. Isto cria um novo cenário em que a agressão é velada em linhas de programação. É
justamente nesse ponto que as redes sociais podem contribuir para exclusões – nas mais variadas
formas. O termo racismo algorítmico surge como uma forma de abarcar o mundo dos preconceitos
gerados através de robôs (Lima, 2020).

74
MEMÓRIA E SOCIEDADE

Identifique a afirmação que não se relaciona ao texto.


a) Perfis falsos foram usados no caso de racismo virtual identificado como “caso Maju”, que
atingiu a jornalista da Rede Globo.
b) No insulto racial direto, no enfrentamento entre duas pessoas, fica evidente o autor do
delito, o que não ocorre no ambiente virtual.
c) No Brasil, o racismo é crime e o uso de robôs multiplicadores de opinião nas redes gera
uma ocultação que dificulta a penalização.
d) O termo “racismo algorítmico” evidencia tanto a ampliação de modos de efetuar práticas
racistas como a ferramenta internet traz novas questões para o multiculturalismo.
e) O “racismo algorítmico” não é uma invenção do robô, mas o uso deliberado da progra-
mação (realizada por ser humano) para simultaneamente multiplicar ato discriminatório
e ocultar o sujeito do delito.

3. Qual das seguintes opções melhor descreve a relação entre cyberbullying e multiculturalismo
na era digital?
a) O cyberbullying é um problema isolado e não tem conexão com questões culturais.
b) O cyberbullying só ocorre entre pessoas da mesma cultura.
c) O cyberbullying frequentemente inclui elementos de preconceito cultural, racial ou étnico,
destacando a importância do respeito e da compreensão entre diferentes culturas online.
d) Multiculturalismo não é afetado pelo cyberbullying, pois este é um fenômeno exclusiva-
mente digital.
e) Campanhas contra o cyberbullying não consideram aspectos culturais, focando apenas no
comportamento online.

4. Sobre internet e multiculturalismo, é incorreto dizer que:


a) A internet facilita o processo de conhecimentos sobre outras culturas.
b) A internet pode dificultar a gestão entre diferentes quando utilizada como ferramenta de
acirramento de conflitos.
c) A internet tanto viabiliza o desenvolvimento de campanhas de valorização de certos gru-
pos e culturas como o de campanhas de ódio ao outro.
d) A ampliação de interações culturais permitidas pela internet fragilizou o contato direto
entre sujeitos, o que, no multiculturalismo, pode gerar equívocos e desentendimentos.
e) A internet não afeta as políticas multiculturalistas.

75
TRILHAS FORMATIVAS

5. Mensagens com conteúdo racista, misógino, homofóbico, etc., encontram por meio do humor,
por exemplo, a possibilidade de rápida disseminação pela internet, levando consigo o teor vio-
lento e legitimado pelos pressupostos ideológicos dominantes que são retroalimentados quando
os usuários compartilham ou apoiam acriticamente o que é dito, validando agressões que nem
sempre são evidentes (Rebs; Ernst, 2017, p. 29).
Identifique a interpretação inadequada, quando associada ao fragmento.
a) Mensagens homofóbicas devem ter rápida disseminação pela internet.
b) O humor nem sempre está a favor da harmonia social.
c) Piadas e memes que detratam uma pessoa ou comunidade, quando compartilhadas via
internet, ganham rápido alcance.
d) Agressões ao outro podem estar veladas sob a máscara de uma brincadeira.
e) Compartilhar conteúdo sem prévia reflexão sobre seu significado faz com que o multipli-
cador da informação incorra em práticas cujos resultados podem ser bastante negativos.

6. Vamos ampliar a reflexão e levá-la para outras pessoas? Reúnam-se em três grupos. O gru-
po 1 fará uma pesquisa sobre o que é ética digital; o grupo 2 fará uma pesquisa sobre a le-
gislação brasileira acerca do assunto; e o grupo 3 fará uma listagem de casos exemplares
com sua devida análise. Cada grupo apresenta os resultados da investigação. Em seguida, a
turma toda deve criar uma campanha virtual de esclarecimento com sugestão de boas prá-
ticas na internet. Será necessário produzir posts para serem publicados nas redes sociais da
escola (se existirem). Os posts também podem ser compartilhados pelos estudantes em
suas próprias redes. Apresentem as informações com simplicidade e objetividade e criem
peças de divulgação atraentes

7. Nesta atividade, a turma deve ler o livro O olho mais azul, de Toni Morrison, e preparar uma
dramatização. Nem todos serão personagens, mas não apenas atores fazem o teatro aconte-
cer: são necessários figurinistas, ensaiadores, diretores, cenógrafos, iluminadores, produto-
res… São várias as atividades realizadas para que a peça seja montada. Mas todos precisam
ler o livro e conhecer muito bem o enredo para realizar suas funções com excelência. Discu-
tam o livro com o professor e a turma, destacando a questão do colorismo e das relações entre
diferentes grupos dentro de uma mesma sociedade; definam as atividades de cada um e façam
um cronograma considerando o calendário escolar e a disponibilidade da turma. No cronogra-
ma, definam encontros regulares para que cada participante apresente o que está desenvolvendo
e para que os problemas que surgirem sejam administrados em grupo.

76
MEMÓRIA E SOCIEDADE

Pense que a arte é um caminho especial para promover reflexões e que as temáticas sensíveis da
obra podem (e devem) alcançar um público mais extenso. Pensem em uma encenação aberta à
comunidade escolar, incluindo professores, alunos, funcionários e pais.

8. Por meio de foto, pintura, colagem ou escultura, cada estudante deve apresentar uma
obra sobre o colorismo, configurando uma exposição na escola. O professor vai definir a
data de apresentação dos trabalhos. Na data marcada, haverá um vernissage, ou seja, um
evento cultural de abertura da exposição. Os estudantes devem estar disponíveis para
falar sobre sua obra.

77
TRILHAS FORMATIVAS

• Perigo amarelo.
O contato com o Oriente em tempos anteriores desenvolveu um misto de fascínio e medo na
Europa, o que pode ser exemplificado pelo valor dado à seda que vinha da China e pelo horror dian-
te dos dramáticos assassinatos de missionários católicos no Japão. No século XIX, com o avanço da
industrialização e as transformações associadas a ela, prevaleceu o imaginário de que os orientais
poderiam, a qualquer momento, invadir a Europa, tornando-se uma ameaça aos valores e modos de
vida europeus.
O sentimento ganhou um nome no texto escrito, em 1897, pelo sociólogo russo Jacques Novi-
kow. O texto, intitulado “O perigo amarelo”, espalhou-se pelas mãos do imperador alemão Guilher-
me II, que defendia a superioridade branca e fazia apologia à ocupação da China.
O xenofobismo contra os orientais chegou a vários países e culturas. A expressão “perigo amarelo”
esteve presente no Brasil no início do século XX associada
à imigração japonesa, como pode ser visto no documentá-
rio Perigo amarelo, de Hugo Katsuo. O filme mostra que a
crença de que orientais podem representar um perigo ain-
O perigo amarelo nos dias atuais.
da persiste. O QR Code ao lado dá acesso à página do Acesso em: 25 fev. 2024.
cineasta, onde há mais informações sobre o documentário.

• Colorismo.
O termo colorismo foi usado pela primeira vez na década de 1980 pela escritora estadunidense
Alice Walker para mostrar que pessoas de pele mais clara tendem a ser mais bem tratadas que as de
pele retinta, que são mais discriminadas. O termo, então, se refere tanto a práticas de miscigenação
como a sistemas de significação que criam hierarquias entre pessoas negras.
Em seu livro Colorismo, a pesquisadora Alessandra Devulsky vê o fenômeno como um
subproduto do racismo, e muitos apontam que a ideia de escala cromática, por um lado, alimenta a
reflexão sobre a linha que define quem é negro e quem é branco, e, por outro, expõe a situação da
discriminação entre pessoas da mesma raça.
Com o sugestivo título Passing (passagem), o filme estadunidense de 2021, baseado no romance de
Nella Larsen publicado em 1929, aborda as tensões do colorismo nos Estados Unidos. O enredo apresenta
uma mulher negra que se passa por branca, e os impactos da
estratégia entre os negros que reconhecem o que está aconte-
cendo. Filmado em preto e branco, foi apresentado no Brasil
por um canal de streaming com o título Identidade. Acesse o
QR Code ao lado e assista ao trailer do filme. Passing, trailler oficial.
Acesso em: 25 fev. 2024.

78
MEMÓRIA E SOCIEDADE

Internet
Ilusão de semelhanças e gestão de diferenças

MULTICULTURALISMO
E MUNDO VIRTUAL

CAMPANHAS HATERS

Racismo contra
Pleito internacional
Maju (JN)
Homogeneização

ONU
Cotas Perfis fakes

MGF
Ação afirmativa
Ocultação
versus
Fuga de
Direito a diferença Afirmação de
responsabilidade
versus hierarquias
Campanha internacional WWW: GLOBAL

Medicina versus Medicinas


Criação de Cidadãos do
espaço mundo

Circuncisão versus
Mutilação Sem fronteiras
Sem controle

79
CAPÍTULO
CAPÍTULO 41

Multiculturalismo e
interculturalidade
COMPREENDER

O uso de termos como multicultural e multiculturalismo são evidência de transformações


sociais que exigem o reconhecimento da diversidade dentro das comunidades políticas. Considerando
que os Estados nacionais se firmaram em discursos de unidade, não é pouca coisa vermos países
assumirem que em seu território existem línguas e culturas diferentes. Mas entre a identificação da
diferença e a mobilização para posições igualitárias (sob o princípio democrático) há grande
distância, basta recordar a categorização estabelecida por Stuart Hall para os multiculturalismos, ou
seja, para as ações derivadas do reconhecimento da diversidade cultural. O multiculturalismo
conservador, por exemplo, longe de garantir a paridade de direito entre diferentes, faz uso do
reconhecimento da diferença para perseguir a unidade sob o controle da cultura majoritária.
Você já sabe que o multiculturalismo se refere a uma ação, a políticas que procuram equalizar o
contato entre diferentes culturas; trata-se, portanto, de gerir as relações. Entretanto, ao observarmos
a forma das palavras, nem multicultural nem multiculturalismo dão destaque às relações,
indicando apenas a situação plural da existência delas. A ideia de tolerância é prova disso, pois, em
lugar de sugerir o contato, pode representar a segregação: após a identificação da diferença, os
indivíduos se isolam, porque não querem lidar com o outro.
Simplesmente reconhecer a existência do outro não é su-
ficiente, é preciso pensar sobre as conexões estabelecidas entre
os grupos culturais. Crises econômicas, guerras e ditaduras
levaram milhares de pessoas a emigrar para a Europa no fim
do século XX e início do XXI, mas a mera aceitação dessas
populações nos países acolhedores não elimina o fato de elas
precisarem de educação, saúde, trabalho. A fricção social está
posta e aumenta em função de limites como o desconheci-
mento da língua e dos costumes, por exemplo.
Nas Américas, a resistência indígena aos processos de ex-
termínio e imposição cultural colocou a questão de como arti-
cular povos originários e nacionalismo na ordem do dia dos

80
MEMÓRIA E SOCIEDADE

governos, especialmente em função de uma mobilização indígena mais sistemática por direitos. Em
Ancestralidade e cultura, você acessou um importante evento dessa mobilização, a fala de Ailton
Krenak na Constituinte de 1987, que amparou a criação de artigo que, pela primeira vez na história
brasileira, garantiu aos indígenas o direito de manterem sua cultura. Enfim, o adjetivo multicultural
não esclarece quais são e como são os contatos, as relações e os resultados da convivência entre dife-
rentes que habitam o mesmo território.
Na década de 1980, para operar com as questões do multiculturalismo, consolidou-se um novo
conceito: o da interculturalidade, no qual o prefixo inter desloca a atenção para a relação. A vincu-
lação entre o uso do conceito e o contexto histórico não passa despercebida quando atentamos ao
fato de ter sido esse o momento em que vários países americanos criaram novas constituições ou
fizeram significativas alterações nos textos originais que se referiam aos povos indígenas. Em 1985,
a nova Constituição da Guatemala garantiu reconhecimento e proteção aos costumes indígenas. Em
1986, a Constituição da Nicarágua inovou e garantiu o direito de autonomia e autoadministração
aos indígenas por meio do Estatuto de Autonomia das Comunidades. Em 1988, a Constituição bra-
sileira criou artigo normatizando condições para que os indígenas permaneçam como tais. Em1991,
a Constituição da Colômbia passou a incluir direitos e garantias aos povos indígenas, reconhecendo
e protegendo a diversidade étnica. Em 1992, a Constituição mexicana reconheceu pela primeira vez
que o México é uma nação pluricultural. Em 1993, uma nova Constituição no Peru passou a reco-
nhecer e proteger a pluralidade étnica e cultural da nação. Em 1994, enquanto uma reforma consti-
tucional na Bolívia reconheceu o caráter multiétnico e pluricultural da nação, a nova Constituição
da Argentina reconheceu, pela primeira vez, a existência de população indígena em seu território.
Sem dúvida, as mudanças impuseram aos países o desafio de repensar a educação nacional, de
acordo com o compromisso de proteger os povos indígenas. Como seria a acomodação entre o todo (o
Estado nacional) e o particular (as etnias) em temas como a língua? Foi nesse momento que o termo
interculturalidade ganhou relevância e se mostrou mais eficaz na orientação das ações, pois não só
expunha o contato entre os diferentes, mas os colocava em pé de igualdade. Na construção de socieda-
des democráticas – como as constituições previam, o conceito de interculturalidade conferia, e ainda
confere, legitimidade a outros modos de entender o mundo e paridade nas decisões coletivas/nacio-
nais. Uma voz nova, e ao mesmo tempo muito antiga, se apresentava na sociedade: a voz indígena.
Por que a educação é um tema-base? Porque a
manutenção da cultura implica a possibilidade de
manutenção e uso da língua, do calendário, dos mo-
dos de subsistência nativos etc. Junto ao reconheci-
mento do português como língua-pátria, os gover-
nos teriam de adequar perspectivas e medidas para
acolher a língua materna, distinta da nacional. Isso
implica uma revisão compulsória de sentidos e prá-
ticas que fundamentam uma escolaridade comum,
já que estariam em pauta, por exemplo, desde o ca-
lendário escolar – definido por marcos não indíge-
nas – até questões como o conteúdo curricular.

Sala de aula em tribo indígena.

81
TRILHAS FORMATIVAS

A pertinência no uso do conceito de interculturalidade está no fato de ele operar em articulação


com o princípio de coexistência dialógica, ou seja, em contínuo diálogo e negociação entre as diferen-
ças, e com o de originalidade cultural, que implica a inadequação, e consequente recusa, de qualquer
dominação. Inter é estar entre, portanto, destaca a relação que ocorre no contato e, com base nos prin-
cípios assinalados, define que os envolvidos na equação sejam autorizados e considerados aptos a ma-
nifestar-se, e que suas manifestações sejam equivalentes em força e validade para a negociação.
A efetivação de escolas indígenas interculturais, onde são trabalhados conhecimentos dos cur-
rículos nacional e específico da etnia, foi uma transformação significativa no Brasil, bem como a
implantação e a multiplicação de licenciaturas interculturais indígenas, formações universitárias que
possibilitam que os indígenas se tornem professores, oferecendo perspectivas que vão além da elimi-
nação do silenciamento e do apagamento.

1. Sobre alterações constitucionais, marque a alternativa incorreta.


a) Considerando que a Argentina declarou independência da Espanha em 1816 e o reco-
nhecimento da presença de indígenas em seu território ocorreu apenas em 1994, é possí-
vel falar em invisibilidade de parte da população de um Estado nacional.
b) As alterações constitucionais costumam expressar mudanças já em processo dentro das
sociedades, mas também expressam alterações desejadas. Por isso, é possível dizer que as
alterações relativas aos indígenas consagradas na Carta de 1988 no Brasil espelham um
desejo comum e coletivo.
c) A promulgação de uma nova Constituição tradicionalmente indica mudanças sociais,
por vezes relacionadas a mudanças no regime de governo, por outras como resultado de
acomodação de novos valores, práticas e referências históricas.
d) Apesar da proximidade temporal entre muitos reconhecimentos referentes aos povos in-
dígenas em países sul-americanos (décadas de 1980/90), houve uma variação no trato da
questão. Um exemplo disso é o Estatuto de Autonomia das Comunidades da Nicarágua,
bem distinto do caminho construído no Brasil e em outros países.
e) Mudanças constitucionais que protegem a perpetuação de culturas diferentes dentro do
mesmo Estado nacional exigem medidas práticas que deliberem sobre como a acomoda-
ção entre as diferenças ocorrerá.

2. No caso do Brasil, especificamente, ao assegurar aos povos indígenas, no capítulo intitulado


‘‘Da educação’’, a utilização no Ensino Fundamental, de línguas maternas e processos pró-
prios de aprendizagem, a Constituição de 1988 assume, depois de cinco séculos, o caráter
pluricultural e multilíngue do país e renuncia, ao menos em discurso, as políticas assimilató-
rias e integracionistas, que visaram, com diversos propósitos, à eliminação de diferenças cul-

82
MEMÓRIA E SOCIEDADE

turais e sociolinguísticas. Estas mudanças paradigmáticas, segundo Paulo Freire, redesenharam


uma nova função social para a escola indígena, detalhando o direito de suas comunidades a uma
educação bilíngue, intercultural, comunitária, específica e diferenciada (Nascimento, 2014, p. 2).
Assinale a alternativa deslocada da questão apresentada no fragmento.
a) O reconhecimento pluricultural e multilíngue é um passo necessário para que sejam de-
senvolvidas medidas que respeitem tal diversidade.
b) O Brasil é um dos muitos exemplos de sociedades que foram marcadas em sua formação
pelo colonialismo, implicando, portanto, tentativas de eliminação do outro, seja fisicamente
ou por outros meios, como sanções ao uso das línguas maternas de povos colonizados.
c) A educação bilíngue se refere no fragmento ao aprendizado da língua inglesa, considera-
do passaporte multicultural.
d) O ordenamento jurídico é um pilar de organização de práticas e relações. Ao assegurar o
uso da língua materna no Ensino Fundamental, a Constituição orienta a consolidação de
uma sociedade mais plural.
e) As qualificações “bilíngue, intercultural, comunitária, específica e diferenciada” procu-
ram assinalar o acesso: (a) ao conjunto cultural da sociedade majoritária; (b) aos conjun-
tos singulares de saberes e referências das diferentes etnias indígenas; e (c) aos diálogos e
relações entre os ditos conjuntos.

3. Assinale a única sentença correta no que se refere à interculturalidade.


a) O conceito de interculturalidade é um convite ao diálogo, mas não define que aqueles que
estão dialogando estejam em paridade.
b) A interculturalidade substituiu o multiculturalismo, portanto, o uso do último se tornou
um equívoco.
c) Multicultural, intercultural e transcultural significam a mesma coisa, apesar de serem
palavras diferentes.
d) A interculturalidade convoca ao diálogo e destaca as relações entre as diferenças.
e) Uma escola intercultural indígena é aquela que usa o mesmo currículo de escolas não
indígenas, mas inclui informações específicas sobre a etnia onde a escola se localiza.

4. A consciência da luta inseriu os povos indígenas do Brasil, direta e expressivamente, na opi-


nião pública”, diz Poliene. Segundo a pesquisadora, as lideranças indígenas dispensam porta-
-vozes e passam a falar por si mesmas. Uma mudança que pode ser verificada no aumento das
organizações indígenas: Em 1995, uma pesquisa do Instituto Socioambiental revelou a exis-
tência de 109 entidades. Em 2001, eram 318. Já em 2009, a pesquisa da UnB encontrou 486
organizações que lutam pelos direitos indígenas no Brasil (UnB Ciência, 2011).
Considerando o fragmento, marque a alternativa mais completa.

a) O texto informa sobre a existência de um movimento indígena antes da Carta de 1988.


b) A criação de organizações indígenas é prova da adesão a uma nova forma de participação
e luta por direitos dentro da comunidade nacional.

83
TRILHAS FORMATIVAS

c) O processo de mobilização por meio de organizações autônomas por parte de indígenas


começou no século XX e avança no século XXI.
d) A expressão ‘‘consciência da luta’’ diz respeito à consciência e ao uso de modos de agir não
indígenas (as organizações) para a demanda de direitos.
e) A pesquisa desenvolvida na UnB traz uma inovação nos modos de luta indígena, pois, se
a resistência contra os brancos se realizou desde o início do contato, a mobilização por
meio de organizações (iniciada no fim do século XX) foi uma estratégia que estava no
repertório não indígena.

5. Uma das principais dificuldades enfrentadas pelas comunidades e organizações indígenas é lidar
com o modelo burocrático de organização social, política e econômica dos brancos, o qual são obri-
gados a adotar nas suas comunidades para garantir os direitos de cidadania, como o acesso a recur-
sos financeiros e tecnológicos. O modelo de organização social, no formato de organização institu-
cionalizada, não respeita o modo de ser e de fazer dos povos indígenas (Baniwa, 2012, p. 219).
Com base no texto do indígena, assinale a afirmação incorreta.
a) O olhar da pesquisa da questão anterior valoriza a formação de organizações indígenas; o
olhar indígena desse fragmento aponta um problema das organizações.
b) A concessão de direitos constitucionais aos povos indígenas ainda exige que eles abando-
nem suas culturas para conseguirem acessar/compreender o que são tais direitos e como
fazê-los vigorar.
c) Uma educação intercultural pode potencializar conhecimento para que os indígenas
transitem na cultura de não indígenas sem perder suas próprias referências culturais.
Uma educação intercultural apenas para indígenas denota que os brancos continuam
com prerrogativas de domínio, pois não se dispõem a aprender sobre o outro.
d) A organização do Estado do Brasil em municípios, estados e regiões em nada afeta a per-
cepção dos indígenas sobre a terra ou a luta por seus direitos.
e) A paridade entre culturas no processo decisório da vida em comum é um desafio e o
fragmento é um exemplo da dificuldade.

6. Você conhece uma nova pessoa e formam uma amizade. Ela chama você para jogar bola com os
amigos. Quando chega ao local, percebe que o jogo não é futebol, mas rúgbi, do qual você só viu
uma ou outra cena na televisão e não tem a menor ideia de como se joga. Você chegou em cima
da hora e um time conta com sua participação para não ficar desfalcado. Claro que o grupo vai
esclarecer as regras, mas logo entram em campo. É esperado que você cometa gafes, que não sai-
ba se posicionar ou aproveitar seu potencial porque não conhece as regras.
O contato intercultural é mais ou menos assim, e a paridade estaria em os jogadores de rúgbi
se imaginarem em situação semelhante à sua, se o jogo fosse de futebol. Nenhum dos dois jogos
é o correto, são apenas duas possibilidades distintas de jogar. A atividade é fazer exatamente
isso: escrever um parágrafo metafórico que explique com outro exemplo a relação intercultural.

84
MEMÓRIA E SOCIEDADE

7. Interculturalidade, escola e justiça. A ideia é promover uma reflexão aprofundada sobre a articu-
lação entre os três termos, e, para isso, a turma vai ler e discutir um artigo científico. A atividade
será desenvolvida em três aulas.
Aula 1: Início da leitura coletiva em sala de aula. Tarefa de casa: concluir a leitura do artigo indi-
vidualmente, fazendo anotações e destacando as dúvidas.
Aula 2: Alguns estudantes serão escolhidos pelo professor para apresentar suas anotações, se-
guindo a ordem do texto. O objetivo é a compreensão efetiva do artigo.
Aula 3: A turma deve discutir o texto, apresentando as ideias que surgiram com base na leitura e
as associações feitas com casos ou situações, questões e análises críticas conhecidas previamente.
O objetivo é levar as ideias do texto para a vida.
O texto a ser lido se chama “Justiça na escola:
conflitos escolares na infância através da educa-
“Justiça na escola: conflitos
ção intercultural” e foi escrito por Pâmela Suélli escolares na infância através
da Motta Esteves, Ingrid de Faria Gomes e Julia da educação intercultural”,
Revista da FAEEBA – Educação e
Wassermann Guedes, publicado em 2018 na Re- Contemporaneidade.
vista Educação e Contemporaneidade, da Univer- Acesse o texto: 25 fev. 2024.

sidade do Estado da Bahia.


Acesse o texto pelo QR Code ao lado.

8. Falou-se sobre a Constituição brasileira e as de outros países, indicando alterações significati-


vas que não só reconheceram as culturas indígenas como viabilizaram sua continuidade. Você
já leu o texto constitucional? Você sabe em que termos tais alterações foram apresentadas?
Acesse na internet o texto constitucional inteiro e observe como ele é montado, como é a aber-
tura, tome conhecimento de como é uma Constituição. Identifique o motivo de muitas partes
estarem riscadas e entenda por que elas ainda estão ali.
Depois, siga para o capítulo VIII do Título VIII (Da ordem social) e leia os artigos 231 e 232.
Em sala de aula, discuta o que de fato representa o artigo 231 e o porquê de o artigo 232 existir,
ou seja, o que estaria sendo alterado ali.
Por fim, faça um poema ou uma música com esse material para apresentar num sarau que será
organizado pelo professor.

85
TRILHAS FORMATIVAS

• Decolonialidade.
A luta pela independência do jugo colonizador nas Américas, na África e na Ásia caracteriza o
movimento de descolonização. No entanto, muito mais do que derrubar governos e instalar novos,
as reflexões sobre o colonialismo e seus impactos mostraram efeitos estruturais decorrentes da des-
legitimação e desqualificação dos saberes nativos em nome da verdade única do colonizador.
Os estudos sobre esses processos resultaram, no fim do século XX, na formação de um grupo
interdisciplinar chamado Modernidad/Colonialidade, que redigiu artigos, livros, realizou palestras
e encontros para a análise das práticas coloniais e estratégias contrárias aos povos originários. Esse
grupo gerou uma renovação crítica do pensamento – especialmente da noção de giro decolonial,
reconfigurando interpretações histórico-sociais e criando outros horizontes de sentido para antigas
áreas colonizadas.
O grupo esteve em diálogo com estudiosos de outros continentes, que também colocaram em
causa os impactos coloniais, como os estudos culturais e pós-coloniais. Tais diálogos permitiram
ainda a formulação da ideia de sul global, evidenciando o fenômeno de transformação e emergência
político-econômica dos países em desenvolvimento. Para esses intelectuais, era importante fazer ver
que a razão moderna ocidental, apresentada como universal, é um conhecimento eurocentrado que
deve dar lugar a outros conhecimentos, a perspectivas decoloniais.
Alguns personagens desse grupo são os soció-
logos Aníbal Quijano e Edgardo Lander; os se-
miólogos Walter Mignolo e Zulma Palermo; a pe-
dagoga Catherine Walsh; os antropólogos Arturo
Escobar e Fernando Coronil; o crítico literário
Javier Sanjinés; e os filósofos Enrique Dussel e
Nelson Maldonado-Torres.

Pensadores críticos do Grupo Modernidad/Colonialidad.


• Arte indígena.
Estamos tão apegados a nossas certezas que muitas vezes não percebemos que, mesmo abertos
à diferença cultural, podemos naturalizar referências que não são naturais. A arte é um exemplo.
Muitas vezes a simples leitura de um título, neste caso “Arte indígena”, basta para que o leitor imagi-
ne adornos e grafismos corporais, traduzindo o que ele considera que seja arte e elencando os obje-
tos ou produtos que se encaixariam na definição que tem em mente. Esse é o problema, é uma defi-
nição particular do que possa ser arte indígena.

86
MEMÓRIA E SOCIEDADE

Dois pontos que parecem ser comuns à maioria das etnias:


• Os indígenas não possuem palavra ou conceito que equivalha
ao que nós chamamos de arte;
• Inexiste a figura do artista como indivíduo criador.
Os adornos e grafismos que podem ser imaginados fazem
parte, sim, da fruição estética dos indígenas, entretanto seu lugar
e função social são muito distintos do que chamamos de arte, a
começar pelo fato de que, para eles, a arte está presente em tudo,
como materialização do estar no mundo. Por exemplo, as pintu-
ras corporais costumam ser mapas de orientação social, indican-
do, entre outros aspectos, se a pessoa é casada ou solteira, se é
Pajé Yawareté, 2018. homem ou mulher; o adorno realizado sobre um objeto não in-
dígena (como uma panela) pode ser um meio de incorporá-lo à comunidade. A ideia da arte separada
do viver não faz o menor sentido para os indígenas.
Podemos deduzir, assim, que todos são artistas. O que é verdade quando consideramos que todos
desenvolvem o que chamamos de arte, mas também é preciso considerar que a perspectiva coletiva dos
povos originários não supõe a ideia de autoria. Toda a produção é representativa da comunidade, nun-
ca resultado de uma genialidade. Entretanto, alguns indígenas, cientes dos critérios não indígenas da
arte, fazem uso dela para expressar ideias e pensamentos
para a sociedade englobante, assumindo o estatuto não in-
dígena de artista. Vale conhecer as obras de Daiara Tuka-
no, Jaider Esbell e Denilson Baniwa. Esse último tem uma Artérias, episódio “Denilson
entrevista curta, mas significativa, sobre suas intenções e Baniwa” (2021).
Acesso em: 25 fev. 2024.
apresentação de suas obras. Acesse o QR Code ao lado e
assista a entrevista.

87
TRILHAS FORMATIVAS

MULTICULTURALISMO
E LEGITIMIDADE E
PARIDADE
Reconhecer diversidade INTERCULTURALIDADE

Destacar/focar relação Coexistência dialógica
+
EDUCAÇÃO Originalidade cultural
Décadas 1980/90
Novas Constituições América do Sul

Língua pátria ≠ Língua materna Inter = Entre

Reconhecimento indígena

Revisão dos sentidos/ Escolas e Licenciaturas


Práticas para escolaridade Interculturais
Continuidade e diferença cultural comum

88
MEMÓRIA E SOCIEDADE

REVISÃO GERAL

• Multicultural é um adjetivo que indica pluralidade de culturas dentro de uma sociedade; multicul-
turalismo é a ação de gestão das questões derivadas do multicultural, ou seja, do convívio entre
culturas.
• O multiculturalismo pode ser exercido de muitas formas, por exemplo, em viés conserva-
dor, que reconhece a diferença para transformá-la em igualdade; ou em viés crítico, que
questiona e se posiciona diante de privilégios, numa aspiração de igualdade de direitos.
• As culturas nunca são vividas de modo homogêneo e estão sempre em transformação.
• A tolerância é uma conduta associada ao multiculturalismo, mas pode se apresentar de for-
mas distintas, significando distância e indiferença ou resultando em ações colaborativas.
• Os eventos do mundo contemporâneo carregam camadas de experiências históricas que
precisam ser pensadas para que possamos compreendê-los.
• O ataque ao jornal satírico francês Charlie Hebdo em 2015 é exemplo da impossibilidade de
compreensão do evento e das relações culturais implicadas apenas pela observação dos fatos
imediatos. O radicalismo dos terroristas (muçulmanos franco-argelinos) exige, no mínimo, a
consideração do imperialismo francês, a colonização da Argélia e a luta de libertação, o isla-
mismo como pertencimento e o modelo de crítica/atuação social do Charlie Hebdo no tempo.
• Atuais gestos e palavras de desqualificação de alteridades podem estar fundamentados em
princípios colonialistas, como ocorreu no caso da mulher que criticou o uso do banheiro
universitário por alunas indígenas.
• A internet é uma ferramenta de acesso ao outro e de comunicação, mas suas características in-
trínsecas, como a ausência de contato direto, podem causar grandes desentendimentos entre
culturas.
• Campanhas veiculadas pela internet conquistam grande alcance e, quando propõem uma
uniformização internacional de conduta, é preciso atenção para que não sejam atualizações
de modelos imperialistas, impondo um único modo de ver.
• Ações discriminatórias, como o racismo, ganham outra dimensão quando veiculadas pela inter-
net, não só pelas proporções que assumem, mas por trazerem elementos novos e diferentes de
quando as agressões são presenciais, por exemplo, os perfis falsos, que procuram fugir à respon-
sabilidade do ato praticado, como ocorreu com a jornalista Maju Coutinho, da Rede Globo.
• As palavras multicultural e multiculturalismo não revelam a dimensão relacional do
contato entre culturas diferentes do modo como o conceito de interculturalidade permite.

89
TRILHAS FORMATIVAS

AVALIAÇÃO DE PROGRESSO

1. O movimento por direitos humanos e civis que ocorreu nas décadas de 1950/60 nos Estados
Unidos foi mundialmente emblemático, e ativistas como Martin Luther King e Malcolm X
ainda hoje são celebrados. Entretanto, as mudanças se consolidam por ações cotidianas, as
pequenas ações, que nos transformam e transformam aqueles que estão à nossa volta. O caso
de Rosa Parks, a moça que não cedeu lugar a um branco no ônibus, é um desses casos. Faça
uma breve pesquisa sobre esse evento e liste cinco pequenas ações que podem ser transforma-
doras nas relações culturais dentro da escola. O professor fará uma roda de conversa para que
a turma compartilhe suas propostas e reflita sobre a pertinência delas.

2. Uma atividade para exercitar o olhar crítico. No caso do Charlie Hebdo, você sabe que muçulmanos
atacaram não muçulmanos que, segundo os terroristas, haviam destratado o profeta Maomé. Mas em
30 de julho de 2023, houve um ataque terrorista a uma mesquita em Peshawar, no Paquistão. Quando
muçulmanos atacam muçulmanos dentro de uma mesquita, o que está em pauta?
Em duplas, pesquisem sobre os agentes sociais envolvidos e o motivo do ataque, mas procurem ir
além. Pesquisem como o islamismo é vivido, identificando a diferença entre sunitas e xiitas; o que é o
jihadismo; o que é o Talibã. Estudem a história do Paquistão (quando e por que se constituiu o país) e
as relações com o país vizinho, o Afeganistão. Descubram se é um país onde há terrorismo e, em caso
afirmativo, pesquisem quais são as causas. Façam um mapa mental sobre o evento de julho de 2023 e,
no verso da folha do mapa mental, incluam as referências que utilizaram na pesquisa.

3. Desentendimentos e boas risadas. A proposta é entrevistar pessoas próximas (ou não tão
próximas) que possam contar uma experiência de choque cultural ou de hábitos/costumes.
Pode ser uma confusão entre palavras; a gafe por não saber como comer uma comida espe-
cífica; o desencontro no cumprimento (um beijo, dois, três?; estender a mão quando não se
pode tocar na pessoa); enfim, tradicionais deslizes derivados do desconhecimento da cultura
alheia. Registre dois casos e, em data combinada com o professor, compartilhe e comente os
casos reunidos.

90
MEMÓRIA E SOCIEDADE

4. O que é uma licenciatura intercultural indígena? Como funciona? Prepara para quê? Que com-
ponentes curriculares oferece? Em duplas, escolham uma das licenciaturas interculturais indíge-
nas em funcionamento no país e façam uma apresentação sobre ela. É importante que cada dupla
fique com uma instituição diferente, para que possam comparar as estruturas (como é a grade
curricular, em que espaço funcionam etc.), o histórico (quando foram criadas e em função de
quê), as etnias que atendem. O professor agendará a data da apresentação.

PROPOSTAS DE ATIVIDADES PRÁTICAS


A turma deve organizar um seminário sobre multiculturalismo, aberto à comunidade escolar,
realizado de modo a garantir o maior número de participantes.
Orientando a composição das mesas – Serão abordados os temas dos quatro capítulos: O que é
multiculturalismo; Camadas de interações culturais; Mundo digital e multiculturalismo; e Multicultura-
lismo e interculturalidade. A turma deve organizar as mesas e orientar os palestrantes sobre os temas
a serem apresentados e o tempo de fala para cada um. Os palestrantes recebem temas para a palestra
(não títulos) e têm liberdade de escolher a abordagem. O mais tradicional em mesas de seminários é
que cada palestrante tenha 20 minutos para falar e mais 20 minutos para responder a perguntas do
público, mas é possível adaptar à realidade da escola e ao tempo disponível.
Cada mesa terá dois palestrantes e um mediador. Os mediadores devem ser estudantes da turma.
Eles devem apresentar os palestrantes, controlar o tempo de fala, abrir para as perguntas do público e
controlar o encerramento da mesa. Um dos palestrantes pode ser um estudante ou professor da escola,
mas é importante que em cada mesa haja ao menos um convidado externo à comunidade escolar. Na
seleção de possíveis nomes, convidem pessoas que possam expandir o conhecimento do tema. Por
exemplo, caso foquem nos direitos indígenas, convidem um advogado especialista no tema, um pro-
fessor universitário que pesquise o assunto ou um indígena que esteja envolvido com a causa.
É muito importante a antecedência no convite, para que os participantes possam verificar a
disponibilidade de data e preparar suas falas. Caso a escola tenha disponibilidade tecnológica, o convidado
pode participar por videoconferência. Sendo da escola ou não, nem sempre a pessoa escolhida poderá par-
ticipar, portanto, deixem selecionados ao menos dois nomes como possibilidade para cada mesa.
A turma deve se dividir em equipes para realizar a produção do evento: quem cuidará do agen-
damento do lugar onde vai ocorrer o seminário; quem fará o convite aos palestrantes; quem cuidará
da divulgação do evento; quem se responsabilizará pela água oferecida aos participantes; quem fará
os registros de fotografia ou vídeo; enfim, tudo o que é necessário deve ser pensado para que o semi-
nário possa se transformar num evento memorável pelas ideias e trocas.
Cabe ao professor responsável viabilizar o evento e decidir se o seminário será realizado num
único dia, com duas mesas pela manhã (9h-10h e 10h30-11h30, por exemplo) e duas à tarde (13h30-
14h30 e 15h-16h, por exemplo) ou em um único turno em dois dias próximos.
Bom seminário!

91
TRILHAS FORMATIVAS

AUTOAVALIAÇÃO
É hora de se autoavaliar: atribua notas de 1 a 5 (1 quer dizer totalmente insatisfeito e 5 quer dizer
totalmente satisfeito) para os seguintes quesitos referentes ao aproveitamento deste material, permi-
tindo que você observe em que pontos há margem para melhor empenho. Marque apenas uma al-
ternativa em cada linha.

Aspectos avaliados

Compreensão da exposição 1 2 3 4 5

1. Não foi tão fácil entender o que estava sendo apresentado. Fiquei um
pouco confuso e talvez precise de mais ajuda para compreender melhor.

2. E
 ntendi parte do conteúdo, mas algumas partes ainda me deixaram um
pouco confuso. Preciso de um pouco mais de prática para ficar mais à
vontade.

3. Consegui acompanhar bem a maior parte do que foi apresentado. Estou


confiante com o que entendi, mas ainda há espaço para melhorias.

4. T
 ive uma boa compreensão do conteúdo geral. Fiquei à vontade com a
maioria das informações apresentadas.

5. E
 ntendi muito bem o que foi apresentado. Sinto-me confortável com o
conteúdo e estou pronto para avançar.

Participação nas atividades 1 2 3 4 5

1. N
 ão pude contribuir muito nas atividades. Tive dificuldade em partici-
par e compartilhar minhas ideias.

2. P
 articipei um pouco, mas ainda não me senti totalmente à vontade.
Estou trabalhando para me envolver mais.

3. Participei de maneira satisfatória e contribuí quando possível. Ainda


estou me adaptando, mas estou no caminho certo.

4. C
 ontribuí ativamente para as atividades. Sinto-me envolvido e confor-
tável em compartilhar minhas opiniões.

5. F
 ui muito participativo e contribuí significativamente para todas as
atividades. Sinto-me parte integrante do processo.

92
MEMÓRIA E SOCIEDADE

Realização das atividades 1 2 3 4 5

1. T
 ive dificuldade em completar a maioria das atividades. ­Minha realiza-
ção ficou abaixo do que eu esperava.

2. C
 onsegui fazer algumas atividades, mas enfrentei desafios em outros.
Ainda estou aprimorando minhas habilidades.

3. Completei a maioria das atividades de maneira satisfatória, embora


possa ter cometido alguns erros aqui e ali.

4. R
 ealizei a maior parte das atividades com confiança. Estou progredindo
e me sentindo bem com meu desempenho.

5. F
 ui bem-sucedido em todas as atividades. Sinto-me orgulhoso do meu
trabalho e do meu entendimento.

Reflexão crítica 1 2 3 4 5

1. N
 ão me aprofundei muito em minhas reflexões. Preciso de mais tempo
para pensar e analisar melhor.

2. R
 efleti um pouco, mas ainda não consegui explorar completamente os
aspectos críticos. Pretendo aprimorar essa habilidade.

3. Fiz algumas reflexões relevantes e comecei a analisar criticamente o


material. Estou me esforçando para melhorar nisso.

4. R
 ealizei reflexões críticas de maneira consistente e analisei aspectos
importantes do conteúdo. Sinto-me confiante em minha abordagem.

5. M
 inhas reflexões críticas foram excepcionais. Fui além do óbvio e
explorei profundamente os temas abordados. Estou satisfeito com
minha capacidade de análise.

93
PRESERVAÇÃO
DOS ESPAÇOS
COLETIVOS
TRILHAS FORMATIVAS

INTRODUÇÃO
Nossas experiências sociais são sempre também espaciais e, em Memória e Sociedade, você vai
aprofundar o entendimento de “espaço coletivo” como um espaço vivido.
No Capítulo 1, compreenderemos a conexão entre espaço, memória e identidade, destacando o
valor nacional na compreensão dos “espaços coletivos”.
No Capítulo 2, busca-se uma reflexão sobre a importância da preservação de espaços que ampa-
ram a consolidação de referências sobre a sociedade. O conceito de patrimônio será visto com a
identificação do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), órgão federal res-
ponsável pela patrimonialização e preservação de bens materiais e imateriais no Brasil.
No Capítulo 3, o foco na biblioteca comunitária de Fortaleza, no Ceará, permitirá a compreensão
de que os espaços coletivos não resultam apenas de ações governamentais, e uma decisão cidadã pode
gerar transformações significativas na comunidade.
Por fim, o Capítulo 4 apresentará uma breve história do Cais do Valongo, localizado no Rio de
Janeiro, trazendo a compreensão de como a memória coletiva nacional se realiza por meio de disputas
e negociações de sentido, por resultar da fricção entre diferentes culturas ou posicionamentos sociais.
Espera-se que exemplos e problematizações apresentados aqui permitam o entendimento de que
espaços, memórias e identidades não são elementos naturais, e sim construções culturais interligadas.

96
MEMÓRIA E SOCIEDADE

AVALIAÇÃO DIAGNÓSTICA

1. Você sabia que, no Brasil, existe o Museu das Memórias


Museu das
(In)Possíveis? O que seria uma memória impossível: algo que não Memórias
(In)Possíveis.
aconteceu ou algo colocado como impossível? Assista ao vídeo de Acesso em:
apresentação do museu disponível no QR Code ao lado, e reflita 25 fev. 2024.

sobre os exemplos apresentados.

2. Você se lembra dos atos de destruição de estátuas, como com as de Cristóvão Colombo (Estados Uni-
dos) e Borba Gato (São Paulo) nos anos de 2020 e 2021? Os monumentos foram criados por quem?
O que essa destruição representava? Como ações assim ressignificam a memória da sociedade?

3. Você faz parte de alguma organização comunitária, como uma horta ou uma biblioteca? Já ouviu
falar de espaços assim? O que você acredita que qualifica esses espaços como “comunitários”?

97
TRILHAS FORMATIVAS

4. A memória articula lembrança e esquecimento. O que você compreende a respeito disso? Como
o esquecimento pode fazer parte da memória? O que isso representa quando pensamos na me-
mória nacional?

98
CAPÍTULO 1

Espaços coletivos:
memória e identidade

Os problemas causados pela Segunda Guerra Mundial perduraram também no pós-guerra,


pois, no reerguimento da Alemanha, os judeus sobreviventes e outras comunidades perseguidas
precisaram conviver com aqueles que os atacavam, levando ao silêncio para evitar conflitos. O avan-
ço do tempo e a proximidade da morte, entretanto, geraram uma avalanche de testemunhos que
trouxeram luz a inúmeros dados ausentes até então dos documentos oficiais. A esse conjunto – a
experiência traumática, o silêncio e o posterior testemunho que clamava por um reconhecimento
social – o sociólogo Michael Pollak (1948-1992) nomeou de “memória subterrânea”.
Esse conceito nos ajuda a pensar sobre a importância da memória na construção da identidade
e sua profunda articulação com o espaço, principalmente quando consideramos a ideia que sustenta
a formação dos países. Fronteiras, tal como temos hoje, não era algo claro até o século XVI,
quando a formação das monarquias nacionais e a conquista de colônias no mundo passaram a de-
mandar uma definição das propriedades e dos territórios. A ideia de um povo dentro de um territó-
rio específico, porém, já estava consolidada no século XVIII, e tanto a Independência dos Estados
Unidos da América quanto a Revolução Francesa foram movimentos que constituíram o conceito de
Estado-nação: um povo que, compartilhando mesma língua e história, vive dentro de limites preci-
sos e se arroga o direito de estabelecer um pacto com o governante, por meio do voto.
Fortalecia-se a percepção de identidade nacional, de fazer parte de algo maior e que ia além
de ser súdito de um rei, pois o sentido de pertencimento que se criava estava vinculado à memória
de uma trajetória comum da população na conquista de direitos e à possibilidade de escolha ofere-
cida pela cidadania política. O princípio do jusnaturalismo mudava a condição da pessoa, para al-
guém livre da subordinação ao Estado, criando ela mesma os pactos sociais.

99
TRILHAS FORMATIVAS

A memória comum definia uma espacialidade comum – o país – e a nova liberdade de nasci-
mento e escolha fixava algo que vinha se desenhando desde o início da época moderna: o sentido de
público e privado, em alusão imediata ao espaço, o que era parte do bem comum e particular. É com
esse entendimento que podemos acessar o significado de “espaços coletivos”, que vai além do prin-
cípio da humanidade ser gregária por natureza. Por exemplo, um bebê não sobrevive sozinho, o
desenvolvimento depende da intervenção de outros seres, o que nos faz supor que os seres humanos
estão criando espaços coletivos desde a Pré-História.
As histórias da família (espaço simbólico) e a casa ocupada por gerações (espaço físico) nos ofe-
recem referências que forjam nossa identidade, mas esse espaço coletivo privado se insere em um
espaço mais amplo, que é a comunidade, representada em círculos que se ampliam do bairro até o
país. Desse modo, os espaços coletivos aqui se referem à dimensão pública (bem comum) e de parti-
cipação na comunidade, que também conferem uma identidade (por exemplo: ser carioca, ser flumi-
nense, ser brasileiro) que está assentada em uma localização espacial. Ao acionarmos o Estado-nação,
o espaço coletivo ganha um significado, que nos faz reconhecer quem somos, pelo imaginário de
partilha de elementos comuns (língua e história) que contrastam com cidadãos de outros países.
Contudo, memórias e espaços não são pontos pacíficos: o nacional se faz através de um esforço
contínuo de homogeneização, pois as pessoas, no dia a dia, o vivem por meio de coletivos menores,
com interesses particulares que podem se harmonizar ou se confrontar tanto com outros coletivos
e/ou interesses particulares (que precisam ser gerenciados pelo nacional) como com os públicos. O
respeito e direito à ancestralidade, estudados anteriormente, podem ser um exemplo, pois quando
indígenas americanos clamam por suas terras originárias entram em conflito com privilégios insti-
tuídos pelo colonialismo e com grupos dispostos a manter esses privilégios. Podendo, portanto, a
unidade nacional não é tão unida assim.
Mesmo que não seja um confronto do multiculturalismo, há permanente negociação para uma
unidade. Não há um modelo único para gestão do coletivo, e as prioridades para a sociedade podem
ser diferentes entre os muitos grupos que a compõem: a memória, o espaço, o presente são, na
verdade, campos de disputa.

Manifestação das Mães da Praça de Maio. Buenos Aires, Argentina. Tradução: Apoiamos o projeto Nacional e Popular.

100
MEMÓRIA E SOCIEDADE

Na América do Sul, foram instituídas ditaduras militares em muitos países durante parte do
século XX. Tais regimes autoritários promoveram ações de perseguição, tortura, morte e desapa-
recimento de pessoas que discordavam das condutas desses governos ditatoriais. Em 30 de abril
de 1977, 14 mulheres amarraram um lenço branco na cabeça e foram até a Praça de Maio (Buenos
Aires, Argentina), localizada em frente à Casa Rosada, sede do governo argentino, em busca de
informações sobre seus filhos e para protestar pelo desaparecimento deles durante a ditadura mi-
litar instaurada no ano anterior. Como foram alertadas pelos guardas locais que não podiam ficar
ali paradas, que deviam circular, foi exatamente o que fizeram: caminharam em círculos ao redor
do monumento central da praça. A elas se uniram outras tantas mães e avós, que passaram a se
encontrar e a ocupar essa mesma praça todas as quintas-feiras, manifestando sua indignação,
tristeza e revolta.
Esse evento nos permite perceber a dissensão entre os vários grupos que constroem um país,
bem como a superposição de significados no que se refere aos “espaços coletivos”. No caso da Praça
de Maio, ela representa o espaço público comum, mas por estar situada diante da sede do governo
da Argentina, isso potencializa a associação dela com o sentido de comunidade, ao ser ocupada por
um protesto político. A praça se tornou, então, lugar de construção de um novo pertencimento
(mães e avós em confronto com o governo instituído), de um outro coletivo, e é justamente essa
superposição de significados que expõe a fratura em uma suposta unidade nacional.

101
TRILHAS FORMATIVAS

1. Assinale a alternativa correta para a expressão “espaços coletivos”.


a) Os espaços coletivos são todos e quaisquer espaços nos quais existem seres humanos.
b) Os espaços coletivos se opõem aos espaços individuais.
c) Os espaços coletivos se relacionam ao bem comum.
d) Os espaços coletivos atuais são os mesmos do passado remoto.
e) Os espaços coletivos são realidades físicas em todas as culturas.

2. Leia o texto a seguir e marque a alternativa incorreta.

Ao privilegiar a análise dos excluídos, dos marginalizados e das minorias, a história oral ressaltou
a importância de memórias subterrâneas que, como parte de culturas minoritárias e dominadas, se
opõem à “história oficial”, no caso, a memória nacional (Pollak, 1989, p. 4).

De acordo com o que foi estudado, marque a alternativa incorreta.


a) O conceito de memórias subterrâneas se relaciona com silenciamentos sociais.
b) A história sempre privilegiou os registros escritos para construir sua narrativa, mas, ao incor-
porar fontes orais, pode ampliar as referências na construção de uma história nacional.
c) Fica em evidência no fragmento a possibilidade de conflito entre a memória nacional,
como história oficial, e as memórias subterrâneas.
d) A incorporação de memórias subterrâneas à história oficial pode transformar a narrativa
da história.
e) Por serem subterrâneas, essas memórias não afetam a compreensão do nacional.

3. A ocupação em 1977 da praça em frente à Casa Rosada (sede do governo argentino) por 14 mães
que protestavam contra o desaparecimento de seus filhos é um _______.

Assinale a sentença que completa o enunciado, considerando a ideia de espaço coletivo.


a) emblemático uso do espaço público para exibir conflitos internos dentro de um país
b) ato de repúdio a procedimentos da ditadura argentina
c) exemplo da força das mulheres
d) exemplo de superposição de sentidos do espaço coletivo (a praça), como espaço público
nacional, e da ocupação das mães, como novo significado coletivo (a dor da perda)
e) caso em que se identifica uma disputa de narrativas

102
MEMÓRIA E SOCIEDADE

4. O texto permite que tenhamos clareza de que princípios e ideias instituídos no século XVIII,
como o de Estado-nação, continuam orientando a realidade contemporânea.
Com base nisso, assinale a alternativa incorreta.
a) É na vivência do espaço que os seres humanos vão atribuindo sentidos a ele.
b) Entidades internacionais como a ONU e ferramentas como a internet colidem com os
princípios nacionalistas do Estado-nação.
c) As embaixadas dentro do Estado que as abriga são consideradas território estrangeiro. Por-
tanto, o sentido simbólico de nação se enraíza em um espaço físico que não é nacional.
d) No que diz respeito ao entendimento do espaço coletivo, o século XXI em nada se rela-
ciona à história e à memória do século XVIII.
e) O princípio de espaço público está relacionado ao de um bem público.

5. Na formação e ocupação das cidades, vão se configurando determinadas áreas reconhecidas pela
coletividade em relação a moradia, comércio e lazer. A implementação de novos usos e as novas
circulações e relações efetuam uma transformação dos sentidos tradicionais, o que pode ser bem
acolhido por algumas pessoas e rejeitado por outras. Considerando os desafios enfrentados por
um pesquisador que deseja explicar a cidade e sua história, assinale a sentença correta.

I. A construção de uma narrativa explicativa sempre estará atrelada à perspectiva de quem explica.
É o que chamamos de “lugar de fala”.
II. A implementação de novos usos na cidade tanto pode derivar de uma ação planejada (deixando
registros do planejamento) como de ação circunstancial (que terá menos registros para a identi-
ficação de sua ocorrência).
III. As memórias do lugar se diferenciam de acordo com as gerações que ocuparam o mesmo espaço,
pois este está em contínua transformação.
IV. A não consideração de testemunhos contrários à nova configuração do espaço pode gerar uma
interpretação frágil da memória e da história.
V. Os sentidos de pertencimento (simbólicos) que criam os espaços coletivos são atingidos quando
há mudanças físicas na configuração da cidade.

a) A alternativa III apresenta o maior desafio para o pesquisador.


b) A alternativa V não afeta a pesquisa.
c) A alternativa II aponta a questão da existência de fontes para realização da pesquisa.
d) As alternativas I e V se referem às condições do pesquisador.
e) A alternativa IV não se encaixa na questão.

103
TRILHAS FORMATIVAS

6. Em sua cidade, existe um espaço público onde sejam regulares as manifestações populares? Você
sabe dizer o porquê de ser esse espaço e não outro? Há uma história de ocupação? Investigue a histó-
ria da cidade e identifique do modo mais preciso possível a trajetória de significação dele para a co-
munidade. Não se esqueça de incluir as fontes utilizadas, escritas ou orais.

7. Para esta atividade, em grupo de quatro ou cinco integrantes, pesquisem e entrevistem pessoas
idosas que relatem as mudanças sobre determinados espaços do bairro e/ou da cidade desde sua
infância. Façam o convite para irem até a escola dar o depoimento a todos e definam uma data
para a visita. O ideal é que sejam pessoas bem mais velhas, que tiveram a oportunidade de viven-
ciar muitas mudanças, e bem comunicativas, que gostem de falar e contar histórias.

Preparem o acolhimento dos idosos. Vocês podem fazer uma confraternização, para descontrair
o ambiente, em uma roda de conversa, sem intimidar os depoentes. Na roda, façam uma apresen-
tação de seus convidados e iniciem a conversa. Como vocês se prepararam, não será difícil intro-
duzir a conversa perguntando sobre alguns locais e práticas na cidade, se continuam iguais (como
uma feira, por exemplo) ou se mudaram totalmente a dinâmica dos moradores (com a criação de uma
linha férrea ou um prédio, por exemplo). Analisem (e registrem) não só as mudanças escolhidas
por eles, como também suas observações e avaliações, o que eles consideram ser melhores e pio-
res e o porquê de tais ideias. Não se esqueçam de tirar fotos, gravar a entrevista, fazer vídeos, entre
outros recursos que produzam registros sobre a experiência de vida dessas pessoas.

104
MEMÓRIA E SOCIEDADE

Após o encontro com os idosos, é importante ter uma roda de conversa agora entre a turma, ava-
liando o encontro e analisando as transformações sociais. O ideal, ainda que não obrigatório, se-
ria a realização de um pequeno documentário no qual os estudantes poderiam inserir todos os
registros que produziram.

8. Vamos contrastar significados? Todos devem receber um mapa do bairro onde está a escola de
vocês e cada um deve fazer marcações e legendas sobre pontos importantes para si, que podem
ser o lugar do ponto de ônibus no qual você fica todos os dias para chegar à escola e voltar para
casa, o pátio onde joga futebol, a casa de um(a) amigo(a), o mercado frequentado pela família etc.
O importante é que o mapa expresse pontos que fazem sentido para a sua vida.

Em grupos de seis pessoas, vocês vão comparar os pontos selecionados, identificando as


convergências e diferenças e analisando se algumas das convergências poderiam ser qualificadas
como espaços coletivos ou não.

105
TRILHAS FORMATIVAS

• Uma cidade sem passado (1990), dirigido por Michael Verhoeven.


No mesmo momento que Michael Pollak apresentava o
conceito de “memórias subterrâneas”, o diretor de cinema
Michael Verhoeven levava às telas o filme que trata justamen-
te de silêncios e conivências de uma cidade da República De-
mocrática Alemã com o nazismo. O filme aborda um tema
sério e incômodo para muitos alemães, mas de forma cômica.
Acompanha a trajetória de uma estudante exemplar e pre-
miada que, por meio de uma redação, toca em uma das maio-
res fragilidades da cidade. Sua persistência em descobrir o
passado traz consequências graves para ela e sua família, mas
ela não desiste e expõe a hipocrisia da cidade que aparentava
Emblema da República
ser pacata e amigável, mas que se comprometera com ideais e Democrática Alemã.
práticas fascistas.

• Estádio prisão.
“Um povo sem memória é um povo sem futuro”. Trata-se da frase pintada na arquibancada
do Estádio Nacional, no Chile, depois do fim da ditadura. Com o golpe de estado de Pinochet,
o lugar de celebração do esporte foi transformado, da noite para o dia, em prisão política, abri-
gando milhares de pessoas em 1973.
O projeto Estadio Nacional – Memoria Nacional criou um lugar de memória voltado
para a educação, na perspectiva de que a sociedade chilena enfrente seu passado recente e
restabeleça uma democracia legítima e sólida. Para saber
mais sobre o tema, você pode visitar o site do projeto, assis-
Estadio Nacional tir ao documentário Estadio Nacional 1973 Detenidos, pelo
– Memoria
Nacional – Chile.
acesso através do QR Code ao lado e, ainda, assistir ao filme
Acesso em: Missing (1982), de Costa Gavras, que trata do desapareci-
25 fev. 2024.
mento de um jornalista americano e de seu pai que, na bus-
ca pelo filho, precisa admitir o comprometimento dos Esta-
dos Unidos no caso.

106
MEMÓRIA E SOCIEDADE

ESPAÇO FÍSICO E ESPAÇO


SIMBÓLICO

Memória Subterrânea/
ESPAÇO COLETIVO
Segunda Guerra Mundiall

Disputas MEMÓRIA IDENTIDADE

Pertencimento Fronteira/Território
Estado-Nação

BEM COMUM
Divergências sociedade/
Multiculturalismo/
Ditaduras
Indígenas Cidadania/Participação
América do Sul
Público
versus
Privado

Praça
versus
Casa

107
CAPÍTULO 2

O Iphan: criação
e preservação de
espaços coletivos

A reunião de pessoas desconhecidas em torno de uma causa (como acontece nas manifestações
populares que acabam por ocupar ruas e praças) ou para criar algo (como uma horta comunitária)
são exemplos de construção de espaços coletivos que nascem de interesses ou necessidades de um
grupo que se mobiliza e estabelece vínculos ocupando um lugar. No entanto, um espaço coletivo
pode se originar da gestão pública, da compreensão de que dado lugar apresenta valor histórico,
artístico ou paisagístico para a nação, ou seja, para a coletividade mais extensa. Normalmente, o
caminho para garantir a defesa de um espaço ocorre por meio da oficialização de que ele é um bem
para a comunidade, que detém valor e precisa ser resguardado, ação nomeada de patrimonialização.
No Brasil, as ações de preservação e conservação do patrimônio são realizadas por um órgão
criado em 1937 (durante o governo Vargas), o Serviço de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional
(Sphan) que, em 1946, se transformou em instituto (Iphan). O surgimento de uma entidade estatal
voltada para o reconhecimento e o cuidado de determinados espaços revela a valorização da trajetó-
ria da comunidade, uma preocupação em constituir referências que pudessem orientar a sociedade
brasileira na identificação de quem ela era e para onde desejava ir, cabendo ao Estado, então, prover
políticas públicas que viabilizassem o acesso a essas referências.
É necessário observar que a noção do que são bens patrimonializáveis se alterou com o tempo,
em um processo de ampliação de perspectivas do que seria objeto de valor e do risco de sua perda.
Atualmente, além de patrimônios culturais – objetos e atividades desenvolvidas pelos humanos –, os
patrimônios naturais são considerados, como o Pantanal e as ilhas atlânticas, expondo a compreen-
são dos biomas e dos ecossistemas na caracterização do que é o Brasil.

108
MEMÓRIA E SOCIEDADE

Ouro Preto, em Minas Gerais, cidade histórica brasileira.

E, para quem investiga a ancestralidade e o multiculturalismo, existem os patrimônios imate-


riais, como festas, canções e até a diversidade linguística do país. Essa ressignificação passou a incluir
marcas das práticas populares, dos grupos que na experiência histórica haviam sido marginalizados.
O processo de patrimonialização no Brasil se iniciou pelos prédios e conjuntos urbanos que re-
montam ao período da colonização. Cidades como Ouro Preto, em Minas Gerais, e litorâneas, como
Salvador, na Bahia, e Olinda, em Pernambuco, permitem aos brasileiros compreender como seus
antepassados viveram, identificando valores e significados por meio da arquitetura, das obras de arte
e da organização urbana. Adentrar uma casa particular transformada em museu na cidade de Tira-
dentes (MG), por exemplo, e comparar seu tamanho e riqueza na parte superior com o subsolo, visi-
tando a área destinada aos escravizados, gera impactos sensíveis e cognitivos capazes de fazer com-
preender a identidade desse povo.
No Brasil, há também elementos que falam não apenas da nação, mas da história da humanida-
de, como as pinturas rupestres do Parque Nacional da Serra da Capivara, no Piauí, que também é
patrimonializado.
Os espaços coletivos são lugares vividos em conjunto e, dessa maneira, constroem sentidos
compartilhados. São espaços experimentados socialmente e que geram orientação para a comunida-
de, fazendo-a compreender quem é. A vivência de ocupação espacial pode ser transitória – como
uma procissão, uma festa, uma manifestação – ou pode ser fixa, como ocorre com a patrimonializa-
ção, em que o cercamento do espaço estabelece a perenidade de seu significado a despeito de ele
estar sendo usado no momento. Além de transitórios ou fixos, os espaços coletivos podem derivar
de deslocamentos entre a esfera privada e a esfera pública, que é o que ocorre quando uma casa é
transformada em museu.

109
TRILHAS FORMATIVAS

Por fim, é preciso dizer que a construção de espaços coletivos representa uma mobilização para
o diálogo e a negociação no enfrentamento da diferença. Nas unidades anteriores, vimos que a rua
já foi e, de certa forma, ainda é lugar de disputa, em que oferendas de religiões de matriz africana,
são desqualificadas por católicos que fazem tapetes de Corpus Christi. Podemos também pensar em
outros enfrentamentos, como quando, durante períodos eleitorais, as ruas são tomadas por partidos
políticos (e são expressas visões diferentes sobre o que é a sociedade e para onde ela deve ir) ou
quando a leitura expandida da patrimonialização – como a proteção a bens imateriais – se choca
com visões de determinados grupos dentro da comunidade justamente por dar valor ao que, para
essas pessoas, não deveria existir. Há também o caso, por exemplo, da tensão manifesta diante da
valorização dos indígenas, pois, enquanto para algumas pessoas a diversidade cultural é um bem,
para outras, o propósito ainda é a unidade cultural, com os “outros” se incorporando ao “seu” modo
de ver e viver (considerado o correto por essas pessoas). Assim, a patrimonialização da diversidade
linguística realizada pelo Iphan colide ainda com o preconceito linguístico, que marginaliza aqueles
que não usam a norma-padrão da língua. Independentemente da alçada do Iphan e da patrimonia-
lização - lembrando que os indígenas não são passado, e com relação à ocupação do espaço, manten-
do a lógica exclusão –, é possível mencionar a oposição à regulamentação de terras indígenas por
parte daqueles que não reconhecem a sua importância.

Inscrito na lista do Patrimônio Mundial pela Unesco, em 1991, e tombado pelo Iphan em 1993, o Parque Nacional da Serra da
Capivara, de 129 mil hectares de proteção à natureza, é um santuário histórico e cultural, localizado no Piauí, que abriga 400
sítios destruídos, com pinturas e gravuras rupestres de cerca de 43 mil anos.

110
MEMÓRIA E SOCIEDADE

1. Leia o texto a seguir e assinale a alternativa incorreta.

O Iphan também responde pela conservação, salvaguarda e monitoramento dos bens


culturais brasileiros inscritos na Lista do Patrimônio Mundial e na Lista o Patrimônio Cultu-
ral Imaterial da Humanidade, conforme convenções da Unesco, respectivamente, a Conven-
ção do Patrimônio Mundial de 1972 e a Convenção do Patrimônio Cultural Imaterial de 2003
(Iphan, 2023.)

a) A afirmação expõe a articulação entre instituições nacionais e internacionais atentas aos


processos de patrimonialização.
b) A Unesco responde pelos bens tombados pelo Iphan.
c) O Iphan responde no âmbito nacional pelos bens listados pela Unesco.
d) Existe reflexão e acordo sobre o que seja patrimônio imaterial.
e) A criação da Unesco, em 1946, e a existência de convenções sobre definições acerca do
patrimônio, em 1972 e 2003, indicam um processo contínuo de reflexão sobre os concei-
tos e as atuações da organização.

2. Leia o fragmento a seguir e marque a alternativa incorreta.

A Educação Patrimonial é um instrumento de “alfabetização cultural” que possibilita ao indivíduo fazer


a leitura do mundo que o rodeia, levando-o à compreensão do universo sociocultural e da trajetória histó-
rico-temporal em que está inserido. Este processo leva ao reforço da autoestima dos indivíduos e das comu-
nidades e à valorização da cultura brasileira, compreendida como múltipla e plural (Horta, 1999, p. 4).

a) A educação patrimonial é uma preocupação governamental no Brasi e está presente no


site da Secretaria de Cultura do estado de Alagoas.
b) A preservação de bens materiais e imateriais depende do conhecimento que a população
tem sobre eles.
c) A compreensão do universo sociocultural da comunidade brasileira permite a valoriza-
ção da diversidade.
d) A educação patrimonial faz parte do currículo de Ensino Fundamental no estado de Alagoas.
e) A educação patrimonial pode ser percebida como estratégia de preservação de espaços
coletivos considerando seu potencial para o entendimento da comunidade nacional por
meio da “alfabetização cultural”.

111
TRILHAS FORMATIVAS

3. Assinale a sentença em discordância do que foi estudado neste capítulo.


a) No Brasil, o sentido de bem que pode ser patrimonializado permanece o mesmo desde a
criação do Sphan, em 1937.
b) Os espaços estão relacionados à ideia de um bem público.
c) No Brasil, existem bens tombados que dizem respeito à memória nacional e outros que
dizem respeito à memória mundial.
d) Os espaços coletivos não expressam unanimidade de perspectiva, mesmo quando criados
pelo Estado nacional.
e) Os espaços coletivos resultam de experiências sociais, de vivências que compartilham
significados atribuídos ao espaço.
4. Com base no fragmento a seguir, assinale a alternativa correta.
Um terreno ocioso em São Sebastião, perto de Brasília, deu lugar a uma horta comunitária com
750 mil m² para produzir alimentos cultivados sem agrotóxicos destinados a pessoas em situação
de vulnerabilidade social. A iniciativa do Instituto Inclusão em parceria com a comunidade da
Capela São Francisco e a Subsecretaria de Segurança Alimentar do GDF tem o intuito de fortalecer
a consciência nutricional dos acolhidos em suas Casas de Passagens e já está servindo de modelo
para ações semelhantes em outras regiões (Nogueira, 2021, n.p.).
a) O texto se refere a uma ação do Iphan, visto que incluiu o Governo do Distrito Federal
(GDF).
b) A horta comunitária mencionada no texto não se caracteriza como espaço coletivo porque
foi criada por uma ONG (Instituto Inclusão), uma comunidade religiosa (Capela São Fran-
cisco) e uma entidade governamental (Subsecretaria de Segurança Alimentar do GDF).
c) É apenas a pareceria com o governo que dá legitimidade de espaço coletivo à horta em
São Sebastião.
d) O cultivo de alimentos sem agrotóxicos é o principal fator de mobilização na criação de
hortas comunitárias.
e) A horta representou uma ocupação espacial mobilizando pessoas de esferas diferentes (uma
ONG, uma comunidade religiosa e uma entidade governamental) em um projeto comum e
é, portanto, passível de ser compreendida como espaço coletivo.
5. Assinale a alternativa incorreta no que se refere à alteração de parâmetros nos processos de pa-
trimonialização de bens.
a) Os critérios para a patrimonialização são históricos e, portanto, alteram-se segundo as
experiências sociais.
b) A consideração do espaço simbólico foi fortalecida com a concepção de que existem bens
imateriais.
c) É possível que um bem privado se transforme em patrimônio público.
d) Os patrimônios naturais são menos importantes na compreensão de como a comunidade vive.
e) A segmentação em patrimônio cultural, natural e arqueológico é voltada para a gestão
dos bens, pois, na experiência vivida, são referências interligadas.
112
MEMÓRIA E SOCIEDADE

6. O professor fará uma apresentação da página do Iphan na internet para toda a turma. Em se-
guida, formem seis grupos para investigar cada uma das esferas da aba “Patrimônio Cultural”
(Patrimônio Material, Patrimônio Arqueológico, Patrimônio Imaterial, Educação Patrimonial
e Licenciamento Ambiental) através do QR Code disponível do site do Iphan a seguir.
Cada grupo deve explorar os links disponibilizados, lendo as informações apresentadas. O obje-
tivo é criar um conjunto de fôlderes explicativos que deverão ser compartilhados com todas as
turmas da escola e com a comunidade escolar.

Embora um fôlder seja atrativo para envolver pessoas no tema dos espaços coletivos e dos processos
de patrimonialização, ele é pequeno. Por isso, para realizá-lo, vocês precisarão ter domínio do assunto
para selecionar o que vai ser apresentado, garantindo um conteúdo de qualidade, apesar de resumido.

Nunca fez um fôlder? Acesse os QR Codes a seguir e veja indicações de como criar um.

Como fazer Fôlder: passo


fôlder usando a passo de
o Word. como fazer.
Acesso em: Acesso em:
25 fev. 2024. 25 fev. 2024.

IPHAN.
Acesso em:
25 fev. 2024.

7. Na sua cidade há algum patrimônio tombado pelo Iphan ou pela Unesco? Se a resposta for positiva,
identifique qual é (nome, localização, histórico de tombamento) e desenvolva um texto, em seu caderno,
reflexivo sobre o motivo do tombamento, ou seja, qual seria o motivo ou a preocupação para garantir que
ele fosse tido como um bem de valor para a memória nacional ou mundial. Na sua cidade não há bens
tombados? Tudo bem! A reflexão permanece! Você deve escrever um texto apresentando seu posiciona-
mento e explicando-o, sugerindo um bem (material ou imaterial) que deveria ser tombado e por quê.

113
TRILHAS FORMATIVAS

8. A turma representará o Conselho Deliberativo do Iphan diante da proposta de patrimonialização de


uma festa local (ou de um bem material da cidade). O conselho deve ter um presidente (que vai
coordenar as discussões), um relator (que será responsável pelo registro das discussões e pela
apresentação da conclusão), um júri composto de três estudantes (que avaliará as falas a favor e contra
a patrimonialização, emitindo um resultado justificado) e dois grupos de estudantes, um que deve
apresentar motivos favoráveis à patrimonialização da festa e outro contrário à patrimonialização (que
vão investigar a festa/bem material), com um grupo levantando motivos e narrativas que validem seu
lugar como “espaço coletivo” de memória e o outro grupo desqualificando essa possibilidade.

• Hortas comunitárias.
As hortas comunitárias, no século XX, foram investimentos valiosos na Europa durante as guer-
ras mundiais. No Brasil elas se tornaram foco de uma política pública apenas a partir do século XXI.
Além de serem uma tática de enfrentamento da fome e de vulnerabilidades ambientais, a constituição
e o cuidado de hortas comunitárias são poderosas práticas de desenvolvimento de sentidos coletivos.
O empenho para sua criação e continuidade exigem união, organização e convivência de pessoas que,
atuando pelo bem comum, constroem sentidos de pertencimento. Vale dizer que a horticultura tam-
bém é considerada como prática educativa e terapêutica.
Acesse os QR Codes a seguir saber mais sobre as hortas comunitárias,
leia o texto“Hortas urbanas – história, classificação, benefícios e perspec-
tivas”, na revista de geografia Confins, e conheça também, o projeto de
Manguinhos, que traz informações como a de que a maior horta comu-
nitária da América Latina está no Rio de Janeiro.

Hortas urbanas - Manguinhos (RJ)


História, Classificação, abriga maior horta
Benefícios e comunitária da
Perspectivas. América Latina.
Acesso em: Acesso em:
25 fev. 2024. 25 fev. 2024.

Pessoas conversando sobre hortas


comunitárias e meio ambiente.

114
MEMÓRIA E SOCIEDADE

• Unesco.
A Organização das Nações Unidas para a Educa-
ção, a Ciência e a Cultura (Unesco) é uma das entidades
especializadas da ONU. Sua área de atuação engloba a
Educação, as Ciências Naturais, as Ciências Humanas e
Sociais, a Cultura e a Comunicação e Informação, sen-
do responsável pela constituição dos patrimônios mun-
diais, seja criando a Lista do Patrimônio Mundial e a Organização das
Lista do Patrimônio Cultural Imaterial da Humanida- Nações Unidas
de, seja na colaboração direta com os governos para a para a Educação,
preservação dos bens. No Brasil, a representação da a Ciência e a Cultura.
Unesco foi estabelecida em 1964.

No site da Unesco no Brasil, pesquise a frase-chave: proteção do patri-


mônio e de museus brasileiros, a primeira frase é: “A sociedade brasileira é
plural e composta de povos indígenas e populações tradicionais urbanas e
Unesco. rurais”, conectando a questão indígena a seu propósito de proteção, pro-
Acesso em:
25 fev. 2024.
moção e valorização da identidade cultural das pessoas. Quer saber mais?
Visite o site da Unesco através do QR Code ao lado

Neste capítulo, você aprendeu sobre:

Línguas indígenas
ESPAÇO Disputas versus
COLETIVO Língua Nacional
Preconceito Linguístico

Gestão
Comunitária Gestão Pública

Horta IPHAN Historicidade


Princípios

Patrimônio
Material/Imaterial Cultura/Natureza

Bem/Valor
Identidade
Público/Coletivo/Nacional

115
CAPÍTULO 3

Participação,
biblioteca e
transformação

No Carnaval de 2016, no Papoco, região periférica de Fortaleza, no Ceará, duas irmãs abriram
em sua casa a Biblioteca Comunitária Papoco de Ideias. O bairro onde as irmãs moravam era área
de violência e sem suporte governamental, e a biblioteca surgiu como único equipamento cultural
da comunidade. O ambiente hostil gerava afastamento entre os moradores e, estando à margem da
ação do Estado, dificilmente se consolidavam outros sentidos de pertencimento à cidade ou ao país.
A biblioteca foi o sonho de uma moradora que, apesar das dificuldades, se formou em Biblioteco-
nomia e desejava promover uma transformação no lugar, ampliando não só oportunidades futuras
para crianças e jovens, mas garantindo no agora outro viver que não o da violência e da vulnerabilida-
de social. Na voz de uma das irmãs:

Queremos tratar aqui de tudo aquilo que nos adoece como indivíduos e como coletividade. Que
assuntos são esses? O que nos fere por dentro e por fora, que nos mata, que nos oprime, que nos cons-
trange, que faz com que nos vejamos como coisa menor e sem importância. Que a Papoco de Ideias seja
um lugar para a gente se melhorar e melhorar o mundo.

Além da oferta de livros, o espaço passou a abrigar oficinas de teatro, exposição de filmes, ofici-
nas de desenho e pintura, saraus e mediações de leitura e rodas de conversa sobre temas relevantes
para a comunidade. Assim, a biblioteca se tornou lugar de encontro e de reflexão em que os mora-
dores se fortaleceram como indivíduos, mobilizando-se pela igualdade e pela justiça, ressignificando
a si mesmos e ao Papoco. A casa – propriedade privada – transformou-se em um espaço coletivo
sem ser espaço público (gerido pelo Estado) e, por meio da iniciativa das irmãs, laços e trocas foram
se constituindo, amparando novos e positivos sentidos identitários.

116
MEMÓRIA E SOCIEDADE

É o processo do fazer e manter junto que permite a construção do pertencimento, do significado


de coletivo. Os espaços coletivos, portanto, não derivam exclusivamente de decretos governamentais;
ao contrário, derivam do cotidiano e, porque serem observados e analisados, podem vir a ser tom-
bados e oficializados.
Apesar do exemplo da biblioteca ser um local fixo, é importante saber que o cotidiano é fluxo,
como demonstram as passeatas realizadas em ruas, assim como os rios, como na realidade amazô-
nica, onde barcos deslizam e conectam extremidades e a comunidade se dá através deles, que per-
mitem os encontros e as trocas; onde acessos à cidadania se realizam (como nos barcos hospitais).
Como fluxo formador de coletividades, também é necessário indicar a internet, que, como estudado
em outras unidades, desenha virtualmente espaços reconhecidos por seus participantes, em que se
sentem acolhidos e fortalecem identidades.
A observação e a análise, são habilidades que devemos ter ao lermos o mundo em que estamos
inseridos, pois elas nos tornam conscientes das nossas próprias coletividades, qualificando nossa
participação. Afinal, a alusão à internet ou o exemplo da biblioteca comunitária criada por pessoas
em situação de vulnerabilidade provam que o envolvimento, em benefício da criação ou da preser-
vação de espaços coletivos, depende apenas da escolha de participar.

Trabalho de arte com guache e pincéis.

117
TRILHAS FORMATIVAS

1. As bibliotecas “oportunizam aos seus frequentadores experiências que lhes foram negadas histo-
ricamente, expondo estes à leitura e a outras artes, proporcionando um meio de resistir à violên-
cia, à marginalização e à alienação do seu contexto, pois, a partir do momento que o sujeito, por
exemplo, lê e se reconhece na leitura, abrem-se outros caminhos de percepção de seu espaço,
expandindo o entendimento que ele tem de si mesmo e do mundo” (Souza, 2020, p. 156-157).
Refletindo sobre espaços coletivos, assinale a alternativa incorreta.
a) A biblioteca não pode ser considerada um espaço coletivo, porque a ação da leitura
é individual.
b) A biblioteca é um lugar de encontro, das pessoas com os livros e das pessoas com outras pessoas.
c) As reflexões constituídas a partir das leituras alimentam o leitor de referências capazes de
o fazer compreender melhor o que vive e apresentar diferentes horizontes.
d) O espaço coletivo, entendido como espaço de compartilhamento de experiências e de
significação social, não é determinado pelo lugar, e sim pela ação das pessoas.
e) A biblioteca comunitária Papoco de Ideias criou uma referência espacial física e simbóli-
ca para a comunidade.

2. Com base nas reflexões do texto, assinale alternativa correta.


a) Apenas lugares fixos, com endereço, podem se tornar espaços coletivos.
b) A mobilização cidadã em favor da comunidade é ação exclusiva do governo.
c) Uma propriedade privada não pode vir a se tornar um espaço coletivo.
d) O espaço virtual também pode se configurar como espaço coletivo.
e) Espaços coletivos não se relacionam com o sentido de pertencimento.

3. Pensando no valor do espaço coletivo para a memória e para a identidade, qual alternativa sobre
a Papoco de Ideias está incorreta?
a) A vivência de ambiente de lazer e troca proporcionada pela Papoco de Ideias aos seus fre-
quentadores constitui uma outra imagem (consequentemente, outra memória) sobre a
violência do lugar.
b) Os encontros e as conversas entre crianças e jovens em situação de vulnerabilidade social
permitem uma melhor compreensão de suas realidades, além de promoverem amparo afeti-
vo.
c) A memória proporcionada pela Papoco de Ideias é relativa à dos enredos dos livros.
d) Como as identidades se constroem por contraste, a ampliação de repertórios promovida
pelos livros e pelas experiências vividas na Papoco de Ideias corresponde a uma amplia-
ção do entendimento de si por parte dos frequentadores.
e) A experiência positiva vivida por uma criança cria uma memória que pode vir a torná-la
multiplicadora da proposta.

118
MEMÓRIA E SOCIEDADE

4. Leia o texto a seguir e identifique a alternativa incorreta sobre a Papoco de Ideias

Outros aspectos comuns dos lugares coletivos é a intensidade, que confere capacidade aos lugares
para atrair pessoas e se conformar como espaços centrípetos que fomentam o florescimento de relações
sociais pela força da coesão de grupos e comportamentos. Também está ligado ao potencial de estimu-
lar a identificação simbólica, a expressão e a integração cultural. A mistura de atividades está implí-
cita no conceito de intensidade e é vital no funcionamento dos espaços coletivos (Lima, 2022, p. 8).

a) A realização de oficinas de teatro e ateliês de pintura incluem a Papoco de Ideias no as-


pecto intensidade, destacado no fragmento.
b) Quando a Papoco de Ideias apresenta uma atividade para crianças, ela soma outros perfis,
pois são muitos os adultos que se responsabilizam por levar e buscar essas crianças. Os
encontros propiciados ampliam o conhecimento e fortalecem o sentido de comunidade.
c) Uma biblioteca comunitária com atividades variadas, como a Papoco de Ideias, estimula
a identificação simbólica, a expressão e a integração cultural.
d) A intensidade no afluxo de pessoas e a continuidade no tempo potencializam o alcance da
Papoco de Ideias nas transformações na comunidade.
e) O critério de intensidade que qualifica espaços coletivos não se aplica à biblioteca comu-
nitária Papoco de Ideias.

5. Marque a alternativa que não se relaciona à compreensão dos espaços coletivos.


a) Horta e biblioteca comunitárias têm em comum a ocupação de um espaço por meio da
mobilização coletiva: o que as equipara é o fazer junto.
b) Em minha casa, tenho uma biblioteca de 5.000 livros capaz de abrir perspectivas.
c) Os espaços coletivos podem passar a existir por meio de gestos intencionais (como a criação da
biblioteca comunitária) ou de gestos espontâneos, derivando do encontro regular de um grupo
que confere sentido ao lugar escolhido.
d) Os espaços coletivos não constituem apenas orientação espacial, mas também identitária.
e) Preservar espaços coletivos é preservar referências sociais compartilhadas.

119
TRILHAS FORMATIVAS

6. Procure na internet a obra de arte O impacto de um livro, do artista mexicano Jorge Méndez
Blake. Discuta com a turma sobre o que cada um sentiu a respeito da obra e o que acredita
que o artista gostaria de transmitir por meio dela. Depois, pesquise o porquê de o nome ori-
ginal da obra ser El Castillo e qual relação dela com o livro O castelo, de Franz Kafka. Volte à
discussão, com a turma sobre a compreensão da obra e identifiquem se algo mudou na inter-
pretação de vocês.

7. Vamos exercitar a observação e a análise! Considerando a cidade e a localização da sua escola, o


professor definirá um objeto de investigação, que pode ser uma praça, rua, igreja, um museu ou
qualquer espaço de livre acesso. Em grupos, observe e acompanhe o que se vive naquele espaço
em diferentes momentos (manhã, tarde e noite, em dias de semana e fins de semana). Vocês de-
vem ficar no espaço, observar e registrar o perfil de seus usuários, para que o utilizam e os tipos
de interação que são facilitados pelo lugar. Para exemplificar, quem já foi ao pátio interno da Casa
de Rui Barbosa, na cidade do Rio de Janeiro, verá que existem fluxos de ocupação em que, pela
manhã, há muitos bebês e crianças que são levados para tomar sol e brincar. No início da tarde, o
pátio fica mais vazio, por vezes apenas com a presença de estudantes e funcionários da casa, que
almoçam ou fazem o descanso do almoço. No primeiro caso, as crianças interagem e os
responsáveis por elas também, conversando. No segundo, as pessoas ficam mais isoladas.
Todos observarão o mesmo local, mas em dias e horários diferentes. Façam anotações e realizem
uma análise em sala de aula identificando cada configuração observada, como o local pode ser
entendido como um espaço coletivo e por quê.

120
MEMÓRIA E SOCIEDADE

8. Caso a turma de vocês decidisse criar uma ONG, qual seria a atuação social dela (com direitos
humanos, racismo, meio ambiente)? Qual seria a maior pertinência na sua escola e na sua cidade?
Por quê? Quais seriam as propostas de intervenção? Como ela seria estruturada? Criem uma
ONG e um estatuto para ela, apresentando um cronograma de ações para o período de seis me-
ses, explicando os projetos que desenvolveriam. Para ter ideias de como fazer, visitem sites de
ONGs que conhecem para terem referências.

• Oscips e ONGs.
As organizações não governamentais (ONGs) e as organizações da sociedade civil de interes-
se público (Oscips) são formalmente constituídas sem ligação com os governos, tendo gestão pró-
pria, contando com trabalho voluntário e não visando
a fins lucrativos. ONGs e Oscips se mobilizam por
causas como direitos humanos, direitos animais, direi-
tos indígenas, meio ambiente, entre outras, estabele-
cendo bases físicas e virtuais para que pessoas possam
se reunir e promover transformações. Apesar de estru-
tura e atuação semelhante, a diferença entre elas é que
Oscip é título fornecido pelo Ministério da Justiça do
Brasil, que visa facilitar a criação de parcerias e convê-
nios.

No Brasil, você conhece a Fundação o Viva Rio? Acesse o site


através do QR Code ao lado, e descubra sua história e sua atuação.

Viva Rio.
Acesso em:
25 fev. 2024.

121
TRILHAS FORMATIVAS

• Bruninho e a biblioteca.
Você já imaginou que o disparador para a constituição de um
espaço coletivo poderia ser um castigo escolar? Foi o que aconteceu
com Bruno Souza, conhecido como Bruninho, atual gestor da Bi-
blioteca Comunitária Caminhos da Leitura, em Parelheiros (São
Paulo). O menino curioso, observador e crítico foi posto de castigo
na biblioteca, e o encontro com a literatura o impulsionou a, com
outros jovens, criar a biblioteca comunitária. Além disso, resultou
em outras ações promotoras de participação cidadã e de mais espa-
ços coletivos, como a cofundação do Núcleo de Jovens Políticos.
Leia o depoimento de Bruninho dado à Agência Jovem de Notícias
e o veja ainda adolescente representando a Biblioteca Comunitária
Caminhos da Leitura em evento um internacional, acessando os
Pilha de livros em biblioteca.
QR Codes a seguir.

Entrevista
de Bruninho. Depoimento.
Acesso em: Acesso em:
25 fev. 2024. 25 fev. 2024.

Neste capítulo, você aprendeu sobre:

PARTICIPAÇÃO
BIBLIOTECA COMUNITÁRIA
RESSIGNIFICAÇÃO
PERTENCIMENTO
LOCAL

Positivação identitária
Promoção encontro
comunidade
Enfrentamento vulnerabilidade

AMPLIAÇÃO FAZER JUNTO


PERSPECTIVA SIGNIFICADO COLETIVO

Lugares fixos: casa


Lugares de fluxo: ruas, rios, internet

122
CAPÍTULO 4

Cais do Valongo:
memória e identidade

Toda memória é feita de lembrança e de esquecimento. Individual ou coletiva, traz escolhas que
buscam acomodar identidades, sendo sempre uma arena de disputa, sobretudo quando da constru-
ção de uma narrativa coletiva. Assim como uma fotografia pode ser suporte e referência para a
construção das memórias, o espaço natural e o arquitetônico elaboram para a comunidade uma
imagem de si mesma. Para exemplificar esse processo, vamos à história do Cais do Valongo, no Rio
de Janeiro, que, no meio das obras para a construção do projeto Porto Maravilha, retornou para a
memória da cidade e do país.
No século XVIII, o porto do Rio de Janeiro era o principal do Império Português e o tráfico de
escravizados era um dos mais importantes mercados.

Cais do Valongo, no Rio de Janeiro (RJ). 2017.

123
TRILHAS FORMATIVAS

A chegada dos africanos novos e sua comercialização acontecia no Terreiro do Paço – atual Praça XV –,
mas D. João V (1689-1750) o quis tirar da vista do palácio e um novo cais para o tráfico foi construído em
1811. Ele funcionou até 1831 e foi desativado. Em 1843, uma reforma criou sobre ele o Cais da Imperatriz,
para receber Teresa Cristina Bourbon (1822-1889), que se casaria com D. Pedro II (1825-1891).
Mesmo que outros registros contassem a história do Valongo, ele desaparecera dos olhos da
sociedade até em 2011, quando uma nova reforma na cidade o revelou. Hoje, a visitação ao espaço
permite que as pedras do Valongo, o Monumento da Imperatriz e a cidade moderna, que são cama-
das de tempo e história, sejam vistos simultaneamente, viabilizando não só a percepção das mudan-
ças no tempo, mas as escolhas de construção significativa do espaço. Antes de 2011, outras reformas
haviam sido feitas, como a construção da avenida Rodrigues Alves, que afastou a antiga proximida-
de do mar, e, enquanto o antigo Cais da Imperatriz teve seu marco comemorativo preservado, o do
Valongo havia desaparecido por completo.
Constituído pelo modo de vida escravista, o Cais do Valongo soterrava junto à memória as prá-
ticas do Império do Brasil. Quando tombado como patrimônio histórico, tornou-se local de afluên-
cia de turistas e moradores que, retomando antigas expressões, como Pequena África, passaram a
estabelecer relações sociais que estavam esquecidas.
Hoje, a céu aberto, como uma praça, o Cais do Valongo é lembrança de origem para os
descendentes que perderam seus nomes e famílias, uma memória inscrita no espaço capaz de
mobilizar compreensão sobre o que é ser negro no Brasil atual. E a exposição das graduais
organizações do espaço coletivo mostra a construção de narrativas que exaltam uns e apagam outros,
definindo inclusões e exclusões na percepção do nacional.

124
MEMÓRIA E SOCIEDADE

1. Sobre o Cais do Valongo e os espaços coletivos, não é possível afirmar que:


a) a ocupação espacial é uma experiência social e histórica.
b) construções desenham no espaço referências que localizam as pessoas.
c) os significados de um mesmo lugar podem ser socialmente alterados ou apagados.
d) como uma fenda aberta no meio da cidade, o Cais do Valongo exige uma narrativa sobre
ele e, portanto, uma memória.
e) o apagamento do Cais do Valongo não altera a percepção que se constrói sobre o passado.

2. Indique a sentença deslocada da discussão sobre espaços coletivos.


a) O soterramento do Cais do Valongo e a construção do Cais da Imperatriz ressignificam o
uso e a circulação no espaço, recriando a memória.
b) A memória, que orienta nossa identidade, é construída por lembranças e esquecimentos.
c) As reformas das cidades são definições governamentais para melhoria de sua ocupação,
não importando questões de memória.
d) As reformas das cidades são definições governamentais e, como tais, precisam respeitar e
atender às diferentes demandas de uma sociedade plural.
e) A patrimonialização é um mecanismo de preservação da memória por meio da proteção de
bens materiais e imateriais.

3. Em 2012, a prefeitura do Rio de Janeiro acatou a sugestão das Organizações dos Movimentos
Negros e, em julho do mesmo ano, transformou o espaço em monumento preservado e aberto à
visitação pública. O Cais do Valongo passou a integrar o Circuito Histórico e Arqueológico da
Celebração da Herança Africana, que estabelece marcos da cultura afro-brasileira na região por-
tuária, ao lado do Jardim Suspenso do Valongo, Largo do Depósito, Pedra do Sal, Centro Cultural
José Bonifácio e Cemitério dos Pretos Novos (Iphan, [s.d.]).
Com base no fragmento e no que você estudou, aponte a afirmativa incorreta.
a) A informação expõe um processo de negociação entre sociedade civil e governo na cons-
trução de uma memória coletiva.
b) A criação de um circuito histórico estabelece um espaço coletivo de fluxo, com os visitan-
tes sendo as conexões entre os espaços.
c) O contraste entre o apagamento do cais e o título “Circuito Histórico e Arqueológico da
Celebração da Herança Africana” expõe uma transformação em curso na sociedade bra-
sileira no que diz respeito à memória e à identidade nacional.
d) A visitação ao circuito não oportuniza acesso a memórias e identidades que estiveram
ausentes nos livros que formam os cidadãos brasileiros.
e) A participação do governo da cidade do Rio de Janeiro oficializa a percepção de memória
proposta pelo Movimento Negro.
125
TRILHAS FORMATIVAS

4. Leia o fragmento a seguir, analise a imagem e assinale a alternativa que se conecta ao Cais do
Valongo.

A memória é assim guardada e solidificada nas pedras: as pirâmides, os vestígios arqueológicos,


as catedrais da Idade Média, os grandes teatros, as óperas da época burguesa do século XIX e,
atualmente, os edifícios dos grandes bancos. Quando vemos esses pontos de referência de uma
época longínqua, frequentemente os integramos em nossos próprios sentimentos de filiação e de
origem, de modo que certos elementos são progressivamente integrados num fundo cultural co-
mum a toda a humanidade (Pollak, 1989, p 10).

O Monumento Imperatriz foi construído sobre do Cais o Valongo, no Rio de Janeiro (RJ).

a) “Pisar suavemente sobre a terra” significa que o respeito ao meio ambiente e o desejo de
não macular a natureza se opõem a modos não indígenas na ocupação dos espaços.
b) A manutenção do Monumento da Imperatriz até hoje, apesar das reformas realizadas no
centro do Rio de Janeiro, é indicativa da memória de origem que o estado pretendeu criar.
c) Memória guardada em pedra denota que a casa particular transformada em museu na cida-
de de Tiradentes integra as referências dos visitantes à violência escravista.
d) Com a retomada de seu uso para o esporte e sem um projeto de memória vinculado ao
Estádio Nacional do Chile, as novas gerações teriam mais dificuldade de identificar a
experiência trágica vivida naquele espaço durante a ditadura de Pinochet.
e) As Mães da Praça de Maio não têm um monumento, mas ressignificaram o espaço da
praça e o uso de seu monumento central através de sua ocupação.

126
MEMÓRIA E SOCIEDADE

5. Assinale a alternativa que condiz com a afirmação de que a memória é uma arena de disputa.
a) Os significados das experiências (e suas memórias) são plurais.
b) A patrimonialização define a memória correta sobre determinado espaço.
c) As memórias são controladas pelos estados nacionais.
d) As memórias são como nuvens que rapidamente se desvanecem.
e) A memória sobre a Papoco de Ideias está em conflito com o estado do Ceará.

6. Há referência de presença de diferentes etnias na região do atual estado do Rio de Janeiro e já se


sabe que, sendo porto importante do Império Português, foi entrada para milhões de africanos.
Agora, explique como é contada a história da sua cidade. Existem atores sociais que foram silen-
ciados ou apagados? Discuta com a turma sobre o tema e proponha um “circuito memória” alter-
nativo à história oficial, selecionando pontos a serem visitados e esclarecendo o seu porquê.
Transforme o circuito em um fôlder turístico, com mapa e informações, distribuindo-o para os
estudantes da escola.

7. Ilustrando livros didáticos e sites, há muitos mapas de cartógrafos portugueses criando um ima-
ginário sobre os espaços coloniais e, quando queremos saber a localização de algo, por exemplo,
hoje é fácil usar aplicativos que nos direcionem a isso. Porém, não convivemos com tantas refe-
rências sobre a localização de aldeias indígenas e quilombos (do passado e atuais). Nesse sentido,
crie um mapa que destaque a localização atual de áreas quilombolas e áreas indígenas no estado
do Rio de Janeiro. Você pode usar o Google Maps, ferramenta gratuita e de fácil manejo, e inserir
os dados depois de pesquisar, o que pode ser feito de modo virtual ou físico, com a impressão do
mapa do Rio de Janeiro.

127
TRILHAS FORMATIVAS

8. Com a turma, façam um texto coletivo teatral para montar um esquete que simule uma disputa
de memória coletiva, relacionada à história da sua cidade. Com o texto pronto, devem encenar o
esquete para a(s) turma(s) do 1o ano, promovendo um debate que ajude a perceber que a memó-
ria é uma arena de disputa. A encenação deve ser de, no máximo, 10 minutos, para que ela e o
debate ocorram em apenas um tempo de aula.

• Jochen Gerz: arte, espaços coletivos e memória.

Com obras dispostas no espaço público, Jochen Gerz procura


ativar questionamentos sobre a Segunda Guerra Mundial na Alemanha.
Um exemplo é o Monumento contra o fascismo, em Harburg, uma
coluna de aço recoberta de chumbo, de 12 metros de altura e situada em
local de grande circulação de pedestres. Quando a obra foi exposta, ao
lado dela, um texto convidava o passante a se manifestar contra o
fascismo, escrevendo algo. Mas a coluna era progressivamente enterrada
no solo, eliminando a intervenção. O monumento sumiu! Ele durou
sete anos (1986 e 1993) e se tornou apenas uma placa no solo. O convite
fazia com que o espectador se tornasse um coautor da obra e, ao fazê-lo,
atualizava a luta contra o fascismo. O desaparecimento da coluna
provocava a reflexão sobre os apagamentos da memória.

Para conhecer mais sobre


Jochen Gerz, veja o texto da artista Jochen Gerz:
e pesquisadora Leila Danziger na o monumento
como processo
revista Arte e Ensaios, disponível e mediação.
Acesso em:
no QR Code ao lado. 25 fev. 2024.
Monumento contra o fascismo, em
Harburg, na Alemanha.

128
MEMÓRIA E SOCIEDADE

• Todo mapa tem um discurso (2014),


realização Programa Rede Jovem.
Assim como a memória seleciona lem-
branças e esquecimentos, os mapas tam-
bém selecionam dados, construindo um
discurso sobre a realidade. O documentá-
rio Todo mapa tem um discurso, de 2014,
expõe invisibilidades em mapas oficiais da
cidade do Rio de Janeiro. Produzido por
uma ONG (Rede Jovem), o documentário
levanta questões que articulam mapa, iden-
tidade, pertencimento, narrativa e poder,
evidenciando as escolhas de apagamento
de áreas de favelas. Assista ao trailer aces-
sando o QR Code a seguir.

Todo mapa
tem um
discurso.
Acesso em:
25 fev. 2024.
Celular exibe imagem de aplicativo de GPS.

Narrativas/experiências sociais Memória:


Inclusão/Exclusão CAIS DO VALONGO lembranças e esquecimento

Memória escravagista
Espaço:
suporte de memória

CAIS DA IMPERATRIZ

Transformação/espaço e
Apagamento de memória

Convivências
Camadas históricas PORTO MARAVILHA
Diferentes memórias

Patrimonialização
Preservação espaço/memórias/identidades

129
TRILHAS FORMATIVAS

REVISÃO GERAL

• Memória subterrânea: experiência traumática silenciada com posterior testemunho que de-
manda por reconhecimento social.
• Memória coletiva articulada à memória nacional: conceito de fronteira e formação de terri-
tórios que configuram identidades nacionais.
• Público e privado/bem comum e bem particular: espaço coletivo como aquele de vivência
comum, associado ao público e à participação comunitária.
• Memória coletiva não é ponto pacífico. A memória é disputada entre diferentes experiências
ou perspectivas. Exemplos: as tensões do multiculturalismo e as ditaduras militares na
América do Sul (Mães da Praça de Maio).
• A mobilização em detrimento de causa comum com ocupação de espaços (ruas/hortas co-
munitárias) é um exemplo de espaço coletivos.
• Um espaço coletivo pode ser oficializado como tal por meio da gestão governamental. No
Brasil, o Iphan é a instituição encarregada pela patrimonialização e preservação de espaços
tombados.
• Patrimônio é um conceito que mudou com o tempo, incluindo áreas naturais e práticas
imateriais.
• Biblioteca comunitária Papoco de Ideias (Ceará) é um espaço privado transformado em
espaço coletivo que alterou a dinâmica de um bairro periférico em função de apresentar-se
como único equipamento cultural do lugar.
• A experiência de visitação e uso da biblioteca proporciona encontro e conhecimento entre
pessoas da comunidade, fortalecendo laços e valorizando-a.
• A criação e o soterramento do Cais do Valongo foram ações que, inscritas no espaço coleti-
vo, representaram narrativa de apagamento da escravidão na cidade do Rio de Janeiro, des-
locamento do comércio escravagista superposição do Cais da Imperatriz.
• A reforma do Porto Maravilha soergueu as bases do Valongo e sua patrimonialização mobi-
lizou a recuperação de memórias e heranças africanas na formação da cidade.
• A reflexão sobre usos e preservação de espaços é instrumento de conscientização de inclu-
sões e exclusões na percepção do nacional.

130
MEMÓRIA E SOCIEDADE

QUESTÕES REFLEXIVAS

1. Quais seriam as memórias subterrâneas de sua cidade? Aproveite o conceito de Michael Pollak para
pensar criticamente sobre a história da sua comunidade. O primeiro movimento será o de, com a
turma, lembrarem a narrativa tradicional da criação da cidade, anotando em tópicos o que sabem.
Depois, devem fazer uma reflexão sobre se a narrativa incorpora indígenas, africanos e afrodescen-
dentes (grupos muitas vezes silenciados) ou ainda a existência (ou não) de outros grupos que esti-
veram presentes na formação da cidade, mas estão ausentes na narrativa, e de que forma.

2. Há algum bem tombado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan)
ou pelo Instituto Estadual do Patrimônio Cultural (Inepac) na sua cidade? Em caso positivo,
vocês deverão selecionar um bem patrimonializado e criar uma campanha de divulgação sobre
ele utilizando uma peça impressa ou um cartaz. É importante que informem dados de localiza-
ção e visitação (dias/horários/custo), e que, no convite ao visitante, acionem as relações entre
espaço, memória e identidade.
Caso sua cidade não tenha nenhum bem tombado, definam um espaço coletivo dela, como se
vocês fossem o Inepac ou o Iphan e realizem a atividade sobre ele.

131
TRILHAS FORMATIVAS

3. Vamos conhecer a cidade e suas iniciativas? Localize a existência de hortas ou bibliotecas comunitá-
rias de sua cidade, registrando-as em um mapa com endereço e formas de acesso. Façam o mapa em
uma folha de papel para fácil multiplicação. Aproveite para escolher uma das iniciativas e a visitar!

4. A escola é um instrumento poderoso de for-


mação de memórias, afinal, por meio das
matérias, os estudantes são convidados a co-
nhecer aspectos da vida coletiva que, por
vezes, não são vividos por quem não teve a
oportunidade de estudar. E você, já se deu
conta de que essas memórias uniformizam o
coletivo? Você já ouviu falar da Base Nacio-
nal Comum Curricular (BNCC)? Ela é um
documento do Governo Federal que orienta
o que e como os conteúdos escolares devem
Estudantes reunidos em biblioteca.
ser trabalhados, de forma que, mesmo que
haja diferenças regionais ou entre escolas públicas e privadas, exista uma base comum de
estudos que todos devem seguir.

Discutam o significado da BNCC na formação de memórias e identidades nacionais em uma


roda de conversa que o professor vai organizar.

132
MEMÓRIA E SOCIEDADE

AVALIAÇÃO DE PROGRESSO
Assim como o Estádio Nacional do Chile aciona diferentes memórias (o esporte e a ditadura),
há espaços no Rio de Janeiro que também passam pelo mesmo processo, como é o caso do restau-
rante Calabouço. Criado na década de 1950, ele tanto pode fazer lembrar o acesso à universidade por
pessoas de baixa renda como também a repressão violenta da ditadura no Brasil.
Agora, crie um documentário sobre o Calabouço. Pesquise sobre o restaurante, como seu surgi-
mento e tempo de funcionamento (identificando a mudança de local original), e reflita sobre o espa-
ço simbólico na história e na memória nacional devido ao assassinato do estudante Edson Luís, em
1968.
Para a realização do documentário, que será único para a turma inteira, dividam-se em grupos
por tarefas: pesquisa (busca de informações), roteiro (desenvolvimento da narrativa), produção
(viabilização de materiais) e realização (edição do documentário). Desde o início, deve ser criado
um cronograma de atividades, estabelecendo metas e prazos de cada grupo, assim como incluir re-
uniões intervalares para que toda a turma acompanhe cada processo para sanar problemas que
possam vir a acontecer. Em seguida, vocês devem definir a data de lançamento do documentário,
com a exibição na escola.
Lembrem-se de que o lugar físico do restaurante não existe mais, então, vocês (e mesmo os mo-
radores da cidade) precisam utilizar recursos virtuais ou de bibliotecas (acervos de revistas e jornais)
para acesso às imagens do local. Existem muitos editores de vídeo gratuitos disponíveis, como Win-
dows Movie Maker, Shotcut, CapCut, Lightworks, entre outros.
O documentário deve ter entre 20 e 30 minutos e trazer a discussão sobre espaço, memória e
identidade. É fundamental que, ao final, sejam registradas as fontes pesquisadas e apresentados
agradecimentos.

133
TRILHAS FORMATIVAS

AUTOAVALIAÇÃO

É hora de se autoavaliar: atribua notas de 1 a 5 (1 quer dizer totalmente insatisfeito e 5 quer


dizer totalmente satisfeito) para os seguintes quesitos, referentes ao aproveitamento deste material,
permitindo que você observe em quais pontos há margem para maior empenho. Marque apenas uma
alternativa em cada linha.

Aspectos avaliados

Compreensão da exposição 1 2 3 4 5

1. Não foi tão fácil entender o que estava sendo apresentado. Fiquei um
pouco confuso e talvez precise de mais ajuda para compreender melhor.

2. Entendi parte do conteúdo, mas algumas partes ainda me deixaram


um pouco confuso. Preciso de um pouco mais de prática para ficar
mais à vontade.

3. Consegui acompanhar bem a maior parte do que foi apresentado. Estou


confiante com o que entendi, mas ainda há espaço para melhorias.

4. T
 ive uma boa compreensão do conteúdo geral. Fiquei à vontade com a
maioria das informações apresentadas.

5. E
 ntendi muito bem o que foi apresentado. Sinto-me confortável com o
conteúdo e estou pronto para avançar.

Participação nas atividades 1 2 3 4 5

1. Não pude contribuir muito nas atividades. Tive dificuldade em participar


e compartilhar minhas ideias.

2. P
 articipei um pouco, mas ainda não me senti totalmente à vontade.
Estou trabalhando para me envolver mais.

3. Participei de maneira satisfatória e contribuí quando possível. Ainda


estou me adaptando, mas estou no caminho certo.

4. C
 ontribuí ativamente para as atividades. Sinto-me envolvido e confor-
tável em compartilhar minhas opiniões.

5. F
 ui muito participativo e contribuí significativamente para todas as
atividades. Sinto-me parte integrante do processo.

134
MEMÓRIA E SOCIEDADE

Realização das atividades 1 2 3 4 5

1. Tive dificuldade em completar a maioria das atividades. ­Minha realização


ficou abaixo do que eu esperava.

2. C
 onsegui fazer algumas atividades, mas enfrentei desafios em outros.
Ainda estou aprimorando minhas habilidades.

3. Completei a maioria das atividades de maneira satisfatória, embora


possa ter cometido alguns erros aqui e ali.

4. Realizei a maior parte das atividades com confiança. Estou progredindo


e me sentindo bem com meu desempenho.

5. Fui bem-sucedido em todas as atividades. Sinto-me orgulhoso do meu


trabalho e do meu entendimento.

Reflexão crítica 1 2 3 4 5

1. N
 ão me aprofundei muito em minhas reflexões. Preciso de mais tempo
para pensar e analisar melhor.

2. R
 efleti um pouco, mas ainda não consegui explorar completamente os
aspectos críticos. Pretendo aprimorar essa habilidade.

3. Fiz algumas reflexões relevantes e comecei a analisar criticamente o


material. Estou me esforçando para melhorar nisso.

4. R
 ealizei reflexões críticas de maneira consistente e analisei aspectos
importantes do conteúdo. Sinto-me confiante em minha abordagem.

5. M
 inhas reflexões críticas foram excepcionais. Fui além do óbvio e
explorei profundamente os temas abordados. Estou satisfeito com
minha capacidade de análise.

135
TRILHAS FORMATIVAS

FECHAMENTO
ANCESTRALIDADE PRESERVAÇÃO DOS
MEMÓRIA E SOCIEDADE
E CULTURA ESPAÇOS COLETIVOS

O QUE É ANCESTRALIDADE? MULTICULTURALIDADE: ESPAÇOS COLETIVOS:


TEMPO E ESPAÇO MEMÓRIA E IDENTIDADE
Biologia e Cultura
Multiculturalismo = Ação Território/Estado-nação
NOMES E ANCESTRALIDADE Propostas Conservadoras Memória subterrânea
e Críticas
Árabes: localização social
Bakongo: perda de referência IPHAN: CRIAÇÃO E PRESERVA-
ancestral CAMADAS INTERAÇÕES ÇÃO DOS ESPAÇOS COLETIVOS
CULTURAIS
Patrimonialização:
EU SOU PORQUE NÓS SOMOS Interações: Charlie Hebdo bens materiais e imateriais
Declaração dos Direitos do e Indígenas no banheiro
Homem
Filosofia Ubuntu PARTICIPAÇÃO, BIBLIOTECA
MUNDO DIGITAL
E TRANSFORMAÇÃO
E MULTICULTURALISMO
RESPEITE A SI,
Estalo de Ideias:
RESPEITE O OUTRO Internet:
valorização da comunidade
Ilusão semelhança
Planeta plural Gestão diferença
Convivência e diferenças
CAIS DO VALONGO:
MEMÓRIA E IDENTIDADE
MULTICULTURALISMO
E INTERCULTURALIDADE
Memória coletiva nacional:
Reconhecer diversidade ≠ inclusão e exclusão
Destacar relação

QUESTÕES REFLEXIVAS
1. A ideia de “voz” pressupõe um emissor e, apesar de termos gravações de pessoas já falecidas, a refe-
rência nos leva a imaginar pessoas vivas, atuando. Sob o título Vozes ancestrais, o escritor Daniel
Munduruku lançou o livro em que reuniu dez contos indígenas de diferentes povos. Culturalmente,
quais seriam os meios de ouvirmos “vozes ancestrais”?

136
MEMÓRIA E SOCIEDADE

2. No componente dedicado ao multiculturalismo, vocês acessaram muitos casos de enfrenta-


mento e, por meio das atividades, puderam conhecer um pouco mais sobre sua cidade. Façam
uma roda de conversa para discutir qual seria a principal tensão ou enfrentamento multicultu-
ral em seu bairro ou cidade. Definido o ponto, proponham uma ação que acreditem poderia,
se não resolver, minimizar o enfrentamento.

3. A escola é um espaço coletivo? Ela consolida a articulação entre espaço, memória e identidade?
Em caso de resposta afirmativa, como realiza tal articulação? Em caso de resposta negativa, por
que não consolida?

137
TRILHAS FORMATIVAS

AVALIAÇÃO FINAL

Vocês fazem parte da equipe de defesa do Quilombo da Pedra do Sal, na cidade do Rio de Janeiro, que
está em disputa legal com a Venerável Ordem 3a de São Francisco da Penitência. São os pesquisadores re-
cém-contratados que precisam reunir evidências para o desenvolvimento dos argumentos dos advogados.
Leiam a informações contextualizadas sobre o conflito no site do Mapa de Conflitos: Injustiça ambiental e
saúde no Brasil (projeto da Fiocruz), acessando o QR Code ao lado.
Abaixo estão as linhas de investigação que vocês precisa-
rão desenvolver. Embora todos estejam trabalhando para um
mesmo processo, vocês serão distribuídos em cinco grupos
Mapa de conflitos.
de trabalho, cada um responsável por uma linha. Acesso em: 25 fev. 2024.

1) Defesa do valor da ancestralidade.


Devem buscar textos e documentos que expliquem o que é a ancestralidade (vocês não sabem o
nível de conhecimento dos advogados) e a validem no mundo moderno. Podem ser documentos
legais nacionais (exemplo: a Constituição brasileira) ou internacionais (exemplo: a Declaração de
Direitos Humanos da ONU); podem ser outros processos semelhantes que trataram da ancestrali-
dade (vejam outras disputas de quilombos no próprio site da Fiocruz) ou ainda podem apresentar
artigos acadêmicos de sociólogos, antropólogos, filósofos etc. que discutam a questão do valor da
ancestralidade no mundo moderno.
2) Defesa da memória coletiva articulada à espacialidade.
Devem buscar textos e documentos que expliquem o que é a memória coletiva (vocês não sa-
bem o nível de conhecimento dos advogados). Devem buscar artigos acadêmicos que falem sobre o
lugar da memória na construção da identidade e sobre a articulação dela com a ocupação espacial.
Devem buscar materiais que relacionem memória e direito, sobretudo ao direito à cidade.
3) A especificação dos sentidos de coletivo que cada interessado (comunidade quilombola e
ordem religiosa) argumenta para a posse.
Devem fazer uma investigação sobre o termo “coletivo” e seus usos, garantindo que os advoga-
dos possam usá-lo com pertinência. No entanto, devem, principalmente, fazer uma análise da dis-
tinção que aparece no 4o parágrafo do item “Contexto Ampliado”, especificado no site Mapa de
Conflitos, orientando os advogados sobre qual o melhor modo de abordar a questão para garantir a
posse aos quilombolas.
4) A dimensão religiosa no conflito.
Ainda que pouco desenvolvida na contextualização do site Mapa de Conflitos, o elemento religioso
pode ser uma ferramenta importante na construção da defesa, pois é possível acionar a ideia de pre-
conceito religioso/racial no processo de expulsão dos antigos moradores. Vocês precisam registrar a
legislação existente sobre o tema e observar em outros conflitos de quilombolas (presentes no site
Mapa de Conflitos) se a questão apareceu em algum deles, podendo ser usada como jurisprudência.

138
MEMÓRIA E SOCIEDADE

5) O uso da tecnologia na construção de perfil dos requerentes quilombolas.


A detração pública e o alcance das redes de comunicação podem construir imagens prévias
desqualificadoras para os juízes e a sociedade em geral. Vocês devem investigar textos que proble-
matizem a ética no uso das ferramentas tecnológicas e que possam desabonar as ações da ordem
religiosa acusando os oponentes como “falsos quilombolas”. Entretanto, precisam também oferecer
materiais que ajudem os advogados a se defender dessa ideia de “falsidade”, tal como fez o antropó-
logo José Maurício Arruti no processo do Quilombo do Sacopã, registrado no Mapa de Conflitos.
Vocês deverão recolher materiais de comprovação, mas foram autorizados pelo escritório de
advocacia a também sugerir usos para os materiais, ou seja, é fundamental que apresentem – em um
parágrafo – como a informação que recolheram pode/deve ser utilizada pelos advogados.
Cada grupo vai preparar um dossiê. Na primeira folha deve constar o título da investigação, os
nomes dos estudantes investigadores, o nome da escola, a identificação da turma e o ano. Na segun-
da folha, estará uma lista numerada com o nome do material selecionado (uma referência bibliográ-
fica completa, por exemplo) e, logo abaixo do nome, o parágrafo indicando o uso do material. É
provável que a lista com as indicações resulte em algumas páginas. O importante é que ela seja o
mais completa possível e que esteja na ordem exata dos documentos que a seguirão. Cada documen-
to/texto selecionado deve ter uma cópia anexada ao dossiê (seguindo a ordem de apresentação da
lista), pois os advogados precisam ter acesso direto a eles.
Vocês terão de seguir o cronograma de entrega definido pelo docente e, no dia da entrega, ha-
verá uma leitura dos títulos dos materiais/documentos reunidos e suas instruções de uso, para que a
equipe inteira tenha ciência dos conteúdos. Será formado um novo grupo – com um representante
de cada linha de investigação – para que seja redigido um texto coeso e argumentativo em defesa do
Quilombo da Pedra do Sal, utilizando todos os dados e as orientações.
No último encontro da atividade, o texto final será lido, e as equipes farão um relatório de seu
processo, contando os desafios que enfrentaram e os aprendizados adquiridos.

139
TRILHAS FORMATIVAS

REFERÊNCIAS

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de deslocamento. In: GONÇALVES, Márcia et al. (org.). Qual o valor da História hoje? Rio de Janeiro:
Editora FGV, 2012.
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do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, (Iphan) Museu Imperial, 1999. Disponível em: http://
portal.iphan.gov.br/uploads/temp/guia_educacao_patrimonial.pdf.pdf. Acesso em: 25 fev. 2024.
KOPENAWA, Davi; ALBERT, Bruce. A queda do céu. São Paulo: Companhia das Letras, 2015.
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em: 25 fev. 2024

140
MEMÓRIA E SOCIEDADE

SOUZA, Bruno. A palavra constitui o mundo. Agência Jovem de Notícias, 15 out. 2021. Disponível
em: https://agenciajovem.org/a-palavra-constitui-o-mundo/. Acesso em: 25 fev. 2024.
SOUZA, Ruth Paulina Rios de; CAVALCANTE, Tiago Vieira. Bibliotecas comunitárias, lugares
de resistência: uma leitura do espaço a partir dos espaços de leitura. Revista Equador, UFPI, v. 9, n. 2,
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Acesso em: 25 fev. 2024.

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