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Conversão e Negócio Jurídico Anulável: Edilson Pereira Nobre Júnior

O artigo discute a aplicação da conversão em negócios jurídicos anuláveis, focando na anulabilidade por incapacidade relativa. O autor explora o princípio da conservação do negócio jurídico, sua aceitação no Código Civil brasileiro de 2003 e a distinção entre conversão e nulidade parcial. O texto também analisa a relevância da conservação para a eficácia dos negócios jurídicos, mesmo quando viciados.

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Conversão e Negócio Jurídico Anulável: Edilson Pereira Nobre Júnior

O artigo discute a aplicação da conversão em negócios jurídicos anuláveis, focando na anulabilidade por incapacidade relativa. O autor explora o princípio da conservação do negócio jurídico, sua aceitação no Código Civil brasileiro de 2003 e a distinção entre conversão e nulidade parcial. O texto também analisa a relevância da conservação para a eficácia dos negócios jurídicos, mesmo quando viciados.

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Conversão e negócio jurídico anulável*


Edilson Pereira Nobre Júnior**

RESUMO. O artigo aborda a possibilidade de aplicação do


instituto da conversão aos negócios jurídicos anuláveis,
particularizando a anulabilidade por incapacidade relativa do
sujeito. Para tanto, explicita o princípio da conservação do
negócio jurídico na codificação internacional e demonstra sua
receptividade no Código Civil brasileiro de 2003 ao
aproveitamento dos negócios jurídicos. Conceitua conversão e
demonstra a sua diferença da nulidade parcial ou redução.
Alfim, promove debate sobre a aplicação do instituto dos
negócios jurídicos nulos e anuláveis.
Palavras-chave: Negócio jurídico. Princípio da conservação.
Incapacidade relativa.

1 – O princípio da conservação do negócio jurídico.

Com a propriedade de sempre, Betti definiu os fatos


jurídicos como aqueles “aos quais o atribui Direito
transcendência para cambiar as situações pré-existentes e
configurar situações novas, a que correspondem novas
qualificações”1.

* A presente investigação teve como fonte inspiradora a IV Jornada de Direito Civil,


patrocinada pelo Conselho da Justiça Federal, sob a coordenação científica do Min. Ruy
Rosado de Aguiar Júnior, para a qual foi apresentada a proposta de enunciado seguinte:
“A conversão poderá incidir sobre o negócio jurídico anulável por incapacidade relativa
do sujeito, contanto que não resulte em prejuízo para o incapaz”. A impossibilidade de
comparecer ao evento acarretou, por força de norma regulamentar, a não submissão da
proposta, o que levou o seu subscritor a aprofundar o assunto em estudo separado.
** Juiz Federal. Professor da Universidade Federal do Rio Grande do Norte e da

Universidade Potiguar. Mestre e Doutor em Direito Público pela Faculdade de Direito


do Recife – UFPE.
1 “...a los que el Derecho atribuye transcendencia jurídica para cambiar las situaciones

preexistentes a ellos y configurar situaciones nuevas, a las que corresponden nuevas


calificaciones jurídicas” (Teoría general del negocio jurídico. Granada: Editorial Comares,
2000, p. 4. Tradução por A. Martín Pérez).

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Disso se percebe que o fato jurídico, em sua estrutura


lógica, é algo mais que um acontecimento do mundo dos
fenômenos. Engloba, em sua essência, certos requisitos que,
incidentes em determinada situação, são capazes de acarretar
sua transformação, através da constituição, modificação, ou
extinção, duma posição jurídica.
Configura, assim, fato qualificado por atributo emanado
duma norma de direito.
A doutrina, no seu afã de classificar, divisou várias
modalidades nas quais se fraciona o fato jurídico.
Daí se pode ver que a expressão fato jurídico abrange
eventos dos mais diversos tipos. Isto seria a expressão
apreendida em seu sentido amplo. Num significado mais
estrito, fato jurídico, por contraposição ao ato jurídico,
corresponderia a acontecimentos naturais, como é o caso duma
inundação, capaz de ensejar o surgimento da obrigação de
reparar por ente segurador. O ato jurídico, então,
corresponderia ao aparecimento de efeitos jurídicos como
decorrência de manifestações de vontade.
Bipartir-se-ão em atos lícitos ou ilícitos, conforme hajam
ou não sido praticados com base numa permissão jurídica. Os
primeiros correspondem ao que podemos denominar de ato
jurídico em sentido amplo2.
Dentro do bloco da licitude, a distinção que mais
granjeia interesse – e que hoje é realçada pelo vigente Código
Civil – recai entre o ato jurídico em sentido estrito e o negócio
jurídico.
A diferença entre tais categorias reside em que o ato
jurídico stricto sensu, muito embora reclame a manifestação de
vontade, tem sua eficácia dependente, com exclusividade, da
norma legal. Um exemplo seria o inerente à perfilhação.
Realizada, as respectivas conseqüências jurídicas surgem por

2 Abstraindo-se a circunstância de não ser a melhor praxe a da definição de conceitos


jurídicos pelo legislador, posto ser tarefa mais adequada à doutrina, o Código Civil de
1916 trouxe à baila a idéia de ato jurídico lícito: “Art. 81 - Todo o ato lícito, que tenha
por fim imediato adquirir, resguardar, transferir, modificar ou extinguir direitos, se
denomina ato jurídico”.

Verba Juris ano 6, n. 6, jan./dez. 2007


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força da ordem normativa, sendo, na sua determinação, a


vontade irrelevante. A manifestação volitiva se restringiu à
celebração do ato. Há situações onde até mesmo é indiferente a
regularidade da manifestação volitiva3.
Diversamente, assoma o negócio jurídico. Este constitui,
por excelência, a seara onde forte viceja a autonomia da
vontade. Assim, os interessados podem delimitar, uma vez
sejam respeitadas as limitações legais, os efeitos que surgem de
suas declarações.
Com precisão, António Menezes Cordeiro singulariza o
negócio jurídico, por implicar a confluência das liberdades de
celebração e estipulação, resumindo:

Esta fórmula deixa claro que a jurídica


positividade do negócio jurídico advém do
Direito, que institui, regula e defende a
autonomia privada. Os efeitos concretamente
verificados são, no entanto, os indiciados pelas
partes, através de suas declarações4.

Já o ato jurídico, no seu rigoroso significado, é hábil para


possuir tão-só liberdade de celebração. Isso porque, muito
embora o sistema jurídico respalde àquele a produção de
efeitos, estes vêm previamente determinados pela regra de
direito, sem que, para esse fim, os interessados possam ter
qualquer interferência.
O mero ato jurídico, então, configura categoria na qual
se faz menos acentuada a autonomia da vontade.
Malgrado o discrímen, é de ser, grosso modo, aplicado ao
ato o regime do negócio jurídico. Tal consta, às expressas, do

3 José Carlos Moreira Alves (A Parte Geral do Projeto de Código Civil, Brasília, Revista do
CEJ, n. 9, p. 9), em palestra ministrada em 29-04-99, reportando-se aos institutos da
especificação e dos direitos autorais sobre a atividade criativa, fornece-nos o exemplo
dum louco que, em sendo exímio escultor, ingressa em propriedade vizinha e se
apodera de pedra de mármore, esculpindo belíssima estátua, já que loucura e
genialidade não são incompatíveis. Indaga: tal não deverá lhe acarretar o direito à
propriedade da obra, não obstante restar presente hipótese de nulidade?
4 Tratado de direito civil português – parte geral. Coimbra: Almedina, 2000. Tomo I, p. 304.

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art. 185 do Código Civil, o que é reforçado em similares


dispositivos das legislações estrangeiras5.
Pontos de relevo, na disciplina do negócio jurídico,
recaem, dentre outros, nos planos da existência, da validade e
da eficácia.
No que concerne ao primeiro, assume relevante
importância a preocupação com os elementos essenciais do
negócio jurídico, componentes de sua estrutura e sem os quais
não se pode cogitar de sua existência. São eles a manifestação
de vontade, o objeto e a forma6.
Ao depois, advém o plano da validade, motivado pela
qualificação dos elementos essenciais, o que se dá através dos
requisitos. Assim, a manifestação de vontade deverá emanar de
agente capaz, enquanto o seu conteúdo haverá de ser lícito e
possível, sem contar que a forma não poderá ser defesa em lei.
Através dessa categoria, interessa verificar se o negócio
jurídico, já existente no mundo dos fatos, possui permissão para
ingressar na esfera jurídica.
Em terceiro lugar, interessa cogitar-se se determinado
negócio jurídico, mesmo eivado de nulidade, estará apto a
produzir alguns efeitos. Ou, visto de outra ótica, se, embora

5 É o caso, por exemplo, do art. 295º do Código Civil lusitano: “Aos actos jurídicos que
não sejam negócios jurídicos são aplicáveis, na medida em que a analogia das situações
o justifique, as disposições do capítulo seguinte” (disponível em www.stj.pt. Acesso em
09-05-2002). .
6 Em análise capaz de harmonizar a pesquisa percuciente com o impecável

detalhamento, Antônio Junqueira de Azevedo (Negócio jurídico – existência, validade e


eficácia. 3 ed. São Paulo: Saraiva, 2000, p. 31-39) procede à divisão em elementos gerais
que, a seu turno, subdividem-se em intrínsecos ou constitutivos (forma, objeto e
circunstâncias negociais) e extrínsecos (agente, lugar e tempo do negócio), e categoriais,
também denominados de particulares, os quais, resultantes da ordem jurídica,
restringem-se, a despeito de sua essencialidade, a determinados tipos de negócios
jurídicos. Constituem espécies destes o consenso sobre o preço e a coisa e o animus
donandi na compra e venda e na doação, respectivamente. Não confundir tais elementos
com os elementos naturais que, conforme acentua a doutrina (Francisco Amaral. Direito
civil – introdução. 6. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2006, p. 394), configuram, ao invés,
efeitos do negócio jurídico, como é o caso da responsabilidade pela evicção. À
derradeira, há os elementos acidentais, irrelevantes para a formação do negócio, mas
que são hábeis à alteração de sua eficácia. Para fins da existência, importa considerar
apenas os elementos gerais e categoriais.

Verba Juris ano 6, n. 6, jan./dez. 2007


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existente e válido, o negócio não chega a produzir a eficácia que


lhe é própria.
Está-se, portanto, no plano da eficácia.
Feitas essas considerações, ainda que a vol d’oiseau,
interessa notar alguns fatores que, na prática, fazem-se
presentes nos negócios jurídicos celebrados. Muitos deles, não
obstante viciados de invalidade, chegam a operar conseqüência
entre particulares. Numa venda imobiliária de ascendente a
descendente, realizada por preço justo, mas sem a aquiescência
dos demais, poderá ocorrer a efetiva transmissão da
propriedade, com a imissão na posse, acarretando que o novo
proprietário faça modificações que alterem substancialmente a
feição do bem, de modo que o retorno das partes ao estado
anterior seja excessivamente traumático.
De outro lado, todo o esforço que é levado a cabo para
se concluir um negócio, às vezes, conspira contra a sua
invalidade, respaldando sua manutenção, principalmente
quando verificada a boa-fé das partes.
Daí, na atualidade, chamar a atenção o princípio da
segurança jurídica, cuja expressão, na seara negocial, dá-se
através da conservação.
Essa tendência governa a doutrina tanto estrangeira
quanto pátria. Para Alberto Trabucchi:

O fato de que existam negócios eficazes, não


obstante sua irregularidade, demonstra-nos que o
direito procura evitar, no que for possível, a sua
nulidade. Existe uma tendência legislativa, social
e economicamente conveniente, para conservar a
eficácia dos atos jurídicos7.

Nesse diapasão, sustenta Antônio Junqueira de Azevedo


que

7 “El hecho de que existan negocios eficaces no obstante su irregularidad, nos


demuestra que el derecho procura evitar en lo posible la nulidad de los mismos. Existe
una tendencia legislativa, social y económicamente conveniente, a conservar la eficacia
de los actos jurídicos” (Instituciones de derecho civil. Madrid: Revista de Derecho Privado,
1967. p. 198-199).

Verba Juris ano 6, n. 6, jan./dez. 2007


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[...] tanto o legislador quanto o intérprete, o


primeiro, na criação das normas jurídicas sobre
os diversos negócios, e o segundo, na aplicação
dessas normas, devem procurar conservar, em
qualquer um dos três planos – existência,
validade e eficácia -, o máximo possível o negócio
jurídico realizado pelo agente. O princípio da
conservação consiste, pois, em se procurar salvar
tudo que é possível num negócio jurídico
concreto, tanto no plano da existência, quanto da
validade, quanto da eficácia8.

A conservação se impõe, salvo se não possível a


mantença do negócio, visto que este, em sendo revelação da
autonomia da vontade, há de representar alguma utilidade,
produzindo efeitos9.
O instituto da conversão, inovação que aportou em
nosso sistema com o Código Civil de 2002, é representativo
duma maneira eficaz de se aproveitar os efeitos do negócio
jurídico.
Será o objeto central de nossa abordagem,
principalmente com o propósito de se investigar sua
abrangência para os negócios anuláveis. Para tanto, antes
procederemos à exposição do propender do atual Código Civil
à conservação e, logo em seguida, o exame dos seus requisitos.

2 – A conservação do negócio jurídico: uma preocupação do


Código Civil de 2002

Neste tópico, não se quer dizer, de maneira alguma, que


o Código Civil de 1916 tivesse sido infenso à conservação dos

8 Loc. cit., p. 64.


9 Uma adoção explícita da conservação como princípio ocorreu no Código Civil italiano.
Ver o art. 1.367: “Na dúvida, o contrato, ou cada uma de suas cláusulas, devem ser
interpretadas no sentido no qual possam ter algum efeito, antes daquele segundo o qual
não teriam nenhum” (“Nel dubbio, il contratto o le singole clausole devono
interpretarsi nel senso in cui possono avere qualche effeto, anziché in quello secondo
cui non ne avrebebbero alcuno”. Disponível em: www.studiocelentano.it. Acesso em:
12-03-2002). Formidável panorama do princípio da conservação no sistema jurídico
italiano consta de Luigi Cariota Ferrera (El negocio jurídico. Madrid: Aguilar, 1956, p.
325-326. Tradução, prólogo e notas de Manuel Albaladejo) .

Verba Juris ano 6, n. 6, jan./dez. 2007


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atos jurídicos. Absolutamente. O que se almeja enfocar é que o


atual diploma, até mesmo pelo fato de acompanhar a quadra
evolutiva da ciência jurídica, encontra-se mais receptivo ao
aproveitamento dos negócios jurídicos perpetrados com
infração aos ditames do sistema jurídico.
Antes de ser promulgada a vigente codificação, sobre
cuja aplicação a doutrina se manifesta ávida em interpretar, o
Código de Defesa do Consumidor já tinha atentado à
conservação como uma diretriz moderna, ao frisar no art. 51,
mais precisamente no seu § 2.º, o seguinte: “A nulidade de uma
cláusula contratual abusiva não invalida o contrato, exceto
quando de sua ausência, apesar dos esforços de integração,
decorrer ônus excessivo a qualquer das partes”.
Não foi por outra razão que, atentando para o
dispositivo, Nelson Nery Júnior veio a destacar:

Em atendimento ao princípio da conservação do


contrato, a interpretação das estipulações
negociais, o exame das cláusulas apontadas como
abusivas e a análise da presunção de vantagem
exagerada, devem ser feitas de modo a imprimir
utilidade e operatividade ao negócio jurídico de
consumo, não devendo ser empregada solução
que tenha por escopo negar efetividade à
convenção negocial de consumo10.

Não obstante, são inúmeras as aplicações que o Código


Civil atual faz do princípio, reportando-se a maior parte delas
aos defeitos do negócio jurídico.
Como ponto de partida, pode observar-se, no que
concerne à invalidação do negócio jurídico pela ocorrência de
erro essencial, que o art. 144 afirma não afetar a validade do
negócio quando a pessoa, a quem a validade da manifestação

10 Código brasileiro de defesa do consumidor. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense


Universitária, 1993. O exame do princípio da conservação nos negócios jurídicos de
consumo também foi procedido por Marcos Mendes Lira (Controle das cláusulas abusivas
nos contratos de consumo. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2003. p. 13).

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da vontade se dirige, oferecer-se para cumpri-la na


conformidade da vontade real do manifestante11.
Desse modo, é de conjurar-se a invalidade pela
circunstância duma das partes aquiescer em cumprir o
pactuado em conformidade com a compreensão que, sobre o
mesmo, possui a outra parte, mais precisamente a que incidiu
em erro.
Já quanto ao dolo, temos várias manifestações, a
começar pela circunstância de que, quando acidental, somente
obriga à satisfação de perdas e danos (art. 146).
Em havendo dolo de terceiro, somente se invalidará o
negócio se a parte que dele se aproveite tivesse, ou devesse ter,
conhecimento do defeito. Do contrário, não haverá que se
cogitar de invalidação, devendo aquele responder pelas perdas
e danos sofridos pela parte ludibriada (art. 148).
Igualmente, se o dolo originar-se do representante legal
de uma das partes, somente obrigará o representado a
responder civilmente até a importância do proveito que obteve.
Em sendo o vício do representante convencional, o
representado responderá solidariamente com aquele (art. 149).
Afasta-se, assim, pela responsabilidade patrimonial, o
desfazimento do negócio.
Já se ambas as partes obrarem com dolo nenhuma
poderá pleitear a invalidação. Nem mesmo haverá causa para
indenização. Assim dispõe o art. 150 do Código Civil.
Quanto à coação moral, estabelece o art. 155 do Código
Civil que, caso advenha de terceiro, sem que a parte beneficiária
tenha conhecimento, subsistirá o negócio jurídico, limitando-se
a responsabilidade do seu autor às perdas e danos que o coato
tenha suportado.
Inspirado em preocupações éticas, é sabido que o
Código Civil reavivou a lesão nos negócios jurídicos. Ao fazê-
lo, não deixou à margem a conservação do ajuste, prevendo, no
seu art. 157, §2º, que não será decretada a anulação caso seja

11 A previsão encontra semelhança como art. 1.432 do Código Civil italiano.

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oferecido suplemento suficiente, ou se o favorecido concordar


com a redução do proveito12.
O entendimento se estende, mesmo ausente previsão
legal a respeito, ao estado de perigo, a despeito da omissão do
art. 156 do Código Civil13.
Nas hipóteses de fraude contra credores, também se
houve a preocupação com a manutenção do negócio jurídico.
Nos casos de contratos onerosos, celebrados pelo devedor
insolvente, ou com insolvência notória, a anulação do pacto
poderá ser afastada. Para esse fim, basta que o adquirente
deposite em juízo o preço corrente do bem, postulando a
citação dos interessados (art. 160).
O Código Civil atual ampliou essa possibilidade mesmo
quando o preço não for equivalente às estimativas de mercado.
Nessa hipótese, a inserção de parágrafo único ao art. 160 faculta
ao adquirente depositar valor que corresponda ao real.
Da mesma forma, serão presumidos como firmados de
boa-fé e, por tal razão, mantêm intacta sua validade, os
negócios ordinários indispensáveis à manutenção de
estabelecimento mercantil, rural, industrial, ou necessário à
subsistência do devedor e de sua família (art. 164).
No que tange à fraude na outorga de garantia de dívida,
o legislador deixou explícito que, caso o negócio jurídico tenha
por finalidade apenas atribuir direitos preferenciais, mediante
hipoteca, penhor ou anticrese, a sua invalidade restringir-se-á à
prelação ajustada (art. 165, parágrafo único).
Ingressando-se na teoria geral das nulidades, obtém-se,
quanto à simulação, a regra de que se ressalvam os efeitos do
negócio jurídico simulado em favor dos terceiros de boa-fé.

12 A tendência à conservação foi aguçada com o Enunciado 149, aprovado pela III
Jornada de Direito Civil, patrocinada pelo Conselho da Justiça Federal, assim redigido:
“Em atenção ao princípio da conservação dos contratos, a verificação da lesão deverá
conduzir, sempre que possível, à revisão judicial do negócio jurídico e não à sua
anulação, sendo dever do magistrado incitar os contratantes a seguir as regras do art.
157, §2º, do Código Civil de 2002”.
13 Nesse sentido, a adoção, pela III Jornada de Direito Civil, do Enunciado 148, de

autoria de Mário Luiz Delgado Régis, do seguinte teor: “Ao estado de perigo (art. 156)
aplica-se, por analogia, o disposto no §2º do art. 157”.

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Amostra de louvável inovação adveio com a conversão


de um negócio em outro, contanto que observados
determinados requisitos (art. 170), revelando-se como alvo
deste breve estudo.
Ao depois, é previsto, para os negócios anuláveis, o
convalescimento pelo decurso do tempo, conforme os arts. 178 e
179.
Ainda quanto aos negócios anuláveis, tem-se a
confirmação (arts. 172 a 175). E não é só. Quando a
anulabilidade resultar da ausência de autorização de terceiro, o
negócio será validado se aquele posteriormente a conceder (art.
176), o que não possuía precedente no regime anterior.
No tocante aos incapazes, foi mantida a disciplina
anterior. Assim, o menor, dentre dezesseis e dezoito anos, não
pode, para eximir-se duma obrigação, invocar sua idade, caso
dolosamente a tenha ocultado quando inquirido pela parte
adversa, ou se, no ato de obrigar-se, declarou-se maior (art.
180).
Igualmente, ninguém pode reivindicar o que, em face
duma obrigação anulada, quitou a um incapaz, caso não venha
a provar que reverteu em proveito dele a importância paga (art.
181).
A exemplo do Código Civil revogado, previu-se que a
invalidade do instrumento não induz a do negócio jurídico
sempre que este possa ser demonstrado por outra maneira (art.
183).
De destacar a mantença da redução, contemplando-se,
no art. 184, que, respeitada a intenção das partes14, a invalidade
parcial dum negócio não o prejudicará na parte válida, se esta
for destacável. Na mesma linha, a invalidade da obrigação
principal implica a da acessória, não sendo verdadeiro o
contrário.
A presença da conservação do negócio jurídico ainda
pode ser apontada na disciplina dos vícios redibitórios,

14 O elemento subjetivo era estranho à disciplina do art. 153 do Código Civil de 1916.

Verba Juris ano 6, n. 6, jan./dez. 2007


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porquanto o adquirente, ao invés de rejeitar a coisa, poderá


reclamar abatimento do preço (art. 442).
Em se verificando onerosidade excessiva, por força de
acontecimentos extraordinários e imprevisíveis, o art. 478 indica
como solução a resolução do vínculo. A manutenção deste, nos
termos literais do art. 479, está condicionada à conduta do réu,
oferecendo-se a modificar eqüitativamente o contrato.
Malgrado isso, a atividade interpretativa, em se
louvando na necessidade de conservar-se o quanto possível seja
o negócio, culminou por entender que o art. 478 abriga, em seus
contornos, a revisão contratual.
Essa foi, na III Jornada de Direito Civil, a conclusão
constante do Enunciado 176: “Em atenção ao princípio da
conservação dos negócios jurídicos, o art. 478 do Código Civil
de 2002 deverá conduzir, sempre que possível, à revisão judicial
dos contratos e não à resolução contratual”.
Um outro exemplo também recaiu na regulação do
mútuo feito a menor, sem a anuência daquele que exerça sua
guarda, que não poderá ser reavido nem do mutuário, nem dos
seus fiadores.
O Código Civil vigente, em demonstrando atenção à
dinâmica e à realidade da vida negocial, ampliou
consideravelmente as exceções. Assim, o contrato produzirá
efeitos quando: a) houver ratificação posterior por parte do
titular da guarda do mutuário; b) estando ausente o
responsável pela guarda do menor, este se viu compelido a
contrair o empréstimo para os seus alimentos habituais; c) o
mutuário auferir ganhos com o seu trabalho; d) o empréstimo
reverteu em proveito do menor; e) a obtenção do empréstimo se
deu maliciosamente.
Por outro lado, a introdução, no texto do Código Civil,
de princípios e cláusulas gerais, dentre os quais assomam como
mais relevantes a boa-fé objetiva e a função social do contrato,
reforçaram a idéia conducente à conservação dos negócios

Verba Juris ano 6, n. 6, jan./dez. 2007


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jurídicos15. Uma de suas conseqüências é o adimplemento


substancial16.
Muito embora ausente pretensão exaustiva, o exposto
possuiu a serventia de demonstrar, estreme de dúvidas, o forte
cuidado que informou o novo Código Civil em caminhar pela
senda de preservar os efeitos dos negócios jurídicos.
No passo seguinte, como não poderia deixar de ser,
analisaremos, com maior detença, a figura da conversão,
dissecando-se o seu conteúdo, os traços indispensáveis à sua
configuração e as semelhantes e disparidades com institutos
afins.

3 – Conversão: idéia e requisitos

A noção do que se compreende por conversão é de ser


facilmente formulada. Num átimo, pode-se, sem omitir
deferência à precisão, definir aquela como expressando que um
negócio jurídico é nulo da forma como deveria valer, enquanto
se mostra válido e eficaz na qualidade dum negócio jurídico
distinto.
Assemelha-se à nulidade parcial ou redução, uma vez
que, a exemplo desta, na conversão se tem que um negócio
jurídico, como resultado de determinada manifestação de

15 Fábio Antônio Correia Filgueira (O princípio da função social do contrato e o seu controle
jurisdicional. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 2007, p. 127) aponta que a
aplicação, pelo juiz, da função social do contrato é capaz de permitir a conjugação dos
elementos segurança e justiça, garantindo às relações jurídicas estabilidade, o que é
objeto do Estado social democrático. No particular, assoma interessante o Enunciado 21:
“A função social do contrato, prevista no art. 421 do novo Código Civil, constitui
cláusula geral a impor a revisão do princípio da relatividade dos efeitos do contrato em
relação a terceiros, implicando a tutela externa do crédito.” (Enunciado ao novo Código
Civil aprovado na I Jornada de Direito Civil, realizada no período de 11 a 13 de
setembro de 2002, sob a coordenação científica do Min. Ruy Rosado de Aguiar, do STJ).
Idem o Enunciado 361: “O adimplemento substancial decorre dos princípios gerais
contratuais, de modo a fazer preponderar a função social do contrato e o princípio da
boa-fé objetiva, balizando a aplicação do art. 475.”(Enunciado ao Código Civil aprovado
na IV Jornada de Direito Civil, a qual teve lugar no intervalo de 26 a 27 de outubro de
2006, sob a coordenação científica do Min. Ruy Rosado de Aguiar, do STJ).
16 Sobre o adimplemento substancial, como impeditivo da resolução do contrato, ver

Clóvis do Couto e Silva (O direito privado brasileiro na visão de Clóvis do Couto e Silva.
Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1997, p. 55. Fradera, Vera Jacob (Org.).

Verba Juris ano 6, n. 6, jan./dez. 2007


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vontade, apresenta-se com valor diverso do negócio


originariamente colimado.
Em ambos os casos, a vontade, cujos efeitos prevalecem,
não corresponde inteiramente àquela manifestada inicialmente
pelas partes.
A diferença entre tais figuras, como propõe Flume, está
em que na redução se vê uma nulidade parcial quantitativa. Por
sua vez, a conversão é exemplo duma nulidade em parte
qualitativa. Foram as palavras do autor:

A conversão é, portanto, um caso particular da


nulidade parcial. Pode-se dizer cum grano salis
que o § 139 regula a nulidade parcial
quantitativa, enquanto no caso da conversão,
segundo o § 140, trata-se duma nulidade parcial
qualitativa. A delimitação do § 139 e do § 140 não
apresenta nenhum problema essencial, porque a
regulação é basicamente a mesma17.

Já Giovani Criscuoli18, discorrendo sobre esse ponto,


chega a sustentar que, sem embargo das duas figuras terem
como característica comum a de constituírem manifestações
particulares do princípio geral da conservação, algumas
distinções podem ser apontadas, a saber: a) enquanto a
conversão apresenta a utilidade quanto à manutenção integral
do fim prático pretendido pelas partes, a nulidade parcial tem
como vantagem a obtenção duma fração daquele objetivo
prático; b) a nulidade parcial ostenta caráter de sanção, ao
contrário da conversão que se mostra como um atributo
concedido à autonomia privada, sendo compatível com a boa-fé
que cada um dos contraentes permaneça vinculado aos efeitos
que se propunham realizar com outro negócio quando, ab initio,

17 “La conversión es, por tanto, un caso particular de la nulidad parcial. Se puede decir
cum grano salis que el §139 regula la nulidad parcial cuantitativa, mientras que en el
caso de la conversión según el §140 se trata de una nulidad parcial cualitativa. La
delimitación del §139 y del §140 no presenta ningún problema especial porque la
regulación es básicamente la misma” (El negocio jurídico. v. 2. 4 ed. Madri: Fundación
Cultural del Notariado, 1992, p. 691).
18 La nullità parziale del negozio giuridico – teoria generale. Milano: A. Giuffrè, 1959. p. 281-

285.

Verba Juris ano 6, n. 6, jan./dez. 2007


426

surgisse a ineficácia jurídica deste; c) diversamente da nulidade


parcial, a conversão não dispensa os componentes objetivo e
psicológico, consistentes, respectivamente, em conter o negócio
nulo os requisitos de substância e de forma de outro e a
vontade das partes em aceitar contrato ou ato diferente; d) ao
passo que a conversão realiza uma retificação da qualificação
jurídica do negócio, transformando o seu tipo, a nulidade
implica diminuição quantitativa do conteúdo negocial, sem
acarretar transformação de sua espécie.
Não confundir, porém, conversão com a mera
denominação incorreta do negócio pelas partes. Aquela se
dirige ao conteúdo da regulação celebrada pelas partes. Não
abrange, de forma alguma, a designação incorreta da
manifestação de vontade. Por exemplo, o denominar-se compra
e venda ao que, na realidade, configura doação, não pode ser
tido como conversão, mas, ao invés, como algo irrelevante.
O instituto em análise guarda origem remota. A
despeito de não haver sido objeto duma maior sistematização
pelo direito romano, deste não foi totalmente desconhecido. É
que, mesmo não se encontrando formulado através duma regra
geral, como consta atualmente da maioria dos códigos, foi
visualizado através de casos isolados.
Do direito das sucessões podemos retirar dois exemplos.
O primeiro deles estava na cláusula codiciliar que, aposta em
testamento, permitia, uma vez ineficaz este, o seu
reconhecimento na qualidade de fideicomisso. Daí haver
anotado Max Kaser que “as instituições de herdeiro podem
converter-se em fideicomisso de herança, legados, em
fideicomissos singulares, manumissões ‘directas’, em
fideicomissárias”19.
Noutro passo, o Senatusconsultum Neronianum, editado
entre 54 e 84 d. C., provocou uma aproximação dos vários tipos
de legado por conversão. Assim, caso um legado seja ineficaz

Direito privado romano. Lisboa: Calouste Gulbenkian, 1999. p. 390. Tradução de Samuel
19

Rodrigues e Ferdinand Hämmerle.

Verba Juris ano 6, n. 6, jan./dez. 2007


427

na modalidade escolhida pelo testador, poderá subsistir como


legado de outro tipo, se o seu conteúdo assim possibilitar.
Vale, pois, mais uma vez, recordar o que afirmou Max
Kaser:
O legado permanece ineficaz segundo o ius civile,
mas pode fazer-se valer com acções petitórias.
Provavelmente, o ponto de partida foi o legado
per vindicationem de coisa não pertencente ao
testador; devia ser eficaz atque si (como se) optimo
iure relictum esset, i. e., ser tratado como legado
damnatório, porque este é o único tipo que
permite legar uma coisa alheia; G. 2, 197s.; EU 24,
11a20.

A conversão, mesmo limitada ao direito sucessório,


serve para indicar como os romanos não restringiam a
utilização do direito para o deleite com teorizações infrutíferas.
Ao contrário, serviam-se dos institutos jurídicos para o
atendimento das necessidades práticas impostas pela realidade.
No final do século XVIII e princípio do seguinte, a
conversão veio aos poucos penetrando no seio doutrinário,
muito embora ainda não figurasse no Landrecht prussiano e no
diploma austríaco de então.
Somente a contar da segunda metade do século XIX é
que se foi avançando de modo forte na doutrina, vindo a
aportar no Código Civil alemão de 1896. Já constava do
primeiro projeto deste, mais precisamente no §111, com a
redação abaixo:
Se o negócio jurídico pretendido, mas nulo como
tal, cumpre todas as exigências de outro negócio
jurídico, tem de manter-se como este último se
isto está em conformidade à vontade que se
deduz da celebração do negócio jurídico nulo21.

20Loc. cit., p. 416.


21“Si el negocio jurídico pretendido, pero nulo como tal, cumple todas las exigencias de
otro negocio jurídico, ha de mantenerse como este último si esto es conforme a la
voluntad que se deduce de la celebración del negocio jurídico nulo”. O texto é extraído
de referência feita por Flume (ob. cit., p. 692).

Verba Juris ano 6, n. 6, jan./dez. 2007


428

Alfim, acolhida foi pela redação final do BGB (§140),


vindo, posteriormente, também nos Códigos italiano de 1942
(art. 1.424), grego de 1940 (art. 182), português de 1967 (art.
293º), holandês de 1991 (Livro III, art. 42) e, mais recentemente,
foi consagrada pelo atual Código Civil brasileiro (art. 170).
Não confundir a conversão dita substancial22, de que
aqui se trata, a qual representa modalidade genérica de
aproveitamento de negócio inválido, com a conversão formal23.
Esta não pressupõe uma invalidade, mas, ao invés, dá-se
quando um determinado negócio pode ser realizado de várias
formas e, em sendo inválido numa delas, manifestar-se
validamente noutra. Decorre da conformidade típica do
negócio, sendo irrelevante a valoração do caso concreto.
Analisando-se as singularidades que envolvem ambas
as figuras, pode-se, com facilidade, referir-se que a conversão
substancial advém de obra do intérprete do sistema jurídico,
juiz ou não. Por sua vez, a conversão formal resulta de criação
do legislador.
Para que se aperfeiçoe, a conversão exige a presença de
dois requisitos. Um deles, de natureza objetiva, está em possuir
o negócio inválido os requisitos de forma e de substância de
outro, o qual irá substituí-lo.
Ao depois, vem à baila a chamada vontade hipotética
das partes. Ou seja, é preciso verificar se as partes, em tendo

22 José de Oliveira Ascensão, com vistas a denominar o instituto sob enfoque, emprega a
expressão conversão potestativa (Direito civil – teoria geral. 2 ed. Coimbra: Coimbra
Editora, 2003. v.II, p. 427).
23 Muito embora não tenha cogitado da conversão substancial, o Código Civil espanhol

contemplou, em inúmeras passagens, hipóteses de conversão formal. Ei-las: a) a


nulidade do testamento cerrado, por não haver observado as formalidades legais, não
impede sua validade como testamento ológrafo, caso esteja escrito integralmente e
firmado pelo testador, satisfazendo ainda as demais condições próprias desta
modalidade de testamento (art. 715); b) valerá como documento particular, se estiver
firmada pelos outorgantes, a escritura defeituosa por incompetência do notário ou em
face de outro vício de forma (art. 1.223); c) considerar-se-á como comunidade de bens a
sociedade desprovida de personalidade jurídica por os pactos entre seus sócios se
manterem secretos (art. 1.669); d) a desconsideração como tal do comodato quando ao
comodatário seja imposta a obrigação de pagar pelo uso da coisa (art. 1.741); e)
transforma-se em comodato o depósito quando o depositário possui a permissão para
se utilizar da coisa depositada (art. 1.768).

Verba Juris ano 6, n. 6, jan./dez. 2007


429

previsto a invalidade, teriam querido realizar o negócio que


subsistirá válido24.
Tal requisito deverá ser desvendado em conformidade
com a boa-fé e as exigências de justiça, como bem acentuam
Betti25 e Menezes Cordeiro26. Portanto, é de grande valia a
pesquisa das circunstâncias do caso concreto, expondo Larenz27
a necessidade de se averiguar os fins econômicos e as
valorações de interesses conhecidas das partes, de modo a se
propor se o negócio distinto representa um meio adequado
para a realização de tais objetivos.
24 Em escrito que se pode indicar como precursor em nossa literatura jurídica, Antônio
Junqueira de Azevedo (A conversão dos negócios jurídicos: seu interesse teórico e
prático. Revista dos Tribunais, São Paulo, a. 63, v. 468, p. 20, out.,1974) lança acerba crítica
à denominada vontade hipotética. Diz, em suma, que: a) somente um preconceito
teórico poderia imaginar a necessidade duma vontade presumida; b) essa tal vontade
presumida não é vontade, posto vontade de alguém, presumida por outrem, não é
vontade de alguém, sendo o recurso ao requisito, no mínimo, inútil; c) o intérprete, para
aplicar o preceito na forma como proposta pelo Anteprojeto de Código Civil, terá de
partir de hipótese que raia ao absurdo, porquanto, caso as partes tivessem previsto a
nulidade, a lógica impunha que elas procurassem evitar o vício antes de realizar
negócio distinto. Indispensável a transcrição de trecho conclusivo do pensamento do
autor: “Acreditamos que o supracitado artigo do Anteprojeto (e, diga-se entre
parêntesis, o Anteprojeto, em outros pontos, seguiu, antes, a teoria da declaração,
‘Erklarungstheorie’ , que a da vontade, ‘Willenstheorie’), poderia ser assim redigido: ‘Se
um negócio jurídico inválido ou ineficaz contiver todos os requisitos de outro, subsistirá
este, quando o fim, que dele resulta, permitir supor não ser ele contrário à vontade das
partes, tal e qual foi declarada’. Como se percebe, não há, aí, necessidade de imaginar
qual teria sido a vontade das partes, se houvessem previsto a nulidade ou a ineficácia;
basta que o fim, que resulta do novo negócio, não seja contrário ao que as partes
declaram querer. A questão, assim, parece-nos que encontra solução que não despreza a
vontade das partes, mas há de tratar da vontade declarada, e não de uma vontade
qualquer, interna ou hipotética. Essa solução combina, com maior equilíbrio, e salvo
melhor juízo, objetivismo e subjetivismo.” (Loc. cit., p. 21).
25 Loc. cit., p. 435.
26 Loc. cit., p. 669. Na obra do autor português se percebe uma leve contradição.

Abordando o tema da vontade hipotética, às fls. 566, procede a subdivisão entre a


vontade hipotética individual ou subjetiva (indagação, perante os dados concretos
existentes, de qual teria sido, em termos de probabilidade razoável, a vontade das
partes caso prevista a nulidade) e a vontade hipotética objetiva (observação da
realidade e, com isso, obtém-se a reconstrução da vontade justa das partes se,
razoavelmente, tivessem previsto a invalidade) e, logo após, à fls. 567, afirma que o
legislador, no particular da conversão, prevista no art. 293º do Código Civil, optara por
uma vontade hipotética subjetiva. Um pouco à frente, ao tratar especificamente do
instituto da conversão, às fls. 669, afirma que a vontade hipotética é de pressupor uma
valoração objetiva.
27 Loc. cit., p. 642.

Verba Juris ano 6, n. 6, jan./dez. 2007


430

Caberá, portanto, àquele incumbido da aplicação do


direito, ou seja, ao juiz, verificar, diante dos casos concretos, a
presença do componente subjetivo28. Para tanto, faz-se
necessário que o direito à conversão seja invocado por qualquer
das partes do negócio29, através de ação ou quando de
formulação de defesa, havendo quem sustente ser possível
invocá-la em reconvenção.
Alguns exemplos podem ser citados, tais como, dentre
outros: o comodato que se converte em locação; constituição de
hipoteca que, inválida por depender de autorização do cônjuge
mulher, vale como confissão de dívida; a venda de imóvel que,
celebrada sem escritura pública, poderá ser aproveitada como
promessa de compra e venda, o aproveitamento de venda
simulada como doação; ou, ainda, o reconhecimento de nota
promissória nula como confissão de dívida.
Instituto de caráter abrangente, por decorrer do
princípio da conservação dos atos e negócios jurídicos, a
conversão não se limita ao campo dos negócios jurídicos
privados. Há quem afirme que vai mais além, legando utilidade
também a comportamentos celebrados nos confins do direito
público30.

28 Nos autos da Revista 76.417, o Supremo Tribunal de Justiça de Portugal afastou a


vontade hipotética, declarando: “V – Não existe vontade hipotética ou conjectural das
partes quando estas visaram comprar e vender um certo estabelecimento localizado em
determinado local e com determinada área e se pretende substituir este por uma quota
ideal, expressa em avos, da fracção autônoma onde se integraria o estabelecimento, sem
localização possível nessa fracção” (ac. un., rel. Cons. Cura Mariano, julg. em 08-11-88.
Disponível em: www.dgsi.pt/stj. Acesso em: 16-07-2007).
29 Certa feita, na Revista 77.973 (ac. un., rel. Cons. Cura Mariano, julg. em 09-10-90.

Disponível em: www.dgsi.pt/stj. Acesso em: 16-07-2007) , o Supremo Tribunal de


Justiça deliberou que a conversão teria de ser objeto de pedido expressamente
formulado. José de Oliveira Ascensão (Direito civil – teoria geral – acções e factos jurídicos.
2ª ed.: Coimbra: Coimbra Editora, 2003. Vol. II, p. 428-429) entende, no que concerne ao
demandado, ser adequada a reconvenção. Penso que não. A economia e a celeridade
processuais impõem ao juiz um papel criativo, de modo a oferta à resposta um caráter
dúplice, possibilitando-se, assim, a análise do direito à conversão.
30 Consoante Héctor Escola, o princípio da legalidade, aplicado em harmonia com a

necessidade da continuidade da atuação administrativa, e tendo em vista a obtenção do


interesse público, justificam a conversão dos atos administrativos, mediante a qual “um
ato irregular e, como tal, inválido, pode valer como outro ato distinto, se assim o
declara a administração pública e se têm reunidos os elementos essenciais próprios do

Verba Juris ano 6, n. 6, jan./dez. 2007


431

4 – A conversão e o negócio jurídico anulável.

O problema, aqui apresentado para fins de discussão,


principia por uma dualidade de orientações, aparentemente
contraditórias, adotadas pelo Código Civil de Portugal (1966) e
o texto vigente nestas plagas.
Isso porque o diploma lusitano, em disciplinando o
instituto da conversão do negócio jurídico, está assim redigido:

novo ato” (“un acto irregular, y como tal inválido, puede valer como otro acto distinto,
si así lo declara la administración pública y se hallan reunidos los elementos esenciales
propios del nuevo acto”. El interés público como fundamento del derecho administrativo.
Buenos Aires: Depalma, 1989, p. 156). Justamente por desembocar na irrupção dum
novo ato regular, distinto do anterior inválido, adiante que sua eficácia é para o futuro
(ex nunc). A Ley 19.549, conhecida como a Lei Nacional de Procedimentos
Administrativos, contempla-a no seu art. 20, ao prescrever: “Se os elementos válidos de
um ato administrativo nulo permitam integrar outro que for válido, poderá efetuar-se
sua conversão neste, consentindo-o o administrado. A conversão terá efeitos a partir do
momento em que se aperfeiçoe o novo ato”. (“Si los elementos válidos de un acto
administrativo nulo permitiesen integrar otro que fuere válido, podrá efectuarse su
conversión en éste consintiéndolo el administrado. La conversión tendrá efectos a partir
del momento en que se perfeccione el nuevo acto”). Disponível em
http://www.trabajo.gov.ar/legislacion/ley/files/ley19549.doc. Acessado em
17.07.2007. O dispositivo foi alvo de bom comentário por Julio Rodolfo Comadir
(Procedimientos administrativos – Ley Nacional de Procedimientos Administrativos, anotada y
comentada. Buenos Aires: La Ley, 2003. Tomo I, p. 399-400). Nestas plagas, Oswaldo
Aranha Bandeira de Mello aludia ao instituto, ensinando: “Às vezes, o vício do ato está
na colocação em certa categoria jurídica, ao passo que em outra é legítimo. Então, a
invalidade existirá quanto àqueles tipos de ato, mas se aproveita tendo em vista o outro.
Faz-se a transformação do ato, e esse fenômeno jurídico se denomina conversão. Ela se
verifica mediante emanação de novo ato dando interpretação ao anterior e
transformando-o em legítimo” (Princípios gerais de direito administrativo. 2 ed. Forense:
Rio de Janeiro, 1979. v. I, p. 659). Às fls. 659-660, cita exemplos, dentre os quais: a)
nomeação para cargo efetivo, sem a prévia aprovação em concurso, e, por isso, nula,
aproveitada como provimento em comissão; b) recurso administrativo interposto fora
do prazo legal, ou sem obediência a formalidade essencial, o qual pode ser recebido
pela Administração como denúncia, relativa a órgão inferior; c) recurso interposto por
particular, não titular do direito subjetivo em discussão, que, mesmo não recebido, pode
ensejar à Administração, no exercício de sua competência de controle, instaurar
procedimento para a invalidação do ato administrativo recorrido. Preciso dizer que a
admissibilidade da conversão, no direito administrativo, dependerá da rigidez com que
determinados institutos são tratados pelo respectivo ordenamento. No que concerne à
primeira das situações aventadas, o que foi suposto com base na Constituição de 1969,
tenho ser, diante do cariz cogente que permeia o art. 37, I e II, da CF de 1988, dificílimo
sua aceitação.

Verba Juris ano 6, n. 6, jan./dez. 2007


432

Art. 293º - O negócio nulo ou anulado pode


converter-se num negócio de tipo ou conteúdo
diferente, do qual contenha os requisitos
essenciais de substância e de forma, quando o fim
prosseguido pelas partes permita supor que elas
o teriam querido, se tivessem previsto a
invalidade.31

Em virtude de remissão legal explícita para o negócio


tisnado de vício que importe anulabilidade, outra não poderia
ser a orientação da doutrina lusitana em estender o instituto
além dos negócios nulos32.
Já o direito brasileiro, em disposição que mais se
aproxima do BGB (§140)33, bem assim dos Códigos Civis
italiano (art. 1.424)34 e helênico (art. 182)35, circunscreveu a

31Disponível em <http://www.stj.pt/nsrepo/geral/cptlp/Portugal/CodigoCivil.pdf>.
Acessado em 17.07.2007.
32 Assim expõe António Menezes Cordeiro: “Pela conversão um negócio jurídico nulo

ou anulado pode aproveitar-se, como negócio diverso, desde que reunidos


determinados requisitos legais” (Tratado de direito civil português – parte geral. 2ª ed.
Coimbra: Almedina. Tomo I, p. 667). Idem José de Oliveira Ascensão: “Já a
anulabilidade suscita dificuldades. O acto produz efeitos enquanto não anulado, pelo
que se poderá entranhar a redução ou conversão dum acto que está a produzir os
efeitos para que foi querido. Porém, a lei compreende-a expressamente. E parece que
até a contra parte de quem tem o direito de pedir a anulação pode recorrer à redução ou
conversão, mesmo antes da anulação” (loc. cit., p. 410). Referências, sem distinção, a
negócios nulos e anulados constam da pena de Carlos Alberto da Mota Pinto (Teoria
geral do direito civil. 3 ed. Coimbra: Coimbra Editora, 1996, p. 630 e 634) e de Heinrich
Ewald Höster (A parte geral do Código Civil português – teoria geral do direito civil.
Coimbra: Almedina, 1992, p. 599 e 600).
33 “§140. Se um negócio jurídico nulo satisfaz os requisitos de outro negócio jurídico, o

último é considerado válido se for possível supor que sua validade seria pretendida se
houvesse conhecimento da nulidade. (“§140. If a void legal transaction satisfies the
requirements of another legal transaction, the latter is deemed valid if it may be
assumed that its validity would have been intended if there had been knowledge of the
nullity”. Disponível em http://www.hull.ac.uk/php/lastcb/bgbengl.htm. Acesso em
14-008-2006).
34 “Art. 1.424. O contrato nulo poderá produzir os efeitos de um contrato diverso, do

qual contenha os requisitos de substância e de forma, quando, tendo-se resguardado o


fim perseguido pelas partes, deva considerar-se que estas o teriam querido se tivessem
conhecido a nulidade” (“art. 1.424. Il contratto nullo può produrre gli effeti di un
contratto diverso, del quale contenga i requisiti di sostanza e di forma, qualora, avuto
riguardo allo scopo perseguito dalle parti, debba ritenersi Che esse lo avrebbero voluto
se avessero conosciuto la nullitá”. Disponível em: www.studiocelentano.it/codici/cc.
Acesso em 12-03-2002).

Verba Juris ano 6, n. 6, jan./dez. 2007


433

conversão aos negócios nulos, expressando, no art. 170 do


Código Civil, que: “Se, porém, o negócio jurídico nulo contiver
os requisitos de outro, subsistirá este quando o fim a que
visavam as partes permitir supor que o teriam querido se
houvessem previsto a nulidade”.
De conseguinte, indaga-se se a expressão “negócio
jurídico nulo”, empregado pelo preceito acima transcrito, foi
utilizada num sentido restrito, relativo à modalidade mais
gravosa de invalidade, ou se, podendo ser compreendida com
amplitude, poderia abarcar, por igual, os negócios jurídicos
anuláveis36.
Ponderável parcela dos autores pátrios, quando da
abordagem do tema, limitam-se a correlacionar a conversão aos
negócios nulos, como é o caso, dentre outros, de Arnaldo
Rizzardo37, Maria Helena Diniz38, Caio Mário da Silva Pereira39,
Carlos Alberto Gonçalves40, Paulo Nader41, Fábio Ulhoa
Coelho42 e Cristiano Chaves de Farias43 .

35 “Quando o ato jurídico nulo contenha os elementos de outro ato jurídico, este último
é válido, quando pareça que as partes o tivessem querido se ellas o terão querido se elas
tivessem conhecido a nulidade” (“art. 182. Lorsque l’acte juridique nul contient les
elements d’un autre acte juridique, c’est ce dernier qui est valuable, lorqu’il apparaît
que les parties en auraient voulu si elles avaient connu la nullité”. Code Civil Hellénique.
Atenas: Institut Hellénique de Droit International et Étranger, 1956, p. 28).
36 Abstivemo-nos de empregar aqui a dicotomia nulidade absoluta e nulidade relativa,

que consta em muitos autores, por encerrar uma impropriedade técnica. Louvado no
§135 do BGB, Silvio Neves Baptista (Ensaios de direito civil. São Paulo: Método, 2006, p.
68-69) mostra que a nulidade relativa, embora se situe mais próxima da anulabilidade,
com esta não se confunde. A nulidade relativa se notabiliza por somente poder ser
alegada pelo prejudicado direto, como é o caso da doação quanto à parte que exceder
aquela que o doador poderia dispor em testamento (art. 549, CCB). Há, assim, hipóteses
de nulidade relativa que não se confundem com a anulabilidade, mas sim com a
nulidade, atuando como exemplo o art. 1.749, I a III, do CCB, ao enunciar proibições do
tutor quanto ao patrimônio do pupilo.
37 Parte geral do Código Civil. 2ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2003, p. 521.
38 Curso de direito civil brasileiro, v.1: Teoria Geral do Direito Civil. 22ª ed. São Paulo:

Saraiva, 2005, p. 514-517.


39 Instituições de direito civil. 19ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2001, p. 409. O autor ainda se

referia ao Projeto do qual resultou o Código Civil vigente.


40 Direito civil brasileiro: parte geral. v.1. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 435-436.
41 Curso de direito Civil, parte geral. Rio de Janeiro: Forense, 2003, p. 535-536.
42 Curso de direito civil. São Paulo: Saraiva, 2003. Vol. 1, p. 350.
43 Direito civil – teoria geral. 2ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Júris, 2005, p. 466.

Verba Juris ano 6, n. 6, jan./dez. 2007


434

Já Pontes de Miranda, escrevendo à época do Código


Civil de 1916, o qual sobre o assunto se manteve omisso,
raciocinou, em mais de uma passagem, que a conversão é apta
tanto para a hipótese de nulidade quanto para a de
anulabilidade. Assim se pronunciou com naturalidade, sem ao
menos atentar para possível distinção de tratamento:

A conversão é o aproveitamento do suporte


fático, que não bastou a um negócio jurídico,
razão da sua nulidade, ou anulabilidade, para
outro negócio jurídico, ao qual é suficiente. Para
isso, é preciso que concorram o pressuposto
objetivo dessa suficiência e o pressuposto
subjetivo de corresponder à vontade dos
figurantes a conversão, se houvessem conhecido a
nulidade, ou a anulabilidade”44.

De modo idêntico, reafirmou o mestre das Alagoas:

A conversão só se dá, se um dos negócios


jurídicos, exatamente o em que se pensou, seria
nulo, ou anulável. Não há cogitar-se de conversão
em caso de ineficácia parcial ou total: não se
converte, se o negócio jurídico, em que se pensou,
é só ineficaz, ou não tem, ou ainda não tem
algum ou alguns efeitos45.

A pretexto de examinar o Anteprojeto de Código Civil


de 1972, do qual resultou o diploma de 2002, Antônio Junqueira
de Azevedo já vislumbrava que a conversão não poderia ficar
circunscrita à nulidade. Assim, asseverou, à nota de rodapé 20
ao trabalho já referenciado46, que seria precipitado afirmar que
todos os casos de aplicação do instituto seriam de nulidade.
Não olvidou que hipóteses de anulabilidade e de ineficácia em
sentido estrito poderiam justificá-lo. Por isso, propôs que se
constasse, na redação do então art. 172 do Anteprojeto de

44 Tratado de direito privado – parte geral. Tomo IV. 3 ed. Rio de Janeiro: Editor Borsoi,
1970, p. 63.
45 Loc. cit., p. 66.
46 Loc. cit., p. 22.

Verba Juris ano 6, n. 6, jan./dez. 2007


435

Código Civil, a passagem “se o negócio jurídico inválido ou


ineficaz” no lugar daquela “se o negócio jurídico nulo”.
Meditação equivalente mereceu, com o Código Civil em
vigor, a atenção de Francisco Amaral: “O negócio a converter
deve ser nulo ou anulável. Se nenhum ato se produziu, não há
que pensar-se em conversão. Nega, assim, a doutrina
dominante, que o instituto da conversão possa aplicar-se ao
negócio inexistente”47.
Também assim pensa Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo
Pamplona Filho, ao aceitarem a invocação do instituto para os
negócios anuláveis, muito embora reconheçam que o seu
campo de maior aplicação é o dos negócios nulos48. Na mesma
senda, pervagam Zeno Veloso49 e João Alberto Schüter Del
Nero50.
De outro pórtico, viceja posição intermédia, esgrimida
por Marcos Bernardes de Mello que, de logo registrando a
ausência de unanimidade doutrinária sobre a questão, não
afasta a seriedade do argumento em contrário, consistente no
fato de que, para os negócios anuláveis, o saneamento da
invalidade dar-se-ia pela confirmação. Sem embargo desta
constatação, não olvida que:

No entanto, há hipóteses em que não é possível a


ratificação por parte do próprio figurante do
negócio (casos de incapacidade relativa). Em tais
situações, se pela conversão se pode fazer
desaparecer a anulabilidade com o negócio em
que se converte, parece-nos admissível a
conversão do negócio anulável51.

47 Direito civil – introdução. 6 ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2006, p. 534.


48 Novo Curso de Direito Civil: Parte Geral. 5 ed. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 412-416.
49 Invalidade do negócio jurídico – nulidade e anulabilidade. Belo Horizonte: Del Rey, 2002, p.

98.
50 Conversão substancial do negócio jurídico. Rio de Janeiro: Renovar, 2001, p. 371-372. É de

frisar que o autor assim conclui após formidável levantamento de posições doutrinárias,
realizado às fls. 355-370.
51 Teoria do fato jurídico – plano da validade. 6 ed. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 255-256.

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Idêntica opinião é a de Sílvio de Salvo Venosa52 e Wania


do Carmo de Carvalho Triginelli53.
Parece-nos aceitável o entendimento conciliador.
Primeiramente, não se pode excluir que a conversão, a
exemplo da redução e da confirmação, é decorrência do
princípio da conservação do negócio jurídico, consoante o qual
o aplicador do direito há de procurar solução que, com um
máximo esforço, tende a salvar a vontade negocial.
O princípio da conservação – cuja amplitude e
relevância são ressaltadas pela doutrina, conforme antes
enfatizado – preconiza que a preservação do negócio jurídico,
como manifestação da autonomia da vontade, há de observar se
este atende ao mínimo suficiente reclamado por uma
determinada categoria jurídica.
Recente prova dessa tendência está revelada pelo
Projeto de Código Civil de 1998 para a República Argentina, em
cujo art. 38154, tratando da conversão, não contemplada no
diploma atual, é proposta sua incidência não somente a ato
nulo, ou tisnado de nulidade absoluta, mas a ato inválido,
indicando preferência pelo gênero, ao invés da espécie.
Por sua vez, a orientação aqui defendida seria
insustentável nos casos do art. 171, II, do Código Civil. É que,
em havendo erro, dolo, coação, estado de perigo ou fraude,
seria praticamente impossível verificar-se a presença do
requisito da vontade hipotética das partes.
Quanto à lesão, demais da forte dificuldade de
reconhecer-se que as partes visavam a concluir outro negócio, o

52 Direito Civil: Parte Geral. 6 ed. São Paulo: Atlas, 2006. p. 514.
53 Conversão do negócio jurídico – doutrina e jurisprudência. Belo Horizonte: Del Rey, 2003,
p. 106, 110 e 112.
54 O conteúdo da proposição é o que segue: “O ato inválido pode converter-se em outro

ato válido diferente, cujos requisitos essenciais satisfaçam, se o fim perseguido pelas
partes permite supor que elas o teriam querido se houvessem previsto a invalidez” (“El
acto inválido puede convertirse en otro diferente válido cuyos requisitos esenciales
satisfaga, si el fin perseguido por las partes permite suponer que ellas lo habrían
querido si hubiesen previsto la invalidez”. Disponível em:
http://www.biblioteca.jus.gov.ar/codigos-argentina.html. Acesso em: 14-8-2006).

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Código Civil expressa o apego ao postulado da conservação


através do oferecimento do suplemento suficiente (art. 157, §2º).
A conversão do negócio jurídico anulável se restringiria,
assim, às hipóteses nas quais foi celebrado por agente
relativamente incapaz (art. 171, I), para as quais o Código Civil
vigente (arts. 180 e 181), a exemplo daquele de 1916 (arts. 155 e
157), já esboçava propensão mitigadora da sua invalidação.
Além do mais, eventual óbice à conversão em face da
incapacidade do agente55, mesmo relativa, poderia ser afastada
com o acréscimo de mais um requisito à conversão do negócio,
qual seja a ausência de prejuízo ao incapaz.
Não se pode olvidar que, em sendo o regime das
incapacidades instituído com vistas à tutela do incapaz, é de
rematar-se que inexistirá impedimento à conversão quando
àquele não sobrevir prejuízo.
Em suma, o negócio jurídico anulável, em virtude de
incapacidade relativa do sujeito, caso se torne impossibilitada a
sua confirmação, poderia, em tese, ver reconhecida, pelo
aplicador do Direito, sua conversão noutro. Necessário,
contudo, a ausência de prejuízo ao incapaz.

55 Comentando o instituto da conversão em obra clássica, Flume apresenta resistência


na hipótese de incapacidade do sujeito: “O negócio jurídico realizado por um incapaz
não é suscetível de conversão porque o incapaz, de maneira nenhuma, pode estabelecer
uma regulamentação negocial” (“El negocio jurídico de un incapaz de obrar no es
suscetible de conversión porque o incapaz de ninguna manera puede estabelecer una
regulamentación negocial”. (FLUME, Werner. El negocio jurídico. v. 2. 4 ed. Madri:
Fundación Cultural del Notariado, 1992, p. 694). Diferentemente, A. von Thur (Derecho
civil – los hechos jurídicos. v. II. Madri: Marcial Pons Ediciones, p. 261), em rol
exemplificativo, indica hipótese de conversão versando incapacidade do agente.

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Conversion and voidable juridical business


ABSTRACT. The article approaches the possibility of
applying the institute of conversion to voidable juridical
business, in particular the voidableness due to the subject’s
relative incapacity. Therefore, it makes explicit the principle
of conservation of the juridical business in the international
codification and demonstrates its receptivity in the Brazilian
Civil Code of 2003 to the utilization of the juridical business. It
evaluates conversion and demonstrates its difference from the
partial nullity or reduction. Finally, it promotes a debate
about the application of the institute of void and voidable
juridical business.
Keywords: Juridical business. Principle of conservation.
Relative incapacity.

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