Jogando Por Controle - Peyton Corinne
Jogando Por Controle - Peyton Corinne
Em 1976, fundou a Editora Salamandra com o propósito de formar uma nova geração de
leitores e acabou criando um dos catálogos infantis mais premiados do Brasil. Em 1992,
fugindo de sua linha editorial, lançou Muitas vidas, muitos mestres, de Brian Weiss, livro
que deu origem à Editora Sextante.
Fã de histórias de suspense, Geraldo descobriu O Código Da Vinci antes mesmo de ele ser
lançado nos Estados Unidos. A aposta em ficção, que não era o foco da Sextante, foi
certeira: o título se transformou em um dos maiores fenômenos editoriais de todos os
tempos.
Mas não foi só aos livros que se dedicou. Com seu desejo de ajudar o próximo, Geraldo
desenvolveu diversos projetos sociais que se tornaram sua grande paixão.
Com a missão de publicar histórias empolgantes, tornar os livros cada vez mais acessíveis
e despertar o amor pela leitura, a Editora Arqueiro é uma homenagem a esta figura
extraordinária, capaz de enxergar mais além, mirar nas coisas verdadeiramente
importantes e não perder o idealismo e a esperança diante dos desafios e contratempos da
vida.
Título original: Unsteady
Todos os direitos reservados. Nenhuma parte deste livro pode ser utilizada ou
reproduzida sob quaisquer meios existentes sem autorização por escrito dos
editores.
1. Ficção americana. 2. Livros eletrônicos. I. Alvares, Karen. II. Título. III. Série.
CDD: 813
25-96372 CDU: 82-3(73)
Sobre o que este livro seria nunca importou, apenas que ele sempre foi para
você.
SUMÁRIO
PRÓLOGO
Três meses antes
CAPÍTULO UM
Presente
CAPÍTULO DOIS
CAPÍTULO TRÊS
CAPÍTULO QUATRO
CAPÍTULO CINCO
CAPÍTULO SEIS
CAPÍTULO SETE
CAPÍTULO OITO
CAPÍTULO NOVE
CAPÍTULO DEZ
CAPÍTULO ONZE
CAPÍTULO DOZE
CAPÍTULO TREZE
CAPÍTULO CATORZE
CAPÍTULO QUINZE
Í
CAPÍTULO DEZESSEIS
CAPÍTULO DEZESSETE
CAPÍTULO DEZOITO
CAPÍTULO DEZENOVE
CAPÍTULO VINTE
CAPÍTULO VINTE E UM
CAPÍTULO VINTE E DOIS
CAPÍTULO VINTE E TRÊS
CAPÍTULO VINTE E QUATRO
CAPÍTULO VINTE E CINCO
CAPÍTULO VINTE E SEIS
CAPÍTULO VINTE E SETE
CAPÍTULO VINTE E OITO
CAPÍTULO VINTE E NOVE
CAPÍTULO TRINTA
CAPÍTULO TRINTA E UM
CAPÍTULO TRINTA E DOIS
CAPÍTULO TRINTA E TRÊS
CAPÍTULO TRINTA E QUATRO
CAPÍTULO TRINTA E CINCO
CAPÍTULO TRINTA E SEIS
CAPÍTULO TRINTA E SETE
CAPÍTULO TRINTA E OITO
CAPÍTULO TRINTA E NOVE
CAPÍTULO QUARENTA
CAPÍTULO QUARENTA E UM
CAPÍTULO QUARENTA E DOIS
Í Ê
CAPÍTULO QUARENTA E TRÊS
CAPÍTULO QUARENTA E QUATRO
CAPÍTULO QUARENTA E CINCO
CAPÍTULO QUARENTA E SEIS
CAPÍTULO QUARENTA E SETE
CAPÍTULO QUARENTA E OITO
CAPÍTULO QUARENTA E NOVE
Três semanas depois
EPÍLOGO
Três anos depois
SOBRE A AUTORA
SOBRE A ARQUEIRO
Playlist
Rhys
Rhys
– Tenta isso só hoje e, se você ainda se sentir na merda, não peço mais. Pode
ser?
Mesmo com o volume do meu celular quase no zero, a voz do meu pai é
um eco estrondoso através do alto-falante. Estremeço de leve e uso a
memória muscular para puxar a calça de moletom preta pelas pernas na
escuridão do quarto. Depois de vestir com cuidado um casaco com capuz,
pego o telefone na cômoda.
– Eu tô bem – digo.
Não é de fato uma resposta, mas sei qual é a pergunta de verdade por
trás do pedido dele.
Somos farinha do mesmo saco, meu pai e eu: ambos calmos sob pressão,
os dois “banhados num lago de confiança, feito Aquiles”, como minha mãe
costuma dizer. Fui comparado com meu pai durante toda a minha vida –
por conta da aparência, da maneira como patino, como jogo – e, ao
contrário de muitos dos filhos de jogadores lendários que conheci na NHL,
a Liga Nacional de Hóquei no Gelo, eu não ligo.
Meu pai sempre foi meu herói.
É por isso que tenho certeza de que ele me pediu para trabalhar hoje na
Fundação Primeira Linha – uma instituição de caridade que ele fundou
depois de se aposentar da NHL – só pra ficar de olho em mim. Antes,
costumávamos falar de hóquei por horas, mas agora mal temos conversas
superficiais, e sei que ele percebeu que comecei a evitá-lo.
A fundação oferece bolsas de estudo para crianças que querem jogar
hóquei e não têm os meios para isso. Já trabalhei no programa antes, e até
gostei, mas agora…
Parece assustador, como se, mesmo agora, eu soubesse que os sorrisos
das crianças não vão afastar o medo constante que preenche o vazio do meu
corpo.
– Rhys – chama ele mais uma vez, sua voz ainda muito alta.
Respiro fundo, calço os sapatos, pego minha bolsa esportiva e saio para o
ar quente de junho.
– Só… tenta fazer isso hoje. E aí, se tiver vontade, pega as chaves amanhã
de manhã pra treinar um pouco antes de o rinque abrir.
Assinto enquanto jogo a bolsa no banco de trás do meu BMW. Fui
liberado para dirigir há pouco mais de um mês, mas mal saí de casa durante
todo esse tempo.
– Tá bom – digo por fim, as mãos apertando o volante no silêncio que se
segue.
O zunido que se ouve no alto-falante chiado do meu pai indica que ele
está dirigindo sua velha caminhonete – que minha mãe chama de “aquela
coisa” – com as janelas abertas.
– E, se você não estiver pronto este ano, não precisa se forçar a fazer
nada. Um ano a mais poderia ser bom para causar uma impressão melhor
nos olheiros antes da próxima seleção…
A próxima seleção… Meus ombros se elevam, na defensiva, mas não
consigo evitar o leve apelo disso, o momento em que já não me sinta desse
jeito em relação ao hóquei, em que ame o esporte de novo, como sempre
amei.
Isso é ridículo. Não sou um soldado. Jogo hóquei pela NCCA… Já deveria
ter superado isso.
Eu o interrompo antes que a conversa me faça surtar e me mande de
volta ao meu quarto, com as cortinas bem fechadas para nenhuma luz
passar.
– Eu quero jogar. Tô pronto pra jogar de novo – minto. É uma frase que
tenho praticado, então as palavras saem com mais facilidade do que respirar.
– Tô bem.
Um suspiro profundo chega pela linha antes de nos despedirmos
rapidamente e eu enfim dar a partida no carro.
O rinque está lotado, ainda mais para uma quinta-feira, bem na hora do
jantar. Crianças de 5 a 13 anos circulam por ele com alguns voluntários que
reconheço de funções anteriores: jogadores aposentados, pais com alguma
experiência relevante. Vejo até Lukas Bezek, um dos novos astros do Bruins,
com a equipe de mídias sociais, praticando tacadas com algumas das
crianças mais velhas.
Assim que piso no gelo, um pequeno borrão bate nas minhas pernas
junto com um grito tardio:
– Cuidado!
Seguro o menininho antes que ele caia estirado no gelo.
Ele ri enquanto o seguro pelas proteções e pela camisa do uniforme e
espero até que firme os pés. Ele fica olhando para mim o tempo todo. Tem o
rosto sardento e um sorriso banguela que o faz parecer uma miniatura de
jogador de hóquei. Ele escorrega de leve mais uma vez – não é o melhor
patinador da área –, mas não faz careta nem parece nervoso.
– Foi mal – diz ele, com um leve assobio que passa pelo buraco onde
falta um dente da frente. – Ainda tô treinando minha parada.
O antigo Rhys teria dado risada e dito algo gentil ou engraçado, como
“De boas, amigão. Eu também”. Mas até mesmo a ideia de rir parece
impossível, então ofereço o maior sorriso que meu rosto consegue suportar.
– Ainda bem que vamos treinar essas paradas hoje – anuncia a voz alegre
da mulher alta e bonita que chega deslizando ao nosso lado, com um bando
de pessoinhas atrás dela. – E parabéns, Liam, por encontrar nosso treinador
e convidado especial de hoje!
Liam, o garoto que ainda agarra minha perna com a mãozinha enluvada,
ri de novo e se inclina para trás.
– Ele é tão alto!
As crianças, que agora nos rodeiam, dão risada e sorriem para mim, em
expectativa. O suor escorre pela minha nuca ao ver todos os rostinhos
esperançosos me fitarem, confiando em mim.
Talvez isso tenha sido um erro.
– Esse é o Rhys – diz a mulher, tomando as rédeas da conversa. – É o
atacante central dos Lobos da Waterfell, então joga hóquei na faculdade,
pertinho de Boston! Ele joga desde que tinha a idade de vocês. E vai ajudar
o nosso grupo a patinar hoje.
– A gente vai jogar hoje? – pergunta uma menininha com o capacete nas
mãos, as bochechas corando no mesmo instante em que recebe a atenção
dos colegas.
– Acho que hoje, não. Vamos treinar principalmente a patinação, tá
bem? – A mulher sorri de leve para o grupo, enquanto todos comemoram. –
Vamos treinar um pouco como manusear o taco com nosso capitão de
hóquei aqui. – Ela dá um aceno de cabeça para mim. – E depois, para
terminar, algumas brincadeiras bem divertidas. O que acham?
Um coro de gritos animados começa até que ela os dispensa para darem
algumas voltas de aquecimento.
– Espero que não se importe por eu ter monopolizado a conversa – diz
ela, estendendo a mão para apertar a minha. – Sou a Chelsea. Um dos
organizadores disse que você ajudaria hoje com as crianças.
– Isso mesmo – respondo.
Patino devagar ao lado dela, seguindo-a até a outra lateral do rinque,
onde uma pilha de cones fica junto das placas, e tento me controlar.
– E agradeço por tomar a frente da conversa. Estou um pouco aéreo hoje.
– Eu entendo. – Ela ri. – Todo mundo tem uma noite daquelas às vezes.
Eu deveria rir ou assentir e concordar – como se minha apatia fosse
apenas reflexo de uma baita ressaca –, mas mal consigo forçar um meio
sorriso enquanto nos preparamos para o treino.
– Enfim, para as crianças é só mais uma aula de patinação mesmo. O
grupo acima de 10 anos está com o pessoal do Bruins para lidar com as
coisas de imprensa hoje. – Ela indica com a cabeça o grupo cambaleante de
crianças que vem na nossa direção. – E o que quase te derrubou é o Liam;
ele precisa de um pouquinho mais de atenção, caso você queira se
concentrar nele hoje. Pra facilitar as coisas.
É o que faço.
Liam é fácil, decidido a aprender, embora desajeitado, e nunca desfaz o
sorriso. Ele gruda em mim e, de vez em quando, observa as outras crianças
com uma careta determinada no rosto.
Chelsea encerra o treino com uma reunião rápida. Apenas metade das
crianças consegue se ajoelhar. O resto se esparrama no gelo com
sorrisos felizes.
Fico esperando aquela pequena lembrança de mim mesmo nessa idade,
segurando o taco do meu pai enquanto ele me deslizava um pouco rápido
demais pelo gelo. Vendo os jogos dele na tevê, vestido com sua camisa e aos
berros, igualzinho à minha mãe. A primeira vez que fiz um gol sozinho,
mesmo que tenha sido quase sem querer. Eu espero, mas… nada.
– Meu irmão também é muito bom – comenta Liam, um pouco sem
fôlego, enquanto se segura no bolso da minha calça mais uma vez.
O menino é um péssimo patinador, mas está feliz.
– Ah, é?
Ele olha por cima do ombro para o grupo mais velho, que está
terminando o treino do outro lado do gelo.
– É. O Oliver. Acho que ele vai ficar com inveja por você ter patinado
comigo hoje.
– Inveja?
Ergo uma sobrancelha diante do menino.
Ele assente e outra risadinha escapa.
– Ah, pode acreditar. Você joga hóquei nos Lobos, e o Oliver quer muito
jogar nesse time.
Dou uma olhada ao redor e percebo que Liam não foi chamado por
nenhum dos pais que agora cercam as crianças, as quais devoram
guloseimas na mesa do lanche. Os mais velhos se espalham e seguem todos
para o portão, menos um deles: um garoto mais alto e com o cabelo tão
comprido que as pontas ficam balançando por fora do capacete. Ele vem
patinando na nossa direção.
Chelsea não está mais por perto; na verdade, não tem mais ninguém no
gelo. Mães, pais e filhos cobrem as arquibancadas e se amontoam ao redor
da mesa do lanche, suas risadas e conversas ecoando e ricocheteando pelas
paredes em volta do rinque aberto. Espero que alguém se aproxime da placa
de vidro e chame os dois meninos que continuam no gelo, mas ninguém
olha para eles.
– Ela não chegou? – pergunta o mais velho, Oliver, tirando o capacete.
O cabelo dele é mais escuro, mas os olhos acinzentados são idênticos aos
do irmão, por isso é fácil identificar o parentesco.
Liam faz que não com a cabeça, em silêncio pela primeira vez desde que
o conheci.
Oliver solta um som frustrado. Depois de uma olhadela rápida e
desconfiada para mim, ele encara Liam com as mãos na cintura.
– Eu te falei que, se ela não estivesse aqui, era pra me esperar perto da
mesa do lanche com a Srta. Chelsea.
Liam faz um bico e me larga para ir patinando, ou tropeçando, até o
irmão.
– Mas ele é um dos Lobos! – explica ele, com a voz meio abafada,
soltando um uivo rápido. – Tipo, ele joga hóquei pela Waterfell.
O menino espera a reação do irmão, mas Oliver parece envergonhado,
quase com raiva. Liam uiva de novo, depois vira a cabeça para mim e diz:
– Não é, Rhys?
Deixo escapar um sorriso e assinto.
– É, Liam.
– Ele vai me ensinar tantas coisas sobre hóquei que vou ser melhor do
que você.
Oliver sorri, ainda que com relutância, para as palhaçadas do irmão,
enquanto Liam patina em pequenos círculos ao redor dele. Para Liam, deve
ser como se estivesse voando, só que, na verdade, está tropicando.
É fácil ver o companheirismo entre os irmãos, o que me faz pensar em
quando eu tinha 6 anos e perseguia Bennett feito doido. Ele sempre foi
maior, mas eu era mais rápido. Ele é meu irmão, mesmo que não seja de
sangue, e uma dor emana do meu peito ao pensar nele, nas cem chamadas
perdidas e mensagens no meu celular que ainda não ouvi nem respondi.
Não o vejo desde o hospital, apesar de saber que ele foi até a minha casa
várias vezes e que meus pais o dispensaram em cada uma delas.
Meu celular vibra no bolso e eu o pego.
BENNETT REINER: 152 mensagens não lidas
Eu sei que você tá vivo, babaca. Responde, seu…
Sadie
Rhys
Sadie
Rhys
– Não.
– Rhys – chama meu pai, e o som de sua voz me faz segurar no balcão de
mármore com tanta força que os nós dos meus dedos ficam brancos. – Por
favor. Eu vou com você. Não patinamos juntos desde… – Ele deixa a frase
morrer e passa a mão pelos cabelos grisalhos.
– Tô sabendo. – Mas me arrependo assim que respondo. – Sei que você
quer ver como eu tô e como tô patinando, mas preciso fazer isso sozinho.
Vejo uma vulnerabilidade em meu pai por um instante. Ele assente e se
vira para a máquina de café expresso para realizar sua tarefa em silêncio,
quase mal-humorado.
– Outro café já? – pergunto, tentando aliviar a tensão que mantém meus
pés grudados no piso da cozinha.
– É pra sua mãe.
Ele sorri e prepara sem pressa um latte excessivamente complicado,
finalizando com algum tipo de arte com espuma de leite. Mal ele termina e
minha mãe chega de mansinho no cômodo. Está usando um roupão felpudo
com desenhos de frutinhas e vegetais e colocou os óculos de armação grossa
no topo da cabeça, emaranhados nos cabelos.
– Bom dia – cumprimento, recebendo um sorriso feliz enquanto ela se
acomoda no banquinho ao lado de onde estou de pé.
– Dormiu bem? – pergunta ela, bocejando e tentando soar casual, apesar
da óbvia investigação oculta na pergunta.
– Dormi.
Não é mentira. Tive uma noite inteira de descanso, algo raro, e estou
tentando me convencer que não teve nada a ver com meus pensamentos a
respeito de certa patinadora artística.
– Que bom.
Minha mãe sorri. Meu pai fica atrás dela. Ele coloca a xícara fumegante
na frente da esposa e beija o topo da cabeça dela, depois massageia seus
ombros.
– Qual é o desenho que tem hoje? – pergunto, me inclinando para
observar a arte da espuma do latte.
– Acho que é… uma flor?
Meu pai franze a testa.
– Era para ser um coração.
– Parece uma mancha enorme em forma de cogumelo – diz minha mãe,
num tom afetuoso.
Dou risada, uma de verdade, que faz meus pais me olharem com
surpresa. A culpa afasta o sentimento bom quase no mesmo instante. Será
que ando tão oco assim, até com eles?
– Tô atrasado – digo, dando um pulo e pegando minha bolsa esportiva
ao lado da porta.
– Pra chegar num rinque vazio? – Minha mãe dá um sorrisinho.
– Eu… Hum, é.
Sem me preocupar em explicar, pego minhas chaves e vou para a
garagem.
Meio que espero que o rinque esteja vazio quando chego – que Sadie não
passe de uma invenção da minha cabeça, imaginada para que eu não me
sinta tão sozinho em meio à minha ansiedade e ao meu vazio.
O que vejo no gelo só parece reforçar essa suspeita.
Ela patina com a mesma energia de que eu me lembrava, cheia de paixão.
É como assistir a uma chama viva no gelo. Nenhum de seus movimentos
parece muito fluido – ela é toda enérgica em meio aos movimentos de dança
delicados, como uma mistura de ginasta poderosa e bailarina elegante –,
mas dá certo.
A música vem de uma caixinha de som com bluetooth no canto, uma
batida pesada e alta, que não é bem o que eu imaginaria para ela. O celular
dela está virado para cima no banco, então aperto o botão da lateral,
fazendo a tela ligar, apenas para que eu possa ver o título da música – “Run
Boy Run”. Tento não ler nada além disso, mas, quando vejo uma mensagem
de não atender, não consigo evitar.
– Acho que entendi! – grita Liam, e cai com tudo de novo enquanto seu taco
vai embora, girando, com o disco.
Dou um sorriso e patino para içá-lo e segurar seus braços enquanto ele
tenta firmar as lâminas dos patins sob o corpinho.
Voltar a ser voluntário foi ideia da minha mãe, depois de ouvir meu pai
pegar no meu pé todo dia de manhã para a gente patinar junto – e depois de
ter que distraí-lo toda manhã para que ele não me seguisse.
Pedi encarecidamente que não me fornecessem nenhum detalhe dessa
distração. Meus pais sempre foram amorosos o suficiente para me deixar
com vontade de vomitar.
Então agora patino com Liam de um jeito meio tenso, tentando
desesperadamente ignorar o olhar do meu pai do outro lado do rinque. Ele
está ajudando os mais velhos, o que significa que está com Oliver, então
acabo olhando os dois.
Oliver é um pouco alto para a idade e, pelo que vi meio de relance na
última hora de aula, é talentoso. Bom o suficiente para ser observado pela
fileira de treinadores que conversam perto do rinque.
Meu pai, alto e forte, ainda lembra muito a estrela da NHL que era antes
de se aposentar, a não ser pelos fios acinzentados espalhados pelo cabelo
escuro e as rugas nos cantos dos olhos. Assim como em todas as vezes que
esteve comigo no rinque, ele sorri enquanto faz exercícios de rotação em
torno de dois cones laranja com os jogadores.
Ajudo Liam a segurar no bolso lateral da minha calça, então tiro minha
luva e lhe ofereço a mão.
Uma risada alta irrompe do círculo de crianças que aguardam no espaço
de treino, o que me faz notar um grupo de garotos pré-adolescentes
cercando Oliver.
– Ah, não – murmura Liam, suspirando como uma mãe exausta por
conta de um filho desobediente.
– Que foi? É o Oliver?
Liam assente com a cabeça, erguendo o olhar para mim e soltando
minha mão.
– É. Ele briga com aqueles garotos às vezes, os de camiseta vermelha.
– Ele não gosta deles?
– Não é sempre que eles vêm aqui. Acho que só quando estão com o pai.
O Oliver não gosta de ninguém, mas não gosta mesmo deles.
O menino é bem observador. Tenho que me conter para não pedir que
me conte tudo o que lembrar da irmã mais velha.
– Sabe o motivo?
– Na verdade, não. – Liam suspira de novo, imitando minha pose com os
braços cruzados. – Mas, uma vez, quando a gente tava brincando de pique-
pega, eu ouvi eles falarem da Sadie.
Meu estômago se agita quando vejo Oliver tirar as luvas e partir para
cima de um dos garotos. Quero começar a torcer e assobiar como se
estivesse assistindo à primeira briga dele na NHL, mas consigo manter o
controle. Em vez disso, digo a Liam para se segurar nas placas enquanto
patino e me meto no meio das crianças que estão se agarrando.
– Pra trás – disparo, separando-os com facilidade. – Calma aí.
Meu pai tenta segurar o ombro de Oliver, mas ele se afasta como se
tivesse se queimado.
– Não toca em mim, babaca.
Solto o ar. Minha nossa, que garoto.
– Calma, Oliver – peço, minha voz um pouco mais suave enquanto
seguro o colarinho do garoto de camisa vermelha.
O olhar fulminante de Oliver dispara para mim feito um animal
enjaulado pronto para arranhar. Ele é igualzinho a Sadie: na defensiva e
pronto pra luta.
– Eles que começaram – dispara ele, a raiva emergindo em ondas.
Posso ver a vulnerabilidade em seu olhar me implorando que eu acredite
nele.
– Tô ligado – respondo com calma, soltando o outro menino com um
empurrão em direção ao meu pai. – Deixa o treinador Max lidar com eles.
Vamos esfriar a cabeça.
Algo cintila nos olhos de Oliver, depois ele dá um suspiro e baixa a
cabeça.
– Tá bom – diz e me segue até onde Liam espera, agora caído no gelo.
O treino está quase no fim, mas consigo um canto do rinque para nós
três. Vou levando Liam comigo enquanto corrijo a movimentação de Oliver.
Só quando meu pai se junta a nós é que percebo que o rinque ficou vazio.
– Cadê a Chelsea?
– Mandei pra casa. Falei que iríamos esperar pelos pais deles.
Assinto, de olho em Liam perseguindo Oliver ao redor do círculo que ele
percorre em sua movimentação. Se olhar para o meu pai, vou ver a pergunta
que sei que existe a respeito dessas crianças e minha conexão com elas.
Mas ele não pega no meu pé. Em vez disso, dá um passo à frente e dá
uma tacada para tirar Oliver de seu padrão e mudar seu foco, aparando a
jogada rápida com a parte de trás da lâmina do taco. Leva alguns minutos,
mas Oliver pega o ritmo com facilidade, seguindo todas as correções que lhe
são dadas. Posso ver uma faísca se acender em meu pai quando reconhece o
nível de talento que o garoto tem, seu potencial brilhante.
Localizo Sadie quase por instinto, como se ela fosse um sinalizador,
sempre me atraindo para seu olhar acinzentado penetrante. Ela para na
metade de uma passada, a mochila caindo dos ombros enquanto observa
Oliver com apreensão, já com a guarda bem alta.
Liam está chamando a irmã aos gritos enquanto eu o pego e patino por
nós dois. Oliver faz uma pausa, mas meu pai o manda repetir a jogada.
Sadie o observa, os olhos brilhantes, como se isso não fosse algo que ela
visse com frequência.
– Ele é talentoso – digo, deixando Liam descer de mim.
– Olha só pra mim! – grita o garotinho, e tenta se juntar ao irmão do
outro lado do rinque.
Mesmo com sua resiliência e recuperação rápida, ele nunca vai chegar lá.
Dá pra ver que Oliver está se exibindo um pouco e Sadie fica vidrada em
cada movimento. Isso desperta algo em mim, como se eu devesse me
desculpar pelo jeito como a encurralei no primeiro dia. Talvez eu tenha
entendido errado a situação.
Mas então penso naquela mensagem no celular dela.
– Seus pais não vão vir? – pergunto.
É como testar um campo minado.
– A gente tem um acordo, craque – responde ela, se recusando a olhar
para mim. – Eles são ocupados. Posso cuidar dos meninos. Alguma outra
pergunta?
Um monte. Tipo: Por que você tá tão brava? Por que você patina como se
estivesse em chamas? Que pessoa é tão ruim a ponto de você salvar o contato
dela como não atender? Você tá em segurança? Você tá bem?
Ainda assim, faço que não com a cabeça.
Migalhas. Vou me contentar com cada uma delas.
CAPÍTULO SEIS
Rhys
Já faz três semanas que estou nessa rotina, um passo de cada vez, sem
ataques de pânico ao amarrar os cadarços dos patins. Duas semanas
acordando mais calmo pela expectativa de ver Sadie patinar ao som de seu
gosto musical eclético, que pode ir de Steely Dan a Ethel Cain e Harry Styles.
A essa altura, acho que consigo descobrir qual é o humor dela de acordo
com a música que coloca primeiro. Dá pra ver que quando ouve Phoebe
Bridgers é porque precisa se acalmar ou que quer muito dançar num ritmo
acelerado em cima dos patins quando toca Two Door Cinema Club e
MGMT, um atrás do outro – e geralmente fica sorrindo por conta das
endorfinas enquanto improvisa algo no seu lado do rinque.
Às vezes, no entanto, ela escolhe “Fast Car”, de Tracy Chapman. Nesses
dias, não costuma falar comigo, apenas me encara com os olhos meio
marejados.
Tento ouvir mais nesses dias, como se a letra da música pudesse ser outra
língua que ela falasse. Quero captar a menor das dicas, desesperado por
absorver o máximo que puder dela.
Mas hoje ela está atrasada.
Na maioria das vezes que Sadie se atrasa, está tendo um dia de fúria,
então me preparo para disparar e correr pelo rinque enquanto ouvimos
música alta. Só que não parece ser um desses dias.
A ansiedade de estar no gelo sem ela se abranda quando ouço o eco de
Sadie entrando, um som que vem do túnel até o rinque silencioso.
Preciso reunir toda a minha força para não me virar e ficar encarando,
para esperar até ouvir seus patins cortarem o gelo e só então olhar.
Sadie está usando as roupas de sempre: uma camisa cinza surrada da
Universidade Waterfell e uma legging boca de sino que cobre os patins
brancos. O cabelo foi puxado para cima, deixando quase todo o rosto à
mostra.
Ela patina até mim em seu estilo habitual: um pouco zangada, graciosa,
mas com um toque vingativo.
– Fiz uma coisa pra você – diz ela, e ali está o pontinho entre as
sobrancelhas, como se Sadie estivesse frustrada ou questionando tudo quase
a todo instante.
Não tem nada nas mãos dela, mas ela as estende para mim como se fosse
eu quem daria o presente.
– Hein?
– Seu celular.
Eu desbloqueio o aparelho e o entrego, observando por cima do ombro
de Sadie enquanto ela se acomoda bem ao meu lado. Ela abre o aplicativo de
música, seleciona o próprio perfil e clica na primeira playlist.
Tem a foto de um beagle, que parece muito triste, jogado no chão com
um chapéu de festa na cabeça. Na frente do cachorrinho, em letras
brilhantes, o nome da playlist está em destaque.
– Músicas da Sadie para o cérebro triste e cheio de demônios do Reece –
leio em voz alta, antes de acrescentar: – Você escreveu Rhys errado.
– Seus pais que escreveram seu nome errado na certidão de nascimento.
Desse jeito fica parecendo Rise. Então, na verdade, eu consertei. – Ela revira
os olhos, mas os dentes mordem um pouquinho o lábio, de propósito. – Fiz
ontem à noite. E, bem, design gráfico não é minha especialidade.
Meu coração se aperta como se tivesse tomado uma facada ao pensar
nela em seu quarto, acordada a noite toda escolhendo músicas e fazendo
uma arte da capa, para que ficasse desse jeito. Pra mim.
– Pensei que talvez você quisesse ouvir enquanto patina e… sei lá. É
ridículo.
– Não é, não – falo, interrompendo-a com veemência. – Você fez uma
playlist pra mim.
– Fiz.
Ela assente, se balançando para a frente e para trás nos patins em um
círculo largo, me empurrando pelo peito. Eu a seguro quando ela volta para
a minha frente, minhas mãos em seus pulsos para continuar a tocá-la. Então
envolvo os dois pulsos com uma das mãos, egoísta tanto com seu toque
quanto com seu tempo, enquanto com a outra tiro um segundo conjunto de
AirPods do bolso – um presente que venho tentando dar a ela faz quase uma
semana – e os coloco nos ouvidos dela. Enfim a solto com delicadeza.
– Quer escolher a primeira música?
– Acho que você só deveria colocar no aleatório. É o que eu faço, daí
você se concentra nisso, em vez de entrar em pânico.
Meu dedo paira sobre o botão quando Sadie começa a patinar para o
outro lado. Então ela faz uma pausa e gira para trás.
– Talvez não funcione... E não faço a menor ideia do que tá te
incomodando, mas música me ajuda.
Ela para por aí, mas as palavras não ditas são igualmente estrondosas. O
olhar dela diz: “Eu queria ajudar e isso é tudo o que posso fazer” e “Eu te
entendo”.
– Obrigado – digo, mas não parece suficiente.
Clico no botão de aleatório e dou uma risadinha quando “No Sleep Till
Brooklyn” começa a soar nos meus ouvidos.
Sadie patina depressa, ziguezagueando e se aquecendo, focada como
sempre. Mas, quando passa por mim de novo, seus olhos encontram os
meus e os lábios se mexem, acompanhando as palavras que ouvimos nos
fones de ouvido.
Uma risada ressoa no meu peito. Quero ficar assim com ela pra sempre.
– Seu pai comentou uma coisa interessante… Droga!
Sentado à bancada, ergo o olhar e vejo minha mãe colocar o dedo
debaixo da torneira enquanto o molho borbulha na panela atrás dela.
– Você tá bem?
Ela seca as mãos no macacão e se vira para o fogão, e eu sorrio.
Meu pai pode ter sido um jogador de hóquei incrível, mas minha mãe
ficou bastante conhecida por mérito próprio. A “Queridinha da
Arquitetura”, de acordo com muitos artigos e revistas. Anna Koteskiy
ganhou fama por projetar coretos enormes e jardins exuberantes. Agora,
passa a maior parte do tempo na administração de obras de caridade, indo
atrás de projetos habitacionais sustentáveis.
Anna Koteskiy é notável por muitas coisas, mas sua habilidade na
cozinha não é uma delas. Ainda assim, adora cozinhar – não importa quão
perigoso isso seja para ela e para todos em volta.
De alguma forma, a entrada do meu pai a assusta o bastante para fazê-la
acertar a panela com o antebraço, soltar um breve palavrão e ainda
conseguir apará-la. Meu pai e eu corremos na direção dela. Enquanto pego
uma luva térmica do balcão para segurar a panela, meu pai mima a esposa
como se ela tivesse sofrido uma lesão potencialmente fatal.
Ele murmura palavras em uma mistura de russo e inglês, e minha mãe e
eu reviramos os olhos.
– Talvez eu assuma o jantar – diz meu pai. Ele suspira, soltando-a depois
de outro beijo na pele queimada. – Tá um dia bonito, você podia levar nosso
filho pro pátio e botar a mesa.
Minha mãe faz uma pilha com pratos de cerâmica verde-escuros,
talheres, guardanapos e outras coisas necessárias à mesa. Pego os copos e a
jarra de água gelada. Saímos da cozinha grande, passamos pelo jardim de
inverno envidraçado e seguimos até a varanda dos fundos. As pequenas
lâmpadas decorativas penduradas lá já estão acesas, sua luz dourada e
calorosa adicionando brilho ao âmbar do sol das seis da tarde.
A mesa de carvalho personalizada precisa ser espanada para tirar o pó, o
que é normal para esta época do ano, considerando a quantidade obscena de
flores e árvores ao redor do pátio rebaixado.
– Então, quem é a garota?
Engasgo com o gole d’água na boca, tossindo sem parar enquanto minha
mãe, essa traidora, dá risada e espera que eu recupere a compostura.
– Do que você tá falando?
– Tá na cara que tem uma garota envolvida.
Meus dedos se remexem pelo suor do copo gelado.
– Meu pai comentou alguma coisa?
Os olhos dela brilham como se eu tivesse declarado meu amor por quem
quer que ela esteja imaginando.
– Era pra ter comentado?
– Não.
– Rhys, se seu pai souber de uma garota antes de mim, nunca vou te
perdoar. – Ela me encara por um minuto, depois relaxa, com um sorriso de
quem sabe das coisas. – Além disso, pensei que você ainda deixasse seu pai
de fora quando se trata da sua vida amorosa, depois do incidente no baile.
Meu corpo inteiro estremece com a simples menção ao baile e eu enfio as
memórias de volta atrás da parede de tijolos no meu cérebro.
– Nem me lembra. – Volto a balançar a cabeça. – O que te faz achar que
tem alguém, afinal?
Fico esperando o tom de brincadeirinha da minha mãe, mas a voz dela
baixa ao sussurro suave que costumava usar para cada fracasso, arranhão e
hematoma que eu sofria quando era criança.
– Porque você é meu filho, um pedaço do meu coração, amor, e você
andava afundando. Talvez ainda esteja.
Eu me sinto mal. Lógico que minha mãe saberia, a julgar pela frequência
com que me salva dos pesadelos.
– Provavelmente.
Suspiro e meu joelho se ergue, quicando de ansiedade.
– Mas, nos últimos tempos, você parece diferente.
Ela está esperando que eu preencha as lacunas, mas não sei o que dizer.
Que existe uma garota, pelo menos da minha parte, ainda que ela me
mantenha a uma distância segura para sempre? Tudo bem, vou ficar a essa
distância, desde que isso signifique continuar por perto, expulsando as
sombras que abarrotam meu corpo vazio.
Sei que isso não é saudável. Mas não me importo.
– A Sadie é só uma amiga.
– Sadie? Nome bonito.
Garota bonita. Mordo a língua e aliso o joelho para tentar diminuir o
tremor.
– Estamos dividindo o rinque de manhã. Ela é patinadora artística. Da
Waterfell, na verdade.
– Ah, é?
– Não acho que goste de mim – digo, bufando, incapaz de parar de falar
dela agora que comecei. – Mas ela é engraçada. E coloca umas músicas boas
pra tocar.
– Parece uma garota legal.
– Gosto de patinar com ela. – As palavras jorram como vômito.
– Aquela bravinha? – pergunta meu pai, que surge ao meu lado
colocando a berinjela à parmegiana no centro da mesa e me deixa ajudar
com as travessas enormes de comida que equilibra na mão e no antebraço. –
Os irmãos dela são uma graça.
– Ela tem irmãos? – pergunta minha mãe, dando um beijo rápido na
bochecha do meu pai, então nos acomodamos e começamos a passar
travessas de legumes assados, salada Caesar e macarrão uns para os outros.
– Oliver e Liam – digo. – O Oliver é muito bom.
– Mais do que bom. Aquele garoto é uma estrela. E o Liam é o menino
mais bonitinho que já vi, rybochka, com todas aquelas sardas e janelinhas de
dentes de leite que caíram.
Minha mãe espera até terminar de mastigar e pergunta:
– Eles estão no programa, então? Isso é bom.
– Não sabia que você estava patinando com alguém no rinque de manhã
cedo – diz meu pai.
Não há acusação nas palavras dele, não mesmo, mas os músculos das
suas costas ficam tensos mesmo assim. A mentira escapa depressa:
– Eu chamei ela. Nós... é… fizemos uma matéria juntos ano passado.
– O prêmio de pior mentiroso do mundo ainda é seu, Rhys – diz minha
mãe, com um suspiro.
Ela estende o braço para pegar a garrafa de vinho do outro lado da mesa.
Meu pai a alcança primeiro e enche o copo dela.
É bom falar sobre Sadie, pelo menos um pouquinho, mas é outro
lembrete de que, não importa quantas vezes eu pense nela – na maneira
como seus olhos acinzentados se fixam em mim, na música escolhida por
ela tocando nos meus fones de ouvido depois de outro pesadelo, na fantasia
de seu quadril nas minhas mãos –, a verdade é que Sadie não é nada minha.
Duvido que sequer ache que somos amigos.
Enquanto isso, estou desesperado para ficar perto dela.
CAPÍTULO SETE
Sadie
Rhys
De algum jeito, Sadie chegou ao rinque antes de mim, o que me faz correr e
entrar no gelo como uma criança muito ansiosa para a primeira partida para
valer.
Nem me preocupo em tentar tirar o sorriso bobo que fica no meu rosto
quase o tempo todo quando estou perto dela. Sadie transforma cada dúvida
em empolgação, cada angústia em algo que é quase felicidade, do jeito que
costumava ser quando eu estava no gelo.
Fico imaginando se conseguiria convencer Sadie a dar uma de Ela é o
Cara e entrar pro time de hóquei masculino, assim eu nunca precisaria ficar
num rinque sem ela.
Meu Deus, tenho que me recompor se quiser voltar a ser o “Capitão Rhys”
no mês que vem.
Tento não incomodar Sadie no meio do número dela, porque dá pra ver,
pela intensidade de seus movimentos, que está totalmente entregue, o
talento artístico tão gracioso que faz meu peito doer. Cerro os punhos para
conter o monstro de ansiedade dentro da minha cabeça, que deseja muito
mais dela e se preocupa com a possibilidade de que, se eu a observar por
tempo demais, não consiga me conter e acabe fazendo algo insensato, como
encurralá-la entre as placas de novo. Ou erguê-la e sentir como é leve. Será
que consigo segurá-la com uma das mãos enquanto a outra pressiona…
Um ruído alto e uma pancada forte me arrancam dos sonhos
impróprios, transformando o calor no meu corpo em um mergulho gelado
de terror ao ver Sadie cair de barriga com força e deslizar na direção das
placas.
Ela não se mexe.
Está de bruços, no gelo, e não está se movendo.
Merda.
Acho que vou vomitar.
Transtornado, grito o nome dela em pânico, salto as placas ainda de tênis
e corro na direção de sua silhueta esparramada. Por um instante, imagino
como Sadie conseguiu permanecer tão calma no dia em que me encontrou
caído no gelo, porque estou ficando doido nesse exato momento ao vê-la do
mesmo jeito.
Quando chego perto, ela está tremendo.
– Sadie?
Minha voz fica baixa quando me ajoelho para pegá-la. Ela parece
liquefeita nas minhas mãos, sem ossos, e está escorregando pelos meus
dedos enquanto tento ao menos apoiá-la nas placas.
Minhas mãos pairam perto do corpo dela. Estou desesperado para ver se
não se machucou, mas com muito medo de assustá-la ou de aumentar sua
ansiedade.
Ela está chorando, quase soluçando, como se não conseguisse respirar. O
pânico ainda corre nas minhas veias, mas tento me concentrar nela.
– Ei, respira… Lembra? – Ajeito os fios emaranhados que escaparam do
rabo de cavalo dela. – Sei que parece que você não consegue, como se
estivesse morrendo, mas se concentra nas minhas mãos.
Eu me abaixo e pressiono as mãos dela entre as minhas. Apesar de as
bochechas e o pescoço dela estarem vermelhos, as mãos parecem tão frias
quanto o gelo da pista.
– Tenta a regra 3-3-3 – sussurro, minha voz bem baixinha na vastidão do
rinque. – Minha terapeuta fala pra pensar em três coisas que você consegue
escutar, três coisas que consegue enxergar e três coisas que consegue sentir.
– Tá – diz ela, arfando, sua voz interrompida por um soluço.
– Começa com o que você consegue escutar – sugiro.
– A música. – Ela faz uma pausa e fecha os olhos com força. – A sua
respiração. O ar-condicionado.
– Três coisas que você consegue enxergar.
Seus olhos avermelhados se abrem de novo, mas apenas algumas
lágrimas escapam.
– Você.
Não consigo evitar um sorriso.
– Tenta ser mais específica.
– Suas covinhas quando você sorri. A pontinha rosa do cadarço dos
meus patins. Uma bandeira velha com o brasão do Bruins.
– Que bom. A última agora. O que você consegue sentir?
– O gelo debaixo das minhas pernas, as placas atrás de mim. – Ela
mantém os olhos fixos nos meus. – Você segurando minhas mãos.
– Muito bom. – Aperto as mãos dela. – Beleza, lindeza?
A pergunta a faz sorrir enquanto se acalma um pouco mais. Ela assente,
as lágrimas escorrendo de leve pelo rosto. Detesto ver isso. Não consigo me
conter e puxo a manga da minha camisa para enxugar os olhos dela.
– Lindeza? – pergunta ela.
– Seus olhos cinza são uma lindeza – respondo, com um sorriso.
Ela ri, mas acaba virando um soluço.
– Desculpa.
– Nem vem. Não vamos começar com isso de pedir desculpa. –
Estremeço quando minha boca se abre de novo. – Sei que a gente combinou
que não ia fazer perguntas…
– Rhys…
– … mas tenho que perguntar, porque isso é novo.
Ela começa a se levantar, escalando meu corpo como se eu estivesse ali
somente para servir de apoio, um pensamento que me intriga mais do que
deveria. Eu a ajudo – ainda sou mais alto do que ela mesmo sem meus
patins – enquanto ela se firma sobre as lâminas.
Sadie enfim para de morder o lábio, então respira fundo e deixa as
palavras jorrarem de sua boca como uma cascata.
– Vão reduzir os horários da área arrendada pelo resto do verão aqui, o
que significa que vou perder o emprego. E não posso dar aulas de patinação
no horário que ofereceram, então esse trabalho nem serviria como
substituto. Sem contar que eu não estaria nesse estado se ao menos
conseguisse transar, mas, pelo visto, isso não vai rolar pra mim agora. Então
tô tentando trabalhar o tempo todo. Mas meu emprego perto do campus só
vai me pagar umas poucas horas até o início do semestre. E o Oliver precisa
de patins novos…
O peito dela começa a subir e descer. Eu pressiono a mão com firmeza
em seu esterno, tentando trazê-la de volta.
– Tá, para só um instantinho – digo e ela assente, agradecida. – Vamos
pra outro lugar hoje.
Ela já está fazendo que não com a cabeça.
– Tenho que praticar. Você precisa do seu tempo no gelo…
– Um dia só não vai fazer mal a ninguém.
Se Bennett ou qualquer outra pessoa da equipe pudesse me ouvir agora,
achariam que tinham caído num universo alternativo.
Em vez de esperar que Sadie concorde, deslizo o braço por debaixo de
suas pernas e a carrego no colo como se fosse uma noiva. Ela dá um gritinho
de leve, mas não reclama enquanto volto devagar até o portão e depois para
o vestiário.
– Faz o que precisa fazer e depois vem até o meu carro. Vou te esperar lá.
E, sem pensar, dou um beijo na testa dela, pego a mochila com o meu
equipamento e me viro para sair dali antes que seja capaz de me dar conta
de quão ridículo esse gesto pode ter sido.
Sadie
Tem panqueca para o café da manhã, o que, pelos padrões de Liam, garante
que o dia vai ser bom.
A Sra. B., nossa vizinha que muitas vezes nos ajuda, se ofereceu para
cuidar dos meninos hoje, porque o treinador Kelley mandou um e-mail à
meia-noite me convocando para um treino de última hora no rinque
comunitário.
O que significa que preciso chegar lá algumas horas mais cedo para
garantir que minha atual combinação de saltos e minha espiral estejam o
mais impecáveis possível. Estou desesperada para que esse ano seja
diferente, começando por não decepcionar o treinador Kelley.
Mas então vejo o carro de Rhys.
Os sentimentos assomam dentro de mim rápido demais para me
concentrar em um só: raiva, frustração, medo, preocupação… empolgação e
expectativa.
Percebo que quero vê-lo, por mais que queira gritar com ele para sair do
meu rinque e da minha cabeça.
Você não pode tocar nele. Para com isso.
Repito esse mantra mentalmente enquanto caminho até o rinque e desço
na direção dos vestiários, pronta para ser firme. Para dizer que não podemos
mais patinar juntos, pelo bem da minha sanidade.
Merda.
Rhys está sentado no banco, com as costas apoiadas nos armários,
curvado e suando, de patins, as pernas abertas enquanto tenta respirar,
como se estivesse se afogando.
Minha mochila cai do ombro. Minha raiva desaparece.
O som o deixa alerta, e os olhos castanhos disparam na minha direção,
em pânico, então se semicerram quando ele percebe que sou só eu.
– A gente tem que parar de se encontrar desse jeito – murmura, sua boca
carnuda se arqueando no que imagino ser algum tipo de sorriso, mesmo que
mal esteja lá por conta da exaustão.
Meu estômago dói. Encontrá-lo assim de novo… uma semana antes de
ele ter que voltar aos treinos…
Meu coração parece ter se alojado na garganta.
– Rhys – mal consigo dizer, minha mão alcançando seu rosto.
É só quando ele coloca os dedos ao redor do meu pulso que percebo que
estou tremendo.
– Preocupada comigo, lindeza?
– Aterrorizada – admito. – Pensei que tivesse melhorado.
– T-também pensei. – Ele geme e apoia a cabeça na palma da minha
mão, como se eu fosse a única coisa a sustentá-la. – Hoje é só um dia ruim.
– Eu deveria ter trazido panquecas pra você – digo, sem perceber como
isso soa absurdo.
Ele ri, ofegante mas feliz.
– Por favor, me explica essa.
– O Liam acredita que, quando faço panquecas, o dia vai ser bom.
Ele sorri para mim, os olhos inocentes brilhando, as covinhas profundas
no rosto.
– Vou tentar isso da próxima vez. Mas aposto que você faz as melhores
panquecas do mundo.
– Vou fazer algumas pra você qualquer dia desses – sussurro e me sento
ao seu lado enquanto ele seca a testa e se inclina para trás. – Você tá legal?
Rhys assente. Depois de endireitar a coluna, bebe um pouco de água.
– Tô. Mas, só pra avisar, vou aceitar, viu? Adoro comida de café da
manhã.
– Pensei que você fosse time salgado, não time doce.
– Gosto de qualquer coisa quando se trata de você – confessa ele, e meu
coração fica apertado.
Ele mergulha a mão no bolso e ela volta com um fone de ouvido para
mim. Só então percebo que ele está com meus fones antigos e que estava
ouvindo música.
– Não consegui encontrar o meu rápido o bastante – explica Rhys, com
um suspiro.
Pego o fone que Rhys me oferece e deixo o fio nos unir enquanto ele me
entrega o celular para escolher a música.
CAPÍTULO DEZ
Sadie
Rhys poderia muito bem estar com uma placa grudada na testa dizendo Me
beija. E eu deveria ter uma de Que ideia horrível.
Nada disso está saindo de acordo com o meu plano.
Ver Rhys curvado desse jeito faz meu peito doer. Ele está usando apenas
a calça de moletom e uma camiseta esportiva que fica esticada no peito
largo. A cabeça está entre as mãos, os dedos entre as mechas castanhas
grossas e indisciplinadas e a respiração sai trêmula pelos lábios, que estão
contraídos em uma linha estreita.
“Make This Go On Forever”, do Snow Patrol, está tocando no meu
ouvido direito, aumentando a intensidade a cada instante, alimentando a
energia entre nós.
Minhas experiências anteriores de pegação foram rápidas, com mãos-
bobas no escuro. Em geral, acabaram antes mesmo de começar de verdade.
São meu tipo favorito de distração quando estou sentindo tantas coisas que
elas transbordam da minha vida doméstica e se infiltram em todo o resto.
Mas a maneira como Rhys está me olhando não é só desejo: é aquele
desespero que conheço tão bem das partes mais sombrias da minha mente
que me isolam de tudo.
A necessidade de sentir algo simplesmente para me firmar no agora.
Tenho que me lembrar do que é isso antes de me atrever a tocá-lo. Para
me deixar ser isso para ele. Rhys é um jogador de hóquei popular que oculta
tudo sob uma fachada impecável. Já o vi vulnerável, várias vezes, e sei que
ele não vai pedir abertamente, mesmo ao se aproximar um pouco mais.
Então me junto a ele, nossas respirações, nossos movimentos, até que sua
testa tensa esteja encostada na minha, o suor em sua pele agora frio no
vestiário gelado.
O hálito que sopra contra meus lábios é mentolado e fresco. Sei como
isso é assustador, que eu deveria mesmo me afastar, pegar meus fones de
ouvido e me concentrar, espantar minhas emoções borbulhantes como
costumo fazer, mas algo me mantém aqui, atraída por seu poço profundo de
desesperança, como uma mariposa que não resiste à chama.
Não posso salvá-lo, nem se eu quisesse. Se alguém precisa ser salvo, são
Oliver e Liam, e definitivamente não cabe a mim tentar proteger o jogador
de hóquei que se afoga na minha frente nesse instante.
Mas ele precisa de mim.
É. Na certa. Pra isso, talvez.
Não acontece devagar, leva só o tempo necessário para que eu tome
fôlego antes de avançar, os lábios encontrando os dele sem hesitação, apenas
uma necessidade.
Um gemido baixo escapa da garganta dele e soa como alívio absoluto.
Então ele reage e corresponde à paixão que estou alimentando até parecer
que a gente faz parte de um ciclo contínuo. Suas mãos alcançam minha
cintura, me puxando de um jeito quase brusco, e me sento em seu quadril,
montada nele no banco baixo. Suas costas batem nos armários enquanto os
patins meio amarrados nos pés sulcam o tapete de borracha.
Recuo de modo a olhar para ele e absorvo os detalhes: a mecha grossa
dos cabelos escuros caindo na testa, o rubor das bochechas e a escuridão dos
lábios inchados entreabertos, por onde sai a respiração ofegante. As mãos
dele ainda estão em mim, fazendo com que eu me sinta muito delicada pela
maneira como envolvem toda a minha cintura enquanto se movem para
cima.
– É isso que você quer? – pergunta ele num arquejo, a voz rouca,
enquanto me encara com os olhos semicerrados.
Estendo a mão para Rhys, mas ele pega meu pulso e o segura.
– Diz pra mim – insiste ele.
Minha voz se foi, minha boca está tão seca que parece que passei meses
sem uma gota de água. Só consigo assentir.
Um sorriso de tirar o fôlego e que nunca vi antes atravessa os lábios de
Rhys, duas covinhas aparecendo em suas bochechas quando ele ri e fecha os
olhos antes de pressionar a boca no meu pulso e murmurar contra a pele:
– Que bom. Eu também.
Não consigo decidir o que fazer com ele primeiro.
Deslizo as mãos pelos ombros e pelo pescoço, então entrelaço os dedos
nos seus cabelos. Agarro-os de leve e, dessa vez, me dedico ao seu pescoço,
passando a língua ali e distribuindo beijos rápidos. Ele geme de novo, um
gemido longo e alto com os lábios bem colados na minha orelha, o que
causa arrepios na minha pele. Os movimentos dos nossos corpos são
bruscos o bastante para fazer os dois fones de ouvido caírem; o celular dele
bate no chão, deixando a gente em um silêncio que ecoa.
As mãos de Rhys traçam um padrão na minha lombar e, por um
momento, começam a descer. Espero que ele faça algo, qualquer coisa,
simplesmente preciso de mais. Mas, depois de uma breve hesitação, suas
palmas acariciam minha coluna, subindo por cima da roupa até alcançarem
o cabelo na nuca, e se movem para tomar meu rosto nas mãos enquanto me
beija de novo.
Pego suas mãos enormes com as minhas, firmes e insistentes, e as deslizo
para baixo, descendo mais um pouco, até cobrir minha bunda.
Rhys geme, me aperta, e eu sorrio e mergulho num beijo para engolir seu
som.
É inebriante a sensação de estar em cima dele e no controle. Estamos só
nos beijando, mas parece mais do que qualquer amasso que já dei.
Minutos ou horas; não há um conceito real de tempo enquanto estou ali,
em cima das suas coxas. A única coisa que me mantém sã é o espaço que
guardo entre nós, meus joelhos plantados em ambos os lados dele, de
maneira que pairo sobre a saliência sob mim. Nem vou me permitir olhar.
E talvez essa seja a única razão pela qual ouço o estrondo alto que ecoa
quando a porta dos fundos bate, indicando a chegada de alguém.
Saio depressa do colo de Rhys, me atirando no chão.
– Que isso! – murmura ele, mas não consigo olhar para Rhys enquanto
meu celular se ilumina.
Não são nem seis da manhã, então não deveria ter ninguém nos
corredores dos fundos. Ainda assim, é um lembrete de que já não temos
aquelas manhãs de verão sozinhos: agora é a vida real.
O que significa que alguém muito específico vai estar aqui antes que eu
consiga me livrar do rubor nas minhas bochechas.
Fico de pé, prendo o cabelo num coque desgrenhado e me viro de novo
para o jogador de hóquei que, infelizmente, vai estrelar minhas fantasias a
partir de agora.
Eu me sento no banco em frente a ele como se nada tivesse acontecido,
ignorando a sensação abrasadora de seu olhar sobre mim mais uma vez.
– Sadie…?
O encanto se desfez. O calor dentro de mim se esvai quanto mais olho
para ele, a culpa assumindo o controle.
Você não pode ajudar ninguém. Você só vai estragar tudo para sempre.
– Tenho que praticar.
Calço meus patins e amarro os cadarços depressa com as mãos trêmulas,
como se tivesse absorvido cada pedacinho da ansiedade de Rhys. Ele abre a
boca, mas ergo a mão para detê-lo.
– Sério, Rhys, não fala nada. Foi bom.
– Então por que você tá indo embora?
Odeio a vulnerabilidade na voz dele quase tanto quanto me odeio.
Porque isso muda tudo que a gente construiu nas nossas manhãs
tranquilas. Não posso te salvar se for eu quem estiver te puxando pra baixo
comigo.
Preciso me concentrar. Oliver, Liam, Ro, patinação, trabalho, faculdade.
É isso que importa.
Não decepcione o treinador Kelley. Não deixe que este ano seja como o
anterior. Não se distraia.
Oliver, Liam, Ro. Patinação, trabalho, faculdade.
Quero dizer algo gentil, até pedir desculpa, mas a única coisa que
consegue sair dos meus lábios inchados é uma repetição frágil:
– Tenho que praticar. – De pé nos meus patins e já com os protetores,
finalmente olho para Rhys mais uma vez. – E preciso de foco. Isso não pode
voltar a acontecer.
As sobrancelhas dele desabam e ele me observa enquanto jogo meu
moletom na mochila e quase saio correndo pelo túnel até o rinque.
Patino por apenas trinta minutos antes de decidir voltar, na esperança de
que ele esteja onde o deixei. Pratico um pedido de desculpa na minha
cabeça uma ou duas vezes, porque pedir desculpa não é bem algo que eu
faça o tempo todo. Mas, antes que eu possa contornar o túnel até o vestiário,
ouço duas vozes.
Uma delas é masculina, agora conhecida.
A outra também reconheço, infelizmente.
Dobro a esquina e vejo Rhys de pé, sem patins e totalmente ereto, uma
torre ao lado de Victoria cujo corpo flexível está coberto de elastano. Ela é
linda, com longos músculos torneados e coxas bronzeadas sob a saia de
babados. Pra completar, usa polainas azul-bebê que combinam
perfeitamente com os patins brancos e brilhantes. Ela se parece com as
garotas dos cartazes que eu tinha no quarto quando era criança, com as
atletas olímpicas recortadas de revistas que eu colava dentro dos meus
fichários da escola. A aparência dela é a que eu imaginava que teria hoje.
Graciosa e forte, mas bonita. Não essa patinadora cansada, emotiva
demais – até mesmo detestável – que me tornei.
Percebo que Victoria combina com Rhys. Ambos têm braços e pernas
compridos. Ela está com o cabelo louro-claro num coque bem preso, tem
lábios carnudos e exibe uma pele ainda bronzeada do verão que passou na
costa da Itália, o qual acompanhei com inveja pelas redes sociais debaixo do
edredom no meu quarto, comendo cerejas cobertas de chocolate até dizer
chega.
E Rhys, com sua máscara de perfeição, não deixa transparecer nenhum
traço de medo e vulnerabilidade. No lugar do cara de antes está o belo astro
de hóquei universitário que imagino que ele costume ser: o cabelo
bagunçado como se tivesse acabado de sair de uma patinação intensa, a pele
corada e um sorriso que brilha como uma estrela. A luz cintila até em suas
íris, as pequenas manchas cor de avelã mais reluzentes enquanto os olhos
ficam enrugados e as covinhas aparecem.
Ele é o próprio menino de ouro do campus que imaginei. Uma versão
um pouco mais robusta da foto de equipe que encontrei na minha pesquisa
ilícita na internet.
Algo nisso faz meu estômago doer.
Victoria coloca a mão delicada no braço dele enquanto volta a falar. Uma
explosão irracional de ciúme faz com que minha coluna se endireite antes de
me sentar longe dos dois no banco, batendo minha mochila ali com mais
força do que o necessário.
– Ah!
Victoria se apruma depressa ao me notar e gira o corpo um pouquinho
para conseguir encarar nós dois. Fica abrindo e fechando uma presilha de
cabelo rosa na alça de sua bolsa. O som de algo raspando penetra nos meus
ouvidos, mas não mais do que sua risadinha alegre.
– Bom dia, Sadie. Não vi você aí. Já conhece o Rhys?
Ela gesticula para ele, inclinando o ombro na direção do bíceps dele
como se fossem íntimos.
Enquanto ainda sinto o gosto dele.
Lambo os lábios. Meus olhos deslizam para encontrar o olhar curioso
dele, grudado no meu rosto do jeito que sempre tem acontecido.
– Não. Não sabia que era dia de trazer o namoradinho pro trabalho, ou
eu não teria vindo sozinha.
Embora as palavras sejam dirigidas a Victoria, é Rhys que quero atingir.
O rápido movimento de sua mandíbula e o inflar de suas narinas são as
únicas provas de que fui bem-sucedida.
Meu celular vibra de novo e finalmente o pego, atendendo sem nem
olhar.
– Que foi?
– Sadie. – A voz chorosa do meu irmãozinho mais novo chega através da
linha e meu coração despenca até a barriga. – Você… você tem que voltar.
Não hesito nem por um instante antes de sussurrar para o aparelho:
– Tô indo, chuchu.
Desligo em seguida. Ainda de costas para eles, amontoada no canto
como se pudesse desaparecer ali, ouço o suspiro pesado de Victoria.
– Foi mal – diz ela, sua voz um sussurro baixo e suave destinado apenas
a Rhys na sala cheia de eco. – A Sadie é meio… solitária. Ela não se dá muito
bem com outras pessoas.
Eu me dei muito bem com ele por um mês.
A maneira como ela fala de mim, como se eu fosse uma criança
problemática, só aumenta minha raiva por seu rostinho descansado e sua
beleza de olhos brilhantes, até que a irritação borbulha da minha boca.
– Bem, só tem espaço pra uma pessoa no primeiro lugar, Vicky – disparo
com um sorrisinho de ódio no meu rosto mal-humorado e pálido. – Mas
talvez um dia você chegue lá.
– Sadie.
Meu estômago revira e o suor se acumula na minha testa. O treinador
Kelley está de pé na porta com um olhar carrancudo e as sobrancelhas
franzidas. A decepção dele sempre foi uma enorme fraqueza minha, já que
ele é a única figura masculina que admirei durante a maior parte da minha
vida.
Ele começou a me treinar quando eu tinha 11 anos, depois de me ver dar
um chilique por minha sequência de primeiros lugares ter acabado, sem
nenhuma figura paterna para me impedir de puxar a coroa de plástico da
cabeça de outra menina com o cabelo penteado para trás. Ele só tinha cinco
anos de experiência como treinador na época: havia começado a carreira
logo após romper um ligamento cruzado anterior e não conseguir mais
recuperar o nível do salto Lutz quádruplo que tinha atingido na Olimpíada.
Ele me acompanhou dos juniores até a faculdade, quando perdi as
classificatórias para a Olimpíada. Mas sua decepção por saber que sua
melhor aluna nunca patinaria pela seleção dos Estados Unidos me
assombrou. Em parte, foi isso que fez minha saúde mental ir por água
abaixo.
E também que me levou a tomar uma sanção da universidade. Só vou
poder competir quando aumentar minha frequência para pelo menos
setenta por cento.
– Treinador. – Faço uma careta, quase incapaz de engolir, tamanho o
pânico.
Meu Deus, por que todo mundo está aqui tão cedo hoje?
Estendo a mão para desamarrar os cadarços dos patins e evitar todos os
olhares na minha direção.
– Vamos ter problemas de novo este ano?
Mantenho a cabeça erguida, mas minhas bochechas estão quentes de
vergonha por conta da óbvia bronca – e, pior, na frente de Victoria e Rhys.
– A gente já conversou sobre… – começa ele, antes de se dar conta de
que estou desamarrando os cadarços dos patins. Suas sobrancelhas se
arqueiam bastante. – O que você tá fazendo?
Balanço a cabeça. Frustração, raiva e medo se misturam a ponto de fazer
meus olhos arderem.
Isso é culpa sua! Você beijou Rhys. Você se distraiu. Você deixou Oliver e
Liam sozinhos.
– Não dá. – Balançando a cabeça, ranjo os dentes a ponto da minha
mandíbula quase se partir. – Tenho que ir.
– Sadie – dispara o treinador Kelley, agarrando meu braço enquanto
tento passar por ele. – Você conhece as regras. Sua sanção ainda está
valendo. Você não pode perder…
– Eu sei.
Eu me livro do aperto dele, sem me preocupar em olhar para trás
enquanto corro para fora dali na direção do meu carro.
– Sadie – chama uma voz assim que minha mão agarra a maçaneta da
porta do motorista. – Peraí… Aonde você tá indo?
Fecho os olhos com força e disparo depressa:
– Me deixa em paz, Rhys.
– A gente precisa conversar…
– Não, não precisa. – Atiro a mochila no banco do carona. – Eu tenho
que ir e você precisa sossegar. Você tá ficando grudento, craque.
Odeio essa versão minha: desesperada, motivada pelo medo e detestável,
querendo tudo e todos longe porque é muita coisa para lidar. Mas Rhys
precisa ver isso para se dar conta de que aquele beijo foi um erro.
Ouço a vozinha de Liam se repetindo dentro da minha cabeça.
Bato a porta do carro, travo a tranca e tento dar a partida, mas ouço
apenas o grito estridente do motor se recusando a funcionar.
– Não – murmuro, lágrimas ardendo nos olhos. – Não, não, não!
Tento dar a partida de novo e de novo.
Nada.
Há uma batida na minha janela antes que o menino de ouro do hóquei e
seus olhos tristes estejam ao lado do meu carro, fazendo sinal para que eu
abaixe o vidro. Quero ignorá-lo, mas o medo pulsando na minha garganta
faz com que minha mão gire a alavanca e abra a janela.
– Que foi?
Rhys suspira, passando a mão pelos cabelos longos e bonitos de uma
forma que me distrai e me irrita ao mesmo tempo.
– Eu sei que você disse que não somos amigos.
Estou sendo ridícula, mas não consigo me impedir de disparar:
– Você tem razão nesse ponto.
Uma risada estranha brota dele e quase parece que está lhe causando dor.
– Certo, bem, foi você quem enfiou a língua na minha boca, gatinha,
então acho que o seu jeito de não fazer amizade é algo com que posso lidar.
– Gatinha? – disparo antes que consiga deixar a vergonha por conta de
seu comentário grosseiro me dominar por completo. – Presta atenção.
“Lindeza” já era ruim o bastante.
– É por causa dos seus olhos.
Ele dá um sorrisinho e, por um momento, consigo enxergar o Rhys de
antes. Talvez nossos caminhos já tenham se cruzado, na verdade, porque
agora ele parece o herói do campus, o menino de ouro do hóquei e
exatamente o tipo de ficada casual com a qual eu estaria me envolvendo.
– Não. – Eu o encaro com fúria.
Ele ergue as mãos numa rendição rápida.
– Vou escolher outro apelido pra você, então.
– Sem apelidos – retruco.
Apelidos parecem muito íntimos.
Ele bufa.
– Olha quem fala, a garota que fica tirando sarro de mim dizendo que
sou o craque do hóquei. Tá tentando me deixar com algum complexo?
– É difícil te dar algo que você já tem.
Na verdade, eu não o conheço. Na verdade, tudo o que vi dele até então
só deve ser a prova de que ele não é o craque do hóquei que gosto tanto de
falar. Durante o mês em que patinei com ele, Rhys ou foi tão fofo que fez
meu coração doer, ou esteve triste e em pânico de um jeito devastador.
Nenhuma parte que ele dividiu comigo foi a imagem do capitão de
hóquei, Rhys Koteskiy… Até hoje.
– Tá bem – diz ele.
Mas a expressão em seu rosto parece um pouco desamparada e me faz
querer retirar o eu que disse. Odeio isso. Mordo o lábio com força, na
esperança de evitar que qualquer outra coisa horrível saia da minha boca.
Meu celular toca de novo: os rostos sorridentes de Oliver e Liam brilham
na tela e enviam outra onda quente de ansiedade pelo meu corpo. Atendo
depressa, esperando, de olhos bem fechados, ouvir os soluços de Liam, mas
é Oliver dessa vez.
– Sadie?
– Ei, campeão. – Mal consigo me forçar a falar. – Você tá legal? Já tô a
caminho.
– A gente perdeu o ônibus de manhã. E o Liam fez xixi na calça de novo.
A gente vai se encrencar por ser o primeiro dia de aula?
Uma respiração de alívio deixa meus lábios e balanço a cabeça, mesmo
que ele não consiga ver.
– Tudo bem, tá tudo bem. E não, vocês não estão encrencados. Não se
preocupa. Logo vou chegar em casa e a gente vai dar um jeito.
Depois de desligar, viro o corpo todo para a janela abaixada e agarro a
borda com as duas mãos.
– Você ia me oferecer uma carona? Porque vou aceitar.
– Ia.
A expressão de Rhys é uma mistura de alívio e confusão, provavelmente
por causa da minha atitude ora calorosa, ora fria.
– Ótimo!
Quase o derrubo quando abro a porta de repente. Ele só vacila por um
instante antes de pegar a maçaneta e segurar a porta para mim. Tira a
mochila do meu ombro, leva para seu carro chique e reluzente – que já
admirei uma vez esta manhã – e a coloca no banco de trás.
Quando entro, sinto o couro frio na minha pele. Eu me inclino para trás,
como se já tivesse estado nesse carro com ele um milhão de vezes.
A bolha que se forma ao meu redor quando estou sozinha com Rhys
começa a me envolver enquanto ele se acomoda ao meu lado e pega meu
endereço. Seus olhos ficam atentos à câmera de ré e depois ao trânsito, como
se ele tivesse acabado de tirar a carteira de motorista.
– Detesto dirigir – diz ele, bufando, depois de alguns minutos em
silêncio, as bochechas brilhando e os olhos arregalados como se não fosse
bem sua intenção dizer isso em voz alta.
– Por que aceitou me dar carona, então?
Sua testa fica franzida de novo, as mãos apertam o volante com força
antes de ele soltar um suspiro pesado que agita o cabelo cheio sobre a testa.
E então sorri, aquele mesmo sorriso radiante e estrelado, cheio de covinhas,
e percebo… que não é falso, ele é lindo desse jeito mesmo.
– Você precisava da minha ajuda.
Não confio em mim mesma para responder qualquer coisa.
Ficamos em silêncio no carro, mas meus ouvidos estão atentos à música
que ele coloca pra tocar, como sempre ficam. É apenas a estação pop local,
transmitindo os principais sucessos do momento. Rhys não canta junto,
nem mesmo bate os dedos; é como se estivesse concentrado demais em
dirigir para notar qualquer outra coisa. Enquanto isso, todos os músculos do
meu corpo estão tensos para não me deixarem cantar todas as músicas ou
dançar no assento. Música, assim como sexo, é uma forma de alívio
para mim. Quando tudo parece me sobrecarregar, é um espaço seguro para
canalizar as coisas – muito mais do que minha tendência a me entregar a
pegações no banheiro de madrugada ou a encontros que não duram nem
uma noite inteira.
Música, qualquer estilo, faz com que eu me sinta bem.
Estou tão ansiosa com a tensão aumentando dentro do carro que tento
sair pela porta como um brinquedo de mola no segundo em que ele se
aproxima um pouquinho da esquina da minha rua sem saída, empurrando a
porta com força para abri-la.
– Meu Deus! – grita ele, freando com tanta força que a porta aberta
balança, quase me atingindo, apesar de eu estar segurando o puxador. – Pelo
amor de Deus, Sadie, por favor, nunca mais faz isso.
Quero retrucar algo sarcástico, mas há um medo genuíno nos olhos dele.
Pela expressão em seu rosto, é como se tivesse acabado de ver um fantasma.
É o mesmo olhar que vi nele quando caí e bati nas placas.
Por isso, mordo o lábio e murmuro um pedido de desculpa, emendando
com um agradecimento enquanto aponto por cima do ombro para a casinha
dilapidada de dois andares e tijolos vermelhos atrás de mim, a grama muito
alta e cheia de ervas daninhas. Não tenho vergonha – já tive o suficiente para
uma vida inteira –, mas Rhys em um BMW preto brilhante é algo que logo
me passa a ideia de faqueiros de prata e dinheiro do papai, mesmo que ele
tenha um poço profundo de segredos e traumas emocionais debaixo do
cabelo bonito e do sorriso lindo. Mostrar a minha casa, onde se encontram
todos os meus segredos, de fato não está no topo da lista de coisas que eu
gostaria de fazer com o jogador de hóquei.
– Preciso ir. Sério, valeu, Rhys.
Ele estende o braço comprido pelo painel e consegue me impedir de
fechar a porta. O gesto é surpreendentemente sedutor e minhas bochechas
ficam coradas e quentes.
– Tem certeza de que você tá legal? – pergunta, a preocupação em seu
rosto me estabilizando.
Ele deixa o resto no ar, mas posso ver nos seus olhos. Eu o ajudei quando
ele não conseguia ficar de pé, e ele está se oferecendo para fazer o mesmo.
Mas sei que convidá-lo para minha prisão só vai colocar em risco aqueles
que confiam em mim e vai revelar tudo o que consegui conter por anos. Isso
sem falar que ainda posso senti-lo – e sei que me permitir continuar perto
dele só vai piorar as coisas. Mesmo agora, tudo o que quero é deixar as mãos
dele agarrarem meu quadril e me puxarem até seu colo com a força que sei
que ele tem, para em seguida me pressionar contra o volante…
Não. Não com ele. Para com isso.
– Preciso ir. Obrigada – repito, fechando a porta.
Na manhã seguinte, antes mesmo de planejar o que vou fazer para
recuperar meu carro, saio de casa e encontro meu jipe na entrada da
garagem, limpo e encerado. E ele dá a partida sem reclamar.
CAPÍTULO ONZE
Rhys
Acabamos não indo pra nenhuma festa nessa noite, mas pra nossa
lanchonete local favorita. Bennett se senta à minha frente e Freddy, à minha
direita, e beliscamos as sobras do nosso pedido enorme. Tem três pratos de
asinhas, batatas rústicas e legumes pela mesa e, no centro, o último pedaço
de um pretzel gigante quase caindo do gancho no qual foi entregue.
Bennett está sorrindo agora, um sorriso verdadeiro que exibe todos os
dentes, enquanto Freddy conta de novo a história de quando deu em cima
da coordenadora de desenvolvimento de jogadores do Bruins durante o
intensivo de verão e quase foi derrubado no gelo logo em seguida pelo
namorado dela, que é jogador profissional da liga.
– Nem ferrando que o cara vai te ajudar com aquele drible cheio de firula
lá – diz Bennett, engolindo outro gole da cerveja produzida na região, que
tem um tom quase laranja.
Quando se trata de cerveja, ele é bem metido a besta e não quer saber de
dividir comigo e com o Freddy.
– Essa jogada tem nome, tá?
O sorriso de Bennett só fica maior.
– Pois deveria se chamar Missão Impossível. De jeito nenhum você vai
conseguir ficar bom o suficiente nela pra usar numa partida.
O jeito alegre deles de falar traz um sorriso aos meus lábios quase sem
nenhum esforço. No ano passado, Bennett esteve prestes a dar um chega pra
lá em Freddy, de saco cheio da arrogância e da obsessão dele com dribles
exuberantes. Não eram jogadas que ele pudesse pôr em prática no calor do
momento durante uma partida, mas Freddy adorava encarar os
aquecimentos e os treinos como um confronto só pra irritar nosso
pacato goleiro.
– Teve notícias de Tampa?
É Bennett quem pergunta. Tenho que engolir em seco antes de fazer que
não com a cabeça.
Antes mesmo de vir para a Waterfell, fui convocado pelo Relâmpagos da
Baía de Tampa. Depois que meu diploma estivesse garantido, eu teria um
lugar no time. Só que, logo após a lesão, eles retiraram a oferta e não tive
mais notícias, o que me deixou desesperado por provar a outras equipes
profissionais que ainda sou bom, talvez melhor que antes.
Meu melhor amigo me observa com atenção, de olho na minha bebida
de uma forma que me faz me perguntar se recebeu alguma mensagem da
minha mãe, mas tento ignorar. Ainda assim, o suor começa a se acumular
na minha testa e a onda de calor no meu pescoço me faz puxar o colarinho.
Se existe alguém que vai notar que tem algo errado comigo, essa pessoa é
Bennett Reiner.
– Mas tão de brincadeira comigo! – resmunga Freddy com a boca cheia
de massa antes de soltar um gemido e se afundar no assento, batendo o
celular na mesa pegajosa.
– Que foi?
– Essas drogas de marias-patins acabando com a minha vida – se queixa
ele, então arranca o resto do pretzel do suporte feito um homem das
cavernas e enfia tudo na boca já cheia. – A história da Paloma tá fazendo
com que eu me arrependa de dar ouvidos a vocês dois, seus manés.
As narinas de Bennett se inflam, o maxilar se retesa enquanto ele engole
uma resposta atravessada. Em geral, esse seria o momento em que eu
mudaria de assunto para manter a paz, mas estou distraído pelo vídeo que
está sendo reproduzido sem parar no celular do Freddy.
Não me importo com a loura em primeiro plano que gira a câmera para
mostrar toda a festa da fraternidade. No entanto, reconheço uma garota de
cabelos escuros enquanto a câmera passa depressa por ela.
A garota só fica visível por um segundo, então o vídeo muda para uma
sequência de fotos de drinques e brindes e, antes que eu consiga pensar
direito, tiro o celular de Freddy da mesa, clico para voltar e pauso o vídeo
apertando o polegar com força.
É ela.
Sadie, sentada no braço de um sofá vermelho de gosto duvidoso, a
postura torta e meio jogada, o queixo apoiado na palma da mão. Ela bate as
unhas na bochecha enquanto olha sem interesse para o cara que sobe e
desce as mãos por suas panturrilhas, sentado ao lado dela no sofá.
Ela parece terrivelmente entediada e incrivelmente linda, com a cara
emburrada a que estou tão acostumado agora, os lábios franzidos pintados
de batom. Está bem atrás de Paloma, perto o suficiente da câmera para que
eu consiga ver seu rosto, os olhos acinzentados realçados por rímel, o cabelo
penteado para trás em um belo rabo de cavalo trançado, usando um vestido
cinza sensual que parece mais adequado para uma noite sofisticada do que
para uma festa da fraternidade fora do campus.
Meu peito dói, e o pânico escorre de um jeito estranho pela minha
coluna.
Não fala nada. Foi bom.
Foi o que ela disse. Mas não foi bom o bastante, porque ela não me
procurou de novo. Nem apareceu na nossa patinação matinal ou na segunda
noite da aula de Aprenda a Patinar.
Não a culpo. Sei que ultimamente não passo de uma casca vazia quando
se trata de desejo ou paixão. Tenho medo de tentar qualquer coisa sozinho,
que dirá com outra pessoa.
Cheguei a pensar nisso, mas o vazio e a depressão que corroem minhas
entranhas sempre acabam superando qualquer desejo. Mesmo quando
tentei uma ou duas vezes no chuveiro, a dor que invadiu minha cabeça e a
falta de algo em que pensar para me sentir bem, mesmo que só um
pouquinho, acabaram fazendo com que me sentisse ainda pior.
Patético.
Mas senti algo com ela, algo real e quente que afugentou cada parte das
sombras escuras para longe enquanto eu me concentrava nela. Só nela.
– Meu Deus do céu, Rhys! – berra Freddy, balançando meu ombro e
tirando o celular das minhas mãos, que seguram o aparelho com força. –
Você tá legal?
Minha respiração sai um pouco barulhenta demais para o meu gosto,
despertando a preocupação dos meus amigos. De algum jeito, Bennett
conseguiu franzir ainda mais a testa, um pouco de frustração e raiva se
misturando com a angústia.
– Você tá com ela de novo? – pergunta ele, sua voz baixa e calma.
Levo um instante para perceber que ele não está falando da Sadie,
porque é claro que isso seria impossível. Ele não a conhece, muito menos faz
ideia do que aconteceu entre a gente.
Não, Bennett está perguntando da Paloma, a maria-patins fenômeno
com quem eu estava saindo antes. Foi só por umas semanas e posso contar
nos dedos da mão as vezes que dormimos juntos, mas todo mundo ficou
falando disso por meses, como se Paloma Blake tivesse conquistado seu
maior troféu ao pegar o capitão.
– Não. – Balanço a cabeça, agarrando minhas coxas debaixo da mesa
para acalmar os tremores. – Não tô com ela, não.
– Você conhece ela? A Sadie?
Meu rosto vira para Freddy feito um chicote e o movimento repentino
me dá uma dor de cabeça instantânea. Os olhos dele brilham quando tira
uma captura de tela, dá zoom na foto e passa o celular para um Bennett
curioso mas quieto.
– E como é que você conhece ela? – As palavras saem antes que eu
consiga detê-las, os músculos muito tensos enquanto espero a resposta de
Freddy.
– Só conheço de vista. Andei vendo ela numas festas aí, só isso. – Ele faz
um gesto de desdém para mim antes de abrir um sorriso muito largo. – E
como é que você conhece ela?
Ela me tirou do gelo depois que tive uma porcaria de ataque de pânico
quando estava simplesmente tentando patinar, o que não consigo mais fazer
sem surtar, depois flertou comigo e sorriu para mim até que eu conseguisse
respirar direito. Ela me beijou a ponto de eu quase sentir que não estava mais
em ruínas.
– É mesmo – acrescenta Bennett, deslizando o celular de volta pela mesa
lotada de pratos depois de terminar de analisar Sadie. – Considerando que
você passou o verão todo trancado em casa.
Estremeço, mas deixo passar, como faço com toda bordoada que Bennett
dá. Eu mereço isso.
– Ela é patinadora artística…
Freddy estala os dedos e aponta para mim.
– Eu sabia, caramba! Sabia que tinha reconhecido essa garota de algum
lugar.
– Você acabou de dizer que viu ela numa festa.
– Quero dizer de outro lugar. Enfim, continua.
– Tenho passado um tempo sozinho no rinque da comunidade e, pelo
visto, ela teve a mesma ideia.
– Vocês estão…?
– Definitivamente não.
Freddy ergue as mãos numa rendição silenciosa.
– Só pensei que… Quer dizer, é você quem tá olhando meu celular como
se ele fosse a taça da Copa Stanley.
Não nego, mas opto por uma pequena pitada de sinceridade.
– Ela parece legal. Mal conheço a garota, mas… é.
– Vamos pra festa, então?
Minha cabeça começa a funcionar. Imagino uma cena em que apareço
na casa, entro e roubo a atenção e o tempo dela, coloco minhas mãos na sua
pele, muito mais exposta do que já vi no rinque. Fico imaginando se o
batom dela vai grudar na minha pele, para que mais tarde eu acorde dos
pesadelos com uma lembrança real de algo bom.
Não fala nada.
A rejeição dela funcionaria como um tiro na cabeça, um para o qual não
estou preparado, então me detenho antes de dizer sim e faço que não com a
cabeça.
– Preciso dormir bem pra nossa reunião de pré-temporada amanhã.
– Ah, vamos lá, Rhys – implora Freddy. – A gente só vai dar uma
passadinha, nem vai beber nada. Prometo.
As promessas de Freddy são tão confiáveis quanto as de um político, mas
um jorro de adrenalina deixa os pelos da minha nuca eriçados só de pensar
em ver a garota que anda atormentando meus pensamentos.
CAPÍTULO DOZE
Sadie
Levar Ro para uma festa é como arrancar um dente, mas, de algum jeito,
fazer Ro ir embora é ainda pior. Principalmente hoje, porque, apesar dos
meus esforços para mantê-la sóbria, ela está uma bêbada alegrinha. Bato na
porta do banheiro de novo, a testa franzida de preocupação.
– Ro? – chamo mais uma vez. – Você tá legal?
Há um silêncio prolongado e cogito arrombar a porta. Em vez disso,
pressiono a orelha ali mais uma vez e enrolo uma mecha do meu rabo de
cavalo, já sem a trança, girando-a nos dedos.
Finalmente, há um barulho alto e, em seguida, ouço:
– Tô bem! – grita ela lá de dentro, um pouco alto demais.
Ouço a água da torneira correndo e me encosto na parede, os olhos
fechados e a cabeça jogada para trás.
A ideia da festa foi minha, mas Ro concordou depois que peguei um
marcador permanente e adicionei “vir comigo a esta festa” na lista de coisas
que ela quer fazer na faculdade antes de morrer. Em parte, é por mim, mas
também para ela sentir algo bom de novo, em vez de ficar perdida dentro da
própria cabeça. As queixas dela de “Agora eu tenho um namorado” foram
ouvidas e devidamente ignoradas pela minha pessoa, porque de jeito
nenhum vou tolerar a maneira como vi aquele cara tratar minha amiga nas
poucas vezes que nos encontramos durante o verão.
Tyler ainda está em um curso intensivo de engenharia biomédica. Ro
não me contou o que aconteceu, mas vi as mensagens por cima do ombro
dela enquanto arrumava seu cabelo no banheiro. Ela avisou a ele que viria à
festa comigo, aí ele pediu fotos dela e em seguida sumiu no meio da
conversa, depois de mandar uma mensagem que dizia só “tá”.
Ela está fingindo não estar triste, afogando os sentimentos nas doses de
tequila que tomamos antes de dançar sem parar até que tudo em que ela
conseguisse pensar fosse puxar o máximo que podia a bainha do shortinho
lilás estampado. E tudo em que eu consigo pensar é enfiar a lâmina dos
meus patins no pescoço de Tyler na próxima vez que o vir.
– A festa tá tão ruim assim?
A voz conhecida parece seda fria na minha pele quente e corada. Abro os
olhos e sou recebida pela visão de Rhys. Ele parece todo arrumado e seguro
de si, o que é novidade nas nossas interações.
Não o vejo há uma semana e sinto uma vontade avassaladora de
perguntar se ele está bem, se teve outro ataque de pânico ou se está pronto
para seu primeiro treino de verdade, um evento que está circulado num azul
forte no meu calendário.
Meus olhos o devoram. Seu corpo alto e magro combina perfeitamente
com o jeans escuro e a blusa preta que se molda de leve a seus bíceps
enquanto está encostado na parede em frente a mim. Percebo o tom claro de
seus olhos e um leve rubor nas bochechas – ele não está bêbado, mas bebeu
alguma coisa. O que, de algum jeito, me deixa ainda mais confusa, porque
não tinha notado a presença dele em nenhum lugar da casa.
– Por que você acha isso? – pergunto, alisando a saia do meu vestido e
puxando um pouquinho a bainha.
Detesto a onda de constrangimento que zumbe pelo meu corpo
enquanto ele me absorve, seus olhos logo analisando meu vestido de seda
cinza curtinho e o All Star branco com solado de plataforma para meus pés
doloridos.
Posso estar meio bem-vestida demais nesse mar de jeans e couro, mas
pareço mil vezes mais gostosa do que me sinto de fato. Sem mencionar que
o vestido facilita bastante entrar e sair da festa com o que vim buscar: uma
distração rápida – que, no momento, minha mente traidora julga que
deveria ser o craque que acabou de aparecer, como um desejo realizado.
– Porque é quase uma da manhã e você não parece nem alegrinha.
– O que eu pareço então, craque? – pergunto, sorrindo com malícia,
apesar das minhas promessas anteriores de esquecer o cara de olhos tristes.
– Parece estar sofrendo – dispara ele, com muito mais veemência do que
em nossas interações anteriores.
A franqueza dele e o brilho em seus olhos me deixam mais quente e
minha pele clara fica avermelhada.
Parece estar sofrendo.
Meu Deus.
É assim que vai ser, então? Toda a profundidade do que vi nos olhos dele
e seu pânico óbvio são refletidos em mim; do mesmo jeito que enxerguei
através dele com tanta facilidade, ele agora consegue me enxergar, como um
espelho retorcido e quebrado.
– Ótimo jeito de acabar com o clima de festa – consigo dizer por entre os
dentes sob uma onda súbita e sufocante de náusea antes de me virar para
bater na porta de novo, rezando para conseguir uma fuga do tormento de
seus olhos quentes cor de chocolate.
– Você não estava em clima de festa.
– Não? – disparo, os olhos semicerrados voltando-se na direção dele por
cima do ombro. Meu rabo de cavalo balança com a rapidez do meu
movimento. – Por que você acha?
A porta se abre e uma Ro tontinha tropeça para sair do banheiro, rindo e
soluçando feito uma fadinha bêbada. Ela vê a gente, os olhos se arregalando
enquanto termina de acertar o top listrado sem alças que combina com o
short, depois ajeita as botas creme de cano alto que lhe dão alguns
centímetros a mais do que eu, dos quais ela realmente não precisa.
Ela coloca os braços ao redor dos meus ombros, se inclina e oferece a
mão para Rhys, que a pega com delicadeza.
– Eu sou a Ro.
Ela sorri, ainda me olhando de lado, agitando as sobrancelhas.
– Rhys – diz ele.
O sorriso dele é deslumbrante, e percebo que Ro, bêbada e romântica
demais, fica um tanto atordoada.
– Ro. – Eu sorrio, mas sai mais como uma careta. – Pode dar um minuto
pra gente? Eu vou descer e te encontrar, e aí a gente pode ir embora.
– Pensei que você e o Sean…
Minha mão cobre os lábios dela, com brilho labial recém-aplicado. Puxo
a mão depressa e limpo o resíduo na perna. Ro franze a testa para mim de
um jeito dramático, as bochechas coradas enquanto encara meu rosto, e faço
um esforço consciente para ignorar o olhar de Rhys que queima minha pele.
– Diz pro Sean que mudei de ideia. Aquele seu amigo da aula de inglês tá
por aí. Que tal você ir conversar com ele?
O rosto de Ro fica ainda mais vermelho quando ela ri e recua para se
segurar na parede, só que não é numa parede que se apoia, mas num cara.
Um que também reconheço.
O corpo alto, magro e musculoso para de repente, deixando Ro se
moldar a ele por completo quando ela tropeça e se agarra nele. Ele coloca as
mãos nos quadris de Ro para firmá-la, seu rosto jovial se iluminando como
se houvesse estrelas em seus olhos ao ver que um prêmio perfeito acabou de
cair bem no seu colo – e, para ser justa, meio que caiu mesmo.
– Foi mal – diz Ro, sem fôlego, seu rosto se inclinando para ele.
Os cachos dela caem numa cascata pelas costas e as presilhas de
florezinhas que passei uma hora colocando com todo o cuidado deslizam
pelos fios, mal mantendo o cabelo no lugar.
O carinha que a segura abre um sorriso largo, o famoso sorriso ao qual
todas as garotas da festa – caramba, quase todas do campus – provavelmente
já sucumbiram. Não é difícil adivinhar o porquê: alto e musculoso, Matt
Fredderic, o deus do hóquei, é maravilhoso até dizer chega. Ele tem um
rosto bonito, de alguma forma angular e suave ao mesmo tempo, com um
sorriso esculpido que poderia ser a versão supermodelo do Heath Ledger
jovem.
Definitivamente não ajuda em nada que esteja vestido como se tivesse
saído de algum anúncio de férias na Grécia, a camisa de manga curta de
linho branco desabotoada no colarinho revelando a pele dourada, além de
uma corrente e um medalhão de ouro que reluzem sob a luz fraca do
corredor.
– Te peguei, princesa – diz Freddy para Ro. A boca dele se curva, as
mãos tocam as pontas dos cachos dela, que caem pelas costas. – Precisa de
ajuda?
– Não – disparo, agarrando a mão de Ro e arrancando minha amiga do
senhor Encrenca com E maiúsculo. Sei que, se ela estivesse sóbria, teria se
afastado desse cara no segundo em que tocou nele sem querer. – Sem
gracinhas, Rozinha… Agora vai. Eu te acho.
Ro resmunga ao ser chamada pelo apelido, mas solta o pulso do pegador
safado que está atrás dela e desce as escadas rebolando, ainda que de um
jeito meio instável. Freddy a observa com o mesmo brilhozinho nos olhos.
– De jeito nenhum – dizemos Rhys e eu ao mesmo tempo.
– Eu não fiz nada! – exclama Freddy, as mãos erguidas em rendição. – Só
vim aqui procurar você, seu mané. – Ele aponta um dedo acusatório para
Rhys. – Responde as mensagens do Reiner. Ele não tá acreditando que não
te embebedei.
– Vou falar pra ele que logo a gente chega em casa.
– Por quê? – pergunto.
Lamento no mesmo instante ter deixado isso escapar. Rhys ergue o olhar,
um pouco chocado e confuso, mas com um leve sorriso. Freddy sorri com
malícia, recua e some de vista.
– Quer dizer…
– Você quer que eu fique? – pergunta Rhys, mal contendo um sorriso
que está doido para dar as caras.
Ele fica imóvel, como se eu fosse me assustar caso se aproximasse
demais.
– Queria ver quanto você aguenta quando não acabou de passar por um
ápice de adrenalina.
Ele solta uma risada rápida que parece quase surpresa, depois balança a
cabeça e fecha os olhos, vindo na minha direção.
Antes que me alcance, no entanto, um corpo diferente se coloca entre a
gente, me empurrando contra a parede e ignorando minha companhia atual,
alheio à minha falta de interesse.
Sean (sobrenome apagado da mente, não consigo me lembrar) pareceu
uma boa ideia quando se juntou a mim na pista de dança mais cedo. Foi um
contatinho frequente meu durante a ruína absoluta da minha vida no
semestre passado. Pareceu uma ideia ainda melhor quando começou a
massagear minhas panturrilhas enquanto tagarelava sobre nada que eu
estivesse muito interessada em ouvir. As mãos dele são fortes, ásperas o
suficiente para deixar uma marca, ou assim deixei subentendido para ele
mais cedo.
Parece que, depois de ver Ro voltar sozinha lá para baixo, ele entendeu
isso como um convite.
– Você tá tentando me comer? – disparo, empurrando-o, a vergonha me
invadindo por isso ter acontecido diante de Rhys.
Detesto essa pontada de constrangimento tanto quanto o rubor
instantâneo e óbvio nas minhas bochechas. Não é por causa da pegação que
estou envergonhada; nunca tive vergonha da minha sexualidade, das minhas
escolhas, de fazer o que quero com quem eu quero. O meu modus operandi é
pegar e não se apegar e me recuso a pedir desculpa por isso. Se os homens
não precisam, por que eu deveria? Eu me divirto e satisfaço minhas
necessidades… na maior parte do tempo.
Então por que a presença de Rhys faz meu estômago doer?
– É a ideia, gata. – Sean dá um sorrisinho, me cercando de novo. – Tá
pronta agora?
Meu rosto fica ainda mais vermelho quando o empurro de novo.
– Na verdade, não tô interessada. Sai. De cima.
– Ah, então você quer ficar por cima?
Ele ri, mal recuando um único centímetro, mas é o suficiente para notar
alguém às suas costas. Ele gira e se apoia na parede, se inclinando na direção
do meu ombro como se pudesse deslizar sobre mim a qualquer momento.
Dá um aceno com a cabeça na direção de Rhys e abre um breve sorriso.
– Ah, saco. E aí, Koteskiy?
O “e aí” arrastado não ajuda a suavizar a rigidez ao redor dos olhos de
Rhys. Ainda assim, ele coloca um sorriso no rosto e acena com o queixo em
um cumprimento rápido e frio, depois olha para mim. É difícil lutar contra
o desejo no meu peito, meu coração lateja no esforço de não correr na
direção de Rhys e usá-lo como escudo contra o fantasma dos meus
momentos mais deploráveis.
– Vai chegar às semifinais este ano?
– A ideia é essa – responde Rhys, as mãos enfiadas nos bolsos, e ergue
uma sobrancelha ao observar minha postura tensa. – Beleza, lindeza?
O tom dele ao me fazer a pergunta não é mais brando do que o resto de
sua fala, mas algo nisso tudo é diferente… Familiar. Verdadeiro mas calmo,
como a tristeza branda gravada de maneira permanente em seus olhos, que
ninguém além de mim parece ser capaz de enxergar.
– Lindeza? – repete Sean.
Ele tira sarro, dando risada e apoiando o braço no meu ombro como um
peso morto. Será que, se eu parar de me forçar a ficar em pé, afundo no
chão?
– Tô interrompendo alguma coisa? – pergunta Sean.
– Tá – responde Rhys.
– Não – deixo escapar ao mesmo tempo.
O olhar de Rhys fica mais sombrio, o que eu não achava possível, então
dou uma ombrada em Sean para me desvencilhar dele e me afastar dos dois.
Sean solta uma gargalhada alta, som que fere meus ouvidos.
– Koteskiy, hein? Tá aumentando a concorrência este ano, Sadie?
Ele encosta em mim com o quadril, os olhos verdes pegando fogo
enquanto me agarra de novo.
É culpa minha que Sean se sinta desse jeito. No semestre anterior, passei
tempo demais me atirando nos seus amiguinhos bêbados da fraternidade só
para atiçá-lo, assim ele me levaria para o andar de cima apenas desejando se
aproveitar de mim, e não ser meu namorado. Se Sean enxerga Rhys Koteskiy
como algum tipo de joguinho entre a gente, é porque plantei esse tipo de
pensamento ali.
Eu deveria ser mais legal por causa disso, mas de alguma forma fico mais
zangada: comigo mesma, com Sean. Até com Rhys, por conta de qualquer
coreografia dolorosa que a gente esteja fazendo um com o outro.
– Não é nada disso – admito por fim.
E odeio que uma parte minha ainda queira agarrar Sean pela mão e levá-
lo para o banheiro agora vago, deixá-lo entrar no meu corpo enquanto fecho
os olhos e penso só em Rhys, em seus olhos profundos e castanhos olhando
para mim enquanto monto em seu colo, no som da respiração pesada dele
junto à minha pele…
Seria muito mais fácil ir embora depois disso, só baixar meu vestido e
dar o fora desta casa sufocante.
Mas não posso.
– Escuta…
O que quer que Sean estivesse prestes a dizer é interrompido de repente
quando Rhys agarra seu ombro e atrapalha sua tentativa de me cercar
de novo.
– Você não tá ouvindo direito? – pergunta ele, empurrando Sean com
força suficiente para que ele tropece, mesmo que Rhys mal tenha se movido.
– Ela disse não pra você várias vezes.
A voz dele está calma, ainda que uma tempestade se forme em seus
olhos.
– Você não conhece a Sadie. É tudo um joguinho pra ela, cara.
Cada partícula de confiança com que entrei nessa festa hoje se foi,
despedaçada. Espero que Rhys se afaste, mas ele só fica me olhando, como se
quisesse que eu negasse o que foi dito, e eu apenas permaneço ali evitando
seu olhar, encolhida.
Normalmente, eu faria isso, negaria. Adoraria retrucar. Mas estou tão
cheia de tudo e preciso de um alívio…
– Tudo bem – diz Rhys e chega mais perto de mim. Sua postura é
poderosa, encarando do alto um Sean muito relaxado e me protegendo
como um escudo. Sua mão se acomoda na minha cintura, deslizando ao
redor dela para pressionar a minha lombar. – Então ela pode fazer o
joguinho comigo. Vaza daqui de uma vez, merda.
O calor que se acumula no meu peito se espalha por todo o corpo, da
cabeça aos pés, meus batimentos disparados. A palma da mão dele, quente e
pesada, queima a seda fina do meu vestido.
Quero beijá-lo como se eu fosse uma menininha do colégio que teve a
honra protegida, como se ele fosse um príncipe num cavalo branco.
– A casa é minha.
Os olhos castanhos e calorosos ficam quase pretos e os punhos se
cerram. Quando Sean dá um passo para trás involuntariamente, percebo
que talvez esse comportamento não seja normal para a estrela do hóquei.
Pego a mão de Rhys depressa, envolvendo a minha ao redor do seu pulso.
– Vamos embora – digo com mais confiança do que sinto, avançando
com o todo o meu corpo e com força suficiente para puxar Rhys comigo.
As mãos dele se moldam a mim, me mantendo ereta e me tornando
hiperconsciente de quão grandes são suas palmas comparadas à minha
cintura.
Paro de repente quando Sean passa por nós dois e desce os degraus
pisando forte, seus resmungos raivosos quase inaudíveis, já que a música
está tão alta que as paredes chegam a vibrar.
Sinto a respiração de Rhys junto aos meus cabelos no alto da escada,
onde parei de repente.
– Seria legal me dar algum aviso da próxima vez, gata. A menos que
queira fazer esta temporada ser minha última.
O jeito dele de me chamar, meio que tirando sarro, funciona como uma
droga, relaxando todos os músculos tensos do meu pescoço, costas e braços.
É quase ridículo que eu perceba tão claramente que ele está tentando me
acalmar quando mal reconheço minha ansiedade, para começo de conversa.
Acabo bufando sem querer e inclino a cabeça para ele enquanto disparo:
– Cair da escada tiraria você do rinque a temporada toda? Pensei que os
caras do hóquei fossem indestrutíveis.
Leva apenas um instante para eu perceber que disse algo errado, cruzei
algum limite tácito com minhas palavras. O rosto dele se contrai, os olhos se
enchendo de novo daquele poço profundo de dor que quase sempre
enxerguei ali. Então ele ajusta a máscara e dá um sorrisinho rápido.
– Preciso encontrar minha amiga. – É a única coisa que consigo pensar
em dizer.
Ele indica com a cabeça os degraus que levam à festa barulhenta.
– Também preciso achar meu amigo.
Mas nenhum de nós se mexe.
Algo está me fazendo hesitar, mantendo meu corpo pressionado contra o
dele enquanto “The Hills”, de The Weeknd, começa a tocar lá embaixo. Eu
deveria sair para encontrar Ro. Voltar para casa e me satisfazer sozinha.
Deveria…
Com um giro, agarro o pulso de Rhys e o puxo de novo, direto para o
banheiro ainda vazio. Bato a porta e a tranco. Não há muita luz, apenas o
brilho vermelho opaco das lâmpadas pintadas que alguém instalou para a
festa. As paredes ressoam com a vibração do baixo vindo do térreo, a música
se infiltrando pelas rachaduras ao redor da porta enquanto agarro o tecido
preto da camisa dele.
– Sadie, eu…
– Sim ou não, craque.
É mais uma afirmação do que uma pergunta, mas meu cérebro parece
estar no limite, tentando se manter são em meio aos pensamentos
avassaladores que, a essa altura, poderiam ter sido abafados pelo toque de
outra pessoa.
Rhys parece estar quase sofrendo, seus olhos castanhos dilatados, a luz
vermelha piscando em seu rosto bonito e esculpido enquanto o queixo
pontudo permanece firme. Vejo o movimento em sua garganta e fico cada
vez mais excitada ao olhar para Rhys enquanto ele toma uma decisão.
– Só vou fazer isso se a gente conversar depois.
– E se eu não quiser?
– Sadie. – Ele agarra minha cabeça e me mantém imóvel enquanto leva a
boca até minha orelha. – Não sou de fazer… essas pegações no banheiro.
Não é…
A rejeição arde e eu me desvencilho dele, ignorando a leve dor no meu
couro cabeludo quando arranco minha cabeça de suas mãos.
– Mas tudo bem se a pegação for no vestiário? Contanto que seja pra
acalmar você, não a mim, né?
O que eu disse, o que acabei de revelar, passa despercebido até que eu
esteja com a mão na maçaneta da porta, desesperada para escapar dali.
CAPÍTULO TREZE
Rhys
Uma vez na vida, não penso demais. Não ao segui-la, imprudente, até o
andar de cima. Não ao deixá-la me levar para um banheiro vazio. Não nesse
exato instante, ao agarrar seu ombro para impedi-la de sair e então fazê-la se
virar, prensando com facilidade seu corpo pequeno contra a porta.
– É isso que você quer? – pergunto, me certificando de que, dessa vez, ela
consiga me sentir por completo.
Cada pedacinho do meu corpo está pressionado ao dela, conectado num
encaixe perfeito como peças de quebra-cabeça.
Ela é muito menor do que eu. Em nossas interações anteriores, eu estava
no chão, olhando para ela como se fosse alguma divindade que viesse me
salvar, então isso é algo que só percebo agora que estou acima dela com a
mão larga em sua cintura fina.
– Eu só… – começa Sadie, mas sua voz vai sumindo de novo.
As pupilas dela estão dilatadas e a luz vermelha de alguma forma destaca
as sardas sob seu olho, o formato do rosto fino.
– Me diz – quase imploro. Talvez seja a música muito alta, me dando
uma dor de cabeça daquelas, ou a luz vermelha que torna tudo isso quase
um sonho nebuloso, mas não consigo me calar. – Porque vou te contar uma
coisa: não consigo parar de pensar naquele dia no vestiário, e eu…
Ela me cala pressionando os lábios nos meus com força. Estou mais que
ávido para corresponder, me inclinando para passar os braços em torno da
sua cintura fina e erguer seu corpo mais para mim, pressionando-a mais
uma vez contra a porta. Como resposta, suas pernas musculosas se
entrelaçam em volta da minha cintura, se segurando com facilidade
enquanto ela se esfrega de leve na minha virilha em busca do atrito, como se
isso fosse salvá-la.
Sadie é como uma droga e o efeito é imediato: minha mente relaxa e algo
bom expulsa todas as sombras das minhas veias, até eu me sentir como o
antigo Rhys de novo, até minha dor de cabeça diminuir a um nível que dá
para ignorar. Inspiro a presença dela como se subisse à superfície após quase
me afogar. Absorvo o que ela me oferece, sabendo, pelas minhas
experiências anteriores com ela, que tudo vai mudar de repente.
Isso não vai ser suficiente para ela, e eu entendo. Mal sobrou o bastante
de mim para me considerar um ser humano completo. Como eu seria capaz
de segurar sua barra quando é ela que está se tornando a pessoa que me
mantém inteiro?
Meus lábios se demoram, desacelerando o beijo que começou frenético.
Passo a língua pela boca dela. Meus dentes roçam de leve seus lábios,
puxando a parte carnuda de baixo antes de soltar e descer mais. Dou mais
dois beijos no canto da sua boca, deslizando a língua por baixo do queixo,
então pressiono um pouco mais, beijando devagar a pele do pescoço.
O gemido que Sadie solta é leve e suave, o oposto do arranhão tenso das
suas unhas nos meus braços e na minha nuca, abaixo dos fios grossos do
meu cabelo um pouco comprido demais.
Meu estômago está se revirando, a náusea da minha dor de cabeça
misturada com o desejo intenso e a ansiedade por fazer isso aqui, com ela,
nesse maldito banheiro.
Eu me afasto para falar com ela, para pedir que venha comigo pra casa,
para implorar que fale comigo, mas ela se agarra ao meu pescoço, chupando
e lambendo a pele tão rápido que minha visão fica turva e eu me atrapalho
na parede, as mãos deslizando por baixo do seu vestido para agarrar a parte
superior das coxas e segurá-la de algum jeito.
Ela é tão forte que tenho a sensação de que poderia soltá-la e ela ainda
ficaria ali com facilidade.
Há uma batida na porta, para a qual Sadie logo responde:
– Vaza!
Eu sorrio em seu pescoço, quase embriagado por ela. Mas a pessoa do
outro lado é insistente, gritando através da fresta numa voz alta e melódica:
– Sadie Brown, você pode pegar o Sean depois.
Uma onda de frustração passa por mim, como se eu tivesse algum direito
sobre ela, como se ela fosse minha ou algo do tipo. Eu a beijei, então ela é
minha.
– O que você quer, Victoria? – grita Sadie.
– A Ro tá se jogando na piscina feito uma doida!
Isso a faz parar. Ela sai totalmente dos meus braços, puxando o vestido
para baixo bem na hora em que tenho um vislumbre de preto. Sem pensar
duas vezes se está com o pescoço vermelho, os lábios inchados ou o rabo de
cavalo quase solto, ela abre a porta e sai correndo.
Fico paralisado por um instante, observando-a escapar de mim como se
estivesse em chamas. Pisco diante do espelho, surpreso, e o banheiro meio
iluminado pelas lâmpadas no corredor, meio vermelho, quase me divide ao
meio. Meu colarinho está mais aberto agora, a camisa torta, com marcas da
boca de Sadie no meu pescoço. Não consigo evitar o calor que irradia pelas
minhas costas e deixa minhas bochechas um pouco escuras.
Acho que gosto do efeito de Sadie em mim.
Victoria me encara da porta, os olhos arregalados, com um sorriso
bonito no rosto. A gente já se esbarrou antes: nós dois somos estudantes do
terceiro ano da universidade, ambos capitães de equipe em nossos
respectivos esportes, cursamos comunicação, às vezes temos aula na mesma
sala. Nunca a namorei nem dormi com ela, mas ela já foi meu tipo. Sempre
perfeitamente arrumada. Inteligente, gentil, elegante, loura.
– Rhys – enfim ela consegue falar. – Eu não sabia que era você quem
estava aqui… com a Sadie?
Ela diz isso como uma pergunta, e, se fosse qualquer outra pessoa, eu
poderia negar. Mas aquele dia no vestiário vem à minha mente depressa, o
jeito defensivo e ferido de Sadie que me faz querer protegê-la, mesmo
sabendo que ela não me deixaria fazer isso se estivesse aqui.
– É, só passei aqui pra pegar ela. – Acho que de maneira literal e figurada,
já que a bunda dela estava nas minhas mãos. – É melhor eu ver se ela precisa
de ajuda.
Victoria sorri para mim, os olhos talvez um pouco menos brilhantes.
Passo por ela e desço as escadas.
Sadie
Rhys
Almoço?
RHYS
Oi.
SADIE
Isso é o equivalente a um “Você tá acordada?” para um Koteskiy?
RHYS
Você quer que seja?
RHYS
Só tô deitado na cama ouvindo música.
Em vez de uma mensagem de texto como resposta, recebo uma foto dela
que faz com que eu me sente na cama de um pulo, soltando o celular, as
mãos de repente escorregadias. Trago o aparelho de volta para perto do
rosto como se fosse perder a imagem se fechasse os olhos por um segundo.
Ela está deitada, o cabelo numa bagunça de ondas que brincam ao redor
dos lençóis azuis emaranhados e de um edredom branco. Não está sorrindo,
mas seus lábios ligeiramente franzidos se erguem um pouco em um dos
cantos. Um olhar penetrante, o cinza-escuro é intenso até mesmo através de
uma tela. A pele está um pouco corada e o fio desgastado de seus fones de
ouvido velhos – que ela deve ter roubado de volta de mim – paira sobre as
clavículas.
Meus olhos percorrem seus ombros: uma das alças da blusinha está meio
caída, revelando uma infinidade de sardas espalhadas como estrelas pela
pele dela.
Fico pensando quanto tempo seria aceitável demorar para respondê-la;
se daria para eu tomar um banho enquanto imagino meus dedos tocando
cada uma das sardas que eu for capaz de encontrar em uma busca bem
minuciosa.
Balançando a cabeça, vejo o texto embaixo da foto, depois de salvá-la no
telefone para poder olhar para ela por um tempo constrangedor.
SADIE
Engraçado, tô fazendo a mesma coisa.
RHYS
Pena que não fico tão bem quanto você fazendo isso.
SADIE
Pois é, mas aí talvez o Freddy tentasse dormir com você.
Uma risada ameaça sair, repuxando meus lábios. Até isso, apenas suas
palavras escritas, é suficiente para afastar um pouco da ansiedade de estar
neste quarto vazio demais.
SADIE
Mas tô tão cansada quanto pareço, então provavelmente vou
apagar logo, logo e te deixar no vácuo.
Levo mais um bom tempo para decidir o que dizer e enfim envio:
RHYS
Você não parece cansada.
RHYS
Você tá linda.
CAPÍTULO DEZESSEIS
Sadie
Meus patins escorregam outra vez, os fios das lâminas não aderem; eu caio
de costas e deslizo pelo gelo.
Fecho os olhos, e lá está de novo.
A imagem rápida de uma covinha, olhos cor de chocolate, mãos enormes
segurando minha cintura com tanta força que juro que consigo sentir
mesmo agora. Rhys se servindo do meu corpo, me sustentando como se eu
fosse leve como o ar, sua voz soando como uma provocação suave no meu
ouvido. Ele me chamando de seu “novo esporte favorito” antes de me virar e
me pegar de novo por trás.
A mesma maldita fantasia que anda me assombrando há dias.
A mesma à qual infelizmente me entreguei ontem à noite, sozinha na
cama, os dedos rápidos entre as coxas.
A mesma que me fez ter o orgasmo mais intenso em meses.
Tento recuperar o fôlego e tirar a imagem de Rhys da cabeça, aquela que
inventei e que posso apostar que não deve ser nada parecida com o que ele é
de verdade na cama. Rhys é perfeitinho demais pra meter em mim tão forte
a ponto de não me deixar sentir mais nada.
É por isso que ele te assusta.
Fecho os olhos com força e tento me concentrar na música que ainda
está tocando, mas alguém a pausa.
Saco.
O treinador Kelley está de pé ao meu lado, me encarando de cima,
braços cruzados e olhos semicerrados. Não quero olhar para ele, como uma
criança evitando uma bronca.
– Você anda mais relapsa – acusa ele, estendendo a mão e me puxando
pelo ombro com força para que eu me sente.
Eu me desvencilho dele e fico de pé sozinha. Depois patino até o banco
para pegar uma água.
– Só tô cansada.
Ele vem atrás de mim e, quando está quase no meu ouvido, acrescenta:
– Pesagem. Amanhã.
Odeio me sentir ameaçada, a sensação ruim que revira minhas entranhas
por conta da implicação óbvia. Caí porque não estava prestando atenção à
posição do fio dos patins, porque lidei com o salto Axel como se fosse algo
natural para mim, quando é o meu pior salto. Caí porque estava distraída,
não porque ganhei uma quantidade minúscula de peso.
– Repita o salto, Sadie. E vê se faz perfeito dessa vez – sussurra ele no
meu ouvido, então se afasta.
Ele prepara a música, pega a garrafa d’água das minhas mãos e a joga no
banco.
É sempre assim. Meu treino é sempre o último para que ele possa ficar
comigo além do meu tempo normal, bagunçando as obrigações da minha
vida pessoal tão cuidadosamente organizadas. É por isso que fico grata por
Victoria ter chegado tarde hoje, o que significa que os últimos quinze
minutos agora são dela.
Termino minha rotina, quase perfeita pelos meus padrões e com uma
melhoria quase inexistente aos olhos do treinador Kelley. Ainda assim, ele
precisa se concentrar em Victoria no momento, então fico descansando
numa boa no banco, raspando o gelo das minhas lâminas com meus
protetores de plástico.
– Pensei que você só fosse abusada no gelo comigo, mas parece que você
é marrenta aqui também.
Meu coração dispara e meu corpo todo vibra ao som da voz dele.
Ele ainda é o meu Rhys, mas agora é algo mais: Rhys Koteskiy, capitão do
time de hóquei da Universidade Waterfell. Seu cabelo está penteado, mas
ainda um pouco bagunçado, os olhos brilhantes e sem o habitual poço
profundo de tristeza. Ele quase parece revigorado.
Rhys leva a mão ao peito enquanto olha para mim com carinho.
– Isso magoa, lindeza.
Não consigo deixar de abrir um sorriso para combinar com o dele.
– Acho que você vai sobreviver, craque. – Dou um tapinha no banco. Ele
se senta bem ao meu lado, a coxa tocando a minha. – Além disso, guardo
meus maus modos, os piores, pra você. Não precisa ficar com ciúme.
A música de Victoria é interrompida e uma gritaria ecoa com facilidade
pelo rinque cavernoso. Por mais que a garota me irrite, ela aceita as
correções brutais do treinador Kelley com um aceno rápido de cabeça e um
sorriso congelado no rosto, as mãos entrelaçadas.
– Ele é sempre assim?
A boca de Rhys quase toca minha orelha e seu hálito é gelado.
Estremeço.
– A-assim como?
– Tão… intenso?
– Não – respondo, um sorrisinho falso enfeitando meus lábios.
O que não conto é que costuma ser pior, principalmente comigo.
Mas eu preciso disso. A firmeza e a severidade com que o treinador
Kelley me apoia só mostra sua dedicação ao meu sucesso. Ele é assim
porque acredita em mim. E é o único.
– Chegou cedo, então? – pergunto enquanto Rhys encosta seu corpo no
meu.
– Na verdade – diz ele, com um sorrisinho malicioso –, é você que tá
treinando no meu horário.
Como se tivesse sido combinado, o treinador de hóquei de rosto severo
que vi algumas vezes vem chegando pelo túnel, dando um suspiro de
frustração. Sua mão dá um tapinha de leve no ombro de Rhys enquanto
passa por nós para conversar com o treinador Kelley, que tenta ignorá-lo na
maior cara de pau.
– Me dá cinco minutos, e a gente vai embora – dispara meu treinador
por fim, sua voz trovejante em comparação ao tom surpreendentemente
suave do treinador de Rhys, que não discute, apenas retorna para perto da
gente.
– Koteskiy. – O treinador acena com a cabeça, coçando a barba. – E…?
– Sadie – respondo.
Tomo um gole da minha água e quase cuspo de volta quando o treinador
de Rhys pergunta:
– Namorada?
Rhys fica vermelho e, de repente, me vejo com vontade de responder
“sim” e dar um beijo na pele corada dele. Meus dedos se contorcem, pois só
pensar nisso já é avassalador: ver o assombro no rosto da Victoria e a
expressão fumegante do treinador Kelley diante do meu comportamento
repugnante e nada profissional.
Sentir Rhys de novo…
De repente, são minhas bochechas que esquentam.
– Amiga – corrige Rhys. – Os irmãos dela também jogam. Eles, ah…
treinam no programa da fundação.
Minha barriga se revira. A sugestão de que meus irmãos dependem de
um projeto de caridade se destaca como se estivesse escrita num letreiro de
neon, anunciando a vergonha que carrego todo dia. Detesto isso.
A garota que afasta a tristeza dele com beijos e precisa de ajuda com os
irmãozinhos.
Patética.
– Na verdade, preciso ir pra casa. – Eu pulo do banco ainda com meus
protetores nas lâminas. – Te vejo por aí, craque.
Não preciso dele nem da ajuda dele. Ou das suas covinhas irritantes.
Mal cheguei a atravessar o túnel, indo em direção ao vestiário feminino –
que fica a uma distância absurda do rinque porque a equipe de hóquei
detém a maior parte do espaço da arena –, quando ele me alcança e segura
meu braço.
– Escuta, Rhys…
– Que humilhante – diz uma voz diferente no meu ouvido, zombando,
os dedos se entrelaçando no meu bíceps. – No meu escritório. Agora.
Aí ele, meu treinador, me empurra com força e baixo a cabeça enquanto
sigo sua silhueta esguia. Victoria passa por nós e olha para mim com
empatia.
Quando o treinador Kelley entra em seu escritório, faço uma pausa, mas
só porque Victoria está se virando para mim.
– O horário do seu treino acabou – diz ela.
Ela pigarreia e olha para mim um pouco hesitante. Não a culpo, afinal
não somos amigas e acho que nunca fui legal com a garota. Ela olha em
volta de novo antes de baixar a voz:
– Você não precisa seguir ele até lá. Ele é nosso treinador, não nosso pai.
Ele tem sido mais pai para mim do que o meu, é o que penso, mas não
falo em voz alta. Em vez disso, dispenso a preocupação dela com um revirar
de olhos.
– Eu consigo lidar com o Kelley. Se preocupa com você.
Endireito minha postura como se estivesse me preparando para marchar
em direção à batalha, então entro no escritório e fecho a porta.
– Me desculpa, eu estava distraída…
– Quem é o garoto? – Ele me interrompe com rigidez.
Eu me viro e observo enquanto ele calça os tênis muito caros e atira os
patins pretos na bolsa esportiva.
– Como é que é? – Fico pálida.
Ele zomba de mim.
– Quem é o jogador de hóquei com quem você tá perdendo tempo
jogando charme durante o meu treino?
– Eu não… Não estou…
– Repita esse comportamento e vai estar fora das competições de novo –
avisa ele e estala os dedos para mim.
Como se a conversa tivesse terminado.
– Você não tá sendo justo.
Não vou discutir sobre Rhys; um dia meio distraída não vai destruir anos
de bom desempenho na patinação, de dedicação completa.
– Não estou sendo justo? – O treinador Kelley bate o punho na mesa de
metal que está entre a gente e fica de pé para me encarar de cima. – Todas as
vezes que a Victoria faz um Axel, a descida dela é melhor do que a sua. Quer
falar sobre justiça? – A voz dele se eleva a cada palavra e a ansiedade
percorre minha coluna. – Eu investi anos de tempo, esforço e dinheiro em
você, e você é tão ingrata que não consigo manter sua atenção por uma hora.
– Kelley…
– Está fora das competições.
Abro a boca. Meu corpo todo treme no esforço de conter um grito, talvez
até um verdadeiro chilique.
– Se as próximas palavras que saírem da sua boca não forem “obrigada”
ou “desculpe”, então não quero ouvir.
Reprimo tudo. As palavras azedam no meu estômago, como se eu tivesse
engolido bile.
Tudo fica quieto por um momento. Lágrimas de raiva começam a
queimar o fundo dos meus olhos, até que uma traidora escapa. Kelley
suspira, cruza os braços e contorna a mesa até se colocar na minha frente.
– Vem aqui, minha danadinha.
Os braços dele se abrem e o treinador me acolhe num abraço apertado.
Mais lágrimas escapam, meus braços parados ao lado do corpo enquanto
absorvo o conforto que nem sei se quero.
– Agora – diz ele, me inclinando um pouco para trás e acariciando meu
cabelo –, vá pra casa. Dormir. E depois volta aqui amanhã de manhã. Cedo.
Meu estômago já dói de tanto se contrair por segurar o que quero dizer,
gritar. Mas, como sempre, de alguma forma consigo manter tudo lá dentro.
Ele é o único que se importa. Que sabe tudo sobre minha droga de vida. Ele
me ama.
– Desculpa – digo, as palavras queimando como ácido enquanto saem
dos meus lábios.
CAPÍTULO DEZESSETE
Rhys
Não é incomum que o treinador Harris peça para se encontrar comigo nos
dias de folga. Por eu ser o capitão do time, isso é mais ou menos parte das
minhas responsabilidades.
O que é incomum é a presença do meu pai, apesar de ele e o treinador se
conhecerem. Meu pai está sentado à minha direita, enfiado numa cadeira
agora inclinada contra a parede, o pé batendo no chão sem parar. Eu não
estava ansioso a caminho daqui, mas agora, sem nada que me distraia,
absorvi a inquietação dele.
A porta se abre e o treinador Harris entra. Ele contorna a mesa e oferece
um aperto de mão rápido ao meu pai.
– Max – diz Harris com um meneio da cabeça, então se senta e apoia os
cotovelos com força na mesa de carvalho escura. – Rhys. Obrigado por
terem vindo.
Tem alguma coisa errada.
Uma sensação de desconforto se infiltra na minha barriga e começa a se
espalhar. A sala parece encolher depressa.
Por que está tão quente?
– Queria falar com vocês dois em particular sobre esse assunto antes do
primeiro treino oficial. – Harris faz uma pausa e ergue a palma calejada
como se quisesse me deter. – Sei que estão cientes de que o Davidson saiu da
equipe, então estamos com menos um defensor como opção principal com
o Doherty.
Embora a informação não seja novidade, ninguém discute a saída
repentina de Davidson. As pessoas só costumam deixar a equipe mais cedo
se forem convocadas, e ele não foi. No momento, Holden está sem ninguém
com quem fazer dupla. Achei que um calouro fosse substituir Davidson.
O treinador Harris pigarreia e exibe uma expressão firme no rosto, de
maneira que os pelos da minha nuca só arrepiam ainda mais.
– Então selecionamos um aluno transferido de Michigan. Toren Kane.
Uma onda de náusea me atinge; o enorme nó na garganta é a única coisa
que me impede de botar meu café da manhã para fora.
Toren Kane. Um jogador imenso de defesa da Universidade Mount Hart,
o time de hóquei rival da nossa escola. Foi a maior promessa da NHL
durante três anos consecutivos, mas erros constantes o impediram de ser
escalado. O jogador que quase me matou na primavera passada.
E o treinador Harris quer que eu jogue com ele – não só na minha
equipe, mas na droga da mesma escalação.
– Você tá falando sério?
Não sou eu quem fala, mas meu pai, sua voz em um sussurro ameaçador
enquanto os punhos se fecham nos braços da cadeira.
– Eu sei que…
– Tá maluco? – A voz dele sai alta dessa vez, sobrepondo a do meu
treinador. – Você sabe o que ele fez com o meu filho, Harris. O rapaz é um
pesadelo. Mas que inferno!
Pela cara de Harris, parece que essa é a última coisa que ele quer discutir,
então adivinho suas palavras seguintes antes mesmo que as diga.
– Foi uma jogada dentro das regras, Max. Ele é um defensor talen…
– Ele é um risco, é isso que é. A equipe dele toda concordou com a gente
e quis que ele fosse suspenso.
– Max…
– Tem um motivo pra ele não ter aparecido na lista de convocação,
lembra? Várias vezes. Teve escândalo em todo lugar! – A voz de meu pai se
eleva de novo, o sotaque se acentuando enquanto mistura xingamentos em
russo aos gritos.
– Max…
– Vão surgir milhares de rapazes melhores… mas você precisa justo dele?
A que custo? Estamos falando do meu filho, o capitão desta equipe!
O treinador não eleva a voz nem tenta acalmar meu pai, apenas assente e
alterna o olhar entre mim e ele.
Fico de pé de repente, atirando minha cadeira para trás sem querer. Os
dois param por um momento, mas a sala continua a encolher, a ponto de eu
ter certeza de que vou sufocar se ficar ali por mais um instante.
Saio, ignorando os chamados dos dois, em inglês e russo. Dobro a
esquina perto da porta tão depressa que acabo fazendo um corte no ombro.
Os corredores estão vazios, mas mantenho a cabeça baixa enquanto meus
batimentos começam a dominar tudo. Tento me concentrar, pôr em prática
as técnicas de controle de ansiedade que aprendi, impedir o verdadeiro
ataque de pânico antes que ele comece.
Esbarro em alguém e mal consigo murmurar um pedido de desculpa
antes de me mandar dali, minha visão turva e em túnel enquanto cambaleio
adiante. A pessoa agarra meu pulso com força, unhas pequenas
pressionando minha pele, e quase solto um gemido, porque eu reconheceria
o toque de Sadie mesmo de olhos fechados.
Eu me viro com facilidade, deixando que ela me coloque contra a parede
fria de tijolos pintados de azul. Sadie parece poderosa desse jeito, sem se
importar com o fato de eu ser tão alto perto dela. Ela simplesmente passa a
sensação de estar no controle, como se fosse capaz de me acalmar com um
toque rápido de sua pele na minha.
Enquanto meu olhar passa pelo rosto dela, percebo que está falando
comigo.
– Desculpa – digo, patético e trêmulo como sempre.
Pelo visto, esse vai ser meu novo padrão. Nunca fui um cara agressivo,
sempre fui controlado dentro e fora do rinque, mas agora quero enfiar meu
punho em alguma coisa.
Não consigo conter a risada autodepreciativa que me escapa. Meu Deus,
não é de admirar que ela não me queira. Patético.
– O que aconteceu, Rhys? – pergunta Sadie, de uma forma que
compreendo que ela já me perguntou isso antes e que esse meu
comportamento catatônico de paciente da ala psiquiátrica a assusta. – Você
tá tremendo.
– Eu…
Não estou com medo… Não de Toren Kane. Estou revoltado. Eu me
sinto traído por alguém que me protegeu desde o primeiro ano, que nunca
me tratou como se eu fosse apenas uma miniatura do meu pai, que ficou ao
meu lado durante a minha lesão. Não importa que eu saiba que minha
equipe vai me apoiar; por que ele o traria para cá?
Minha equipe gritou que aquele foi um golpe sujo, assim como a equipe
de Kane, mas os juízes alegaram que foi dentro das regras. Então ele está
liberado, não importa que possa custar minha carreira se eu não conseguir
controlar essa porcaria ou que esse cara tenha roubado tudo de mim. E ele
tem a coragem de aparecer na minha equipe, na minha faculdade?
Tudo dentro da minha cabeça está girando como água indo pelo ralo, me
deixando com um estranho torpor na ponta dos dedos.
Procuro Sadie, pegando-a no colo com facilidade enquanto tiro a
mochila de lona do ombro dela. Por um segundo, uma descarga de
preocupação me atinge, porque ela poderia muito bem me rejeitar de novo –
e quem iria culpá-la? Mas ela não faz isso. Suas pernas se enroscam no meu
quadril e apertam com força para se segurar enquanto pressiono meus
lábios nos dela. Uma, duas vezes, então mordo seu lábio inferior macio e em
seguida passo a língua, para suavizar.
– Rhys – diz ela num meio sussurro, meio gemido. – Aqui não.
Isso me faz parar, porque ela tem razão. Estamos no meio de um
corredor no centro esportivo em plena luz do dia. Meu pai me trouxe até
aqui de carro, caso contrário eu estaria a caminho de casa com Sadie no
meu banco do carona, inventando alguma desculpa para mantê-la no meu
quarto, na minha cama – em qualquer lugar, desde que perto de mim.
– Acho que você tá brava comigo por alguma coisa, mas eu…
– Eu estava. – Ela dá um suspiro rápido. – Já passou.
Não parece que já passou de verdade, mas estou um pouco saturado e
tonto demais para descobrir.
– Eu quero você. – A frase explode dos meus lábios, porque ela é tudo de
que preciso.
Não ligo que a gente esteja num lugar público nem que sejamos pegos.
Mas, se ela se importa, então também é importante para mim.
Sadie salta dos meus braços e agarra meu pulso, os dedos pressionando
minha pele enquanto me arrasta pelo corredor até os chuveiros. O local está
vazio, mas ela me empurra para dentro do boxe mais distante, puxando a
cortina para nos fechar ali com pressa, o desejo explodindo em seus olhos, o
que só alimenta o monstro nas minhas veias.
Nunca fiz nada assim antes. Nunca fui como Freddy ou Holden, que
vivem de pegação com suas marias-patins. Sempre fui o cara pra namorar. O
bom rapaz, atleta de elite, aluno nota dez que as garotas querem levar para
casa e apresentar aos pais. Um cara certinho.
Não mais.
Outra risada me escapa enquanto as mãos pequenas e macias dela
exploram meu abdômen, subindo da barriga para o peito.
Despedacei mais do que o meu corpo durante aquela partida; minha
mente está estilhaçada.
Sadie se esfrega em mim, as mãos subindo depressa por baixo da minha
blusa, os dedos escorregando nos passadores do meu cinto… Eu cambaleio
para trás.
Não. Não quero que ela controle isso, sou eu quem precisa estar no
controle, quem precisa de algo para agarrar enquanto perco a cabeça.
Inverto nossas posições, deixando os ombros dela atingirem os ladrilhos
enquanto deslizo a mão pela pele macia da parte interna da sua coxa,
traçando com um dedo a linha da bainha do short de elastano dela. Beijo
com força, reivindicando sua boca, seu pescoço, o pontinho atrás da orelha
dela.
– Sei que você gosta de ficar no controle – sussurro, esmagando meus
lábios contra sua bochecha. – Mas não sou um cara que você tá usando pra
tentar não sentir nada. Comigo, você vai sentir tudo.
Meus dentes apertam o lóbulo da orelha dela, só uma mordidinha, antes
de interromper seu gemido pressionando minha boca na dela com força
mais uma vez.
Ela me acompanha, mas continua disputando o domínio, mesmo agora.
Eu me ajoelho na frente dela e distribuo beijos em sua barriga. Ela está
com a mesma camiseta puída da Waterfell, o que só alimenta minhas
fantasias de vê-la com uma camiseta quase idêntica, só que com meu nome
nas costas.
Antes que eu possa avançar, a mão de Sadie agarra meu queixo e inclina
minha cabeça para trás.
– Tô acabada – confessa ela, relaxando as costas contra os ladrilhos e
olhando para mim enquanto ainda estamos os dois sem fôlego, as mãos
vagando pelos corpos um do outro. – Rhys, tô praticando há horas. Eu
deveria tomar banho…
– Ótimo. Tenho energia suficiente por nós dois. – Viro a cabeça na
palma da mão dela e dou um beijo de boca aberta ali. – Só relaxa e me deixa
cuidar de você.
Enfio as mãos debaixo da camiseta dela, as pontas dos dedos dançando
na cintura, logo acima do short.
– Me conta, lindeza. O que você quer?
Os olhos dela se iluminam quando percebe que vou fazer tudo o que me
disser.
– Quero que você me chupe.
Um gemido escapa da minha garganta antes que eu consiga detê-lo.
– Ainda bem – sussurro, puxando o short dela para baixo até ficar todo
embolado ao redor dos tornozelos. – Você confia em mim?
Ela franze a testa, os dentes soltando o aperto intenso do lábio inferior.
– Pra me chupar? Acho que sim.
Seu tom ainda é atrevido, mas preenchido com uma voz diferente,
resfolegante, quando uma névoa de desejo toma conta de seu rosto.
Uma parte de mim – o antigo Rhys, sem sombra de dúvida – quer parar
depois dessa resposta, me forçar a ficar longe até que ela consiga dizer sim.
Confiança e sexo são a mesma coisa, ainda mais para mim.
– Por favor.
Essa mulher acaba comigo.
– Beleza, lindeza – sussurro, então coloco as mãos nos joelhos dela e
afasto suas pernas.
CAPÍTULO DEZOITO
Sadie
As mãos de Rhys parecem fogo ao longo da minha pele fria, cada pedacinho
do meu exterior gelado derretendo enquanto ele passa os dedos por todos os
estilhaços de mim.
Não deixo os caras com quem fico me chuparem. Principalmente
porque, para o que eu quero, seria perda de tempo. E em geral não é bom,
não o suficiente para fazer a intimidade valer a pena. Não que muitos sequer
ofereçam.
Meu coração está disparado.
Os dedos de Rhys alcançam a tira fina da minha calcinha fio dental sem
costura. Ele enrosca o tecido para deixá-la mais justa e uma pressão
explosiva incendeia meu clitóris. Isso me surpreende tanto que grito antes
mesmo que ele deslize a calcinha para baixo, passando-a pelo meu quadril e
puxando-a mais devagar ao alcançar meus tornozelos.
Seus olhos ardem e encaram os meus sem desviar enquanto ele solta
meus pés da peça, seu aperto quente em cada tornozelo. Cada pingo de
confiança que costumo sentir nesse tipo de situação se transformou em nada
além de vulnerabilidade.
Ainda que esteja de joelhos, é ele quem está no controle.
Quero tocá-lo, mas não sei por onde desejo começar.
Rhys ergue a mão e agarra meu quadril com pressão e firmeza. A outra
se desloca de maneira gentil, quase reverente, ao longo da pele da parte
interna da minha coxa quando ele finalmente desvia o olhar do meu e
encara meu sexo.
– Caramba, lindeza – sussurra ele e consigo sentir sua respiração na
minha pele extremamente sensível. – Isso é pra mim?
Ele sorri, todo convencido e arrogante, um vislumbre do craque, do
capitão de hóquei que sei que ele consegue se tornar quando quer.
– É mais fácil manter assim, sem nada, por causa dos meus figurinos –
respondo, sem fôlego.
Tento usar as palavras para erguer um muro, porque tudo com esse cara
já parece perigoso, como se eu estivesse numa corda bamba, a ameaça de
cair e me apaixonar por ele sempre iminente.
Ele me cala pressionando um polegar quente na própria boca antes de
brincar de leve com a fenda entre as minhas coxas.
– Não era bem disso que eu estava falando – diz ele, e tira a mão de mim
para me mostrar.
Estou quase pingando, tão molhada que chega a ser constrangedor,
considerando que ele não fez nada além de me beijar.
Mas ele está lindo, uma revolução da imagem perfeita que já tive dele. O
pânico se foi; as mãos estão firmes e o olhar, brilhante – e isso o deixa ainda
mais bonito. Seus olhos castanhos ficam mais calorosos sob a luz amarela
dos chuveiros. Ele parece tão grande como sempre, as coxas grossas
esticando o tecido da calça de moletom cinza e uma protuberância me
distraindo o bastante para que eu vire a cabeça. E as malditas covinhas se
exibindo por completo. Ele é uma mistura de empolgação juvenil e
autoconfiança viril enquanto desliza minha coxa com facilidade por cima de
um dos ombros largos.
Estou totalmente exposta, minha pele ficando rosa no súbito calor
sufocante do banheiro e da atenção dele em mim.
– Tão linda – sussurra ele.
Antes que eu possa tentar dar qualquer resposta, ele dá uma lambida
bem molhada ao longo dos meus grandes lábios, agita de leve a língua no
meu clitóris e depois se afasta para soprar suavemente.
– Ai, nossa! – grito, depois mordo o lábio porque estou perdendo o
controle.
Ele me encara, os olhos semicerrados, mas ardendo como chocolate
quente.
– Só isso já é suficiente? – provoca ele, mas há uma pergunta em seus
olhos.
A resposta sai antes que eu consiga detê-la.
– Eu não costumo fazer isso.
– O quê? Pegação num banheiro? – Ele sorri com malícia para mim de
novo, os olhos brilhando. – Engraçado, todas as vezes que coloquei minha
boca em você foi num banheiro.
É nesse momento, quando ele está relaxado assim, que consigo ver a
estrela brilhante que é Rhys Koteskiy.
Isso vai pegar fogo. E ele vai me queimar.
Só que não tô nem aí. Vou deixar que me queime se continuar me
tocando desse jeito.
Balanço a cabeça, me encostando mais na parede enquanto ele pressiona
o nariz na carne clara do meu sexo, logo acima de onde mais preciso dele.
– Por favor – imploro, me odiando por isso, mesmo quando minhas
pernas tremem em suas mãos.
Ele dá outra lambida demorada antes de se mover em círculos ao redor
do meu clitóris.
Meu Deus, vou me desmanchar toda no chão. Meu corpo inteiro está
incendiado e já estou tão perto do limite que até dá vergonha. Evito olhar
para ele, a cabeça inclinada para trás contra o tijolo.
– Foi desse jeitinho mesmo que imaginei.
Ele respira fundo, quase como se não tivesse a intenção de dizer isso.
Minha cabeça se inclina para baixo, na direção dele, com um sorrisinho
malicioso nos lábios, como se eu fosse capaz de recuperar o controle.
– Como é que é? Um boxe sujo no vestiário?
Rhys dá uma risada, os olhos brilhando, travessos, enquanto pressiona a
boca inteira no meu clitóris, chupando com força.
– Caramba! – digo e solto um suspiro.
Escorrego um pouquinho, o bastante para que minhas mãos o alcancem
e afundem em seu cabelo castanho e macio. Minhas unhas raspam um
pouco o couro cabeludo dele conforme Rhys me lambe em círculos, em
algum padrão enfeitiçado que me deixa ofegante como se eu estivesse
debaixo d’água, prestes a chegar à superfície.
Ele geme e empurra minha coxa mais alto, um pouco acima do ombro
dele. Suas mãos grandes quase me tiram do chão. Meus dedos dos pés se
mexem e meus tênis chiam enquanto me contorço.
Com a mão esquerda ainda segurando minha bunda, apertando a cada
instante, Rhys usa a direita para gentilmente afastar meus grandes lábios e
deslizar um dedo para dentro de mim. Eu grito muito, muito alto, e ele deixa
um ruído satisfeito ressoar de sua boca macia no meu clitóris. Eu me
contorço, mas ele me estabiliza e coloca mais um dedo, acelerando o
movimento com os lábios e a língua para contrastar com a estocada firme e
lenta.
Rhys dobra os dedos, só um pouquinho, e cometo o erro de olhar para
ele. Seus olhos castanhos brilham, fixos e atentos no meu rosto, observando
cada movimento meu. E então ele sorri e vejo uma maldita covinha.
Gozo feito um foguete.
– Já? – brinca ele enquanto pulso ao redor de seus dedos, apertando-os.
Meu tênis chia de novo contra o ladrilho debaixo de mim à medida que
ele abaixa minha perna. Ele beija com carinho o interior da minha outra
coxa e me coloca de volta de pé.
– Você é perfeita. Tão linda.
Um nó se forma na minha garganta.
Rhys ainda está de joelhos, as mãos gentis nas curvas das minhas
panturrilhas. Ele pega minhas roupas íntimas descartadas e as puxa pelas
minhas pernas depois de me ajudar a entrar nelas.
Meu coração falseia quando ele dá outro beijo no tecido, mais reverente
do que sensual. Detesto que isso me doa. E que a frase “Quer vir pra casa
comigo?” quase escape dos meus lábios. Eu me sinto vulnerável, desfeita e,
de alguma forma, mais repleta de sentimentos do que antes: isto não é o
vazio e o autocontrole que costumo alcançar depois de uma pegação.
Perigoso, repete meu cérebro, mas meu corpo está pronto para rolar no
chão com Rhys.
Depois que ele me ajuda com o short, se demorando para deslizar a
roupa pelas minhas pernas e alisando a pele coberta e descoberta, agarro os
pulsos de Rhys e o puxo para fazê-lo ficar de pé. Pronta para retomar o
controle. Pronta para…
Ele levanta a mão, o pulso ainda preso ao meu aperto, e enfia os dedos na
boca.
O barulho que sai dos meus lábios, algum tipo de gemido no fundo da
garganta, deixa minhas bochechas vermelho-escuras. Ainda assim, não
consigo desviar o olhar enquanto ele tira os dedos compridos dos lábios
inchados.
Ele é tudo.
A maneira como penso nele me assusta. Preciso de distância antes que
isso realmente me machuque. Ainda assim…
– A gente precisa fazer isso mais vezes – digo.
Seu sorriso é como um fio de ouro.
– Ah, é?
– É, sim – repito, sentindo um pouco como se flutuasse. – Na verdade,
acho que seria bom pra nós dois. Você precisa de distração e eu preciso…
extravasar.
Um pouco do brilho de seus olhos esmaece e as covinhas das bochechas
somem. Uma dorzinha palpita no meu peito, mas a ignoro.
– O que você quer dizer exatamente?
Dou de ombros e brinco com a bainha da minha camiseta.
– Tipo… ficar? A menos que você não…
A mão dele se ergue para me impedir.
– Amizade colorida. É isso que você tá sugerindo.
Assinto.
– Na verdade, eu não… – Ele perde o fio da meada, parecendo envolvido
em algum tipo de batalha mental. – Deixa pra lá, não vou perder minha
chance. Eu topo.
– Mesmo? – Meu sorriso é brilhante.
Ele me imita.
– Se é isso que você quer, lindeza, então beleza.
Ele beija minha testa ao sair, murmurando um “Me liga” com a boca
pressionada contra a minha pele.
CAPÍTULO DEZENOVE
Rhys
Sadie
Rhys
Ela é tão linda. Sinto cada pingo de raiva desaparecer quanto mais olho para
ela.
Sadie está na minha casa, na porta do meu quarto, igualzinho a todas as
fantasias que já tive, envolta em seda.
– Oi – falo, engasgado e rouco.
Meus olhos examinam suas pernas pálidas, do joelho até a bainha do
vestido muito curto. Eu me dou conta de que já toquei naquela seda antes e
uma parte sombria e possessiva de mim se aquece ao ver o vestido.
– Desculpa o atraso – diz ela, e percebo que estou sorrindo feito um
bobo.
Engulo a vontade de dizer que está tudo bem. De boas, só tô feliz por você
estar aqui.
Ela poderia ter aparecido com uma camiseta dizendo Nem vem, craque,
não sou sua namorada que eu ficaria feliz do mesmo jeito. Porque meu
desejo por Sadie é como um vício.
– Você tá aqui agora – digo.
É o melhor que posso fazer, porque não quero desperdiçar o tempo que
tenho com ela com nada além de coisas boas. Ela me faz sentir quente e
firme, inteiro de novo.
Dou um passo para o lado e estico o braço para convidá-la a entrar.
Minhas bochechas ficam rosadas quando percebo a leve desordem do meu
quarto. Não é bagunçado, mas é um lugar bastante utilizado, já que mal saí
do quarto essa semana.
A ansiedade tem piorado. Tanto que faltei dois dias à faculdade por não
conseguir sair da cama. Tive pesadelos e acordei ensopado de suor. Precisei
lavar meus lençóis todos os dias, porque estavam encharcados.
Mas, nesse momento, parece que tudo está imóvel. E, ao ver Sadie de pé
no meio do quarto, tirando a jaqueta de couro e pendurando-a na cadeira da
minha escrivaninha, percebo que há certa justiça inata nisso. Como se ela
finalmente estivesse onde deveria estar.
Aqui. Comigo.
– Feliz aniversário, craque – diz ela, mas há um tom de desculpa em sua
provocação em geral ardente.
Isso afasta o ressentimento que ainda restava e me dá vontade de jogá-la
na cama e erguer aquela seda até exibir sua barriga.
Fico imaginando se ela percebeu que é a música dela que está tocando
baixinho no meu som, The Neighbourhood cantando “A Little Death” ao
fundo dessa minha fantasia que ganha vida.
– Valeu.
Sorrio, um sorriso verdadeiro e contido, enquanto passo por ela para me
sentar na cama. Desse jeito, ela fica só um pouquinho mais alta do que eu –
os saltos da bota preta de couro que não vou conseguir tirar da minha
cabeça de agora em diante lhe dão alguns centímetros a mais. Sadie dá um
passo para ficar entre as minhas pernas. Uma das mãos está atrás das costas,
segurando uma sacolinha que a vi puxar do bolso da jaqueta.
– Trouxe uma coisa pra você.
A outra mão pega a minha, tirando-a da minha coxa, então ela coloca a
sacolinha ali. Puxo a fita para abri-la e despejo o conteúdo na palma da mão.
Um disco de hóquei preto e uma pulseira de elástico com miçangas.
Aperto o disco de hóquei e o observo ceder à pressão e depois voltar ao
normal.
– É, hum, uma bola antiestresse. Tipo, você aperta e isso ajuda a distrair
os pensamentos ou se concentrar neles. Meu irmão tem uma. Ajuda com a
ansiedade dele – diz Sadie, dando de ombros e pondo o cabelo atrás da
orelha.
– Isso… isso é muito legal – digo, me sentindo meio bobo quando as
palavras saem dos meus lábios.
É mais do que isso. É tudo. É um pedaço meu para o qual só ela tem a
chave. É a aceitação de mim do jeito que eu sou, pela única pessoa que
importa no momento.
– E a pulseira?
Ela ri enquanto puxo a pulseira de miçangas azul e cinza para ver os
bloquinhos de letras que formam a palavra “craque”.
Uma risada irrompe de mim e coloco a pulseira na mesma hora.
– É uma brincadeira.
Não para mim, quero dizer. Nunca vou tirar.
Em vez disso, eu a envolvo nos braços e a coloco no meu colo, soltando
um gemido.
– Hora de mostrar quanto estou agradecido, né? – pergunto, respirando
de leve no ouvido dela e dando beijos logo embaixo. – Deita aqui.
Sadie me empurra rápido. Eu a agarro, mas ela escapa das minhas mãos.
– Tira a calça – ordena.
Eu me levanto antes que consiga sequer pensar no assunto, olhando para
ela enquanto Sadie se recosta na cama, apoiada preguiçosamente nos
cotovelos. Do nada, a alça fina do vestido cai do ombro sardento, puxando o
tecido cinza o suficiente para que eu quase tenha um vislumbre do mamilo
rosa dela.
Fico com água na boca quando Sadie junta o cabelo todo no alto da
cabeça, arejando o pescoço, depois deixa os fios escuros se espalharem pela
pele.
Baixo minha calça jeans até os tornozelos, saindo da roupa sem tropeçar
enquanto me recuso a tirar os olhos dela por um único segundo sequer. Suas
mãos só hesitam uma vez; os dedos se penduram no elástico da minha cueca
boxer e ela olha para mim em busca de consentimento.
Assinto igual à droga de um bonequinho que fica balançando a cabeça,
gemendo conforme ela puxa o tecido para baixo pelas minhas coxas e me
deixa exposto.
– Ah! – exclama ela, o rosto tão perto que consigo sentir sua respiração.
Meu quadril se flexiona involuntariamente e a mão dela para por um
instante antes de me segurar na base.
– Você é… bem grande.
Ela cora. É a primeira vez que a vejo parecendo intimidada. Não sou
pequeno, mas ela é, e é isso que faz com que eu pareça enorme na sua mão
delicada. Alucinado demais para falar, apenas faço que sim com a cabeça.
– Eu nunca… Quer dizer… Os caras que conheci…
Seguro seu queixo na hora, o ciúme fervendo nas minhas entranhas.
– Te desafio a terminar essa frase se não quiser que eu te coloque de
joelhos.
A leve ameaça e o aperto firme da minha mão parecem libertá-la da
timidez. Sadie morde o lábio e cai de joelhos na minha frente com um
sorriso sensual.
– Como se não fosse essa a ideia desde o início.
Sem aviso, ela me engole até o fundo e minha respiração falha no meio
de um palavrão gemido. Minhas mãos agarram o cabelo dela porque sinto
que meus joelhos vão ceder.
Quando recupero o equilíbrio, olho para baixo e vejo seu jeito travesso
ainda nos olhos acinzentados, úmidos e felinos fixos no meu rosto.
Vou gozar muito depressa.
Isso, ou dizer que a amo, ou coisa pior.
Então a puxo para mim, tentando não me concentrar na maneira como a
saliva escorre de sua boca, seus lábios ainda perfeitamente pintados. Ver a
marca do batom dela no meu membro me faz apertar a base do pau pra
conseguir me conter.
Empurro Sadie para a cama e cubro seu corpo todinho com o meu. Puxo
a seda entre os dedos para fazer o vestido subir até a barriga e poder enfiar a
mão no meio das pernas dela.
– É meu aniversário, então posso escolher meu presente, não acha?
Os olhos dela estão vidrados; todo o espírito de luta evaporou da minha
patinadora explosiva. Seu corpo sempre relaxa sob meu toque, e isso me
enche de tanta satisfação e posse que preciso sufocar a vontade de bater no
peito.
Puxo as alcinhas dos ombros dela e desnudo seus seios para mim. Ela
está sem sutiã, com a pele corada até os mamilos. Minha boca procura por
eles primeiro, lambendo e chupando de leve, provocando-a de uma forma
que a deixa maluca.
Para uma garota tão feroz, ela se sai muito bem com um toque mais
suave.
O corpo dela estremece e agarro sua cintura com um pouco mais de
força.
– Hum… – murmuro junto à pele dela. – Você gosta disso, lindeza?
Ela assente e pego seu queixo de novo, recuando para olhar para ela.
– Fala – imploro.
Em vez disso, ela leva a mão à boca, lambe a palma e a leva até lá
embaixo para agarrar meu membro. Eu me esfrego por instinto no punho
dela, gemendo em seu pescoço enquanto ela mexe em mim.
Nossa. Nossa. Nossa.
Sadie geme um pouco mais alto e meus olhos se abrem e a encontram,
tão pequena debaixo de mim e ainda no controle total mais uma vez.
– Você gosta disso, craque? – provoca ela, e eu gemo.
Isso. O vaivém em busca de controle. Caramba, quero essa mulher para
sempre.
– Você tá acabando comigo, lindeza – rosno, puxando-a para cima.
Já estou perto demais de explodir. Ver a pele dela corar enquanto me dá
prazer só dificulta as coisas. Os olhos dela brilham, um sorrisinho se
insinuando no canto da boca vermelha.
Eu a beijo com força e insistência enquanto nós dois gememos na boca
um do outro. A língua dela não perde tempo em se emaranhar na minha,
até que ela esfrega a cabeça do meu membro e eu me afasto com um
arquejo.
Seus lábios descem pelo meu queixo e fico torcendo para que ela deixe
uma marca em mim.
Como se estivesse concedendo meu desejo de aniversário, os dentes de
Sadie se afundam na pele na base do meu pescoço com uma mordidinha. Eu
gozo forte, com estrelas brilhando no fundo dos olhos.
Demoro mais do que o normal para sair desse estado de êxtase, mas saio,
deslizando para o colchão enquanto Sadie me empurra para baixo e passa
por cima de mim. Ouço seus saltos no chão, o som da pia sendo aberta e
depois fechada, então olho na direção do banheiro e a vejo encostada no
batente da porta.
Ela ainda está vestida, as alças de seda de volta nos ombros, as botas de
couro ainda calçadas, enquanto estou nu, jogado na cama.
Meu membro reage ao vê-la.
Ergo a cabeça, flexionando meu abdômen de leve enquanto ela caminha
na minha direção.
– É meu aniversário, lembra? – digo, os olhos brilhando. – Ainda quero a
sobremesa.
Ela se inclina sobre mim e a gente se beija de novo, devagar dessa vez.
– O que você quiser, craque.
Eu deveria dizer a ela que monte em mim e sente no meu rosto do jeito
que venho imaginando há semanas. Em vez disso, digo:
– Que tal passar a noite comigo?
Ela congela por um segundo, montada no meu abdômen. Consigo sentir
o calor dela na minha pele e, por um momento, penso em dizer “deixa pra
lá” e erguer o corpo dela para devorá-la.
Mas espero, até que Sadie enfim respira fundo.
– Tá – sussurra. – Eu fico esta noite.
Eu a faço gozar mais três vezes, como recompensa por sua resposta ou
prova de que sou digno do tempo dela, antes de adormecermos nus debaixo
dos lençóis da minha cama.
Quando meu alarme toca na manhã seguinte, porém, ela se foi e os
lençóis estão gelados.
CAPÍTULO VINTE E DOIS
Rhys
Sadie
O frio incessante na minha barriga é o culpado pela rapidez com que coloco
Liam na cama.
Conferi a pontuação da partida pela última vez quando estava mais cedo
no sofá com Liam e Oliver, que logo espiou o placar por cima do meu
ombro. Ele tentou não demonstrar, mas percebi seu sorriso sorrateiro depois
de saber da vitória da equipe da Waterfell.
A tabela de pontos mostra Matt Fredderic como artilheiro, junto a dois
outros nomes que não reconheço. Enquanto rolo a tela sem pensar, dando
uma lida nos detalhes lance a lance, o nome de Rhys aparece na notificação
de uma chamada de vídeo.
Eu me olho no espelho do banheiro enquanto cuspo o enxaguante bucal
na pia.
O celular continua a tocar, apenas atiçando ainda mais o frio na minha
barriga. Apago a luz do banheiro com um tapa e deslizo pelos tacos de
madeira do corredor com minhas meias felpudas, praticamente saltando
para o meu quarto. Atendo a ligação assim que fecho a porta.
– Oi – digo e me olho no canto superior da tela, só para ter certeza de
que ele consegue me ver sob a luz baixa do cômodo.
– Oi, Sadie, lindeza.
Ele sorri. E é de tirar o fôlego, mesmo pela tela do celular, com os cabelos
úmidos espalhados na cabeceira da cama sobre uma pilha de travesseiros
branquíssimos de hotel. Sua pele brilha com um leve rubor, a covinha
cintilando com um sorriso de empolgação que agora reconheço.
– Onde você tá? – pergunta ele, e me lembro que esteve muitas vezes no
meu alojamento durante os intervalos e depois das aulas, tantas que é capaz
de reconhecer minhas paredes decoradas ou minha roupa de cama xadrez
azul.
– Em casa. – Eu me remexo um pouco e encontro um lugar confortável
na cama, afundando no velho colchão de solteiro. – Parabéns pela vitória,
craque.
A boca dele se abre para falar alguma coisa, mas uma voz grave vinda do
fundo o interrompe:
– Não dê parabéns. Ele torceu o tornozelo logo no início e descansou
durante a maior parte da partida.
Minhas sobrancelhas se franzem, as palavras de Bennett girando na
minha cabeça enquanto tento compreendê-las. Pelo olhar envergonhado de
Rhys, desconfio que não seja verdade. Então ele ri, os olhos brilhando.
– Adoro isso – diz.
– O quê?
– Quando você fica com essa ruguinha na testa. Como se estivesse
pensando muito em alguma coisa.
– Em você.
Reviro os olhos. Largo o celular na cama para a câmera apontar para o
teto e eu poder esconder meu rubor enquanto bato os pés no colchão.
Nunca me senti desse jeito com ninguém. Ver meu pai ficar de luto pela
minha mãe vivíssima, afogando as lágrimas em álcool, drogas e mulheres
desde que eu tinha 12 anos, deixou um gosto amargo quando se trata de
relacionamentos. Ou quando se trata de pessoas em geral.
Mas com Rhys é diferente. Verdadeiro.
– Você não jogou? – pergunto.
Bennett passa perto o bastante para que eu o veja.
– Quer que eu traga alguma coisa pra você? – pergunta ele, pondo um
boné de beisebol na cabeça enquanto sai do enquadramento de novo.
– Não, tranquilo – responde Rhys.
A porta bate e percebo que ele relaxa por ficarmos sozinhos. Como
sempre.
– Então. – Ele suspira, um brilho travesso nos olhos. – Minha surpresa.
Dou risada. Não é um som que eu emita com frequência, mas há algo
emocionante nisso. Não estou nervosa, estou empolgada… e um pouco
preocupada que vá me arrepender disso mais tarde, quando ele seguir em
frente com uma namorada de verdade e sua bela carreira. Ainda assim, me
permito esse momento.
– Não me lembro de nada disso – provoco e puxo pra lateral o colarinho
da minha camiseta enorme, com um dar de ombros estratégico.
Os olhos dele acompanham o movimento, os ombros tombando
enquanto relaxa ainda mais na cama. Abro a boca, mas ele me interrompe.
– Você é tão linda.
Um calor indesejado se contorce no meu peito. Então, em vez de
responder, tiro a camiseta de uma vez só. Isso não é romântico. Não somos
um casal, nossa questão é só sexo.
– Nossa! – exclama ele, os olhos arregalados enquanto observa o
conjunto de lingerie azul-bebê que Ro me deu de presente de aniversário no
ano passado.
– Gostou?
Ele assente que nem um bonequinho que fica balançando a cabeça.
– Que bom. Fico feliz que você goste. – Dou um sorrisinho quando ele
contrai o abdômen quase por reflexo. – Quer se tocar?
– Quero tocar você – responde ele de imediato.
O calor na minha barriga tenta se alojar de novo. Eu o afasto, encontro
um lugar para apoiar meu celular e deslizo as mãos pelo tecido translúcido
que cobre minha barriga.
Rhys acompanha cada movimento meu e fica óbvio que está segurando a
câmera com uma das mãos apenas.
Observo com olhos ardentes o braço dele se mover para cima e para
baixo. Eu senti e vi direitinho o que ele tem lá embaixo, mas, mesmo assim,
mordo o lábio para me impedir de pedir para assistir.
Devagar, deslizo as alças do bustiê pelos ombros e me aproximo da
câmera para lhe dar uma visão melhor. Desse jeito parece mais seguro,
cortando minha cabeça de sua linha de visão para que ele não possa ver
meus olhos. Já baixei demais a guarda; isso sou eu retomando o controle.
Preciso desesperadamente disso, antes que me afogue por completo nele.
Ele solta um gemido baixo enquanto mostro meus seios. O movimento
de seu braço acelera, empurrando a câmera.
– Nossa, lindeza! – grita ele, então a porta emite um clique e o celular sai
voando, acompanhado de um berro desagradável de Rhys.
Derrubo meu próprio aparelho e puxo o edredom por cima da cabeça
para me cobrir, deixando apenas o rosto visível.
Bennett aparece na minha tela enquanto pega o celular de Rhys. Tenho
um vislumbre das suas bochechas bastante vermelhas antes que haja um
movimento rápido e Rhys apareça na câmera de novo.
Ele caminha para algum lugar, um banheiro, antes de suspirar e se
desculpar sem parar.
– Tá tudo bem – murmuro do meu casulo.
Ele dá um sorrisinho cheio de malícia para o casulo, ainda maior do que
deu para a lingerie. E, desesperada, tento espantar o calor que só cresce
quando ele diz:
– Você tá uma gracinha desse jeito.
Mas esse calor ganhou um espaço permanente no meu peito. E Rhys
também.
CAPÍTULO VINTE E QUATRO
Rhys
Há apenas uma brisa fresca no ar, mas é o suficiente para o pessoal que não
é do Norte vestir casacos leves quando atravessa o campus a pé. Temos dois
treinos por dia com bastante frequência agora que estamos a uma semana
da primeira partida em casa.
Eu me sinto melhor do que antes, em parte porque a equipe parece estar
se entrosando muito bem – mesmo com aquele parasita do Kane pairando
perto de mim feito uma assombração em todos os treinos –, mas
principalmente por causa de uma patinadora artística sarcástica que tem
meu coração nas mãos pequeninas.
Bennett finge que a noite no quarto de hotel nunca aconteceu, do mesmo
jeito que ele e Freddy fingem não notar todas as vezes que saio depois de
escurecer para uma “corrida da meia-noite” rapidinha, que dura pouco mais
de um quilômetro até o alojamento da universidade, depois volto com uma
convidada a tiracolo. Eu a faço entrar de fininho, mas tenho certeza de que
eles sabem.
Fico na porta do alojamento de Sadie nos períodos entre as aulas bem
mais do que admito. Eu a chupo bastante e minha posição favorita é com ela
deitada na cama, as pernas em cima dos meus ombros enquanto me ajoelho
e me masturbo. É impossível não fazer isso com os sons que ela deixa
escapar, seu sabor, as unhas enfiadas no meu couro cabeludo.
O toque dela me acalma tanto quanto me provoca. Antes eu estava à
deriva, não sentia nada além de apatia. Sadie me faz sentir vivo pela
primeira vez desde aquela partida. Como se eu fosse um homem inteiro de
novo.
Não fizemos sexo com penetração. Ainda não. Em parte porque, quando
me sacio dela, já a fiz gozar pelo menos três vezes. E não consigo me
impedir de sempre acompanhá-la até o clímax com um leve toque.
A outra razão, a que mal consigo admitir para mim mesmo, é que estou
com medo.
Sadie está arraigada no meu corpo e na minha mente; passar um dia
sequer sem vê-la me deixa ansioso para ficar perto dela. Quero mais do que
apenas as mãos dela na minha pele na penumbra. Eu a quero em todo lugar
– seu cabelo no meu quarto todinho, sua voz em meio à barulheira dos
meus jogos, sua escova de dentes no meu banheiro –, e fico preocupado com
a possibilidade de que ela se encha de mim e siga em frente. Então guardo a
única carta que tenho na manga no nosso acordo de amizade colorida.
Como nos filmes em que a líder de torcida espera para se entregar ao
quarterback, eu espero por Sadie.
Caminho ao lado de Bennett, voltando da aula de cálculo que adiei até
este ano. Nem sei por que Bennett faz essa matéria. Tenho certeza de que ele
a cursou no primeiro ano. Isso sem falar que é um gênio por mérito próprio.
Freddy e Holden encontram a gente no gramado, junto com alguns
calouros da nossa equipe, e todos nos dirigimos para o refeitório saudável
da universidade para almoçar.
– Vamos ter dois treinos na sexta-feira? – pergunta Holden, puxando de
novo a alça da mochila para o ombro depois que ela escorrega.
– Não, só um treino bem cedo.
Ele assente.
– Ótimo, então que tal uma festa?
– Na casa de quem? – pergunta Freddy, os olhos procurando Bennett
como se quisesse muito pedir a permissão dele.
A expressão de Bennett é um pouco severa, mas ele solta um suspiro e dá
de ombros.
– Pode ser na nossa ou na deles. Tanto faz.
Freddy e Holden fazem um “toca aqui” na mesma hora e começam a
debater qual das duas casas usar para sediar nossa festa anual de volta às
aulas.
Moramos na Casa do Hóquei. Ela tem sido habitada por jogadores da
equipe há tantas gerações que nem faço ideia desde quando. Bennett e eu
tivemos a chance de morar lá quando os antigos veteranos saíram. É um
sobrado em estilo colonial pintado de azul-claro, com a bandeira dos Lobos
da Waterfell tremulando na ampla varanda da frente.
O sobrado fica perto do campus, a uma curta distância a pé do principal
centro comercial ao sul da universidade e apenas um pouco mais distante do
alojamento da universidade e dos prédios em que acontecem as aulas. A
outra casa da equipe, carinhosamente chamada de Alojamento do Hóquei, é
um dormitório de sete quartos e banheiros coletivos que não foi tão atraente
para Bennett, que gosta de ter o controle total de seus espaços. Ainda assim,
Holden e Freddy moraram lá numa boa no primeiro ano. Freddy se mudou
para a nossa casa no ano passado, depois de entrar pro grupo de atacantes
principais, numa tentativa de criar laços. O último quarto da casa, que está
vago desde que Davidson foi embora, provavelmente vai ser preenchido por
um dos calouros.
– O espaço no Alojamento é maior – ressalto, então paro.
Porque ela está ali.
Vejo Sadie assim que ela me vê. Ela está do outro lado do gramado,
caminhando na direção do centro esportivo e vestida como se fosse treinar.
Tem um cara com ela. Alto, musculoso, vestido com um conjunto preto
apertado parecido com o dela. A mochila de Sadie – a própria, a que tem
uma droga de etiqueta pendurada – está no ombro dele. A cena causa uma
pontada no meu coração já apertado.
Sadie diz algo para ele rapidinho e corre na minha direção com um
aceno. Fico todo vaidoso com a atenção dela em público, com a maneira
como seus olhos não deixam os meus enquanto ela corre. Sadie dá pulinhos
na ponta dos pés por um minuto, sorrindo ao deixar escapar:
– Achei uma música… Ah.
Ela dá um passo para trás, as bochechas corando ao perceber o grupo ao
meu redor. Freddy sorri para ela, Bennett ergue uma sobrancelha em
silêncio e Holden e os calouros param de conversar para observar a gente.
– Desculpa. – Ela dá outro passo para trás. – Você tá ocupado.
– Não tô, não.
Dou um sorriso, mas sinto uma pontada no peito ao imaginar que talvez
ela não quisesse que a gente fosse visto. Isso também é segredo? Com medo
de pensar no que isso significa, me despeço dos caras com um aceno de
cabeça e seguro o pulso de Sadie, puxando-a dali para nos afastarmos alguns
metros.
– Você achou uma música?
Ela sorri de novo, o que alimenta minha alma.
– Ela me lembra você. Adicionei no fim da playlist ontem à noite.
– Vou ouvir no caminho pra aula.
Essa frase a faz abrir um sorriso tão grande que seus olhos quase
desaparecem, enrugando-se nos cantinhos. Isso me dá vontade de fazer
qualquer coisa para ter esse olhar dirigido a mim, então acrescento:
– Vou te mandar uma mensagem com o que achei dela.
– Não vou te ver amanhã?
Sinto o estômago revirar. Droga.
O jogo do Oliver. A partida que prometi a ele que iria assistir depois que
ele a mencionou sem querer e Liam me convidou na mesma hora. Oliver
não pediu nada, mas vi a pergunta sutil em seus olhos, querendo saber se eu
poderia aparecer.
– Droga – murmuro. – Lindeza… foi mal mesmo. Eu tenho… Droga,
tenho dois treinos por dia a semana toda. Esqueci disso.
O rosto dela se fecha, mostrando apenas um vislumbre de pura e
verdadeira decepção antes de erguer uma parede de ressentimento. Já vi isso
antes, a mudança de expressão no rosto dela, quase idêntica à de Oliver. É
mais um sinal na lista de coisas que me deixam preocupado com essa
família: aconteceu algo com eles que os deixou assim.
– Desculpa…
– Não pede desculpa pra mim. Foi pro Oliver que você prometeu.
Tento alcançá-la enquanto ela se afasta, detestando a rapidez com que
essa conversa mudou.
– Sadie…
– Tá tudo bem, Rhys. A gente não tá namorando, você não me deve
nada. Minha família está bem sem você.
Parece que levei um soco no estômago. Depois vem outro, quando ela
volta para junto daquele desgraçado bonitão e arrogante que ainda está com
a mochila dela e os dois vão embora juntos.
Os caras não estão mais no gramado. Sempre rigoroso com os horários,
Bennett não se dá ao luxo de ficar para trás, mas Freddy esperou, por algum
motivo que não me importo. Ele vem ficar perto de mim, a mochila meio
pendurada no ombro. Uma garota lhe dá um aceno tímido e alegre ao
passar, e ele responde com entusiasmo enquanto joga um braço por cima
dos meus ombros e me puxa para longe, bloqueando minha visão de Sadie.
– Ainda só dividindo o rinque? – pergunta Freddy, o tom sério, apesar
do sorriso descontraído no rosto. – Porque, pelo olhar mortal que você tá
dando pro Luc, acho que é um pouquinho mais do que isso.
– Se fosse, acho que acabei de estragar tudo.
– Um passo pra frente, dois pra trás. Você vai ficar bem.
Balanço a cabeça.
– Quem é Luc? O cara que tá com ela?
– Meu Deus, você não conhece o cara?
Balanço a cabeça. Freddy ri e dá um tapinha no meu peito. Ele abre as
portas do refeitório saudável, atirando a gente numa rajada de ar frio.
– Bom pra você – comenta ele. – Não suporto aquele sujeito.
Isso não ajuda, considerando que Freddy gosta de todo mundo.
– Quem é ele, afinal?
Pegamos bandejas para nos servir na bancada do refeitório saudável, o
principal local onde os atletas da Waterfell fazem as refeições. Servem
frango grelhado, um bufê completo de saladas com todos os molhos
imagináveis, além de verduras, batatas, enfim, tudo o que podemos e vamos
comer, principalmente durante a temporada.
– Luc é patinador artístico, faz parte de uma dupla… ou fazia. Ele tem
dificuldade em não dormir com as parceiras.
Não há nada que eu possa fazer para impedir a leve onda de adrenalina
que jorra dentro de mim. Meus dedos agarram a bandeja com força
enquanto pego quase todos os pedaços de frango grelhado com limão que
Freddy deixa para trás. Respiro fundo para me acalmar. Ele não disse que
Sadie dorme com o cara.
– Parece que foi uma promessa olímpica antes de vir para cá. O cara acha
que é um presente de Deus pras mulheres, ou algo do tipo.
Bufo.
– Os iguais se reconhecem, né, Freddy?
Ele ri, assentindo.
– Pois é, pois é. – Ele já está com um pouco de batata enfiada na boca
enquanto fala e mastiga, e andamos até a mesa do hóquei.
Algumas pessoas acenam com a cabeça enquanto nos acomodamos, eu à
direita de Bennett, Freddy bem na minha frente. Enquanto todos temos
pratos cheios de comida do bufê de acordo com nossas dietas definidas,
Bennett come uma marmita toda separadinha que preparou em casa.
– Sei que você falou que vocês dois não estão juntos nem nada –
continua Freddy, a voz baixa apesar do burburinho da multidão. Ele esfrega
a mão na nuca. – Mas juro que acho que ele e a Sadie tinham alguma coisa.
Droga.
Bennett olha para mim por um segundo.
– A Sadie gosta do Rhys. Ela tá na nossa casa o tempo todo. Não acho
que teria tempo pra mais ninguém.
Suspiro e aceno com a cabeça na direção dele em um agradecimento
silencioso.
– Ela tem bastante tempo pra isso agora – digo.
– É, e se esse é o caso, capitão, então você tem bastante tempo pra outras
garotas. E a Paloma?
Como se tivesse sido conjurada pela menção de seu nome, Paloma se
enfia entre mim e Bennett, os braços roçando nossos ombros enquanto dá
uma piscadela para Freddy.
– Contando vantagem de mim de novo? – Ela me dá um sorrisinho e
rouba uma batata do meu prato, brincando com a comida nos lábios
pintados.
Paloma Blake é linda e sabe disso. Cabelos louros, pele levemente
bronzeada, lábios grossos e carnudos e um corpo pelo qual quase todos os
jogadores à mesa – caramba, talvez todos os estudantes da universidade –
babaram em algum momento. Tudo nela parece sensualizado, com uma
atitude ultraconfiante para combinar. Ela pode jogar beijos e piscadelas
sedutoras, mas sempre suspeitei de que escondesse garras afiadas.
– O Rhys finge que vocês dois nunca namoraram. – Holden dá risada,
sacudindo a cabeça na direção de Paloma com uma piscadela. – Se quer
alguém pra contar vantagem, me dá só uma noite, Paloma. Nunca mais vou
calar a boca.
Paloma sorri de novo, toda sensual, e cada gesto é tão falso que quero me
afastar. Bennett faz isso: vai embora. Ela se acomoda no assento enquanto
ele deixa o refeitório.
– Qual é o problema dele? – pergunta ela com desdém, virando o corpo
para observar Bennett sair e se inclinando todinha para o meu lado.
Eu a empurro de leve para tirá-la de cima de mim.
– Talvez ele não quisesse você se atirando pra cima dele – sussurro.
Não sou cruel, simplesmente não ligo mais. O antigo Rhys teria deixado
que ela ficasse ali e desse um pouco em cima dele, depois voltaria a se
concentrar no treino.
– Você sabe como ele é – acrescento.
– Na verdade, não – argumenta ela num tom defensivo. – Mas qual é o
seu problema, caramba?
– Nenhum.
– Dá pra notar. – Ela revira os olhos. – O que deu nele pra estar com essa
cara de quem comeu e não gostou?
Holden ri pelo nariz e enfia o resto do frango grelhado na boca numa
mordida grande demais. Freddy ergue os olhos e ri, dando um meneio de
cabeça na minha direção enquanto responde para Paloma.
– Ele tá a fim de uma garota que não tá se atirando nele, pra variar.
Paloma ergue uma sobrancelha delineada à perfeição e remove o
protetor de alumínio de um iogurte infantil colorido que surgiu do nada.
– Quem?
Não quero responder porque, a julgar pela atitude de Sadie, ela pode
estar mantendo a gente em segredo. Mas sei que, se alguém nesse campus
sabe tudo sobre todo mundo, é Paloma.
– Sadie Brown.
A expressão no rosto dela nem se abala, suas feições impecáveis
permanecem perfeitamente no lugar, sem reagir às minhas palavras.
– A patinadora artística?
Faço uma pausa e olho para ela.
– É… Você conhece?
Ela sorri, o que faz minha barriga doer.
– Ah, conheço, sim… Ela é divertida.
Algo na maneira como diz isso me deixa desconfortável.
– Divertida?
Paloma dá de ombros, mas aquele brilho nos olhos não desaparece.
– Ela é doida. Aparece nas festas pra ficar de pegação, coisa rápida e nada
silenciosa, então isso meio que criou uma fama. Não acho que ela tenha
dormido com ninguém do time de hóquei, mas com o pessoal dos outros
esportes? É, ela gosta do tipo atlético, durão. Não vejo ela há um tempo, mas
no semestre passado ela estava doida.
Quero fazer mais perguntas, mas forço minha boca a ficar fechada. Se
aprendi alguma coisa com o tempo que passei namorando Paloma, é que ela
não é fonte confiável para esse tipo de informação.
Eu me obrigo a comer apesar da queimação no estômago. Temos treino
em algumas horas, o que pode me dar tempo suficiente para falar com Sadie
e me redimir, isso se ela já não estiver no próprio treino.
Mas sei dos horários dela como sei dos meus, porque quero saber. Quero
vê-la todos os segundos que puder e, para dois estudantes e atletas
ocupados, fazer as agendas baterem é um pesadelo. É surpreendentemente
mais fácil eu encontrar vaga para ela do que ela para mim. Na maior parte
do tempo, ela cuida dos irmãos. Quanto mais me aproximo dela, mais tenho
a impressão de que ela é a única que cuida deles.
Peço licença depressa, me afasto da mesa e jogo os restos na lixeira ao
sair. Então enfio a cara no celular e puxo as mensagens de Sadie, pensando
em como vou consertar as coisas.
Mas primeiro abro a playlist que ela fez para mim, com a música nova na
fila: “Yippie Ki Yay”, de Hippo Campus. Não consigo deixar de abrir um
sorriso ao notar que sei exatamente por que ela a escolheu.
CAPÍTULO VINTE E CINCO
Sadie
Sadie
Rhys
Rhys
Estou há quase uma semana sem ver Sadie, sóbrio ou não, e isso começou a
afetar meu jogo. Nossas primeiras partidas foram em casa, no fim de
semana passado, e agora temos duas partidas fora programadas para o
próximo. Até o momento, estamos na mesma posição do último ano: perto
do topo, com os times da Boston, da Michigan e da Harvard como nossos
principais oponentes.
Minha concentração está boa, mas não ótima, um pouco perturbada por
estar chegando mais cedo no rinque e saindo mais tarde todos os dias, na
esperança de ter um mero vislumbre dela.
Estou com saudade do jeito como ela me acalma, lógico.
Estou com saudade dela, só isso.
Sadie era minha amiga antes de qualquer outra coisa, mesmo que sua
boca teimosa não a deixasse me chamar assim em voz alta. Esses dois meses
que passamos patinando de manhã se tornaram algumas das minhas
memórias favoritas dentro e fora do rinque. Quero mais delas.
No entanto, Sadie está fora do meu alcance.
Por ora, apenas aguardo e me esforço para ser digno dela.
Ter voltado à terapia há uma semana não é suficiente, mas é um começo.
Sadie não pode ser meu único apoio se quero que ela seja minha. Não vou
colocar esse peso nos ombros dela nunca mais.
A biblioteca está um pouquinho gelada, combinando com a temperatura
do lado de fora. Assim como a maioria dos prédios antigos do campus, em
geral ou o lugar está um gelo, ou um forno.
Continuo com meus estudos – é necessário para ficar no time, mas
também para minhas obrigações de capitão, que incluem promover tardes
de estudo com a equipe para que todos possamos trocar anotações das
aulas, dicas úteis ou questões comuns que caem nos testes. Ainda é difícil
ficar perto dos meus colegas de equipe e exibir sorrisos forjados, mas tenho
uma ferida que não cicatrizou. Não vai acontecer da noite para o dia.
Preciso me lembrar disso constantemente.
O bom é que Toren Kane costuma se ausentar de qualquer coisa
relacionada à equipe, o que significa que esse lembrete do nosso incidente
no rinque não me acompanha por todo lado.
Antes que eu consiga chegar à mesa nos fundos do térreo da biblioteca,
que é um pouquinho menos silenciosa do que as outras, algo chama minha
atenção.
É a patinadora artística baixinha que eu andava procurando, vestida com
uma calça jeans apertada e mais uma de suas camisetas largas, meio
escondida atrás do patinador artístico musculoso, o tal de Luc. Aquele que
causa um arrepio desconfortável de ciúme, algo a que não estou exatamente
acostumado.
– Ei, Sadie! – chamo, recebendo um olhar severo da bibliotecária na
mesa próxima. Dou de ombros para ela: não estamos na área em que é
proibido falar.
Percebo que Sadie e Luc me ignoram, o que aumenta minha frustração.
Eles seguem apressados pelas portas da frente, mas vou atrás dos dois
mesmo assim. Saio da biblioteca e começo a chamar um pouco mais alto ao
alcançarmos o pequeno estacionamento vazio.
Sadie se vira, o ouvido grudado no celular e um olhar de pânico nos
olhos acinzentados arregalados ao me ver. Por algum motivo, minha
presença parece deixá-la mais chateada. Isso me atinge como um chute na
barriga. Ela gira para o outro lado em um movimento que parece de
patinação, batendo o pé enquanto continua tentando ligar para alguém.
Luc suspira e acena para mim como se fôssemos amigos.
O que não é algo ruim, a menos que ele esteja dormindo com Sadie, e aí
acho que eu iria querer derrubar o cara no chão.
Ele caminha até ficar ao meu lado. Luc é mais ou menos da minha altura
e tem quase a mesma constituição física que eu, um atleta, o que de alguma
forma me deixa mais furioso com ele, apesar de nunca ter falado com o cara.
Ele corre a mão pelos cabelos muito pretos e inclina a cabeça na minha
direção. Eu me recuso a tirar os olhos da patinadora artística raivosa à nossa
frente, querendo poder fazer alguma coisa.
– Rhys, né?
Confirmo com a cabeça. Cerro um pouco o maxilar quando a voz de
Freddy soa nos meus ouvidos. “Ele tem dificuldade em não dormir com as
parceiras. Acho que ele e a Sadie tinham alguma coisa.”
– Luc – diz ele, olhando para Sadie de novo.
Outro sentimento possessivo me atinge. Tenho vontade de arrancar os
olhos dele, mas isso passa e consigo manter a sanidade.
– Isso é ridículo – reclama ele. – Ela não deveria ficar tão assustada assim
por faltar a um treino.
– O que tá acontecendo?
Ele começa a falar, mas para. Sadie enfia o aparelho no bolso de trás da
calça. Aí dá um giro, solta um grito e chuta o chão com tanta força que Luc e
eu damos um salto para a frente, como se a gente pudesse detê-la.
– O que foi? – pergunto, de repente sentindo como se estivesse me
intrometendo e detestando cada segundo disso.
É difícil engolir em seco, e mais difícil ainda não poder tocá-la.
– Rhys, por favor, não consigo lidar com você agora – diz ela, me
dispensando, a mão dando um aceno enquanto solta um palavrão e tenta
fazer a chamada de novo. – Onde foi que ela se enfiou?
– Relaxa, Sadie. Só falta à droga do treino – diz Luc ao se aproximar dela.
Eu me sinto um pouco mal. – Ele não pode…
– Ele pode, sim. E não importa: se eu faltar, pelas normas da faculdade,
posso perder minha bolsa de estudos.
Engulo a insegurança que obstrui minha garganta e dou um passo à
frente mais uma vez, segurando com força a alça da minha mochila.
– Posso ajudar?
– Rhys. – Sadie suspira como um vulcão prestes a entrar em erupção. –
Por favor, eu…
– Eu sei – falo, interrompendo-a e me aproximando até que meu ombro
empurra Luc para fora da nossa pequena bolha.
Ela começa a amolecer sob meu olhar, o suficiente para que eu me atreva
a tocá-la. Estendo a mão e seguro a dela, fazendo carinhos circulares na
palma.
– Só me diz como ajudar, lindeza. Caramba, detesto te ver assim, como
se estivesse prestes a ter um ataque de pânico.
Fico mais ousado. Solto sua mão e agarro seu queixo com delicadeza,
erguendo-o para seus olhos encontrarem os meus, com o coração doendo ao
ver desespero e medo neles.
– Me diz – repito.
Ela se desmancha na minha mão. Parte de mim – a parte ridiculamente
masculina do meu cérebro – quer olhar para Luc, abrir um sorrisinho e
exibi-la nos meus braços como se dissesse “Viu? Ela só amolece comigo. É a
mim que ela recorre, não a você”. Mas consigo manter a atenção em Sadie.
– Meus irmãos foram pra casa depois da escola, mas minha vizinha, que
costuma ficar de olho neles, não pode hoje. – Assinto enquanto ela sussurra
para mim, sem soltar meu aperto suave em seu queixo. – E a Ro deveria
estar em casa, mas não tá atendendo o celular, e não posso perder meu
treino…
– Você precisa que eu vá buscar seus irmãos? – Assinto para ela. – E levo
os dois pra onde?
– Tá tudo bem. – Ela recua, na defensiva por conta da oferta de ajuda. –
Não, eu só…
– Sadie – digo com mais firmeza. – Sei onde fica sua casa, eu me lembro.
Pra onde devo levar os dois?
Os olhos dela se enchem de lágrimas, mas ela não deixa nenhuma delas
se libertar quando finalmente cede.
– Tá, tudo bem. Só… Você pode levar os dois pro meu alojamento? A Ro
deve estar cochilando entre as aulas. Só… isso. Vou te passar o número dela,
e ela pode pegar os dois na entrada do prédio.
Faço que sim com a cabeça e deixo que ela pegue meu celular para
adicionar o número de Ro.
– Agora, só vai… – Ela hesita, mesmo depois que Luc pega a mochila
dela do chão e fica esperando. – Rhys…
– Eu sei… – Engulo cada palavra que quero dizer e abro um dos meus
sorrisos com a máscara. – Isso não muda nada. Não quer dizer que não
podemos ser amigos. Beleza, lindeza?
Ela morde o lábio com força, assentindo. Seus olhos se recusam a parar
de percorrer meu corpo.
– Tá bem, Rhys.
Não sei explicar por que dói tanto que ela não me chame de “craque”.
Ela pega a mochila da mão estendida de Luc e se vira, sem se preocupar
em esperar por ele. Quando ela não pode mais nos ouvir, Luc se vira para
mim e dá um tapinha no meu ombro.
– Não sei se você conhece o treinador Kelley.
Faço que não.
– Só vi de relance.
– Bem. – Ele resfolega, fecha os olhos e balança a cabeça como se essa
fosse a última coisa que quisesse fazer. – Se você tem sentimentos por ela,
sentimentos verdadeiros, e acho que tá bem claro que tem, então precisa
cuidar dela.
Luto contra a vontade de empurrá-lo e rosnar “eu cuido”. Presto atenção
no tom de voz dele, no olhar derrotado.
– Talvez ela te ouça se você falar daquele treinador superintenso dela.
Franzo a testa e arrumo a mochila no ombro direito, enfiando o braço na
outra alça.
– Ela disse que isso é normal, que ele é assim com todo mundo.
Luc balança a cabeça de novo e solta um suspiro.
– O Kelley não é normal. E, se você não sabe o que tá acontecendo
naquele maldito rinque…
– Laroux! – grita Sadie, batendo o pé. – Se você fizer eu me atrasar,
arranco suas bolas e penduro no painel do meu carro.
Um sorriso puxa minha boca só de observá-la. Luc sai correndo atrás
dela, sem se importar em terminar o que dizia.
Nos degraus da frente de uma casa idêntica à de Sadie, embora um pouco
mais clara, Liam e Oliver estão sentados com as mochilas nas costas,
sozinhos.
E, no gramado deles, na casa ao lado, há um homem deitado de bruços.
Ver o homem caído tão perto dos meninos me assusta tanto que mal
estaciono direito o carro antes de correr na direção deles. Liam comemora
quando me vê e um sorriso confuso toma conta de seu rosto. Ele fica de pé e
dá um tapa nos ombros de Oliver.
– Ei, amigões – chamo, diminuindo o ritmo e abrindo um sorriso, como
se isso pudesse distraí-los da situação que grita “perigo” a respeito do
estranho a poucos metros deles. – Vocês tão bem?
– Você veio aqui por causa da gente? – retruca Liam, em vez de
responder à minha pergunta, e um buraco começa a se formar no meu
estômago. – A Sra. B. não tá em casa, então não sabemos o que fazer.
Ele dá de ombros. Olho para a casa deles de novo. O homem está
cercado por algumas latas e garrafas, além de uma poça de vômito, mas
respira. Dou um passo para trás e examino o resto da rua sem saída.
– Isso, vim pra buscar vocês.
Liam comemora de novo, pulando no mesmo lugar como se não
conseguisse conter o entusiasmo. Olho para Oliver e pergunto:
– Vocês conhecem aquele homem?
Oliver não responde, mas Liam morde o lábio e assente, embora
hesitante.
– Aquele é o meu pai.
Merda. Acho que vou passar mal.
– A Sadie vai ficar brava – comenta Oliver, de pé ao lado do irmão, a
mochila escorregando de um ombro. O olhar que ele me lança é, na melhor
das hipóteses, cauteloso. – Ela odeia quando as pessoas descobrem sobre ele.
Liam parece preocupado com isso.
– Mas ela gosta do Rhys.
– Por isso mesmo. – Oliver dá uma risadinha antes de me encarar com o
mesmo olhar cético. – A Sadie te mandou aqui?
É claro que Liam não entende, mas eu, sim. Oliver tem 12 anos, mas sabe
que Sadie não me contou, que escondeu isso de mim. Tento me concentrar,
apesar dos pensamentos acelerados na minha cabeça.
– Mandou, sim. Sou o chofer de vocês.
– Não sei o que é isso – diz Liam, com um suspiro.
– Significa que vou levar vocês de carro até a Ro.
– Oba! – grita Liam, o punho socando o ar.
Ele corre para o meu carro sem outro olhar para o pai desmaiado em um
mosaico retorcido de garrafas de cerveja na grama. Como se isso fosse
comum.
Oliver espera com uma estranha mistura de medo e vontade de ir meio
escondida atrás da máscara de raiva.
– Posso dar uma passada no Frango Frito se vocês quiserem – sugiro. –
Temos tempo.
A pontinha de um sorriso surge no rosto de Oliver.
– É o favorito do Ollie! – grita Liam, ao mesmo tempo que puxa a
maçaneta da porta do carro.
Sei que é o restaurante favorito dele. Perguntei a Sadie há semanas,
depois de uma sessão de amassos no banco do carona do carro dela, com ela
montada nas minhas coxas. Percebi que sempre havia sacolas de papel
daquele restaurante no carro dela e brinquei que ela era viciada no lugar,
então ela esclareceu que o vício era de Oliver. No dia, ela fez parecer algo
conveniente.
Mas agora sei que não é bem assim.
– Vamos lá. – Faço um gesto por cima do ombro. – A gente pega alguma
coisa pra comer. E deixo vocês escolherem a música.
E, assim como a irmã dele, Oliver se anima. Meu coração está apertado,
mas seguro a onda e deixo os dois cantarem canções do ABBA durante todo
o caminho até o drive-thru, tentando me agarrar à felicidade deles como se
isso fosse apagar a ansiedade que as palavras de Luc despertaram misturada
à imagem da casa deles.
CAPÍTULO VINTE E NOVE
Rhys
Quando encosto o carro na frente da casa dos meus pais, ouço Oliver quase
engasgar com o milk-shake – que de alguma forma ainda não acabou –
enquanto Liam dá um gritinho.
– Você mora num castelo? – pergunta Liam, arregalando os olhos para a
casa em estilo colonial que foi completamente reformada.
A fachada mantém o estilo original, mas nos fundos foi adicionado um
anexo, que se estende bem além do que era a casa quando foi construída. Ela
é pintada de cinza, mas está repleta de vida, com inúmeras árvores e
trepadeiras. De onde estamos, dá até para ver um dos jardins, no qual flores
de cores vivas pontilham a cobertura verde de verão. É complicado durante
os meses de inverno, mas minha mãe tem um dedo verde que se sobressai
na primavera e no verão – e até agora, no início do outono.
– Não, mas meus pais moram – digo, com um sorriso.
– O pai dele jogava hóquei, Liam, o que você esperava? – murmura
Oliver bem baixinho, e espia pela janela de olhos arregalados.
– Nosso pai jogava hóquei – retruca Liam, mas o olhar fulminante do
irmão o cala antes que eu possa perguntar mais a respeito.
Falando nele, vejo meu pai atravessar o jardim depois de ouvir meu
carro chegar. Há uma expressão de surpresa e alegria em seu rosto quando
desce da plataforma elevada diante da casa. Está de calça social e uma
camisa de botão com manchinhas de terra, o que indica que ele foi a alguma
entrevista ou reunião, mas não se incomodou em trocar de roupa antes de
cuidar do jardim com minha mãe.
Minhas janelas são escuras e não quero pegá-lo de surpresa, então
desligo o motor, digo aos meninos que já volto e saio do carro. Meu pai
coloca a mão no meu ombro e une as sobrancelhas quando sussurro:
– Preciso da sua ajuda.
– O que foi, Rhys?
Minha voz está trêmula ao inclinar a cabeça na direção do carro.
– Os irmãos da Sadie estão aqui comigo. Ela precisava de ajuda…
– Rhys, fica calmo – diz ele, me interrompendo e apertando meu ombro
de leve.
Por que estou tão abalado?
Porque Sadie tem cuidado deles sozinha e eu fiz ela cuidar de mim
também. Egoísta.
Fecho os olhos com força.
– Tá. Tá, beleza. – Engulo em seco e passo a mão pelo cabelo. – Eu, hum,
levei eles pra comer. A Sadie… Ela queria que eu deixasse os dois com uma
amiga, mas… sei lá. É complicado. E eles são crianças, então não queria
levar os dois pra Casa do Hóquei. Vai que alguns dos jogadores estão lá... E
se eles não gostarem de estranhos? Mas ela me pediu ajuda e isso é…
– Rhys, tá tudo bem. – Ele meneia a cabeça na direção do carro e sorri,
acenando para os meninos lá dentro. – Tira os dois do carro e vamos levar
eles lá pra dentro, tá?
– Tá bom.
Ele se afasta quando volto para o carro e abro as portas. Os dois hesitam.
Liam observa meu pai com os olhos arregalados de admiração, esticando o
corpo no assento para ver melhor pela janela.
– Aquele é o treinador Max? Ele é seu pai?
Sorrio enquanto solto o cinto do menino. Ele provavelmente deveria
estar numa cadeirinha, mas não tenho algo assim em mãos no momento.
Estou me segurando para não pegar o celular e comprar uma agora mesmo
na Amazon.
– Sim, é ele mesmo. É o meu pai.
– Nossa, que legal! Ele joga hóquei com você.
Oliver revira os olhos, mas continua olhando meio nervoso para o
homem que às vezes é seu treinador.
– Ah, é? – pergunto, puxando Liam para fora do carro e pegando-o no
colo.
– É – murmura ele, suas mãozinhas estendidas para brincar com as
pontas do meu cabelo que se enrolam no pescoço. – Eu queria que meu pai
jogasse comigo.
Depois disso, Oliver sai e bate a porta. Fica esperando por nós, parado
perto da lateral do carro.
– Oliver – ouço meu pai cumprimentá-lo. – Bom te ver, campeão. Como
vai sua temporada?
A pergunta parece relaxar o mais velho e ele começa a falar, um tanto
relutante, de sua temporada excelente.
Liam interrompe algumas vezes, fazendo elogios extravagantes sobre o
irmão ser “o melhor jogador de hóquei do mundo”, mas isso só serve para
deixar Oliver corado. Ele não demonstra com frequência, mas estou
começando a ver que, para Oliver, as opiniões de Liam e Sadie têm mais
peso até mesmo do que o elogio de um membro do Hall da Fama da NHL.
O portão do jardim se abre de novo com um rangido alto que faz as duas
crianças darem um pulinho e minha mãe aparece, prendendo o cabelo para
trás enquanto se aproxima devagar, com o macacão e as botas verdes de
jardinagem sujos.
– Quem é aquela? – pergunta Liam, se segurando um pouco mais forte
em mim, a boca quase no meu ouvido e a voz um pouco alta demais.
– A minha mãe.
– Ah. – Ele assente e olha de novo, como se não conseguisse tirar os
olhos dela.
Enquanto Liam se gruda em mim como se quisesse ficar invisível, Oliver
de repente fica rígido feito um militar, olhando com cautela para minha mãe
como se temesse que ela se aproximasse demais.
Estou começando a pensar que existe algo mais profundo aqui, a
ansiedade se espalhando pelo meu corpo, apertando como um laço ao redor
do meu pescoço.
– Ela é legal? – pergunta Liam, a voz um pouco mais suave enquanto
meu pai se vira e faz um sinal para minha mãe, que fica onde está.
– É, sim – respondo com gentileza, tentando engolir o nó na garganta
após a pergunta. – Ela é muito legal. E adoraria conhecer vocês.
Liam assente, mas seus olhos não se desgrudam dela.
– Isso é legal – murmura ele.
– O quê, amigão?
Ele enfia a cabeça no meu pescoço.
– Que você tem uma mamãe. E ela é legal.
Fecho os olhos por um segundo. Droga, droga, droga.
– É, amigão, sou muito grato.
Sou muito grato nesse momento e sempre vou ser, porque a dor dessa
criança está ferindo minha alma.
Minha mente volta para Sadie mais uma vez, o olhar perturbado em seu
rosto diante da simples ideia de pedir ajuda. A raiva se mistura ao medo e
minhas entranhas reviram com o pensamento que não sai da minha cabeça,
do qual não consigo me livrar: Sadie está mais sozinha do que eu pensava.
Antes, posso ter enxergado Sadie como uma garota teimosa, mas as
palavras dos irmãos dela, a imagem da sua casa… Tudo isso atormenta meu
cérebro como se fosse um pesadelo.
Decido levar Liam para dentro, já que de repente não quero colocá-lo no
chão. Seus braços estão em volta do meu pescoço, a cabeça baixa. É a
primeira vez que vejo esse menininho corajoso tão tímido a respeito de
qualquer coisa.
Oliver caminha apenas um passo atrás de nós enquanto nos
aproximamos da porta, onde minha mãe ainda espera com um sorriso.
– Olá, pessoal – diz ela, prestando atenção apenas em Oliver primeiro. –
Eu sou a Anna, a mãe do Rhys. Qual é o seu nome?
– Oliver. Eu sou o irmão da Sadie.
Minha mãe abre um sorriso brilhante.
– Ouvi falar muito de você. Meu marido diz que você é um jogador de
hóquei muito, muito bom.
– Uma estrela – diz meu pai, parado atrás de Oliver.
Oliver fica vermelho com a atenção dela, esfregando a mão na nuca e
assentindo. Minha mãe não o abraça, mas a vejo hesitar com a mão erguida,
como se quisesse fazer isso. Talvez ela consiga enxergar o que vejo, o que
meu pai vê muito bem: que ele é um pouco como Bennett, tenso e aflito por
algum espaço, pelo menos físico.
– E quem é você, amorzinho? – Ela suaviza ainda mais a voz, dando um
passo à frente para olhar Liam, que enfiou a cabeça de novo no meu pescoço
e está brincando com a gola da minha camiseta.
Ele não fala, só fica olhando para ela, como se não quisesse desviar o
olhar.
– Meu Deus! – exclama Oliver, com um suspiro. Ele revira os olhos e as
bochechas coram como se estivesse um pouco envergonhado diante da
hesitação do irmão. – Pode dizer seu nome pra ela.
– Liam – murmura ele por fim, saindo só um pouquinho de baixo do
meu queixo.
Mas eu sei, se olhar para ele, que vou ver as mesmas estrelinhas de antes
em seus olhos, como se minha mãe fosse uma fada que veio para lhe
conceder todos os desejos.
– Liam – repete ela, saboreando o nome, e eu o vejo erguer a cabeça do
meu ombro em resposta. – Prazer em conhecer você. Vamos entrar agora e
comer uma sobremesa, tá? Você pode ajudar se quiser.
– Mesmo? – Os olhos dele se arregalam. – Eu posso ajudar?
Liam se contorce até que finalmente o solto e deixo que saia do meu colo.
Ele para por um instante e observa a mão que ela lhe estende. Então levanta
a dele, mas para e olha por cima do ombro para o irmão mais velho. Há uma
pitada de medo ali, como se precisasse ter certeza de que é seguro, de que
está tudo bem.
Oliver faz que sim com a cabeça e Liam agarra a mão da minha mãe. Os
dois seguem na direção da cozinha e ela explica que os biscoitos com
cobertura de chocolate são deliciosos, apesar de não parecerem tão
apetitosos.
Meu pai vai logo depois, assim que faço sinal para que ele vá, e Oliver
fica para trás, a alguns passos de mim. Espero pelo garoto, caminhando num
ritmo mais lento enquanto todos nós percorremos o longo caminho do
jardim e entramos na casa.
Meu celular vibra no bolso. Dou uma olhada e vejo uma mensagem de
texto de Ro com vários emojis malucos mas felizes, seguidos por um texto
em letras maiúsculas dizendo que ela vai fazer com que Sadie descanse.
“Você deveria se esforçar para estar aqui”, falei para Sadie no primeiro
dia em que conversamos, dando uma bronca nela. Lembrar essas palavras
me faz tropeçar. Oliver olha para mim por um momento e a culpa me atinge
mais forte.
Que egoísta, que grande babaca.
Posso sentir a voz de novo, a que me deixa em paz sempre que a presença
de Sadie a silencia. A sombra que vive debaixo da minha pele desde o dia em
que levei uma pancada no rinque de gelo e acordei com o rosto e o corpo
enfaixados, lutando para respirar.
A raiva esmaeceu, até que se transformou num vazio e senti falta da
raiva. Agora só resta o ódio que sinto de mim mesmo.
Mas estou descobrindo as ferramentas para lidar com isso. Também
estou aprendendo que posso precisar de ferramentas melhores quando se
trata de lidar com Sadie.
– Oliver… O seu pai costuma ficar daquele jeito? – pergunto.
Ele fica tenso por um momento e evita meu olhar, mas assente.
– E a sua mãe?
É difícil falar com o nó na garganta, mas tento me livrar dele e segurar a
onda ao me embrenhar pela mina terrestre que é essa conversa.
– A Sadie e eu tivemos uma mãe, mas ela… – Ele dá de ombros. – Ela
não queria os filhos. Então meu pai ficou com a gente quando ela foi
embora. – Seu tom é ressentido, como se ele esperasse por uma crítica.
Caminhamos mais alguns passos até a entrada. Oliver fica do lado de
fora da porta aberta, os cheiros de massa de biscoito e chocolate derretido
lentamente começando a encher o ar, e a expressão dele é de ansiedade
misturada ao medo.
Mas sou paciente. Vou ser paciente com ele, assim como vou ser com
Sadie.
– A gente vai ficar aqui por muito tempo?
– O tempo que você quiser – respondo, as palavras saindo da minha
boca antes que eu possa pensar duas vezes.
Mas Oliver assente, aceitando.
– Você deveria avisar a Ro. Talvez ela consiga fazer a Sissy dormir um
pouco… Ela nunca dorme direito.
– Por causa do pai de vocês?
Pisei em uma das minas terrestres. A postura dele fica defensiva, os olhos
afiados.
– Ela cuida bem da gente – retruca o garoto meio por cima do ombro,
como se não conseguisse olhar direto para mim. Está na defensiva, é claro,
mas também com medo. – A Sadie… Ela cuida de mim e do Liam, e eu
ajudo. A gente não precisa de nada.
Ele entra na casa sem hesitar e entendo que isso é tudo que vou
conseguir dele por enquanto. Ainda não confia em mim, não de verdade.
Mas estou pensando nas palavras dele: A Sadie e eu tivemos uma mãe. Isso
significa que a mãe de Liam é outra? Será que ela está na vida deles?
Ou será que Sadie está sozinha?
Oliver fica na cozinha, sem saber o que fazer, mas Liam passa cada
segundo olhando para minha mãe, observando seus movimentos e seguindo
seus comandos.
No fim, consigo fazer com que Oliver se sente em uma das banquetas.
Ele fica tamborilando no mármore, nervoso e em silêncio, quase pensativo,
mas tomando conta do irmão mais novo.
Liam não para de falar, respondendo a qualquer pergunta que minha
mãe ou meu pai façam, ao passo que Oliver é cauteloso e observa a rotina da
minha família em silêncio. Meu pai pega um saco de batatinhas na despensa
e alguns potes na geladeira, vem se sentar ao balcão e coloca todas as
guloseimas diante de nós três.
Oliver olha para a comida, depois para mim, aí diz baixinho a meu pai
que já dei comida para eles e me agradece de novo.
– Você é um garoto em fase de crescimento, Oliver. Rhys costumava
esvaziar a despensa toda de uma vez só quando tinha sua idade.
A hesitação dele aumenta, mas um sorrisinho aparece em seu rosto após
as palavras do meu pai.
– Tem certeza?
Meu pai sorri, meio triste, e seus ombros se curvam a fim de que as
palavras sejam baixas. Eu mal as ouço.
– Sei quanto é difícil aceitar as coisas quando você passa a vida se
esforçando muito pra conseguir um pouco que seja. Economizando e ainda
assim ficando com fome.
Meu coração aperta e observo Oliver, que tenta entender como o homem
famoso, alguém que ele provavelmente idolatra, também já foi uma criança
faminta.
– É… – Oliver engole meio em seco, mas continua ouvindo com a
máxima atenção.
– Mas tá tudo bem. Quero que você coma tudo. Na verdade – diz ele,
abrindo o pote do molho de frango picante –, quero que experimente
primeiro e, caso você deteste, temos muitos outros que pode provar.
Oliver amolece um pouco, o suficiente para se desmanchar quando meu
pai dá um tapinha nas costas dele.
– Tá bom.
Horas mais tarde, depois que o sol começa a se pôr e Ro me envia uma
mensagem de texto explicando onde deixá-los, pego algumas coisas de que
preciso na Casa do Hóquei e coloco os meninos no carro. Prendo Liam com
o cinto, mas ainda um pouco preocupado por ele não estar numa
cadeirinha. Dirijo 15 quilômetros abaixo do limite de velocidade, só por
segurança. Estamos apenas na metade do caminho quando ouço Liam
chamar meu nome.
– Você acha que fui um bom ajudante hoje?
Sorrio e olho para ele pelo retrovisor.
– Foi um ótimo ajudante, amigão.
Liam se vira para o irmão e baixa um pouco a voz:
– Tomara que eu tenha sido o melhor ajudante do mundo. Aí talvez ela
queira ficar com a gente, Ollie.
Oliver vira a cabeça, seu tom cortante quando dispara:
– Para com isso, Liam. Eles são estranhos.
Franzo um pouco a testa diante da rápida rejeição, mas sei que ele está
na defensiva e provavelmente desconfortável com a mudança de planos do
dia. Uma pontada de preocupação me atormenta por conta das duas formas
diferentes pelas quais o dia de hoje vai ser contado à irmã mais velha: Liam,
como se fosse um conto de fadas, e Oliver, que talvez faça parecer que a
gente tenha mantido os dois como reféns.
Liam boceja alto e se recosta no assento.
– Acho que eu gostaria que a Anna fosse minha mãe – murmura ele. –
Acho que ela me amaria um montão.
Oliver olha para mim enquanto paro num sinal vermelho, as bochechas
rosadas de vergonha ou de raiva, não sei bem.
– A Sadie cuida da gente – repreende o irmão. – Eu te falei pra parar de
dizer essas coisas.
Há uma reprimenda em seu tom, como se não fosse a primeira vez que
conversassem algo do tipo. Isso faz meu estômago revirar – e fica pior
quando vejo algumas lágrimas nos olhos de Liam.
– Não quero que ninguém tire a gente da Sadie. – Liam olha para mim,
os olhos ainda vermelhos e lacrimejantes. – Você não vai obrigar a gente a
deixar a Sadie, né, Rhys?
É a primeira vez que o irmão mais novo me olha desse jeito, desconfiado
e inseguro. É um lembrete nítido de como a confiança deles é instável, até
mesmo a de Liam.
– Não. – Verifico o sinal de novo antes de me virar no assento para
encarar os dois nos olhos. – Nunca. Você e o Oliver sempre vão ficar com a
Sadie. Vou garantir isso.
E vou garantir que ela não faça isso sozinha de novo nunca mais.
CAPÍTULO TRINTA
Sadie
Estou exausta.
Tenho certeza de que há lágrimas escorrendo dos meus olhos, mas
minha pele está tão suada que acho que não consigo notar a diferença.
– De novo.
A voz do treinador Kelley não se eleva; está calma. Fico imaginando
quanta pressão seria necessária para cortá-lo com as lâminas dos patins se
eu girasse um pouco perto demais.
– Eu tenho que…
– Não foi um pedido.
Meus lábios se afastam como se eu fosse gritar, e o que quer que ele
interprete na minha expressão o cativa e ele parece quase eufórico ao bater
palmas. Ele começa a tocar minha música, a batida instrumental pesada
pulsando no meu peito, na minha garganta. Kelley não me dá nem um
segundo para encontrar minha posição. Não se importa com isso. Tudo o
que quer de mim é poder.
E funciona, como sempre. Acertei cada salto melhor do que fiz durante a
noite toda. Cada pose é poderosa, até emocionante. Estou eletrizada, tanto
que há um sorriso brilhante no meu rosto quando a série termina e vou na
direção dele.
– É bom, né?
Eu sorrio e assinto, porque me sinto bem… É incrível. O elogio de Kelley
é só a cereja do bolo. Tento pegar minha água, mas ele me impede levando a
mão ao meu braço. Aperta meu queixo para que eu erga a cabeça e meu
olhar encontre o dele.
– Deslumbrante, hum? Você é tão forte.
Como se fosse possível, meu sorriso se alarga mais. Mas então ele
acrescenta:
– Viu como você é capaz quando não está tão distraída? Vê se deixa
aquele garoto besta no passado, viu?
Balanço a cabeça para me livrar do aperto dele. Apenas a menção a Rhys
é suficiente para um lampejo de saudade atingir meu peito.
– Sim – murmuro, pegando meus protetores que estão encostados nas
placas.
– Você pensou melhor na minha proposta para os seus irmãos?
Pensei e a resposta é e sempre vai ser não.
– Tô pensando – minto.
Não contei para o treinador Kelley sobre as reuniões com o advogado de
custódia ou sobre ter encontrado sem querer a mãe biológica de Liam e
basicamente chantageado a mulher para ceder os direitos de guarda dela.
Não que precisasse de muito para convencê-la.
– Ainda não me decidi – acrescento.
Ele diz que conhece um advogado que me ajudaria a garantir que os
meninos fossem para uma família que pudesse cuidar bem deles.
Não importa. Posso dar ao treinador Kelley tudo de mim para ter
sucesso. Menos desistir dos meus irmãos.
– Você sabe que só estou pensando em você, minha danadinha. – Ele me
chama assim desde que eu tinha 12 anos, provavelmente porque eu
aterrorizava todas as outras garotas da minha idade na época. – Só quero o
melhor pra você, de coração.
Ele toca meu ombro ao passar e me deixa sozinha.
Fico sentada no banco por um bom tempo e tento não ser dominada
pelo repentino fluxo de pensamentos com que ele me deixou. Mas, quando
percebo que deixei meu celular no vestiário – o que significa que não tive
contato com meus irmãos nem com a Sra. B. ou com a Ro –, fico de pé num
salto, colocando meu protetor no patim esquerdo enquanto me levanto.
Há alguém sentado em silêncio nas arquibancadas, logo acima do túnel.
Semicerro os olhos para ele sob a luz suave da arena.
– Não pode ficar aqui, é um treino fechado – reclamo, alto o suficiente
para ser ouvida.
Uma risadinha reverbera pela arena vazia.
– Dá pra ver o porquê – diz ele, com o tipo de voz que faz meu
subconsciente gritar “PERIGO!”.
– Quem é você? – disparo, cortante, eriçada como um animal arisco.
Ele salta para a parte mais baixa da arquibancada, que ainda é bem alta, e
aterrissa com a graça de um gato selvagem. Quando se endireita, fica bem
mais alto do que eu, de calça preta de moletom e blusa dry-fit da mesma cor.
Encontrar o príncipe das trevas deve dar a mesma sensação.
Em especial por conta de seus olhos dourados brilhantes, quase etéreos,
mesmo no escuro. A boca dele está meio inclinada num sorriso torto que o
faz parecer um modelo famoso e insano que acabou de terminar uma
matança.
– Kane – diz ele, apresentando-se. – E você é a patinadora artística que
sabe todos os segredos do capitão.
Para minha infelicidade, ele é atraente, com pele bronzeada e cabelos
pretos ligeiramente mais curtos nas laterais, com uma confusão de ondas
desalinhadas no topo que parecem ter sido penteadas várias vezes. O rosto
dele é todo angular, destacado por uma cicatriz em um lado da bochecha e
da mandíbula, um outro corte na lateral do pescoço e mais um pequeno que
desponta da curvinha na parte de cima dos lábios carnudos.
– Estamos num navio pirata, por acaso? Você tá parecendo um vilão
bem maligno.
Ele dá de ombros e revira os olhos, ainda sorrindo, depois cruza os
braços de um jeito casual.
– Não pareço sempre? – retruca ele, mais para si mesmo do que para
mim, enquanto gira um canudinho entre os dentes afiados e brilhantes: um
pirulito, percebo com assombro.
Belzebu está chupando um pirulito.
Quase sinto vontade de rir, mas já estou ansiosa o suficiente, sozinha no
rinque com o cara, então consigo controlar a risada antes que escape.
– Olha, não sei quem você é nem qual é a sua, mas não dou conta de
mais um babaca irritante na minha vida, tá? Vaza.
– Seu namoradinho perfeito sabe que seu treinador pega pesado demais
nos treinos com você?
Eu rosno. Esse deve parecer o confronto entre um poodle de brinquedo
desvairado latindo para um pastor alemão.
– Primeiro, ele não é meu namorado…
– Ele tá sabendo disso? – pergunta o cara, tirando o pirulito da boca.
É roxo, então assumo que tenha sabor de uva. Ele gira o pirulito na
língua antes de morder de leve o cabo e sorrir.
– E, segundo, meu treinador não pega pesado demais nos treinos. É que
sou a melhor da equipe. – Dou a ele um sorrisinho brilhante, as
sobrancelhas tremulando com minha provocação. – Tá com inveja? Que foi?
O seu treinador tá ocupado demais com o atacante central que também vem
a ser a estrela do time pra dar atenção ao que quer que você seja?
Ele sorri, os olhos parecendo fogo.
– Levando em conta que eu estou na equipe, não acho que o treinador
ligue tanto assim pro Koteskiy.
Aguardo um segundo, tentando não deixar minha confusão
transparecer. Mas não sou muito boa nisso. Os olhos dele se iluminam.
– Ah, meu Deus. – Ele ri e tenho de novo o vislumbre de um vilão
sinistro de história em quadrinhos encurralando o herói. – Você não sabe?
– Saber o quê?
– Quem sou eu.
– Não tô nem aí pra…
Ele ergue a mão, o sorriso se alargando a ponto de exibir um pedacinho
dos caninos afiados, o que só deixa seu olhar ainda mais vilanesco.
– Vai ficar. Pesquisa ele no Google. Melhor ainda, pesquisa meu nome.
Toren Kane. Tem artigos melhores a meu respeito. Vê lá o que consegue
encontrar.
Ele passa por mim, estende o braço por baixo do banco da equipe da
casa que fica mais distante e pega uma bolsa esportiva. Eu me dou conta de
que ele está calçando patins.
Perplexa e um pouco abalada com a conversa, saio dali para, com
certeza, não fazer uma busca sobre ele no Google.
First Aid Kit está tocando no talo e as janelas estão baixadas, de modo que,
quando estaciono na minha vaga do alojamento, minhas bochechas estão
rosadas e coradas por conta do vento.
Estou com tanta pressa que quase me esqueço de colocar o câmbio
automático no P antes de sair em disparada na direção do prédio,
aproveitando para passar pela porta já aberta enquanto outra pessoa sai.
Moro no terceiro andar, mas pego as escadas em vez do elevador para
evitar ficar esperando o mínimo que seja.
Recebi um total de zero mensagens de Ro e de Rhys, o que me deixa tão
ansiosa quanto se tivesse perdido uma mensagem falando de uma
emergência. Mas já estou atrasada demais para a reunião com o advogado.
Passei a maior parte do caminho, que com certeza foi em alta velocidade,
planejando como implorar a Ro para trazer comida a meus irmãos e passar
a noite com eles na nossa casa, algo que, do contrário, eu jamais pediria –
mas é apenas para que eu ainda consiga fazer a reunião.
Quando entro pela porta, Ro está na cozinha. O cheiro é de dar água na
boca. Ela abre um sorriso enorme e radiante que não mereço, considerando
quantas mensagens e ligações dela deixei de responder ultimamente.
– Oi – consigo dizer, me encostando na nossa porta decorada com papel
de presente.
Espero pela barulheira dos meninos, o que é normal quando eles passam
a noite aqui.
Ro está com uma colher de pau na boca, como se tivesse acabado de
provar o que quer que esteja na panela no nosso velho fogão. Um prendedor
de tecido laranja brilhante franzido mantém seu cabelo no alto da cabeça.
– O que houve? – pergunta ela, a fala enrolada por causa da colher ainda
na boca. Ela larga tudo o que está fazendo e vem em minha direção. – Tá
tudo bem.
– Não. – Balanço a cabeça. – Onde… os meninos... Eles não estão aqui?
O que foi que...? – Passo as mãos pelo cabelo, desfaço meu coque e depois o
refaço. – Preciso ligar pro Rhys, soltar os cachorros nele, depois tenho que
me encontrar com o advogado…
– Ei. Tá tudo bem… O meu, hã, congresso acabou e o Rhys se ofereceu
pra sair pra comer com eles. – Ro sorri, mas há hesitação em seus olhos. –
Na verdade, vou buscar os meninos daqui a, tipo… – ela olha para o relógio
– uma hora. Confia em mim, ele deve estar mostrando pro Oliver umas
jogadas descoladas de hóquei enquanto o Liam ri como se fosse a coisa mais
engraçada do mundo.
Respiro fundo pra tentar desacelerar meus pensamentos. Porque ela tem
razão: por mais que eu esteja furiosa com o cara do hóquei que invade todos
os meus pensamentos, confio nele. Principalmente em relação aos meninos.
Mesmo que isso pareça uma prova de fogo.
– E preparei o jantar pra você. Então, vê se come – insiste Ro, me
arrastando para fazer eu me sentar à nossa mesinha. – E depois dorme. Vou
ligar pro advogado e remarcar. Confia em mim.
Há uma sensação no meu íntimo como se algo estivesse afundando, um
leve desconforto. Mas, se tem alguém em quem confio no mundo inteiro, é
Ro.
– Tá bem.
– Que bom. – Ela sorri. – Vou cuidar de tudo, tá? Agora come.
Sorrio quando ela coloca um prato cheio de frango e macarrão ao pesto
na minha frente.
– Isso tá com um cheiro incrível.
Ela bate palminhas após o elogio.
– É, bem, você sabe que cozinhar não é minha praia. Mas preciso manter
minha estrela da patinação alimentada.
Ela se senta para comer comigo e nós duas conversamos de um jeito leve
e despreocupado, evitando qualquer assunto muito denso. É bom e me dou
conta de que estou relaxando e ficando mais cansada à medida que raspo o
prato todinho. Logo depois, Ro sai para buscar os meninos e faço a cama
deles no meu quarto, disposta no chão com um monte de travesseiros e
edredons.
Isso costumava me deixar feliz, porque, ao olhar para a cama deles, eu
sabia que os dois ficariam aqui comigo: seguros. No momento, me enche de
pavor. Será que eu dou conta? Se eu conseguir a guarda deles, será que posso
continuar a morar aqui?
Vou para o chuveiro pensando nisso.
Já sei a resposta, e é por isso que me sobrecarreguei de aulas nesse
semestre para tentar me formar no outono. Mas estou apenas evitando outra
sanção acadêmica, mal cumprindo minhas horas com meu conselheiro e
com o treinador Kelley. O que é ridículo para um simples bacharelado em
comunicação.
Quando a água do chuveiro esfria, estou de pé e sem vida. Vou me deitar
logo depois e desperto um pouco quando ouço o barulho dos passinhos de
Liam.
Oliver se joga no chão quase no mesmo instante, pedindo baixinho a
Liam que não me acorde. Mas Liam ignora seu apelo e vem direto para a
minha cama. Fecho os olhos com força, fingindo dormir, e ele dá um beijo
carinhoso na minha testa e sussurra:
– Bons sonhos, Sissy.
Não sei como vou dar conta. Mas sei que vou conseguir, de algum jeito.
Porque esses dois meninos merecem muito mais do que isso.
CAPÍTULO TRINTA E UM
Rhys
Rhys
Seguro Sadie com facilidade, como se tivesse feito isso a vida toda. Suas
pernas envolvem minha cintura, com tanta força que fico pensando se meu
cinto vai deixar uma marca sob a legging, na pele clara dela, que eu possa
delinear mais tarde com a boca.
Os lábios de Sadie colidem com os meus sem hesitação, sem batalha pelo
controle. É puro desejo, carinho e admiração derramando dela e se
cravando de maneira tão profunda na minha pele que sei que nunca vou
tirar Sadie de lá.
Nem quero.
Seguro sua bunda, aperto, porque é impossível não fazer isso, e a
mantenho no colo mesmo quando afasto o rosto para ficar de olho na
escada. Subo os degraus desajeitado, torcendo para não levar nós dois ao
chão em meio à minha pressa.
Ela não para de me beijar, sua boca dolorosamente doce distribuindo
beijinhos e lambidas no meu pescoço, no meu queixo e na minha clavícula.
Sua mão puxa de leve o botão da minha camisa e fico preocupado que ela
arranque todos na agitação. Acho até que gostaria que ela fizesse isso.
Esbarro na lateral do batente, atirando nós dois na porta e na parede
feito uma bolinha de pinball.
– Droga – resmungo e afasto Sadie do meu pescoço para ter certeza de
que não se machucou.
Ela está sorrindo, os dentes reluzindo em contraste com os lábios agora
vermelhos e inchados. Quero fazer com que cada parte dela fique corada
para combinar com o leve rubor que colore seu rosto, o pescoço e o
caminho que consigo ver no decote da sua camisa branca de manga
comprida.
– Desculpa. Você tá legal?
Sadie ri e se inclina para me beijar de novo, as pernas contraídas em
volta da minha cintura. O gemido que sai da minha boca não parece
humano, mas não consigo evitar.
A risada dela, o sorriso… Aquela boca.
Chuto a porta para fechá-la atrás de nós e jogo Sadie com cuidado na
minha cama.
– Cadê seus irmãos?
Tenho vontade de me dar um soco por perguntar bem nessa hora, mas
nem ferrando vou roubar mais tempo deles.
– Com a Ro no alojamento.
Ela está se despindo antes que eu possa dizer mais alguma coisa, a
camisa desaparecendo em algum lugar na ponta da minha cama, deixando
apenas um sutiã azul fininho no lugar. Parece macio e me deixa paralisado,
esperando para ver o que acontece em seguida.
Sonhei com esse momento por meses, sonhei com Sadie por meses. É
surreal tê-la aqui de verdade.
– Tira a camisa – ordena ela.
Minhas mãos escorregam enquanto abrem furiosamente as casas dos
botões e tenho certeza de que a falta de coordenação não é nada excitante.
Desacelero ao tirar a camisa e a deixo na cadeira da escrivaninha que fica no
canto.
Seguro meu cinto e me acomodo bem em frente a Sadie, que está mais
alta por causa da minha cama. Mas suas mãos tiram as minhas do caminho,
pegam a fivela e a soltam. Mal ouço o barulho do cinto caindo no chão, de
tão acelerados que estão meus batimentos cardíacos.
Meu jeans sai, me deixando apenas de cueca boxer preta. Sadie faz uma
pausa, então leva a mão à protuberância no tecido.
Ela me tocou muitas vezes, geralmente enquanto meus dedos brincavam
entre suas coxas, mas isso é diferente.
Ela segura toda a extensão do meu membro, me acariciando devagar.
Então Sadie olha para mim: olhos de gato acinzentados e as sardas que
conheço melhor do que a palma da minha mão. Sua boca se abre e sussurra
meu nome como uma carícia antes de buscar minha cintura. Um olhar
determinado passa por seu rosto, fazendo com que aquela ruga em sua testa
apareça, e, de repente, tenho medo de gozar antes mesmo de estar dentro
dela.
Afasto a mão, ignorando o rosnadinho frustrado que ela solta, e me
aproximo, passando por cima dela.
A lâmpada na minha mesa de cabeceira é a única luz do quarto, gerando
um brilho crepuscular ao redor dela quando a coloco de costas no colchão.
– Sua cama é tão confortável – diz ela, com um gemido, enquanto me
acomodo entre suas coxas.
– Dorme aqui pra sempre, então – sussurro, dando um beijo suave na
pele sob a orelha dela.
Posso sentir o braço dela se arrepiar onde acaricio a pele para cima e
para baixo. Minha mão sobe até o ombro dela e puxa a alça fina do sutiã até
que o tecido macio e provocante revele seus seios pequenos. Respiro fundo
em sua pele perfeita e corada, passando meus dedos por seus mamilos
rosados.
– Que… gostoso – sussurra Sadie, as mãos chegando ao meu cabelo e
puxando de leve.
Sorrio e atendo ao seu pedido silencioso, pressionando a boca no seio
dela para lamber o mamilo com delicadeza.
Sadie grita mais alto do que eu esperava e minha mão cobre sua boca.
Olho para ela sorrindo descontroladamente. Fico parado em cima dela e me
inclino em direção à sua orelha.
– O time de hóquei tá todinho na cozinha – sussurro. Minha mão
percorre a lateral do corpo dela e se enfia sob o tecido macio da calcinha fio
dental, puxando-a para baixo. – Então, quem sabe eu devesse te deixar gritar
tão alto quanto quiser, lindeza. Aí não vai restar nenhuma dúvida de que
você é minha.
Ela tira minha mão da boca, mas a segura como se fosse uma tábua de
salvação.
– Meu Deus – sussurra ela, com mais um gemido. – Rhys.
– Nossa, eu adoro isso.
Ela repete meu nome quando coloco os dedos nela e descubro que está
quente e molhada. Deslizo para dentro com facilidade, ainda tão
impressionado com a perfeição dela quanto fiquei na primeira vez, quando
estava de joelhos diante de Sadie no vestiário.
Ela goza, um som agudo que explode de seus lábios e a faz arfar e levar
minha mão aos lábios para abocanhar meus dedos.
Meu desespero de ficar dentro dela é tão grande que preciso fechar os
olhos e me concentrar para não queimar a largada na cueca feito um
adolescente.
Sei que posso fazer amor com ela. Só não sei se ela vai deixar. Mas, por
ora, isso – ela desse jeito, entregue para mim – é suficiente.
Enquanto tiro a cueca, Sadie remove o sutiã por completo e fica nua
debaixo de mim. Eu me inclino por cima dela para pegar uma camisinha da
mesa de cabeceira e dedico um minuto para só admirá-la, passando as
costas da mão por cima da sua barriga antes de segurar o quadril.
Ela também me observa, mas não há aquela urgência ardente em seus
olhos que eu geralmente via, como se fosse explodir se eu a fizesse ir mais
devagar.
Sua mão agarra meu queixo de leve, um movimento bem semelhante às
vezes que tentou assumir o controle. Mas então ela abre aquela boca macia e
pergunta num sopro:
– Tem certeza?
Meu peito arde e imito o movimento dela, só que minha mão acaricia e
aninha sua bochecha.
– Nunca tive tanta certeza.
Quase digo “eu te amo”, mas consigo conter as palavras porque sei que
ela vai achar ridículo.
Sadie sorri para mim, os olhos vibrantes de uma maneira que raramente
vejo, e então ficam enevoados com minha primeira estocada.
– Puta merda – diz ela com um arquejo, as mãos pressionando meus
ombros por um segundo. Faço uma pausa, apreensão e orgulho se
misturando. – Caramba, eu esqueci como você é grande. Assim você me
rasga.
Beijo o nariz dela e empurro mais um pouquinho, devagar.
– Que isso, kotyonok. A gente consegue.
Ela vibra com minhas palavras e geme quando o desconforto desaparece
e uma leve contorção de prazer passa pelo seu corpo. Outro gemido escapa
quando vou até o fundo.
– Parece que você precisa de mim aí dentro – consigo grunhir, mas
minha voz não sai rouca de sexo como eu pretendia; está lutando por algum
resquício de controle enquanto Sadie me agarra forte.
– Eu quero você – esclarece ela, e isso rompe as amarras.
Meus quadris disparam num ritmo firme e rápido.
É quase ridículo quanto uma mulher tão pequena consegue se mexer e se
contorcer embaixo de mim. Ela me deixa maluco, a ponto de eu contê-la
com um aperto leve na nuca.
Sadie me puxa, forçando mais meu peso em cima dela. Vacilo no meu
ritmo perfeito, mal mantendo o equilíbrio num joelho só.
– Vou te esmagar – digo, rindo em meio à bagunça do cabelo dela que
faz cócegas no meu nariz e apoiando a mão no colchão para me erguer.
– Não ligo. – Ela abre um sorriso e depois dá uma risadinha. – Por favor.
Mais forte.
Por favor. Risadinhas.
Nunca foi assim antes, tão simples, tão perfeito, tão brincalhão. Vai além
do sexo: tem algo mais se formando entre a gente.
Coloco meus braços ao redor dela como uma cobra, enrolando-os em
volta da cintura com facilidade. Então a ergo da cama para que ela sinta que
está mais perto de mim sem que meu corpo a esmague.
Os músculos fortes das suas pernas agarram minha cintura de uma
maneira que é tão familiar e confortável que me aconchego nela.
– Vou gozar – diz Sadie, seu tom tão ofegante que é quase um sussurro.
– Goza – exijo, com minha mão gentil em cima do seu sexo, entre nossos
corpos. – Essa é a minha gata. Que delícia, gostosa.
Minhas palavras só a conduzem ao clímax mais rápido. Sigo logo atrás,
meu corpo frenético da vida e dos sentimentos e de tudo que enterrei. Busco
sua boca e movo seu quadril para cima e para baixo, então gozo tão forte
que tenho certeza de que vou apagar.
Quando atinjo o clímax, eu a mantenho bem perto de mim e ela passa os
braços em volta do meu pescoço, com a pele úmida. A cabeça dela cai para
trás, se acomodando na minha mão, os olhos preguiçosos me observando.
Sadie está sonolenta e satisfeita, mas eu ainda estou acelerado – em paz, mas
sem querer tirar minhas mãos ou meus olhos dela nem por um segundo.
É nessa hora que ela geralmente some, mas nem ferrando vou deixar que
isso aconteça.
– Banho? – ofereço, passando a mão pelo cabelo dela.
Ela faz que sim com a cabeça e não se mexe nem reclama no momento
em que a pego no colo e a carrego até o banheiro. Ela só solta um leve
assobio quando saio de dentro dela e encosto seu corpo na parede fria de
azulejo do boxe para conferir se a água está quente o bastante.
Fico sob o jato primeiro, depois puxo Sadie com cuidado para que ela
seja a única debaixo d’água. Uso o sabonete e minhas mãos para ensaboar
seu corpo, dando banho nela e brincando um pouco no espaço macio entre
suas pernas até que ela esteja segurando meus ombros e cravando suas
unhas curtas na minha pele.
Eu a faço gozar de novo, devagar e delicadamente, e ela se apoia em mim
enquanto lavo seu cabelo. Seus olhos não desviam dos meus, apesar do
corpo lânguido. Ela parece encantada comigo.
Isso faz meu peito vibrar.
O que sinto por ela é real, tão profundo que parece ter um cordão
enrolado dentro de mim me amarrando a ela. Mas Sadie é um enigma, com
seus muros de aço e revirar de olhos. Não sei quão intenso é para ela, mas de
jeito nenhum vou assustá-la com o tanto que preciso dela.
Aceito qualquer migalha que ela me oferecer, como um cachorro
implorando por sobras, até que me dê uma chance de verdade.
Sou paciente. Posso esperar.
Quando estamos deitados na cama juntos, pelados e quentinhos debaixo
dos cobertores, faço carinho nas costas dela enquanto Sadie desvia o rosto e
fica mais perto da beirada.
– Não sou muito de ficar de chamego – diz ela por cima do ombro,
mordendo o lábio.
– Tudo bem.
Mas acordo com seu corpo pequeno apoiado no meu peito na manhã
seguinte e, pra minha alegria, consigo cancelar todos os alarmes para voltar
a dormir com ela nos braços.
CAPÍTULO TRINTA E TRÊS
Sadie
Sadie
Sadie
A área aberta ao redor do estádio está cheia: hóquei é um dos esportes mais
populares por aqui. Além disso, é sábado, o que quer dizer que não
precisamos lidar com o olhar de desaprovação de nosso monitor por
estarmos com meus irmãos mais novos ao sairmos do alojamento.
Costumávamos ser multados por isso, até que Ro fez alguma mágica.
Desde então, não ouvi mais um pio.
A mãe de Rhys está esperando de pé no centro esportivo quando
entramos, acompanhada por um homem alto de terno com um sorriso
enorme no rosto. Sei que ele não é o pai de Rhys, o que me faz parar,
segurando a mão de Liam na minha com um pouco mais de força.
– Ah, que linda – diz ela, a mão estendida para acariciar a manga da
minha jaqueta. – Você que fez?
– Foi minha colega de quarto – respondo com poucas palavras, enquanto
meus olhos se voltam para o homem atrás dela. – Essa é a Ro.
Elas trocam um aperto de mão e consigo sentir Liam tentando se soltar
de mim para ir até ela… Mas não deixo.
Felizmente, não preciso perguntar sobre o homem, porque Ro se
apresenta para ele, provavelmente presumindo que seja o pai de Rhys.
– Adam – responde ele, sorrindo.
– Você é treinador? – pergunto, as sobrancelhas enrugadas.
– Advogado.
Ele sorri, todo calmo e controlado. Enquanto isso, meu coração dispara e
começo a entrar em pânico. Um advogado? Por que ela o trouxe? Será que
isso… é sobre Liam e Oliver? Vão tirar os dois de mim?
Seguro Liam ainda mais forte e até Oliver dá um passo para trás. O
homem parece um pouco surpreso pela nossa reação, mas mal percebo,
ocupada demais tentando encontrar uma saída e esperando que Ro faça algo
maluco e distraia os dois.
– Ah! – exclama Anna, uma expressão devastada em seu rosto. Estou
ocupada demais entrando em pânico para ficar envergonhada com minha
reação, mas ela estende a mão para o advogado. – Não, este é um amigo da
família. Adam Reiner, pai do Bennett.
Isso não me acalma. Nada me acalma até Ro colocar a mão no meu
ombro e fixar os olhos nos meus.
– Eles não vão tentar tirar os dois de você – sussurra ela, mas percebo
que a Sra. Koteskiy ouve, por causa do barulho trêmulo que ela solta.
– Não, Sadie... Meu Deus… Me desculpa. Não, é que meu marido teve
que ir a um evento de imprensa e o voo de volta atrasou. O Sr. Reiner só se
ofereceu pra nos acompanhar hoje. Se estiver tudo bem pra vocês.
Ele não está aqui para levar os dois. Ninguém vai levar meus irmãos
embora.
Oliver se segura em mim, mesmo depois que solto Liam e ele corre para
o lado de Anna Koteskiy e começa a tagarelar a respeito da manhã que teve.
O pai de Bennett se aproxima da gente e consigo ver com facilidade a
semelhança nos cabelos castanhos meio dourados e nos traços marcantes,
isso sem falar da altura.
– Vou pegar umas bebidas pra gente – diz Ro e pede licença.
Ele sorri para ela, algo que nunca vi seu filho estoico fazer, mas depois
olha para Oliver e para mim.
– Se precisarem de qualquer coisa…
– Não precisamos – respondo, interrompendo-o. – Quer dizer, já tenho
um advogado. Tenho os documentos de custódia e tudo mais. Só tô em um
período de guarda provisória.
A audiência está marcada para janeiro, mas meu advogado espera que a
gente consiga convencer meu pai a ceder seus direitos antes. Então, tudo que
preciso provar é que posso sustentá-los e abrigá-los, cuidar deles.
O Sr. Reiner sorri de novo. É tão perfeito que parece uma máscara.
– Certo.
A Sra. Koteskiy faz uma surpresa para meus irmãos, dando camisas do
uniforme dos Lobos de presente para eles. Cabem dois de Liam na dele, mas
ele e Oliver estão felizes quando os deixo com os dois adultos muito bem-
arrumados.
– Você acha que ela me detesta? – pergunto, seguindo Ro até nossos
lugares, algumas fileiras acima do vidro perto do gol.
Ro me dá um empurrão de leve com o ombro, mas a expressão em seu
rosto é transparente e alegre.
– Deixa de ser ridícula. Tudo o que aquela mulher quer é pegar todos
vocês e levar pra casa dela dentro do bolso.
– Ela acha que não consigo cuidar deles…
– Não. Ela pensa a mesma coisa que todos nós. Que você não deveria ter
que fazer isso. – Ela para de falar por um momento, coloca a mão no meu
ombro e brinca com a ponta da minha trança. – Seus dois pais ainda estão
vivos e você é uma patinadora artística talentosa e uma garota inteligente
que passa a maior parte do tempo equilibrando vários trabalhos, mantendo
seus irmãos alimentados e com um horário apertado. Você não fez nada só
para si mesma desde que o Liam apareceu.
Ela tem razão. Detesto o tanto que ela está certa.
– Bem, a não ser o Rhys. Isso definitivamente foi pra você. E você
merece. Você merece ele.
Coro de novo, me acomodando no nosso assento e observando enquanto
as equipes saem para se aquecer. Estamos do lado do time da casa, então
temos uma visão desimpedida de Bennett saindo do túnel na frente dos
outros, apoiando sua garrafa d’água na rede e indo para um canto se alongar.
Os rapazes parecem estar correndo no rinque, algo que sempre achei
poderoso, mas descontrolado. E irritante, considerando o estado que deixa o
gelo quando tenho que patinar depois deles.
Logo encontro Rhys, seu cabelo balançando por conta da brisa criada
pela rapidez com que patina. Ele dá um salto e faz um giro, com Matt
Fredderic logo atrás, aí os dois começam uma sequência de alongamentos
enquanto alguns dos outros caras treinam dribles e tiro ao gol numa rede
desguarnecida.
Então, quando eles fazem uma fila para praticar cobranças no gol de
Bennett, Rhys me vê e sorri. Ele dá uma cotovelada em Freddy, que olha
para a gente com um sorriso enorme e dá uma piscadela. Depois que os dois
fazem seus lances, eles vêm até o acrílico no nosso lado do estádio.
Uma garota sentada na nossa frente fica de olhos arregalados quando
eles se aproximam, dá um gritinho para a amiga e comenta sobre como são
gostosos, o que me faz sorrir, ainda que um pouco presunçosa.
Freddy dá um tapinha no alto do acrílico, completamente concentrado
em Ro, que fica toda feliz com a atenção e aí faz uma careta engraçada para
ele, o que o leva a rir tão alto que dá para ouvir mesmo através do acrílico.
Rhys apenas sorri para mim e acena, o que retribuo, muito contente.
– Toma jeito, filho! – grita um homem mais velho à nossa direita para
Rhys. – Não dá trela para aquele desgraçado do Kane. Foca no que importa!
Posso ver que Rhys o ignora, mas que na verdade o ouviu. Cresço nos
cascos, pronta para bater boca com o sujeito sem me importar se ele tem
boas intenções, só que então outro babaca alguns assentos depois da Ro,
mais abaixo na direção do vidro, vestindo a cor marrom da Faculdade de
Boston, começa a gritar com a dupla:
– Ei, olha lá. O capitão deles conseguiu voltar pro rinque! Precisa tomar
mais quanta pancada ainda pra virar homem, hein?
– Que tal você tomar uma agora na fuça, babaca? – disparo, ficando de
pé e me virando na direção dele com tanta força que uma das minhas
tranças me dá um tapa na boca.
Os caras ao redor dele soltam um “uhh” em coro, como se assistissem ao
início de uma batalha de rap dos anos 2000.
Meus olhos se voltam para Rhys, que parece estar dividido entre uma
onda de orgulho e querer que eu pare de me meter com eles. Dou uma
piscadela rápida para mostrar que estou bem, mas cruzo os braços e devolvo
o esgar malicioso do malcriado com um sorrisinho do mesmo tipo.
– É seu namorado, é? A coitada parece chateada – provoca ele e sobe os
degraus, passando pelos assentos vazios para se inclinar sobre Ro, que
continua sentada, e sussurrar para mim: – O dano cerebral afeta o
desempenho dele na cama? Estou à disposição se precisar…
Dou um chute nas bolas dele, rápido e forte. Depois, com um sorriso de
satisfação, observo o cara tropeçar nos pés de Ro e cair de bunda. Ele se
levanta devagar e se arrasta de volta a seu assento, envergonhado.
Rhys dá um tapinha no vidro com a luva e espera até que o cara olhe
para ele. Meu namorado está sorrindo, os olhos sombrios.
– Olha pra ela de novo, e você vai ver o que acontece.
A ameaça é clara e inquietante, apesar do sorriso falso com covinhas que
se estende pelas bochechas dele. Ele bate a ponta do taco no vidro com força
e o cara dá um pulo para trás. Um rugido de risos da plateia que atraímos
ecoa ao redor.
Chamo a atenção de Rhys de novo antes que ele deixe o rinque e recebo
uma piscadela que preenche cada espaço vazio da minha alma.
CAPÍTULO TRINTA E SEIS
Sadie
Consigo notar que Ro está irritada – irritada de um jeito que não vejo há
muito tempo.
É o final do segundo tempo e os Lobos estão na frente por dois pontos.
Os torcedores da Faculdade de Boston que fizeram a curta viagem até nosso
ginásio fazem bastante barulho com suas queixas, mas a torcida animada da
Waterfell faz mais. Passamos a noite provocando o goleiro adversário,
cantando músicas e ouvindo alguns dos torcedores mais alcoolizados
chamarem os jogadores pelos nomes e baterem no vidro.
E é lógico que fico de olho em Rhys.
Ele patina como se tivesse nascido com lâminas nos pés, como se tivesse
mais coordenação no gelo do que correndo ou andando na terra. Sua
capacidade de interpretar todos os outros jogadores, tanto os de marrom
quanto os de azul, é quase mágica.
Ele é igualzinho ao que eu imaginava: o garoto triste que se ilumina sob
as luzes do ginásio e os aplausos dos fãs que o adoram. Está vencendo todas
as disputas pela posse do disco e é como se estivesse radiante. Consigo vê-lo
daqui a alguns anos, jogando profissionalmente e brilhando nos telões e nas
telinhas dos celulares em toda parte com seu sorriso de covinhas debaixo da
viseira.
Rhys marcou duas vezes. Uma durante o primeiro tempo, quando saiu
patinando no meio da sua equipe até o outro lado do rinque para fazer um
“toca aqui” com todo mundo e ergueu o taco com modéstia para
comemorar. Depois, no segundo tempo, do nosso lado, quando fez a mesma
celebração, só que apontou o taco bem para mim.
E eu virei uma manteiga derretida.
No geral, foi uma noite incrível.
Se bem que ver Ro lutar contra o trio de garotas na nossa frente também
teria sido incrível.
Freddy marcou pouco antes da campainha encerrar o segundo tempo.
Comemorou patinando e fingindo tocar o taco como se fosse uma guitarra,
o que arrancou risadas tanto de Ro quanto de mim – isso depois que ela
parou de berrar feito louca.
Mas aí a garota bonita de cabelos pretos sentada na nossa frente com a
camisa do uniforme da Waterfell comentou:
– Meu Deus, ele é tão gostoso.
– Já viu o OnlyFans dele? – perguntou a loura ao lado dela. Se ela pensou
estar sussurrando, não chegou nem perto disso. – Se você acha que ele é de
babar agora…
– Ai, meu Deus, Ericka. – O rapaz à esquerda dela, de cabelo cacheado
louro-avermelhado, deu um suspiro. Ele também estava com nossa camisa
do uniforme e um All Star de couro preto pelo qual babo desde que botei os
olhos nesse modelo. – Isso foi um boato. O cara nem mostra o rosto.
– Ai, meu Deus, Ron – zombou Ericka, revirando os olhos e jogando
uma pipoca nele. – Foi a ex que contou pra todo mundo. Só pode ser ele.
– Não sei, não – disse a outra. – Ele negou e… Quer dizer, ele tem fama
no campus, lógico, mas não significa que o cara venda o corpo.
– Bem que poderia se quisesse. Quer dizer, ele é de dar água na boca. E
ouvi dizer que não é só ele que é grande, o pin…
– Chega! – gritou Ro, avançando entre os assentos para que a cabeça dela
ficasse na mesma altura que a deles, uma montanha de cachos caindo feito
uma cascata ao redor. – Ele não é um objeto, caramba. Cala a boca e para de
espalhar boatos sobre os quais você não sabe nada.
Ela então se levantou, resmungando algo sobre ir pegar uma bebida, e foi
embora antes que eu pudesse perguntar se queria companhia.
Ro parece um pouco pior na hora que volta, mas amolece quando o
terceiro tempo começa. Os meninos da Waterfell dominam a partida, o
tempo está correndo e eu estou…
Muito excitada.
Está na cara que Rhys é um dos melhores jogadores, e posso ver muita
gente partindo para cima dele tentando derrubá-lo, mas seus companheiros
de equipe mandam bem em todas as formações na tarefa de protegê-lo.
Na verdade, o principal alvo do time adversário é Kane. Seja porque seu
talento e tamanho dão uma vantagem para o time da Waterfell ou por causa
de algum tipo de ressentimento entre as equipes, isso é surpreendente,
levando em conta que ele jogava na Faculdade de Boston.
Parecem odiar o cara.
Sua nova equipe também não parece gostar dele, mas não os culpo. Parte
de mim quer confrontá-lo, mas a outra só espera que ele deixe a equipe
antes que o ano termine.
Não contei para Rhys sobre nosso embate no treino, não porque esteja
escondendo isso, mas porque quero usar cada minutinho que tenho com ele
para outras coisas.
– Viu onde os meninos estão? – pergunta Ro, terminando mais uma
sidra.
– Vi.
Faço que sim com a cabeça e aponto para onde estão os bancos do time
da casa e da equipe adversária. Logo depois do banco dos Lobos, bem perto
do vidro, estão Oliver e Liam, com a mãe de Rhys e o pai de Bennett à
direita deles. Levando em conta quanta atenção a maioria dos jogadores deu
aos dois, eu diria que meus irmãos ganharam o dia. Mesmo de tão longe,
vejo que Liam está radiante. E Oliver parece revigorado e feliz.
Há um estrondo alto, seguido pelo rugido da multidão, quando uma
briga irrompe no rinque e todo mundo fica de pé.
Tento decifrar o que aconteceu. A princípio, só consigo ver Toren Kane
engalfinhado com um dos jogadores maiores do time adversário.
Mas então vejo Rhys caído de costas. Nem o peito nem a cabeça se
movem.
Estou na escada antes que consiga sequer piscar, o coração na garganta
enquanto pressiono as mãos no vidro e bato nele. Rhys não está nem perto o
bastante, mas Bennett ouve e se vira para me olhar. Não consigo ver sua
expressão através do capacete, mas ele se afasta e patina em direção ao
capitão.
Deus do céu, parece que Rhys nem respirando está.
Já há treinadores ao redor dele, mais rápido do que já vi na maioria dos
jogos, e sei que é por causa de seu histórico. Porque ele provavelmente já
está na lista de jogadores em que estão de olho.
Bennett patina de volta para a rede, lento e gracioso – levando em conta
seu tamanho –, mas passa direto por ela e vem até mim. Eu me sinto uma
criança olhando para o cara enorme através do vidro. Ele tira o capacete e
sacode os cachos molhados de suor, franzindo a testa.
– Ele tá bem – informa. – Vai se sentar.
– Ben…
– Se ele vir você entrando em pânico, vai se sentir pior. Vai. Se. Sentar.
Faço o que ele diz, quase tropeçando nos degraus enquanto tento andar
com a cabeça meio virada para o rinque.
Rhys de fato se levanta e recebe uma rodada de aplausos de todo mundo
no estádio, as duas equipes batendo os tacos no gelo. Ainda assim, eles o
tiram do jogo e mandam para o vestiário.
Considerando que não acho que vou ser capaz de respirar direito até
botar os olhos nele, digo a Ro onde vou encontrá-la mais tarde. Já participei
de diversas competições de patinação artística, então conheço bem os
caminhos do ginásio. Não ligo se não me deixarem vê-lo; só quero ficar por
perto.
Ando de um lado para o outro na saleta perto do corredor do vestiário
por um minuto, até que uma mão bate no meu ombro e me faz dar um pulo.
Olho para cima e vejo um homem de aparência desgrenhada me
encarando do alto. Só depois de recuar até a parede percebo direitinho para
quem estou olhando.
Os dois são cópias um do outro, Rhys e o pai. E, embora eu tenha visto o
homem de passagem, nunca o encontrei de perto. Rhys tem os mesmos
olhos cor de chocolate que dão um ar juvenil até mesmo para o rosto
ligeiramente envelhecido de seu pai. Ele parece jovem e bonito, encantador
da mesma forma que Rhys. Maxilar bem marcado, lábios cheios, mesmo
cabelo escuro.
– Desculpe – diz ele, e depois uma palavra que não reconheço, mas que
soa como uma língua áspera: russo ou polonês? – Você veio aqui por causa
do meu filho?
– É, eu… – Pigarreio, a garganta travada, meu coração ainda acelerado. –
Eu só… queria saber se ele tá bem.
O sorriso que ele me dá é gentil e caloroso e dolorosamente familiar, a
não ser pelo fato de que só tem uma covinha.
– Venha, dochka – chama ele com um gesto, repetindo aquela mesma
palavra e colocando a mão com firmeza nos meus ombros.
Ele me guia no trajeto por vestiários com cheiro pungente até uma sala
menor equipada com maca e suprimentos médicos. Rhys está ali, sem
camisa e suado, ainda usando a calça grossa de hóquei. O treinador está com
a mão na cabeça dele, usando uma lanterna pequena para conferir as pupilas
enquanto Rhys recita os meses do ano na ordem inversa.
– Um momento – sussurra o pai dele para mim e caminha na direção do
filho.
Rhys faz uma pausa logo depois de citar o mês de junho, o que parece
deixar o treinador alarmado, até que ele vê o Sr. Koteskiy parado atrás de si e
descobre o motivo da distração do jogador.
– Rhys. – Seu pai suspira. – Tudo bem?
– Tudo. – Ele suspira também e as vozes soam tão parecidas quanto o
físico, a não ser pelo leve traço de sotaque do pai. – Você acabou de voltar?
– Foi… Entrei no rinque só pra ver meu filho caído de costas no gelo.
Que tipo de boas-vindas é essa, hein?
Rhys ri, apenas uma bufadinha.
– Só perdi o fôlego. Minha mãe tá apavorada?
– Nyet, mas encontrei uma pessoa um pouco aflita lá fora.
Ele dá um passo atrás e me revela parada à porta.
– Lindeza – diz Rhys, e um sorriso enorme aparece em seu rosto. Os
treinadores voltam para suas outras tarefas agora que viram que não há
perigo, então ficamos só nós três. – Vem cá.
Duas palavras são tudo de que preciso para correr até ele, deixando seus
braços me envolverem e sua cabeça suada se apoiar no meu peito.
– Você tá fedendo – comento com sarcasmo, soltando um suspiro
raivoso inapropriado, porque meu coração ainda não se acalmou.
– Vou dar um minuto pra vocês dois – diz o pai dele e nos deixa
sozinhos.
CAPÍTULO TRINTA E SETE
Rhys
Ela é perfeita.
Sinto um pouco de raiva nela e é inebriante.
Ela é inebriante.
Sadie é minha namorada. Quero gritar para que meu pai, os
treinadores… Cara, para que o prédio inteiro me ouça.
Abro a boca, desesperado para encontrar algum motivo para me referir a
ela como minha namorada, mas ela golpeia meu peito. Uma, duas vezes, até
que seguro seus pulsos com uma das mãos e com a outra ergo o queixo dela
para impedi-la de se esconder de mim.
– Tô começando a achar que não dou conta disso – murmura ela e fecha
os olhos.
Minha barriga se revira tanto que aperto mais forte os pulsos dela sem
querer.
É o hóquei, diz aquela voz sombria e zombeteira que começo a notar que
é uma versão da minha ansiedade. O hóquei te deixa inútil e patético. Ela
consegue enxergar quem você era, mas não quer isso que você virou agora. O
que vai ser para sempre.
Mas já passei por isso antes e, por mais que queira usá-la para afastar as
sombras, o que mais quero é amá-la. Então fecho os olhos e me lembro de
que estou bem. Estou me curando.
– Sadie – sussurro, enquanto enfio a mão por baixo do cabelo dela.
Ela pisca, os olhos cheios de lágrimas, e absorvo a cena como um soco
no estômago. Um soco que me acerta em cheio.
– Você me assustou! – grita ela, zangada e triste, e tão linda que dói. –
Você tava lá deitado e eu… eu não sabia se você tava bem, se tava vivo…
Ela me bate de novo, apenas um pequeno movimento da palma da mão
no meu peito. Deixo uma risada escapar pelo nariz e a puxo para beijar sua
bochecha.
– Eu só tava imitando o Darth Vader. Tentando fazer jus à morte dele.
Ela ri, o som quase destoante das manchas vermelhas de suas bochechas,
as lágrimas ainda fluindo livremente.
– Achei que você não estivesse respirando.
– Estava dedicado ao papel – respondo, com um sorrisinho.
Ela se solta e franze a testa pra me encarar. Aproveito para observar sua
roupa, e meus olhos se arregalam e o sorriso se alarga quando vejo o
número 51 no canto superior direito do peito da enorme jaqueta de aviador.
– Você tá perfeita, lindeza. Gostei da jaqueta.
A ruguinha entre as sobrancelhas dela se aprofunda ainda mais.
– A Ro que fez.
– Quero que você use a minha camisa do uniforme também.
Ela me ignora, ainda examinando cada pedaço da minha pele exposta,
depois desvia os olhos vacilantes e encontra os meus.
– Você tá bem?
– Tô ótimo, gata – sussurro.
O jeito afetuoso como a chamo acaba com ela. Seu corpo se lança no
meu, me derrubando na mesa enquanto monta em mim. Ela me enche de
beijos em meio a risadas e soluços. Acho que eu poderia ficar desse jeito
para sempre, com o peso reconfortante dela em cima de mim.
É como um retorno à vida de antes: a Casa do Hóquei cheia de gente
(metade que nunca vi) e o nosso grupinho – Freddy, Bennett, Holden e eu –
acompanhado da maioria do nosso reforço do ataque: Caleb, Sanders e
Hathaway, um calouro que se tornou figurinha carimbada por aqui.
Sadie e Ro passaram no alojamento para se arrumar enquanto
participávamos da reunião pós-jogo e tomávamos banho, mas elas já
deveriam estar aqui, mesmo que tenha sido um sofrimento fazer com que
aceitassem vir. Meus pais quase se ajoelharam para implorar a Sadie que
deixasse Liam e Oliver dormirem na casa deles, e ela só aceitou porque Ro e
eu a convencemos.
Ela confiou neles.
Algo pelo que pretendo recompensá-la mais tarde.
Apesar da vitória e do fato de que só deixou passar dois gols, Bennett
parece irritado. Ele beberica uma cerveja – o que é bem raro para nosso
goleiro meticuloso –, mas fica distraído, mais frustrado do que o habitual.
Alguns dos jogadores de futebol americano com quem saímos chegam
para se juntar a nós na fogueira, seguidos por Ro e Sadie ainda com suas
jaquetas customizadas, mas agora com cachecóis e chapéus também.
Eu me levanto tão rápido que Holden dá uma risadinha. Paloma se senta
no colo dele e tenta distraí-lo da conversa que estava tendo com Freddy. Mas
nem precisava fazer isso, porque Freddy já está de pé, arrancando risos de
Ro, que mexe no cabelo alisado, constrangida.
– Oi. – Sorrio, agarrando Sadie e puxando-a para perto de mim. Dou um
beijo na testa dela e esfrego as mãos para cima e para baixo nos seus braços.
– Ro, seu cabelo tá bonito.
Ela cora, mas, pela forma que Sadie aperta minha mão e pelo jeito
sorridente que balança a cabeça, consigo perceber que acertei no elogio.
Freddy passa o braço sobre o ombro de Ro e grita alguma coisa sobre
começarem as brincadeiras com cerveja, aí ela abre outro sorriso
surpreendentemente radiante.
Eu ficaria preocupado, mas Freddy me garantiu que está no modo
amizade com Ro. Ainda assim, fico um pouco nervoso porque ela o observa
com um brilho nos olhos, do tipo romântico e derretido. Mesmo se Bennett
e eu avisássemos Freddy, Ro ainda assim poderia se magoar com o atacante
sedutor.
– Quer jogar? – pergunto e dou outro beijo em Sadie.
Ela faz que não com a cabeça.
– Só quero ficar perto de você, na verdade. – Suas mãos serpenteiam
pelos meus ombros e agarram meus músculos, provocando um gemido
silencioso enquanto ela os aperta. – A gente pode ir pro seu quarto?
– Já? – provoco, recuando e apertando o nariz dela. – Não sou esse tipo
de homem, lindeza.
Ela ri, rouca e sexy, e meu jeans fica apertado de repente.
– Um banheiro, então – brinca ela.
Com um rosnado, agarro seu queixo e me inclino para lhe dar um beijo
suave.
– O que quer que a minha namorada deseje, ela consegue.
Então eu a envergonho jogando-a por cima do ombro, e ela reclama com
um gritinho – mas é alegre e cheio de risadas.
– Desculpa, pessoal, o joguinho vai ficar pra próxima. Tenho que ir
cuidar da minha namorada muito carente – anuncio, radiante de orgulho.
Vivas e risadas irrompem ao nosso redor enquanto faço uma rápida
saudação para a minha equipe e levo meu prêmio leve e pequenininho,
cujos punhos macios batem nas minhas costas, para o meu quarto após
passar pela porta dos fundos.
No quarto, eu a coloco no chão e vou fechar a porta. Ela já está tirando a
jaqueta quando me viro de volta. Antes que possa alcançá-la, me empurra
contra a porta e fica de joelhos.
– Caramba – digo, com um suspiro, soltando a maçaneta e gentilmente
tirando o cabelo dela do rosto e do pescoço. – Sadie.
– Sim, capitão? – responde ela, e as mãos ávidas e velozes abrem meu
cinto e puxam meu short e a cueca boxer de uma vez só.
Não consigo nem tentar dizer mais uma palavra antes que os lábios dela
– vermelho-cereja, que ela estava mordendo – pressionem a ponta do meu
membro. Ela abre a boca e começa a me lamber devagar, então me segura e
bate meu pau de leve na língua.
Vou gozar e minha namorada não fez quase nada ainda.
Minhas mãos agarram o cabelo dela, massageando a base do pescoço até
os ombros, enquanto Sadie se demora me explorando com a boca.
Ela é perfeita e quero que saiba que o que sinto por ela é verdadeiro. Eu
colocaria um anel no dedo dela se isso não a aterrorizasse. Sei que não vai
fugir de mim agora, mas estou preparado para o esforço que isso vai exigir
no futuro.
– Você é tão linda – falo, pressionando meu dedo em sua bochecha com
carinho. – Tão perfeita. Meu Deus, te ver desse jeito…
Ela geme e a vibração reverbera pelo meu membro, subindo como um
arrepio. Mal consigo me segurar quando ela coloca as mãos nos joelhos e me
encara com metade do meu pau na boca.
Ela está me entregando o controle. No nosso cabo de guerra, está
deixando que esse momento seja meu.
– Essa é a minha gata – sussurro, enfiando lenta e gentilmente na boca
dela.
Ela se contorce após o elogio, como se quisesse se tocar mas não fosse
fazer isso. A menos que…
– Tá molhada, gata? – pergunto e Sadie ronrona, se balançando um
pouco e me engolindo mais fundo. – Precisa de mim?
Ela me tira da boca e ofega.
– Desejo você – declara.
E me engole de novo em seguida, fazendo um som inebriante.
– Se toca gostoso, lindeza. Vai atrás do que precisa.
A mão dela mergulha na cintura da calça jeans, empurrando-a para
baixo. Detesto não poder ver o que está fazendo, mas seus movimentos me
dão o suficiente para imaginar. E, quando se trata de Sadie, minha
imaginação é incrível.
Ela balança para a frente e para trás, se esfregando.
Sadie geme de novo, os olhos se fechando de alívio antes de olhar para
mim, um prazer travesso fazendo-a abrir um sorriso ao redor do meu
membro.
Mal tenho tempo de avisar, tentando me afastar, mas ela se ergue um
pouco nos joelhos e agarra minha bunda, me engolindo até o fundo. Estrelas
cadentes explodem nos meus olhos e fico dividido entre a vontade de atirar
minha cabeça para trás e o desespero de manter meu olhar nela quando
gozo.
Segurar por mais um segundo parece tempo demais, então, quando a
pego e quase tropeço na calça, nós dois caímos na gargalhada. Consigo tirar
tudo, menos minha camisa, aí agarro seu quadril e deslizo o jeans pelas
coxas dela. Tento não me distrair muito por ter as mãos em sua pele. Mas,
quando ela tira a blusa e revela que está sem sutiã, não consigo deixar de
pegá-la nos braços e atirar seu corpo pequeno e musculoso na cama.
Eu a deixo de costas no colchão e tento chupá-la, mas Sadie implora e
empurra meus braços até que eu me afaste.
– Era eu quem deveria te agradar hoje – reclama ela.
Dou risada.
– Você sempre me agrada, gata.
– Um prêmio – diz ela, com um gemido. – Por vencer. Se bem que “por
estar vivo” talvez seja um incentivo melhor pra você, capitão.
Ela planta o pé no meu peito e envolvo o tornozelo dela, erguendo uma
sobrancelha.
– Não seja malcriada. – Dou uma risadinha. – Só me diz o que você quer.
Te dou qualquer coisa.
Sadie balança a cabeça e suspira no colchão, se mexendo de um lado
para o outro.
– Você é bom demais pra mim. Para com isso. Eu estava tentando ser
sensual e… e tinha planejado tudinho. E você tá estragando tudo.
Seu jeitinho de reclamar combina muito com a voz dela de gatinha sexy
e me faz ficar duro mais uma vez.
– Quer começar de novo?
Ela bufa e cruza os braços, fazendo beicinho como uma adolescente mal-
humorada, mas faz que sim com a cabeça depois de um tempo.
– Tá bem. O que quer que eu faça, lindeza?
Ela se ergue do colchão, os cabelos em cascata ao redor do rosto
formando pequenas ondas que mostram que estavam trançados mais cedo.
Suas mãos pressionam meu peito e me empurram, e obedeço com
facilidade, me esticando debaixo dela enquanto Sadie monta no meu
quadril. Há apenas um pedacinho de tecido acetinado impedindo o calor
dela de pressionar diretamente meu membro muito duro.
Seus olhos estão escuros sob a sombra esfumada e escurecem ainda mais
enquanto ela me observa completamente à sua mercê.
– Beleza, craque. – Ela abre um sorrisinho e meu quadril pulsa. –
Devagar. – Ela ri.
Mas Sadie fica um pouco séria quando inverte nossa posição de sempre e
agarra meu queixo com sua mãozinha.
– Quero fazer você se sentir bem, porque você sempre faz com que eu
me sinta bem. E você não vai ficar no controle, tá? Só vai ficar aí, deitado. –
Ela se inclina para a frente, pressionando o peito nu contra o meu. – Relaxa.
– Ela se afasta, mordiscando e lambendo minha orelha. – E me deixa tomar
conta de você.
Estremeço violentamente quando ela lambe meu pescoço e depois vai
mordendo minha clavícula até eu sibilar. Ao se afastar, ela faz o melhor que
pode dando um apertão nos músculos dos meus ombros – suas mãos são
pequenas, embora fortes, para fazer muita coisa de fato. Mas o efeito me leva
ao céu.
Tudo o que ela faz me leva ao céu, porque é ela.
Sadie puxa a calcinha fina de cetim para o lado e desliza, quente,
molhada e infinitamente pronta para mim.
– Meu Deus, Rhys – diz ela, com um gemido. Fico ainda mais duro com
aquele som. – Você é tão perfeito.
O elogio dela faz com que eu me sinta ao sol, aquecido em todos os
pontos.
Ela me cavalga devagar, me segurando entre as pernas com força e me
cobrindo de elogios. Não importa quão pequena pareça montada desse jeito
em mim: ela poderia me matar se quisesse, e eu agradeceria enquanto
estivesse sangrando debaixo dela.
Ela goza e é como todas as vezes que vi isso: como se estivesse um pouco
surpresa, como se essa mulher cuidadosa e controlada tivesse sido pega
totalmente desprevenida. É impossível não gozar logo depois.
Meu orgasmo é poderoso, me deixando quase tonto quando lentamente
empurro o quadril de forma trêmula, o abdômen contraído enquanto Sadie
se remexe devagar.
E então seus lábios se abrem num sorrisinho sonolento e ela olha para
mim. Aquele sentimento toma conta de mim mais uma vez, o desejo de
mantê-la comigo, protegida, segura e minha, até que estou mordendo a
língua, desesperado para não deixar o “eu te amo, eu te amo, eu te amo”
escapar.
Não tenho certeza de quanto tempo mais consigo segurar, mas estou
doido para ficar com ela. E isso… Sadie se desmanchando nos meus braços
e beijando meus ombros, me tocando com carícias gentis e suaves que imito
até estarmos deitados com a cabeça no pé da cama, sussurrando segredos
bem baixinho na escuridão cintilante…
Isso é mais do que suficiente.
CAPÍTULO TRINTA E OITO
Rhys
Ganhamos. De novo.
Finalmente, caramba.
A equipe está indo muito bem, prestes a recuperar nossa série de
vitórias, e Gym Class Heroes está tocando mais alto do que o normal
enquanto atravesso o túnel até o vestiário. Meu sorriso é radiante e a equipe
dá tapinhas nas minhas costas. Freddy e Dougherty pulam e cantam com
alguns dos calouros mais extrovertidos.
Cada um deles merece essa vitória. Por fim, temos pontos suficientes
para não nos preocuparmos tanto com o jogo contra a Cornell no próximo
fim de semana. Harvard, uma das nossas principais equipes adversárias esse
ano, ainda é uma ameaça no horizonte, mas, por essa noite, uma vitória é
uma vitória.
– Nada passou pelo gol do Reiner! – grita Freddy, e assovios ressoam por
toda parte enquanto ele pega o nó celta feito com pedaços de redes de
partidas que vencemos e o entrega a Bennett, declarando-o o melhor
jogador da partida.
Todos aplaudem enquanto Bennett, ainda com as caneleiras grossas,
vestindo apenas uma camisa de compressão de manga comprida, fica de pé
e aceita a homenagem com um aceno de cabeça. Sei que não devo esperar
um discurso. Ele não fala nada além de:
– Não conseguiria nada disso sem meus defensores e toda a equipe. É
isso aí, Lobos!
Então ergue a longa corda trançada e se senta, as costas apoiadas no seu
armário.
O treinador Harris sorri, porque conhece seu goleiro estelar da mesma
forma que eu e respeita suas peculiaridades e rituais. Ele ganhou a confiança
de todos nós, mas sei quanto se esforçou com Bennett. O treinador acena
com a cabeça para o grupo todo de uma vez.
– Aproveitem a noite, rapazes – diz ele, breve, e sai. – Não façam
nenhuma besteira – acrescenta por cima do ombro.
Mas é em Toren Kane que ele dá um tapinha no ombro enquanto vai
embora. Ele está sentado de mau humor num canto, de braços cruzados, o
suor escorrendo do cabelo preto.
Algo no meu peito se aperta ao vê-lo.
Freddy já está anunciando a festa do Alojamento do Hóquei, que vai ser
imensa, como sempre são nossas festas de Halloween. E, se as embalagens
enormes de tinta para o rosto que no momento estão no balcão da cozinha
servirem como indício, ele vai obrigar qualquer calouro desprevenido a se
fantasiar apropriadamente.
Como equipe, nós em geral vamos com tudo.
Mas, considerando que a minha namorada pulou fora da referida festa e
me avisou pouco antes do segundo tempo por mensagem de texto, tenho
outros planos.
Minha namorada. Duas semanas depois, ainda tem o mesmo gosto doce.
Ontem à noite, com meu rosto enterrado entre as coxas dela, fiz com que
aceitasse ir a um dos eventos de gala de bajulação dos meus pais.
Tomo banho rapidinho e visto uma calça de moletom cinza e uma
camisa laranja-neon que diz Morto de amor, com um fantasma de olhos em
formato de coração, presente de Freddy no nosso primeiro ano, quando falei
que estava ocupado demais para me fantasiar e ir com ele ao centro da
cidade. Com certeza, isso é parte do motivo de Freddy ter encontrado um
lugar no meu coração para ser um dos meus melhores amigos. Desde então,
escolher camisetas bregas para cada data comemorativa virou uma estranha
tradição entre nós dois.
Saio antes que Freddy possa tentar me impedir e conto só a Bennett
aonde vou. Conheço o caminho como a palma da mão agora, já que passo
todo o meu escasso tempo livre com Sadie e, muitas vezes, ficar com ela
significa correr para cima e para baixo com os irmãos dela, levar o jantar
para eles ou buscá-los nos treinos.
Mesmo assim, ainda não encontrei o pai deles. O que, tenho certeza, é
algo proposital da parte dela.
Nunca passamos a noite na casa dela. Sadie evita isso, mesmo que
signifique que eu termine a noite ajudando-a a acomodar as crianças
sonolentas em um colchão de ar no chão do alojamento dela. Às vezes,
consigo convencê-los a dormir na Casa do Hóquei, onde Liam e Oliver
recebem a atenção interminável de qualquer Lobo que esteja por lá, que fica
jogando com os dois até que Sadie use sua voz severa e obrigue todo mundo
a ir para a cama.
Camas essas, aliás, que comprei por impulso um dia e coloquei no
quarto desocupado no final do corredor.
Sei que ela está em casa essa noite porque só tem um motivo – ou dois –
que a impediriam de ir à festa. Ro, nossa nova torcedora fiel, assistiu à
partida, mas me deu um rápido balançar de cabeça para avisar que Sadie
não iria aparecer.
A rua onde os Browns moram é escura, sem nenhuma decoração
marcante de Halloween, e todas as luzes das varandas estão apagadas, exceto
a deles. Bato à porta em certo padrão e dou um passo atrás para que Sadie
possa me ver pelo olho mágico.
– Minha nossa – murmuro, abrindo um sorriso enorme ao vê-la na
porta da frente.
Ela está usando um macacão marrom felpudo com um capuz frouxo,
apoiando uma grande tigela de plástico em forma de abóbora cheia de doces
na cintura, com um pequeno Darth Vader pendurado na perna.
– O que você tá fazendo aqui? – pergunta ela, mas não há nada além de
alegria em seu rosto, ligeiramente escondida debaixo da minha expressão
favorita dela, aquela com a sobrancelha franzida.
– E de quem você tá fantasiada? – pergunto, ignorando a pergunta dela
por completo porque é ridícula, afinal onde mais eu estaria a não ser com
ela?
Sadie sorri, mas é Liam quem grita:
– Um Wookiee!
E depois ele pula em cima de mim. Eu o seguro e sigo Sadie para dentro
da casa, trancando a porta. Esse é o máximo que já entrei na casa dela, que é
pequena e gelada. Nem parece que o aquecimento está ligado – e talvez não
esteja.
Há uma escada que parece um pouco em más condições. Bem à direita
se encontra uma pequena cozinha com azulejos azuis e biscoitos numa
assadeira em cima do fogão, o que explica o cheiro açucarado. À minha
esquerda, vejo Oliver sentado num sofá floral manchado. A luz vem de uma
lâmpada na mesinha lateral e da tevê.
– E aí, parceiro?
– Fala, Koteskiy. – Ele acena com a cabeça e volta a atenção para a tela.
Minhas sobrancelhas se erguem até o cabelo. Sadie cobre a boca para
conter uma risada, depois vira na direção da cozinha. Eu a sigo com Liam
ainda no meu quadril, que me conta sobre os doces que pegou no “bairro do
povo rico” e que Sadie não quer deixá-lo comer mais doces essa noite.
Pego um biscoito na assadeira, mas Liam bate na minha mão e grita:
– A gente tem que cantar primeiro!
– Cantar o quê?
– “Parabéns”!
– É seu aniversário, amigão?
Meus olhos dançam enquanto olho dele para uma Sadie corada. Liam dá
risada, barulhento e feliz, como se eu tivesse contado alguma piada ridícula.
– Não, é da Sissy. Ela tá fazendo… Hum… – Ele se inclina para a irmã e
sussurra de forma bastante audível: – Quantos anos você tem mesmo?
– Agora, 22.
– Ela tá fazendo 22 anos! – grita ele para mim na mesma hora.
Meu coração para e franzo as sobrancelhas enquanto olho para ela de
novo.
– Eu… não fazia ideia.
Sadie balança a cabeça e cruza os braços.
– É óbvio, porque não te contei, craque.
Ela enfia um biscoito de açúcar na boca antes que Liam possa detê-la,
sorrindo de um jeito travesso para o irmãozinho enquanto mastiga.
Pode ser ridículo, mas estou um pouco magoado por ela não ter me
contado.
Liam desce dos meus braços e exige que eu chame o irmão para que a
gente cante parabéns e Sadie faça seu desejo de aniversário. Pego um
biscoito, um com desenho de abóbora, e vou para a sala de estar.
Eu me inclino sobre o encosto do sofá. Halloween III – A Noite das
Bruxas está passando na tevê, a mesma música besta que atormentou meus
pesadelos quando eu era criança.
– Como foi sua partida? – pergunto a Oliver ao me lembrar de que ele
tinha uma essa tarde.
Ele não olha para mim.
– A gente ganhou.
– Marcou algum gol?
Abro um sorrisinho e dou um leve empurrão no ombro dele. Oliver fica
de pé, contorna o sofá e para na minha frente, mais perto de mim do que
jamais ficou. Inferno, mais perto do que já o vi chegar de qualquer pessoa
fora Sadie e Liam.
Ele coça a nuca.
– Minha terapeuta falou que a Sadie provavelmente passou por um
trauma com o aniversário dela – sussurra. – Porque, quando ela tinha mais
ou menos a minha idade, alguma coisa aconteceu com a nossa mãe. – Ele dá
de ombros. – Sempre achei que fosse porque nosso pai fica muito, muito
bêbado em datas comemorativas. No Natal, ele fica triste. No Halloween, ele
costuma ficar com raiva. Mas não sei.
Não desvio o olhar dele. Minha barriga dói e o gosto residual do biscoito
azeda minha língua.
– Deve ser por isso que ela não te contou. E… não quero que você fique
bravo com ela.
Tento engolir o nó que se forma na minha garganta.
– Não tô bravo com a Sadie – respondo baixinho. Há certa hesitação em
sua postura, em cada traço do seu rosto, como se ele quisesse falar mais, mas
não soubesse como. Então dou um palpite. – Não vou abandonar a Sadie,
Oliver. Nunca, tá? Pode ser que um dia ela me peça pra ir embora, mas
nunca vou ser eu que vou abandonar ela. Nem ela, nem seu irmão, nem
você. Me diz que você entende isso.
As bochechas dele coram e ele olha para o chão.
– Entendo.
– Que bom – digo e, por um momento, fico com vontade de chorar.
Quero abraçar esse garoto, porque parece ter um peso enorme nos seus
ombros, mas sei que ele é mais ou menos como Bennett e realmente não
gosta que toquem nele. Então dou um rápido tapinha no seu ombro e nos
direciono para a cozinha, indo atrás dele.
Cantamos “Parabéns pra você” a plenos pulmões e aplaudimos quando
Liam acrescenta um versinho no final, de improviso, adicionando muitos
barulhos bobos com a boca até que ele esteja rindo tanto da própria piada
que nem consegue continuar.
Dou um beijo na testa de Sadie quando ela pega outro biscoito, e ela se
aconchega em mim por um momento.
Estou completamente apaixonado.
CAPÍTULO TRINTA E NOVE
Rhys
Sadie
Minha pele parece que vai começar a derreter e tenho certeza de que estou à
beira de um surto psicótico quando Rhys finalmente sobe as escadas.
Ele fecha a porta, depois se vira por completo para ela e apoia a testa na
madeira. Respira fundo várias vezes antes de caminhar pelo quarto evitando
meu olhar. Coloca algo na mesa. Eu me dou conta de que é minha bolsa e
sinto um aperto na barriga.
– Você vai embora?
Isso o faz olhar para cima, depois desviar o rosto de novo. Sinto aquele
pânico na respiração aumentar, como se estivesse me afogando e me
debatendo para chegar à superfície. Quero agarrar seu pulso e implorar para
que fique, então cruzo os braços para me conter.
– Não sei o que preciso fazer pra provar a você e ao Oliver que não vou
embora… e, pra falar a verdade, seja lá o que for, eu faço.
– Espera… – Eu tento ganhar um tempo, atordoada e sem palavras. –
Então… por que você não olha pra mim?
Aversão, ódio de si. Se os dois forem regados o suficiente, crescem como
trepadeiras impossíveis de arrancar. Em mim, cresceram espinhos, que me
envolveram quando eu era criança e ninguém nunca se preocupou em
tentar ultrapassá-los. Até agora.
– Porque, Sadie, se olhar pra você, vou ver aquele medo que vi com tanta
clareza quando você entrou na cozinha! – grita ele, a voz dura como jamais
o ouvi usar, ainda mais comigo. – Não consigo tirar a expressão do Oliver da
minha cabeça, e agora a sua. E, se eu vir isso, não acho que vou ser capaz de
me impedir de bater de frente com ele.
Não digo nada. Mal respiro, como se algum barulho pudesse arruinar
esse momento.
Você estraga tudo. Olha para ele… O menino de ouro, que nunca fica com
raiva, de repente está furioso. Você pega tudo de bom e estraga. Oliver é o
próximo, já tão cansado. Liam não vai ficar muito atrás.
Fecho os olhos.
– Olha pra mim – exige ele e faço isso na mesma hora.
Ele está andando de um lado para o outro ao pé da minha cama, à luz
suave da minha lâmpada de cabeceira. Ele parece tão importante, sempre
pareceu. Do jeito que imagino os filhos dos deuses antigos, grandiosos de
alguma forma que os tornava diferentes dos meros mortais.
– Pensei que você estivesse destruído como eu – sussurro, botando as
palavras para fora. – Mas você não tá. Você é… Rhys, você é incrível. Você é
tudo pras pessoas ao seu redor, mesmo aquelas que não te conhecem. Lá
fora. No campus ou no rinque… Você é uma estrela. Tão brilhante. E você
podia estar sofrendo quando me conheceu, mas… você tá melhorando. E a
minha vida vai ser assim por um bom tempo.
Faço uma pausa antes de dizer:
– Tipo… Eu tô tentando conseguir a guarda dos meninos, tentando me
formar no início deste semestre para que eu possa conseguir um emprego e
provar pra um bando de adultos que sou capaz de cuidar do Oliver e do
Liam, como já tenho feito. E eu… – Engasgo, porque percebo que estava
prestes a dizer algo insensato. – Eu me importo com você o bastante pra
saber que você vai ter uma vida imensa, estrondosa e incrível. Mas eu…
Rhys ergue a mão para me deter e fico em silêncio. Em parte porque não
quero dizer o que estava prestes a falar. É egoísmo, mas eu o quero, sempre,
ainda que o tempo todo eu o arraste para baixo ou o segure.
– Vou falar uma coisa agora, lindeza. E preciso que você me ouça. Me
ouça de verdade, tá?
Assinto.
– Eu te amo – diz ele, e está sorrindo, as duas covinhas cintilando.
Como se eu não tivesse despejado nele a zona que é a minha vida,
primeiro sobre minha mãe, depois com a cena do meu pai bêbado tentando
atacá-lo e agora com meu discurso sobre como é terrível para ele que eu
esteja em sua vida.
Minha raiva nunca funcionou com Rhys, nem meus esforços para afastá-
lo.
Então fico ouvindo, meu coração batendo tão rápido que tenho certeza
de que vai criar asas e sair voando do peito.
– Eu te amo. Amo tudo em você. Amo sua raiva e seu sarcasmo. Amo o
jeito que você patina, como se estivesse em chamas. Isso me faz lembrar de
quando me apaixonei pelo hóquei. Eu amo como você cuida dos seus
irmãos, como ama e protege a Ro. Amo o jeito como fica frustrada, com
aquele olhar confuso no rosto, o mesmo de agora, com essa ruguinha entre
as sobrancelhas.
Dou risada com ele nesse momento. Não desvio o olhar de seu rosto,
mesmo quando ele inclina a cabeça para trás e sorri de novo.
– E nada, nenhuma parte sombria de você ou da sua vida, vai mudar
isso. Então, como falei pro Oliver, se você não me quiser mais, eu vou ter
que dar um jeito de aceitar. Mas nunca vai haver um dia em que eu não te
queira.
Ele está ao lado da cama, olhando do alto para onde estou sentada, meus
dedos torcendo os cobertores. Ele se inclina e segura meu queixo com
delicadeza.
– Me diz que entendeu isso.
– Entendi.
Rhys assente.
– Que bom.
Minha boca se abre como se eu fosse dizer o mesmo pra ele, mas fico
boquiaberta como um peixe fora d’água. Ele aproveita para beijar meu lábio
inferior, sugando-o de leve. Encostamos nossas testas quando ele se senta na
cama e me envolve no conforto do seu calor.
– Não precisa dizer nada agora, tá? Posso te amar o suficiente por nós
dois.
– Não vai precisar ser pra sempre – deixo escapar.
Ele sorri e vejo o brilho em seus olhos calorosos. Vejo que ele entende a
minha promessa.
– Por enquanto, kotyonok.
– Algum dia você vai me contar o que essa palavra significa?
– Talvez um dia – retruca ele, antes de me colocar de costas no colchão e
imprimir eu te amo em cada centímetro da minha pele ao fazer amor
comigo, suave, doce e devagar.
Depois, ele pede minha caixinha de som com bluetooth e a coloca na
cama entre a gente. A janela grande em cima da minha cama deixa vazar o
luar sobre a pele dele, como se o banhasse naquela luz. Enquanto ele mexe
no celular, eu me inclino para a frente, beijo e mordisco seu pescoço de
novo.
Dois cliques, e a música toca. Uma que conheço bem, mas não de uma
das minhas playlists. A voz de Brandi Carlile é suave, com o dedilhar das
cordas do violão lento e agradável. Rhys Koteskiy está tocando “Heaven” na
caixinha de som do meu quarto.
– Essa é a minha música pra você.
Minha reação automática é fazê-lo parar. Convencê-lo de que não
deveria ter uma música para mim. Principalmente essa. Mas sua expressão é
tão franca, com cada músculo relaxado, que acredito nele.
Que ele me ama.
Há uma inocência juvenil em seu rosto, como se ele não tivesse acabado
de transar devagar comigo no colchão, com a mão cobrindo a minha boca
para me manter quieta.
– Você tem alguma pra gente? – pergunta ele do nada.
Só um milhão, quero dizer.
Rhys Koteskiy nunca se resumiria a uma música: ele é uma sinfonia, uma
playlist interminável que quero repetir para sempre.
– Vou pensar em uma – respondo, me enroscando nele.
Acho que ele está marcado a fogo na minha pele.
Nunca vou me recuperar dele.
CAPÍTULO QUARENTA E UM
Sadie
Estou linda.
Foi Ro quem achou esse vestido, embora tenha se recusado a me contar
onde, e ele serviu como uma luva. Um longo preto em seda, com uma fenda
até o meio da coxa. O suficiente para ser sexy sem ser vulgar.
Enquanto fiz a maquiagem, minha melhor amiga arrumou meu cabelo.
Fez um coque e deixou duas mechas soltas na frente para emoldurar meu
rosto. Ainda estou usando meu batom vermelho-cereja de sempre e fiz os
olhos esfumados, mas o efeito é mais majestoso. Menos “a Sadie
competitiva”. Mais “a lindeza do Rhys”.
Do Rhys. Dele.
Nunca pertenci a ninguém nem a lugar nenhum. É uma sensação
calorosa que imaginei que seria sufocante.
Ro se ofereceu para buscar os meninos depois que eles voltassem de
carona para casa do treino, algo que tenho certeza de que os pais de Rhys
ajudaram a organizar. Por enquanto, estamos na Casa do Hóquei, então
meio que parece um baile de formatura quando desço as escadas para uma
sala cheia de rapazes vestidos de smoking.
Rhys, Freddy e Bennett – os dois últimos sem acompanhantes – estão de
dar água na boca.
Bennett ficou ainda mais parecido com o pai. Sua altura e porte
continuam impactantes, mas ele está usando um smoking todo preto, sem
gravata. Suas mechas castanho-douradas rebeldes estão só um pouco
assentadas, mas ele fez a barba, o que de alguma forma o torna mais
intimidante.
Freddy está de terno azul, com o cabelo penteado para trás, a camisa
aberta apenas o suficiente para revelar um lampejo da corrente de metal que
ele costuma usar.
Talvez eu seja suspeita, mas Rhys parece um modelo de capa de revista
ou uma celebridade no tapete vermelho. Seu cabelo está mais curto, não tão
desalinhado como ultimamente, e ele passou algum tipo de fixador. O
smoking é preto, simples, com uma gravata-borboleta perfeita no colarinho.
Uma gravata-borboleta que decido arrumar de qualquer jeito, mesmo
que não entenda nada do assunto. Só mudo a posição dela de um lado para
o outro, porque esse momento parece um sonho e quero que continue
assim.
Ele segura meus pulsos e interrompe o movimento para me dar um beijo
gentil. Seus olhos ardem quando se afasta e me observa.
– Você tá tão perfeita, lindeza! – Ele sorri. – E eu tenho tanta sorte!
Quase deixo escapar as palavras que estão na ponta da língua há cinco
dias, desde o Halloween. Mas estamos cercados de amigos e, se conheço o
Rhys, no momento em que essas palavras saírem da minha boca, não vamos
sair do quarto dele por um tempo.
Então, em vez disso, beijo sua mão. Meu carinho é mais suave e faz suas
bochechas corarem. Ele pode ser um capitão firme de hóquei no gelo
quando está sobre os patins, o destemido líder dos Lobos da Waterfell. Mas,
para mim, sempre vai ser um fofo.
Os pais de Rhys planejavam nos encontrar na entrada, mas já estão
encurralados no canto pela multidão quando chegamos lá. É um evento de
arrecadação de fundos para a Fundação Primeira Linha, que recentemente
entendi que não é apenas uma chance de Max Koteskiy praticar o
voluntariado, mas é a instituição de caridade dele. Foi ele quem a fundou, a
financia e tudo mais, para que todas as crianças tenham a chance de patinar.
Anna, a mãe de Rhys, está deslumbrante em seu vestido verde-escuro.
Ouvi os colegas de equipe provocarem Rhys comentando sobre a beleza da
mãe dele, e não estão errados. Ela é linda, nitidamente em forma e tem olhos
sempre radiantes. Mas é fácil ficar perto dela, porque faz todo mundo sorrir,
e acho que essa é a verdadeira razão pela qual todos se sentem atraídos por
ela.
É apenas a quarta ou quinta vez que encontro os dois, mas agora sem
Oliver e Liam disputando a atenção deles e aliviando o meu lado, por isso
estou nervosa. Estou aprendendo a confiar em Anna. Devagar. Em Max
também.
Em dado momento, depois de algumas voltas na pista de dança
quadriculada – onde tive uma agradável surpresa com a habilidade de Rhys
de dançar valsa –, vamos para perto dos dois.
Os fotógrafos aproveitam a oportunidade para tirar fotos do grande
Maximillian Koteskiy com o filho, a estrela do hóquei em ascensão,
Rhys Maximillian Koteskiy. Eles não ligam para Anna até que Max começa a
anunciar os feitos arquitetônicos da esposa, que ele afirma serem muito mais
importantes do que os de um jogador aposentado da NHL.
E então eu entendo a razão pela qual Rhys me ama do jeito que ama. A
razão pela qual ele cuida dos meninos e quer nos manter por perto. É
porque ele viu isso a vida toda. Foi cercado de amor.
Me amar, amar meus irmãos… é fácil para ele.
Meu peito fica apertado e continua a apertar mais até eu quase ter
certeza de que vou morrer.
Então, quando eles terminam de posar para fotos, arrasto Rhys para o
corredor acarpetado do centro de conferências e sigo em direção à entrada
de serviço. Eu o empurro para uma sala de conferências vazia que é enorme,
escura e cheia de mesas e cadeiras em desordem.
Ele ri quando o prendo debilmente na parede. Olha para mim com
ardor, os olhos semicerrados e calorosos feito chocolate quente me
aquecendo.
– Não consegue aguentar nem umas horinhas, hein? Precisa tanto assim
de mim, kotyonok?
Ele não usa essa palavra com tanta frequência, mas sempre fico excitada
quando fala russo.
– Eu te amo.
Não é bem como planejei; nenhum discurso bonito para combinar com
o que ele fez, que repito quase sem parar na minha cabeça. Por isso,
continuo falando:
– E me desculpa por não ter…
Ele me cala com um beijo, me segurando pelo quadril com as mãos que
quase abrangem minha cintura inteira, me levantando para que eu possa
envolvê-lo com as pernas. Isso faz com que a seda do vestido escorregue e
suba até minha cintura, o que parece ser o objetivo dele.
– Sem desculpas, lindeza. – Ele beija meu pescoço. – Com você, não tem
pelo que pedir desculpa. Eu te amo tanto. Eu te amo.
Rhys não para de dizer isso enquanto me deita numa das mesas cobertas
com toalhas, o brilho do luar iluminando minha pele. Sua gravata-borboleta
desaparece junto com o paletó antes que ele agarre minha clavícula com a
boca e deslize suavemente as alças finas do vestido pelos meus braços até
que meus seios estejam nus para ele.
Minha respiração sai entrecortada quando a mão dele se desloca para o
local sensível no meio das minhas pernas. Ele sibila ao encontrar apenas a
pele descoberta.
– Tava assim a noite toda? – pergunta, pressionando com firmeza meu
clitóris, depois deslizando os dedos de leve pelos meus lábios antes de voltar
a fazer círculos num padrãozinho cruel.
– Pra não marcar o vestido – mal consigo falar, mas dou um gemido alto
e desesperado em seguida, quando seus dedos penetram em mim.
Tento me acalmar e não gozar, porque sei que Rhys está prestes a ficar de
joelhos e me chupar até que eu trema, mas nada do que faço está
funcionando.
Já estou à beira do precipício só de olhar para ele em meio às sombras da
sala. O menino de ouro, Rhys Koteskiy, desapareceu. Em seu lugar está a
sombra que sei que vibra em suas veias. Talvez isso o assustasse antes, mas
essa versão sem amarras dele… Eu a amo tanto quanto a que é um astro.
Ele me lança aquele olhar sombrio e provocador, como se soubesse
direitinho que estou quase lá.
– Repete – exige ele.
– Eu te amo.
– Que boazinha – diz ele e fica de joelhos.
Ele me provoca com a língua, sem se preocupar em tirar os dois dedos
que deixou em mim. Leva apenas dois minutos com os lábios ao redor do
meu clitóris, sugando e estocando a língua depressa, várias vezes, até que eu
exploda como uma bomba.
Fico apertada ao redor dos seus dedos quando ele afasta os lábios. Ele
aparece em cima de mim de novo para me beijar, e o meu sabor nos lábios
dele, na boca dele, é tão erótico que vibro de novo.
Rhys abre o cinto e as calças, tirando tudo antes de puxar um
preservativo do bolso e colocá-lo. Fico deitada como uma massa molenga
sem ossos, apenas observando-o. Acho que eu faria qualquer coisa que ele
quisesse agora.
– Nossa! – grita ele, deslizando devagar para dentro de mim enquanto
fico mais apertada ao redor dele, ainda vibrando.
Não importa que eu mal tenha me recuperado do meu orgasmo anterior;
sinto que meus batimentos cardíacos se concentram lá embaixo, como se
meu corpo implorasse por mais.
– A primeira vez que te vi assim, pensei que você fosse pequena demais
pra mim.
Eu gemo, alto e agudo, e ele entra mais um pouco de novo, ainda se
segurando.
– Mas você serve em mim como uma luva, gata – fala ele, admirado,
antes de enfiar até o fundo.
Arqueio as costas, o peito arfando quando ele começa a me comer, duro
e persistente.
Sempre parece a primeira vez com Rhys, e fico imaginando se, daqui a
alguns anos, quando tivermos filhos, um quintal e um cachorro, ainda vou
me sentir desse jeito.
Ele não para, não faz uma pausa. Continua com as estocadas e me faz ter
outro orgasmo. Então belisca de leve meu mamilo com uma das mãos e
segura meu queixo com a outra.
– Me dá mais um, kotyonok. – A voz dele está rouca agora, a testa com
um leve brilho de suor.
– Rhys… e-eu não consigo! – grito.
– Consegue. Fala de novo e goza pra mim.
Ele passa os dedos pelo meu clitóris, esperando até que as palavras “eu te
amo” saiam dos meus lábios antes de me pressionar. Como o riscar de um
fósforo, eu me perco de novo.
Ele goza logo depois de mim, dizendo que me ama. Murmura um fluxo
constante de palavras doces enquanto descarta o preservativo e me limpa,
puxa as alças de volta para os meus ombros e me ajuda a levantar. E não
para de me beijar. Endireito meu vestido enquanto ele joga a toalha de mesa
que usamos na lata de lixo num canto.
Não consigo parar de sorrir para ele, mas por fim me viro para pegar
meu celular enquanto ele se arruma. Tem cinco chamadas perdidas de um
número desconhecido com um código de área local. Assim que desbloqueio
o aparelho, ele começa a tocar de novo.
– Alô?
– É Sadie Brown?
Os olhos de Rhys se voltam para mim com uma leve preocupação e sei
que ele consegue ouvir cada palavra no silêncio da sala.
– Sim, quem é?
– Meu nome é Samantha, sou enfermeira do Hospital Geral de
Greenwood. – Meu estômago revira com a menção ao hospital que fica na
cidade vizinha. – Estávamos tentando entrar em contato com você. Seu pai
foi trazido há cerca de uma hora depois de um acidente de carro em que
estava alcoolizado.
Meus olhos ardem, mas tento me manter firme até que ela termine.
– Mas, hum, seus irmãos, acho… Liam e Oliver? Eles estavam no carro
também. E, depois do seu pai, você é a parente mais próxima.
– Ai, meu Deus! – grito, já correndo descalça para a porta em direção ao
corredor iluminado e barulhento. – Eles estão bem? Eles estão…
Não consigo respirar, mal consigo ouvir o que ela diz. Vejo tudo preto
por um momento e esbarro numa parede.
Rhys está ali, como sempre. Sua mão envolve a minha e ele gentilmente
arranca o celular da minha mão, assumindo o controle.
E eu ainda não consigo respirar.
O quarto está frio, sei disso porque a mãe de Rhys coloca o paletó do marido
em volta dos braços enquanto ouvimos o médico falar do meu pai. Mas não
consigo sentir nada, apenas torpor.
E vergonha.
A mãe e o pai de Rhys me levaram direto de volta, mas não vi para onde
Rhys foi. Talvez ele tenha me dito, mas não consigo lembrar. Sinto como se
eu observasse tudo de longe.
Meu pai está amarrado ao leito. Eu tinha ouvido a enfermeira avisar os
Koteskiys disso antes de entrarmos, mas é um pouco pior de ver do que eu
pensava. Ele fica se debatendo e gritando com a enfermeira, que o ignora e
termina de dar a medicação e fazer anotações antes de sair com um sorriso
compreensivo.
Não, não compreensivo. De pena.
– Sadie – chama meu pai, o peito arfando. Seus olhos acinzentados e
avermelhados são uma imitação dos meus. – Meu Deus, Sadie, por favor, me
tira daqui. Estão tentando levar os meninos. Vamos, meu amor.
Não consigo olhar para ele. Sinto como se eu morresse um pouco.
Ele muda de atitude como se virasse uma chave.
– Deixa de ser escrota, Sadie. Preciso de você.
Anna Koteskiy de repente fica na minha frente, de braços cruzados. Ela é
uma mulher pequena, mas ainda mais alta do que eu, e me cobre todinha,
de propósito.
– Se acalme se quiser falar com ela – ordena, mantendo a voz baixa mas
firme. – Você precisa se acalmar, de qualquer forma.
– Vocês estão tentando levar meus filhos.
Ele está ficando maníaco, mas não digo nada. Ninguém está tentando
levar ninguém. Ele não percebe que já nos prejudicou o suficiente? Que
nenhuma família como os Koteskiys iria querer a gente?
– Fica longe dos meus filhos! – grita ele, lutando com as amarras,
chutando a cama. – A Sadie e eu cuidamos muito bem deles.
Um fogo parece se acender dentro de Anna, sua figura magra crescendo
no quarto enquanto ela continua parada na minha frente, seu lindo vestido
roçando o chão áspero do hospital.
– A sua filha está cuidando dos seus filhos. Sadie não deveria ser
responsável por esses meninos e ainda estudar, trabalhar e cuidar do pai
alcoólatra.
Fico em choque, atordoada pela onda avassaladora de emoções que
passa por mim. Raiva, medo e confusão, todos misturados sob o peso da
vergonha e do constrangimento. Não consigo me lembrar de alguém que
tenha me defendido assim – e não uma pessoa qualquer, mas uma mãe.
– Sua vagabunda desgraçada! – grita meu pai.
Ele cospe nela e meu estômago se revira.
– Já chega.
Max Koteskiy dá um passo abrupto à frente, seu rosto uma máscara
rígida de raiva. Ele se parece muito com Rhys. Se não fosse pelas pequenas
linhas de expressão por conta da idade e pelos fios grisalhos no cabelo mais
escuro de Max Koteskiy, eles poderiam passar por gêmeos. Ele abraça a
esposa de um jeito suave, puxando-a um pouco para trás de si. Quando ela
tenta protestar e dizer que está bem, ele passa a mão pela bochecha dela e
sussurra:
– Eu sei que está, minha encrenca. Mas me deixa cuidar isso, tá? Pelo
meu orgulho besta de homem.
Dá para ver que é algum tipo de piada interna entre os dois só pelo jeito
que isso a amolece.
– Por que não leva a Sadie pra ver os irmãos? – sugere ele sem desgrudar
o olhar do meu pai.
Ela assente, embora um pouco relutante, e ele abre um sorriso que é só
da esposa.
– Eu te amo tanto que dói, rybochka.
A voz dele é suave, mas a intenção é clara. Proteção.
As palavras ecoam na minha cabeça. Afeto sincero, honesto e profundo:
é desse jeito que Rhys seria como pai ou marido. Se isso fosse algo que eu
pudesse ter. É algo que não conheço; algo que nunca presenciei antes de ver
os pais dele.
Na minha infância e adolescência, eu não tinha tempo para amigos. As
garotas com quem eu patinava eram rivais e, de acordo com o treinador
Kelley, eu não tinha permissão para patinar nem brincar com elas. Na
escola, estava preocupada demais em manter meu segredo. Então nunca
soube como eram pais e amor de verdade.
– Vamos lá, menina Sadie – chama Anna com carinho, seu tom de
repente mais gentil do que a firmeza de seus traços belos e arredondados
enquanto puxa meu corpo quase catatônico para o corredor. – O Rhys e o
Freddy estão com seus irmãos na sala de espera.
Freddy?
– O Freddy tá aqui?
Outra onda de constrangimento esquenta minha pele e uma comichão
que não vou ser capaz de aliviar coçando desce pelas minhas costas.
Eles viram, sabem de tudo agora, todo mundo sabe. Meu pai chamou
Anna de vagabunda. Cuspiu nela. Sei que não vão querer a família deles
perto da minha, principalmente Rhys.
Tento repetir na mente as palavras que ele disse no Halloween, mas tudo
o que ouço são os gritos do meu pai. A franqueza do meu treinador. Nunca
vou ser como essas pessoas, assim como nunca vou patinar como qualquer
uma das garotas que admirei. Estou destinada a ser só isso.
Uma danadinha.
Detesto o quanto preciso resistir ao impulso de ligar para Kelley, pedir
ajuda a ele. Porque Rhys me ama, mas acha que posso ser melhor, que posso
me curar. Será que vai continuar me amando quando perceber que o que eu
sou é tudo o que vou ser?
Dobramos um corredor e entramos em outra sala, parecida com uma de
conferências, mas não questiono Anna enquanto ela me conduz.
O que vejo é como um tiro na barriga.
Freddy está com Liam sentado no colo e meu irmão mais novo dá risada
e joga alguma coisa num iPad que definitivamente não é nosso. E Rhys…
Rhys está dando um abraço apertado no meu irmão de 12 anos, sentado
no enorme parapeito da janela do hospital para que Oliver possa ficar entre
suas pernas e manter a cabeça encostada no peito dele. Rhys está
sussurrando no ouvido de Oliver num ritmo constante, e o aceno da cabeça
do meu irmão, sem se soltar do abraço, os punhos segurando o paletó de
Rhys, me diz tudo.
Oliver detesta ser tocado, mas está completamente envolvido no abraço
de Rhys.
A porta se fecha suavemente atrás de nós, mas ainda assim chama a
atenção deles. Liam percebe primeiro.
– Sissy! – grita ele.
E logo depois pula sem cerimônia do colo de Freddy, o que deixa o
homem encolhido de dor.
Eu o pego depressa, a expressão serena que tanto pratiquei se encaixando
fácil no meu rosto quando meus irmãos olham para mim. Liam ainda está
com os olhos brilhantes e bem, de alguma forma, mas os olhos do Oliver
estão vermelhos, as bochechas inchadas enquanto olha para mim sem deixar
a bolha de segurança que é Rhys.
E não o culpo, já estive na mesma situação. Sei que é um lugar caloroso e
reconfortante.
– Ei, chuchu. – Dou um sorrisinho, beijando sua bochecha com força. –
Examinaram vocês dois?
Liam sorri e levanta o cotovelo, onde um curativo laranja com
cachorrinhos cintila. Isso faz meu peito doer.
– Ele tá bem, só machucou um pouco o cotovelo, não foi, carinha? – diz
Freddy, ficando de pé e bagunçando o cabelo de Liam.
O cara mais galinha de toda a Waterfell ainda está vestido a rigor,
parecendo mais com alguém que estaria na capa de alguma revista de moda
masculina do que numa sala de espera de hospital. Mas, sob o sorriso que
exibe para meu irmão, há um olhar compreensivo.
– O Freddy disse que eu tenho a mesma idade dele quando começou a
jogar hóquei – conta Liam, mudando de assunto com a mesma rapidez de
sempre. – Ele falou que vou ficar ainda maior do que ele um dia.
– Não falei, não!
Meu irmão se desmancha num ataque de riso, mas meus olhos não saem
da janela, observando Oliver e Rhys com uma dor desesperada corroendo
meu peito.
CAPÍTULO QUARENTA E DOIS
Rhys
Rhys
Você vale ouro, craque. Mal posso esperar pra ver você na minha
televisão logo, logo.
Busco Sadie e Oliver de carro, com Liam dormindo no banco de trás. Ele
apagou no colo do meu pai na metade do jogo. O caminho para a casa deles
é quase silencioso.
Carrego Liam para dentro e o deito no sofá. Detesto que a casa esteja
fria. Quando percebo que Sadie deve achar que estou embromando, saio
pela porta da frente e torço para que ela me siga.
Ela faz isso.
Sadie fica diante de casa, a mochila pendurada em um ombro só. Quero
pedir para passar a noite ali, só para ter certeza de que eles estão bem, mas
me seguro. Só se ela quiser que eu fique.
– Eu... Hum... Tenho uma competição na semana que vem. – A mão dela
brinca com uma mecha de cabelo solta e ela parece mais nervosa do que
nunca. – Vão ser três dias, em New Hampshire. Eu não fui da última vez
porque foi no Colorado. E eu ia ficar aqui pra cuidar dos meninos, mas…
Meu peito fica muito apertado. Ela está pedindo ajuda.
– Meus pais adorariam que os meninos ficassem com eles por alguns
dias, Sadie.
– Mesmo? – pergunta, mas já estou indo até ela.
Seguro sua cabeça e beijo sua testa com força, depois dou um abraço
apertado que envolve o corpo todo dela, um carinho do qual preciso tão
desesperadamente quanto Sadie, mesmo que ela não peça. Ela afunda nos
meus braços, a tensão desaparecendo.
– Tô tão orgulhoso de você – sussurro. – Sei que é muito difícil pra você
pedir ajuda. Tô muito orgulhoso.
CAPÍTULO QUARENTA E QUATRO
Rhys
Basta uma frase para convencer meus pais a me deixarem levar os meninos
para a competição de Sadie. E mais: eles querem ir também.
Minha mãe, principalmente. Algo em Sadie deixa Anna Koteskiy ainda
mais ferozmente protetora, mais do que ela era comigo quando eu era
criança. Ela não comenta nada a respeito, mas vejo como se sente: está
estampado na cara dela e óbvio em todas as vezes que pergunta da minha
namorada, com muito mais frequência do que seria considerado natural.
Então, na quinta-feira, o dia da série longa de Sadie na competição,
partimos antes do nascer do sol. Enquanto os meninos dormem no carro
que meu pai pediu, converso baixinho com meus pais.
No rinque há uma boa quantidade de pessoas, mas, na maior parte,
treinadores e atletas. Há algumas equipes de reportagem se preparando para
as transmissões e um pequeno grupo de torcedores. O que significa que
encontramos bons lugares.
– Nunca consegui fazer isso – diz Liam, balançando os pés para a frente
e para trás no assento ao meu lado.
Minha mãe está sentada do outro lado, só porque Oliver quis se sentar
entre meu pai e eu.
– O quê?
– Ele quer dizer ver a Sadie patinar – explica Oliver, procurando a irmã
na direção das placas mais distantes. Estou fazendo o mesmo, mas nenhum
de nós a encontrou ainda. – A gente nunca consegue. Não desse jeito.
Outro nó se forma na minha garganta e é óbvio que minha mãe percebe,
pois logo diz:
– Bem, então esta vai ser a primeira vez pra todos nós. E temos que
torcer bem alto por ela, combinado?
Liam uiva e dá uma cotovelada na lateral do meu corpo.
– Vou ser o mais barulhento, aí a Sissy vai saber que sou eu.
A competição prossegue lentamente, de grupo em grupo. Cerca de uma
hora depois, Sadie aparece para fazer o aquecimento com sua equipe.
Ela está com um casaco de zíper da Waterfell por cima do vestido, então
só consigo ver um pouco da roupa preta embaixo dele. As pernas estão
cobertas por um tecido preto em vez do bronzeado de seus concorrentes. O
cabelo foi preso numa trança apertada grudada na cabeça, puxado para trás
em um coque igualmente justo e brilhoso, sem um fio fora do lugar.
Ela não está sorrindo; nenhum dos competidores sorri quando entra no
rinque e patina. Sadie dá alguns saltos, gira um pouco, mas consigo notar,
pelo jeito como suas pernas estão tensas sob a meia-calça, que ela está
esperando. Está se contendo no momento.
Vejo Victoria patinando também, parecendo tão concentrada e
determinada quanto Sadie. Então avisto o treinador delas parado perto das
placas, observando de braços cruzados. Presto atenção nele por alguns
minutos e percebo que ele só tem olhos para Sadie. A julgar pelos uniformes,
metade de sua equipe está no gelo, mas ele se concentra só nela. Corrigindo-
a, chamando a atenção dela várias vezes.
Eu espero. E, mesmo assim, ele não faz isso com mais ninguém. As
palavras de Luc me assombram. “O Kelley não é normal. E, se você não sabe
o que tá acontecendo naquele maldito rinque…”
Cruzo os braços, o calor beliscando minha nuca enquanto o treinador
Kelley fala com Sadie de um jeito ríspido. Eu a vejo revirar os olhos e isso
quase me faz sorrir, até que o treinador agarra a manga do casaco dela e
torce até que funcione como uma coleira.
Como é que é?
Fico de pé antes que possa pensar duas vezes. Peço licença para ir ao
banheiro e, em vez disso, vou direto para a entrada lateral, onde estão as
equipes. Fico achando que alguém vai me parar, mas então me dou conta de
que estar com meu casaco de moletom da Waterfell ajuda.
Sadie me vê antes que eu chegue às placas. Seus olhos se arregalam
enquanto ela se afasta de Kelley e patina depressa em direção ao portão. Há
uma mistura de apreensão e empolgação em seu rosto, como se ela quisesse
me bater, mas também não conseguisse acreditar que estou aqui.
Porque ninguém nunca esteve.
Espero que o treinador dela me veja e me expulse, mas outro de seus
patinadores o mantém muito ocupado discutindo com ele no portão – ou
talvez estejam apenas conversando, mas o treinador cospe as palavras.
– O que você tá fazendo aqui? – pergunta Sadie. Suas bochechas estão
coradas quando ela me puxa para um lugar contra a parede, longe do
alvoroço dos outros patinadores e do cheiro de gelo fresco e spray de cabelo.
– Onde estão meus irmãos?
Sorrio e coloco minhas mãos nos ombros dela, girando-a para que eu
possa apontar para o grupo formado pela minha família e a dela na ponta
direita.
– Eles queriam ver a Sissy patinar. – Faço uma pausa, mergulhando a
cabeça no seu pescoço para respirar o perfume na pele dela. – E eu também.
– Você me viu patinar um milhão de vezes – murmura ela, mas amolece
nas minhas mãos, relaxando um pouco.
– Não desse jeito.
– Nunca se sabe. Posso mandar muito mal – retruca ela, se virando para
me encarar, os olhos mais intensos com a sombra escura e a purpurina.
Os lábios ainda são da mesma cor de sempre, vermelho-cereja, mais
foscos e parecendo mais intensos agora, em contraste com a pele muito
clara. Ergo a mão quase sem pensar, encontrando meu conjunto favorito de
sardas sob o olho dela e deixando minha palma roçar seu rosto de leve.
– Você vai ser melhor do que todo mundo lá – sussurro. – Beleza?
– Você não pode ficar aqui – repreende o treinador dela enquanto se
aproxima, ficando tão perto de Sadie que, se ela desse um passo para trás,
esbarraria no peito dele. – Você vai ser a terceira, minha danadinha.
Ele deixa escapar o apelido. Uma fúria quente e aterrorizante sobe pelas
minhas costas. A insinuação contida naquelas palavras... A mão dele envolve
o pescoço dela, desce pelas costas e pressiona bem no meio para que ela se
endireite, ombros para trás.
Ela tenta esconder, mas vejo como estremece. Meus olhos disparam para
os do treinador dela com uma ameaça se acumulando na minha boca. Puxo
Sadie para meus braços, mas, antes que eu possa dizer uma palavra, ele sai
andando, furioso. Uma legião de patinadores deixa o rinque atrás dele. O
aquecimento deve ter acabado.
– Para – sussurra ela e, por um instante, acho que a segurei com muita
força, que a machuquei.
Meus braços desgrudam dela como se eu tivesse tocado numa panela
pelando. Leva apenas um instante para que eu perceba que ela está me
avisando sobre o treinador.
– Ele não pode te tocar desse jeito, lindeza – sussurro, embora um pouco
áspero.
As costas dela estão eretas mais uma vez, a ruguinha entre as
sobrancelhas que tanto amo me provocando enquanto cruza os braços.
– Você não conhece ele. Ele se preocupa comigo. Quer que eu me saia
bem, que me esforce.
– Você se esforça mais do que a maioria dos atletas que eu conheço,
lindeza. E conheço gente pra caramba.
– Ele só não quer que eu me distraia. Ele está concentrado.
– Você tá concentrada. Ninguém tem mais determinação do que você.
O que quero dizer é que, se o que o treinador dela teve coragem de fazer
na minha frente for apenas a ponta do iceberg, então isso só pode significar
que a forma como ele a trata a portas fechadas é pior. Lógico, nunca fiz
patinação artística, mas cresci num rinque. Frequentei a droga de uma
escola particular de hóquei com alguns dos treinadores mais rígidos que já
conheci.
E nenhum deles me maltratou desse jeito.
Mas ela está prestes a patinar e a última coisa que quero é botá-la para
baixo. Nunca mais.
Então guardo minhas palavras para outra oportunidade e dou um beijo
firme na testa dela antes de erguer seu queixo.
– Você é uma campeã, lindeza. Repete.
– Sou uma campeã – murmura ela, revirando os olhos enquanto, dentro
da minha cabeça, guardo o sorriso vacilante dela num potinho.
– Muito bem. – Abro um sorrisinho maroto. – Eu te beijaria, mas não
quero estragar seu batom.
Depois que digo isso, ela pressiona os lábios na palma da minha mão,
deixando um beijo vermelho-escuro para eu guardar.
– Tô orgulhoso de você. Seus irmãos também. Agora vai lá e mostra pra
eles que a Sissy é durona.
Quando volto para o meu assento com chocolate quente para os
meninos, ela é a próxima a se apresentar.
Sem o casaco, Sadie fica com um vestido preto que combina com as
meias-calças finas. Mangas compridas tipo segunda pele vão até o topo dos
ombros. Pedaços estratégicos de tecido preto grosso cobrem parte de seu
tronco, enquanto faixas transparentes exibem os músculos rígidos da
barriga e da cintura.
Ela toma seu lugar no meio do gelo, linda e fazendo uma pose. Os alto-
falantes começam a tocar “Enter Sandman”, do Metallica, o que desperta
uma risada vibrante tanto do meu pai quanto minha.
E, assim como na primeira vez em que a vi patinar enquanto me
escondia no túnel, Sadie Brown se apresenta como se estivesse em chamas.
Pura paixão, pura resistência implacável. Seus movimentos são firmes e
velozes, os giros tão rápidos que ela se transforma num borrão. Ela dá cada
salto com uma velocidade chocante, mas aterrissa com precisão em todos
eles. Em. Cada. Um. Deles.
Meus dedos parecem ter se fundido na cadeira para me manter sentado,
uma vez que quero pular toda hora e gritar “Essa é a minha namorada!” com
todo o fôlego dos pulmões.
Liam torce de forma tão barulhenta quanto prometeu. Oliver sorri, feliz,
observando a irmã com admiração nos olhos. Eu também, amigão.
No final da apresentação, minhas bochechas doem por conta do sorriso
radiante e incontrolável. Tenho tanto orgulho dela, tanta sorte de poder
dizer que ela é minha!
Tanta sorte que ela diga que sou dela.
Sadie faz uma reverência e olha para nós, dando uma piscadela para os
irmãos e mandando um beijinho que sei que é todo meu. Fecho o punho
com mais força onde ainda está a marca do batom escuro dela.
Não importa quanta distância exista entre a gente nesse momento;
contanto que ela me aceite, vou estar bem aqui. Esperando e torcendo nas
arquibancadas, se é disso que ela precisa.
Sadie
Não importa quantas vezes eu tenha vindo aqui nas últimas semanas: a casa
dos Koteskiys sempre parece saída dos meus sonhos.
E, ultimamente, venho muito aqui. Mesmo sem Rhys.
Hoje, eles me deixaram usar o escritório de Anna para uma reunião com
meu advogado, que parece um pouco mais motivado desde que Max
Koteskiy e Adam Reiner se envolveram. Pelo visto, o pai do Bennett se
ofereceu para dar uma ajuda mais direta, mas admitiu que não era
especialista na área.
Quando a reunião termina, falta uma hora para o meu treino. Estou
planejando chegar cedo de qualquer maneira, principalmente para evitar
ficar na casa dos Koteskiys só com Anna, o que seria meio constrangedor, já
que meus irmãos estão com Max em um evento da Fundação Primeira
Linha. Rhys está viajando para jogar contra Harvard.
Mas, no momento em que estou colocando meu casaco grosso, Anna
desce as escadas.
– Sadie. – Ela sorri. – Como foi?
– Ótimo. Acho que vou ficar bem até a audiência em janeiro. Obrigada
por me deixar usar seu escritório. Tô indo direto pr…
– Você tem um minuto, amor?
Tenho, mas gostaria de não ter. Ela me assusta e, talvez, se vasculhasse
um pouco mais isso – ou fizesse a terapia tão necessária –, eu descobriria o
porquê.
Ela se senta em uma banqueta no balcão da cozinha e dá um tapinha na
que está ao seu lado para que eu me acomode também.
– Você sabe que eu tinha 33 anos e estava grávida quando conheci o
Max?
Não me mexo, só fico sentada, quieta. Só olhar para ela parece demais.
– Do Rhys?
– Não. – Ela sorri, balançando a cabeça e se aproximando um pouco
mais da minha figura curvada. – Foi antes do Rhys. O pai era meu ex-
marido, de quem eu estava tentando escapar. Eu morria de medo. E, para
quem está se escondendo de alguém, correr para os braços de uma estrela
do hóquei em ascensão de 24 anos não é um bom começo.
– Eu não sabia que ele era mais novo do que você. – As palavras escapam
e minhas bochechas esquentam com a indelicadeza. – Desculpa, só quis
dizer…
– Não, Sadie, tomo isso como um elogio. – Ela suspira. – O Max era
muito maduro pra idade, mas ele deveria ter passado seus anos de calouro
passeando por aí e fazendo besteira, não cuidando de uma mulher grávida
de outro homem. Mas foi o que ele fez. Porque… bem, o Maximillian é
assim. Ele era tão bonito, tão confiante… e o sotaque sempre ficava mais
acentuado toda vez que ele me chamava de rybochka, o que eu achava que
fosse algo doce, até que ele me contou, no nosso casamento, que significava
“peixinha”!
Não consigo não rir.
– Não acredito...
– Pois é… E, pior, faz anos que ele me chama de rybochka na cama!
Ela ri, e eu fico corada, lembrando que Rhys avisou que a mãe não tem
filtro.
– Ele sempre esteve do meu lado. Quando sofri um aborto espontâneo,
durante a gravidez difícil do Rhys… Ele tinha a carreira no hóquei, mas
sempre, sempre me colocou em primeiro lugar.
Os olhos dela se fecham por um momento, antes que uma nítida paz
pareça se espalhar por suas feições.
– Mas o que quero te dizer é que eu estava fugindo de alguém que me fez
sofrer e, por mais que implorasse pro Max me deixar em paz, sabendo
quanta coisa ruim eu estava trazendo pra vida pública dele, ele nunca
desistiu. Fiquei em segredo por um bom tempo, mas só porque implorei pra
ser desse jeito. Eu ainda estava me escondendo e não quis contar nada pra
ele, apesar do tanto que o Max queria lidar com meus problemas por mim.
Anna faz uma pausa e acrescenta:
– O Rhys é muito parecido com o pai. Fisicamente, eu gerei uma
miniatura do Max, e mentalmente também. Ele é forte e muito capaz e ama
com cada célula do corpo.
– Mas eu…
Ela ergue a mão.
– Meu filho tem uma tendência enorme a proteger as pessoas, bem mais
do que consegue administrar. Isso o torna um bom jogador de hóquei, um
bom amigo e um bom filho. E com você... Olha… Ele quer te proteger mais
do que qualquer coisa.
– Por que está me contando tudo isso?
Anna dá um suspiro profundo, passando a mão macia pela minha
bochecha e enfiando meu cabelo atrás da orelha.
– Porque eu gostaria de ter tido alguém lá atrás pra me dizer que não
havia problema em pedir ajuda e que eu não era nem fraca nem um fardo
por aceitar.
Ela começa a se levantar, para me permitir ir embora para o meu treino,
mas eu a detenho.
– Você sabe falar alguma coisa de russo?
– Só um pouquinho. Não tanto quanto o Rhys ou o Max. Aprender
idiomas nunca foi meu forte.
– Sabe o que significa “kotyonok”?
Ela ri, abrindo o maior sorriso que já vi em seu rosto.
– Significa “gatinha”, meu amor.
Minha pele fica corada. Sinto vontade de ligar para Rhys tanto para
ameaçá-lo quanto dizer que o amo.
Mas isso pode esperar. Além do mais, chega de ficar longe de Rhys.
Assim que ele voltar, vou contar isso.
O treino é brutal.
Meu tornozelo está latejando. Tenho quase certeza de que o torci, mas o
treinador Kelley não para nem por um segundo. Tento botar pressão no pé
de novo, minha cabeça girando enquanto olho para o relógio do ginásio e
vejo que já passamos bastante da minha marca de duas horas.
Kelley negou todas as pausas que pedi para tomar água, ignorou minhas
queixas e, agora, tenho quase certeza de que me causou uma lesão.
– Não consigo.
– Consegue, sim. Repete esse maldito salto.
Patino em direção a ele, que está bloqueando a saída para o vestiário.
Chego tão perto que vejo a fúria em seus olhos e tento passar por ele mais
uma vez.
Ele agarra meu pulso de novo.
– É por causa do rapaz? Aquele jogadorzinho de hóquei patético?
– É porque você fez com que eu me machucasse. Meu tornozelo tá me
matando. Por favor, só preciso de uns minutos.
Percebo que não pareço zangada, mas prestes a chorar.
– Deixa de ser um bebê, minha danadinha. Para de ser preguiçosa e vai
fazer esse salto de novo. A gente vai repetir até ficar perfeito.
– Você vai fazer eu me machucar sério.
Ele agarra meu pulso com mais força, depois seu olhar sobe pelo meu
braço de um jeito lascivo.
– Não se você fizer certo. Repete.
Não aguento mais. Não preciso disso.
– Não.
– Tenta de novo.
Ele consegue apertar meu braço com ainda mais força, torcendo tanto
que causa uma dor aguda. Fico com medo de que vá quebrá-lo. Meu
estômago revira quando percebo o tamanho do perigo que posso estar
correndo. Confio nele há anos. Agora…
Deixo escapar um som aterrorizado e puxo o ar para gritar.
Mas não preciso. Alguém agarra Kelley por trás, afastando-o de mim e
dando um soco no rosto dele. Meu treinador vai parar no chão, apagado.
Toren Kane.
Os olhos dele são como brasas ardentes douradas, tão inquietantes e
intoxicantes quanto da última vez que o vi.
– O-O que você tá fazendo aqui?!
– Treinadores como esse nunca param.
Passo os braços em volta do meu corpo, ainda me sentindo abalada e
assustada.
– Obrigada – consigo murmurar.
– É, tá bom – retruca ele, caçoando. – Você pode me retribuir contando
pra alguém que o seu treinador tem exigido demais de você, a ponto de
causar uma lesão.
– Ele… Ele só é exigente assim nos treinos porque acredita em mim…
Uma risada inquietante brota da boca dele.
– Aham. Já ouvi essa antes.
Ele desvia o olhar para o meu treinador inconsciente, depois me lança
um meio-sorriso tão falso que tenho certeza de que poderia descascá-lo do
rosto.
– Ah, e diz pro seu namoradinho que estamos quites.
Não me resta um único som que não seja um soluço ou um grito, então
faço que sim com a cabeça aos solavancos. Quase tropeço nos patins por
cima dos tapetes quando corro para sair.
CAPÍTULO QUARENTA E SEIS
Rhys
Não sei bem o que me faz desviar do caminho que leva à Casa do Hóquei.
Quem sabe o peso da nossa derrota em Harvard ou o desejo de evitar a
frustração e a tristeza dos meus colegas de equipe.
Mas, enfim, me pego entrando na garagem dos meus pais trinta minutos
depois que o ônibus deixou a gente no centro esportivo.
Meu coração aperta de leve, e o peso da derrota da equipe sai dos meus
ombros quando descubro que Sadie está aqui.
Assim que entro pela garagem, ouço gargalhadas de crianças a distância:
Liam e Oliver. Na sala de estar, no entanto, encontro apenas Adam Reiner e
os irmãos de Sadie jogando Xbox; nenhum sinal dela ou dos meus pais.
Na hora em que abro a boca para perguntar sobre a ausência deles,
alguém desce a escada e vira em direção à porta da frente. Uma figura alta
que reconheço.
– Kane! – grito.
Minha voz alta chama a atenção dos meninos e Liam me grita na mesma
hora. Oliver olha apreensivo para o outro jogador enorme de hóquei no hall.
– Fala com a sua namorada, Koteskiy. Não comigo – diz Kane, sem se
mexer.
Meus batimentos disparam e o medo entra em guerra com a raiva – não
importa quão irracional isso seja – enquanto olho para Toren Kane na
minha casa, falando da minha namorada.
Oliver dá um passo para ficar do meu lado.
– Quem é esse aí? É por causa dele que a Sadie tava chorando?
Olho para Oliver ao mesmo tempo que minha garganta se fecha.
– A Sadie tava chorando? Ela tá bem?
Oliver cruza os braços e lança um olhar zangado para Kane. A fúria dele
é quase palpável.
– A sua mãe levou ela pro andar de cima, aí seu pai trouxe esse babaca
pra cá. – Não me preocupo em dar uma bronca nele por falar desse jeito. –
Você pode ver se ela tá legal? – pede ele, com a raiva cedendo um pouco e
um leve desamparo se infiltrando em seu tom. – Se ela precisa da gente…
A ansiedade na voz dele me deixa um pouco tonto. Solto o ar e assinto
para o garoto.
– Você é um bom irmão. Deixa eu ver o que tá acontecendo.
Entro no hall com os punhos cerrados, prestes a começar uma briga de
verdade com aquele babaca, mas o olhar dele dispara por cima do meu
ombro.
– Rhys – chama meu pai.
Um sorrisinho perverso toma conta do rosto de Kane e ele dá risada.
– Melhor responder ao papai, capitão. – Ele me dá um tapinha
condescendente no peito, me empurrando com um pouco de grosseria. – E
diz pra sua garota que qualquer hora vou lá patinar com ela.
– Seu filho da…
– Chega – dispara meu pai e me agarra pelo ombro.
Kane sai pela porta da frente sem dizer mais nada e ouço o que parece
ser uma moto arrancando.
– O que foi isso? Por que Toren Kane estava na nossa casa?
Eu me viro para meu pai. Ele ergue as mãos em sinal de rendição, mas
consigo ouvir meus batimentos nos ouvidos, a ansiedade e a frustração
começando a aumentar.
– Se acalma, Rhys. Por favor. A Sadie precisa muito de você agora. Faz
seus exercícios.
Começo a contar na mesma hora, desesperado para me livrar do ataque
de pânico iminente. Quando consigo respirar normalmente de novo, meu
pai me chama para subir as escadas e ir até meu quarto.
A porta se abre e minha mãe sai, deixando-a aberta.
– Rhys – sussurra ela, os olhos vermelhos como se estivesse chorando.
Ela tenta me impedir de entrar no quarto, mas eu a driblo.
Abro a porta com delicadeza e entro em silêncio. Sadie está adormecida.
Só que dormi ao lado dela por meses e sei exatamente como ela dorme.
E não é assim: ela está fingindo.
Seus olhos parecem inchados, o rosto está rosado e seu tornozelo está
coberto com gelo e um tecido em torno dele.
Saio sem fazer barulho, tentando desesperadamente me agarrar ao que
resta dos meus nervos em frangalhos.
– Vou matar ele – digo, esganiçado.
Lágrimas ardem nos meus olhos quando me viro para minha mãe e
procuro seu aconchego.
– Ah, Rhys, meu amor. – Ela me abraça. – Não, tá tudo bem. Ela torceu o
tornozelo patinando e não conseguiu chegar em casa. Toren a seguiu até
aqui pra ter certeza de que ela não ia cair. Ela estava… chateada.
– Com o quê? Se ele…
– Ela não quer contar – diz minha mãe, os olhos se voltando para meu
pai da mesma forma que os dois têm feito quase o tempo todo.
Ele dá um passo à frente.
– O que você sabe sobre o treinador de patinação artística dela?
Dou de ombros, um pouco desconfortável. Isso é algo em que eu deveria
ter prestado atenção? Por que estão me perguntando isso?
– A Sadie nunca reclamou nem nada. Mas… eu vi ele tocar nela na
competição.
Meu pai assente como se fosse algo que ele esperava, depois troca um
olhar significativo com minha mãe. Passo a mão no meu cabelo e o puxo
para trás de novo, porque minhas mãos ainda estão tremendo e, se eu não
fizer algo com elas, tenho medo de que meu corpo inteiro comece a tremer.
– Sabe alguma coisa sobre ele como patinador? Alexan Kelchevsky?
– Kelchevsky? Ele se chama Kelley. Ele é russo?
Meu pai assente. Balanço a cabeça, mas começo a me sentir enjoado.
– Do que se trata isso tudo? Vocês dois estão me assustando.
– Então você precisa ver isso.
CAPÍTULO QUARENTA E SETE
Sadie
Não sei bem quando caí no sono de verdade, talvez algum tempo depois que
Rhys veio me ver. Então, quando acordo, não tenho ideia de que horas são.
– Oi.
Minha cabeça gira. Rhys está sentado na namoradeira macia ao pé da
cama. Seu cabelo está bagunçado, como se tivesse passado as mãos nele por
horas, e ele está usando calça de corrida cinza e sua camisa de hóquei da
Waterfell.
– Que horas são?
Minha voz soa grogue e estranha. Ele pega uma garrafa d’água e a abre
para mim.
– Seis da manhã. Você conseguiu dormir a noite toda.
No entanto, ele não parece ter tirado nem uma soneca. Está com uma
aparência exausta, como se houvesse voltado da partida já cansado e ainda
não tivesse dormido. Como se estivesse sentado ali, cuidando de mim, a
noite toda.
– Como foi a partida?
Por algum motivo, a pergunta parece chateá-lo.
– Não quero falar sobre o jogo. O que aconteceu com seu pé?
Ah.
– Acho que torci. Patinando.
A expressão séria que raramente vejo nele está de volta com força total
quando ele fica de pé e cruza os braços. E é assim que ele me encara do alto.
Ele é tão forte… Tão bonito. Estou quase distraída demais pela beleza dele
para perceber direito com o que ele está bravo.
– Treinando além da conta, você quer dizer. Você torceu o pé porque
estava treinando demais.
Merda. Merda. Merda.
Meu coração martela.
– Não. Por que você…
– Por favor, Sadie – sussurra ele. E então algo muda enquanto me
observa. Ele solta o ar e enfia o cabelo bagunçado atrás das orelhas. – Leva o
tempo que precisar. Meu banheiro é bem ali, se quiser tomar banho. Mas me
encontra no escritório da minha mãe quando terminar.
Ele se inclina e beija minha testa com força antes de sair.
Rhys me segue até o andar de cima depois que coloco meus irmãos para
dormir em seus quartos temporários.
– Não sei bem pra onde devo ir – admito, e a sensação de desorientação
e desamparo alojada na minha barriga sobe até causar um nó na garganta. –
Eu não…
– Vem aqui, lindeza – sussurra ele, abrindo os braços para que eu possa
me aninhar no espaço seguro e acolhedor de seu abraço.
Ele me mantém ali, murmurando palavras suaves no meu cabelo e
dando beijos em toda a minha cabeça.
– Desculpa ter te afastado – murmuro junto à camisa dele.
– Eu nunca iria pra lugar nenhum.
Ele dá risada, as palavras sérias mesmo ao tentar arrancar um sorriso de
mim. E funciona, como sempre.
Eu me afasto só um pouquinho, mas continuo segurando a camisa dele
na altura da cintura. Como se para mantê-lo por perto, só para garantir.
Mas, se tem algo que esse homem me mostrou, é que ele não vai embora.
A culpa tenta criar raízes e ele deve vê-la passar pelo meu rosto, porque
ergue meu queixo para nossos olhares se encontrarem, então a primeira
lágrima se liberta.
– Vou passar todos os dias, pra sempre, te lembrando de como você é
incrível e especial. Como sou sortudo por ser amado por alguém tão
corajosa, inteligente, talentosa e linda. Eu vejo como você ama seus irmãos.
Sei como seu amor é especial.
Ele coloca meu cabelo atrás das orelhas e embala meu rosto todinho em
suas palmas enormes.
– Você tem muito valor. E, se eu tiver que lutar contra os fantasmas na
sua cabeça que te convencem do contrário todos os dias pelo resto da nossa
vida, vou ficar feliz em fazer isso. Entendeu?
Ele espera uma resposta.
– Eu te amo – digo em vez disso. – Confio em você. E me desculpa por
não ter demonstrado isso antes.
Ele me beija, suave e doce.
– A gente tem todo o tempo do mundo pra você me compensar.
Ele sorri, todo brincalhão, e isso faz meu coração disparar e meu corpo
inteirinho se desmanchar feito uma manteiga derretida em seus braços.
Eu amo Rhys Koteskiy. E estou aprendendo que o mereço.
Nunca mais vou largar dele.
CAPÍTULO QUARENTA E OITO
Sadie
Sadie
Rhys
Sadie
Toda vez que começo a escrever, penso em um milhão de pessoas por aí que
têm um livro favorito, seja um muito lido e em cima da mesa de cabeceira
ou, talvez, um em perfeitas condições, disposto numa prateleira especial
para ser admirado.
Sempre que me batia o medo de prosseguir com a escrita, eu lembrava
que “todo livro é o favorito de alguém”. E, se este livro trouxer consolo a uma
pessoa, se puder ser preferido de uma única pessoa, então valeu a pena
enfrentar o medo, não?
Esta história começou com alguns pensamentos girando na minha
cabeça a respeito de um garoto se recuperando e uma garota que também
estava desesperada para melhorar, embora não soubesse como, e agora…
Puxa! Simplesmente estou feliz (e ainda um pouco espantada) que ela exista
fora do meu aplicativo de anotações.
Para meu pai, o melhor homem que já conheci: acho que nunca mais vou
encontrar alguém como você. Talvez um dia a ferida não doa tanto e eu
consiga falar de você sem que um nó se forme na minha garganta. Mas, por
ora, eu te amo. E sinto saudade. Vejo pedacinhos de você em Max Koteskiy,
por isso mantenho este livro um pouquinho mais perto do meu coração.
Para minha família, que me viu pular de carreira em carreira aos trancos
e barrancos, como se testasse sabores de sorvete, trabalhando em pequenos
manuscritos no meu tempo livre: obrigada por nunca duvidarem de mim.
Sua fé infinita na minha capacidade de escrever (desde que eu era uma
jovem estudante do ensino fundamental que escrevia fanfics como se fosse
meu emprego) tornou possível dar este salto.
Isabella: eu poderia escrever livros e livros para você, mas nunca seria o
suficiente. Obrigada por sofrer ao meu lado, por me abraçar nos dias
difíceis, quando o luto tenta me vencer. Por ser sempre minha parceira de
leitura e pelas chamadas de vídeo tarde da noite que me mantêm sã por estar
tão longe de você.
Para Austin, que acreditou em mim quando eu mesma não acreditei, me
levou para passear ou para lugares bonitos quando eu não conseguia superar
meu luto ou meu medo e transformá-los em algo criativo: seu amor
constante me manteve tão quentinha quanto meu cardigã favorito. Eu te
amo, incondicionalmente, para sempre.
Para Caitlin, que foi de fã a se tornar minha própria princesa montada
num cavalo branco, guarda-costas e melhor agente que eu poderia querer.
Todos os dias agradeço por você ter pegado meu livro e tornado tudo isto
possível. Você mudou minha vida e serei eternamente grata. Que venham
muitos outros anos de Universo conspirando a nosso favor ao estilo
Crepúsculo.
Para Suzannah, obrigada por ser minha guerreira incrível no Reino
Unido. Seu sorriso é contagiante e, com você e Caitlin ao meu lado, me sinto
invencível.
Para Jenna, minha amiga por correspondência, assistente pessoal secreta,
líder de torcida, domadora de leões e literalmente qualquer outra coisa que
eu possa querer de você: obrigada por existir. Você conhece Jogando por
controle melhor do que eu – este livro (assim como minha sanidade e saúde
mental) não existiria sem você.
Para cada pessoa que leu a versão independente, que fez vídeos no
TikTok, reels e postagens para recomendar que amigos (e amigos de
amigos) lessem também, obrigada. Isto é tudo graças a vocês. Vocês
defenderam este livro desde o primeiro dia e é algo que nunca vou esquecer,
de verdade.
Para todas as pessoas que fizeram leitura beta de Jogando por controle:
palavras são pouco para descrever quanto sua ajuda e seu feedback
significaram para mim. Vocês contribuíram para transformar este livro no
que ele é hoje e não sou capaz de agradecer o suficiente. Obrigada, para
sempre.
Para vocês, pessoas que leem e tornam o mundo mais mágico apenas por
experimentar e dedicar seu tempo a belas histórias: leiam o que vocês
amam. Continuem fazendo isso.
E, por último, para mim mesma: eu finalmente consegui. Escrevi um
livro inteirinho e o coloquei no mundo. Por isso, tenho orgulho de mim.
SOBRE A AUTORA
Ela escreve desde jovem, mas só agora está deixando suas criações
ganharem o mundo. Só para de escrever se for para fazer mais uma xícara
de café, reassistir Crepúsculo ou encarar sua interminável lista de livros para
ler.
Peyton adora rir, mas é provável que os livros dela façam você chorar de
emoção.
CONHEÇA OUTRO LIVRO DA EDITORA ARQUEIRO
Sem defeitos
Elsie Silver
editoraarqueiro.com.br