Cartilha Simulado de Redação Fuvest 2025
Cartilha Simulado de Redação Fuvest 2025
REDAÇÃO:
SIMULADO
FUVEST 2025
Compilado de 88 redações
corrigidas pela banca oficial da
Fuvest para o Simulado de 2025 -
Notas e Comentários
pág. 3 - Coletânea
pág. 5 - Critérios para avaliação da Redação
pág. 6 - Abordagens esperadas pela Fuvest
pág. 7 - Análise da coletânea
pág. 13 - Bônus: análise de outro quadro de Edward Hopper
pág. 14 - Estatísticas: Dissertação x Crônica
pág. 17 - Autoria e páginas correspondentes
pág. 19 - Como usar a cartilha para estudar?
pág 20 - Dissertações-argumentativas
pág.21 - Comentário geral das dissertações
pág. 23- Comentário dissertação com nota alta
pág. 67 - Crônicas
pág. 68 - Comentário geral das crônicas
pág. 70 - Comentário crônica nota máxima
pág. 114 - Comentário crônicas zeradas
pág. 115 - Quem somos nós e agradecimentos
Texto 1
“O eco das palavras, seu ritmo, e as imagens com uma grande carga
emocional inundam e ativam os recônditos de nossa consciência.
Quando lemos um texto literário inteligente e sedutor, o mundo se torna
mais habitável”.
Marta Rébon. “Por que procurar refúgio nos livros quando a realidade parece insuportável?”
El Pais, 2017 https://brasil.elpais.com/brasil/2017/10/09/cultura/1507563876_434538.html
Texto 2
Texto 3
O Grito (1893), de Edvard Munch Room in New York (1932), de Edward Hopper
TEXTO 6
“A arte de contar, no antigo sentido da palavra, que evoca as poderosas
narrativas do século passado e, mais longe ainda, as caudalosas
torrentes da épica antiga, está se tornando rara. Apesar ou em razão do
número enorme de narrativas breves que se publicam, encontram-se
com frequência cada vez menor novelas e contos que nos comuniquem
um frêmito ou nos arranquem um grito de admiração. Os desesperados
esforços de renovação que caracterizam o gênero de algum tempo
para cá geram fórmulas mais de uma vez surpreendentes e inéditas, mas
dificilmente despertam emoções profundas”.
Paulo Rónai. “A arte de contar em Sagarana”.
ZERO Não desenvolvimento do tema proposto, não atendimento ao tipo de texto, cópia
integral dos textos da coletânea, qualquer forma de identificação do(a) candidato(a).
1 Rompe frequentemente convenções da escrita, mas apresenta domínio razoável da norma-padrão e dos
recursos gramaticais.
2 Rompe poucas vezes convenções da escrita e apresenta domínio bom da norma- padrão e dos recursos
gramaticais.
3 Rompe raramente convenções da escrita e apresenta domínio muito bom da norma-padrão e dos recursos
gramaticais.
TEXTO 1
O primeiro texto, de caráter jornalístico, é o excerto de um artigo de opinião. Nele,
parte-se da Literatura e dos livros para propor uma reflexão acerca do efeito estético
gerado na recepção de um texto literário. Para a autora, o leitor interage
subjetivamente com a obra, a qual toca sua “consciência” tanto em um sentido
racional (pelo engenho empregado em sua composição), quanto em um sentido
emocional (dado o impacto sensível da ficção na mais profunda intimidade humana).
Assim, Rébon defende que a obra de arte, especificamente a Literatura, possibilita
uma existência melhor e maior aos seres humanos. Isso se dá por meio do trabalho
estético do artista/autor, ou seja, do trato dado às palavras, sua montagem e as
imagens literárias resultantes deste processo. Nesse sentido, não são as palavras, as
frases ou as temáticas, por si só, que impactam o receptor: é a elaboração desses
elementos por outra pessoa. Segundo o primeiro texto da coletânea, portanto, a arte e
as emoções são criadas e compartilhadas em conjunto, de um indivíduo para outro,
impactando positivamente ambos.
O vestibulando poderia, a partir daqui, articular ideias e conceitos das áreas de Língua
Portuguesa/Literatura, Artes, História, Sociologia e Filosofia. Da Filosofia emergem as
discussões sobre Estética, criação, emoção, recepção, entre outras, trabalhadas desde
a Antiguidade Clássica até a Contemporaneidade. Da Sociologia, as noções de
trabalho e de interação social podem ser pertinentes, na medida em que, na
sociedade ocidental, o autor produz uma obra de arte a ser, em última instância,
consumida pelo público. Quanto à História, retome-se com atenção o título do texto,
pelo qual se conclui que as artes possuem a capacidade de melhorar a existência
material do sujeito frente às dificuldades de sua realidade contemporânea, bem como
possibilitar a compreensão de épocas anteriores. A Literatura, a seu turno, ganha
destaque tanto por ser a arte escolhida pela autora quanto por possibilitar a
localização, pelos vestibulandos, de exemplos concretos para o que se pontua – seja a
partir da própria lista de leituras obrigatórias da Fuvest, seja a partir do repertório
literário criado ao longo do Ensino Básico. Além disso, pode-se destacar a pertinência
de observações mais precisas, eventualmente também mais proveitosas para a escrita
dos textos, como a lembrança do crítico literário Antonio Candido, cujo sistema
literário (previsto em Formação da Literatura Brasileira, sua obra-prima) é
precisamente o mecanismo descrito por Marta Rébon, em conjunto com sua noção da
Literatura enquanto Direito Humano, uma vez capaz de dignificar a vida e o ser. Por
fim, as Artes estão em evidência justamente por todos os pontos levantados
anteriormente, os quais são articulados, na prática, pelos artistas e suas produções.
Movimento Carta Aberta à Fuvest
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ANÁLISE DA COLETÂNEA
compreenda um pouco mais sobre os excertos da coletânea e
como eles se relacionam entre si :)
TEXTO 2
O excerto de Heidegger, um dos filósofos de maior destaque na tradição ocidental do século
XX, evoca questões ontológicas (discussões sobre a existência, o ser e o real) a partir de uma
reflexão sobre a linguagem. Para ele, o indivíduo só pode acessar a essência do mundo e
daquilo que o habita a partir da nomeação, pois se o nome confere existência às coisas e ao
mundo, nomear permite a percepção humana disso. Contudo, o filósofo é categórico ao
afirmar que tais movimentos só são possíveis na medida em que o sujeito se atém à natureza
própria da linguagem, ou seja, percebe a existência desta em si mesma (“coisa em si”). Isso
porque, para Heidegger, à medida em que a linguagem confere a própria vida, o ser humano
não “cria” a linguagem, sendo antes criado por ela. Dessa forma, enquanto não compreende
tal relação, enquanto não questiona ou apenas não pensa sobre sua própria comunicação —
caso pensemos “linguagem” em um sentido mais largo —, o homem produz, de forma
mecânica e superficial, “palavras, escritos, programas”, sem consciência e controle de seu
próprio eu.
Nesse viés, o vestibulando familiarizado com a prova poderia relembrar do tema da redação
no vestibular de 2017, o qual solicitava uma reflexão acerca dos conceitos de maioridade e
menoridade para Immanuel Kant. Este filósofo, também alemão, pontua, em “O que é o
Esclarecimento?”, que o sujeito não é verdadeiramente autônomo e independente enquanto
não consegue pensar por si próprio. Retomando Heidegger, então, é possível pensar em como
o homem permanece intelectualmente dependente enquanto não reflete, em profundidade,
sobre a linguagem (e a comunicação). Também é possível resgatar a prova de 2010, sobre a
relação entre a realidade e as imagens, na medida em que tanto este vestibular quanto o
presente texto questionam filosoficamente a interpretação existencial e social do mundo.
Na sequência, o excerto levanta a hipótese de que, justamente porque não compreende tal
dinâmica linguística, o sujeito lida com a linguagem pelo estranhamento. Pode-se pensar,
aqui, no senso comum — já refutado pelos estudos linguísticos — de que existe um “certo” e
um “errado” na comunicação humana, valores dados pelo cumprimento ou não da norma
culta da língua, por exemplo. Lembremos, ainda, da frequente relutância social ao dinamismo
próprio da linguagem, seja no preconceito contra a criação de novas expressões, como as
gírias, seja no repúdio a práticas linguísticas inclusivas, como a linguagem neutra. Portanto,
conclui Heidegger, de nada adiantam tais posturas conservadoras e estranhas à própria
linguagem, inclusive (principalmente) a redução da natureza linguística a um “meio de
expressão”, uma “ferramenta”, interpretações estas que anulam seu reconhecimento
enquanto geradora de sentido.
Vale pontuar que a presente interpretação parece ir na contramão da própria frase temática
da Proposta 1. Se Heidegger é contrário à redução da linguagem à comunicação e a
coletânea como um todo valoriza a linguagem e suas manifestações artísticas, o tema da
dissertação reduz toda esta complexidade a “processo de comunicação” e “interferência”.
Movimento Carta Aberta à Fuvest
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ANÁLISE DA COLETÂNEA
compreenda um pouco mais sobre os excertos da proposta e como
eles se relacionam entre si :)
TEXTO 3
Este texto escancara, nominalmente, as emoções às quais a banca parece se referir.
Se no texto 1 há apenas a insinuação às emoções, e o texto anterior traz à tona mais a
necessidade de reflexão sobre a potência da linguagem do que propriamente os
sentimentos, aqui, o recorte de uma resenha sobre o filme Ainda Estou Aqui nomeia ao
que a banca se refere: “atordoamento”, “alegria”, “medo”, “esperança”, “dor”. Estas
são as emoções elogiadas na atuação cinematográfica de Fernanda Torres,
ganhadora do Oscar e do Globo de Ouro, enquanto Eunice Paiva. Apesar dessa
diferença com relação aos demais textos da coletânea, há aqui uma semelhança — a
referência a uma obra de arte e a uma expressão das Artes, o cinema.
TEXTO 4
O famoso quadro do pintor dinamarquês Edvard Münch, O Grito, pode ter gerado
tanto uma identificação quanto um estranhamento ao aparecer na coletânea.
Identificação, porque a obra apresenta uma altíssima circulação no meio dos
vestibulares (nomeadamente, em redações bem avaliadas do ENEM), além de ser um
marco da tradição expressionista nas artes plásticas. Estranhamento, por outro lado,
tanto pelos motivos já citados — afinal, a Fuvest não costuma ser conhecida pela
repetição de lugares-comuns — quanto pela aparente desconexão com os textos 1 e 2.
Neles, o foco esteve na Arte e na linguagem como um todo, deixando as emoções
escanteadas; assim, é quase incoerente encontrar uma tela mundialmente
reconhecida pela expressão dos sentimentos humanos.
É nessa situação limiar entre humano e não-humano que a expressão emotiva emerge:
a figura de Münch é compreendida precisamente pelo compartilhamento de sua
experiência com o receptor da obra de arte. Quem vê o vazio corporal deixado pelo
grito atribuiu sentido ao que está diante de si, associando momentos de sua própria
existência ao que está retratado. Isso ocorre graças ao que a linguagem artística é
capaz de despertar: a partir da comunicação entre artista, obra e recepção, emoções
podem ser experenciadas, compreendidas ou ao menos pensadas. Seja de alegria,
tristeza ou raiva, todos nós já gritamos ou vimos quem o fizesse; logo, com a tela,
recordamos essa vivência e somos capazes de acessar tal sentimento,
compartilhando-o com a figura retratada - como, no texto 3, aconteceu com a autora
ao assistir Fernanda Torres como Eunice Paiva em Ainda Estou Aqui.
TEXTO 5
A despeito de quaisquer interpretações realizadas por especialistas (as quais não foram
consultadas aqui, de forma a simular as possibilidades interpretativas reais da situação
de prova), é notável o clima apático e ligeiramente melancólico que provêm da pintura.
Apesar da especificidade geográfica (Estados Unidos), a simplicidade do tema
escolhido — um quarto de uma casa — permite a identificação e a consequente
associação de quem visualiza a tela com espaços e emoções semelhantes. Há, por
exemplo, uma distinção importante entre as figuras feminina e masculina: enquanto a
mulher se concentra no piano, sozinha, o homem lê seu jornal, sem conversar com ela.
“O que fazer com essa, e a partir dessa, capacidade da linguagem?” é, enfim, uma das
reflexões que esta obra pode gerar, de maneira a despertar a escrita da redação.
Movimento Carta Aberta à Fuvest
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ANÁLISE DA COLETÂNEA
compreenda um pouco mais sobre os excertos da proposta e como
eles se relacionam entre si :)
TEXTO 6
Logo, estabelece-se uma ponte para o texto 1, na medida em que Marta Rébon advoga
pela capacidade sensibilizante e sensibilizadora da Literatura. A partir do texto 6, o
estudante percebe que nem toda obra é capaz disso: apenas aquele que dominar “a
arte de contar” poderá fazê-lo, despertando “emoções profundas”. Essa é mais uma
conclusão da coletânea: frente à dissolução do sentido da obra de arte, o que pode a
Linguagem e o indivíduo? Qual é, afinal, o lugar das emoções na contemporaneidade?
Como comunicar, hoje?
Aqui, o vestibulando poderia pensar no filósofo Walter Benjamin e seu famoso ensaio A
obra de arte na era de sua reprodutibilidade técnica, texto já difundido em diversos
ambientes didáticos — seja nas Artes, seja na Filosofia e na Sociologia, ou mesmo na
Literatura, com as aulas de vanguardas e de modernismo. Ademais, recordem-se as nove
obras literárias presentes na lista de leituras obrigatórias da Fuvest, cujas autoras, de
uma forma ou outra, tocam em todas essas interrogações. Por fim, é importante não
esquecer, também, do repertório existencial de cada vestibulando que, após os doze
anos de formação básica ou não, é, em suma, um ser humano que chegou até essa
prova com suas faculdades expressivas, comunicativas e linguísticas.
Movimento Carta Aberta à Fuvest
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BÔNUS!
Leia a análise de outra obra de Edward Hopper, pintor do quadro
do texto 5 da coletânea
8 10 -2 -25,00%
Dissertação
Coeficiente
Desvio de Maior Menor Percentil Percentil
Média Mediana Assimetria Achatamento
padrão variação nota nota 75 90
(em %)
7,8020454 1,0789 7,83 13,83% 9,5 4,84 8,5 9,5 -0,285866 -0,04900808953
Crônica
Coeficiente
Desvio de Maior Menor Percentil Percentil
Média Mediana Assimetria Achatamento
padrão variação nota nota 75 90
(em %)
16
AUTORIA E PÁGINAS
CORRESPONDENTES
Karina Garlo 24 77
participante 10 (anônimo) 25 93
participante 11 (anônimo) 26 83
participante 22 (anônimo) 28 73
Joaquim Almir 30 71
partipante 2 (anônimo) 33 97
participante 8 (anônimo) 34 81
participante 19 (anônimo) 36 96
partipante 4 (anônimo) 37 74
Clara 38 79
participante 6 (anônimo) 43 90
participante 1 (anônimo) 44 92
17
Movimento Carta Aberta à Fuvest
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AUTORIA E PÁGINAS
CORRESPONDENTES
participante 12 (anônimo) 47 88
Henrique de Matteo
48 103
Figueiredo Ferraz
participante 23 (anônimo) 49 98
participante 9 (anônimo) 50 82
participante 7 (anônimo) 52 87
partipante 25 (anônimo) 53 75
participante 18 (anônimo) 55 91
participante 16 (anônimo) 57 89
Isabelli Bressani 58 76
participante 26 (anônimo) 64 85
participante 24 (anônimo) 66 94
É comum, quando estamos diante de textos avaliados por uma banca, olharmos só os mais bem avaliados
e entendermos que se tratam de um padrão a ser buscado, a ser seguido, como se fossem o ápice do que
se pode ser ou produzir.
A partir disso, buscamos quase copiar aquilo que é considerado exemplar: com ligeiras alterações,
mantemos as mesmas frases, as mesmas referências, as mesmas sequências, como se isso, por si só, fosse
o segredo de ser bem avaliado. No fim, não nos reconhecemos naquilo que escrevemos, e, por mais que
não tenhamos contrariado o que eram nossos modelos, sentimos, de alguma maneira, que nosso texto não
se sustenta. Essa relação, dada desta maneira, só tem por resultado a diminuição da autoria.
As notas altas aqui são realizações concretas do que pode ser um texto na FUVEST. Isso quer dizer,
portanto, que não são únicos, não são reflexo da própria prova — são possibilidades. Diante delas,
enquanto estudantes, podemos identificar certas regularidades e, a partir do que se mantém, podemos
também observar o que se diferencia de uma redação para outra. A criatividade, afinal, não surge do
nada, mas sim em um movimento de ruptura e continuidade com algum padrão. Os textos, então, devem
ser entendidos como oportunidades de estudo.
Lendo-os, é importante pensar: como fizeram uso da coletânea? Como compreenderam a relação entre
os textos motivadores e a frase temática? De que maneira reproduziram os traços composicionais do
gênero solicitado? Como planejaram e organizaram começo, meio e fim? Como se equilibram, neles,
reflexões mais abstratas com exemplos mais concretos? A que servem, aliás, os exemplos? Com essas
questões, você perceberá que, a algumas delas, talvez você, enquanto escritor ou escritora, respondesse
de forma diferente. Nesse caso, o que mudaria? Como daria a sua cara a essa nova possibilidade?
Não se trata mais apenas de uma oportunidade de estudo: é também um convite à escrita. No encontro,
ou no confronto, com os textos alheios, passamos a conhecer um pouco mais de nossa própria escrita;
podemos poli-la, dar-lhe uma forma mais consistente, mais bonita. De uma forma ou de outra, é a partir
desse contato que podemos, de fato, nos responsabilizar por aquilo que escrevemos.
Mas isso acontece também com os textos que não foram tão bem avaliados assim. O que houve? Por que
receberam descontos em suas notas? O exercício da leitura da grade de correção e da comparação com
os outros textos pode sugerir caminhos sobre os quais você não teria pensado. E é também uma
oportunidade de aprender com o erro alheio.
Essas sugestões visam a um estudo textual — ou seja, não se trata apenas de sentar e escrever, mas sim de
estudar, de pôr à prova algumas convicções. Esse é o nosso convite.
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COMENTÁRIO DISSERTAÇÕES
Por outro lado, textos com estrutura comprometida — seja por repetições de conteúdo,
falta de hierarquia entre os argumentos ou organização frágil dos parágrafos —
tiveram desempenho inferior. A ausência de um ponto de vista claro ou o uso
superficial de repertórios comprometeram a força argumentativa. Em alguns casos,
observou-se também certa indecisão autoral, com tentativas de conciliação mal
resolvidas entre diferentes perspectivas, sem uma linha mestra que conduzisse a
reflexão. Por fim, aspectos como informalidade excessiva, imprecisão vocabular ou
frases de construção truncada afetaram negativamente a avaliação.
De modo geral, ficou evidente que a banca valorizou textos autorais, que não se
limitassem a responder ao tema, mas que o problematizassem com densidade e
consciência de contexto. Foi reconhecido o esforço argumentativo que extrapolasse o
plano individual e conectasse o tema proposto a questões estruturais da vida em
sociedade, sem abrir mão da clareza, da organização e da maturidade linguística.
A conclusão fecha o raciocínio e se encaminha para uma suave proposta de solução para o
que foi considerado um problema. Na Fuvest, essa organização não é imprescindível, mas, com
leveza, também não é um problema.
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Movimento Carta Aberta à Fuvest
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Nota: 9,5/10
Autoria: participante 10 (anônimo)
DISSERTAÇÃO-ARGUMENTATIVA
Sem título
No filme “Ainda Estou Aqui”, o espectador é transportado para uma cena emblemática,
na qual a família Rubens Paiva posa para uma fotografia e, Eunice Paiva, mesmo tomada
pela dor de ter perdido seu marido, pede aos filhos que sorriam. Esse movimento é capaz
de transmitir a resistência de sua família perante a crueldade sofrida apenas através das
emoções. Tal representação ilustra como as emoções interferem na linguagem e são
capazes de moldar profundamente os processos comunicativos. Em uma sociedade que
estimula a racionalização excessivas, esse processo é prejudicado, formando indivíduos
individualistas e pouco empáticos.
Sob esse viés, a ideia de que a emoção é uma linguagem universal encontra respaldo
nas expressões artísticas que ultrapassam a racionalidade. Nesse sentido, o movimento
expressionista, surgido no início do século XX, ilustra tal visão ao priorizar a
exteriorização intensa dos sentimentos. Dessa forma, a obra "O Grito", de Edvard
Munch, exemplifica essa força comunicativa: com cores fortes, formas distorcidas e
traços angustiantes, a pintura transmite de maneira imediata a sensação de desespero.
Logo, independentemente do contexto cultural ou histórico, o impacto emocional da
obra permanece inalterado, evidenciando que, muitas vezes, o sentir comunica mais do
que o entendimento lógico.
Além disso, vale ressaltar a ideia de que a emoção transcende palavras manifesta-se
também na linguagem cinematográfica. Nessa perspectiva, no filme
"Ainda Estou Aqui", a atriz Fernanda Montenegro, ao interpretar uma personagem em
estágio avançado de Alzheimer, revela uma ampla gama de emoções apenas pelo
olhar e pela expressão facial, sem necessidade de diálogo. Com efeito, na cena final, a
ausência de palavras não impede que o público compreenda a dor, a ternura e a
confusão da personagem. Desse modo, a atuação silenciosa intensifica a comunicação
emocional, mostrando que a arte pode tocar mais profundamente do que a linguagem
verbal.
Aristóteles, na obra "Retórica", afirma que as emoções têm função fundamental dentro
das comunicações, mostrando o caráter racional que elas apresentam dentro do
processo comunicativo entre os homens na sociedade. Dessa forma, é possível afirmar
que as emoções interferem não só processo comunicativo cotidiano, como em
conversas informais, mas também nas expressões artísticas, que criam pontes entre o
criador e observador. Assim, a emotividade interfere na comunicação.
Ademais, as obras de arte também podem ser influenciadas pela emoção no processo
de comunicação. Na escultura "O Pensador", de Auguste Rodin, a expressividade
emotiva é notada na postura e na tensão muscular da figura, mostrando estado de
profunda contemplação e de um possível conflito interno, sendo a comunicação entre
artista e observador através da linguagem corporal silenciosa, que apresenta várias
emoções em somente uma obra, as quais podem ter grande significado para quem a
analisa e sente-se representado sentimentalmente pelas emoções transmitidas na arte.
Dessa maneira, o autor consegue evocar emoções no espectador através da linguagem
não-verbal, a qual também faz parte da comunicação e é importante para a
representação de sentimentos nos seres humanos. Logo, a arte atua como um meio das
emoções interferirem na comunicação, expressando as não por meio da não
verbalização e sim por meio da sua representação visual.
Sob essa ótica, é possível afirmar que as emoções, quando equilibradas, ampliam o
alcance da comunicação. De acordo com Jacques Lacan, em suas reflexões sobre a
inteligência emocional e a psicanálise, a habilidade de reconhecer e administrar os
próprios sentimentos é decisiva para estabelecer conexões autênticas e reais. Em
cenários sociais e profissionais, externar emoções como a empatia e a alegria além
de humanizar a comunicação, também a torna mais eficaz, ao promover elo de
confiança e compreensão mútua. Dessa forma, a emoção bem conduzida atua
enquanto catalisador da interação entre indivíduos.
Além do cinema, as artes plásticas também ilustram essa relação. O quadro O Grito
(1893), de Edvard Munch, é um exemplo de como uma emoção intensa — o
desespero — pode ser comunicada de forma quase universal, ultrapassando
barreiras linguísticas e culturais. Mesmo sem palavras, a imagem transmite uma
mensagem clara, evidenciando que a comunicação é muito mais do que a
linguagem verbal: ela é também emoção, expressão e percepção. Dessa forma,
para haver comunicação verdadeira, é necessário reconhecer os sentimentos
próprios e alheios, afastando julgamentos automáticos e favorecendo a empatia.
Muitas vezes, falhas na comunicação não decorrem da falta de vocabulário ou de
clareza racional, mas da incapacidade de lidar com os sentimentos que permeiam o
diálogo.
"A carne mais barata do mercado é a carne negra", interpretada por Elza Soares,
ecoa a dor e a resistência de um povo historicamente marginalizado. Ao longo da
canção, ela revela como a emoção pode se tornar elemento essencial na
comunicação, dando às palavras um poder de alcance que transcende a razão.
Assim como na música, no cotidiano, a comunicação humana é atravessada por
sensações que, ao reverberar, influenciam a maneira como se transmite e se recebe
uma mensagem. Nesse contexto, é possível observar que as emoções, ao interferirem
no processo comunicativo, podem tanto Fortalecer o entendimento quanto provocar
ruídos e distorções.
"Tá ligado que não é fácil, né, mano?". Quando o viés conotativo amplia a potência
da comunicação, há a geração de identificação. O uso de discursos que permitem o
diálogo fortalecem um senso coletivo, por vezes, marcado pela dor e indignação. A
transformação desses sentidos perpassa, então, pela criação de uma cadência que
gera um grito coletivo de resistência e empatia. Esse ritmo, ao construir uma onda
informativa, mobiliza afetivamente quem a escuta, gerando conscientização e
solidariedade. A emoção, assim, torna a comunicação mais envolvente e capaz de
criar conexões profundas entre os interlocutores, seja na arte, seja na vida cotidiana.
A tendência de consumo dos jovens comuns, isto é, daqueles garotos e garotas que
se encontram amplamente inseridos na ordem digital, atualmente, contradiz o
instinto do ser humano de procurar conteúdos emotivos que excitem sua
consciência. É comumente observado, na contemporaneidade, o apreço dos mais
novos por narrativas breves e imparciais do ponto de vista emocional, como vídeos
curtos do Tiktok ou do Youtube em que um blogueiro aparece fazendo barulhos
satisfatórios frente a tela de seu gravador.
Sem título
No filme "Divertidamente 2", a jovem Riley inicia o processo de puberdade e, para além
das mudanças físicas em seu corpo, novas emoções chegam à "sala de controle". Entre
elas, há a distinta "Ansiedade", personificada em um corpo de baixa estatura, mas
incrivelmente enérgico. Desenvolvimento do "senso de si" e descoberta da identidade são
elementos cruciais da vida de um adolescente, mas o que acontece quando os espaços
para o aflorar de todas as emoções não são fornecidos? Em um mundo onde os indivíduos
são bombardeados ciclicamente por informações, tendências e novidades, há pouco
espaço para pensamento crítico e, sobretudo, para o desenvolvimento de noções próprias,
restando só a ansiedade do pertencimento.
Nas redes sociais, não há tempo para pensar, não há tempo para sentir. Mesmo com os
nichos variando de conteúdos "brainrot" a postagens relacionadas a arte, a comunicação
é simplificada ao máximo para não prejudicar o ritmo acelerado. As mídias, nesse
contexto, precisam atender à altíssima demanda por conteúdos, sem simultaneamente
sobrecarregar indivíduos com capacidade de mobilização sentimental limitada. Não é à
toa que as chamadas "aesthetics" ou "core" explodiram pelas plataformas digitais. Os
usuários anseiam por pertencer a algum grupo com uma identidade pré-determinada, já
que eles próprios não desenvolveram o"senso de si".
Assim, os conteúdos produzidos despertam, cada vez menos, emoções profundas, seja
pela própria demanda superficial do mercado, seja pela incapacidade de comunicação
dos indivíduos e ausência de identidade própria. A ansiedade, como demonstrado pelo
longa-metragem, não é uma emoção ruim - nenhuma das emoções é-, mas não deve se
sobrepor totalmente aos outros agentes. Entender como você se sente e aprender a
comunicar talvez seja a tarefa mais difícil mas a mais fundamental na atualidade.
De início, é válido ressaltar que todos passaram pela adolescência, período de grande
mudança hormonal que pode ser associado com sofrimento mental por descontrole de
emoções. O jovem rebelde que não consegue se comunicar com seus pais é um
arquétipo muito popular na mídia e, no que diz respeito à realidade, é algo que
acontece em razão das emoções dificultarem a comunicação plena. Na analogia do
Filme, o jovem ama ou sente uma grande felicidade, que o agita ao ponto de não
conseguir se expressar com claridade, quando a Alegria assume o controle ou treme e
gagueja em público quando o Medo assume. Do ponto de vista fisiológico, as emoções
desencadeiam a produção de hormônios como, dopamina e adrenalina, e são esses
hormônios que vão causar as dificuldades de comunicação. A exemplo disso, a
adrenalina, hormônio do processo de fuga e luta, prepara o corpo para fugir e diminui a
capacidade de raciocínio da pessoa, que pode gaguejar ou falar coisas desconexas.
Com a premiação do filme “Ainda estou aqui”, de Walter Sales, no Oscar de 2025,
e o emocionante discurso de Fernanda Torres, ficou ainda mais claro para os brasileiros
— e para o mundo — a função da linguagem e das imagens em perpetuar saberes.
Desde os primórdios, com o uso dos sons e da entonação para contar histórias e, hoje,
com os adventos da tecnologia, os sentimentos encontraram diferentes formas de
serem expressos e interpretados pelo público. Dessa forma, fica evidente a
interferência das emoções no processo de comunicação, uma vez que elas são
inerentes ao ser humano e que trazem autenticidade as obras.
Ademais, vale ressaltar que são as emoções que atribuem às obras, sejam elas
visuais, sensoriais ou auditivas, significado. Isso porque é a partir do sentimento que é
dado – ou interpretado - pelo público que as obras adquirem diferentes perspectivas,
cumprindo com o papel da arte de transmitir reflexões que podem provocar mudanças
significativas no indivíduo, ou na própria História. Para Hegel, filósofo alemão, a Arte
revitaliza a capacidade humana de sentir e ameniza a os processos de anestesia social
contemporânea. Sob esse viés, é a partir das emoções e da comunicação que somos
retirados do transe da vida moderna, rodeada de caos e violência, para sermos
lembrados da nossa verdadeira essência.
No quadro "Room in New York", de Edward Hopper, duas figuras dividem o mesmo
espaço, mas parecem separadas por um silêncio denso, cada uma imersa em seus
próprios pensamentos. A cena, marcada pela distância emocional, ilustra como a
comunicação vai além das palavras: envolve gestos olhares e, sobretudo, emoções. Em
muitas situações cotidianas, mesmo diante da proximidade física a ausência de diálogo
verdadeiro evidencia como as emoções podem ser barreiras ou pontes no processo
comunicativo. Assim, é possível afirmar que o domínio das emoções é fundamental para
qu a comunicação cumpra seu papel de promover entendimento e vínculos sólidos:
quando reconhecida e bem direcionadas, aproximam; quando ignoradas ou mal
conduzidas, afastam.
Assim, a influência das emoções sobre a comunicação é inegável. Mais do que dominar
técnicas de fala ou argumentação, comunicar-se bem exige sensibilidade para perceber
tanto o próprio estado emocional quanto o do outro. A comunicação eficaz nasce do
equilíbrio entre razão e sentimento.
Ignorar essa dimensão é correr o risco de falar muito e ser compreendido pouco, criando
distâncias onde poderia haver aproximação.
"Os limites da minha linguagem são os limites do meu mundo" é frase célebre do
linguista Wittgenstein, que expressa como a linguagem exerce papel fundamental no
conhecimento próprio acerca daquilo que compõem a esfera das subjetividades de
cada um. As emoções, explicadas tão somente através do que se consegue exprimir
por meio da comunicação, atravessam o modo como as pessoas se comunicam com o
mundo que as cerca. Entretanto, em um cenário contemporâneo na qual esse elo
entre o individual e o coletivo é reduzido, os indivíduos, ensimesmados, não ampliam
seu repertório, perdendo de vista o pleno acesso ao próprio mundo subjetivo. O efeito
disso é uma despotencialização subjetiva dos sujeitos.
Com a linha do horizonte tão limitada, não é estranho que a potência subjetiva de
cada indivíduo não atinja seu zênite. As emoções, que poderiam ser profundas e
marcar eternamente a consciência de uma pessoa, tornam-se, em vez disso, irrisórias
à medida que o repertório comunicativo não se expande. Trata-se de uma
despotencialização não apenas do sujeito em si, mas da sua experiência e do seu
contato com o mundo, que se torna superficial. Dessa forma, alarga-se o número de
indivíduos alheios às próprias emoções, ignorantes quanto às variadas linguagens que
os rodeiam, de modo que todo o coletivo também se despotencializa cada vez mais.
“O grito”. Esse foi o título atribuído a uma obra expressionista de Edvard Munch, que
expressou suas emoções explicitamente em um quadro de pintura. Em contrapartida,
nem sempre as emoções expressadas são conscientes, como feito pelo artista. As
emoções são expressas e sentidas a todo instante, mesmo que de forma implícita e
indesejada, principalmente durante a comunicação. Nesse viés, é importante refletir
sobre como o capitalismo impacta os indivíduos que comunicam e como as emoções
interferem na interpretação de quem recebe a informação, para compreender a
interferência emocional em processos comunicativos.
Platão defendia que a arte estava dois graus afastada do verdadeiro saber, além de
tentar imitar o mundo material e imperfeito, ela tinha o poder de instigar as emoções
humanas, ato que nos afasta da razão e, portanto, do conhecimento verídico do
mundo. Assim, o filósofo grego reconhecia a habilidade que os sentimentos tem de
influenciar nosso processo de pensamento. Tal viés pode ser aplicado no âmbito da
comunicação, em que a subjetividade do emissor e do receptor muitas vezes interferem
na formação e compreensão da mensagem. Desse modo, cabe analisar como as
emoções influenciam no processo comunicativo.
Em primeira análise, os sentimentos podem ser fonte de matéria prima para que haja
comunicação. Nesse sentido, o movimento do expressionismo buscava representar as
emoções e a subjetividade do artista em suas obras. Do mesmo modo, é possível
exemplificar o amor como temática lírica de diversos movimentos artísticos e literários.
Logo, nota-se que o fascínio pelo sentimentalismo não é algo recente na comunicação.
Isso se dá pois, os sentimentos são uma fonte irracional e rápida do nosso cérebro
adquirir informação, o que vai de encontro ao processo comunicativo que exige
reflexão e escolha. Dessa forma, a tradução do sentimento em arte, palavras ou gestos
é uma tentativa também da humanidade de compreender e registrar de forma mais
analítica e vagarosa essas sensações e percepções irracionais que vivenciamos ao
longo de nossa existência.
Na obra "Good Will Hunting", o ator Matt Damon interpreta uma personagem com
dificuldades para conciliar as suas emoções e o modo de se expressar socialmente. Fora
da ilustre obra cinematográfica, com ênfase na sociedade hodierna, percebem-se
situações semelhantes à interpretada por Matt Damon, visto que as emoções e sua
interferência no processo de comunicação cresceram exponencialmente nos últimos anos.
Assim, é notório que esse cenário antagônico é fruto tanto do medo de se abrir
emocionalmente, quanto do receio de agir devido ao medo das possíveis consequências.
Sem título
Outrossim, emoções podem servir como barreiras para uma comunicação mais
eficiente. Sigmund Freud, o pai da psicanálise, desenvolveu a teoria do inconsciente,
que se baseia em que pensamentos, comportamentos e reações são influenciados
por emoções reprimidas, guardadas no subconsciente. Nesse sentido, a qualquer
momento, as emoções não conhecidas podem se manifestar de forma inesperada,
interferindo diretamente na forma com que se comunica. Assim, a comunicação
pode ser distorcida por fatores emocionais não reconhecidos, dificultando o
processo de compreensão entre pessoas.
Histórias infantis, como "Chapeuzinho Vermelho", nos ensinam desde crianças a nunca
levar estranhos para casa. A narrativa nos assusta, mas o mais marcante é o
estranhamento causado pela ideia de um lobo devorar a avó, além do tom de quem
narra.É notória a interferência das emoções na comunicação de ideias, visto seu
impacto na fala, que nos conecta, e a importância de transmitir sentimentos que,
muitas vezes, as palavras não conseguem.
Além disso, histórias não precisam ser narradas ou escritas para esbanjarem comoção.
Esse é o poder da arte: ela mistura o que há de mais intenso nos sentimentos do autor
e os enquadra em tinta, letras ou gestos. O quadro "Independência ou Morte" mostra
o que o pintor queria transmitir , um momento glorioso, que, se fosse retratado
flelmente, talvez não causasse tanto impacto quanto aquele feito para chocar e
transmitir emoções. Logo, pode-se dizer que a emoção revela coisas que nem mesmo
a fala consegue expressar.
Alegria; raiva; tristeza; inveja. Essas são algumas emoções intrínsecas à vivência
humana, que ficam evidentes mesmo sem querer e afetam o processo comunicativo,
causando também alguma emoção no outro, querida ou não.
As emoções, portanto, têm suas interpretações e causas tanto por fatores externos ao
ser, como a tecnologia, quanto por fatores internos a ele, como sua subjetividade.
Juntos, esses elementos têm a capacidade de interferir na comunicação entre
indivíduos, pois não se pode controlar aquilo que é entendido pelo outro, somente
aquilo que se diz.
Desde o período paleolítico, por meio da arte rupestre, o ser humano encontrou na
arte a melhor maneira de expôr sua essência emotiva. Essa habilidade foi
aprimorada, de forma que até hoje, as emoções interferem no processo de
comunicação. Desse modo, a expressão dos sentimentos nas produções
contemporâneas é extremamente benéfica, pois permite a maior interação entre
indivíduos.
De tal modo, o ser humano, ao comunicar-se, carrega não apenas a razão, mas
também a emoção, tornando a comunicação uma expressão única da essência
humana.
No livro "1984", de George Orwell, famoso por ser uma distopia autoritarista, o governo
utiliza de diversas ferramentas de controle para se manter no poder, uma delas é a
"Novafala". Uma nova língua que exclui qualquer termo ou palavra que se relacione
com liberdade ou expressão individual, com o objetivo de manutenção do poder do
Estado. Com essa singularidade na história, o livro evidencia o poder da linguagem
como meio de transformação, não só do externo, mas do interno do indivíduo. Não há
como falar sobre, ou até mesmo sentir, aquilo que não pode se dar nome. Assim como
na realidade, a capacidade de relato do imaterial é uma necessidade e, em um mundo
capitalizado, a necessidade se dobra à quem tem o poder de oferecê-la.
Se as emoções são parte intrínseca de ser humano, não é possível realizar arte como
linguagem sem o sentimento como fundamentação. O sentir não é apenas um
acompanhante da vivência, grande parte das vezes, é o objetivo, é o que fazemos e
porquê fazemos e, além de tudo, não é opcional. A emoção também é reação, que
sempre tem influência, a trajetória de quem a sente. Portanto, quando um texto é
criado, sempre trará com si, parte do seu criador, seja com o sentimento do qual ele
sentira no momento da criação, ou o que planejou causar em sua obra.
Um bebê que não fala, mas que somente com seus resmungos consegue comunicar ao
genitor qual sua necessidade; um casal que debate seus sentimentos sobre os
acontecimentos de seu relacionamento. Das primeiras falas às mais complexas, muitas
são as evidências da necessidade do diálogo para a gênesis de qualquer relação.
Essas evidências permitem um diagnóstico: a falta das palavras afeta qualquer inter-
relação.
Sem título
Na obra “Retórica”, do filósofo grego Aristóteles, ele discute sobre como as emoções
afetam o processo de tomada de decisões e julgamento das pessoas. Muito além
disso, as emoções tornam as pessoas mais humanas, tornam a experiência da vida
algo mais intenso e desafiador. Porém, ainda que a capacidade de sentir seja um
deleite à vivência humana, existe outro tópico relevante que possui aspectos bons e
ruins: a interferência das emoções na comunicação humana.
Ademais, as emoções também podem ser usadas como armas entre as pessoas,
especialmente na atual sociedade, onde a comunicação é inevitavelmente atrelada
às redes sociais e aos chamados influenciadores digitais. Nessa perspectiva, é
possível observar a comunicação sendo usada como forma de ataque pessoal – como
nos comentários feitos por internautas que mais soam como ofensas – e manipulação
de massas – a exemplo de um influenciador usufruindo de sua influência para
convencer seu público de algo e utilizando o despertar de emoções como sua
principal estratégia.
É inegável, pois, que a emoção está ligada a um sentido identitário que impacta
diretamente o processo de comunicação, na sociedade. Em suma, os padrões banais,
assim como a rasa relação digital contribuem para uma depreciativa e ilusória
consciência emocional.
Movimento Carta Aberta à Fuvest
61
+
Nota: 6,5/10
Autoria: Victorya Nayla
DISSERTAÇÃO-ARGUMENTATIVA
Nascimento Silva
Sendo assim, com a expansão da sétima arte, o cinema se tornou um dos meios para
a comunicação da expressão humana diante de seu contexto histórico. Nesse
sentido, o Expressionismo Alemão reflete em sua arte como as pessoas reagiram à
crise na Alemanha após a Primeira Guerra Mundial. Como, "Nosferatu", que
demonstra a visão raivosa e preconceituosa dos diretores sobre os judeus. Logo, as
emoções moldadas em seu contexto interferem sobre a mensagem do trabalho
comunicado.
Quando a qualidade é atrelada ao que gera mais sensações com maior velocidade, a
subjetividade perde espaço nas produções artísticas e midiáticas. Em 2023, o lançamento
dos filmes Barbie e Oppenheimer lotou as bilheterias de cinema e, enquanto o longa-
metragem da boneca mais vendida do mundo recebia uma série de elogios pelos
pertinentes apontamentos sociais, a produção que conta a história do inventor da bomba
atômica foi criticada, pelo grande público, por focalizar os fatos biográficos em
detrimento dos acontecimentos de guerra. Tal manifestação nas redes sociais revelou o
despreparo da maioria para captar os significados trazidos por uma história que foi
contada, haja vista que, para ela, a emoção estaria presente em cenas "bombardeadas"
por efeitos especiais. Logo, a emoção pode causar estranhamento e até revolta em um
público que não se expõe a ela, com profundidade e sem pressa.
A "rasidão" dos contos gera mais repetidores e constrói uma comunicação genérica e,
acima de tudo, "descriativa"— sem graça. Em recente edição, no exame da segunda fase,
o Vestibular da Unicamp produziu uma questão que problematizou a repetição, nas redes
sociais, da máxima " É sobre isso, e tá tudo bem". Nas dinâmicas do meio digital, esse
período "chiclete" simplificou debates importantes, tendo sido usado repetidas vezes, de
forma irrefletida, apenas para "hypar" debates. Logo, com tanta gente repetindo a mesma
coisa, ação essa que gera algum divertimento e algum resquício de noção de
pertencimento, torna-se difícil sentir, de fato.
Portanto, a emoção complexa, por esta sociedade imediatista, não é bem recebida.
Diferente da riqueza de detalhes humanos a que se expôs Conceição Evaristo, é mais
comum se empolgar com a repetição de frases sem significado, típicas de uma
comunicação sem criatividade.
Sem título
A comunicação humana não pode ser interpretada como uma simples troca de
informações. As emoções moldam a transmissão e a interpretação das mensagens
recebidas. Dessa forma, as emoções, quando bem canalizadas, enriquecem o processo
comunicativo.
Como Marta Rébon reflete, ao ler um texto literário, a carga emocional das palavras
habilita aspectos da consciência, tornando o mundo mais habitável. A literatura,
quando desperta sensações no leitor, mostra como as emoções aumentam o
entendimento e criam uma ligação mais forte com a mensagem sendo passada. Assim,
a emoção faz a comunicação mais humana tornando-a uma vivência importante. No
entanto, Martin Heidegger avisa que uma linguagem, quando dominada por emoções
fora de controle se torna oca. O abuso de emoção causa uma grande quantidade de
palavras sem nenhum sentido claro desviando a atenção do verdadeiro significado. Em
situações que exigem raciocínio lógico, como discussões, a presença de emoções
fortes pode distorcer os argumentos, dificultando a compreensão mútua.
67
COMENTÁRIO - CRÔNICAS
O celular vibrou durante o jantar, interrompendo o breve silêncio que reinava na mesa.
Era o grupo da família, aquele espaço virtual onde, ultimamente, as conversas pareciam
mais campo de batalha do que ponto de encontro. Bastou uma notícia polêmica para
que emojis de raiva, frases em caixa alta e respostas atravessadas começassem a
pipocar. No meio do turbilhão, uma mensagem da minha avó surgiu: "Sinto falta de
quando a gente só contava piada por aqui." Por um instante, ninguém respondeu.
Lembrei de quando, nos domingos, todos se reuniam para almoçar e as discussões eram
interrompidas por risadas e histórias antigas. Agora, cada mensagem parecia um grito,
cada silêncio, um abismo. As conversas, antes recheadas de afeto, se transformaram
em um espaço de competição, onde cada um queria impor sua opinião, muitas vezes
sem se importar com o que o outro sentia. A tecnologia, que deveria aproximar,
acabava criando distâncias invisíveis, alimentadas por palavras impensadas e reações
impulsivas.
No dia seguinte, resolvi ligar para minha avó. Sua voz, suave e acolhedora, revelou uma
tristeza que nenhuma mensagem conseguiria traduzir. Falamos sobre receitas,
lembranças de festas e, aos poucos, ela confidenciou sentir-se isolada desde que as
brigas virtuais começaram. Fiquei em silênci ouvindo. Ali, sem filtros ou emojis, a
comunicação fluía de verdade. Senti que, apesar de toda a tecnologia, ainda
precisamos do olhar, do tom de voz, do tempo dedicado ao outro. A ligação, simples e
direta, foi capaz de resgatar uma proximidade que as mensagens não conseguiam mais
proporcionar.
Na era das redes sociais e das conversas apressadas, percebi que o desafio não é
apenas falar, mas saber ouvir e acolher o que o outro sente. Emoções, quando mal
conduzidas, afastam e criam muros. Mas, quando há espaço para a escuta e o afeto,
mesmo um simples telefonema pode reconstruir pontes que pareciam perdidas. O
episódio me fez pensar em como, diante de tanta informação e velocidade,
esquecemos que a comunicação verdadeira exige tempo, paciência e disposição para
sentir junto. Em tempos de tanta polarização, talvez o maior gesto de carinho seja
desligar as notificações e dedicar alguns minutos para ouvir, de verdade, quem está do
outro lado da linha.
Movimento Carta Aberta à Fuvest
+
69
COMENTÁRIO DE UMA CRÔNICA
NOTA MÁXIMA
Em sua crônica, Maria Laura abriu uma reflexão a partir da narrativa de um
evento: no “grupo da família”, ambiente virtual que nos é conhecido, a avó
manifesta saudade de tempos em que as brigas não eram a tônica dos diálogos
familiares.
Por fim, ela finaliza seu texto retomando a relação entre o episódio narrado e o
que elaborou sobre ele. Como a crônica costuma ser publicada em jornais,
revistas ou blogs, ela admite uma linguagem acessível e mais próxima do leitor,
mas é importante não se desvencilhar do uso da norma padrão. Mesmo nos
veículos midiáticos, essa exigência está presente e, nesse caso, a produção de
Maria Laura é mesmo exemplar.
Sem título
Ele lia Morte e Vida Severina, do engenheiro da palavra, João Cabral de Melo Neto,
numa tarde abafada de verão, em uma pequena pracinha no centro da cidade. O
sol, sem piedade, parecia se derreter no asfalto quente, sorte a dele ler em um
banco abaixo de uma árvore. Em meio ao barulho distante de carros e conversas
desconexas, José Vicente, com seus 11 anos, absorvia as palavras de forma silenciosa
e reflexiva. Não sabia exatamente o que cada trecho significava, mas sentia o peso
de cada sílaba, o impacto e a força das imagens que aquelas palavras desenhavam
em sua mente e em seu coração. O livro era pesado, quase tanto quanto a vida de
quem o lia. - Naquele calor abafado da tarde, José Vicente percebia que a
CRÔNICA
verdadeira comunicação, a mais profunda, não se dava apenas por palavras claras
e objetivas. Era, antes, um encontro de sentimentos, de silêncios compartilhados e
de significados que escapavam do entendimento racional. Era uma comunicação
emotiva que transcende a razão, uma comunicação que só quem viveu o peso da
vida é capaz de compreender plenamente. Em meio ao calor, ao cansaço e ao
esforço de compreender o mundo, ele encontrou, nas palavras de João Cabral, um
eco da sua própria existência. E, com isso, soube que, talvez, a sua cruz não fosse
tão solitária quanto parecia.
Entendeu, com a vida, que comunicação não se remetia somente aos pronomes de
tratamento do livro de português, mas também à humildade, simpatia e
generosidade. Aprendeu na vida a doar o pouco que tinha e, quando não tinha de
modo algum, partilhar de si o afeto, a escuta e o coração. Aprendeu também que a
emoção é o alicerce que edifica a alma, une as pessoas e liberta a mente. Mas
compreendeu, acima de tudo, que é a unidade, o menor e o pequeno que forma e
constrói o grande, o belo e o perfeito. Entendeu que sua comunicação não era
palavras bonitas ou rebuscadas, mas sim suas ações. E não esqueceu de amar a si
mesmo e seus semelhantes, ainda que nada recebesse em troca.
Zé Vicente, que também é Filho de Marias, depois de tanto ler e aprender, decidiu
mergulhar no seu próprio rio, não para se tornar uma embarcação naufragada, mas
para navegar em mares de grandes tempestades e fazer florescer jardins sem
esperança. Coloriu seu mundo com tinta de autoconsciência. Fez sua aquarela de
emoções vibrar e bradou para todos ouvirem: "Para gente que nem Zé Vicente, eu
desejo boa vida!". E, então, fechou o livro e, caminhando, pensou: "Imaginar e
sonhar é a melhor maneira de se comunicar".
Movimento Carta Aberta à Fuvest
71
+
Nota: 8,67/10
Autoria: Fernando De La
Torre Santos
Sem título
Era uma tarde cinzenta de outono quando entrei no café da esquina. A umidade
grudava no ar, e as xícaras tilintavam em meio a murmúrios apressados. Nas
paredes, quadros de paisagens desbotadas completavam a atmosfera melancólica.
No balcão, um homem de sobretudo amarrotado discutia com o garçom:
mas as palavras se perdiam entre gaguejos. "Desculpe, senhor, deve ter sido um
engano...", balbuciava, enquanto os clientes ao redor cochichavam, constrangidos.
Um senhor de chapéu abaixou o jornal para observar; uma mãe puxou o filho para
perto, como se o conflito fosse contagioso.
Foi então que uma senhora de chapéu roxo, sentada próximo à janela, interveio.
Sem dizer uma palavra, pegou o sachê de açúcar da mesa ao lado - onde um casal
namorava distraído — e o colocou delicadamente diante do homem. Seus dedos
enrugados tremiam levemente, mas seu gesto era firme.
Ele fitou o sachê, depois olhou para ela. Seu rosto, antes tenso como um nó cego,
relaxou. Pegou o açúcar e devolveu ao garçom, com um aceno discreto de cabeça.
"Obrigado", sussurrou, mais para a senhora do que para o funcionário. O silêncio
que se seguiu foi mais eloquente que qualquer desculpa.
Enquanto saía, a senhora ajustou o chapéu e sorriu para mim, como se dissesse: "Às
vezes, um gesto cala mais que mil palavras." Naquele café, aprendi que a
comunicação emotiva não está nas frases perfeitas, mas na coragem de transformar
raiva em compreensão — mesmo sem dizer nada.
Era um dia comum naquela sala de espera apertada. As pessoas evitavam trocar
olhares e a comunicação se limitava a murmúrios impacientes. Até que uma mulher
entrou, olhos marejados, segurando o celular com mãos trêmulas.
Ela parecia mais velha e seu rosto pálido indicava que poderia passar mal a
qualquer instante. O silêncio tornou-se ainda mais perturbador. Todos, sem proferir
uma palavra, mudaram imediatamente suas expressões diante da tensão palpável
no ambiente.
Sem título
É engraçado como a gente pode se comunicar tão mal mesmo falando a mesma língua.
Aqui, cada uma fala três idiomas, mas isso não parece ser suficiente para resolver nosso
CRÔNICA
problema. A emoção entra no meio da fala. Uma simples pergunta vira acusação com a
tonalidade errada. Se você perde o tempo certo de falar alguma coisa, a conversa já
toma outro sentido. E quando você menos espera, lá vem discussão sobre quem deixou
as roupas jogadas no sofá, quando na verdade as duas só tão um pouco carentes.
No meu reels só aparece conteúdo sobre como melhorar o relacionamento (acho que
estão ouvindo demais nossas discussões), mas fazer vídeo para o Instagram é muito
mais fácil do que lidar com o cotidiano estressante. É livro atrás de livro falando sobre
"o poder da comunicação", mas ninguém ensina que tem dias em que o outro não tá
legal, que o "vai tomar café?" pode soar mais seco, que o "depois a gente conversa" na
real é um "não tô pronta pra falar sobre isso agora".
Minha esposa diz que eu sou péssima em me comunicar, o que não é mentira se eu for
honesta. Sempre me expressei meio mal porque tenho a impressão que os outros
entendem aquilo que eles querem entender, e não o que eu quero falar. Mas eu me
comprometi a melhorar.
Mas ontem, depois do café, mandei um vídeo de filhote de gatinho e uma mensagem
meio envergonhada:"desculpa pelo jeito que falei". Ela reagiu com um coraçãozinho.
Nem precisava mais.
Sem título
Esses dias estava caminhando pelo centro da cidade e avistei uma senhora reclamando
dos “jovens de hoje em dia”, ela falava que sua neta não lhe dava atenção e tratava a
todos com muita ignorância, dizia que lhe faltava coração, que na época dela os mais
novos respeitavam os mais velhos e que, na verdade, todas as pessoas que ela conhecia
ultimamente pareciam com pressa. Eu mesma já presenciei situações parecidas, está
muito difícil estabelecer fortes laços hoje em dia, não me leve a mal, estou com meus
20 e poucos anos, mas nunca vi tamanha falta de senso do coletivo como nesses
tempos. Acho que parte da culpa é da pandemia, a qual em vez de atiçar a empatia ao
próximo parece que regrediu a noção e o senso comum, principalmente, das crianças
CRÔNICA
Essa senhora seguiu me contando sobre sua relação com seus familiares, todos muito
distantes. Ela justificava a falta de proximidade com seus filhos, pois eles trabalhavam
demais e só pensavam nisso, viviam apressados e não tinham tempo para dar uma
passadinha na casa da mãe nem para tomar um café, um absurdo. Seu marido havia
falecido há uns 3 anos, mas ela casou nova e sem amá-lo de verdade; seus irmãos eram
interesseiros, pois o homem havia deixado um bom dinheiro, e sua neta era a que
sobrava para conversar e passear. A menina estudava bastante, mas mesmo cansada ia
até a casa da avó para lhe fazer companhia. A menina estudava bastante, mas mesmo
cansada ia até a casa da avó para lhe fazer companhia. A menina estudava bastante,
mas mesmo cansada ia até a casa da avó para lhe fazer companhia, como os tempos
são outros ela não pensava muito antes de falar e às vezes soltava algumas bobagens
que estranhavam a velha, que a repreendia, mas era atacada por risadas que
premeditavam sua reação.
Esse papo todo me fez pensar em como adaptamos as situações ao que nos convém, a
mulher não julgava os filhos, nem o marido e não se importava com os irmãos, mas era a
primeira a atacar aquela que mais lhe dava atenção e carinho a sua própria maneira.
Talvez a menina não gostasse dos outros, por isso era rude com eles, até porque
nenhum deles se importavam com a velha, o que podia fazer emergir a raiva da garota.
Não me senti comovida por toda a história dessa pobre senhora abandonada, ao
contrário me identifiquei com a menina que não gosta tanto assim de seus familiares,
mas zela por sua avó.
Sem título
Andava pelas ruas pensando na peça teatral proposta por meu diretor no dia anterior.
Aquilo me deixava incomodada, pois não sabia como passar ao público o sentimento
certo. Buscava, enquanto caminhava por São Paulo, alguma referência a partir dos
habitantes, para que eu pudesse usar na minha criação. Porém, como encontraria algo
se os paulistanos vivem com pressa e não demonstram nada além de angústia e
cansaço? Se ao menos o personagem fosse assim, um trabalhador da cidade grande
sem tempo para apreciar as artes e sua própria vida, talvez ajudasse, mas não é.
CRÔNICA
Passei um mês com aquela visão do mímico na cabeça, e tinha conseguido criar
realmente meu personagens.
Ao final, olhei para a plateia hipnotizada, com uma extrema felicidade no peito e com
um sentimento enorme de pertencimento, e com certeza, agradecida. Mas o que
realmente me fez perceber que fiz um bom trabalho foi ver que o público realmente se
emocionou, o que significava que consegui passar a mensagem e fazer a comunicação
de artista e plateia que eu buscava.
Falhei. Como poderiam os anos terem passado tão rápido? E como poderia eu ter
deixado passar tanta coisa em vão? Só, minha cabeça borbulhava em agonia,
consciente da incapacidade de trazer essa reflexão para o externo, para alguém
além de mim.
Foi quando, de repente, algo interrompeu meu pensar. Uma melodia baixinha vinda
do apartamento de baixo adentrava meus ouvidos com tanta calmaria que, cada
nota emitida parecia se espalhar vagarosamente pelos cantos da minha mente,
acariciando meus tímpanos como uma velha amiga.
Permaneci naquele transe por alguns minutos em que o relógio parecia finalmente
me esperar, com os olhos fechados, abertos apenas quando a melodia terminou.
Como que dizendo tchau, me levantei com um leve suspiro e sorriso discreto
entendendo que, apesar das incertezas, ainda havia pequenos refúgios capazes de
me trazer de volta a mim mesma.
Era uma manhã comum, dessas que carregam no vento a promessa de que algo
pequeno — mas importante — vai acontecer. A cafeteria da esquina fervia de
conversas soltas que antecedem um longo dia de trabalho, risadas meio tímidas e o
tilintar das xícaras. Eu estava lá, com meu caderno aberto, observando a
movimentação esperando que alguma idéia despencasse do céu para preencher
aquelas páginas que estavam vazias a alguns dias.
Algo que sempre me fascinou em lugares públicos é notar as diferentes histórias que
acontecem em cada mesa, mas naquela manhã, entre tantas pessoas que entravam
CRÔNICA
e saiam, dois senhores, cabelos brancos como nuvens pesadas, sentados frente a
frente, me chamaram atenção. Entre eles, um pequeno bolo de aniversário e uma
vela solitária tremulando. Havia algo de estranho naquela cena.
Não havia parabéns, não havia palmas. Apenas um olhar demorado que parecia
atravessar décadas.
De repente, um deles pegou uma pequena carta do bolso. As mãos tremiam os olhos
marejaram. A carta foi entregue com uma reverência quase sagrada. O outro, com
olhos fixos, abriu o papel amarelado e sorriu, como se naquele instante as dores do
tempo tivessem sido curadas.
Nenhuma palavra foi dita. E ainda assim, entre tantas rotinas que poderiam me
interessar, aquela cena em específico me cativou. Como se pudesse ouvir o que só
eles entendiam. Uma carta antiga, um pedido de desculpas nunca feito, ou talvez
uma declaração de amor adormecida. Quem saberia? O que importava era o que se
derramava entre eles: uma comunicação sem barreiras, feita de memórias, de
perdões, de afetos que nenhuma frase ensaiada seria capaz de traduzir. Palavra
nenhuma foi dita, discussão nenhuma foi elaborada, mas, naquele momento, as
emoções eram mais literais que qualquer dicionário.
Naquela manhã banal de quinta-feira, com o meu café frio e minha ressaca criativa,
percebi que às vezes as palavras são só molduras para o que já está gritando dentro
da gente. Uma imagem, ou melhor, uma emoção, vale muito mais que mil palavras, e
ainda, ouso dizer, que conseguem comunicar até quando não se encontram
palavras. O mais verdadeiro da comunicação é o que se diz sem dizer.
Posso até ter terminado o dia com o meu caderno em branco novamente, mas
algumas histórias são grandes demais para caber em linhas.
Sem título
Eu, seu cronista favorito, acordei por volta das quatro da manhã, quando a lua em sua
prata líquida iluminava o céu e as estrelas adornavam a escuridão enquanto guiavam os
velejadores perdidos no mar. Estou sendo um pouco melodramático, mas acredito que
posso ser perdoado dessa vez. Hoje é o aniversário da morte da minha esposa, comemoro
meu terceiro ano como viúvo e decidi falar dela novamente, depois de três anos de luto e
algumas cartas de leitores inconvenientes.
Começo dizendo que tenho críticas a quem fundou o termo "aniversário de morte".
Aniversário costumava ser sinônimo de felicidade para mim, a casa cheia, bolo, meus
primos que sempre implicavam comigo e minhas tias que me perguntavam das
CRÔNICA
namoradinhas, pelo menos elas pararam depois que Maria morreu, quando ela estava viva
perguntavam de casamento e de filhos.
Enquanto o vinho desce pela minha garganta e meus dedos embriagados digitam o
trabalho que eu procrastinei até o último segundo, minha mente me leva para o passado,
para nossa última conversa.
No último dia dela, eu entrei no quarto do hospital mordendo os lábios para não chorar,
afinal "homem não chora" como diria Frejat. Que direito eu tinha de ser dominado pelas
emoções quando era ela quem estava sofrendo? Maria sorriu e disse: "Amor, vamos ver:
Perfeita para você". Para os que não sabem, como eu não sabia, é um filme em que a
mulher está morrendo de câncer e procura uma namorada para o marido e, para os leitores
novos, Maria nunca me chamava de "amor", me chamava de "desgraçado" e "Filho da -
(vou poupar o trabalho do editor e não terminar). Nossa forma de comunicação pode
parecer estranha, mas era nossa forma de demonstrar amor. Maria deve ter se divertido
nessa última provocação, o senso de humor dela sempre foi terrível, cada soluço que me
escapava era respondido com um riso e dois tapinhas nas costas.
Minhas últimas palavras para ela foram: "Amanhã eu escolho o filme", meus olhos estavam
vermelhos e o que mais me doeu foi ver que ela havia aceitado o inevitável. A resposta
dela, seca e rápida, foi: "Você só escolhe filme chato, eu dormi nos dez primeiros minutos
daquele Interestelar". Porém, quando eu estava saindo, ela ofereceu com seu sorriso
ladino: "Deixo você escolher sábado", na linguagem dela isso era um "eu te amo". Maria
morreu poucas horas depois que eu saí, dormindo em paz e isso me consola.
Acredito que parte de mim morreu com ela naquela noite. Meu maior arrependimento foi
não ter respondido "Eu te amo" antes de sair.
Título: Nó na Garganta
Era só uma visita comum. Mesa de madeira rústica, café forte e bolo de milho verde.
Quando bati à porta da de meu avô, ele abriu com um sorriso meio torto, desses que
seguram um mundo inteiro de vocábulos não ditos. Entrei, tirei meu par de botas,
sentei-me à mesa. Jogamos conversa fiada: tempo, futebol, fofocas e novelas. Até que
ele me olhou de um jeito que fez tudo parar.
"Você lembra de sua avó?", perguntou, a voz esbarrando num quase choro. Balancei os
CRÔNICA
neurônios de minha cabeça, mesmo sem saber se lembrava de verdade ou se era tudo
invenção das fotos e das histórias repetidas. Então ele começou.
Contou do primeiro beijo, dos bilhetes escondidos no bolso da camisa, das discussões
bobas que terminaram em transa no meio da sala de estar. A cada palavra, seus olhos
brilhavam, não de tristeza, mas de uma saudade viva, feita de carne e riso. Eu não dizia
nada, só ouvia e apreciava atentamente, tentando levar cada frase como se fosse areia
entre os pés.
Quando ele parou, o silêncio caiu como uma toalha pesada sobre nós. O relógio da
parede parecia "tic-tacar" alto demais. Eu quis dizer alguma coisa bonita, devolver
tudo o que ele tinha me proporcionado em todos esses anos, naquela manhã. Era um nó
de gratidão, de amor, de nostalgia emprestada. Não consegui expor meus sentimentos
por meio de palavras. Só segurei a sua mão com força.
Ele sorriu, dessa vez inteiro, sem o peso que carregava antes. E eu finalmente entendi:
às vezes, a emoção verdadeira é aquela que a gente não consegue transformar em
palavra nenhuma.
O mundo parecia feito de fogo e arame naquela tarde. O céu, esgarçado em tons
de ardidos, dobrava-se sobre a cidade como um lençol de presságios. Léo
caminhava pela velha ponte, a mesma dos tempos de infância, mas agora seus
passos soavam ocos, como se andasse sobre a sombra de si mesmo.
O grito não era feito apenas de voz. Era feito de céu rachado, de solo que
afundava, de mãos vazias. Era feito de silêncio que esmagava os ossos por dentro e
dilacerava o coração.
Quis falar. Tentou. O som que saiu foi um gemido curto, fraturado.
Ela, do outro lado, viu. E entendeu. Caminhou até ele. Não disse nada.
Foi um abraço desajeitado, urgente, mas inteiro - da forma que devia ser. Um gesto
nu, sem cerimônias, que dizia tudo o que as palavras falharam em articular: "Eu
também."
Naquele instante, no meio da ponte que rangia sob seus pés, Léo percebeu que
certas emoções são tão grandes que não cabem na fala. São gritos que não
precisam ser ouvidos: precisam ser sentidos.
O amor transformava o homem que ainda não sabia direito o que falar, mas sabia se
comunicar.
Movimento Carta Aberta à Fuvest
+
81
Nota: 7,83/10
Autoria: participante 9 (anônimo)
Sem título
Acorda, escova os dentes, toma café, se troca, sai para o trabalho. Ao meio dia
finalmente para e almoça. Ás quatro da tarde sai e treina. Ás seis volta pra casa, toma
um banho, cuida do gato, prepara o jantar. Ás oito o marido chega em casa, janta em
casal, e pra finalizar o dia, antes de dormir, um filme besta com uma garrafa de vinho
numa noite de quarta-feira. Isso é o que eu vejo pela tela do celular, mais um vídeo de
"um dia comigo" que os influenciadores postam nas redes sociais.
Esse mundo da internet é uma verdadeira ficção, nele as pessoas fazem um dia de vinte
CRÔNICA
e quatro horas ter quarenta e oito, mostram a vida como fácil e organizada, a maior
mentira. Queria eu ter vida fácil assim, mas escolhi morar em São Paulo, antes de
acordar a mente meu corpo já acorda e roboticamente executa tudo o que eu preciso
no meu dia.
Acordo, escovo os dentes, tomo café enquanto me troco e saio correndo para o
trabalho, acordei atrasado, de novo. Pego o busão, lotado como sempre, depois o
metrô, correndo pela esquerda pois estou atrasado. Consegui, chego no trabalho e
passo horas em uma mesa digitando incessantemente críticas, esse é meu trabalho, o
jornal me paga para isso. Ao meio dia eu almoço em quinze minutos, tempo é dinheiro e
eu não nasci herdeiro. Trabalho mais e mais horas intermináveis. Na volta a saga se
repete, eu corro pelo metrô, me espremo no ônibus e me jogo no sofá quando chego
em casa.
São dez da noite, e o máximo que consigo é tomar um banho e fazer um miojo
enquanto vejo o jornal antes de me deitar para mais um dia de trabalho na selva de
pedra, tudo no automático, minha cabeça cansou de pensar. Os leitores do jornal
em que eu trabalho passam por isso todo dia, assistem pela telinha do celular outras
pessoas vivendo o seu sonho, uma vida tranquila e despreocupada, enquanto eles
batalham todo dia pelo salário no fim do mês. É em solidariedade a esses leitores
que escrevo minhas críticas aos influenciadores de "life style". Isso, é o que eu,
enquanto estou deitado no meu sofá, ás quatro da tarde de uma terça-feira,
enquanto bebo uma taça de vinho.
Sem título:
Era uma tarde fria de quinta-feira quando o encontrei. Os primeiros encontros são
sempre cheios de expectativas, uma saudade de algo que ainda não foi vivenciado,
e não foi diferente daquela vez. Tímidos, havia algo muito além das palavras que
permeavam nossas conversas. Era possível sentir uma conexão que se expressava
através daqueles olhos doces e ternos, que falavam mais do que qualquer frase que
poderia ter sido dita. O silêncio entre as pausas não era vazio, carregava uma
energia delicada e intensa, algo que eu sabia ser raro. Sentados em uma praça
CRÔNICA
É admirável perceber que as palavras não dizem tudo, muito se perde quando não
se tem essa percepção. Às vezes, as palavras são escassas, como se o peso de tudo
o que queremos comunicar fosse grande demais para caber em meros sons e
sílabas. Mas se olharmos profundamente para o outro e soubermos ler suas
emoções, que transbordam através de simples gestos, como o movimento de uma
mão, um olhar, uma respiração mais profunda, é possível compreendê-lo por meio
dos pequenos detalhes.
Naquele momento, fui envolvida pela presença daquele garoto que até pouco
tempo era um completo desconhecido e compreendi que a verdadeira comunicação
não acontecia entre o que era dito, mas no que era compartilhado no silêncio. Sábia
sou eu, que pude lê-lo e entender seu mundo através de gestos e sentimentos que se
expandiram para fora de seu imenso coração.
Era uma tarde comum, dessas que o tempo parece esquecer de passar. Na sala
iluminada pela luz suave do Final de tarde, Dona Maria, senhora de cabelos brancos e
olhos distantes, balançava-se suavemente em sua cadeira. Ao seu lado, Júlia falava
sobre o trabalho, sobre a vida, tentando resgatar um pedaço da mãe que o Alzheimer
parecia levar aos poucos. As palavras, porém, pareciam não encontrar abrigo. Dona
Maria respondia apenas com um sorriso vago, distante da conversa.
CRÔNICA
Entre tentativas frustradas, o silêncio se fez. E foi nele que algo aconteceu: Dona Maria
encarou a filha com um olhar sereno e profundo. Sem dizer nada, seus olhos
transmitiram saudade e amor. Júlia entendeu. Não era mais pelas palavras que a
comunicação acontecia, mas por algo mais íntimo, feito apenas de sentimento.
O toque de mãos, o brilho breve nos olhos, o respirar demorado — tudo falava. Júlia,
então, largou os relatos do cotidiano e apenas segurou a mão da mãe. O gesto
simples, carregado de emoção, dizia mais que mil conversas poderiam dizer. A
ausência de palavras revelou uma presença intensa, e no silêncio pulsava uma
comunicação genuína.
Naquele instante, ficou claro: a fala mais verdadeira é aquela que nasce do sentir.
Entre Dona Maria e Júlia, a ausência de discurso não era ausência de diálogo. Era, na
verdade, a presença plena de um amor que dispensava explicações. E foi nesse
silêncio profundo que mãe e filha se encontraram de novo.
Assim como nos outros dias daquela semana, sai de casa e fui até o parque. O
caminho não era longo, mas enquanto andava, pude admirar as formas das poucas
nuvens no céu, as árvores balançando lentamente com a brisa gélida daquela manhã.
Já era primavera de novo e os pássaros cantavam para as poucas pessoas que
movimentavam a rua naquele horário. Levava comigo meus materiais de pintura,
apenas algumas tintas e uma tela.
O parque estava vazio. À primeira vista, parece um pouco solitário, mas eu sabia que
CRÔNICA
em poucos minutos já haveriam senhoras sentadas nos bancos, crianças correndo para
ir à escola e homens correndo para não se atrasarem, seja lá para qual compromisso.
Me sentei no mesmo banco e então, comecei a pintar.
Não sei quanto tempo passei ali, mas retornei para a realidade quando uma criança
me cutucou timidamente e perguntou o que eu estava desenhando. Contei para ela
que estava reproduzindo a paisagem que vi mais cedo: as árvores, os pássaros e as
nuvens. Ela riu e disse: "As nuvens de hoje cedo tinham forma de estrela?". Contei para
ela que na verdade, não tinham, mas foi assim que pareceram quando as observei.
"Tio, por que você gosta de pintar? Sempre te vejo nesse banco, tão sozinho...".
Sinceramente, não soube responder aquela pergunta de imediato, e ela percebeu
minha dúvida. Ponderei a pergunta antes de respondê-la, pensando a melhor forma de
explicar para uma criança a liberdade que sinto ao expressar meus sentimentos em
minhas obras, como representar cada detalhe na minha caminhada que me chamou
atenção, me fez sorrir ou me fez suspirar em reprovação. "Sabe, pequena... nessa tela
posso colocar tudo que sinto quando vejo algo bonito, o que me deixa feliz ou bravo,
ou triste...", eu disse a ela e vi seu rosto se iluminar: "Então o tio pinta com o coração!".
A frase dela me fez sorrir, e eu concordei com um aceno. "Vou fazer igual você, tio!
Outro dia venho aqui e te mostro o que desenhei, algo que me deixa muito feliz!", disse
antes de sair saltitando pelo parque.
Não imagino qual será o desenho dela, talvez sejam doces ou seu brinquedo favorito.
Mas, com certeza, minha próxima tela será sobre uma menininha curiosa que faz arte
com o coração...
Movimento Carta Aberta à Fuvest
+
85
Nota: 7,50/10
Autoria: Miguel Damasceno Daré
Era fim de tarde quando Marta abriu o quarto da filha, que estava em seu treino de vôlei.
Ao passar o pano ensopado com sua fragrância preferida debaixo da cama, encontrou um
pequeno caderno de capa dura, o mesmo que se lembrava de ter dado à Marina antes de
ela completar quatro anos. Por impulso, começou a folhear, mas logo lhe veio à mente o
que a Filha pensaria daquela situação. Sabendo que sua relação já estava estremecida,
Marta recuou e guardou o caderno onde o havia encontrado.
CRÔNICA
O tempo passou, e a mãe se sentia cada vez mais distante da filha à medida que a
adolescência avançava. Aquela criança que antes contava até mesmo a cor da roupa dos
colegas de classe agora se tornara reservada. Marta, ciente da existência do diário,
frequentemente fazia perguntas incômodas, como:
— E os namoradinhos, Mari?
Sabia que, com uma rápida leitura do caderno, poderia responder a muitas de suas
dúvidas. Ainda assim, tentava respeitar o espaço da filha.
Pouco tempo depois, Marina completou quinze anos e, como de costume nessa fase,
tornou-se mais fria. Marta, agindo de forma impulsiva para silenciar suas angústias, leu o
caderno. Ficou perplexa.
Marta se perguntava:
Não. O que matou Marina foi a ausência de diálogo. Aos poucos, e com muita terapia,
Marta entendeu que sua filha não se expressava bem com palavras faladas.
Preferia desabafar com seu caderno.
Percebeu também que não adiantava se culpar pelo que deveria ou não ter feito - o fato
já estava consumado. Concluiu que o que realmente a afastou foi a contemporaneidade.
Foi ela quem matou Marina: afastou-a da mãe, dos amigos e do próprio diálogo.
Era Natal, o primeiro depois que meus pais se separaram. Honestamente, não estava
ligando muito, mas meu irmão sempre valorizou e acreditou no Papai Noel, então
nossa mãe tinha saído para encontrar algum presente. Nosso pai era afetuoso e
gostava de alimentar a mentira de que um velho barbudo deixava presentes no dia 25
para o Mike, meu irmão. Então, havia a chance de o pai aparecer, pelo meu irmão,
mas eu não ligava. Não tinha mais pai, agora era apenas eu, meu irmão e minha mãe.
Nossa mãe estava tentando adivinhar o que eu queria, mas eu não queria nada, ou
CRÔNICA
pelo menos não sabia o que queria. Ela tentou perguntar para o Mike, que deve ter
dito que eu queria uns CDs (que ela jamais me daria por causa da letra carregada de
"palavras feias", como ela chamava na frente do Mike).
Por isso, estava até curioso para ver a palhaçada que ela iria me dar. Papai me
conhecia bem, se não me desse o CD, teria me levado para dirigir, mesmo sendo
menor de 18. Ele sabia que era um sonho meu, depois de maratonar Vingadores e
Furiosos.
Enquanto ela não chegava, eu tentei manter Mike entretido. Fizemos biscoitos para o
louco que iria entrar pela chaminé e, quando deu 21 horas, ouvi uma batida na porta.
'Finalmente', pensei. Ela estava atrasada, sem desculpas para o Mike. Quando abri a
porta, era ela com meu pai, que segurava meu CD favorito. Sem ninguém dizer nada,
chorei.Talvez quem eu estava mantendo entretido era eu mesmo, longe da saudade
que a emoção de apenas ver meu pai com meu CD me lembrou. No fim, eu ligava pro
Natal e pro meu pai mais do que sabia.
Sem título
No final da festa, a tensão palpável no ar, as pessoas já partiram, nós duas sentadas no
sofá. Ela me pergunta "Eu passei muita vergonha?" e eu em silêncio aceno que sim com
a cabeça. Alí acabava nossa amizade. Atualmente, tendo a acreditar que por melhor
que tentamos ser, um dia todos nós seremos o vilão na história de alguém e naquele
momento eu assumi esse papel.
CRÔNICA
Somos convidadas, eu feliz, animada, ela indiferente, incerta, nos arrumamos, entre
risadas e farpas. Esses bons momentos, calorosos e divertidos ainda ficam na minha
mente com uma certa nostalgia, naquela altura do campeonato já sabiamos que não
estava tudo bem, mas preferíamos acreditar que era só uma fase, e falaríamos dos
assuntos bestas de escola e das fofocas de familiares. Alguns meses antes jamais
imaginaria que estariamos tão próximas e compartilhando tantos segredos.
Eu espero no ponto, ela chega correndo, fico aliviada que não sou a única que preciso
pegar esse mesmo ônibus para ir para casa. Ela me pergunta: "Qual é o seu nome?".
Me fascina como qualquer desconhecido é um colega, amigo ou amante em potêncial,
pessoas que cruzamos na rua ou que nunca falamos no trabalho. Ninguém sabe o que o
futuro reserva pra essas relações ou que nos tornamos depois delas
Estava saindo da biblioteca quando vi uma criança na rua, de mais ou menos 5 anos,
chorando compulsivamente, enquanto sua mãe a levava para dentro de uma escola.
Naturalmente, me senti comovida pela cena, ao ver aquela pequena tão assustada com
a situação —a final é apenas uma criança— mas com o tempo fui achando quase que
engraçado o desespero sem cabimento. Ao mesmo tempo, entendia a pressa da mãe,
que deveria ter hora. Creio que toda experiencia emocional possui vários pontos de
vista, e sentimentos envolvidos.
CRÔNICA
É comum tal cena. Muitas crianças quando mais novas passam por esse medo de se
separar de seus pais, mas a verdade é que isso é essencial para seu futuro, assim como
o medo de mudar de escola, de prestar o vestibular, de arranjar um emprego. Sentimos
o mesmo que ela em várias etapas, mas assim como essa, passamos por isso para
crescer e depois de um tempo, vemos sua importância. Em sua mente infantil, isso era
uma punição, um pesadelo. Na nossa, apenas uma visão cotidiana, sem real tristeza.
A realidade é que passamos por muitos sentimentos ao observar cenas como essas, ao
pensar como cada participante daquela interação ou como nós mesmos vemos o quão
complexo e fragmentado emocionalmente cada comunicação pode ser, mesmo que
superficialmente não aparente.
Era uma tarde como tantas outras, dessas que começam arrastadas e parecem não ter
fim. Acordei tarde, como sempre, e peguei o celular sem grande entusiasmo. O reflexo
automático de abrir as mensagens, de checar o que estava acontecendo, me
acompanhava já de tanto hábito. Mas uma notificação se destacou, uma mensagem
simples de Clara, uma amiga de infância. Eu não a via há meses, e ela, sempre tão
reservada, não costumava mandar mensagens só por mandar.
CRÔNICA
Era uma foto do céu, um céu nublado, carregado, sem um raio de sol à vista. Não havia
palavras. Só a imagem, e uma legenda: "Só me sinto assim hoje." Foi como um soco no
estômago, uma sensação de que eu poderia sentir aquele peso nas nuvens também,
mesmo sem estar ali. Não sabia bem o que responder, então só digitei: "Oi, Clara. O
que aconteceu? Como você está?”
Não demorou muito e veio a resposta:
— Hoje o céu é só nuvem... Não tenho palavras para explicar.
Fiquei olhando para aquela mensagem, quase sem saber o que dizer. Mas sabia que
não precisava de muitas palavras. A foto, o céu carregado, já diziam tudo. Eu então
respondi, com a sinceridade de quem não queria dar um conselho, mas apenas se fazer
presente:
— Eu entendo. O meu céu está claro hoje, mas vejo a sua dor. Você não está sozinha.
Alguns segundos depois, o celular vibrou de novo, dessa vez com um simples coração
vermelho. Só isso. Um gesto sem pressa de se explicar. Não era necessário. A
comunicação emocional, por vezes, vai além das palavras. Estava claro que, naquele
momento, o silêncio era mais eloquente do que qualquer outra coisa que pudéssemos
ter dito.
Aquela troca simples, sem pressa, sem cobranças, foi o que bastou. Eu entendi, ela
entendeu, e, por um breve momento, dois céus diferentes se tocaram. Não
precisávamos de mais nada.
Semana passada, fui à casa de minha mãe. Coisa boba, me chamou pra pegar
algumas coisas minhas que tinham ficado lá. Eu expliquei pra ela que meu marido
poderia fazer isso, ainda mais eu estando grávida, mas ela não ficou contente. Tinha
que ser eu. Quando recebi o convite, me lembrei o motivo da minha partida: a casa
estaria impecavelmente limpa, do jeito que minha mãe prezava. Sua mania excessiva,
que meu pai ousava chamar de transtorno mental, me irritava profundamente. Na
CRÔNICA
infância, ela nunca se fez presente, mas a casa deveria estar um brinco.
Minha mãe nunca foi em uma apresentação da escola, pois aconteciam de domingo, e
domingo era dia de faxina. Minha mãe não sentava no sofá com a gente, pois, na
verdade, ninguém podia sentar no sofá e ousar sujá-lo. Minha mãe não era mãe, ela
estava lá, mas não estava, tudo ao mesmo tempo.
Não a encontrei me esperando na porta. Gritei por ela, e a resposta veio do cômodo
dos fundos, inutilizado a alguns bons anos "Pode entrar!". Quando adentrei a casa, não
acreditei em meus olhos. Minha mãe, sempre metódica e calculada, com caixas e mais
caixas empilhadas na sala de estar, com a pia cheia de louças, estava
despretensiosamente pintando meu quarto de um tom de rosa aconchegante.
"Gostou?" ela me perguntou. "Vou fazer um lugarzinho pro bebê aqui, aí você pode vir
mais vezes".
Ela não me abraçou e nem disse nada, mas apenas seu gesto foi suficiente
para entender o que ela queria dizer. Ela ainda não tinha me visto com
barrigão, e, desde o falecimento do meu pai, estava sozinha. Talvez minha mãe
tenha percebido que morando sozinha, não tinha sujeira pra limpar.
Pela primeira vez, minha mãe disse que me amava. Ela não precisou dizer palavras
bonitas e enfeitadas, bastou a bagunça que eu procurei a vida toda pra ser meu
conforto.
Título: Cotidiano
"Todo dia ela faz tudo sempre igual" diz Chico Buarque, que ressoa na minha
cabeça o dia inteiro. Não posso deixar de refletir sobre a canção que traz,
cantante, a realidade cíclica de um dia a dia inalterado que, invariavelmente,
comparo com o meu próprio: despertar, estudar, comer e dormir, despertar, estudar,
comer e dormir... Entretanto, hoje uma faísca de pensamento mudou a forma como
enxergo esse cenário, que até então se mostrava apenas melancólico: o amor que o
permeia agora se fez presente aos meus olhos. Existem infinitas formas de
comunicar tal sentimento tão profundo e inexplicável, daí sua potência subjetiva tão
marcante. Hoje, porém, me dei conta de que tal comunicação não reside apenas na
CRÔNICA
verbalização das emoções, mas também nos gestos como cada pessoa exprime
aquilo que reside no seu mundo interior e subjetivo.
Tais reflexões apenas foram possíveis no momento em que parei de olhar apenas
para o interior da minha consciência, que apenas reconhecia a imobilidade do
cotidiano, e voltei meus olhos para aquilo que me estava sendo comunicado para
além do que eu conseguiria reconhecer diante do espelho. A comunicação emotiva,
portanto, tem a capacidade de se metamorfosear assumindo diferentes aparências,
basta que saibamos reconhecê-la, ampliando, assim, nossa potência subjetiva.
Era uma tarde comum de domingo. A mesa da cozinha ainda guardava restos de
café e conversas interrompidas. Foi quando João, meu avô, pediu que eu me
sentasse. O gesto, lento e firme, carregava uma solenidade incomum. Sem muitas
palavras, ele abriu uma caixa de madeira envelhecida, onde guardava cartas
escritas à mão.
"Hoje em dia ninguém mais escreve cartas", ele disse, os olhos marejados num sorriso
CRÔNICA
Não era a beleza formal das frases que me prendia, mas o que escapava delas: o
peso da ausência, o calor da memória, a vertigem de estar vivo. Ali, entendi que a
comunicação verdadeira não é feita apenas de palavras corretas, mas de emoções
que se insinuam entre as linhas, que vibram nas entrelinhas e moldam o que é dito e
o que permanece indizível.
Naquele domingo, entre goles de café frio e risadas tímidas, aprendi que a
linguagem, quando impregnada de emoção, deixa de ser ferramenta para se tornar
ponte. E que, às vezes, é no que não conseguimos dizer que mora o que há de mais
verdadeiro em nós.
É curioso como, às vezes, não são necessárias palavras para uma troca
de informações. A mulher foi retirada do trem, acompanhada pelos violentos
guardas, após um dos passageiros, secretamente, denunciá-la às autoridades.
Ontem à noite, aconteceu-me algo inesperado: fui a um encontro - nada de novo nesse
mundo da solteirice, né? — e, realmente, por ironia do destino, o inédito ocorreu.
Minha primeira frase para ele foi “meu autor favorito leva a sua graça, sabia?”. Ele
CRÔNICA
Em meio a vinhos e pizza, retornou ao assunto inicial e disse: sabe o que mais
me intriga? Esse quadro, literalmente, mostra-me emoções presas a uma pessoa que
tenta e quer gritar, mas a única coisa que consegue é escutar o silêncio de uma
sociedade que não a escuta.
Pensei muito no que ele havia dito e dei prosseguimento: “Ed, você se sente
assim?” (tentei entrar naquela conversa reprimida em todos os encontros)
Concordando com a cabeça, olhei para baixo e continuei escutando (“ele está
falando de tocar almas mesmo?”).
... dias, meses, anos se passaram, e eu me casei com o Ed. Casei-me com ele pois, além
de ser uma pessoa com todas aquelas características que trouxe lá no início,
apresentou-se como alguém comunicativo e “conectavelmente” emotivo.
Movimento Carta Aberta à Fuvest
95
+
Nota: 7,17/10
Autoria: participante 19 (anônimo)
Sem título
Aquela já vinha sendo sua rotina há aproximadamente sete meses. Todas as terças e
quintas feiras ele se encontrava com sua psicóloga. Ela fazia um relatório enigmático
sobre a " percepção de mundo" dele e ia embora. Mas aquela sessão não fora como as
outras. Karen, a terapeuta, parecia mais interessada do que nunca em entender qual era
a importância dada por Gael, seu paciente, à arte da comunicação. Não atoa assim se
iniciou o diálogo entre os dois naquela quinta :
— Bem, meu querido, a reflexão que te proponho hoje pode lhe parecer um pouco mais
profunda, mas você entenderá o objetivo dela em breve. Eu gostaria de começar o
atendimento de hoje como uma pergunta. O que você sentia quando sua mulher gritava
CRÔNICA
contigo ?
— Mas seria capaz de bater nela? De esquecer toda a essência por trás da união de
vocês dois? De abandonar, por pelo menos um instante, o amor que os uniu para
espancar sua esposa? indagou provocativa e habilmente Karen.
— Estou achando tendenciosa sua pergunta, doutora. Mas a resposta para todas as suas
perguntas é sim. Inclusive, é por isso que estou aqui enclausurado: por tentar corrigir os
maus modos de uma garota. Meus pais me ensinaram que um bom diálogo pressupõe
um exímio controle da emotividade. Caso contrário o ser racional transmuta-se em um
animal selvagem que só faz uso da linguagem para copular ou disputar um território. Era
isso que eu queria ensiná-la Karen. Mas na última vez, as palmadas foram mais fortes do
que deviam ter sido — respondeu Antônio assustadoramente.
— Veja bem querido. A frase daquele jesuíta, Padre Antonio Vieira, se não me engano,
nunca fez sentido." As causas excessivamente intensas produzem efeitos contrários." Da
maneira mais ignorante possível, você quis corrigir uma troca comunicativa através da
violência e acabou por dezimar qualque possibilidade de novas conversas vindouras. A
emoção provocou em ti uma metamorfose do horror — disse Karen com medo da reação.
Dali para frente o homem permaneceu cabisbaixo e em silencio. Karen foi para casa.
Acordo com a claridade da luz entrando pela janela. Sinto fome, frio, vontade de
chorar. Não sei dizer nada disso, mas meu corpo inteiro sabe. Então eu choro. Meu
rosto se aperta, minhas mãos se fecham em bolinhas pequenas, e o som que sai de mim
é tudo que tenho para dizer: "Me escutem!"
Meu dicionário particular é feito de sentimentos. Sorrio quando vejo o rosto que
CRÔNICA
reconheço, aquele que me dá cheirinhos e fala com uma voz doce. Grito quando a
água do banho está fria demais. Abro os braços quando quero colo, esfrego os olhos
quando quero dormir.
Cada emoção que passa em mim é uma tentativa de conversar com o mundo, mesmo
que eu ainda não tenha aprendido a usar palavras.
Acho que é assim com todo mundo, mesmo depois que cresce. A gente aprende
palavras difíceis, aprende a construir frases inteiras, mas, no fundo, ainda é a emoção
que comanda o que queremos dizer. As vezes, a raiva atropela o que tentamos
explicar. As vezes, o medo nos deixa mudos. As vezes, um abraço comunica o que
nenhuma frase daria conta.
Eu ainda não falo. Mas comunico tudo o que sinto. E talvez falar, no final das contas,
seja apenas isso: chorar com outras ferramentas.
O que se sucedeu a este acontecimento foi a morte do papa Francisco logo após o
domingo de Páscoa no mesmo ano. Um papa que ficou conhecido por suas práticas
humanitárias e enfrentamento à violência contra a minoria. Uma das reportagens
mostradas durante a cobertura do velório do pontífice, foi a de quando o papa brinca,
numa entrevista durante a Jornada Mundial da Juventude, de que "o papa é argentino,
mas Deus é brasileiro". Entretanto, no país do Carnaval, a turba continua a assistir na
mídia a perseguição e morte dos que antes foram protegido por Cristo, Filho de Deus.
Sendo assim, um aluno levanta a mão e diz: "Se for bonito, é sim, professora", no
entanto, é rapidamente rebatido:
"Mas, a arte não precisa ser bela, ela deve transparecer uma mensagem, eu acho".
Desse modo, a mestra reflete com a sala que a comunicação do sentimento é
crucial para entender qualquer tipo de obra, um entendimento irracional, formado
por seu contexto de vivências, que possibilita que criemos empatia pelo que é
mostrado.
Nessa hora, ela expõe na tela para os alunos observarem: duas obras,
"Guernica" de Pablo Picasso e uma imagem formada por uma inteligência artificial
de uma paisagem. Desse modo, ela pergunta: "Qual é a mais bonita?", todos
apontam para a segunda. Rapidamente, ela responde:
"Eu entendo, essa obra não tem a melhor aparência, todavia ela demonstra um
contexto de guerra e destruição durante a Guerra Civil Espanhola, podemos ver
pessoas mortas, detalhes de caveira pelo plano." Curiosamente, em uma exposição
onde os apoiadores da guerra estavam, procuraram furiosos pelo autor dela, e
quando perguntaram a Picasso quem havia feito, ele disse: "Vocês fizeram".
Imediatamente, o sinal toca. A aula termina, marcando cada indivíduo que esteve
nela.
Andando em uma tarde pela cidade, pensava como poderia estar em plena
solidão no momento em que mais precisava de outro alguém. Meus pensamentos
refletiam em Gabriel, meu ser amado que partiu para outra cidade, em busca de
melhores oportunidades de estudo.
Nesse momento, vivia a fase mais triste de minha vida, e gostaria de alguém
com quem pudesse conversar, em especial, se esse alguém fosse meu amado.
Sentei em um banco que avistei em um parque, ali depositei em minha cabeça que a
vida não era somente a morte de minha mãe, mas sim, a capacidade com que os
CRÔNICA
seres humanos conseguem passar por todas as situações, era nisso que eu iria me
apoiar. Era meu aniversário, estar sozinha nessa data comemorativa, não era surpresa,
apenas ressenti-me ao fato de que por um momento, achei que Gabriel voltaria para
me visitar, e até agora, nem uma ligação foi capaz de me proporcionar.
Chegando em casa, me deparo com uma situação que jamais imaginaria, Gabriel
estava ali, em pé em minha sala me esperando com flores e chocolates. Chorando, sai
correndo para seus braços e disse-lhe:
— Como pode brincar com meu coração assim?, em algumas horas atrás estava
angustiada pensando que
você nem teria se lembrado de mim.
— Não sei ao certo o que fazer Gabriel, nesse momento me sinto sozinha e
desamparada agora que não tenho ninguém por perto, seria esse o correto a
se viver?
Após isso, pude sentir em meu peito uma sensação de alívio, já não estaria
mais sozinha. Depois, eu e ele partimos e com o decorrer dos dias, entendi que
mesmo nos momentos difíceis a vida vale a pena ser vivida, sem a necessidade de
sermos tão exigentes consigo mesmos, estando ou não sozinhos, devemos
compreender os altos e baixos que todos enfrentam pelo caminho.
Movimento Carta Aberta à Fuvest
100
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Nota: 6,83/10
Autoria: Mayara Santos Carneiro
Sem título
Aquilo bateu em mim de uma maneira tão forte e ao mesmo tempo tão sutil que me fez
repensar tantas coisas, inclusive, o quão dura eu estava sendo comigo
mesma.
Chega a ser um pouco engraçado me lembrar disso agora, eu dei abertura para que
algumas pessoas tomassem posse dos meus sentimentos e fizessem o que bem
entendessem com os meus pensamentos, como se aqueles monstros tivessem controle
CRÔNICA
sobre mim, como se eles tivessem razão sobre tudo o que Falaram, mesmo que eu
soubesse que era uma grande mentira.
Eu estava chorando tanto, sendo tão dura com a permissividade que eu tive ao deixar
que me controlassem... Tudo porque uma mentira foi capaz de anular todas as minhas
verdades, tudo porque a necessidade deles de Fingir que são perfeitos me fez acreditar
que a minha imperfeição anularia todas as minhas pequenas qualidades. No entanto,
tudo mudou quando ela sorriu para mim.
Eu estava sentada de frente para uma tela de celular, chorando com aquele vídeo que
me fez lembrar todas as vezes em que me deixei ser controlada pelas minhas emoções,
pelo amor que eu sentia por eles, pelo desprezo que tive que lidar, mas ela sorriu para
mim. Era uma garotinha linda, preta, cabelo crespo, quando eu a vi, com os meus olhos
cheios de lágrimas, eu me senti viva de novo, algo voltou a brilhar em mim, aquele
sorrisinho de garotinha sapeca que poderia bagunçar minha sala inteira, me fez
relembrar que no mundo há tanta vida, são tantos sorrisos lindos ao meu redor, são
tantas pessoas buscando o meu olhar — assim como ela estava — para apenas sorrir
para mim.
Ela tinha uma estatura de, aproximadamente, três anos de idade, e como poderia uma
criança, com tão pouca idade, me salvar com um sorriso?
A mãe dela nem imagina o bem que me fez naquele dia, é como se um sorriso tivesse
sido a minha luz no fim do túnel.
Meus olhos, cheios de lágrimas, sorriram de volta, mas, meu coração, esse sim, tem
pulado de alegria desde então.
Obrigada, pequena.
Movimento Carta Aberta à Fuvest
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101
Nota: 6,67/10
Autoria: Participante 5 (anônimo)
Sem título
momentos de tristeza. Toda noite Maria rezava pela volta de seu pai, mas, com o tempo,
as esperanças foram diminuindo…
Em um dia, após retornar da escola, Maria não entendeu quando sua mãe apresentou-
lhe um “amigo próximo” - como foi dito por ela -, a garota sabia do que se tratava e
sabia também que as mínimas chances que existiam de seu pai voltar para formarem
uma família feliz, agora era nula.
De começo, Maria não se dava muito bem com Peter - novo namorado de sua mãe.
— Vai embora! Não te quero aqui! - dizia brava.
Peter, por sua vez, nunca teve raiva da moça, pelo contrário, sempre teve um enorme
carinho, que nem ele sabia de onde vinha.
Com o tempo, Peter foi conseguindo conquistar Maria. Levava-a para parques,
piqueniques, sorveterias… Peter casou-se com Regina e passou a morar junto com elas.
Maria finalmente tinha uma figura masculina e estava muito feliz com isso. Mas tinha
medo. A menina, chorando enquanto desabafava com sua mãe, disse que tinha medo
de Peter abandoná-las, assim como fez Unzinho. Maria achava que Peter a amava, mas
não tinha certeza, ele nunca havia dito para ela.
O que elas não esperavam é que Peter estava no cômodo ao lado preparando uma
noite de cinema para a família e, ao escutar a conversa das moças, pôs-se a chorar
também. Peter entrou no quarto e abraçou forte Maria. Ele disse que nunca as
abandonaria e que as amava muito! Peter, pela primeira vez, chamou Maria de “filha”,
ela se emocionou e perguntou se ela era filha dele, e esse completou:
— Agora sou seu pai!
Sem título
Sábado passado, eram umas duas horas da madrugada, estava assistindo aos Playoffs
da NBA, quando recebi uma mensagem de uma amiga minha falando de como foi o
date dela no dia, e como foram as coisas, peguei o celular e fui responder na mesma
hora, como sempre faço.
Peguei e comecei a conversar com ela, o date em si não foi o tópico principal, mas sim
o jeito que as pessoas se amam ou não hoje em dia. Eu, que sempre fui e pretendo
CRÔNICA
sempre ser alguém que ama intensamente, sempre fico surpreso como as pessoas têm
medo do amor e o evitam, na verdade. Mas é impressionante mesmo, fiquei em choque
porque ela sempre fala do menino e como gosta de quando eles saem e fazem as
coisas, mas mesmo assim tem medo de que ele a peça em namoro? Sabe, fico
realmente em choque, porque tipo, se você gosta dele, agarra a oportunidade, cara.
Mas enfim, quem sou eu para dizer isso se nunca tomo a atitude quando eu tenho ela
em minhas mãos, sou mesmo um hipócrita no final das contas, falo, falo e falo, mas não
faço, complicado.
No dia seguinte, fui andar e vi duas pessoas juntas na praça conversando, e me veio
uma indagação: Será que elas se amam? Será que elas acham que se amam? Isso
ainda continua a me chocar porque, no final, somos todos míseros grãos de areia na
história desse mundo gigante. Isso me lembra de um conceito que eu acho muito bonito,
"Sonder", que é o momento que você percebe que todos têm uma vida, que todos têm
indagações aleatórias quando andam, que alguém nesse mundo imenso poderia ter
passado pela mesma situação que eu no mesmo momento, mas vendo, por exemplo, um
jogo de futebol. Chocante, não sei se algum dia vou me acostumar com isso.
Título: Divórcio
Quando cheguei em casa ao final da tarde, fui bombardeado com a sensação de vazio
que sempre me chocava ao entrar no que deveria ser um lar. A paredes brancas,
outrora coloridas por meus filhos com suas canetinhas brilhantes, já não exalavam
conforto como antes. Minha esposa, que havia acabado de sair do banho e preparava
um bolo – ambos os fatos denunciados pelo aroma da casa – me olhava com receio e
preocupação, talvez por medo da minha reação à conversa. Eu já sabia do que se
CRÔNICA
tratava.
— Eu quero o divórcio. — disse ela, após um profundo suspiro, aparentemente tomando
coragem.
— Eu sei. — respondi imparcial, afinal, já desconfiava de sua vontade há tempos.
— Essa casa já não é mais um lar, não desde que os meninos se foram. — continuou já
com lágrimas nos olhos. Os meus não deviam estar diferentes.
Nossos filhos haviam falecido há alguns meses e, com isso, minha esposa se tornou um
fantasma da mulher que costumava ser. Eu, infelizmente, não soube lidar com a dor
dela e apoiá-la ao mesmo tempo em que lidava com a minha.
— Sei que não fui um bom marido nesses últimos tempos. — coloco minha maleta em
cima do sofá, aproveitando para limpar as lágrimas que insistiam em cair.
Ela passa alguns segundos em silêncio. Escuto diversas respirações profundas e
suspiros, sinto sua tristeza dentro de mim. Ela, tanto quanto eu, não queria que
tivéssemos chegado a esse ponto.
— Sempre vou amar você querido, cuide-se. — diz ao mesmo tempo em que se afasta e
pega as malas já prontas no corredor, as quais eu ainda não tinha notado.
Não consigo emitir qualquer som, apenas a assisto saindo de casa, observo minha
esposa indo embora para sempre. Já não posso conter as lágrimas.
Sem título
O apito distante anunciava o trem das seis e vinte, e Lygia subia a escadaria da
estação com o peso do dia enganchado nos ombros. As luzes frias do túnel realçavam o
cansaço de um dia que nem começou, a cada passo era um compasso depressa, mas
também de hesitação, como se cada um soubesse que ali começava um ritual repetido
tantas vezes quanto batidas de um coração condenado.
CRÔNICA
Quando o trem freou em luz, o mundo lá fora parecia menos cinza, uma flor solitária
rompia o concreto da plataforma, onde tão perto uma criança corria atrás do irmão
alegremente, ressoando sobre as paredes sem vida da estação. Lygia pisou na calçada
molhada, guardou a passagem no bolso e seguiu pela rua, levando consigo a certeza
de que, mesmo em rotina pesada, cabem pequenas fugas de beleza como aquela Flor
que, apesar de tudo, decidiu nascer onde ninguém esperava.
Era uma manhã de domingo, um dia de sol e céu azul. Estávamos a caminho da casa da
vovó, chegando lá, toda a família estava reunida, a mesa arrumada, a lasanha no forno
e todos estavam conversando e gargalhando. Depois de um tempo, a vovó serviu a
comida e todos continuavam com seus assuntos, futebol, filme, trabalho, política. E, no
meio de todo aquele barulho, vovó, com seu jeitinho mais tímido, estava tentando
contar uma história de seu passado, mas ninguém percebeu, ninguém menos que eu.
CRÔNICA
A cada palavra que saia, parecia que voltava no tempo, não era só o que ela dizia, mas
o que transbordava em seu sorriso, em seus olhos cheios de lágrimas e na pausa entre
cada lembrança. A emoção era tanta que em um momento ficou um silêncio, só eu e
ela, e com um leve toque em sua mão, eu disse baixinho: “Conta mais vó”.
Foi aí que notei que a comunicação profunda que tivemos não aconteceu por meio de
suas palavras, mas sim por meio das suas emoções, mesmo quando ficamos em
completo silêncio. Esse momento disse muito mais do que palavras.
E no fim, o almoço esfriou, meus familiares continuaram com seus assuntos superficiais e
nem ligaram para o que vovó me contará. Mas para mim, aquele momento foi mais que
mágico. Agora, guardo para mim cada palavra, cada pausa, cada sentimento, cada
brilho no olho. Sabendo que, no fundo, são essas pequenas partilhas que nos mantêm
conectados com quem amamos.
Certa noite quente de janeiro, vejo o discurso de uma atriz global na premiação
do Globo de Ouro. Ela, emocionada, diz sobre como a arte pode perdurar pela vida,
até em momentos difíceis. Eu, presa ao ceticismo das coisas, acreditando fielmente na
versão pessimista da vida, do 8 ou 80, do preto no branco, me vi presa à reflexão de
quantas vezes a arte fez parte da minha vida.
Na vida adulta, as novelas que me distraíram da conturbada vida que vivi, das
cansativas horas de trabalho e da dupla jornada de uma mulher no “auge” de sua vida,
seja lá o que isso significa.
Sem título
Foi em janeiro, pouco mais de dois anos atrás. Estava com minha família na
praia, é a nossa viagem mais aguardada durante o ano todo e a celebramos
como uma conquista. Para alguns pode ser algo corriqueiro, mas para nós ela
só acontece por causa de muito esforço e muita luta diária dos meus pais
(acho importante mencionar isso).
Foi uma semana incrível, a praia estava muito boa e estávamos muito felizes
em aproveitar esse tempo juntos. Em uma das noites, quando estávamos no
CRÔNICA
hotel, meu irmão chegou para mim e para nossos pais recitando um poema
que havia feito logo depois de ler um texto em certa revista que falava sobre
“cadeiras vazias”. A autora do texto dizia, resumidamente, sobre a forma que
as pessoas que amamos e partem para o outro plano espiritual afetam os
lugares que elas faziam parte de nossas vidas. E meu irmão construiu um
poema dentro dessa temática, mas com base no que ele tinha vivido e
experienciado até aquele momento.
Passei a dar muito mais importância a algo que deixava de lado e achava de
certa forma banal, pois agora sei como as palavras e os sentimentos
possuem uma imensa importância em nossas vidas e sem elas eu não seria a
pessoa que sou hoje.
Sem título
Era por volta de 18h de uma segunda-feira. Cheguei no meu prédio cansado, um dia
exaustivo de muito trabalho. Só queria tomar um banho e dormir. Ao chegar na entrada
do prédio, me deparei com um senhorzinho, me parecia ter por volta de 75 anos, a pele
enrugada, os cabelos brancos como fios de algodão doce. Estava cabisbaixo,
aparência triste e cansada. Como eu estava cansado, só queria chegar o mais rápido
possível em casa, mas não podia ignorar aquele senhor tão abatido. Sentei ao seu
lado, puxei assunto sobre o tempo, as flores, essas banalidades que tentam disfarçar o
que realmente importa. Ele sorriu, mas o sorriso não alcançava os olhos. Havia algo
CRÔNICA
preso ali, entre a garganta e o peito, querendo sair e não encontrando palavra certa.
Ficamos em silêncio. Às vezes, o silêncio fala mais do que qualquer frase bem
elaborada. Sem pensar, toquei sua mão e olhei nos fundos de seus olhos, que falavam
tanto, mas sua boca não dizia nada. Não era preciso perguntar o que doía. Naquele
momento, o que importava era o que não se dizia, mas se sentia: a dor da ausência, a
solidão dos dias. O abraço que veio em seguida não pediu licença, não explicou
razões. Apenas foi. E naquele abraço, trocamos tudo que mil palavras não
conseguiriam expressar. Subi para meu apartamento, tomei um banho e refleti.
Conseguimos dizer tudo, sem dizer nada. As emoções falaram por si só. Peguei um café
e não consegui dormir, fiquei pensando naquele momento. Às 3 horas da manhã e as
"palavras" daquele senhor ainda ecoavam na minha mente.
Sem título
E assim começava a hora mais esperada, podia largar o meu corpo, esparramá-lo pelo
sofá e me vingar de um dia sem tempo para mim: Casa- ônibus- trem- trabalho-ônibus-
trem- faculdade-ônibus-trem- casa. Eu queria muito ter entrado na USP, mas não
consegui passar na FUVEST, aquela prova é muito difícil. Minha mãe disse que eu
CRÔNICA
precisaria trabalhar, se quisesse pagar a minha própria faculdade, falou que eu era
muito "burra" por não ter passado. Na escola, não tive nenhuma aula sobre as
características dos mamíferos, mas apareceram duas questões sobre isso na prova, eu
me lembro, tinha um animal marrom. Hmm... Que delícia, como comer bolacha
recheada é tão bom. Ah, eu mereço, um docinho, eu mereço. Não quero escutar aquele
jornalista do programa que a minha avó gosta de assistir e que fala sobre morte e
assalto, não, isso não quero. Vou assistir a aquele canal de educação, que a professora
Cida de Biologia recomendou, sobre isso ela falou naquele dia que ela deu aula, o
canal de educação, será que sou educada?. Quantos jovens, dessa vez os professores
não trouxeram nenhuma questão de vestibular, só vejo jovens. O que eles estão
fazendo? São tantos. Não consigo escutar a TV. Aquela ali parece a Júlia, a menina
que senta na minha frente, muito estudiosa, parece uma calculadora de tão boa que é
em Matemática.
Essa semana, vi no Instagram uma bela cafeteria, que ainda era próxima de onde moro.
No mesmo instante, mandei uma mensagem para o meu namorado via Whatsapp
dizendo que gostaria muito de ir ao local, mas, sabendo de sua rotina cansativa com o
trabalho, especifiquei que tudo bem irmos em uma data posterior.
intenção foi claramente, ao menos para mim, a empatia e o acolhimento. Pois bem, a
resposta que obtive foi: "Você sabe que tenho que acordar muito cedo, não fico
cansado por opção", e nesse momento eu percebi, como uma pequena frase, pode ser
entendida de diversas maneiras. Ele entendeu a minha fala como descontentamento.
Dali em diante eu obviamente especifiquei as minhas boas intenções e ficou tudo bem,
mas é interessante pensar a maneira como a emoção transmitida em nossas falas não é
um acessório, ela é uma ferramenta e obrigatória ainda por cima. Se utilizamos
entonações erroneamente, as consequências vão refletir no plano material, e
possivelmente, de maneira grave. Bastariam duas ou três mensagens com conotações
ruins para que eu ficasse solteira.
A mensagem tem emissor, meio, e receptor. O emissor e receptor podem ter vivências e
contextos completamente diferentes, e nem sempre negar a emoção é o caminho da
efetividade. Ser humano é sentir, e em um mundo em que apenas o objetivo e o
lucrativo é realmente valorizado, que possamos nos emocionar mais.
Sem título
Portanto, isso nos faz refletir sobre a importância da comunicação na vida das pessoas,
tanto conversas como das demonstrações das emocionais, pois sem a cultura da
comunicação, essa essência se perde, e a vida se torna mais simples.
O neoliberalismo tenta apagar o que tornam seus súditos humanos a qualquer custo,
tornando-os máquinas de guerra, tendo sempre que produzir mais e mais.
Portanto, talvez o verdadeiro vencedor nesta batalha não seja aquele que consiga
controlar suas palavras com precisão militar, mas aquele que se permite, de vez em
quando, perder o controle, deixar a emoção falar mais alto. Porque, ao contrário do
que o neoliberalismo faz-se acreditar, a vulnerabilidade não é fraqueza; ela é essência
do que significa ser humano.
Ambas as crônicas que recebemos com nota zero têm problemas relacionados às primeiras
exigências da grade de correção. Vale relembrar o que, de acordo com a grade divulgada pela
banca da Fuvest, leva à nota zero:
“Não desenvolvimento do tema proposto, não atendimento ao tipo de texto, cópia integral
dos textos da coletânea, qualquer forma de identificação do(a) candidato(a).”
No texto do Participante 14, notamos a falta de uma estruturação em torno do tipo de texto. A
crônica é um gênero textual que se apoia em fatos cotidianos para desenvolver reflexões leves,
críticas ou bem-humoradas. Em geral, tem uma estrutura simples, com começo, meio e fim, mas
sem o compromisso de narrar grandes acontecimentos — muitas vezes, parte de uma pequena
cena, um detalhe observado na rua ou uma situação corriqueira. Embora o autor (Participante 14)
tenha tentado fugir um pouco da dissertação clássica, não é a crônica que ele encontra. Talvez
uma resenha sobre a obra descrevesse melhor esse movimento do primeiro parágrafo.
Em seguida, porém, há um desvio para o cinema, motivado, provavelmente, por uma leitura
insuficiente da coletânea. É comum que a crônica tenha esse tom intimista, com narrador em
primeira pessoa, e que mescle elementos narrativos e dissertativos. Não é neste ponto que o texto
peca. O que o faz descaracterizar o gênero é realmente não haver um planejamento reflexivo e o
movimento não ser motivado por um evento cotidiano e sim por um dos textos da coletânea.
Dessa forma, pelo distanciamento em relação ao que foi exigido do tipo narrativo e do gênero
crônica, os textos do Participante 14 e do Participante 20 não podem ser classificados para uma
correção mais aprofundada, que supere a barreira da nota zero.
Oiê!
Sou a Nay (@beletriste), professora de Redação e Literatura
desde 2018. Sou mestranda em Teoria Literária e Literatura
Comparada pela FFLCH-USP e bacharela em Letras -
Português pela mesma instituição.
Realizei dois intercâmbios em Portugal: na graduação, passei
seis meses no curso de Línguas, Literaturas e Culturas; no
mestrado, fiquei um ano nas Ciências da Cultura.
Faço parte da Frente de Redação do Cursinho Popular
Ubuntu, na zona sul da cidade de São Paulo, corrigindo textos,
ministrando reuniões de formação pedagógica, elaborando
propostas ou atividades de produção textual e ministrando
aulas.
Já trabalhei em grandes colégios e pré-vestibulares da
Grande São Paulo, tendo a honra de conhecer estudantes
incríveis nesse processo e participar de suas lindas jornadas.
Desde 2024, tenho corrigido textos para alunes da Gabi,
aprovados em Medicina na USP, Unifesp, Unesp, Famema e
outras instituições.
Qual será o próximo passo do Movimento? Nos perguntaram isso depois que a Fuvest
respondeu à nossa Carta Aberta. A verdade é que não tínhamos uma resposta definida
para esse questionamento, porém, uma expectativa nos guiava: continuar contribuindo
para tornar mais clara e acessível a compreensão do vestibular. Esta cartilha nasce
justamente desse desejo: de transformar inquietações coletivas em caminhos concretos
para quem se prepara para a prova.
Não somos uma estrutura tradicional de movimento, mas somos, acima de tudo, um grupo
de estudantes que encontrou no diálogo e na ação comum uma maneira de reivindicar
mais transparência e clareza no processo seletivo. A realização deste material não teria
sido possível sem todas(os) que nos confiaram suas redações e responderam ao nosso
questionário com cuidado e atenção. A todo estudante que participou, o nosso mais
sincero agradecimento. Esta cartilha existe graças a quem entende que a educação se
fortalece quando feita coletivamente.
Por fim, esperamos que este material não seja só um guia de estudo, mas uma
provocação e um convite. Que as inquietações que deram origem a esta iniciativa
continuem a abrir espaço para uma educação mais justa e transformadora para todos.
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