UNIVERSIDADE LICUNGO
FACULDADE DE EDUCAÇÃO
LICENCIATURA EM ADMINISTRAÇÃO E GESTÃO DE EDUCAÇÃO
Teresa Abrão Viegas
A SOCIEDADE, O INDIVÍDUO E A EDUCAÇÃO QUE TEMOS E QUEREMOS
EM MOÇAMBIQUE
Quelimane
2025
Teresa Abrão Viegas
A SOCIEDADE, O INDIVÍDUO E A EDUCAÇÃO QUE TEMOS E QUEREMOS
EM MOÇAMBIQUE
Trabalho Científico a ser apresentado no
departamento de Ciência de Educação, como
requisito parcial a avaliação orientado pelo
docente da Cadeira de Sociologia de Educação.
Dr. Paulo Mussolo Calina
Quelimane
2025
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Índice
1 INTRODUÇÃO..............................................................................................................4
1.1 Objectivos....................................................................................................................4
1.2 Metodologia do Trabalho............................................................................................4
2 DESENVOLVIMENTO.................................................................................................5
2.1 A sociedade que temos: da colectividade à mercantilização da vida..........................5
2.2 O indivíduo que temos e o indivíduo que queremos...................................................5
2.3 A educação que temos: entre conquistas e desafios....................................................7
2.4 A educação que queremos: para além do capital, do valor e da mercadoria...............8
3. Conclusão....................................................................................................................10
Referências Bibliográficas...............................................................................................11
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1 INTRODUÇÃO
A educação é um dos pilares fundamentais para o desenvolvimento humano, social e
económico de qualquer nação. Em contextos historicamente marcados pela colonização,
desigualdade e instabilidade política, como é o caso de Moçambique, o sistema educacional
desempenha um papel crucial não apenas na formação de indivíduos, mas também na
reconstrução de uma sociedade mais justa e democrática. Contudo, o sistema educacional
moçambicano enfrenta desafios persistentes, reflectindo uma crise que vai além da falta de
recursos trata-se de uma crise estrutural ligada à lógica global do capitalismo e às heranças do
colonialismo.
Compreender a educação que temos seus avanços, retrocessos e contradições é
essencial para propor transformações. Isso exige uma análise integrada da sociedade
moçambicana, do indivíduo que ela forma e do tipo de educação que promove. Inspirando-se
em pensadores como Paulo Freire e outros autores, este trabalho propõe uma abordagem
crítica e histórica para entender como a educação pode contribuir para a emancipação humana
e para a construção de uma nova sociedade.
1.1 Objectivos
1.1.1 Objectivo Geral
Analisar criticamente a educação moçambicana à luz da sociedade e do indivíduo que
temos e do modelo de educação que queremos.
1.1.2 Objectivos Específicos
Compreender os históricos sociais da educação em Moçambique;
Avaliar os avanços e limitações do sistema educacional moçambicano;
Propor directrizes para uma educação voltada à emancipação social e cultural.
1.2 Metodologia do Trabalho
Esta pesquisa é de natureza qualitativa, fundamentada em uma revisão bibliográfica e
documental exploratória, com base em obras teóricas e dados de fontes como UNICEF. A
abordagem metodológica justifica-se por permitir uma compreensão ampla dos aspectos
históricos, filosóficos e políticos relacionados ao tema. A estrutura do trabalho segue as
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directrizes da Universidade Licungo, sendo organizada em Capa, Folha de Rosto, Índice,
Introdução, Desenvolvimento, Conclusão e Referências.
2 DESENVOLVIMENTO
2.1 A sociedade que temos: da colectividade à mercantilização da vida
A trajectória histórica da sociedade moçambicana desde as comunidades tradicionais,
passando pela colonização portuguesa, até a inserção no capitalismo global reflecte uma
profunda reconfiguração dos modos de vida e de produção. Nas comunidades rurais
ancestrais, a educação era colectiva, integrada à vida, ao trabalho e à cultura local.
Com a colonização, instaurou-se uma lógica de dominação e exclusão, por meio de
uma educação selectiva voltada à elite assimilada. Esse modelo colonial impôs uma cisão
entre saber tradicional e escolarização formal, desvalorizando os conhecimentos locais.
Inspirando-se em Enguita (1989), a escola moderna passou a desempenhar o papel de
“adaptação” dos sujeitos ao modelo capitalista. A escolarização obrigatória foi, portanto, uma
exigência do modo de produção que transformou o indivíduo em força de trabalho e a escola
em espaço de disciplina e conformidade.
Kurz (1998) aprofunda essa crítica ao mostrar que a sociedade moderna, ao absolutizar
o valor económico e a lógica da mercadoria, entra em um processo de esvaziamento do
sentido humano. Para o autor, vivemos uma “crise estrutural do valor”, em que o dinheiro, o
lucro e o consumo se tornam fins em si mesmos. Esse esgotamento do modelo civilizacional
também se reflecte na forma como a educação é pensada e implementada: uma prática
funcionalista, instrumental e desumanizada, muitas vezes desconectada da realidade concreta
das comunidades moçambicanas.
Portanto, a sociedade que temos é marcada por uma profunda contradição: apesar de
avanços formais, a educação continua sendo, em muitos aspectos, uma extensão das lógicas
de dominação e exclusão herdadas do colonialismo e do capitalismo global.
2.2 O indivíduo que temos e o indivíduo que queremos
A configuração do indivíduo na sociedade moçambicana contemporânea é o reflexo de
um longo processo histórico marcado por dinâmicas de colonização, dependência económica
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e inserção periférica no sistema capitalista global. Esse percurso influenciou fortemente as
instituições sociais, entre elas a escola, que desempenha papel central na construção da
subjectividade.
Actualmente, o indivíduo que temos em Moçambique é, em muitos casos, o produto
de uma educação funcionalista, voltada predominantemente para a adaptação às exigências de
um mercado de trabalho informal, precário e instável. A escola, nesse contexto, cumpre uma
função instrumental: formar sujeitos aptos a ocupar nichos económicos de baixa remuneração,
muitas vezes desconectados de suas realidades socioculturais e desprovidos de perspectivas de
transformação.
Essa lógica educacional tem como pano de fundo a internalização do ideal de “sujeito
consumidor”, que se sobrepõe ao de “cidadão consciente”. A formação do indivíduo é, assim,
direccionada para o consumo e a competitividade, em detrimento de valores como
solidariedade, participação democrática e consciência crítica.
Segundo Jappe (1998), o sujeito moderno encontra-se profundamente alienado, tendo
perdido suas referências éticas e culturais. Ele é produzido pelas exigências abstractas do
capital e transformado em mercadoria entre mercadorias um ser moldado pela lógica do valor,
pelo consumo e pela eficiência, em detrimento da autonomia e da humanidade. Essa crítica
aponta para o esvaziamento do sujeito enquanto agente social e histórico, reduzido a uma
função reprodutiva dentro da engrenagem do sistema económico global.
Diante desse cenário, torna-se urgente repensar o modelo de formação humana em
Moçambique. O que se almeja é a construção de um indivíduo autónomo, criativo, crítico e
socialmente engajado alguém capaz de compreender sua realidade, agir sobre ela e contribuir
para a transformação social. Esse ideal de sujeito requer uma profunda reformulação dos
fundamentos da prática educativa.
Para tanto, é necessário reconstruir o currículo, não como uma lista de conteúdos a
serem memorizados, mas como uma ferramenta de mediação entre o saber sistematizado e a
vida concreta dos estudantes. As metodologias de ensino precisam privilegiar a dialogicidade,
a problematização e a participação activa dos educandos no processo de aprendizagem. A
relação pedagógica, por sua vez, deve ser baseada no respeito mútuo, na escuta e no
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reconhecimento dos saberes locais e das múltiplas identidades que compõem o tecido social
moçambicano.
A escola, nesse novo paradigma, deve deixar de ser uma instância de reprodução da
ordem vigente para se tornar um espaço de emancipação e resistência. Trata-se de aproximar a
escola da vida e da comunidade, de modo a criar condições para o florescimento de sujeitos
históricos, conscientes e comprometidos com a construção de uma sociedade mais justa e
solidária.
Contudo, superar a lógica da educação funcionalista e mercantilizada é condição
fundamental para a formação de um novo tipo de indivíduo não mais um consumidor passivo,
mas um cidadão activo, capaz de sonhar e construir um futuro diferente. Esta é uma tarefa
ética, política e pedagógica que exige o envolvimento de todos os atores sociais.
2.3 A educação que temos: entre conquistas e desafios
A educação em Moçambique passou por transformações significativas ao longo das
últimas décadas, reflectindo tantos avanços notáveis quanto desafios persistentes. Ao final do
período colonial, o sistema educacional era marcadamente elitista, segregado e excludente.
Apenas cerca de 5% da população moçambicana era alfabetizada, e o acesso à educação
formal era severamente limitado às minorias privilegiadas e aos assimilados. A educação
funcionava como instrumento de dominação colonial, legitimando a desigualdade social e
consolidando o poder político do regime português (UNICEF, 2023).
Com a independência nacional, em 1975, o novo governo liderado pela Frente de
Libertação de Moçambique (FRELIMO) adoptou a educação como uma das principais
prioridades da reconstrução nacional. A implementação de uma política de educação
universal, gratuita e obrigatória representou um marco na democratização do acesso à escola.
Os dados demonstram esse avanço:
A taxa de matrícula no ensino primário saltou de cerca de 30% (em 1975) para
quase 100% (em 2018), enquanto o número de alunos matriculados passou de 578 mil
para 6,6 milhões. O corpo docente, por sua vez, foi ampliado de 8.300 para 118.700
professores (Cambridge.org).
Apesar desses ganhos quantitativos significativos, os indicadores qualitativos do
sistema educacional continuam alarmantes. A taxa de conclusão do ensino primário
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permanece abaixo de 50%, e os níveis de aprendizagem são extremamente baixos. Estudantes
enfrentam dificuldades graves nas competências básicas de leitura, escrita e cálculo, o que
compromete a sua permanência e progressão nos níveis subsequentes da escolaridade.
Entre os factores que contribuem para essa crise de qualidade estão a alta razão aluno-
professor, a formação insuficiente dos docentes, a precariedade das infra-estruturas escolares
e a escassez de recursos didácticos. Em muitas zonas rurais, as escolas operam sem
bibliotecas, materiais pedagógicos adequados ou mesmo edifícios físicos seguros. Há
situações em que as aulas ocorrem ao ar livre ou em instalações improvisadas, com carteiras
quebradas ou inexistentes. Esses ambientes dificultam o processo de ensino-aprendizagem e
impactam negativamente a motivação de alunos e professores.
Além disso, o currículo nacional muitas vezes não dialoga com as realidades
socioculturais locais, sendo excessivamente centrado em conteúdos formais e
descontextualizados. Essa desconexão entre a escola e a vida quotidiana da comunidade
reflecte o modelo de “educação bancária” criticado por Paulo Freire (1996), no qual o
conhecimento é tratado como algo a ser depositado nos alunos, sem estímulo à reflexão crítica
ou à construção activa do saber.
Essa abordagem pedagógica contribui para a perpetuação da alienação dos sujeitos em
relação à sua realidade, limitando o papel emancipador da educação. Em vez de se constituir
como um espaço de libertação e transformação, a escola tende a reproduzir as desigualdades
sociais, culturais e económicas existentes.
Portanto, apesar das conquistas significativas no que diz respeito ao acesso, a
educação moçambicana enfrenta hoje o desafio urgente de avançar em termos de qualidade,
equidade e relevância. Isso implica não apenas a melhoria das condições materiais, mas
também a reformulação dos princípios pedagógicos e das políticas curriculares, de modo a
tornar a escola um verdadeiro instrumento de desenvolvimento humano e social.
2.4 A educação que queremos: para além do capital, do valor e da mercadoria
Diante dos limites impostos pela actual configuração da educação moçambicana ainda
fortemente influenciada pela lógica do capital, da mercadoria e da adaptação ao mercado
torna-se urgente pensar em um novo paradigma educativo. A educação que queremos é aquela
capaz de construir um projecto alternativo de sociedade, no qual o ser humano e a vida em
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comunidade estejam no centro das prioridades, e não a reprodução de um sistema económico
excludente.
Trata-se de superar o modelo funcionalista e instrumental, voltado exclusivamente à
inserção do indivíduo no mercado de trabalho, para promover uma formação integral, crítica,
ética e socialmente comprometida. A proposta é uma educação voltada à emancipação dos
sujeitos e à transformação da realidade. “É necessário reinventar a escola não para adaptar o
sujeito à ordem social existente, mas para formar indivíduos capazes de transformá-la”
(Enguita, 1989).
Essa concepção implica uma série de compromissos e directrizes fundamentais:
Valorização da cultura moçambicana e dos saberes tradicionais: A escola deve
integrar os conhecimentos ancestrais, línguas locais e práticas culturais, fortalecendo a
identidade dos alunos e valorizando a diversidade.
Estímulo ao pensamento crítico e à criatividade: A educação deve ultrapassar a
simples memorização, incentivando a curiosidade, o questionamento e a construção
autónoma do saber, formando sujeitos críticos e activos.
Formação de professores como agentes políticos e culturais: O professor deve ser
visto como mediador do saber e agente de transformação, com formação ética,
pedagógica e política voltada para a realidade social.
Democratização do acesso à escola com qualidade: É necessário ampliar o acesso
com qualidade, garantindo infra-estrutura, materiais, alimentação, transporte e
políticas inclusivas que respeitem a diversidade.
Promoção do ócio criativo: Seguindo De Masi, o ócio criativo deve ser estimulado
como espaço de reflexão e reinvenção, tornando a escola um ambiente de liberdade, e
não apenas de disciplina.
Essa educação transformadora pressupõe uma ruptura com a lógica da mercantilização
do ensino, na qual o conhecimento é tratado como produto e o aluno como consumidor. A
perspectiva que se propõe é humanizadora, integradora e libertadora. Mais do que preparar
para o mercado, a educação deve preparar para a vida em sua complexidade, promovendo o
desenvolvimento de sujeitos históricos, críticos e capazes de intervir no mundo.
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A construção dessa nova educação exige vontade política, participação social e um
esforço colectivo de reconstrução dos fundamentos da prática pedagógica. Só assim será
possível avançar para além das amarras do capital e dar lugar a uma educação
verdadeiramente comprometida com a dignidade humana e com a justiça social.
3 Conclusão
A análise crítica da educação moçambicana permite compreender que, apesar de
avanços importantes em termos de acesso e expansão do sistema educacional, persistem
profundas contradições estruturais que limitam sua capacidade de promover justiça social,
equidade e emancipação humana. A educação que temos ainda carrega marcas da herança
colonial e da lógica capitalista global, manifestando-se num modelo escolar funcionalista,
voltado para a adaptação ao mercado e desconectado das realidades locais.
A escola, em vez de ser um espaço de transformação e valorização dos saberes das
comunidades, muitas vezes reproduz desigualdades e mantém o sujeito numa posição de
alienação. A formação de um indivíduo conformado, consumista e despolitizado é um reflexo
directo de práticas pedagógicas descontextualizadas, da precariedade estrutural e de currículos
distantes da vida concreta dos estudantes.
Por outro lado, o presente trabalho defende que é possível e necessário construir uma
outra educação uma educação que não apenas ensine, mas que liberte; que não apenas forme
para o mercado, mas que desenvolva sujeitos críticos, criativos e comprometidos com a
transformação social. Para isso, é essencial valorizar a cultura moçambicana, os saberes
tradicionais, o pensamento crítico, o papel político do professor e o direito à escola com
qualidade e inclusão.
A educação que queremos não é apenas uma proposta pedagógica: é um projecto
político de sociedade. Ela exige ruptura com a lógica da mercantilização e aposta em um
modelo humanizador, integrador e emancipador. Como destacou Paulo Freire, “ninguém
liberta ninguém, ninguém se liberta sozinho: os homens se libertam em comunhão”. Nesse
sentido, transformar a educação moçambicana é tarefa colectiva e urgente uma tarefa que
requer vontade política, mobilização social e compromisso ético com as gerações presentes e
futuras.
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Só assim será possível construir uma escola que forme não apenas trabalhadores, mas
cidadãos plenos, capazes de sonhar, resistir e reinventar o seu país a partir de suas próprias
raízes, saberes e esperanças.
Referências Bibliográficas
Banco Mundial. (2022). Visão geral da educação em Moçambique. Disponível em:
https://www.worldbank.org/en/country/mozambique/overview
Cambridge University Press. (2021). Expansão da educação em Moçambique.
Disponível em: https://www.cambridge.org/
Enguita, M. (1989). A longa marcha do capitalismo. In A face oculta da escola. Porto
Alegre: Artes Médicas.
Freire, P. (1996). Pedagogia da autonomia: Saberes necessários à prática educativa.
São Paulo: Paz e Terra.
Jappe, A. (1998). O mercado absurdo dos homens sem qualidade. In Os últimos
combates. (4ª ed.). Petrópolis: Vozes.
Kurz, R. (1998). O fim da política. In Os últimos combates. (4ª ed.). Petrópolis: Vozes.
UNICEF/UNESCO. (2023). Estatísticas da educação em Moçambique. Disponível
em: https://www.unicef.org/mozambique/
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