Eva Winners BITTER PRINCE
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DE FÃS PARA FÃS
Eva Winners BITTER PRINCE
Warrior
Jewell Designs
Agosto 2025
Eva Winners BITTER PRINCE
BITTER
PRINCE
Stolen Empire
Livro 1
EVA WINNERS
Eva Winners BITTER PRINCE
Stolen Empire Trilogy
Eva Winners BITTER PRINCE
PLAYLIST
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Eva Winners BITTER PRINCE
AVISO DE GATILHO
Este livro aborda alguns assuntos delicados e alguns leitores poderão
considerá-lo perturbador.
Há conteúdo de gatilho relacionado a: assédio sexual e possíveis cenas de
abuso, suicídio, tortura, violência gráfica, assassinato, traumas do
passado, aborto espontâneo.
A semelhança com pessoas e coisas reais, vivas ou mortas, locais ou
eventos é inteiramente coincidência.
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NOTA DA AUTORA
Olá, leitores,
Por favor, saibam que este livro contém elementos sombrios e cenas
perturbadoras. Sigam com cautela. Não é indicado para os de coração fraco.
Nota da Revisão
Neste livro e nos seguintes há uma personagem – Phoenix - que apenas se
comunica através da Linguagem de Sinais, devido ao síndrome de Pendred.
A síndrome de Pendred é uma doença genética rara que afeta
principalmente a audição e a tireoide, podendo também impactar o
equilíbrio.
Eva Winners BITTER PRINCE
SINOPSE
Era uma vez um leão que salvou uma garota.
Sua pequena garota canela.
Esse leão cresceu e virou um príncipe. Sombrio, amargo e tão
bonito que doía olhar para ele.
Mas por trás de tudo isso, a garota via o homem. Via sua fome por
amor e afeto, e ela tinha de sobra para dar.
Eu era essa garota. Me apaixonei, mesmo quando ele me disse
para não fazê-lo. Dei tudo de mim, porque era assim que eu era.
Estava determinada a mostrar a ele a luz neste mundo, e seus
sorrisos eram a razão do meu viver. Ele era a minha arte, a minha
melodia, a minha inspiração. Éramos belos juntos.
Então eu dei e dei, tudo ao meu príncipe amargo.
Até não ter mais nada para dar.
Até ele me deixar vazia.
Ninguém me avisou que o amor me empurraria para uma
escuridão tão gelada, que me destruiria.
Para sobreviver, eu teria que matar a garota canela e me tornar
outra pessoa.
Alguém que eu não reconhecia.
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DEDICATÓRIA
Se eu tivesse uma flor
Para cada vez que pensei
Em você, eu poderia caminhar
Para sempre em meu jardim.
Alfred Lord Tennyson.
Eva Winners BITTER PRINCE
PRÓLOGO
REINA, 6 ANOS
Era uma vez um castelo magnífico à beira do Golfo de Trieste. Era,
de fato, um lugar mágico, com vista para o mar a leste e colinas exuberantes
a oeste. Um rei selvagem e seus dois filhos viviam em meio à escuridão,
lentamente murchando junto com tudo ao redor. Nenhuma quantidade de
magia poderia salvá-los.
Os jardins estavam repletos de papoulas, jasmim-do-mato,
gardênias e violetas. A brisa suave percorria o ar, trazendo consigo tantos
aromas. O mar, as flores e a fragrância dos frutos cítricos borrifavam o ar e
atraíam as borboletas que agora esvoaçavam ao nosso redor.
Minha irmã e eu ficamos boquiabertas com a serenidade do lugar,
sua mão entrelaçada na minha. Dezenas de pessoas riam, comiam e
dançavam. Uma antiga canção italiana melodiosa, como as que papai amava,
preenchia o ar, e as pessoas conversavam em italiano e inglês.
— É tão bonito, — falei enquanto sinalizava para mamãe, papai e
Phoenix. As luzes cintilavam no rosto da minha irmã mais velha e, pela
primeira vez em muito tempo, uma expressão maravilhada e feliz passou por
ele.
— É um lar mágico, — respondeu mamãe, também sinalizando,
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mas a expressão em seu rosto era sombria, e seus olhos refletiam infelicidade.
A mão de papai subia e descia por suas costas em um gesto de consolo.
— Romero, sei arrivato 1 . — Uma voz profunda e severa fez
mamãe nos puxar, Phoenix e eu, mais para perto. Eu não entendia italiano.
papai costumava falar com mamãe em inglês, então nunca houve
necessidade de aprender.
— Fico feliz que tenha vindo, junto com suas meninas e sua
adorável esposa, — disse o homem, mudando para nossa língua, seus olhos
azuis cravados em mim e em minha irmã.
— Angelo, que bom vê-lo, — cumprimentou papai. — Meninas,
este é o senhor Leone. Ele é nosso anfitrião. — Minha irmã e eu nos
encolhemos mais contra a saia de mamãe enquanto a mão de papai envolvia
sua cintura. — Esta é minha esposa, Grace.
Os olhos do senhor Leone se voltaram para nossa mãe, e um
lampejo de algo que eu não compreendi cruzou por eles. Algo de que não
gostei.
Ele segurou a mão livre de mamãe e a levou até os lábios.
— É um prazer conhecê-la, senhora Romero. — Eu não gostei.
Queria arrancar a mão da minha mãe daquele aperto e dizer que ela era minha,
mas sabia que papai ficaria descontente se eu não me comportasse com boas
maneiras. — Você é ainda mais deslumbrante pessoalmente do que na tela.
Mamãe costumava ser atriz, mas desistiu da carreira por papai. E
por Phoenix e por mim. Ela era linda, e quando sorria, todos ficavam
1
Você chegou.
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hipnotizados. Seus cabelos loiros macios caíam pelos ombros, balançando a
cada movimento. Ela usava um vestido vermelho, a cor favorita de papai,
para mostrar o quanto o amava. Ele também a amava muito, mas mamãe não
estava feliz. Já o ouvi dizer a ela uma vez que daria a lua e as estrelas só para
vê-la feliz novamente.
Os lábios de mamãe se estreitaram ao observar o senhor Leone, do
mesmo jeito que faziam quando ela não gostava de algo. Como quando o
médico disse a ela que Phoenix havia perdido a audição. Ela nunca chorou;
nunca gritou. Mas papai chorou naquele dia. Eu não entendi nada daquilo.
Papai segurou a mão de mamãe.
— Vamos dançar, amore mio2, — disse ele, os olhos pousando em
mim e na minha irmã. — Querem brincar? — Ambas assentimos. — Vão e
divirtam-se. Nada de encrenca.
— E nada de se sujar, — Mamãe gritou atrás de nós enquanto
saíamos correndo.
Caminhamos pelos jardins e pegamos dois cannoli, enfiando-os na
boca e apanhando mais dois. Rimos e saímos correndo antes que alguém
pudesse nos repreender. Muitas palavras em italiano eram ditas. Muitos
olhares curiosos se voltaram para nós, mas ficávamos mais entre nós mesmas.
Quando nos cansamos de brincar do lado de fora, fomos para o
grande castelo, vagando pelos cômodos vazios e evitando outras pessoas.
Todos riam e conversavam como se se conhecessem há séculos. Falavam
com papai em italiano, sabendo que mamãe não compreendia uma única
2
Meu amor.
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palavra.
Éramos estrangeiras ali, mas talvez não por muito tempo. Papai
queria nos mudar de volta para a Itália, então estávamos passando o verão de
férias aqui. Mamãe dizia que era um teste, mas eu não sabia o que estávamos
testando.
— Oi? — chamei, minha voz ecoando pelo longo corredor.
Nenhuma resposta. Troquei um olhar com minha irmã e voltei a olhar para o
corredor comprido com o chão de mármore reluzente.
Uma ideia surgiu, e quando encontrei os olhos da minha irmã mais
velha, o brilho travesso em seu olhar me disse que ela pensava a mesma coisa.
Mamãe dizia que Phoenix e eu tínhamos olhos idênticos. Eram da cor de um
mar profundo, como o fundo de uma lagoa.
— Vamos fazer? — sinalizei. Seus olhos desceram até meus pés.
Dos meus até os dela. Usávamos vestidos combinando com meias rendadas
e franzidas. Talvez esse fosse o melhor uso possível para elas.
Ela assentiu e chutamos os sapatos que mamãe havia
cuidadosamente escolhido para nós mais cedo naquele dia.
Levantei a mão. Três. Dois. Um.
Saímos em disparada, deslizando pelo chão de mármore da
mansão. Ríamos, caindo uma sobre a outra e rolando pela superfície fria e
lisa.
— Vamos nos meter em encrenca se nos pegarem, — sinalizou
Phoenix.
— Ninguém vai nos pegar, — assegurei. — Eu vou te proteger.
Eva Winners BITTER PRINCE
Fizemos de novo e de novo, deslizando como se estivéssemos no
gelo. Batíamos, corríamos, batíamos de novo. Era quase como voar.
Até que… Crash!
Congelamos. Pedaços de um vaso grande, que parecia ter saído do
filme de Mulan, estavam espalhados pelo chão. Nossas respirações soavam
mais altas no silêncio que se seguiu. Meu coração batia acelerado, o pulso
zumbia nos ouvidos. O aviso de papai relampejou em minha mente: Vocês
devem se comportar nesta festa, meninas. Fiquem longe de confusão.
— Que diabos aconteceu aqui? — Uma voz profunda em italiano
me assustou, e soltei um gemido, fazendo Phoenix fazer o mesmo. Os olhos
do leão se tornaram frios e cruéis, encarando-nos. Ele deu um passo à frente,
sua forma se agigantando sobre nós como uma nuvem carregada. Segurei a
mão da minha irmã e a empurrei para trás de mim. Ela era mais alta que eu,
mas eu era mais forte. Eu o morderia se fosse preciso, para que ela pudesse
correr e chamar nosso pai.
— Qual de vocês fez isso? — ele sibilou.
O pânico cresceu dentro de mim. Devíamos correr. Gritar. Mas
minha voz estava presa na garganta. Uma menina de seis anos contra o rei
malvado.
— Fui eu.
— Não, papai, fui eu.
As vozes de dois meninos responderam em uníssono.
Segui o som e os encontrei parados no canto. Duas pequenas
sombras, imóveis. Seus olhos estavam fixos no homem.
Eva Winners BITTER PRINCE
Um dos meninos se parecia com o pai. Mesma coloração. Mesmo
cabelo castanho-escuro, quase preto. Mesma aspereza.
Mas o outro… Ele não se parecia com nenhum garoto que eu já
tivesse visto. Seu rosto tinha ângulos marcados. Sua pele era dourada. Seu
cabelo era mais escuro que a meia-noite e tons azulados brilhavam entre os
fios. Seus olhos semicerrados refletiam a galáxia inteira - um universo
próprio - com estrelas enterradas no fundo deles.
Quando seu olhar encontrou o meu, o tempo parou. Ficou suspenso,
deixando-nos sozinhos no mundo.
Era como olhar para o veludo negro da noite, deixando o sonho
engolir você. Não havia sol em seus olhos. Não havia lua. Mas havia estrelas.
Estrelas que um dia brilhariam só para mim.
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CAPÍTULO 1
AMON, 12 ANOS
Dante e eu estávamos sentados à mesa de jantar, com os olhos
fixos nos pratos. Os meus ardiam, mas eu sabia que, se papai me visse
chorando, me açoitaria. Minhas costas coçavam só de pensar, com a camisa
roçando sobre as cicatrizes.
Mas valeu a pena, se serviu para poupar a menininha de olhos azul-
cristal e cachos dourados. Por algum motivo, eu não conseguia suportar ver
o medo nos olhos dela. Todo mundo tinha medo do Pai. Mas imaginar
lágrimas escorrendo por aquelas bochechas cor de ameixa fazia meu peito
apertar. Do mesmo jeito que apertava quando papai machucava a mamãe.
Smash.
Outro estrondo alto, e não era preciso ser gênio para saber que
haveria muitos móveis quebrados. Mamãe e papai viviam discutindo. Ele a
chamava de prostituta mimada. Ela gritava para que ele a vingasse. Eu não
entendia muito do que diziam, mas era difícil entender por que ele sempre
gritava com ela. Mamãe dizia que um homem de verdade nunca levantava a
mão ou a voz para mulheres ou crianças.
E ainda assim, ela o amava.
Outro grito dilacerante cortou o castelo. Empurrei a cadeira para
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trás e me levantei. Não tínhamos permissão para interferir, mas eu não podia
deixar que ele machucasse minha mãe. Se eu recebesse a surra destinada a
ela, que fosse.
— Amon, você não devia… — Dante parou ao olhar para o meu
rosto. Então suspirou e também empurrou a cadeira para trás. — Tudo bem,
vamos juntos.
Balancei a cabeça.
— Não. Você tem que cuidar da mamãe.
Seu maxilar se contraiu, e eu soube que ele não gostou da resposta.
Mas essa seria uma daquelas vezes em que eu usaria a regra do ‘eu sou mais
velho’. Mesmo que fosse só por algumas semanas.
Atravessei o saguão coberto de cacos de vidro e gotas vermelhas.
Sangue. Meu coração se apertou enquanto eu subia as escadas, seguindo o
rastro de destruição e o som das vozes raivosas. Meus pés me levaram até a
porta do quarto do Pai, que estava entreaberta.
— Como pôde deixá-lo pisar aqui? Na nossa casa. — A voz de
mamãe falhou. — Sabendo… como ele me tratou. Como me usou.
— Isso não tem nada a ver com você. — A voz retumbante de
papai fez as janelas tremerem. Ou pelo menos pareceu. — Pare de ser
melodramática e ciumenta. Isso é indigno.
— Você… você… monstro. Eu lhe dei t-tudo, — Mamãe voltou a
falar em japonês, os soluços interrompendo suas palavras. — Ainda estou
lhe dando tudo. E você...
— Não termine essa frase, — rosnou papai, ameaçador. Um
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rangido alto soou, imediatamente seguido por soluços abafados que fizeram
meu estômago se revirar. Eu ainda não tinha jantado, mas o almoço
ameaçava voltar pela minha garganta.
Empurrei a porta, parei no batente e congelei.
Papai estava sobre mamãe, com o joelho pressionando sua
garganta. Suas mãos estavam amarradas à cabeceira da cama, o corpo
coberto de hematomas e sangue. As roupas estavam rasgadas, pendendo de
seu corpo como trapos.
Ela gemeu, e foi isso que finalmente me tirou do torpor. A raiva
explodiu dentro de mim, vermelha e furiosa, e eu disparei pelo quarto,
jogando meu pai no chão. Ele caiu da cama com um estrondo alto, e eu fui
junto, logo atrás. Para um velho cruel, ele se movia com uma agilidade
surpreendente. Recuperou o equilíbrio e me deu um tapa com as costas da
mão. Eu devia ter sentido, mas não senti. Tudo o que eu conseguia sentir era
a adrenalina e a fúria correndo pelas minhas veias.
Continuei socando, batendo, mordendo. Qualquer coisa para
retribuir a dor que ele nos causava.
Ele me rolou de costas, meu crânio batendo no piso frio de madeira.
Estrelas dançaram diante da minha visão, mas eu sacudi a cabeça.
— Cesar, traga essa sua bunda inútil aqui, — ele gritou.
— Não — sibilei, me debatendo contra ele. Avancei e acertei uma
cabeçada, seu nariz jorrando sangue na hora. — Cubra minha mãe primeiro.
Eu odiava ser menor do que ele, e fiz uma promessa ali mesmo:
um dia, eu seria mais forte. Forte o bastante para derrotá-lo. Forte o bastante
Eva Winners BITTER PRINCE
para acabar com ele.
De algum modo, mamãe conseguiu se soltar e pulou em suas
costas.
— Solte-o, Angelo. Ou juro por Deus, eu vou embora. Levo Amon
e volto para casa, que se danem as consequências.
Pai ficou imóvel por um instante antes de empurrá-la para longe.
— Você tem sorte que eu preciso das conexões dela, — cuspiu com
nojo, antes de me puxar para ficar de pé.
Minha visão escureceu enquanto eu sacudia a mão dele. Ele apenas
balançou a cabeça, murmurando algo inaudível. Papai odiava sentir-se
impotente. Eu não entendia o que ele precisava de mamãe, mas devia ser
importante.
Uma batida soou na porta e eu me abaixei para pegar um roupão
jogado no chão, envolvendo o corpo pequeno da minha mãe com ele.
— Cai fora, Cesar, — Papai rosnou. — Sempre atrasado, como
sempre. — Depois saiu do quarto, deixando-me sozinho com minha mãe. O
silêncio se instalou no ambiente, denso e ameaçador.
— Você não devia irritá-lo, Amon, — ela me repreendeu
suavemente. — Você é importante. Eu não sou.
Balancei a cabeça. — Você é importante. Para mim e para Dante.
Ela tocou minha bochecha. — Mas eu sou sua mãe, não a de Dante.
— Sua voz ficou rouca, e a mão sobre meu rosto tremia. — Eu amo vocês
dois, mas você é o meu pequeno príncipe, e tem direito a uma coroa.
Meus olhos se arregalaram. — Eu tenho?
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A tristeza em seu olhar me dilacerou. — Você é mais velho que
seu irmão e que seu primo. E, mesmo assim, eles vão tirar o que deveria ser
seu. O que é seu por direito. O que você merece.
Ela desabou no chão enquanto eu me agarrava à sua mão,
pressionando-a contra meu rosto.
— Mamãe?
— Estou bem. Só cansada, — murmurou, os olhos se fechando
devagar. Usando toda a minha força, tentei levantá-la. Quando não consegui,
alcancei os travesseiros e cobertores macios, puxando-os da cama e cobrindo
seu corpo pequeno.
— Meu pequeno príncipe, — ela murmurou. — Ele roubou de
você.
Eu não entendia os sentimentos que rastejavam por minhas veias
com aquelas palavras. Levaria anos para perceber que aquilo era amargura.
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CAPÍTULO 2
REINA, 6 ANOS
Do pó viemos.
Ao pó retornamos.
Essas foram as únicas palavras que o padre disse em inglês. O
restante da cerimônia foi em italiano, o que significava que a maioria dos
visitantes vindos dos Estados Unidos não conseguiu entender.
Eu incluída.
Tudo o que eu sentia era um aperto no peito. Minha respiração
pesada. Uma queimação nos olhos.
Era uma sensação desconhecida. Sufocante. Esfreguei o peito para
aliviar a dor. Para conseguir colocar mais ar nos pulmões. Minha visão
embaçou - lágrimas ou pânico, eu não sabia - mas então Phoenix apertou
minha mão, trazendo minha atenção de volta ao que nos cercava.
O ar voltou aos meus pulmões. Minha visão clareou aos poucos, e
a primeira coisa que entrou em foco foi nosso papai.
Ele estava devastado, observando o caixão descer para o jazigo da
família. Vovó chorava, seus soluços suaves enchendo o ar enquanto minha
irmã e eu permanecíamos de pé, olhos arregalados, agarradas às mãos uma
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da outra. Meu peito doía, mas achei que fosse normal, já que Phoenix disse
que o dela também doía.
Ficamos afastadas enquanto as pessoas ofereciam seus pêsames e
iam embora. Elas voltariam às suas vidas, enquanto a nossa mudaria para
sempre. O marido da vovó em breve seria seu ex-marido, então restávamos
só nós quatro.
— Está na hora de dizer adeus, — disse vovó, a voz trêmula.
Eu nunca tinha visto vovó chorar, e algo naquilo fez meus olhos
arderem.
— N-não quero d-dizer adeus. — Um soluço escapou, e eu limpei
o nariz com as costas da mão. — Quero que a mamãe fique com a gente.
Nunca gostei de despedidas. Mesmo quando papai e mamãe nos
deixavam com uma babá - geralmente vovó - para sair para jantar, aquilo me
deixava aflita, e eu lutava contra o sono até que eles voltassem.
Mas dessa vez, não havia como evitar.
Mamãe não voltaria. Não desta vez. Ouvi papai dizer que aquele
era um adeus definitivo, e então ele desabou. Disse que não sabia como viver
sem ela. Agora mesmo, ele encarava o caixão, incapaz de desviar o olhar.
Não se movera desde que a cerimônia começou. Algo em seus olhos me
assustava. Talvez fosse o luto, ou talvez fosse outra coisa. Eu não sabia.
— Vamos, — sinalizou Phoenix.
Eu não me mexi, então ela puxou meus braços.
— Não, — articulei teimosamente com os lábios. Eu estava
cansada demais para mover as mãos e sinalizar, mas Phoenix sabia ler meus
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lábios. — Papai não vai embora, então nós também não vamos.
Vovó observou nossa troca, o rosto pálido como um fantasma. Ela
parecia exausta, depois de viajar por dois dias seguidos para chegar ao
funeral a tempo. Virou-se para nosso pai, as sobrancelhas franzidas em
desaprovação.
— Vou levar as meninas para casa, Tomaso, — disparou ela.
Ele não desviou os olhos do caixão.
— Estarei lá em breve.
Ela lançou um olhar fulminante, e eu me encolhi, os ombros
murchando. Vovó podia ser assustadora quando queria.
— Não para aquela casa, — ela sibilou. — Vou levá-las comigo.
Isso fez papai erguer os olhos do caixão. Alguns batimentos se
passaram antes que a compreensão surgisse em seu olhar. — Não acho que
seja uma boa ideia, Diana.
Vovó o encarou, fria e aterrorizante, e de repente eu não queria
mais ir com ela. Preferia ficar com papai. — Eu não estou pedindo, Tomaso.
As meninas estarão seguras comigo.
— Eu vou mantê-las seguras. — O rosto dele ficou vermelho,
talvez até roxo, e ele soltou uma sequência de palavrões que eu não entendi.
— Fiz uma promessa à minha filha quando ela se casou com você,
— a voz dela ecoou pelo cemitério vazio, perturbando todas as almas, vivas
e mortas. — Eu vou cumprir essa promessa.
— Você não vai tirar minhas filhas de mim! — ele rugiu.
Eva Winners BITTER PRINCE
Vovó deu um passo à frente, e eu nunca a tinha visto parecer tão
grande e forte.
— Grace me ligou e contou o que descobriu. — O rosto de papai
empalideceu. Ele abriu a boca, depois fechou. Tentou de novo, e ainda assim
nenhuma palavra saiu. — Eu não entendo muito do seu mundo, Tomaso, —
continuou vovó. — mas sei que, se mais alguém descobrir, Phoenix e Reina
estarão em perigo.
O braço de Phoenix me envolveu, me apertando com força, e eu
podia sentir que ela tremia tanto quanto eu. Fiquei ali parada, olhos
arregalados diante daquela troca, com o coração batendo forte, estalando
minhas costelas, e soube que algo sombrio estava começando a se formar.
Eu só não sabia quando ou onde isso voltaria para nos machucar.
Eva Winners BITTER PRINCE
CAPÍTULO 3
AMON, 14 ANOS
Caí de joelhos, o soco me fazendo perder o equilíbrio.
Mamãe deixou cair o quimono rosa que estava costurando,
soltando um arquejo agudo. Meu irmão estava sentado ao lado dela,
prendendo a respiração e observando cada movimento.
Era minha aula semanal de Goju-ryu e Shotokan karate com o
Mestre Azato, antigo mestre do meu avô. Ele podia ser avançado em idade,
mas era mais forte do que muitos homens com metade da sua idade. Mais
forte que meu pai. Por isso eu ouvia suas instruções com atenção e me
dedicava intensamente.
Não só porque queria ser mais forte que meu pai, mas para me
tornar imbatível e deixar meu avô orgulhoso. Ele só havia entrado na minha
vida no último ano, mas disse à mamãe que queria que eu assumisse a Yakuza.
Mamãe disse que isso me tornaria mais forte do que papai. Mais forte que a
Omertà. Mais forte que a maior parte do submundo.
Eu treinava com afinco e me forçava ainda mais.
Levantei-me a tempo de bloquear outro golpe. Ofegante, cerrei os
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dentes e usei um mikazuki geri3, dobrando o joelho e apontando-o para a
esquerda do Mestre Azato.
Ele grunhiu quando estiquei a perna com força, parando a apenas
um fio de distância de seu rosto. Quando recuou, estava sorrindo.
— Bom trabalho, Amon, — elogiou em japonês.
— Acertei com força demais hoje, mestre? — respondi no mesmo
idioma. Minhas aulas de japonês eram mais uma exigência do meu avô.
Mamãe era obrigada a falar italiano na casa do Pai, mas quando estávamos
sozinhos, ela falava japonês comigo. Isso se mostrava útil.
Ele balançou a cabeça. — Nunca segure seus golpes. Para ninguém.
Fizemos uma reverência, sinalizando o fim da sessão.
Fui até minha mãe e dei um leve toque no ombro de Dante. — Sua
vez.
Seus olhos se iluminaram. Papai o proibia de fazer aulas,
chamando aquilo de ‘bobagem mística’, mas o que ele não sabia não lhe faria
mal.
Dante se levantou, tirou os sapatos com pressa e quase correu até
o centro do tatame.
— Estou pronto, Mestre Azato.
Sentei ao lado da minha mãe e virei o rosto. Meu peito se apertou.
Ela estava ficando cada vez melhor em esconder os hematomas, mas eu tinha
me tornado melhor ainda em reconhecer os tons do corretivo.
3
É um chute semicircular, em que a perna descreve um arco de fora para dentro, atingindo o
adversário com a planta do pé ou o calcanhar.
Eva Winners BITTER PRINCE
— Mamãe, por que nós não fugimos? — perguntei, a voz rouca
enquanto mudava para o japonês. Era mais seguro assim, porque papai nunca
aprendera uma única palavra. Dante também não, mas eu sabia que ele
jamais contaria, mesmo que pudesse nos entender. Ele amava nossa mãe e
queria que ela estivesse segura. Ela era a única mãe que ele conhecia. A única
que alguma vez nos mostrou amor e carinho.
Pai nunca falava sobre a mãe biológica de Dante. Mamãe
geralmente empalidecia sempre que a falecida senhora Leone era
mencionada - a esposa que morreu no parto sob circunstâncias misteriosas.
Eu não sabia se era vergonha por parte de mamãe, por saber que era a amante
enquanto a esposa de papai lutava para sobreviver.
A raiva fervia dentro de mim por causa daquele triângulo
deturpado. Amor era uma complicação que eu não precisava na vida.
Mamãe balançou a cabeça e tocou meu ombro com olhos tristes.
— E ir para onde, meu pequeno príncipe?
— De volta para casa. Para o Japão. Para as Filipinas, — arrisquei,
a voz falhando enquanto eu tentava, em vão, engolir as emoções. —
Qualquer lugar, menos aqui.
Mamãe parecia diminuir a cada dia, definhando até virar quase
nada. — Eu não posso, — sussurrou.
Engoli em seco. — Por quê?
Ela sorriu de um jeito que ninguém mais sorria para mim e segurou
minha mão entre as dela. Seus olhos castanhos eram gentis, mas quebrados.
— Porque eu fui abandonada.
Eva Winners BITTER PRINCE
Minha testa se franziu. — Pelo Pai?
Ela balançou a cabeça, exausta e triste. — Não, por outro homem.
Seu pai me salvou.
Eu ainda não compreendia. Papai estava nos destruindo. Sua
crueldade não tinha limites.
— Ele está nos machucando, — murmurei. — Não consegue ver?
Ela tocou minha bochecha. — Mas voltar para casa nos
machucaria ainda mais. Meu irmão vai querer garantir a Yakuza para o filho
dele. E, para isso, ele precisaria eliminar você. — Meus olhos se arregalaram.
Ela me chamava de seu príncipe sem coroa desde que eu conseguia me
lembrar, mas nunca tinha me contado o motivo. — Confie em mim, Amon.
Estou fazendo isso por você. Quando você for mais velho, tomaremos tudo.
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CAPÍTULO 4
AMON, 20 ANOS
— Nunca pensei que estaríamos na Califórnia sem o Pai, —
murmurou Dante.
Eu concordava, mas isso jogava a nosso favor. Enrico Marchetti já
estava farto da rivalidade entre as famílias Leone e Romero atrapalhando a
Omertà. Então, ele encontrou um meio-termo: Dante e eu
supervisionaríamos todos os negócios entre as duas famílias.
Todos saíam ganhando.
Era incomum, mas essa viagem também era uma oportunidade
para avaliar novos locais para a expansão das minhas propriedades e
empresas. Aos poucos, eu vinha adquirindo docas, hotéis e cassinos pelo
mundo todo, enquanto ao mesmo tempo administrava as porcarias de papai
para a Omertà. Dante fazia o mesmo. Não queríamos depender daquele
desgraçado cruel enquanto esperávamos ele finalmente bater as botas.
Pegamos a Pacific Coast Highway e seguimos rumo a Malibu para
nos encontrar com Tomaso Romero. Por algum motivo, as filhas de Romero
viviam com a avó enquanto ele permanecia na Itália. Não nos importávamos
com os detalhes, só sabíamos que Romero estava na Califórnia, o que tornava
tudo bem conveniente para nós.
Eva Winners BITTER PRINCE
Eu ainda me lembrava do dia em que as conhecemos. Duas garotas
com olhos azul-elétrico que faziam pensar no verão e em correntes aquecidas
pela luz do sol. Foi a mais nova que chamou minha atenção, e mesmo sem
tê-la visto desde então, aqueles olhos nunca me saíram da cabeça.
O sol de abril castigava o capô do meu Mustang preto. Devia haver
uma seca, porque a maior parte da paisagem até chegarmos às mansões de
luxo parecia seca e desolada.
— Deve ser aqui. Nada mal, — comentei com Dante vinte minutos
depois, quando paramos diante da mansão que gritava riqueza e glamour
hollywoodiano. Era cercada por uma cerca de ferro ornamentada,
emoldurada por uma vegetação bem cuidada… Imagino que as regras da
seca não se aplicam aos imundos ricos. Não se via muito da mansão branca
e impecável dali, mas a vista para o Oceano Pacífico era inconfundível.
Localização privilegiada.
Um som baixo chamou minha atenção e virei o rosto para a
esquerda. A primeira coisa que notei foi uma calcinha estampada com
coraçõezinhos e pauzinhos de canela.
Divertidos, Dante e eu observamos a garota que se debatia
pendurada na cerca de ferro branca, enfiando as mãos nos bolsos. A barra da
saia ficou presa numa das pontas afiadas, deixando-a presa enquanto as
sapatilhas cor-de-rosa balançavam em seus pés.
— Malditas cercas com tridentes e vestidos idiotas, — resmungou
a voz suave. Ela soltou um chiado ao tentar se mover, e então veio o som de
tecido rasgando. — Por favor, que pelo menos desta vez você me escute, —
choramingou, o biquinho evidente no tom de voz enquanto ela agitava os
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braços.
Só então percebi a outra garota, ajoelhada e revirando uma bolsa,
de costas para nós. Seus cabelos escuros brilhavam em tons de mogno,
carvão e âmbar queimado. Elas só podiam ser as irmãs Romero. Minha fonte
dizia que Reina tinha quatorze anos e sua irmã, Phoenix, dezesseis.
— Sabe, a Marilyn Monroe conseguia segurar a saia esvoaçante
com elegância. Ela fazia parecer a coisa mais natural do mundo, —
continuou a garota, murmurando para si mesma. — Mas, por outro lado, ela
não precisava se preocupar em ser pega pelo pai, com a bunda de fora para
todo mundo ver. Eu até aguento a vovó me pegando nesse estado, mas o
papai vai ter um surto. — Ela bufou, frustrada. — Merda, merda, merda. —
E, como se não bastasse, acrescentou mais um. — Merda!
Uma leveza tomou meu peito pela primeira vez em muito tempo.
Era uma das cenas mais divertidas que eu tinha visto em um bom tempo.
Lancei um olhar para meu irmão, e ao perceber que ele não ia ajudar a garota,
fechei a distância entre nós.
A que estava mexendo na bolsa instantes antes virou-se e soltou
um gritinho mudo. Seus olhos azuis se arregalaram de medo, desviando para
Dante atrás de mim e depois voltando para mim.
— O quê? — O vestido da garota estava puxado sobre a cabeça,
bloqueando sua visão, mas seus braços tateavam o ar, procurando apoio. —
Phoenix, você está bem? O que está acontecendo?
Mas ela não esperava exatamente uma resposta, esperava? Sua
irmã mais velha, que agora me encarava como se eu fosse o próprio diabo,
era surda. No dia em que o submundo descobriu que a filha mais velha de
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Tomaso Romero tinha síndrome de Pendred - um distúrbio genético que
causava perda auditiva precoce -, Phoenix Romero foi rotulada por sua
deficiência.
Assim como eu fui rotulado pela minha herança do lado materno.
— Dane-se, vou rasgar esse vestido, — sibilou Reina. — Seja lá
quem for você, se encostar nela está morto. E pare de olhar, sim?
Balancei a cabeça. Aquela garotinha de calcinha de canela estava
me ameaçando. Era hilário.
— Eu não estou machucando ela, Reina, — assegurei. O corpo
dela ficou imóvel. — Vou te ajudar a sair desses ferros, tudo bem?
Um segundo de silêncio. — Como sabe meu nome? — perguntou,
cautelosa.
— Já nos conhecemos.
Os ombros dela baixaram um pouco. — Então me ajuda logo e
para de ficar babando na minha calcinha.
— Quem disse que estou olhando para sua calcinha? — Na
verdade, era impossível não ver, já que estava exatamente na altura dos meus
olhos. Tentei ser discreto, mas a menos que eu virasse de costas, era
inevitável.
— Garotos só se importam com calcinhas, — comentou ela, e
mesmo sem ver seu rosto, eu sabia que estava revirando os olhos.
— Mal-humorada, essa aí, — comentou Dante, ainda parado junto
ao portão, com as mãos nos bolsos.
— Tem dois de vocês? — ela disparou. — Pelo amor de Deus,
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quantas pessoas estão olhando para a minha bunda agora?
— Só eu, — respondi, escondendo o riso. — Não se preocupe.
Bloqueei a visão do meu irmão, garota canela4. Mas o quarteirão inteiro já
ouviu o seu linguajar.
Ela fez um som de desprezo com a boca e murmurou algo como:
Devia ter usado a calcinha preta. Então pigarreou e falou mais alto: — E
não se preocupe com o meu linguajar, bonitão. É problema meu, não seu.
Um riso escapou do meu peito. Até Dante não conseguiu conter o
dele.
Subi no murinho de pedra de um metro de altura, estiquei o braço
até o topo da grade e desenganchei o vestido de onde estava preso. O tecido
rosa e macio caiu sobre o corpo dela, e fui cegado pelos cachos dourados
familiares que desceram por suas costas, brilhando ainda mais sob o sol da
tarde.
Movido por impulso, segurei um dos cachos entre os dedos e
percebi que era ainda mais macio do que parecia. Enrolei o fio no dedo, os
fios dourados reluzindo como ouro.
Reina pulou para o chão, puxando o cabelo da minha mão. — Ai!
— Ela levou a mão ao couro cabeludo, massageando. — Por que está
mexendo no meu cabelo?
Seu olhar encontrou o meu, e foi como um oceano colidindo contra
mim. Quando eu era pequeno, meu pai decidiu que a hora de aprender a nadar
era agora ou nunca. Um dia, enquanto estávamos em seu barco, ele me jogou
4
Cinnamon Girl no original. Optámos por traduzir o nome já que ele surgiu do desenho da calcinha dela
de pauzinhos de canela. Além de várias referências ao aroma a canela. Então ficará ‘garota canela’ ao
longo da história.
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no Golfo de Trieste. Lutei contra as ondas e a correnteza, mas eventualmente
vi a beleza ao meu redor. O sol empurrava seus raios para as profundezas do
mar azul, e senti como se pudesse me afogar naquela beleza. A vida debaixo
da superfície me envolvia em um abraço quente, e ali eu me sentia seguro,
amado. Mais do que pelo meu pai. Mais do que pelo mundo inteiro, talvez
com exceção da minha mãe e do meu irmão.
Naquele dia, o pensamento de deixar minha mãe e meu irmão
sozinhos à mercê do nosso pai me fez bater os braços para emergir.
Mas agora, ao encarar o azul do olhar dela, aquela sensação voltou,
e temi que me afogaria por vontade própria por causa dessa garota.
— Alô? — Ela acenou a mão diante do meu rosto, e eu dei um
passo para trás.
— Não precisa ser desagradável, — rebati, tentando recuperar o
controle dos meus sentidos depois daquele flash estranho. Eu não conseguia
explicar o que tinha acabado de acontecer, mas não ia deixar uma garotinha
me tirar do foco do que precisava ser feito. — Que tal me agradecer e seguir
seu caminho? Ou quer que eu conte ao seu pai como trata os convidados da
casa? — Soava duro falar com ela daquele jeito, mas eu precisava criar
distância entre nós.
Seus olhos se estreitaram em desgosto, mas ainda assim eram tão
absurdamente lindos que chegava a doer olhar para eles. Ela lançou um olhar
à irmã e sinalizou algo.
Phoenix respondeu com sinais, e Reina disse: — Concordo.
Fiquei me perguntando o que exatamente estava sendo dito. Ela
sorriu, revelando uma boca cheia de aparelho.
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Phoenix e Reina voltaram a atenção para mim, e foi só então que
percebi as semelhanças impressionantes entre elas. Uma tinha cabelos
escuros e a outra era loira, mas fora isso, poderiam passar por gêmeas. A
semelhança com a mãe - a falecida atriz de Hollywood que encantou o
mundo - era assustadora. Imaginei que, para elas, era uma sorte não se
parecerem com o pai.
Reina se remexeu, lançando um olhar por cima do meu ombro em
direção ao meu irmão. — Quem são vocês dois? — quis saber. — Além de
idiotas, obviamente.
Até aí foi o fim da minha tentativa nobre de ajudá-la com a cerca.
Essa garota era, definitivamente, encrenca.
Ela sinalizava enquanto falava, para que a irmã acompanhasse.
Phoenix deu uma risadinha, mas rapidamente conteve.
A sobrancelha de Dante se ergueu. Nenhuma mulher ousava falar
conosco daquele jeito. Todas sabiam o nosso sobrenome e o perigo que vinha
com ele. Mas essa garota ainda era uma criança. Ok, talvez não uma criança,
mas certamente não devia ter mais que quinze anos.
— Amon, — respondi.
Meu irmão cerrou os dentes. — Dante.
Reina e Phoenix reviraram os olhos em perfeita sincronia.
— Sobrenome? — insistiu Reina, os olhos se voltando para a
mansão que despontava atrás da cerca e das árvores ao redor. Suas sapatilhas
batiam impacientes contra o asfalto. Ela ainda sinalizava para a irmã. —
Vamos, não tenho o dia todo.
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Essa garota era um caso à parte.
— Leone — respondeu Dante.
Mas eu não conseguia desviar o olhar do raio de sol que me
encarava.
Um lampejo de reconhecimento surgiu nos olhos dela. Deu um
passo para trás, o olhar cravado em mim. — Eu conheço você, — murmurou,
quase como se falasse consigo mesma.
Será que ela lembrava dos meninos que assumiram a culpa pelo
vaso quebrado?
Ela envolveu a cintura com os braços, como se o mesmo medo de
tantos anos atrás voltasse a percorrê-la. Mas então soltou os braços e
sinalizou algo para a irmã. Imaginei que estivesse traduzindo a conversa
inteira e continuou sinalizando enquanto pronunciava as palavras seguintes:
— Eu me lembro de você. Você e seu irmão nos salvaram do seu
pai, — disse suavemente.
E então, para minha surpresa, ela deu um passo à frente e me
abraçou, erguendo o rosto para o meu. Sorriu, mostrando o aparelho nos
dentes, enquanto eu permanecia ali, meio sem saber o que fazer. Algo
naquele gesto inocente atravessou a casca rachada da minha alma e ameaçou
expor a amargura que me acompanhava há anos. Eu não era mais o pequeno
príncipe. Agora, era o príncipe amargo.
Ironicamente, foi o pai dela quem me deu esse apelido.
Phoenix pousou a mão no ombro da irmã e a puxou para longe de
mim. Sinalizou algo, e Reina assentiu.
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— Temos que ir, — murmurou Reina, o olhar indo e vindo entre
mim e meu irmão.
— Seu pai não vai gostar de saber que vocês fugiram, — alertou
Dante.
Reina sorriu com malícia. — Só se ele nos pegar.
Observei minha garota canela se afastar. Mas não sem antes lançar
um último olhar por sobre o ombro, seus olhos de oceano profundo
encontrando os meus.
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CAPÍTULO 5
AMON, 20 ANOS
No fim da longa entrada ladeada por palmeiras e câmeras
vermelhas piscando, Romero nos esperava. Era estranho ele não saber que
as filhas haviam fugido de casa, considerando o quão segura era a
propriedade.
Um alerta disparou dentro de mim, mas ignorei. Por enquanto.
— Os irmãos Leone, — cumprimentou ele. — Só vocês dois?
Franziu a testa, os olhos passando por nós. Ele e meu pai não se
falavam pessoalmente há quase uma década, e não parecia que isso fosse
mudar agora.
— Esperava mais alguém? — perguntei, apertando sua mão.
O foco de Romero estava em mim, me estudando enquanto
apertava a mão de Dante em seguida. — Ninguém.
O seguimos pela entrada até o interior da casa. Eu carregava minha
arma no coldre sob o tecido leve do paletó; nem Dante nem eu íamos a lugar
algum sem proteção. Usávamos até dentro de casa. A única hora em que
tirava a minha era para dormir, e mesmo assim, ela ficava ao alcance da mão.
Ele nos conduziu até os fundos da casa em conceito aberto, cada
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canto preenchido com uma planta ou uma estátua. Parecia um cenário de um
antigo filme de Hollywood.
— Teremos privacidade no escritório, — comentou Romero.
Lá dentro, Dante e eu nos sentamos do outro lado da mesa, com a
vista do oceano se estendendo por quilômetros através das janelas do chão
ao teto. Fotos de tapetes vermelhos, estreias de filmes e celebridades nos
rodeavam. Ficava claro pela decoração e pelo mobiliário feminino que o
escritório não pertencia a Romero.
Uma foto chamou minha atenção. Era Reina carregando uma
prancha de surfe, usando um biquíni rosa e sorrindo largamente. Tinha que
ser uma foto recente, e a garota parecia tão absurdamente feliz. Havia algo
pacífico naquele sorriso, talvez fossem os olhos semicerrados pelo sol ou o
cabelo bagunçado de praia… fosse o que fosse, eu quase conseguia sentir a
areia quente sob os pés só de olhar para a imagem.
Romero deve ter notado meu olhar fixo na foto, porque resmungou.
— Reina resolveu que quer ser surfista. Parece ser o objetivo do mês.
— E ela é boa? — O tom de Dante deixava claro que ele não dava
a mínima, mas ao menos estava puxando conversa. Normalmente, tudo o que
ele queria era discutir negócios e dar o fora. Isso me pegou de surpresa, na
verdade. Enquanto eu odiava Romero por ter usado minha mãe, meu irmão
o desprezava com intensidade. Ia além da sede de vingança e da proteção
que sentíamos por nossa mãe, mas Dante nunca quis explicar o motivo.
Por ora, nosso foco era encontrar o documento que minha mãe
precisava, supostamente guardado em um dos cofres de Romero. Quando
minha mãe deixou a própria família para ficar com Tomaso Romero, levou
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um tempo até meu avô aceitar sua decisão.
Como parte dessa aceitação, ele e Romero firmaram um acordo,
que depois foi formalizado por escrito. Meu avô manteve o original, e
Romero ficou com uma cópia.
Eu não sabia por que minha mãe precisava tanto desse papel agora.
Parecia irrelevante, considerando que a união entre eles nunca aconteceu. E
ainda assim, agora ela estava desesperada por uma cópia, e nem Dante nem
eu éramos capazes de negar qualquer coisa a nossa mãe.
Uma vez perguntei a ela por que Ojīsan - meu avô - não entregava
logo o documento. A resposta dela me destruiu: ele disse que ela o havia
envergonhado com sua escolha. Vovô acabou aceitando com o tempo, mas
nunca a perdoou. E, além disso, ela era mulher, e uma mulher tinha pouco
valor, exceto como moeda de troca. E segundo as palavras dele, ele me
entregaria o documento quando estivesse pronto.
Seja lá quando isso for.
— Ela venceu algumas competições de surfe, — resmungou
Romero. — Mas é seguro dizer que não vai ser campeã mundial. Está
fazendo isso porque eu proibi. A garota é teimosa. Enfim, voltando aos
negócios. Preciso que o porto dos Leone esteja aberto para eu enviar uma
remessa para Itália.
— O que há de errado com os seus portos? — perguntou Dante.
— Da última vez que verifiquei, você tinha alguns em Veneza.
— Abril é um mês movimentado em Veneza, o que significa mais
segurança nos portos.
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— E nossa inteligência indica que você tem as autoridades
portuárias na folha de pagamento, — comentei. — Então qual é o problema?
— Eles não vão fechar os olhos para tráfico de pessoas.
Minha pressão subiu na hora ao ouvir a resposta. Romero era o
último membro da Omertà ainda envolvido com tráfico humano, e eu odiava
isso. Odiava ele. Que tipo de homem - ainda mais tendo filhas - consegue
mover mulheres como se fossem mercadoria?
Nosso pai fazia o mesmo. E só parou quando Dante e eu
começamos a dar mais lucro com tráfico de drogas. Talvez conseguíssemos
convencer Romero a fazer o mesmo. Ele só precisava ser inteligente e fazer
do jeito certo. Estaria enchendo os bolsos em questão de meses.
— A resposta é não, — rosnei entre os dentes. A única coisa que
aquele desgraçado precisava fazer era olhar as fotos das próprias filhas nas
paredes do escritório para perceber o quão errado isso era.
— Não cabe a você decidir, — disparou ele.
— Na verdade, cabe sim, — disse Dante, contendo a raiva que
borbulhava por baixo da superfície. Conhecendo meu irmão, ele queria
atravessar a mesa e esganar Romero ali mesmo. — Nosso pai nos deixou
autoridade para negociar os acordos como julgarmos adequado.
— Então é o valor, — arrastou Romero, com um brilho ganancioso
nos olhos.
— Não é o valor, — respondi, o tom plano.
— A família Leone não está mais envolvida com tráfico de pessoas,
e não vamos permitir que isso passe pelos nossos portos, — acrescentou
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Dante.
Olhei de relance para ele, que revirou os olhos discretamente e
então se levantou.
— Banheiro?
Era nosso sinal para ele sair vasculhando. Era improvável, mas
talvez Romero guardasse algum documento na casa da sogra. E ninguém
sabia abrir um cofre como meu irmão. Ele devia ser chamado de ‘encantador
de cofres’.
— Saia pela porta, suba as escadas, primeira porta à direita, —
disse Romero com um cenho carregado, os punhos cerrados.
Dante desapareceu, os passos firmes sobre a escada de mármore.
Romero pegou um charuto da caixa luxuosa e me ofereceu um sem dizer
palavra. Balancei a cabeça. Sempre odiei o cheiro daquela merda. Me
lembrava do meu próprio pai.
Um relógio marcava o tempo. A fumaça de charuto pairava no ar,
misturada a um perfume sutilmente feminino. O desagrado irradiava de
Romero enquanto ele se recostava na cadeira, os olhos semicerrados
cravados em mim. O sentimento era mútuo.
Ficamos em silêncio, algo crescendo no ar. Poderia ser classificado
como desconfortável, mas eu não dava a mínima. Já suportei muitos
momentos desconfortáveis na vida, especialmente debaixo do teto do meu
pai. Aprendi a sobreviver, e às vezes até preferia o silêncio à conversa
constante.
— O que vai fazer você mudar de ideia? — As palavras de Romero
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cortaram o ar como uma faca.
Olhei para ele bem no momento em que seu olhar passou por cima
da minha cabeça e vi um reflexo no vidro atrás dele.
Seus olhos se arregalaram quando me lancei para fora da cadeira e
me virei num giro. O homem desceu a faca no exato momento em que gritei:
— Foda-se! — e me desviei para o lado, protegendo o peito com o braço.
Senti a lâmina fria rasgar meu paletó com uma clareza doentia, cortando
minha pele.
Outro homem apareceu, apontando uma arma para minha cabeça.
Onde diabos estava Dante? Bang. O grunhido de dor de Romero ecoou no
ambiente. Me apressei para sacar minha própria arma, investindo contra o
atacante que ainda agitava a faca descontroladamente. O sangue agora
escorria pelo meu braço, mas agarrei sua garganta com a mão esquerda e
mirei com a direita.
Bang. Bang.
Ele caiu no chão.
Apontei para Romero, que ainda estava congelado na cadeira, o
braço esquerdo sangrando. Mantive o foco nele enquanto apertava o pescoço
do desgraçado caído ao chão, e apertei com toda a minha força.
— Quem mandou você? — rosnei, lançando um olhar para o
homem estirado sob mim.
Seus olhos saltaram das órbitas, e apertei ainda mais. As veias
explodiam em seus olhos, que ficavam cada vez mais vermelhos. Dava só
metade da minha atenção a ele, a outra metade continuava cravada em
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Romero. Eu não confiava nele.
O som de ossos quebrando estalou sob a pressão da minha mão.
Um último espasmo, e o corpo dele desabou.
— Que porra foi essa? — A voz de Dante perfurou a névoa
assassina que tomava minha mente, e finalmente soltei o ar que estava
prendendo. Dante apontava a arma para Romero e perguntou: — Está bem,
Amon?
Assenti e me levantei devagar, com as mãos cobertas de sangue,
mantendo minha atenção no pai de Reina. Centenas de pensamentos giravam
em minha mente enquanto o pulso martelava, e o suor escorria pela minha
testa.
Aquela sensação de alerta voltou com força total. Eu devia ter
confiado no meu instinto. As filhas dele haviam saído de casa sem serem
vistas, apesar das incontáveis câmeras de vigilância espalhadas pela
propriedade. Ele estava sozinho. Não me avisou que alguém se aproximava
por trás. Nada disso parecia certo, e tudo indicava uma armadilha.
Mas matá-lo sem uma prova concreta causaria uma guerra.
— Estou bem, — falei, respirando com dificuldade e absorvendo
a bagunça ao nosso redor. Ironicamente, meus olhos pousaram em um vaso
quebrado, me levando de volta a uma lembrança das duas garotinhas. —
Você viu mais alguém?
Havia um brilho quase febril, levemente insano, nos olhos de
Dante. Aquilo bastava como resposta. — Sim, dois homens no corredor.
Atirei neles.
Eva Winners BITTER PRINCE
Passei por ele e murmurei: — Mantenha a arma apontada para ele.
Não confiava em Romero o suficiente para virar as costas sem
vigilância.
No corredor, encontrei dois corpos caídos, o sangue se espalhando
ao redor como o Mar Vermelho. Assim como os que matei no escritório, eram
japoneses. Poderia ser a Yakuza? Dei um chute em um dos corpos, virando-
o, e encarei a tatuagem familiar em seu pulso. Meus olhos se voltaram para
o outro corpo largado. Mesma tatuagem.
O símbolo kanji para amor e afeição. Era o símbolo favorito da
minha avó, então meu avô o transformou em tatuagem. Primeiro como
promessa à esposa, depois como marca em todos os seus seguidores.
Ou meu avô queria me ver morto ou... não consegui me obrigar a
pensar na alternativa. Nenhuma das opções era boa. Ou meu primo estava
atrás da minha coroa na Yakuza como próximo na linha de sucessão, ou meu
avô havia mudado de ideia e me considerava indigno. Toda essa mentalidade
do submundo só me dava mais vontade de ser o melhor em tudo e o mais
rico de todos, para que ninguém pudesse me foder.
Virei as costas para os corpos. Romero que lidasse com a própria
merda.
Quando voltei ao escritório, estreitei os olhos para Romero, que
continuava imóvel, ainda segurando o braço ensanguentado.
— Seus amigos? — questionei.
— Nunca vi antes.
— Então por que estão aqui? — disse Dante, a descrença evidente
Eva Winners BITTER PRINCE
no tom.
— Como diabos eu vou saber? — ele cuspiu. — Você contou a
alguém sobre essa reunião?
— Foi você quem marcou essa reunião, — apontei.
— Papai não vai ficar nada feliz quando souber disso, Romero, —
disse Dante, olhando para minhas mãos cobertas de sangue. Já matamos
muitos ao longo dos anos. Era quase fácil demais atirar em um homem. Mas
matar com as próprias mãos era algo completamente diferente. Era pessoal;
deixava uma marca não só no corpo, mas na alma. — Talvez devêssemos
acabar com você também, — completou, com um sorriso perturbador.
— Não, — rosnei. Não podíamos ter certeza de que Romero estava
envolvido nisso - não importava o que meu sexto sentido me avisasse - e algo
em deixar as filhas dele sem pai me incomodava.
— Como assim, não? — sibilou meu irmão. — O desgraçado tinha
a Yakuza dentro de casa. E, de algum modo, duvido que estivessem aqui para
matá-lo.
— Eles atiraram em mim, — protestou Romero, fraco.
— Ah, por favor, — zombou Dante. — Foi só um arranhão.
— Preciso de uma porra de uma bebida, — rosnei, indo até o
minibar. Servi um copo de uísque, estudando o velho atrás da mesa. — Quero
saber por que está trabalhando com a Yakuza.
Ele empalideceu, balançando a cabeça de forma brusca. — Não
estou.
Estilhacei o copo de cristal contra a superfície de vidro do bar. —
Eva Winners BITTER PRINCE
Para de mentir, caralho.
Voltei até a mesa, passando por cima do corpo e me joguei na
cadeira. — Último aviso, Romero. Comece a falar, ou Dante enfia uma bala
na sua testa.
Podíamos ter um terço da idade dele, mas éramos mais fortes. Em
breve, seríamos invencíveis, e ninguém ousaria nos enfrentar.
— Será um prazer, — disse Dante, o sorriso insano.
Romero abaixou os ombros, finalmente aceitando a derrota. Olhou
nos meus olhos ao dizer: — Roubei a carga de drogas deles. Como
pagamento, a escolha era sua vida... ou a da minha filha.
Filha, não filhas. Parecia que queriam apenas uma das meninas, e
eu apostaria tudo o que conquistei em qual delas era.
No fim das contas, estava claro qual opção Romero escolheu. E
escolheu errado. Porque agora, eu o tinha nas minhas mãos.
Eva Winners BITTER PRINCE
CAPÍTULO 6
AMON, 20 ANOS
Tinha sido um dia infernal.
Depois da merda que aconteceu, Dante e eu precisávamos
descomprimir. Sentamos no bar do hotel Ritz-Carlton, no centro de Los
Angeles. A vista do horizonte se estendia à nossa frente, as estrelas invisíveis
sob a luz que emanava da cidade ao nosso redor. Atrás de nós, hóspedes se
empanturravam de bifes e garrafas de vinho envelhecido.
— Acha que ele vai cumprir com o combinado? — Dante
perguntou, falando em italiano. Tínhamos imposto condições em troca da
vida dele. Seria nosso informante dentro das operações de tráfico humano
em andamento. Ele continuaria com os negócios como de costume, e nós os
destruiríamos lentamente por dentro, até não sobrar nada. — Ou acha que
vai tentar nos trair?
Dei de ombros. — O tempo dirá.
— Não deveríamos contar ao papai?
Lancei-lhe um olhar seco. — Quer ser você a contar?
Ele passou a mão no cabelo pela centésima vez, pelo menos. —
Você é o mais velho.
Eva Winners BITTER PRINCE
Qualquer outra hora, ele escolheria esquecer esse fato.
— Não vamos contar a ele, — afirmei friamente. — Ele e Romero
não se dão bem. Assim, Romero ficará em dívida conosco, e ainda teremos
um papel no fim do comércio de pessoas. É uma vitória dupla.
— A não ser que ele nos apunhale pelas costas, — disse, repetindo
sua preocupação anterior.
Ele tinha um ponto ali.
— Vamos fazer com que ele precise de nós, — falei. — Ele não
vai conseguir mover drogas sem a nossa ajuda. E usaremos os contatos que
ele já tem para encerrar as rotas de tráfico humano que passam pelo nosso
território.
— É um bom plano, — concordou Dante. — Só não confio nele.
Eu também não, mas teríamos que tentar. Qualquer sinal de traição,
e ele estava morto.
— Você nunca se perguntou por que ele nunca se preocupou em
ter um herdeiro homem? Ele nunca se casou de novo depois que a esposa
morreu.
Arqueei a sobrancelha, surpreso com a pergunta de Dante. — Não,
nunca me perguntei, porque não dou a mínima para Tomaso Romero nem
para o motivo de ele nunca ter se casado de novo. Por que eu me importaria?
— Só me parece estranho, — Dante comentou. — Todas as
famílias da Omertà, exceto Tomaso, têm um herdeiro aparente. A Omertà não
permite mulheres à mesa, e pelo que tudo indica, isso não vai mudar tão cedo.
Então por que ele arriscaria perder o lugar?
Eva Winners BITTER PRINCE
— A esposa dele não fazia parte do submundo e era rica por conta
própria. Talvez ele não precise mais daquele assento. Ou talvez ele amasse a
esposa, — comentei sarcasticamente. — Alguns homens amam, sabia?
Ele bufou. A maioria dos casamentos no nosso mundo raramente
valorizava a confiança, que dirá o amor. — Duvido. Olhe para o nosso pai,
— ele rebateu. — De qualquer forma, acho que tem algo mais sinistro por
trás dessa história com ele e a Yakuza. Além das drogas que ele pegou.
Eu também achava, mas mudei de assunto. — Encontrou alguma
coisa na casa?
Ele balançou a cabeça. — Não, mas era o esperado, já que esta não
é a casa dele.
— Em que cômodos você entrou?
Dante revirou os olhos. — No quarto dele. Nos quartos das filhas.
Tinha outra biblioteca. Nada.
Ficamos em silêncio por alguns segundos, até que ele prosseguiu:
— Você não se pergunta por que a Yakuza quer você morto? Você deveria
ser o próximo na linha de sucessão para liderá-la, não ser executado.
Dei de ombros. — Vou conversar com a mamãe e ver se
conseguimos alguma informação pelos contatos dela. Se a Yakuza me quer
morto, deve haver um motivo.
— Quer dizer, além do fato de que você vai assumir o poder
quando o nosso avô morrer? — Meu tio teria sido o próximo a herdar a coroa,
mas foi assassinado. Dentro da própria casa. O culpado nunca foi descoberto.
Não que eu me importasse. — Aposto que foi o Itsuki.
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— Ele acabou de fazer dezoito anos.
— Nada impediu a gente de matar antes de atingir a maioridade.
Verdade. Depois de perder o único filho, meu avô procurou minha
mãe e perdoou suas transgressões, principalmente por ter escolhido um
italiano em vez da Yakuza. Ficou claro que ele só queria garantir a sucessão,
e meu primo era um idiota sem cérebro. Cruel, impulsivo e simplesmente
burro.
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CAPÍTULO 7
REINA, 14 ANOS
Era uma da manhã quando Phoenix estacionou seu Jeep do outro
lado da rua da mansão da vovó. As letras de Carrie Underwood ainda zuniam
nos meus ouvidos e a adrenalina pulsava nas minhas veias. Meus olhos
correram até minha irmã, que sorria de orelha a orelha. Sim… O show foi
lendário.
Voltamos para casa pelo mesmo caminho por onde havíamos saído.
Exceto que, ao contrário daquela manhã, eu tinha tomado cuidado para que
meu vestido não enroscasse nos espinhos.
Não era fácil entrar escondidas sob o olhar atento de papai - ou
melhor dizendo, sob suas câmeras com luzes vermelhas piscando. Era a
única forma de ele aceitar que ficássemos aqui durante as férias escolares.
Caso contrário, teria insistido para irmos para a Itália.
Arrepios percorreram minha pele ao me lembrar da nossa última
viagem à Itália, oito anos atrás. Os olhos vazios da mamãe. O rosto pálido
como um fantasma.
Eu culpava o papai por isso. Ela sempre teve receio do mundo dele,
mas mesmo assim ele insistiu em arrastá-la para dentro dele. Papai era o
chefe de uma das cinco famílias da Omertà. Sua rede criminosa - a máfia -
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se estendia da Itália, atravessava a Europa e chegava até a América do Sul.
Papai não sabia que Phoenix e eu sabíamos que ele era um
criminoso. Claro, eu não entendia o que ser criminoso de fato significava,
mas sabia que não era algo bom. Porém, era bom ele permitir que minha irmã
e eu ficássemos com nossa avó quando não estávamos no colégio interno.
Seguindo o caminho já tão conhecido, nossos pés leves sobre a
grama, demos a volta pelos fundos, onde ficavam nossos quartos. A suíte da
vovó ficava no térreo, de frente para o oceano. Nossos quartos eram no
segundo andar, logo acima do dela, com uma varanda que contornava a
lateral da casa. Era assim que conseguíamos sair e entrar discretamente, com
o som das ondas encobrindo o barulho dos nossos passos cuidadosos.
— Vai primeiro, — falei para minha irmã.
— Você deveria ir, — ela protestou, sinalizando.
Balancei a cabeça. — Não. Eu fico e escuto, para o caso de alguém
vir.
Dito isso, ela começou a subir, segurando na corda que
escondemos atrás das trepadeiras que subiam pela lateral da casa. Assim que
alcançou o topo, passou por cima da grade da varanda, virou-se e fez um
sinal de positivo. Comecei a subir e logo me juntei a ela na varanda.
— Viu só? — sinalizei, sorrindo. — Moleza.
Na verdade, era mais fácil sair do colégio interno do que daqui
quando papai estava na cidade. Mas não tínhamos controle sobre suas idas e
vindas, então éramos ainda mais cuidadosas ao sair, usando mais o terreno
do vizinho do que o nosso.
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Pegando a mão da minha irmã, seguimos para dentro do meu
quarto. No instante em que entramos, as luzes se acenderam, revelando papai
sentado em uma poltrona, com o braço enfaixado e uma expressão sombria
no rosto.
— Merda, — murmurei, quando os dedos de Phoenix apertaram
os meus com força.
— Estão bêbadas? — Papai sibilou. Ele estava tão furioso que juro
que vi fumaça saindo de suas orelhas. Levantou-se, ficando bem mais alto
que nós duas. Phoenix era mais alta que eu, mas diante do olhar cortante do
nosso pai, ela também se encolheu.
Balancei a cabeça, engolindo em seco. Os olhos dele voaram até
Phoenix e voltaram para mim.
— Não bebemos nada alcoólico, — garanti, com o coração
batendo tão forte que achei que quebraria minhas costelas. Eu sentia falta de
quem ele era antes de mamãe morrer. Sentia falta de seus sorrisos, de seus
abraços, mas era como se ele tivesse morrido no mesmo dia que ela, e alguém
que apenas se parecia com o papai tivesse tomado o seu lugar. Por mais que
eu quisesse lutar para trazê-lo de volta, primeiro precisava sobreviver àquela
noite.
— Está mentindo para mim, Reina?
A tempestade nos olhos dele dizia que achava que sim. Uma onda
de náusea me atingiu, mas ignorei.
Balancei a cabeça, forçando meu rosto a permanecer inexpressivo.
Papai sempre me deixava nervosa quando ficava assim, e ele podia
facilmente interpretar meu nervosismo como culpa.
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Sem aviso, ele arrancou Phoenix de perto de mim, ergueu a mão e
se preparou para me dar um tapa. Não me movi, assistindo como em câmera
lenta enquanto a mão se aproximava, mas o tapa nunca veio. Phoenix deu
um passo à frente, e o golpe que era para mim acertou em cheio o rosto dela.
Sua cabeça girou para trás e ela soltou um gemido.
Senti a dor de Phoenix como se fosse minha. Proteja sua irmã. As
palavras da mamãe ecoaram nos meus ouvidos, me impulsionando a aceitar
aquele castigo por ela. Enquanto a fúria borbulhava dentro de mim e tingia
tudo de vermelho, preparei-me para revidar.
Eu sabia que aquilo não era típico dele e que a culpa certamente
desabaria sobre ele depois, mas eu não ficaria parada assistindo. Então dei
um passo em sua direção, endureci o semblante e empurrei minha irmã para
trás de mim.
— Não encoste nela. — Meu grito de raiva provavelmente foi
ouvido em toda a Califórnia, carregado de fúria e revestido de
desapontamento. Ele nunca tinha nos batido antes. Sim, vinha ficando cada
vez mais irritado conosco ultimamente, mas aquilo era longe demais.
Proteger minha irmã era meu dever, e eu pretendia cumprir.
Meus ouvidos zuniam e o gosto de cobre inundou minha boca de
tanto que mordi o lábio.
Ele ficou parado ali, o rosto vermelho vivo e algo nos olhos que
eu não consegui ler ou interpretar. Soltou um suspiro trêmulo, e as rugas
profundas ao redor dos olhos fizeram minha raiva vacilar. Ele parecia
cansado. Exausto.
Phoenix segurava a própria bochecha, e ver a marca da mão dele
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ali fez minha raiva voltar a incendiar.
Ele não era o homem de quem eu me lembrava. Não era o mesmo
papai gentil e doce com as filhas. Ele tinha mudado. Endurecido. Eu não
conseguia entender. O ódio dele - pelo mundo e por todos nele - o consumia
com tanta intensidade que arrepiou os pelos do meu corpo. Meus olhos foram
para o braço dele.
— O que aconteceu?
Os olhos dele desceram e escureceram, como se tivesse até
esquecido daquilo. — Nada. — A voz saiu fria, cortando o ar.
— Pois eu espero que esse nada, — meus olhos passaram pela
bandagem manchada de sangue antes de voltarem ao olhar dele. — sangre
até você cair morto.
Eu não fazia ideia de onde aquelas palavras tinham vindo. Sim, eu
costumava arrumar encrenca na escola, brigando com os garotos que
implicavam com Phoenix, mas nunca tinha dito algo tão cruel. Abri a boca
para dizer mais alguma coisa, porém antes que outra palavra escapasse veio
o tapa, me silenciando. Meus ouvidos zuniram quando a dor explodiu na
minha face e um líquido quente escorreu pelo queixo.
Meus dedos tocaram o lábio rachado, tingindo-se de carmesim.
Fiquei olhando a própria mão enquanto o lábio latejava, pingando mais
sangue pelo queixo e na minha camisa. Papai nunca tinha levantado a mão
contra nós. Nem fodendo. E ainda assim acabara de bater em Phoenix e em
mim na mesma noite.
Eu me preparei para mais dor quando a porta se abriu.
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— O que você está fazendo, Tomaso? — Vovó surgiu no batente,
mãos na cintura e uma touca branca na cabeça. Seus olhos, azuis como os
meus e os de Phoenix, pousaram primeiro na minha irmã. Ela não deixou de
notar a marca da mão na bochecha dela e, ao ver uma igual na minha, seus
olhos se estreitaram. — O que foi que você fez?
O gosto de sangue, doce e metálico, revirou meu estômago e
queimou a parte de trás dos olhos. Os choramingos suaves de Phoenix
encheram o quarto, mas eu precisava ser forte por ela. Temia que, se deixasse
as lágrimas caírem, elas não parariam.
— Estou castigando minhas filhas. — A voz dele rasgou a
escuridão do quarto. — Volte para a cama, Diana, — disse papai, com uma
calma sinistra. — E a partir de amanhã, Phoenix e Reina estão de castigo por
terem saído escondidas e feito sabe-se lá o quê a noite toda.
Num segundo ela estava na porta; no seguinte, estava diante de
papai, nos bloqueando dele.
— Saia da frente, Diana, — ele sibilou. — Elas são minhas filhas.
Ela não respondeu, apenas sustentou o olhar dele sem medo. Um
dia, eu queria ser corajosa como ela. Um dia, eu enfrentaria o mundo como
ela fazia.
— Quer um lembrete? — A voz da Vovó estalou como um chicote.
A temperatura no quarto despencou, e arrepios subiram pelos meus braços
apesar do calor de abril. — Não se esqueça da sua promessa, Romero.
O silêncio se esticou, firme, enquanto a tensão fervia. Pesou sobre
o meu peito. Incômodo. Desagradável. Quase explosivo, mas não o
suficiente. O quieto coçava sob a minha pele, espesso e ameaçador, até que
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papai virou nos calcanhares, saiu sem dizer mais nada e bateu a porta com
estrondo.
— Eu odeio ele. — Phoenix foi a primeira a quebrar o silêncio,
suas mãos se movendo com rapidez. Vovó encarava a porta fechada, o peito
subindo e descendo. Ela estava mais abalada do que nunca. — Eu o odeio e
amo ao mesmo tempo. Por que ele é assim?
Nenhuma resposta. A tensão envolveu minha garganta com uma
mão invisível, sufocando-me.
— Vovó, o que aconteceu? — sussurrei, com a voz trêmula. — E
por que o braço do papai estava enfaixado?
— Porque ele é um maldito criminoso, — respondeu ela, a
expressão se fechando no instante em que percebeu o que havia deixado
escapar. Mas a declaração não nos pegou de surpresa. Desde pequenas
sabíamos que nosso pai era diferente. Talvez fosse porque nenhum dos pais
das nossas amigas andava armado. A não ser que fossem policiais, o que o
nosso pai definitivamente não era. — Eu disse para Grace que ele não era
bom o bastante para ela, mas ela não me ouviu. Nunca ouvia, e isso lhe
custou tudo.
Phoenix e eu esperamos que ela continuasse, mas, pelo aperto dos
lábios e a expressão sombria, estava claro que tinha terminado de falar.
— Ele já matou alguém? — perguntou Phoenix. — Por que ela
não era feliz?
Vovó balançou a cabeça. — Vocês duas não precisam se preocupar
com isso. — Então nos lançou o olhar mais severo de todos e acrescentou:
— E jamais repitam isso para ninguém. Entendido?
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Ambas assentimos, hesitantes.
— E se papai nos tirar daqui? — perguntei, a voz rouca. — Acha
que ele vai proibir que a gente more com você?
Ela balançou a cabeça. — Ele não vai.
A convicção dela alimentou minha segurança, embora uma
pontinha de dúvida ainda permanecesse. — Como pode ter tanta certeza? —
perguntei, desconfiada.
Vovó se aproximou e nos puxou para um abraço apertado. Ficamos
ali, envolvidas pelo amor dela. Não era o amor da mamãe. Nem o do papai.
Mas era o mais próximo disso que ainda tínhamos.
Quando eu já havia perdido a esperança de receber uma resposta,
ela se afastou e sinalizou: — Porque eu carrego um segredo que nunca pode
ser revelado. Foi por isso que ele concordou com os últimos desejos da sua
mãe e permitiu que vocês morassem comigo.
Minha irmã e eu trocamos um olhar, sem entender que tipo de
segredo poderia ser grande o bastante para ter esse poder sobre ele.
— Que segredo? — perguntou Phoenix através de sinais.
Vovó nos deu um sorriso astuto, o tipo de sorriso que uma mãe
selvagem daria a um predador que se aproximasse de seus filhotes.
— Não seria segredo se eu contasse, não é mesmo? — E ela tinha
razão, mas minha curiosidade se acendeu de qualquer forma. Se eu conhecia
minha irmã - e eu conhecia -, ela sentia o mesmo. — Mas vou dizer uma
coisa, meninas. Se algo me acontecer antes de vocês se tornarem adultas,
vocês vão receber uma carta minha. Ela será a sua segurança.
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Eu só entenderia o significado daquelas palavras muitos, muitos
anos depois.
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CAPÍTULO 8
AMON, 20 ANOS
No dia seguinte, estávamos de volta à Itália.
Nosso avião tinha acabado de aterrissar quando uma mensagem
urgente da minha mãe chegou, pedindo que eu a encontrasse no meu
apartamento no coração de Trieste. Era o refúgio seguro dela sempre que
meu pai tinha seus acessos de raiva, e funcionava bem, já que eu raramente
permanecia em Trieste. Só vinha quando havia negócios a tratar.
No momento em que chegamos, ela me abraçou, os olhos escuros
brilhando com lágrimas que ainda não haviam caído. Ela me entregou uma
carta antes de abraçar meu irmão. Durante todo esse tempo, o homem de
maior confiança do meu ojīsan5, Hiroshi, permaneceu em segundo plano.
Fiquei encarando a mensagem escrita em japonês, os caracteres
hiragana marcados com firmeza na página branca. As palavras dançavam
diante dos meus olhos. Cheguei a duvidar do meu próprio japonês, lendo e
relendo. O significado era claro. Meu avô estava morto. O Koseki - o
documento legal japonês que registrava a morte - enviado pelo meu primo
continha apenas detalhes escassos. Nem sequer mencionava onde ou quando
seria o velório e o funeral.
5
Avô.
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Filho da puta.
Pelo menos agora eu tinha a confirmação de que meu primo era o
responsável pela tentativa de me matar. Sofu6 estava morto. Meu instinto
avisava que tinha sido um assassinato, mas, mais uma vez, sem provas, era
apenas uma suposição inútil.
— Ele queria que você assumisse, — afirmou Hiroshi.
Ele estava com meu avô havia vinte anos. Era uma conexão para
a vida inteira, mas agora que sofu estava morto, Hiroshi havia escolhido sua
nova aliança.
Minha mãe permanecia em silêncio, as mãos cerradas no colo.
Aquela morte a atingiria com mais força. Era difícil ser próxima de alguém
que se via poucas vezes, mas ela tinha crescido ao lado do pai e o amava,
pelo menos até cometer o erro de confiar em um homem que a traiu.
Ela se apaixonou por Tomaso Romero - seu primeiro erro. O
segundo foi confiar nele. Ele a usou por causa das conexões que ela tinha e
depois a descartou. Nunca cumpriu a promessa de se casar com ela. Mamãe
acabou se tornando a amante do meu pai. Angelo Leone não era melhor do
que Tomaso. Só queria usá-la - e seu ventre - para gerar um herdeiro para sua
linhagem.
— Imagino que Itsuki não tenha esperado o tempo apropriado para
se proclamar chefe da Yakuza, — declarei com frieza.
As palavras que minha mãe sussurrava tantas vezes durante minha
infância ecoaram em minha mente. Um príncipe sem coroa.
6
Avô.
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A amargura era uma desgraçada difícil de superar. Eu estava
construindo meu império aqui, mas isso não amenizava o peso de ter perdido
o direito ao meu nascimento. Eu amava meu irmão, e tirar o lugar dele à
mesa da Omertà nunca foi uma opção. Itsuki, por outro lado, não era nada
para mim. Não era família, pelo menos, não segundo o meu conceito. Então
não teria qualquer problema em acabar com ele.
Exceto pelo fato de que isso poderia trazer problemas não apenas
para mim, mas para todos ao nosso redor.
Meus olhos encontraram Hiroshi. Ele estava na casa dos cinquenta,
leal. Meu avô confiava nele de forma absoluta, e ele seria um trunfo para
mim. Talvez até um bom amigo, se eu me permitisse considerar essa
possibilidade.
— Qual é a proposta do meu primo? — perguntei. — Imagino que
ele tenha uma.
— Garoto esperto, — disse Hiroshi, sorrindo.
Soltei um suspiro sarcástico, mas não me detive no comentário.
Não lembrava a última vez que alguém me chamara de garoto, nem mesmo
meu próprio pai. Provavelmente antes da minha primeira morte.
— Ele quer que você trabalhe para ele.
Cerrei os dentes. Isso seria um sonoro não da minha parte.
— Ele vai procurar suas fraquezas. Você não pode ter nenhuma.
Enquanto isso, vamos explorar todas as dele. E quando chegar o momento
certo...
— Vamos atacar.
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Ele assentiu. — Isso mesmo. Vamos atacar.
Porque eu estaria condenado se continuasse sendo o príncipe sem
coroa para sempre.
***
Dois dias depois, poucos minutos antes das sete, estávamos
sentados na sala de jantar da casa de papai. Era inevitável que o víssemos
nesta viagem - havia muito a ser discutido.
Nem meu irmão nem eu estávamos com vontade de conversar, mas
sabíamos que continuar evitando-o causaria problemas. Então, lá estávamos.
Observei o rosto da minha mãe em busca de qualquer sinal de
hematoma. Não havia nenhum. Havia benefícios em crescer e se tornar
fisicamente maior e mais forte que o próprio pai. Eu deixara claro há muito
tempo que, se ele encostasse um dedo nela, eu pararia de ajudar nos negócios
da família Leone. Dante fez o mesmo. Talvez não estivéssemos sempre por
perto para contê-lo, mas finalmente tínhamos algo com que ameaçá-lo, e
nenhum de nós hesitaria em usar.
Papai estava sentado à cabeceira da mesa, os olhos cravados na
minha mãe. Eu odiava o fato de ela continuar com ele. Ele tinha várias
amantes - o que ela até preferia -, mas eu não conseguia entender por que ela
nunca o deixou.
Ela não o amava.
Talvez tenha nos enganado quando éramos crianças, mas agora
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não conseguia mais. Ele devia ter algo contra ela, e eu pretendia descobrir o
que era. Depois disso, a libertaria para que pudesse viver o resto de seus dias
em paz.
— Como foi a reunião com Romero? — ele perguntou, ainda
encarando minha mãe, que se enrijeceu levemente.
Eu não tinha contado a ela que Romero havia feito um acordo com
a Yakuza para me matar. Parecia irrelevante agora, já que o tínhamos forçado
à cooperação.
Uma empregada entrou às pressas carregando pratos de comida -
sem dúvida algo que agradasse ao gosto de meu pai - e os colocou à nossa
frente.
— Foi tranquila, — respondeu Dante. — O que é essa merda? —
perguntou, encarando a comida nos nossos pratos.
— Um jantar saudável.
Era curioso ele não ter tocado primeiro no assunto da Yakuza.
Imaginei que estaria preocupado com as rotas de drogas agora que meu
primo tinha assumido o comando.
— Ele vai usar os portos da Leone para os carregamentos de droga
na primavera e no verão, e vai nos pagar uma taxa.
Minha mãe mantinha os olhos no prato à sua frente, sem dúvida
tentando imaginar como conseguiria engolir aquilo. Morcela, pão e um bife
bem passado. Definitivamente uma provocação sutil. E, ainda assim, ela não
disse nada, apenas empurrou a comida com o garfo.
— Jantar saudável? Mas que porra é essa? — murmurou Dante,
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encarando o prato idêntico ao da nossa mãe. — Você contratou um novo chef
que não tem papilas gustativas?
— É o mesmo cozinheiro, — respondeu mamãe, com frieza.
Abri a boca para sugerir a meu pai que talvez fosse hora de
aposentá-lo, mas Dante foi mais rápido: — Ele deve estar querendo dar
diarreia explosiva em todo mundo.
— Considere isso uma limpeza, — murmurei.
Um músculo na bochecha de papai se contraiu, então provoquei
ainda mais:
— Não é à toa que as pessoas perdem a cabeça quando comem
essa porcaria, — acrescentei, com o duplo sentido proposital, mirando no
temperamento dele.
Ele bateu o punho contra a mesa, fazendo os talheres tremerem.
Nem Dante nem eu nos mexemos - já estávamos acostumados com seus
acessos de fúria -, mas minha mãe se sobressaltou. Mesmo depois de todos
esses anos, ela ainda ficava tensa perto dele.
— Já terminaram com as piadas de merda? — rosnou.
O velho não tinha envelhecido bem. O consumo de álcool e a dieta
precária haviam cobrado seu preço. O câncer também ajudava. Seu cabelo
ainda era escuro - só porque tingia -, mas não havia cura para a calvície e a
pele amarelada.
Não importava que seu corpo estivesse mais fraco. Ele ainda era
perfeitamente capaz de abusar e trair. Era por isso que eu não dormia mais
sob o teto dele. O mesmo valia para Dante.
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Na verdade, nenhum de nós conseguia dormir uma noite inteira,
não importava onde estivéssemos. Eu usava esse tempo para revisar a
vigilância e expandir meu império. Minha insônia começou no dia em que
salvei uma certa garota de cabelos dourados. No mesmo dia em que meu pai
levou Dante e eu para o porão pela primeira vez e nos puniu. Desde então,
eu dormia com um olho aberto. Ele podia estar velho e fraco, mas anos de
abusos nos moldaram de muitas formas.
Nada me agradaria mais do que me livrar do meu pai sem que
ninguém descobrisse, nem mesmo meu irmão. Mas, infelizmente, isso não
estava nos planos. Pelo menos, não por enquanto.
— Vocês viram as filhas do Romero? — ele perguntou.
Os olhos da minha mãe se ergueram do prato pela primeira vez
desde que sentamos para jantar. O olhar dela passou de mim para Dante e,
então, para Papai.
Ele observava nós três de um jeito que não gostei nem um pouco.
Quase como se soubesse de algo que nós não sabíamos.
— Não vimos as filhas dele, — menti.
— Por quê a pergunta? — minha mãe retrucou.
Era exatamente a minha dúvida. Papai nunca se importou com
ninguém, muito menos com os filhos dos outros.
Ele deu de ombros, o rosto estampado de arrogância.
— Não me importo. Só acho engraçado como o Romero queria
tanto ter filhos homens e foi castigado com filhas.
Encarei-o com indiferença, mesmo que meu peito queimasse de
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raiva e ódio.
— Ouvi dizer que a caçula, Reina, é uma verdadeira encrenqueira.
Lancei-lhe um sorriso tenso, odiando o modo como pronunciou o
nome dela. Eu não gostava nem que ele soubesse da existência de Reina
Romero, quanto mais que falasse sobre ela.
— Como assim? — perguntou Dante, curioso, empurrando a
morcela pelo prato com uma careta de nojo.
— Dizem por aí que ela vive se metendo nas brigas da irmã.
— Ela ama a irmã e a protege. Não tem nada de incomum nisso,
— disse minha mãe, com a voz trêmula e os dedos agarrados ao garfo com
tanta força que os nós dos dedos ficaram brancos.
Papai soltou uma gargalhada seca.
— Talvez. — Recostou-se, os olhos procurando por algo que eu
não conseguia entender. Procurava na nossa mãe. Em Dante. E em mim. —
Romero vai querer casar a filha quando ela atingir a idade certa. A avó dragão
não vai poder protegê-las para sempre.
Foi ali, naquele instante, que eu decidi que seria eu quem
protegeria Reina Romero.
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CAPÍTULO 9
REINA, 14 ANOS
O colégio interno ficava nos arredores do Lago Tahoe. Vinte acres
de uma prisão de luxo, mas era melhor do que estar em casa. Depois de anos
estudando lá, conhecíamos o terreno como a palma da nossa mão.
Enquanto minha irmã e nossa melhor amiga, Isla, se dedicavam
aos deveres de casa, eu estava encarregada de buscar os lanches dessa vez.
Eu já sabia o esquema. Todas nós sabíamos.
Toda a missão deveria levar vinte minutos. Eu escorregaria pela
fenda na cerca, chegaria até a loja para comprar nosso sorvete favorito e
voltaria sem ser notada.
Meus olhos se voltaram para o céu, que escurecia com nuvens
cinzentas, sinalizando uma tempestade iminente. Eu sentia o cheiro da chuva
no ar.
Diferente da nossa casa em Malibu, onde as temperaturas eram
sempre agradáveis, nesta parte da Califórnia fazia mais frio do que eu
gostaria.
Alguns carros passaram por mim, e por um segundo pensei em
pedir carona, mas sabia dos riscos. Desisti. Acelerei o passo pela estrada,
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mantendo os olhos atentos ao redor enquanto minha mente insistia em voltar
para Amon Leone. Desde o episódio da cerca, na semana passada, não
conseguia tirá-lo da cabeça.
Meu Deus, ele era lindo. Charmoso. E tão gentil.
Phoenix não ficou impressionada. Achei que ela era louca. Amon
era o garoto mais de tirar o fôlego que eu já tinha visto.
O guincho de pneus me trouxe de volta ao presente. Um Mercedes
escuro, com vidros fumê, parou a poucos passos de onde eu estava, e meus
passos vacilaram. Prendi a respiração, esperando que o carro seguisse em
frente, mas ele não se moveu.
Então tudo aconteceu em câmera lenta.
A porta do carro se abriu e um homem desceu. Um sujeito enorme,
com o corpo parecido com o de um lutador de sumô, ladeado por dois outros
homens.
Seguranças, pensei, enquanto um alarme disparava dentro de mim
e mãos invisíveis arranhavam minha garganta. Eu não conseguia respirar.
Devia correr. Cada célula do meu corpo gritava para que eu fugisse dali.
Ainda assim, meus pés se recusavam a se mover, enquanto meu coração
martelava com tanta força que parecia quebrar minha caixa torácica.
— Reina Romero. — Os capangas me observavam com cautela,
enquanto o homem principal me encarava com um brilho nos olhos. — Mas
que surpresa agradável.
Minha boca secou e me recusei a responder. Meus instintos diziam
que o perigo andava lado a lado com aqueles homens.
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Então corra, advertiu minha razão.
Fiquei colada no lugar.
— Sim, só pode ser Reina Romero, — ele arrastou as palavras,
parando a poucos passos de mim. — Com cabelo de ouro e olhos do azul
mais límpido do mar.
Ele deu um passo à frente; eu recuei um.
— O que você quer? — sibilei.
— Você.
Foi o que finalmente me pôs em movimento. Largando as sacolas
que segurava, saí correndo, o asfalto rangendo sob meus tênis. Se eu
alcançasse o portão principal do colégio, estaria encrencada por ter saído
escondida… mas estaria segura.
Não parei. Sabia que minha sobrevivência dependia da velocidade
com que eu corresse. Meus músculos gritavam. Eu nunca fui boa em corrida.
Cardio era meu ponto fraco. Mal conseguia ouvir qualquer coisa além do
som dos meus pulmões em desespero, mas sentia movimento atrás de mim.
Quando o portão finalmente ficou ao alcance, uma mão envolveu
minha garganta. Fui puxada com força e lançada para trás. Minhas costas
bateram no chão e a dor explodiu pelo meu corpo.
Abri a boca para gritar, mas um corpo pesado se sentou sobre meu
torso e uma mão abafou qualquer som.
Meu Deus. Não posso morrer assim.
— Seu velho tem uma dívida comigo, — disse uma sombra acima
de mim. — Não danifique nossa mercadoria, Akio.
Eva Winners BITTER PRINCE
Pisquei, confusa. O sujeito que me derrubou - Akio - se levantou
enquanto eu continuava no chão, encarando três pares de olhos.
Um dos capangas me puxou com brutalidade, rasgando meu
casaco.
A palma da mão dele envolveu meu pescoço e eu arquejei,
desesperada por oxigênio. As unhas arranhando os braços dele não
adiantavam nada, então acertei um chute entre suas pernas, o que me rendeu
um tapa na cara.
— Joguem ela no carro, — ordenou o brutamontes.
Me debati, arranhei, gritei enquanto ele me arrastava até o veículo.
Nunca entre no carro, sussurrou minha mente, ecoando o aviso que todo
mundo conhece.
— Me solta, — rosnei, lutando com cada grama de força que eu
tinha. A resposta deles foram sorrisos e olhares debochados. — Socorro! —
berrei o mais alto que consegui, me empurrando para frente, desesperada por
me libertar.
O pânico começou a invadir meus pulmões. Minha respiração se
descontrolou. Cada passo mais perto do carro fazia minha visão turvar.
Através da neblina no meu cérebro e dos meus próprios chutes,
ouvi o ronco de um motor. Mas eu estava longe demais para ter esperança de
ser salva. Então me concentrei em continuar arranhando meus agressores.
— Soltem. Ela. Agora. — uma voz familiar ressoou atrás de mim,
uma ordem clara rompendo o ar. — Primeira e última advertência. Na
próxima, eu atiro.
Eva Winners BITTER PRINCE
Todos congelaram. Alguns batimentos de silêncio, então palavras
foram ditas em um idioma que não entendi. O aperto sobre mim afrouxou
até me soltar por completo, e a gravidade me puxou para baixo. Um braço
forte envolveu minha cintura.
— Segure em mim.
Virei o rosto e encontrei o garoto dos meus sonhos me segurando.
Meu olhar subiu até seu rosto impassível, o sorriso que vi uma semana antes
agora escondido, enterrado em algum lugar distante.
Minhas mãos pousaram no peito dele, os dedos se agarrando à
jaqueta de couro escura.
— O que está fazendo aqui, primo? — perguntou o brutamontes.
Primo. Esse babaca era primo de Amon?
A expressão de Amon era letal, e se esse tivesse sido nosso
primeiro encontro, eu teria me assustado com ele. Felizmente, eu me
lembrava do garoto que me salvara do pai.
— Reina é uma amiga da família, — as palavras controladas de
Amon ricochetearam na minha pele, mas o pior foi a reação dos três homens
que nos encaravam. Só então percebi que Amon estava apontando uma arma
para eles.
Meus lábios tremiam, mas permaneci imóvel, confiando que
Amon sabia o que estava fazendo.
— O pai dela me deve, — disse o primo de Amon, me encarando
como se eu fosse um animal à venda. Não gostei nem um pouco.
— Não deve mais.
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O primo riu com desdém. — Você não decide essas coisas.
— A menos que queira que eu acabe com você aqui e agora,
recomendo que esqueça Reina e essa dívida.
O primo inclinou a cabeça, analisando Amon com atenção. Fechei
os punhos, com vontade de socar a cara dele. Não gostei daquele olhar.
— Talvez eu esqueça. Com uma condição.
Senti os músculos de Amon se enrijecerem, mas sua expressão não
mudou.
— E qual seria?
— Você trabalhar para mim.
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CAPÍTULO 10
AMON, 20 ANOS
Meu maldito primo.
Eu odiava aquele desgraçado, e jurei, enquanto o via se afastar no
carro, que um dia ainda o mataria antes de deixar este mundo.
Dei minha palavra: minha lealdade em troca da vida de Reina.
Não conseguia acreditar que quitei a dívida de Romero às minhas
custas logo depois de termos traçado um plano que nos favorecia. No entanto,
ao olhar para o rosto pálido de Reina, não me arrependi. Ela ainda agarrava
a minha jaqueta, os olhos fixos na direção por onde o carro havia
desaparecido.
— Você está bem?
Ela levantou o rosto e me encarou, um leve tom rosado surgindo
nas bochechas. Levei um leve choque ao ver que ela me olhava com
coraçõezinhos nos olhos. Aquela garota tinha catorze anos.
Desprendi os dedos dela da minha jaqueta e dei um passo para trás,
criando distância entre nós. O cheiro de canela ainda pairava nas minhas
narinas, mas me recusei a decidir se gostava ou não.
— Reina, você está bem? — repeti.
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Ela piscou e pigarreou.
— Não, não estou. Quase fui sequestrada. — Então revirou os
olhos como se minha pergunta tivesse sido a coisa mais idiota do mundo.
Levei isso como um sinal de que estava bem. — Aquele babaca é seu primo?
Meus lábios se contraíram com o tom dela. Era adorável, embora
nova demais. Talvez Romero estivesse certo em manter as filhas fora do
submundo. Reina ainda conservava a inocência, mas com certeza tinha fibra.
Quando cheguei, vi como ela lutou com unhas e dentes contra Itsuki e os
capangas.
— É. Mas ele não vai te incomodar de novo. Vou garantir isso.
Ela assentiu. — Obrigada.
Hiroshi recebeu uma informação de sua fonte no Japão dizendo
que Itsuki estava atrás da filha de Romero. Eu havia passado as últimas vinte
e quatro horas viajando para chegar aqui a tempo. Se tivesse me atrasado
cinco minutos, teria perdido tudo.
Meu peito apertou com esse pensamento. Aquela garota não
merecia ser ferida, não importava quem fosse o pai dela. Dante e eu
encontraríamos o documento de que nossa mãe precisava, evitando as
garotas Romero a qualquer custo.
— O que está fazendo aqui sozinha?
Ela deu de ombros, se afastando de mim.
— Era minha vez de sair escondida para pegar lanches.
A segurei quando ela tropeçou e fez uma careta. Xinguei
mentalmente. Os filhos da puta deviam tê-la machucado. Ela voltou a andar,
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e seguimos em silêncio até o ponto onde os lanches estavam espalhados pelo
asfalto.
Quando ela se agachou para pegar o pacote de pretzels, os
movimentos lentos, eu a impedi.
— Deixe que eu faço, — disse, enquanto ela observava eu enfiar
todos os lanches na sacola. — Eles não dão lanches neste colégio interno?
Ela soltou um suspiro. — Só coisas saudáveis.
A expressão no rosto dela deixou clara sua opinião a respeito disso.
— Tem lanche aqui para alimentar uns dez, — comentei, divertido,
enquanto me levantava por completo. Sabia que ela ainda não havia
terminado de crescer, mas parecia tão pequena ao meu lado. Uma criança
que precisava ser protegida.
— Bom, somos três no quarto, — retrucou ela, tentando pegar a
sacola da minha mão. — Eu posso levar a partir daqui.
— Não. Vou te acompanhar até seu dormitório.
Ela me olhou como se eu tivesse enlouquecido.
— Você não pode me acompanhar até lá. Eu saí escondida. Prefiro
voltar da mesma forma, senão vou ficar de castigo o mês inteiro.
— Eu volto escondido com você, — falei. Estava claro que ela não
gostou da sugestão. Azar o dela. Não viajei quase dez mil quilômetros para
não garantir que ela voltasse em segurança.
— Tanto faz, Amon. — Ela deve ter percebido no meu rosto que
eu não ia mudar de ideia. — Mas se você for pego, eu não te conheço e você
não me conhece.
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— Ai, como você me fere, — brinquei.
Ela virou a cabeça de repente, os cachos dourados emoldurando o
rosto. Abriu a boca para dizer algo, mas a fechou logo em seguida.
— Acho que, já que você me salvou, ficar de castigo por um mês
não é um preço tão alto a pagar.
— Não vamos ser pegos, — garanti, dando-lhe um leve empurrão
para que começasse a andar. — Vai na frente, garota canela.
O apelido caiu bem nela. Segurei-a pelo cotovelo, e ela fez uma
careta de dor de novo.
— Quando voltar para o quarto, tome um banho quente. Melhor
ainda se puder tomar um de banheira. — Caminhávamos lado a lado, os
passos dela lentos, mas firmes. — Tem algum corte?
Ela balançou a cabeça. — Acho que não. Só perdi o fôlego quando
aquele idiota me jogou no chão.
Cerrei os dentes, a imagem me fazendo ver tudo em vermelho. —
Eles não vão te incomodar de novo.
Ela me lançou um olhar hesitante. — Porque você vai trabalhar
para ele?
Evitei responder, mas ela tinha escutado toda a conversa. —
Porque eu não vou permitir.
Ela soltou um suspiro. — Eu não entendo muito dessas coisas,
Amon, mas sei que aquele cara não é boa coisa.
Chegamos à fenda na cerca e, mentalmente, fiz uma nota para
contratar alguém para consertá-la. Os lanches da Reina não valiam sua vida.
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Ninguém mais sairia ou entraria por ali.
— Você tem razão. Ele não é. Sabe aquele ditado ‘mantenha os
amigos por perto e os inimigos mais ainda’? É isso que estou fazendo.
Ela não respondeu. Quando paramos diante do dormitório dela,
consegui ouvir música e risadas por trás das portas fechadas.
Reina engoliu em seco, as veias delicadas do pescoço pulsando
quando me olhou.
— Obrigada de novo.
Todo o rosto dela brilhava com inocência, e lá no fundo, eu já sabia
que seria o responsável por destruí-la um dia. E já começava a lamentar por
isso.
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CAPÍTULO 11
REINA, 17 ANOS
Nada nunca vinha sem esforço e sacrifício.
Essas eram palavras da vovó. Mamãe costumava dizer o mesmo.
Esse pequeno fato ficou cravado no meu coração e na minha alma. Era o que
me fazia ser quem eu era hoje: um desastre estressado.
Ainda assim, foi isso que me fez pular dois anos na escola para
garantir que me formaria ao lado da minha irmã. Foi persistência, esforço e
uma corrente constante de ansiedade. Era minha responsabilidade protegê-la
e garantir que todos os seus sonhos se tornassem realidade. As amizades
extras que fiz pelo caminho - com Isla, Athena e Raven - foram um bônus e
tornaram tudo melhor.
Fazia um ano e meio desde que nos mudamos para Paris para
estudar no Royal College of Arts and Music. Papai foi contra desde o início,
mas Vovó Diana apareceu - de novo - para lembrar que a mamãe queria uma
vida normal para nós.
Eu valorizava o poder que ela tinha sobre essas decisões, sobre
meu pai, mesmo sem entender totalmente. E concordava com todo o coração.
Ir para a faculdade fazia parte de crescer. Parte da normalidade.
Ao passar pela porta de entrada para pedestres, cheguei à garagem
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do prédio moderno nos arredores de Paris. Eu preferia a Paris antiga, mas era
ali que ficava o estúdio de yoga que eu mais amava. O único ponto negativo
era que, para entrar no prédio, era preciso passar por aquela garagem escura
e úmida.
Com os fones de ouvido no lugar, a música Church Bells, da Carrie
Underwood, explodia nos meus tímpanos enquanto eu cantarolava junto. Era
verdade o que diziam: você pode tirar a garota da América, mas não tira a
América da garota. Andando pela garagem mal iluminada, avistei pelo canto
do olho um carro esportivo que derrapava em minha direção, pneus cantando.
Meus pés travaram e eu fiquei olhando para o espaço quase vazio,
forçando os olhos. Quando me matriculei no estúdio, garantiram que a
segurança era prioridade, principalmente por causa do número de mulheres
jovens nas aulas noturnas. As câmeras de segurança ao redor da propriedade
confirmavam isso, mas mesmo assim, um pressentimento pesado se formou
no fundo do meu estômago.
Me escondi atrás de um carro próximo quando a Ferrari vermelha
parou bem na minha linha de visão. Os pneus deixaram marcas pretas no
chão, e meu coração batia mais forte do que o ritmo da música que ainda
berrava nos meus ouvidos.
Soltei um suspiro trêmulo, achando que estava segura naquela
posição agachada. Eu tinha certeza de que eles não tinham me visto, já que
entraram pela outra entrada da garagem. Mesmo assim, algo me impediu de
sair correndo. A porta de saída estava a apenas cinco metros, e embora eu
soubesse que eles não teriam tempo de me alcançar, permaneci colada no
lugar.
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O carro não se moveu. Não estacionou. Era como se quem
estivesse lá dentro estivesse esperando por algo - ou alguém. Um segundo
depois, outro carro - um Mercedes-Benz preto, modelo S-Class - apareceu
do nada e parou ao lado da Ferrari. Ninguém saiu de nenhum dos dois
veículos, e eu observei, horrorizada, quando a janela do Mercedes se abaixou
e o cano de uma arma apareceu.
Como se fosse combinado, a música da Carrie chegou ao fim.
Tiros altos cortaram o ar, ecoando pela garagem vazia, o estrondo forte o
suficiente para fazer minha cabeça se virar pelo impacto. Assisti, em estado
de choque, quando a outra janela também se abaixou e o motorista respondeu
com mais tiros - balas voando por todos os lados.
Meus braços subiram automaticamente para cobrir os ouvidos.
Aquilo me lembrou o clímax de uma canção dramática, o tom acelerando até
o auge. E então, de repente… silêncio.
Assustador. Ensurdecedor.
Esperei; não tinha certeza do que fazer. Mas depois que o silêncio
se prolongou, fiz algo que mudaria o rumo da minha vida. Espiei por cima
do capô do Fiat velho atrás do qual me escondia bem na hora em que as
portas da Ferrari vermelha se abriram.
Meu coração martelava na garganta enquanto minhas unhas se
cravavam nas palmas das mãos. Isso eu esperava ver em Nova York. Até em
Los Angeles. Mas nunca em Paris, onde as leis de armas estavam entre as
mais rígidas do mundo. Dois homens saíram do carro, um usando um terno
escuro de três peças, o outro de jeans e uma camiseta branca simples, com
as mangas dobradas até os cotovelos, revelando a pele dourada. Uma das
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mãos dele estava relaxada ao lado do corpo, a outra segurava a arma ainda
apontada para o Mercedes. Era evidente que ele se sentia muito à vontade
com armamento.
Eles se viraram ao mesmo tempo, e por um instante pude ver seus
perfis. Um suspiro escapou dos meus lábios. Abafei com a mão enquanto a
surpresa me atingia como um raio.
Eu conhecia aqueles garotos.
Não, não mais garotos. Homens. Altos, sombrios e assustadores.
Amon e Dante Leone: os irmãos leões.
Cada um segurava uma arma enquanto abriam a porta do Mercedes.
Dois homens caíram de dentro, amontoados um sobre o outro, imóveis,
cobertos de sangue, os rostos irreconhecíveis. O gosto ácido da bile subiu
pela minha garganta e respirei fundo para não vomitar.
Nunca tinha visto um cadáver antes, além do da minha mãe… mas
eu evitava pensar nisso. Sempre desencadeava minhas crises de pânico. E
mesmo assim, como uma idiota, assistia à cena como minha avó assistia aos
filmes da velha Hollywood.
Balancei a cabeça, piscando até a visão clarear. Precisava focar no
perigo que ainda me rondava.
Os irmãos arrastaram para fora do carro um sujeito gordo que
sangrava, mas ainda estava vivo, e pressionaram uma arma contra a têmpora
dele, obrigando-o a se ajoelhar. Ele não parecia europeu. Se eu tivesse que
adivinhar, diria que era de ascendência asiática.
Assim como o homem que tentou me sequestrar. Assim como o
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primo de Amon.
Idioticamente, meus olhos voltaram para Amon, o garoto que eu
nunca consegui esquecer. Observei-o em busca de qualquer sinal de que
ainda era a pessoa que salvara minha vida, mas havia algo na expressão
sombria em seu rosto que deixava claro: aquele garoto inocente não existia
mais. No lugar, estava um homem alto, poderoso e, possivelmente,
implacável.
— Para quem você trabalha? — Amon perguntou em inglês
perfeito, a voz calma, mas carregada de uma autoridade inconfundível. Ele
era letal. E o homem ajoelhado sabia disso.
Desesperado, o sujeito olhou para Dante em busca de misericórdia,
mas encontrou a mesma dureza. Afinal, eram irmãos criados sob o reinado
de um leão.
Percebendo que não teria ajuda, o homem gordo rosnou com um
forte sotaque:
— Vai se foder, mestiço. Traidor da sua raça.
As palavras me confundiram. Eu não fazia ideia do que
significavam, mas pelo aceno divertido que os irmãos trocaram, eles sabiam
exatamente o que aquilo queria dizer.
— Resposta errada, — disse Dante, a voz mais fria que o fundo do
oceano, fazendo arrepios subirem pela minha pele. — Devemos ir atrás da
sua família, então?
— Vocês jamais pisarão no Japão, — o homem cuspiu, mas não
pareceu ter efeito. Suor escorria pela testa dele enquanto despejava uma
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sequência de palavras em japonês que só podiam ser xingamentos.
— Última chance, — advertiu Amon, a expressão escurecendo.
— O chefe sabe que você ainda está de olho nela. Ela...
Ele nunca terminou a frase, porque Amon puxou o gatilho.
O disparo único ressoou em meus ouvidos com uma revelação
angustiante: o garotinho que um dia carregou estrelas nos olhos havia se
tornado pura escuridão.
Meu estômago se revirou e minhas mãos taparam minha boca para
impedir que o almoço voltasse, enquanto eu observava os olhos vazios do
homem se revirarem para o fundo da cabeça.
A mão de Amon caiu ao lado do corpo, os olhos fixos no cadáver
com uma expressão entediada. Sem reação. Sem arrependimento.
Eu preciso sair daqui.
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CAPÍTULO 12
AMON, 23 ANOS
Senti os olhos dela sobre mim.
Mas só virei a cabeça em sua direção depois de matar o homem.
Esperava gritos, súplicas por ajuda, histeria. Em vez disso, ela permaneceu
imóvel, escondida atrás de um sedã estacionado, encarando-me com os olhos
arregalados. Olhos tão incríveis quanto eu lembrava.
Mesmo daqui, podia ver que a cor das íris dela era um tom de azul
hipnotizante.
Lancei um olhar para meu irmão, que ainda não a havia visto. —
Sua vez de se livrar dos corpos, — falei.
Ele me mostrou o dedo do meio enquanto dava a volta, jogando os
corpos no banco de trás do Mercedes cravejado de balas com facilidade.
— Esses filhos da puta da Yakuza deviam entrar numa dieta, —
resmungou, ao arremessar o último homem lá dentro.
Soltei um suspiro sarcástico. — Tenho certeza de que dizem o
mesmo sobre os italianos.
— E não se esqueça que você é meio italiano, — Dante retrucou,
com um meio sorriso.
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Ele tinha razão, claro. Era o motivo de eu falar várias línguas.
Italiano foi a primeira, embora minha mãe jure que eu disse algumas palavras
em japonês na mesma época. Depois disso, inglês e francês vieram
naturalmente.
Ele fechou a porta do Mercedes e deu a volta até o lado do
motorista.
— Deixa adivinhar… é agora que você decide reivindicar sua
herança japonesa. Que conveniente.
Não respondi. Era difícil negar quem eu era. Bastava olhar uma
vez para meu rosto, os ossos marcados, os olhos escuros. Eu nunca fui uma
adição bem-vinda aos Thorns da Omertà. Só fui aceito graças à mente
progressista de Enrico Marchetti, e seu desejo de aproveitar meus laços com
a Yakuza.
Esses laços vinham do lado da minha mãe, a princesa da Yakuza
que abandonou tudo o que conhecia por algo totalmente estranho.
Com um último olhar em minha direção, Dante entrou no carro e
deu partida. Aquele veículo em breve seria apenas uma lembrança, junto com
os corpos dos seus donos.
Assim que ele saiu do meu campo de visão, fiz meu movimento.
Ela se endireitou, erguendo os ombros quando me viu aproximar.
O queixo ergueu-se com firmeza, e o gesto fez seus cachos dourados
brilharem mesmo com a iluminação fraca da garagem. Toda vez que eu a via,
o fôlego me faltava.
Não gostava dessa reação, mas já havia aceitado. Era inevitável,
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como a rotação do sol. Era parte de mim, assim como a amargura no meu
coração e o ar nos meus pulmões. Então, parei de lutar contra isso e aceitei.
Parei a menos de um metro dela, minha altura muito acima dos
seus um metro e sessenta e cinco, e o cheiro de canela me envolveu de
imediato. Exatamente como naquele primeiro dia, onze anos atrás.
— Olá, garota canela.
A profundidade do olhar azul dela me puxava para dentro de seu
calor, apesar do tremor evidente. O medo era visível em seu pescoço pálido,
vibrando como asas de borboleta. Ela era jovem - jovem demais - e tocá-la
seria nossa condenação.
Ainda assim, como a lua que morre por um vislumbre do sol, levei
a mão até o pescoço dela e tracei a linha suave de seu queixo, seguindo o
caminho até alcançar o ponto onde seu pulso batia acelerado.
Ela não recuou. Não estremeceu. Ficou imóvel. — Amon, o-o que
está fazendo?
Meus lábios se curvaram em um sorriso satisfeito. — Então não
me esqueceu, hein?
Ela soltou um suspiro exasperado, o lábio inferior ainda tremendo
levemente. — Como se alguém pudesse esquecer você — murmurou.
— Você se surpreenderia.
— Além disso, eu tinha catorze anos da última vez que te vi. Não
seis, — disse, a voz começando a recuperar firmeza.
— Como eu poderia esquecer?
— Por que matou aqueles homens? — Os olhos dela se desviaram
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para trás de mim, para o local onde os corpos estiveram momentos antes, e
depois voltaram para os meus, buscando respostas.
— Eles nos atacaram. — Será que ela realmente não sabia que
vinha sendo seguida há uma semana? O olhar confuso dela dizia que não. —
Eles foram atrás de algo que não lhes pertencia.
As sobrancelhas delicadas se franziram, tentando decifrar o que
aquilo significava. Deixe-a refletir sobre isso.
— Você não pode sair por aí matando pessoas, — ela sussurrou,
inclinando-se levemente ao toque. — É errado.
Outro suspiro sarcástico escapou de mim. — Isso vindo de uma
Romero tem um certo charme.
A menos que ela não soubesse no que o pai estava envolvido. Ou
o que ainda fazia.
— O que quer dizer com isso?
Afastei os cachos selvagens do rosto dela. — Esquece. O que está
fazendo aqui?
— Aula de yoga.
A desaprovação borbulhou dentro de mim. — Sozinha?
Ela revirou os olhos, afastando minha mão. — Sim, sozinha.
Venho aqui há quase dois anos e é bem seguro, muito obrigada. Parece que
o perigo é você quem carrega por onde passa.
— Três anos atrás, o problema veio atrás de você, — apontei.
Ela inclinou a cabeça. — Ou talvez tenha sido atrás de você, já que
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era seu primo.
Ignorei a provocação. Era melhor para ela pensar assim.
— Por que sua irmã não está com você?
— Ela não gosta de yoga. Além disso, o que isso te importa?
— Você é menor de idade, — falei, mantendo o tom neutro.
O velho Romero realmente dançava conforme a música da sogra,
que insistia na independência das netas. A velha dragão se casou com um
duque há alguns anos e agora vivia no Reino Unido. Eu me perguntava se
Tomaso ainda tinha alguma voz na criação das próprias filhas.
Os olhos de Reina faiscaram com irritação. — Estou quase
fazendo dezoito.
— Exatamente.
Ela soltou um suspiro frustrado. — Por que eu estou discutindo
essa idiotice com você? Você acabou de matar um homem. Minha idade
realmente não importa. É com a sua que você devia se preocupar, porque
com certeza vai passar um bom tempo numa prisão francesa.
— Só se você contar para alguém o que viu esta noite. — Dei um
passo à frente, encurtando a distância entre nós. Eu não precisava franzir a
testa ou encarar com dureza para impor medo a quem ousava me desafiar. —
E você não vai fazer isso, vai?
Ela sabia que, se falasse, as chances de sobreviver -
independentemente de quem fosse seu pai - seriam mínimas. Por isso, seu
próximo movimento me surpreendeu: ela escapou do meu alcance e correu
em direção ao elevador, me deixando comendo poeira.
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Recuperei o controle rapidamente e fui atrás dela, puxando-a de
volta pelo braço. Ela abriu a boca para gritar, mas minha mão foi mais rápida,
tapando sua boca e abafando qualquer som.
— Reina, pare com isso, — avisei.
Ela cravou os dentes na minha palma e uma sequência de
palavrões escapou da minha boca em italiano e japonês. Só quando falei na
língua da minha mãe ela se aquietou. Senti a língua dela contra minha pele,
quente e úmida, e aquilo fez meu pau dar sinal de vida.
Merda. Ela era menor de idade, eu precisava me recompor.
— Eu não vou gritar, — a voz dela saiu abafada. — Prometo.
Minha sobrancelha se arqueou, e aos poucos tirei a mão de seus
lábios macios.
— Você fala japonês? — perguntou, surpresa genuína em sua
expressão.
— Falo, — confirmei.
— Quem te ensinou?
Meu maxilar ficou tenso enquanto um veneno familiar começava
a percorrer minhas veias.
— Minha mãe, — minha voz saiu cortante, como um chicote.
Os olhos azul-cristal dela se arregalaram, como se eu a tivesse
machucado de verdade.
— Já que você sabe que meu pai é italiano, faz sentido minha mãe
ser japonesa, — acrescentei.
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— Não precisa ser grosso, — murmurou. — Só estava curiosa. Eu
não sei muito sobre você.
O submundo era um campo de fofocas. Todo mundo falava de tudo,
e eu sabia que o escândalo do meu nascimento ilegítimo e meus laços com a
Yakuza eram assunto constante dentro da Omertà. O pai de Reina, sendo um
dos membros, certamente já havia comentado. Mas o jeito estranho como
essa conversa se desenrolava me dizia o contrário.
— Agora você sabe. — Minha mão ainda pairava perto da boca
dela. Ela levou a dela até a minha, os dedos pequenos e delicados se curvando
sobre os meus. Sem esmalte. Limpos.
— Quer me perguntar mais alguma coisa?
Ela inclinou a cabeça, me estudando. Sem pudor. Sem medo.
Mesmo depois de me ver matar um homem. E algo me dizia que não era a
primeira vez que ela via a morte de perto. Eu apostaria minha vida nisso.
Observei Reina de longe desde o dia em que nos reencontramos,
três anos atrás. Havia algo nela que me fascinava desde que eu era garoto.
Os lábios cheios dela se curvaram num sorriso suave.
— Por enquanto, é só isso. — Deu um passo à frente, o peito
roçando levemente no meu, enquanto me olhava com uma expressão
inocente. Um calor percorreu minha espinha ao sentir seu perfume. — Acho
isso tão legal. Exótico.
Exótico.
Me perguntei se aquilo era o jeito sutil dela se referir à minha
origem ilegítima, ao fato de meu pai nunca ter se casado com minha mãe. Ao
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meu sangue misto. Ou se era apenas uma observação espontânea.
Meus olhos percorreram seu corpo. Usava shorts jeans que
deixavam à mostra suas pernas e aquela pele macia, impecável. Um par de
tênis rosa-choque e uma camiseta pink. Eu sabia que Reina Romero gostava
de luxo e tinha dinheiro de sobra para sustentar o gosto, não só vindo do pai,
mas também do lado da mãe e da avó rica, ambas lendas de Hollywood.
— Você não devia andar por aí sozinha, Reina, — repeti.
— E você não devia sair matando gente, Amon, — retrucou, em
um tom doce.
Normalmente, eu explodiria se alguém tentasse me dizer o que
fazer. Mas com ela, apenas dei de ombros, observando-a cruzar as pernas
enquanto se encostava na parede. O corpo macio e curvilíneo dela não me
passou despercebido, mas ainda assim… ela era só uma garota.
Menor de idade, lembrei a mim mesmo. E não importava se fosse
maior, porque ela nunca seria minha. Pais italianos queriam genros italianos
de sangue puro para suas filhas, não filhos ilegítimos com herança mista. O
príncipe amargo, jamais um rei.
— Se quiser, podemos jantar depois da minha aula de yoga, — ela
ofereceu. — E talvez você me conte por que fez o que fez.
E foi assim que a curiosidade matou o gato.
Eva Winners BITTER PRINCE
CAPÍTULO 13
REINA
Uma onda de vida borbulhava nas minhas veias e eu me contorcia,
esperando por uma resposta. Não conseguia acreditar que o tinha convidado
para sair, mas já era tarde demais para retirar as palavras. Não que eu quisesse.
Vi os traços de sombra lutando nos olhos dele enquanto seu
perfume masculino - limão e maçã verde - me envolvia, fazendo meus
mamilos enrijecerem.
A confusão embaralhava meus pensamentos e os alertas soavam
alto na minha mente. Eu literalmente acabara de ver esse homem executar
um ataque que deixou dois outros mortos, e mesmo assim tudo o que eu
conseguia fazer era me afogar no olhar dele, que me lembrava galáxias
perdidas e estrelas distantes. Não conseguia desviar, mesmo que fosse isso o
que ele esperava.
Então esperei pela resposta à minha pergunta, enquanto um
sussurro de adrenalina nadava pelas minhas veias, quente como o sol da
Califórnia. Estávamos cara a cara. Os sapatos italianos caríssimos dele
contrastavam com meus Rothy’s rosa. Minha camiseta pink, estilo preppy -
ainda que fosse Valentino - contra a camisa social dele. Ambos usávamos
jeans, mas os dele pareciam sob medida e moldavam seu corpo perfeitamente,
Eva Winners BITTER PRINCE
enquanto os meus eram desfiados e terminavam no meio das coxas.
— Jantar com você? — O inglês dele era perfeito e muito formal
- sotaque britânico, não americano - com uma pitada de divertimento na voz.
A proximidade dele e a voz grave aqueceram meu estômago, instalando algo
fundo dentro de mim.
— Sim, comigo, — respondi com a respiração rasa, os olhos
descendo até os lábios dele. Fiquei imaginando qual seria o gosto. Gin e
pecado, talvez. Foi então que ouvi um carro se aproximando, quebrando o
feitiço que esse homem lançava sobre meus pensamentos.
— Vou esperar você terminar sua aula de yoga, — ele disse enfim,
mas antes que eu pudesse me empolgar, acrescentou: — E te levar para casa.
Você não devia estar por aí, vagando pelas ruas sozinha. Esqueceu o que
aconteceu quando saiu escondida do colégio interno?
Recusei-me a me irritar. — Eu posso, e vou. Recuso-me a viver
com medo. Além disso, pretendo jantar. Então, você pode se sentar e me
observar... ou pode se juntar a mim.
Dito isso, passei ao lado dele e entrei no prédio, torcendo para que
a porta do estúdio não estivesse trancada, afinal, eu já estava quase quinze
minutos atrasada.
Uma hora de alongamentos, posturas e meditação depois, e eu
estava suando em bicas. O tempo todo, estava ciente da silhueta familiar
encostada de forma casual no batente da porta, mãos nos bolsos. A presença
dele me distraía completamente, e ainda assim, eu não me importava. Eu
precisava daquela distração, depois do ataque que presenciei, com dois
corpos mortos e uma pilha de perguntas sem resposta.
Eva Winners BITTER PRINCE
Não resistia à vontade de lançar olhares para Amon, captando os
tons azulados nos cabelos escuros dele, imaginando se ele gostava do que
via quando eu me posicionava no downward dog7.
Cada vez que nossos olhares se encontravam, havia um leve
sorriso e algo espesso e escuro dançava entre nós, nos puxando cada vez mais
para perto. Eu mal podia esperar para falar com ele de novo.
Foi a hora mais curta da minha vida e, ao mesmo tempo, a mais
longa.
Assim que terminei, fui até ele desfilando, com um revirar de olhos
brincalhão. — Você não resistiu ao jantar comigo, não é? — Ele não pareceu
impressionado, me analisando com olhos cautelosos. — Não se preocupe,
Amon. Não vai ser um encontro. Podemos até pagar nossas próprias
refeições, se isso te fizer se sentir melhor.
Um lampejo de desagrado passou por seus olhos enquanto o olhar
dele descia pelo meu corpo… e voltava a subir.
— Troque esse macacão, Reina.
Meu Deus, como ele era rabugento. Mas tudo bem. Eu não ia me
deixar abater por isso.
Com calma, entrei no vestiário, mas assim que a porta se fechou
atrás de mim, corri para o chuveiro e me troquei com uma animação nova.
Vesti a blusa rosa ombro a ombro que havia colocado na bolsa de ginástica,
sabendo que as noites no início de junho podiam ser frias.
Quando saí, ele ainda estava no mesmo lugar.
7
é uma das posturas mais conhecidas do yoga.
Eva Winners BITTER PRINCE
— Pronto? — soltei, o coração disparando no peito.
Minha respiração falhou quando ele ergueu o dedo e traçou o
pingente que descansava entre os meus seios. — Bonito colar.
Baixei o olhar para a corrente de platina, onde um pequeno
pingente de kanji japonês balançava delicadamente. Aparentemente,
significava amor e afeto. Esperava que ele não achasse que eu entendia o
idioma, ou qualquer coisa sobre a cultura, para falar a verdade. Por que eu
usava aquilo, então? Porque era da minha mãe. Por que ela tinha? Nenhuma
ideia. Ela me deu no dia em que morreu, e eu nunca consegui me desfazer
dele.
O dedo dele ainda pairava ali, quase tocando minha pele. Meu
pulso acelerou com aquele toque. Uma tensão pesada preencheu o ar,
condensando o espaço entre nós.
— Era da minha mãe.
Ele não disse nada. Apenas pegou minha bolsa e a jogou por cima
do ombro, sem se importar com o fato de ser rosa e super feminina. — Vamos?
Meu Deus, ele era fascinante. Aquela confiança silenciosa, o jeito
soturno. E cada movimento dele parecia calculado, como se cada gesto
tivesse um propósito mais alto. Meu coração batia mais rápido a cada passo
que dávamos, eu me sentia quase tonta. Parecia que já havíamos caminhado
juntos mil vezes, nossos passos sincronizados apesar da diferença de
tamanho entre nós.
Ao sairmos do prédio, ele me guiou até a garagem e meus passos
hesitaram.
Eva Winners BITTER PRINCE
— Nós... não vamos no carro cheio de buracos de bala, né?
O olhar de Amon brilhou enquanto ele se virava para mim. —
Mandei trazer um carro novo, só para você.
A frustração subiu pela minha garganta. Eu não sabia se ele estava
brincando ou falando sério. Passei a língua pelos lábios. — Podemos ir a pé,
— sugeri, esperançosa. — A saída para a calçada é por ali.
Ele voltou a andar e eu tive que apressar o passo para acompanhá-
lo. Parou ao lado de um Maserati preto e soltei um suspiro aliviado. Qualquer
coisa era melhor do que um carro cravejado de balas.
— Como você conseguiu trocar os carros? — perguntei. — Você
esteve o tempo todo no estúdio.
Ele abriu a porta do passageiro e jogou minha bolsa no banco de
trás. — Vem?
Soltei um suspiro frustrado com a falta de resposta e fui até ele,
entrando no carro. O cheiro quente e masculino me envolveu de imediato,
fazendo meu coração bater mais rápido. Quando ele entrou e fechou a porta,
o aroma ficou ainda mais intenso, invadindo todos os meus sentidos. Minha
mente ficou enevoada e aquele ponto sensível entre as pernas latejou.
Minhas bochechas esquentaram, muito consciente da atração que
sentia enquanto colocava o cinto de segurança.
Sem ideia do que estava acontecendo comigo, Amon colocou o
carro em movimento e partiu.
***
Eva Winners BITTER PRINCE
Ele não disse nada durante o trajeto de carro. Mas, na minha
cabeça, estávamos tendo um milhão de conversas. E a parte infantil dentro
de mim queria impressioná-lo, então continuei pensando em tópicos que me
fariam parecer mais madura aos olhos dele.
Não a garota menor de idade que ele havia chamado de menor de
idade.
Então, peguei meu celular e comecei a vasculhar tudo sobre o
Japão. Um mini curso relâmpago. Eu já conhecia os símbolos kanji por causa
do colar da minha mãe, mas era só isso.
Quando paramos num semáforo, ele olhou para mim. — O que
você quer comer?
Meus lábios se curvaram e não consegui conter um sorriso feliz.
Guardando o celular, respondi: — O que você quiser.
Ele voltou a atenção para a estrada, e a incerteza subiu pela minha
espinha mais uma vez. Eu odiava me sentir assim, instável, exposta, insegura.
— Você vai comer também, não vai?
Ele fez uma curva brusca à direita e entrou num estacionamento
com portão. — Com certeza não vou sentar e ficar te vendo comer.
Mordi o interior da bochecha para conter uma risadinha. Me
parabenizei mentalmente pela resposta inteligente que dei mais cedo, porque
claramente tinha funcionado. Ele estacionou e saiu do carro. Antes que eu
pudesse soltar o cinto, ele já estava do outro lado, abrindo minha porta.
— Obrigada, — murmurei, aceitando sua mão estendida. Os dedos
dele envolveram os meus, quentes e firmes, e lá no fundo, desejei que ele
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segurasse minha mão até o restaurante. Bobo e infantil? Sim, mas eu não
conseguia evitar meus devaneios românticos.
Assim que começamos a andar, ele soltou minha mão e meu
coração afundou. Rápido e fundo. A decepção foi mais forte do que deveria.
Não importa, eu disse a mim mesma. Se ele não gostasse de mim,
não estaria me levando para jantar.
Seguimos por uma rua cheia de lojinhas, música francesa e meia
dúzia de cafés charmosos. Eu olhava com expectativa ao redor, tentando
adivinhar qual restaurante ele escolheria. Aquela rua ficava longe do meu
apartamento, então não era um lugar onde eu costumava ir.
Ele parou diante de um restaurante japonês que eu provavelmente
teria passado direto, com a entrada discreta e quase escondida da rua. Ele
segurou a porta para mim, e entrei num ambiente lotado. Atordoada, o segui
por entre o salão estreito. As mesas pequenas estavam bem próximas umas
das outras, e no fundo do local havia um bar escrito em hiragana, katakana e
kanji, o alfabeto japonês.
Valeu a pena o mini curso relâmpago, pensei, orgulhosa.
Agarrei o antebraço de Amon, meus dedos se fechando ao redor
de seu músculo sólido. Ele parou, os olhos pousando no ponto onde eu o
toquei, depois encontrando os meus, como se perguntasse o que você está
fazendo? Mas eu não liguei. Nunca fui de reprimir emoções e não era agora
que ia começar. Eu não queria deixá-lo desconfortável, mas tinha dificuldade
em manter minhas mãos longe dele, havia uma conexão entre nós que puxava
suavemente.
Apontei para o bar. — Você pode ler o cardápio do bar para mim?
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As sobrancelhas escuras dele se franziram. — Por quê?
Soltei um suspiro frustrado. — Para eu saber os nomes dos
coquetéis em japonês, — resmunguei. — Por que mais seria?
— Você é menor de idade, — retrucou secamente, afastando minha
mão. — Portanto, não pode beber.
— Veremos — murmurei. Então lancei um olhar curioso para ele.
— Quantos anos você tem, afinal?
Ele nem olhou para mim. — Vinte e três.
— Hmmm, um pouco mais velho. — Ele soltou um suspiro irônico
e eu revirei os olhos. — Mas nem tanto assim, — acrescentei rápido. —
Estou praticamente com dezoito.
— Mas ainda não tem, — retrucou ele.
Uma senhora idosa gritou ao nos avistar, interrompendo a
conversa. Os olhos dela brilharam ao correr até nós, falando algo com Amon
em japonês que eu não entendi. Soava como uma sequência de sílabas fluidas.
Ela puxou Amon - o imponente e intimidador Amon-— pela camisa e, para
minha surpresa, ele a deixou acariciar sua bochecha com carinho. Ele sorriu
calorosamente, claramente conhecendo bem a mulher e se importando com
ela.
— Amon, quanto tempo, — ela disse, mudando para o francês.
Dei um passo para trás, sorrindo com a cena adorável, mas fiquei
em silêncio, deixando os dois terem seu momento. Talvez o menino que me
salvou todos aqueles anos atrás ainda estivesse ali dentro, escondido.
— Bom te ver de novo, Oba.
Eva Winners BITTER PRINCE
Fiquei com vontade de perguntar o que significava aquela palavra.
Se nada mais, talvez eu conseguisse aprender algumas novas durante esse
pseudo-encontro. Afinal, Amon era a única pessoa japonesa que eu conhecia.
O olhar da mulher se voltou para mim, analisando-me com
curiosidade. Eu senti aquele olhar como se tocasse minha pele, e, por algum
motivo, tive a impressão de que ela não aprovava minha presença.
— E quem é esta? — ela perguntou em francês.
Amon me puxou para perto, até ficarmos lado a lado. — Oba, esta
é minha amiga Reina. Ela é da Califórnia. — Bem, pelo menos ele me
chamou de amiga e não de incômodo. — Reina, esta é a mulher que
costumava ser babá da minha mãe, mas para mim é como uma tia.
Sorri e estendi a mão para a mulher, que agora sorria radiante após
a apresentação de Amon. — Prazer em conhecê-la, senhorita Oba.
Amon e Oba riram baixinho, e meus olhos saltaram de um para o
outro, tentando entender o que era tão engraçado.
— Oba significa tia, — explicou Amon.
Corei, mexendo-me desconfortável. — Ah, me desculpe.
Ela pegou minha mão e inclinou a cabeça. Seus olhos se fixaram
nos meus, me estudando, e me perguntei o que ela via. A desaprovação em
seu olhar desapareceu, e ela sorriu. — Você pode me chamar de Oba.
Olhei para Amon, imaginando se isso o incomodaria. Ele deu de
ombros, mas antes que eu pudesse dizer qualquer coisa, ela falou: — Ele não
decide de quem sou Oba. Sou Oba dele e sou Oba sua também, porque eu
digo que sou.
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Então ela fez uma reverência. Sem saber o que fazer, imitei o gesto.
— Prazer em conhecê-la, S... — Ela me cortou com um olhar, e corrigi
depressa: — Oba.
Ela sorriu, voltando a olhar para Amon. — Ela é uma boa escolha.
A expressão de Amon não se alterou. Eu queria que ele dissesse
algo, mas permaneceu em silêncio.
— Tem uma mesa para nós? — ele perguntou, agora falando em
inglês - suponho que por minha causa, embora eu falasse francês
fluentemente.
— Para você, sempre. — Ela nos conduziu até o fundo do
restaurante, parando diante de uma mesa com vista para o Sena e as luzes
cintilantes de Paris.
Eu arfei. — Isso é maravilhoso. Uma joia escondida.
Oba sorriu. — Agora você conhece. E venha me ver.
Assenti com entusiasmo. — Com certeza. Adoro a culinária
japonesa.
Sentamos à mesa pequena enquanto eu lançava outro olhar ao
cenário deslumbrante. Um barco iluminado por luzes festivas flutuava pelo
Sena, parecendo deslizar por uma nuvem escura.
— Você costuma comer comida japonesa? — Oba me perguntou,
curiosa, enquanto retirava os talheres em excesso da mesa.
Balancei a cabeça. — Minha avó costumava nos levar uma vez por
ano. — No aniversário da morte da minha mãe, mas isso eu não disse. Eram
memórias escuras. Não havia espaço para elas aqui.
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— Espero ver você mais do que uma vez por ano, — disse Oba.
— Com certeza. Ainda tenho mais dois anos e meio de estudo,
então você vai me ver de novo. Da próxima vez, trago minha irmã e minhas
amigas.
Satisfeita com minha resposta, ela deu um tapinha na bochecha de
Amon. — Devo trazer o seu favorito?
— Qualquer coisa que tiver, Oba ,— ele respondeu. — Não precisa
fazer nada demais por nós.
A expressão no rosto de Oba dizia exatamente o contrário. Assim
que ela se afastou, a atenção de Amon voltou para mim.
— Então, por quê yoga?
Pisquei diante da mudança repentina de assunto. Por um momento,
pensei em mentir, em tentar dar uma resposta que o agradasse, mas só dei de
ombros.
— Minha terapeuta recomendou.
Sua sobrancelha se arqueou, mas ele não comentou nada, apenas
me observou com aquele olhar escuro. Se eu não tomasse cuidado, poderia
me perder nas galáxias por trás dele... Amon podia ser bom em manter os
pensamentos guardados, mas eu era ainda melhor em arrancá-los. Eu cavava
até que minha curiosidade fosse satisfeita. Ou por justiça, pelo menos quando
se tratava da minha irmã surda. As crianças no internato podiam ser cruéis,
e eu sempre fiz questão de proteger Phoenix disso. A qualquer custo.
— Meditação ajuda a manter meus ataques de pânico sob controle.
— Eles acontecem com frequência?
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Balancei a cabeça. — Não, não mais. Só quando tenho dificuldade
para dormir. — Então, porque não consegui resistir, acrescentei: — Você
parece surpreso.
O garçom veio anotar nosso pedido de bebidas, então ele não
respondeu de imediato. Assim que ficamos sozinhos de novo, Amon falou:
— Não achei que uma princesinha mimada como você teria motivos para ter
ataques de pânico.
Minha postura se enrijeceu, e a tensão percorreu meu corpo. —
Você não sabe nada sobre mim. Deveria guardar suas suposições para si.
— É mesmo? — Sua voz continuava calma, impassível. — Você
não julga ninguém?
Engoli em seco. — Eu tento não julgar, — sussurrei. — Todos nós
viemos a este mundo gritando e cobertos de sangue. Tudo o que podemos
fazer é garantir que não partamos da mesma forma.
Um músculo em sua mandíbula se contraiu, e sua expressão ficou
rígida. — Onde ouviu isso?
— Não sei, — menti. Olhe para mim, Reina, a voz da minha mãe
sussurrou. Todos nós viemos a este mundo gritando e cobertos de sangue.
Prometa que você e sua irmã não vão partir da mesma forma. Eu não
entendia aquelas palavras na época. Ainda não entendia, até hoje. Para mim
já é tarde demais, ela havia dito.
— Não tenho problema em partir da mesma forma, — disse Amon,
me lançando um olhar estranho. Fiquei me perguntando se o tinha irritado.
— Isto é, com o sangue de alguém nas minhas mãos. — Nos encaramos. —
Essa parece uma citação bastante profunda para se carregar por aí. A maioria
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das meninas de dezessete anos não anda por aí pensando tão morbidamente.
Meu pulso disparou, torcendo para que ele deixasse o assunto de
lado. Eu precisava mudar o rumo da conversa, e rápido. — Conhece muitas
garotas de dezessete anos, é? — lutei para manter a voz firme. — Além disso,
isso não diz respeito a você. Por que não guarda seus segredos, e eu guardo
os meus? — sussurrei, surpresa com sua insistência. — Não é como se você
fosse um livro aberto.
Ele ficou imóvel, como se estivesse surpreso. — Você está
mentindo para mim. Sabe exatamente onde ouviu essas palavras.
Será que ele também tinha ouvido essas palavras em algum lugar?
Me perguntei.
— É mesmo? E onde foi isso? — desafiei, sem a menor intenção
de ceder às perguntas dele tão facilmente. — Onde foi que eu ouvi isso, ó
poderoso Amon Leone?
Ele soltou um suspiro sarcástico. — É sobre isso que a Omertà é
construída. — Fiquei o observando, me recusando a dizer qualquer coisa. Eu
já tinha ouvido meu papai dizer essas palavras, mas foi minha mamãe quem
as disse primeiro.
— Junto com ‘não veja o mal, não ouça o mal, não fale o mal’, —
ele completou.
Torci os lábios. — Um pouco hipócrita, não acha? — retruquei
secamente. — Considerando que é justamente isso que os homens da Omertà
fazem o tempo todo.
— E o que exatamente nós fazemos? — ele desafiou. — Somos
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homens de negócios. Nada mais, nada menos.
Felizmente, consegui conter o riso. Não teria sido nada bonito. Em
vez disso, ergui a mão, frustrada, sentindo a garganta apertar.
— Tanto faz. Não vou entrar nesse assunto. Fique com seus
segredos, Amon, — repeti suavemente. — E eu fico com os meus.
— Justo.
A tensão se desfez dentro de mim enquanto eu soltava o ar. — Está
há muito tempo em Paris?
— Vou e volto.
— E vai ficar quanto tempo desta vez?
Ele deu de ombros. — Preciso encerrar alguns negócios. Depois,
veremos. — Amon apontou para meu cardápio. — Precisa de ajuda?
Baixei os olhos e percebi que estava todo em japonês.
— Sim, mas achei que sua oba ia trazer seus pratos favoritos.
— Agora ela é sua oba também ,— ele apontou, o tom levemente
divertido. — Nem todo mundo gosta de sashimi. Melhor pedir outras coisas,
por precaução.
— Eu como o que você comer, — falei. — Quando a gente vai a
restaurante japonês com a vovó, geralmente pedimos rolls de atum. Eu adoro,
mas estou pronta para experimentar algo novo.
O garçom voltou com nossas bebidas e uma variedade de pratos
que eu não reconheci. Ele os colocou no centro da mesa. Minha boca se
encheu d’água, e, de repente, meu estômago roncou.
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Sorri, sem graça. — Estou com fome.
— Deu para ouvir, — disse Amon, divertido.
Peguei os hashis, segurando um como se fosse uma faca, pronta
para atacar o primeiro sushi, quando os dedos de Amon envolveram meu
pulso. — O que está fazendo?
— Comendo.
Seus olhos baixaram para os hashis e depois voltaram para o meu
rosto. — Não assim.
— Não sei segurar direito, — resmunguei. — Já tentei, sempre
acaba numa bagunça.
— Aqui, deixa eu te mostrar. — Ele soltou meu pulso, pegou os
próprios hashis e os ergueu. Tentei imitar sua pegada, e depois de algumas
tentativas, ele estendeu a mão e ajustou meus dedos, posicionando-os
corretamente. — Segure mais perto da parte de cima, não no meio nem na
ponta.
Ajustei os pauzinhos e eles não caíram. Nossos olhos se
encontraram e sorri de orelha a orelha. — Consegui. Olha.
Ele assentiu. — Muito bem.
Me iluminei como o sol diante do elogio. Peguei o primeiro roll e
levei à boca. — Hmmm, que delícia, — murmurei. — Qual deles é sashimi?
Ele apontou para o prato do meio. — Mergulhe no shoyu8. Pode
ser que goste mais assim.
8
Molho de soja.
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Assenti, peguei um pedaço, mergulhei no molho e levei à boca.
Mastiguei devagar. O peixe cru tinha um gosto mais forte. Saboroso e
marcante.
— Hmmm, gostei, — falei, ainda mastigando.
— Boa garota.
Revirei os olhos, mas senti meu rosto esquentar enquanto
gesticulava em direção aos pratos. Nem pensar em deixar ele saber o quanto
aquelas palavras me afetavam.
— É melhor você comer também, — murmurei. — Ou vou comer
tudo e você vai ficar com fome.
Ele riu ao pegar um pedaço para si. — Você não me deixaria com
fome. Deixaria, Reina?
Observei seu rosto, tentando decifrar o que ele queria dizer com
aquilo. Será que ele sabia que eu nunca deixei de pensar nele?
— Não, não deixaria, — admiti, me perdendo naqueles olhos
lindos. Eles eram incomuns, com um anel mais escuro ao redor do castanho.
Não eram frios, mas havia algo neles que sempre me fascinou.
Amon pegou outro pedaço e estendeu para mim.
— Prova este, — incentivou. Me inclinei e fechei os lábios ao
redor dos pauzinhos, depois recuei, saboreando o gosto do roll de atum. Meu
nariz pinicou e ele riu, me estendendo meu copo de água.
— Bebe.
Engoli a água de uma vez. — Nossa, é atum apimentado, — falei,
esvaziando o copo. — Da próxima vez, avisa a garota.
Eva Winners BITTER PRINCE
Ele tirou o copo da minha mão, rindo. — Água não ajuda. Leite
sim. — Quando franzi o nariz, ele balançou a cabeça. — Tudo bem, faça do
seu jeito. Mas ainda tem muito por vir. — Ele fez um gesto com a cabeça,
indicando os garçons que vinham em nossa direção com mais uma dúzia de
pratos pequenos.
— Isso aí, — murmurei, sorrindo.
Eva Winners BITTER PRINCE
CAPÍTULO 14
AMON
Duas horas depois, estávamos de volta no meu carro, o cabelo dela
agora solto, caindo em ondas pelos ombros. Minha curiosidade sobre seus
ataques de pânico voltou a crescer conforme eu observava seus olhos
sonolentos, os ombros curvados. Durante todo o jantar, ela conversou sem
parar, sobre tudo e nada, me contando sobre os amigos, os estudos, e tudo
em que eu conseguia focar eram as coisas que a deixavam abalada. Coisas
que a deixavam ansiosa ou estressada. Eu já sabia muito sobre ela ao longo
dos últimos anos, mas nunca tinha ouvido nada sobre terapia ou ataques de
pânico.
Descobrir agora era inevitável; Reina não parecia esconder nada.
Era revigorante, considerando que esconder era tudo o que eu fazia.
Parte de mim queria desmontá-la peça por peça e entender o que a
fazia funcionar. Entender o que a movia, o que a inspirava. Saber por que ela
ainda sorria com a luz do sol no rosto se havia coisas no passado que exigiam
terapia.
Ela virou a cabeça e me encarou sem vergonha, a curiosidade
brilhando nos olhos azuis. — Você volta com frequência para a Itália?
— Sim. — Então, mesmo já sabendo a resposta, perguntei: — E
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você?
Ela fechou as mãos no colo, os nós dos dedos ficando brancos. —
Não. — Eu sabia que ela e a irmã não voltavam lá desde o verão em que nos
conhecemos, na festa do meu pai. Sabia muitas coisas sobre ela, na verdade.
Sua educação. Seu círculo social. Seus hábitos de consumo, que não eram
nada modestos. Ela ficou em silêncio por um instante antes de acrescentar:
— Depois das provas finais, eu vou. Mas só por alguns dias, uma semana no
máximo.
— Vai ficar na casa do seu pai?
Ela assentiu, a expressão vazia. Algo nisso fez meu peito apertar
de frustração. Eu preferia ela com aquele brilho travesso nos olhos, e não
escondida atrás de uma máscara.
Dirigi pelas ruas escuras, as luzes cintilantes projetando sombras
sobre seu perfil e seus cabelos cacheados. A tensão se esticava entre nós, e
eu deixei o olhar percorrer seu rosto.
A cabeça dela caiu de lado, os olhos fechados, os cílios longos
repousando sobre a pele de porcelana. Maçãs do rosto altas, lábios cheios,
sobrancelhas levemente franzidas. Eu precisava recuar. Ela tinha a avó e o
pai para protegê-la. Não precisava da minha proteção também.
E, ainda assim, lá estava eu.
Reina Romero tinha traços angelicais, mas eram os olhos dela que
me corroíam por dentro. Talvez até corroessem a própria alma. Aquela noite,
eu tinha visto lampejos de algo assombrado, e era difícil demais ignorar.
Acariciei uma mecha solta de seus cabelos macios e sedosos,
Eva Winners BITTER PRINCE
afastando-a do rosto. Ela tinha crescido desde aquela garota de quatorze anos
com aparelho nos dentes. Sua beleza era do tipo que cegava os homens, e eu
temia que ela lançasse um feitiço em mim. Seria irônico se agora eu fosse o
tolo de olhos apaixonados.
Inspirei seu cheiro de canela e me perguntei se ela também tinha
gosto de canela. Merda, estou ferrado.
— Reina.
Ela se mexeu devagar, os olhos se abrindo para me encarar. Um
sorriso sonhador curvou seus lábios cheios e as pálpebras tremularam,
puxadas de volta pelo sono. Aquela onda de proteção me atingiu de novo,
mais forte.
Estendi a mão e coloquei um cacho dourado atrás da orelha. —
Vamos lá, bela adormecida.
Ela se endireitou, esfregando os olhos e passando os dedos pelos
cachos indomáveis. Eles eram rebeldes demais, indisciplinados, mas de
alguma forma combinavam perfeitamente com a garota que deslizava pelos
corredores de mármore do castelo do meu pai de meias.
Ao longo do tempo, porém, ela tinha começado a se esconder, a se
moldar em algo diferente. Ainda era extrovertida e cheia de vida, mas havia
algo diferente nela. Eu não conseguia identificar exatamente o que era, mas
algo havia mudado, e eu pretendia descobrir.
— Você… quer subir? — ela ofereceu.
Estudei seu rosto, aqueles olhos brilhando mesmo na escuridão da
noite.
Eva Winners BITTER PRINCE
— Sabe o que um homem pensa quando uma garota o convida para
subir no apartamento dela a essa hora?
Ela soltou uma risadinha. — Eu moro com mais quatro garotas.
Então pense de novo, Amon Leone.
O som do meu nome saindo da boca macia dela me deu ideias.
Ideias erradas pra caralho. Ela esperou, me observando, uma veia pulsando
discretamente no pescoço elegante. Ela quer que eu a beije. Como se pudesse
ler meus pensamentos, seus olhos desceram até minha boca, e os lábios dela
se entreabriram levemente. Ela esperou mais um momento, então disse: —
De qualquer forma, obrigada pelo jantar.
Ela saiu do carro, fechando a porta atrás de si. E, de algum modo,
tive a nítida sensação de que um dia, essa porta se fecharia entre nós para
sempre.
***
— Hiroshi, — chamei, encontrando meu conselheiro na sala dos
fundos de um galpão no porto de Le Havre. Ele estava sentado em um
banquinho, a atenção fixada no celular. — Como eles souberam que a garota
estaria lá?
Enquanto Reina se alongava, meditava e contorcia o corpo de
todas as formas possíveis, enviei uma mensagem para Hiroshi pedindo que
investigasse o ataque. Só graças a uma verificação de vigilância de última
hora percebi homens da Yakuza rondando a garagem do estúdio de yoga da
Reina. E foi apenas por pura sorte que estávamos por perto e chegamos a
Eva Winners BITTER PRINCE
tempo, antes que pudessem encostar nela.
— Não sei, — ele respondeu em japonês. — Mas eu apostaria que
foi uma ordem do Itsuki.
Durante anos, atuei como braço direito do meu primo e como uma
ponte delicada entre a Yakuza e a Omertà. Claro, Itsuki era um bastardo
ganancioso e procurava qualquer brecha para dominar o nosso mundo.
Mas perseguir a filha dos Romero passava do limite. Essa foi a
minha única condição ao aceitar me juntar a ele. Reina Romero estava fora
dos limites. E ainda assim, lá estava ele, mandando homens fazerem
exatamente isso. Ele sempre foi o mais interessado nos Romeros. O que não
fazia sentido, já que eles eram a família mais fraca da organização. A menos
que tudo se resumisse à merda que Romero aprontou três anos atrás, quando
roubou do meu primo, mas essa dívida foi considerada quitada quando entrei
para a Yakuza sob o comando de Itsuki.
— Você investigou Romero? — perguntei. — Talvez ele tenha
feito outro acordo de merda.
— Foi a primeira coisa que pensei também, — admitiu. — Mas
ele não teve nenhum contato com eles.
— Aquele desgraçado nunca deveria ter colocado as filhas no radar
da Yakuza. — Idiota.
Embora ele estivesse cumprindo a parte dele no acordo. Havia
parado com o tráfico de pessoas, sem que ninguém mais no ramo soubesse,
e repassava os contatos dos desgraçados que ainda estavam envolvidos.
Dante e eu cuidávamos disso, interceptando carregamentos cheios de
mulheres e crianças antes mesmo de chegarem à costa. Eles então perdiam
Eva Winners BITTER PRINCE
um navio e a ‘carga’. Foi um golpe pesado, que dificultou bastante a
recuperação financeira deles.
Conquistei a confiança de Romero para obter informações e, no
nosso mundo, isso era mais mortal do que qualquer arma. Aprendi isso com
a minha mãe. Aprendi com meu pai psicopata que usar estratégia para obter
ganhos a longo prazo era o caminho. Claro, ele apunhalava pelas costas e
usava qualquer meio necessário para passar à frente dos outros.
Minha mãe ensinou a mim e a Dante a lutar com honra, mas nunca
aceitar derrotas. Então foi nisso que me concentrei: vencer. Vencer Romero
por ter fodido com a minha mãe. Vencer meu pai por tê-la tratado tão mal.
Vencer meu primo por ter roubado minha coroa.
Romero tirou minha mãe do mundo dela, da família dela, e depois
a deixou à mercê do meu pai. As linhas podem ter se confundido ao longo
dos anos, mas eu nunca perdi de vista minha missão.
A porta da sala dos fundos se abriu e Dante entrou.
— Descobriu alguma coisa? — perguntou. — Aposto que Reina
Romero já está comendo na sua mão.
A imagem dela com os lábios se abrindo em volta do meu sushi
surgiu na minha mente e soltei um longo suspiro. Não era uma imagem que
eu precisava agora. Menor de idade, lembrei a mim mesmo.
Hiroshi lançou um olhar fulminante para ele. — Você precisa
aprender a hora e o lugar para fazer piadas.
— O quê? — Dante pegou um cigarro e acendeu. — Nós, Leones,
não conseguimos evitar, somos irresistíveis para as mulheres.
Eva Winners BITTER PRINCE
— Então por que você está solteiro? — resmungou Hiroshi.
Dante se exaltou e começou a listar os motivos pelos quais ser
solteiro era melhor, o que foi recebido com a indiferença gélida de Hiroshi.
Deixei a discussão dos dois entrar por um ouvido e sair pelo outro. Por mais
que me desse bem com o braço direito do Ojīsan - que agora era o meu braço
direito -, ele e Dante brigavam como duas crianças malditas.
Hiroshi e Dante ficaram em silêncio, chamando minha atenção.
Olhavam para o celular na mão de Hiroshi, onde o desenho de um dragão e
um símbolo em kanji estavam tatuados na pele enrugada do pulso.
— O quê? — perguntei para os dois.
O olhar nos olhos de Dante estava estranho, mas ele respondeu
com a voz suave:
— A Yakuza. Itsuki voltou a investigar a Reina. — O desgraçado
vinha mantendo vigilância sobre Reina Romero havia anos, desde a merda
envolvendo o pai dela. Eu temia que talvez tivesse aguçado ainda mais o
interesse do meu primo ao salvá-la na estrada.
— E daí? — Era notícia velha. Foi assim que eu os rastreei até o
estúdio de yoga da Reina. Encarei meu conselheiro, tentando entender o que
eu estava perdendo.
— Seu primo fez um acordo com o cartel brasileiro para vendê-la.
Como virgem.
A raiva me incendiou, um calor subindo violento dentro de mim.
— Qual família? — rosnei.
— A família Cortes.
Eva Winners BITTER PRINCE
Meu peito se contraiu, queimando, antes de ficar frio. Algo
violento se espalhou pelas minhas veias, deixando um rastro de
congelamento. E eu soube - soube, porra - que Reina seria a minha ruína.
Sabia disso desde que era um garoto. Não fazia porra de sentido. Mal a
conhecia e não podia me permitir tê-la, mas que eu fosse para o inferno se
deixasse outro homem tê-la. Ou machucá-la.
— Entre em contato com Kian e veja se ele pode fazer alguma
coisa para impedir isso. — Era um fato conhecido que o irmão dele, Perez
Cortes, tinha uma fascinação cruel por loiras.
Dante me lançou um olhar cético. — Você está brincando, né? Ele
não conseguiu impedir a própria família de vender a irmãzinha dele para o
velho Marchetti. Duvido que consiga impedir isso.
Cerrei os punhos.
Estava na hora de lembrar meu primo das minhas condições. A
única razão de eu ter entrado na porra da organização dele foi para garantir
a proteção dela.
Enquanto isso, eu colocaria a agência de Kian para vigiá-la.
Eva Winners BITTER PRINCE
CAPÍTULO 15
AMON
Já tinham se passado três dias desde que jantei com Reina, e, de
um jeito estranho, eu estava inquieto para vê-la de novo. Mal conseguia me
concentrar, minha mente estava sempre nela.
— Devíamos simplesmente sequestrar as duas irmãs e arrancar
delas a localização do cofre do pai, — disse Dante quando ficamos a sós.
Uma energia maníaca vibrava nele. Um fogo ardia ainda mais
intenso em seus olhos sempre que as irmãs Romero eram mencionadas, e
algo nisso me deixava em alerta. Eu não queria Reina em lugar nenhum perto
do meu irmão.
— Seus planos insanos só conseguem nos meter em merda, —
retruquei, com frieza. — Use a cabeça, não o impulso.
— Todo gênio da história começou com um plano insano.
Reclinei-me contra a mesa.
— O seu tipo de loucura está me irritando hoje, — falei sem
rodeios. — Poupe-me dessa merda, sim?
Dante sorriu, e eu balancei a cabeça.
— Você gosta da minha loucura. Dá um tempero à sua vidinha
Eva Winners BITTER PRINCE
entediante.
— Eu viveria muito bem sem parte dessa emoção, seu maluco do
caralho.
— As irmãs Romero fazem parte do mundo da Omertà, queiram
ou não. Um dia, vão pagar pelos pecados do pai. Seja para nós, seja para
outra pessoa. Sabemos bem demais que não há como escapar do próprio
sobrenome.
Infelizmente, ele estava certo. O fato de sermos filhos de Angelo
Leone frequentemente jogava contra nós. O sequestro de Dante dois anos
atrás foi consequência da estupidez do nosso pai. Os filhos do submundo
sempre pagavam o preço pelos pecados dos pais.
— Já discutimos isso e concordamos. Vamos nos aproximar das
irmãs Romero e descobrir onde ficam os cofres.
— E se elas não souberem? — Era possível. As garotas cresceram
na casa da avó, mas talvez soubessem onde o pai guardava documentos. —
E se forem outro beco sem saída?
Olhei pela janela, as ruas movimentadas de Paris fervilhando com
pessoas indo em direção aos seus destinos.
— Nós as sequestramos e usamos para chantagear o pai. — Nossa
mãe definitivamente não aprovaria. Era um último recurso, mas não havia
nada de moralmente correto nisso.
Dante deu uma risada, com entusiasmo brilhando em sua
expressão. — Devíamos começar por aí.
Meus olhos vasculharam seu rosto. Às vezes, eu temia que ele
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tivesse se tornado cruel como nosso pai, especialmente depois do sequestro
e do acidente que se seguiu. Hoje em dia, a empolgação no rosto dele ao
mencionar tortura fazia até a mim hesitar. Ele não era exatamente o mesmo,
mas ainda era meu irmão, e eu sempre ficaria ao lado dele.
— Está tão ansioso para pôr as mãos na Phoenix assim? —
resmunguei.
— Talvez eu prefira pôr as mãos na Reina, — retrucou.
Explodi, ficando cara a cara com ele, respirando com força. —
Você não toca nela, — rosnei. Meu irmão e eu raramente discordávamos,
mas quando se tratava da garota de cabelos dourados, sempre batíamos de
frente.
Dante não pareceu abalado com meu surto. Ficou ali parado, com
as mãos nos bolsos e uma expressão entediada no rosto. Mas o brilho escuro
em seus olhos seria o bastante para fazer um homem mais fraco sair correndo.
Ainda bem que eu não era um deles.
— Parece que meu irmão mais velho também está ansioso para pôr
as mãos em alguém, — provocou com um sorriso malicioso. Maldito. —
Qual é a sua obsessão com ela, afinal?
Cerrei os dentes com tanta força que meu maxilar doeu.
— Não tem obsessão nenhuma. — O olhar que ele me lançou dizia
que não acreditava em uma palavra. — E você? O que tem com a Phoenix?
Uma carranca profunda surgiu entre suas sobrancelhas. — Não
consigo lembrar se já a conheci.
Ofereci a ele um sorriso paciente. Era mais uma coisa que havia se
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quebrado desde o acidente: sua memória.
— Já a vimos várias vezes, Dante, — disse devagar. — A primeira
foi no castello - em Miramare. Ela era só uma garotinha.
Ele balançou a cabeça, as lembranças difíceis de alcançar. — Eu
me lembro disso. Mas teve outro lugar...
Analisei-o, me perguntando se havia segredos que ele guardava de
antes do acidente. Se houvesse, agora estavam perdidos.
Embora eu duvidasse. As irmãs Romero não exatamente
circulavam nos mesmos ambientes que nós. Todas as vezes em que as vimos,
estávamos juntos, com exceção da tentativa de sequestro na escola interna e
da vez na garagem. Eu lidei com Reina sozinho nessas ocasiões. A irmã dela
não estava lá.
— Vai se lembrar, — falei, tentando tranquilizá-lo. Desde o
acidente, eu esperava pelo retorno das memórias dele. Algumas voltaram,
mas muitas ainda não. Às vezes, me perguntava se aquilo não era o jeito dele
de lidar com tudo.
— Preciso fazer uma ligação para a BlackHawk SF Security.
— Para quê?
— Vou contratá-los para vigiar a Reina, — respondi. Dante revirou
os olhos. — Se Perez Cortes pôs os olhos nela, vai ser difícil largar. Aquele
cara tem uma obsessão doentia por loiras.
— Ainda bem que a Phoenix tem cabelo escuro, — ele murmurou.
Depois desapareceu, me deixando fazer minha ligação, torcendo
para que aquilo fosse suficiente para mantê-la segura por enquanto.
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CAPÍTULO 16
REINA
Já fazia uma semana desde que vi Amon Leone e o irmão dele
matarem aqueles homens. Uma semana inteira desde que jantei com ele.
Uma semana inteira do inferno assistindo ao noticiário - para total desgosto
das minhas amigas - e ficando ainda mais atenta ao que acontecia ao meu
redor.
Nada.
Era como se nunca tivesse acontecido. Mas essa nem era a pior
parte. Ou talvez eu devesse dizer, a mais triste. Estava ficando irritada por
Amon não ter tentado me ver de novo. Nós jantamos juntos. Eu comi dos
hashis dele, pelo amor de Deus. O mínimo que ele poderia fazer era me ligar.
Ou me visitar. Qualquer coisa. Em vez disso, o que eu recebia era silêncio
total. Zero. Nada.
Franzi as sobrancelhas. Eu não tinha dado meu número para ele.
Mas ele sabe onde você mora, sussurrou minha mente.
Ele nunca disse, de fato, que me veria de novo, não é? Na verdade,
ele não disse muita coisa, mas de algum modo parecia que tinha dito tanto.
Li uma frase num livro da Jodi Picoult há muito tempo que dizia: ‘A boca
dele se move como uma história silenciosa.’ As palavras eram confusas na
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época, mas agora faziam mais sentido. E se encaixavam perfeitamente em
Amon Leone, meu príncipe amargo.
Eu não pensava nesse apelido há tempos. Ouvi uma vez enquanto
espionava uma conversa do meu pai.
— Ela é minha, não sua, — a voz de um homem familiar ecoou
pelo viva-voz. Minha mente não foi rápida o suficiente para ligar a voz ao
nome. — Amon é meu filho e está conectado a esse mundo. À minha família.
Cai fora dos nossos negócios. — Parecia um dia comum no trabalho de
papai. — A menos que queira acabar enterrado dois metros abaixo da terra,
saia logo da porra do caminho.
Foi tudo o que precisei ouvir para saber que nunca queria fazer
parte do mundo de papai. Parecia cheio de tensão, ódio e ameaças de morte.
Estava prestes a sair dali quando a risada de papai e suas palavras seguintes
me fizeram parar.
— Como você está conectado? — Papai desafiou, com escárnio
na voz. Quase consegui visualizá-lo, recostado na cadeira e fumando um
charuto. — Você tem um bastardo ilegítimo. Ele nunca vai conseguir a coroa
da Omertà nem da Yakuza. Você vai acabar com um príncipe amargo e
rancoroso quando ele crescer. — Ele riu, e depois acrescentou: — Vai ser
um grande vencedor.
A fúria me atravessou ao perceber de quem estavam falando.
Ninguém tinha o direito de falar mal de Amon Leone, o menino que assumiu
a culpa por mim. O menino que me salvou do próprio pai. O menino com os
olhos escuros mais lindos que eu já tinha visto.
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— Pelo menos eu tenho filhos, Romero, — o homem rebateu. Deve
ter tocado num ponto sensível, porque ouvi um estrondo, como se algo de
vidro tivesse se espatifado. A vovó vai acabar com ele, pensei. — E se você
não tomar cuidado, vou levar suas filhas também. Até a muda e retardada.
Uma sequência de palavras em italiano veio logo depois, mas eu
não tive tempo de pegar o celular para traduzir no Google porque uma
sombra surgiu atrás de mim. Levei um susto, já me preparando para levar
um sermão caso a Vovó me pegasse sendo bisbilhoteira.
— O que você está fazendo? — Phoenix perguntou através de
sinais.
Com a mão no peito, soltei um suspiro de alívio.
— Você me assustou muito, — respondi, também sinalizando.
Ela sorriu, e eu revirei os olhos, lançando em seguida um olhar
discreto. — Escutando a conversa de papai com o senhor Leone. Pelo menos
acho que é ele. Eles estão discutindo.
Phoenix não pareceu nem um pouco abalada. — E o que estão
dizendo?
Dei de ombros. — Difícil dizer, mas papai está sendo escroto,
chamando o Amon de nomes. — Não contei que o senhor Leone também a
insultou. Isso a deixaria chateada. Se algum dia eu pusesse as mãos naquele
homem, o estrangularia por chamar minha irmã mais velha de muda e
retardada. Ela tinha perdido a audição, mas continuava tão inteligente,
carinhosa e linda quanto antes. E se quer saber, para mim ela tocava piano
melhor do que qualquer outra pessoa no planeta.
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Minhas bochechas coraram e Phoenix percebeu. — Você precisa
superar essa paixonite, — ela sinalizou, felizmente atribuindo o rubor ao
Amon e nada mais.
— Não tenho nenhuma paixonite, — rebati, meus sinais bruscos.
Eu tendia a fazer isso quando estava irritada ou abalada. — Mas ele nos
salvou quando quebramos aquele vaso. O mínimo que papai podia fazer era
ser legal com o garoto.
Phoenix soltou um suspiro exasperado. — Papai teria matado o
senhor Leone antes de deixar ele encostar um dedo na gente.
Afastei o argumento com um gesto da mão. Amon me salvou, e
essa era uma história melhor, mais romântica, do que papai travando uma
guerra com o senhor Leone.
Meus pensamentos voltaram ao presente e ao Amon Leone
crescido. Não era de se surpreender que ele estivesse preso na escuridão e
que sua luz tivesse diminuído. Pessoas como nossos pais faziam de tudo para
apagar qualquer resquício dela.
Talvez eu possa mostrar a ele a luz deste mundo, pensei comigo
mesma. Raven me repreenderia se pudesse ouvir meus pensamentos. Ela
sempre dizia: ‘Você não pode mudar um homem’, mas o fato é que eu não
queria mudá-lo. Eu só queria mostrar a Amon que o mundo era tão bom
quanto era mau. Ele só precisava saber onde procurá-lo.
E serei eu quem lhe mostrará, determinei com um sorriso largo no
rosto, o que atraiu um olhar curioso de Phoenix. Eu já estava acenando para
ela deixar pra lá quando meu celular tocou. Olhei para a tela e vi ‘Vovó
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Favorita’ piscando. Nunca importou que ela fosse a nossa única avó.
Ugh, eu não estava com o menor humor para ela agora!
E mesmo assim, apertei o botão verde de atender.
— Oi, Vovó, — atendi a chamada do FaceTime, vendo a orelha da
Vovó Diana aparecer na tela. Para uma mulher que passou décadas na frente
das câmeras, ela certamente tinha dificuldade com isso. — Apoie o celular
em algum lugar na sua frente para que a gente possa ver o seu rosto, não só
a orelha.
— Maldita tecnologia, — murmurou ela, tentando manusear o
celular. Seu marido apareceu logo em seguida, provavelmente para ajudá-la,
e eu ouvi a discussão acalorada sobre se era melhor apoiar o telefone na mesa
de centro ou na televisão.
Ajustando o meu próprio celular, chamei minha irmã com um
aceno. — A Vovó está no FaceTime.
Ela revirou os olhos. Ambas sabíamos que levaria pelo menos
cinco minutos até eles conseguirem fazer aquilo funcionar, e mais cinco até
conseguirem centralizar os rostos na câmera.
— Vamos vê-la em poucas semanas, — Phoenix sinalizou. — Não
podia esperar?
Dei de ombros. — Você sabe que ela se preocupa quando não tem
notícias nossas.
— Ela estava no bate-papo do grupo hoje de manhã, — Phoenix
estava certa, e tinha sido um grupo agitado, com uma palestra sobre sexo
seguro e DSTs. Eu não sabia por quê, mas a Vovó achava que era obrigação
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dela nos dar uma revisão de educação sexual a cada poucas semanas. Como
se alguma de nós tivesse uso para isso.
Agora, Amon Leone? Esse com certeza seria um candidato.
Suspirei, sonhadora. Eu gostava muito dele. Ele era lindo, e algo nele fazia
meu coração disparar toda vez que eu pensava nele.
Pode ser os homens que ele matou, minha razão alertou, mas eu
logo calei essa voz. Era um obstáculo menor, e obviamente os outros caras
eram os vilões, certo? Me dei um tapa mental. Talvez eu fosse mais parecida
com nosso pai do que gostaria de admitir.
— Ela só quer ter certeza de que estamos vivas, — sinalizei.
— Se respondemos às mensagens, estamos vivas, — Phoenix
rebateu. Era um bom argumento, mas eu não estava com paciência para
discutir.
— Pronto, conseguimos, — anunciou o marido da Vovó. Ele era o
quarto marido dela, e o mais rico. A Vovó também era rica, mas por alguma
razão, acreditava mesmo em casamento, e como toda atriz de cinema
envelhecida dos anos 60, continuava se casando. Phoenix e eu brincávamos
que ela estava tentando bater o recorde da Elizabeth Taylor. Afinal, ela já
estava na metade.
— Obrigada, Vovô Glasgow, — respondi, vendo os cabelos
branco-prateados e o rosto sorridente dele na tela. — Como vocês estão?
— Bem, — sinalizamos juntas.
— E vocês? O que há de novo? — perguntei.
A Vovó respondeu em Linguagem de Sinais e falou ao mesmo
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tempo para que o Vovô Glasgow também acompanhasse, já que ele ainda
tinha dificuldades com a línguagem.
— Nada. Não posso ver minhas netas sem ter um motivo?
— Você nos viu semana passada, — observou Phoenix. Talvez não
desse para perceber pelo tom, mas a irritação estava estampada no rosto dela.
Eu sabia que ela se sentia sufocada com a Vovó, como se ela a achasse
incapaz. Mas Phoenix era mais do que capaz.
Coloquei a mão sobre a perna da minha irmã e dei tapinhas,
tentando acalmá-la.
— Eu quero ver vocês todos os dias, — os olhos da Vovó
deslizaram até o marido, que assentiu, concordando com o que quer que
aqueles dois estivessem tramando. — Queremos que vocês venham para o
Reino Unido e passem o verão conosco.
Senti minha irmã enrijecer, e fiz o mesmo. Peguei uma aula extra
de design este verão, mas só me manteria ocupada por três das oito semanas.
Em busca de uma desculpa, disparei a primeira coisa que me veio à cabeça:
— Não podemos. Vamos para a Itália. Papai exigiu.
Silêncio. Phoenix queimou um buraco na lateral do meu rosto com
o olhar e percebi que não havia sinalizado para ela. Corrigi isso
imediatamente: — Acabei de dizer para a vovó que não podemos ir para o
Reino Unido porque papai exigiu que fôssemos para a Itália.
Lancei-lhe um olhar significativo. Ela assentiu e voltou-se para a
tela. — É isso mesmo. Ele disse que temos de ir. Ou então...
A Vovó se endireitou na cadeira. — Ou então o quê?
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Gemi por dentro. Às vezes parecia que ela vivia para confrontar
papai. Ela prosperava no conflito, Phoenix detestava, e eu... bem, eu ainda
não sabia direito o que achava disso.
— Ou ele vem nos visitar aqui, — acrescentei rápido, trocando um
olhar breve com minha irmã. — Preferimos evitar isso, já que ele ainda pensa
que estamos morando no alojamento da escola.
Os ombros da Vovó relaxaram e ela sorriu. — Nós enganamos ele
direitinho, não foi?
— Enganamos, — concordou Phoenix. — E então, o que há de
novo?
Pelos vinte minutos seguintes, o Vovô Glasgow falou sobre os
netos dele - trigêmeos, aliás - enquanto Phoenix, a Vovó e eu nos
esforçávamos para conter os bocejos. Os trigêmeos eram fofos, mas os
conhecemos no casamento, e eles fizeram uma birra monumental. Foi o
melhor anticoncepcional do mundo. Não que Phoenix ou eu estivéssemos
ativas sexualmente.
Quando finalmente encerramos a chamada, soltamos um suspiro
coletivo.
— Mal posso acreditar que preferimos ir para a casa de papai do
que visitar a Vovó, — sinalizei. — A Itália é o último lugar para onde quero
ir. Por que não conseguimos pensar em algo melhor?
— Talvez a gente possa ir só por alguns dias, — sugeriu Phoenix.
— Levar todo mundo junto.
Isla enfiou a cabeça pela fresta da porta, os cachos ruivos
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emoldurando o rosto. — Eu ouvi direito? Vocês vão para a Itália?
Um segundo depois, Raven e Athena também invadiram meu
quarto. Levou apenas cinco minutos para fazermos os planos e outros dez
para confirmar com papai pelo grupo que mal usávamos.
E o tempo todo, meu estômago se revirava com a ideia de voltar
para onde tudo começou.
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CAPÍTULO 17
REINA
Livros, anotações, desenhos e instrumentos estavam espalhados
por todo o nosso aconchegante apartamento. Até no banheiro havia post-its.
Em francês e inglês. Me coçava para arrumar e organizar tudo, mas sabia que
as meninas me matariam… e depois fariam novas anotações por toda parte.
Então eu esperaria até que as provas acabassem.
— Faltam só mais alguns dias de aula, depois é férias de verão, —
disse Raven, sinalizando ao mesmo tempo. Todas nós estávamos sentadas no
chão da minúscula sala de estar do nosso apartamento em Paris, pernas
cruzadas e livros por todo lado. Alguns abertos, outros fechados. — Nós nos
esforçamos muito. Merecemos uma noitada!
Fechei meu livro de história da música. Qualquer distração era
bem-vinda. Estava fazendo dupla graduação por causa da minha irmã, mas
não gostava tanto de música quanto ela. Preferia moda e podia passar horas,
dias, semanas perdida na criação dos meus designs. Quando se tratava de
música, sentia que ela drenava minha energia.
— Acho uma ótima ideia, — concordou Isla, provavelmente tão
ansiosa quanto nós para sair de casa. Ela odiava estudar, preferia
simplesmente tocar música.
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— A gente precisa mesmo ir para uma balada? — murmurei.
Sempre ficava apreensiva com esse tipo de saída. Às vezes dava
certo, às vezes não, mas eu gostava da ideia de dançar a noite toda. Pelo
menos os clubes na França eram para maiores de dezoito anos, e eu estava
quase lá.
Phoenix balançou a cabeça, uma expressão de reprovação
marcando seu rosto. — Temos prova amanhã.
Isla deu de ombros. — Eu topo, se todas forem.
Depois, lançou seus olhos verdes para cada uma das meninas,
terminando em Phoenix. — Todas. Nós. Juntas.
— Devíamos ficar e terminar os estudos, — Phoenix era sempre a
sensata, a cautelosa. — Podemos sair bastante nas férias.
Era uma sugestão razoável, mas pelo rosto das meninas, impopular.
— As férias estão praticamente aqui, — resmungou Raven. —
Merecemos uma noitada.
— Você acha que merece sair toda noite, — retrucou Athena. —
Nunca conheci ninguém que conseguisse festejar tanto quanto você, Raven.
A dita cuja começou a cantar Somethin’ Bad, um dueto de Miranda
Lambert e Carrie Underwood, e a rebolar como uma stripper.
— Algo ruim com certeza vai acontecer quando ela está nesse
humor, — murmurou Isla, e todas caímos na gargalhada. Quer dizer, todas
menos Phoenix. O rosto dela se desfez, e eu fechei a distância entre nós,
segurando seu rosto entre as mãos. Dei um beijo na pontinha do nariz dela e
falei devagar e claramente, para que ela pudesse ler meus lábios.
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— Nós vamos sair, vamos dançar, e voltamos até meia-noite. —
argumentei.
— Igual à Cinderela, — ela murmurou sem som, movendo os
lábios. Fazia tanto tempo desde a última vez que eu ouvira sua voz. Eu tinha
quatro anos, mas ainda me lembrava dela. Suave e melodiosa. Mas então ela
ficou doente, e tudo mudou.
— Vamos dançar no poste! — exclamou Raven, sinalizando ao
mesmo tempo. Ao contrário de sua personalidade despreocupada e atitude
sexualmente enlouquecida, ela era bastante reservada. Tudo culpa do homem
que partiu seu coração antes.
— Sério? — Athena a repreendeu. — Não somos strippers.
— Tenho uma dança de stripper na minha lista de desejos, — disse
Raven, atraindo todos os nossos olhares. — Bem, mais um striptease no colo.
— Isso é uma coisa estranha de ter em uma lista de desejos, —
comentei.
— Você quer dar ou receber uma lap dance? — Isla perguntou,
curiosa.
Raven inclinou a cabeça, os cabelos escuros caindo sobre os
ombros. Ela não poderia ter um nome mais apropriado se tivesse escolhido
sozinha, com a cor do cabelo lembrando as penas de um corvo.
— Vou ter que pensar nisso, — respondeu, cruzando os braços e
batucando o dedo na bochecha. — Acho que nunca considerei receber uma
lap dance, mas agora vejo que talvez eu tenha sido muito fechada.
— Deus nos ajude, — murmurou Athena. — Se ela expandir os
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horizontes, imagina o que mais vai colocar na lista?
— Não julgue. — Todas reviramos os olhos, sorrindo. Era uma
zona livre de julgamentos, mas às vezes ainda conseguíamos surpreender
umas às outras.
— Mas uma lap dance? — questionei. — Você não deveria colocar
algo mais… digno… na sua lista?
— E o que tem na sua? — Fiquei encarando-a, percebendo que
nunca realmente tinha feito uma lista de desejos.
— O quê? Você não tem uma lista de desejos? — Raven se
defendeu, chocada.
Olhei para minha irmã, que apenas deu de ombros. — Nunca
pensei em fazer uma, — ela sinalizou.
— Mesma coisa comigo, mas vou consertar isso o quanto antes.
— Eu também, — disse Isla, provocando, antes de olhar para
Athena. — Acho que todas devemos fazer uma.
Ela revirou os olhos. — Tudo bem, vou fazer também.
— Que gentileza, — comentou Raven, rindo. — Vamos comparar
as listas daqui a uma semana. Agora, vamos vestir roupas quentes e nos
arrumar. Ouvi falar de uma balada nova. Precisamos conferir.
— Como se chama? — perguntei, curiosa.
— É um símbolo japonês, não sei o que significa, — respondeu
Raven, e meus olhos desceram até o colar pendurado entre meus seios. Algo
no fundo do meu estômago revirou e me alertou. Não podia ser coincidência.
— É, tipo isso, — ela deve ter percebido que eu estava mexendo na corrente.
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— ...tipo o seu colar.
Uma hora depois, já estávamos todas prontas, espremidas no nosso
minúsculo banheiro.
— Meu Deus, somos puro sexo ambulante. Qualquer homem que
olhar para a gente vai acabar com uma ereção. — Claro que só podia ser a
Raven para soltar uma pérola dessas em voz alta. E eu realmente não achava
que ela se importaria de anunciar isso ao mundo.
Mas a verdade é que não estávamos nada mal. Raven usava um
minivestido de couro vermelho. Athena, um shortinho de couro preto e um
top prateado cheio de tiras. Phoenix e Isla optaram por calças de couro
brancas. Phoenix combinou com um top azul cintilante, todo em tiras, que
amarrava nas costas, enquanto Isla escolheu o mesmo modelo de blusa, mas
em verde-esmeralda.
Virei de costas para me olhar no espelho. A calça preta de couro
abraçava meu corpo com tanta firmeza que parecia uma segunda pele. A
blusa rosa sem mangas, toda transparente, deixava à mostra meu sutiã push-
up com brilhos.
— Estou com cara de mais velha? — perguntei, girando para a
esquerda e para a direita. Não tinha passado muita maquiagem. Preferia usar
pouca, me sentia mais confortável com um visual natural. Ao contrário da
maioria das pessoas na nossa faixa etária, que tinham acabado de completar
vinte anos, eu ainda nem tinha feito dezoito e odiava o fato de ser a mais
nova. Phoenix era vinte meses mais velha do que eu, então ela era a segunda
mais nova do grupo.
Mas não havia nada que eu pudesse fazer quanto a isso.
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— Você está perfeita, — disse Isla, seus cachos ruivos a fazendo
parecer uma deusa exótica. Lancei um olhar para o espelho, vendo todas nós
refletidas ali. Phoenix e eu tínhamos rostos quase idênticos, o espelho da
nossa mãe. Mas enquanto Phoenix herdara o cabelo escuro do nosso pai, o
meu era tão claro quanto o da nossa mãe. Os meus cachos vinham do lado
da nossa avó. Isla, com sua juba ruiva selvagem, e Raven, com o cabelo
negro liso como penas de corvo. Athena tinha os cabelos em um tom de mel
com reflexos acobreados e dourados.
— Estamos mesmo maravilhosas, né, — comentei, entrelaçando o
braço no da minha irmã. — Vamos arrasar nesse novo clubinho badalado de
Paris.
Trinta minutos depois, estávamos do lado de fora, no meio de
outros festeiros esperando para entrar. Soltei um gemido baixo.
— Meu Deus, essa fila está enorme, — murmurei, olhando para os
meus pés. Meus sapatos Valentino rosa eram sensuais, mas definitivamente
não os mais confortáveis.
Ouvi antes de ver o Maserati familiar parar em frente à boate.
Prendi a respiração quando a porta do carro se abriu e vi Amon descer como
se o lugar fosse dele. Caminhou direto para a entrada do clube. Naquela noite,
usava um terno impecavelmente ajustado, de três peças, escuro como todo o
seu ser, mas naquele momento, parecia um salvador. Uma saída para
conseguirmos entrar. O homem que o seguia fazia questão de encarar
descaradamente as mulheres na fila. Amon, não. Ele mantinha os olhos fixos
à frente.
— Esperem aqui, — falei para Phoenix e as outras, correndo atrás
Eva Winners BITTER PRINCE
de Amon. A brisa vinda do rio soprou, trazendo consigo seu perfume. Era
como uma lufada de ar fresco. — Amon. — Nada. — Amon, espera aí.
Ele desacelerou os passos, virando-se. Mas eu não consegui parar
a tempo e esbarrei direto no peito quente e musculoso dele. O calor se
espalhou pelo meu corpo como uma chama acesa. Havia dezenas de pessoas
ao nosso redor, mas todas desapareceram do fundo da minha mente, como se
estivéssemos sozinhos no mundo.
Dei um passo para trás para recuperar o fôlego, só então notando
sua mão segurando meu cotovelo, me estabilizando.
— Desculpa, — falei, pedindo desculpas pelo nosso encontrão,
com a mão ainda sobre seu peito. Tive que levantar o rosto para encará-lo, e
quando o fiz, os olhos dele colidiram com a minha alma. Era como lutar
contra uma correnteza. Como flutuar por um universo escuro onde apenas as
estrelas serviam de guia.
Uma mão pousou no meu ombro. — Cai fora.
Me virei para retrucar com quem tivesse a audácia de me tocar,
mas Amon foi mais rápido. — Tire a mão dela, Roberto.
Roberto recuou como se tivesse se queimado. — Desculpa, chefe.
— Nunca mais encoste nela. — A raiva fria substituiu a calma
habitual de Amon enquanto outro homem se aproximava do outro lado.
Careca. Troncudo. E assustador pra caramba. Meus olhos se arregalaram, o
instinto de sobrevivência disparando enquanto eu dava alguns passos para
trás.
— Está tudo bem, Cesar. Eu cuido disso, — disse ele ao homem,
Eva Winners BITTER PRINCE
lançando um olhar para a direita.
Roberto parecia frustrado, um lampejo de raiva passando pelos
seus olhos, mas desaparecendo tão rápido quanto surgiu. Cesar permaneceu
impassível. E o segurança da porta já esperava com a corda da área VIP solta,
claramente aguardando a passagem de Amon.
Ignorando Roberto, Cesar e o segurança, voltei minha atenção para
Amon.
— Oi, — falei com um sorriso. — Não acredito que nos
esbarramos de novo.
Um sorriso despontou em seus lábios. — Não nos esbarramos.
Você esbarrou em mim.
Minhas bochechas queimaram mais que o inferno. — Você parou
muito de repente. — Depois levantei o queixo, percebendo o quão ridículo
era discutir aquilo. — Estou aqui com umas amigas. Alguma chance de você
pedir para o cara ali nos deixar entrar? — Sorri com doçura e acrescentei: —
Por favor.
Ele era maior que a vida, me examinando dos pés à cabeça como
se eu fosse um experimento científico, para meu total desgosto. Até que
nossos olhares se encontraram. Então algo brilhou nos olhos dele, me
seduzindo de uma forma estranha e nova.
— Você é menor de idade. — Era como se ele estivesse falando
consigo mesmo.
— Mas elas não são, — justifiquei. — Se não quiser me deixar
entrar, pelo menos deixe que elas entrem. — Olhei na direção onde minha
Eva Winners BITTER PRINCE
irmã e amigas estavam reunidas, enquanto alguns homens já começavam a
soltar comentários. Sempre a mesma coisa. Quando percebiam que éramos
americanas e vestíamos roupas ousadas, achavam que tinham passe livre
para soltar cantadas - boas ou ruins.
— E o que você vai fazer? — ele exigiu.
Dei de ombros. — Não seria a primeira vez que me negariam a
entrada em uma balada. Eu só… vou para casa.
Ele deu um passo em minha direção, os olhos queimando de raiva.
— Sozinha? — ele rosnou.
Aproximei-me dele, tão perto que precisei inclinar ainda mais a
cabeça para trás. — Amon, você realmente precisa parar com isso. Sim,
sozinha. Só me meto em confusão quando você está por perto. Além disso,
sou perfeitamente capaz de cuidar de mim mesma.
Seu maxilar se contraiu enquanto ele olhava por cima da minha
cabeça.
— Cesar, deixe esta mulher e as amigas dela entrarem. — Então
ele entrou na boate sem nem olhar para trás.
Pisquei.
Aquilo não foi nada cavalheiresco. Eu esperava que ele nos
acompanhasse para dentro. Que dançasse comigo. Ou pelo menos
conversasse um pouco. Definitivamente não esperava que ele fosse me
deixar ali como se eu não significasse nada.
— Tanto faz, — murmurei. Virei nos calcanhares e gritei: —
Meninas, por aqui!
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Elas vieram saltitando até mim, aliviadas por se livrarem dos
homens que estavam incomodando. Cesar fez uma careta, mas nos deixou
passar.
— Você é demais ,— Raven sorriu. — Como conseguiu isso?
Meus olhos buscaram Phoenix, sentindo o olhar dela sobre mim.
— Apenas um velho amigo.
Seguimos para dentro, passando pelo guarda-volumes banhado
por luzes vermelhas até chegar à área do bar. O piso era de vidro e dava para
ver o brilho da água em movimento abaixo. Passamos pelas portas largas em
direção à pista de dança. Luzes piscavam - roxas, vermelhas, azuis, amarelas
- lançando um brilho suave sobre meus braços nus. Os painéis sob nossos
pés também mudavam de cor. A batida vibrava sob nós como se o chão
tivesse seu próprio coração pulsando.
A boate estava lotada. Fomos até o bar, tomamos nossos primeiros
shots de gim e seguimos para a pista de dança. ‘Ruin My Life’, da Zara
Larsson, explodia nos alto-falantes enquanto os corpos se moviam juntos,
braços se encostando e quadris se encontrando.
Phoenix conseguia ouvir a música alta e sentir a vibração que saía
do baixo. Eu adorava vê-la assim, com o rosto iluminado e os olhos brilhando
de empolgação. Sabia o quanto ela odiava o silêncio, não poder ouvir algo
tão simples como uma conversa comum. Isso me fazia esquecer da relutância
que ela teve mais cedo em sair, agora que estávamos ali, dançando juntas.
Dançamos uma música, depois outra, e mais uma em seguida.
Uma gota de suor escorreu pelas minhas costas, deslizando pela pele. Passei
as mãos pelo pescoço, levantando os cachos, e olhei para cima.
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Meu fôlego sumiu e meus movimentos congelaram.
Amon estava ao lado de uma mulher alta e linda, de cabelos negros
como seda, usando um minivestido preto que mal cobria os quadris. Os
braços dela estavam enroscados nele e os lábios roçavam o pescoço dele.
Meu humor azedou. O corpo dela era curvilíneo, os seios maiores que os
meus e as pernas infinitamente mais longas.
Ela podia ser linda, mas eu apostava que o número do sutiã era
maior do que o QI, do jeito que continuava rindo feito uma idiota, mesmo
com Amon sem sequer abrir a boca. Não era legal julgar, mas eu
simplesmente não consegui evitar. Aquela mulher entrou automaticamente
para a minha lista negra.
Voltei a dançar, puxando o homem mais próximo de mim.
Infelizmente, era Roberto, o cara que trabalhava para Amon, mas o ciúme
tinha expulsado qualquer resquício de razão da minha cabeça.
Continuei dançando com ele, forçando-me a não pensar em Amon
e na mulher que eu tinha acabado de ver com ele. Concentrei-me na música
e no rebolado dos meus quadris. Era mais lento, mais sexy. Mais sensual.
Mas, no fundo, eu estava com raiva - furiosamente enciumada -
por ele ter outra pessoa. Lancei um olhar em sua direção bem a tempo de ver
a mulher dizendo algo para ele enquanto passava aquelas patas imundas pelo
peito dele. Ele respondeu, mas os olhos estavam fixos em mim. Meu corpo
o desejava, esperava que ele deixasse aquela mulher e viesse até a pista de
dança me encontrar.
Sustentando o olhar dele, continuei dançando ao som da música e
fazendo dublagens com os versos, mas a decepção inundou minhas veias
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quando Amon virou as costas.
Observei ele se afastar com a mulher ao lado, sentindo uma
sensação estranha no coração.
Era ódio. Eu odiava que fosse ela... e não eu.
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CAPÍTULO 18
AMON
A atração era proibida. Errada em tantos níveis.
E ainda havia a vingança que eu estava tramando contra o pai dela.
Tudo em Reina era perturbador, e queimava com uma intensidade tamanha
que despertava algo dentro de mim que eu não queria encarar.
Então fui embora, decidido a voltar ao trabalho. O plano saiu pela
culatra, porque minha mente começou a criar todos os tipos de cenários com
ela dançando na pista, aquelas pernas longas provocando os homens da boate.
O cabelo dela me deixava louco, especialmente quando estava solto,
emoldurando seu rosto em formato de coração. E aqueles malditos lábios,
que sempre pareciam esconder um sorriso suave.
Sacudi a cabeça, tentando expulsá-la dos meus pensamentos.
Meu irmão e eu estávamos nos fundos, conferindo os números dos
carregamentos de cocaína que chegavam tanto nos portos da família Leone
quanto nos meus portos particulares. Eu podia ser um Leone, mas não
confiava o suficiente para acreditar que meu pai não me deixaria sem nada.
Era crucial que eu traçasse meu próprio caminho neste mundo.
— Que merda te mordeu? — murmurou Dante, enquanto
calculava os números que entravam pelos portos dele. — Está de mau humor
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desde que chegou aqui.
— Encontrei a garota dos Romero. — As imagens dela dançando
com Roberto não paravam de se repetir na minha mente, me deixando cego
de raiva. Começava a suspeitar que Reina viraria meu mundo de cabeça para
baixo.
— De novo? — Assenti. — Ela está te seguindo?
— Não.
Eu mesmo teria pensado o mesmo, se ela não parecesse
genuinamente surpresa ao me ver. Se estava fingindo, fazia um excelente
trabalho. Mas, considerando que sua mãe e avó eram atrizes, não seria tão
absurdo ela ter herdado esse talento.
— E aquela outra garota que estava grudada em você? — A voz de
Dante atravessou meus pensamentos, e levei um momento para perceber que
ele não estava falando de Reina.
Eu não suportava ver aqueles cachos loiros brilhando sob as luzes,
o jeito como os homens a encaravam enquanto ela movia os quadris no ritmo
da música, girando e se contorcendo.
Reina Romero era uma maldita visão. Era linda com qualquer
coisa, mas aquelas calças de couro coladas ao corpo destacavam suas curvas
de um jeito que me dava uma boa ideia de como ela seria sem nada por baixo.
Menor de idade. Menor de idade. Menor de idade, eu repetia
mentalmente, mas de algum jeito isso não importava. Eu estava ferrado.
— Amon? — A voz de Dante me lembrou que eu ainda não tinha
respondido.
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Dei de ombros. — Não faço ideia. — Não estava com disposição
para falar de mulher. — Como estão os seus números? — perguntei,
mudando de assunto.
Isso nos trouxe de volta aos negócios. Assim que completamos
dezoito, Dante e eu começamos a adquirir empresas aqui e ali. Dante estava
mais envolvido com os negócios da família do que eu, então sobrava tempo
para que eu expandisse os meus. Eu era dono de boates, hotéis e portos em
quatro continentes, e os usava ativamente para lavar dinheiro de atividades
ilegais, além de abastecer e transportar. Até investi no meu hobby, corrida de
carros, e consegui um retorno considerável.
— Estão vindo, — grunhiu Dante. Ele preferia falar de mulheres
do que de negócios. Afinal, tínhamos apenas vinte e três anos - eu era poucas
semanas mais velho - e já havíamos presenciado coisas que preferíamos
esquecer. Mas isso era importante. Nos daria independência do nosso pai -
se precisássemos - e do submundo, se assim quiséssemos.
Analisar os números das vendas, cidade por cidade, sempre
tomava uma eternidade, mas eu queria ter uma visão completa do que estava
acontecendo. Dante sentia o mesmo. Quando o assunto era o negócio do
nosso pai, dividíamos o fardo, mas aquilo não era nosso. Pelo menos, não
enquanto ele ainda respirava.
Uma hora se passou antes que uma batida na porta nos fizesse
levantar os olhos dos laptops. Cesar entrou. Era um gigante, e tinha sido o
braço direito do nosso pai, mas agora sua lealdade era conosco. Ele odiava
nosso pai tanto quanto nós.
Franzi a testa. Ele quase nunca aparecia por aqui. Normalmente
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ficava na frente ou atrás do bar.
Ele sorriu nervoso e eu estreitei os olhos. — O que foi?
— Temos uma situação no bar, — disse ele, cauteloso. — Alguém
botou boa noite Cinderela numa garota, e a irmã surda dela está surtando.
— As garotas Romero, — meu irmão e eu dissemos ao mesmo
tempo, com um sibilo. Levantei de um salto, empurrando o laptop para o
lado. Que se foda o dinheiro, aquilo podia esperar.
— Quem foi?
— Ele não encostou nela. A irmã e as amigas estavam juntas e
partiram para cima dele. — Cesar respirava com força. Ele sabia o quanto eu
odiava desgraçados que drogavam garotas para se aproveitarem delas.
Saí marchando, passando pela sala de espera em frente ao nosso
escritório, avançando a passos largos para chegar até Reina. Podia ouvir
Dante e Cesar conversando atrás de mim enquanto me seguiam, mas mal
registrei o que diziam. A música alta me atingiu como uma pancada,
alimentando minha fúria até que finalmente a vi.
Reina se agarrava ao braço da irmã, o rosto lívido, os olhos
desfocados, e a cabeça bamboleando como se não conseguisse sustentá-la.
Mesmo naquele estado, ela era tão bonita que doía.
— Encontre o desgraçado que fez isso e traga-o para mim, —
minha voz vibrava com a raiva mal contida. Eu o dilaceraria e o faria se
arrepender de sequer ter olhado para ela.
— Foi o... — Cesar engoliu em seco, claramente desconfortável.
— Foi o maldito do Roberto.
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— Seu camarada, — murmurou Dante.
Nem tanto, embora fosse uma espécie de amigo. Tínhamos feito
algumas aulas juntos na faculdade e o cara acabou ficando por perto, então
lhe dei um emprego.
Precisei de um segundo para engolir a raiva ardente e o impulso
de ir atrás dele. Queria arrancá-lo pedaço por pedaço, mas Reina era mais
importante naquele momento. Eu lidaria com ele assim que ela estivesse
melhor.
— Levem-no para a sala especial, — rosnei.
Avancei pela multidão, as pessoas se afastando como o Mar
Vermelho, enquanto a fúria queimava em minha garganta e pelas veias.
Tomei Reina dos braços da irmã, que mal conseguia sustentá-la.
— Deixe comigo, — cuspi, segurando o outro braço de Reina.
Phoenix me encarou com aqueles olhos tão parecidos com os da irmã, e ao
mesmo tempo tão diferentes. Então me lembrei: a garota era surda. Fiz uma
nota mental de encomendar o Linguagem de Sinais Americana para Leigos.
Dante tocou de leve o ombro esguio de Phoenix e seus olhos se
voltaram para ele.
— Deixe Amon levá-la. Ele vai mantê-la segura.
Ela deve ter lido seus lábios, pois a soltou. Mas, para minha
surpresa, mostrou-lhe o dedo do meio. Eu não tinha tempo para aquelas
merdas. Não sabia o que ele havia feito para irritar a garota Romero, e
naquele momento, não me importava. Reina era minha prioridade.
— Existem... galáxias, — Reina murmurou de forma incoerente,
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tentando levantar a mão, mas ela caiu mole. Eu a ergui no colo e ela afundou
o rosto no meu peito. — Tantas galáxias...
Balancei a cabeça. A garota estava em péssimo estado. — Onde
estão as outras amigas dela?
Seus olhos giraram, desfocados, as pupilas dilatadas. Abriu a boca,
mas a fechou sem dizer nada.
— Cesar está com elas, — respondeu Dante. — As meninas
tentaram espancar Roberto. Com toda razão.
Assenti, prestes a levá-la de volta ao meu escritório, quando
Phoenix beliscou meu bíceps para chamar minha atenção. Ela começou a
fazer sinais, mas eu não entendi nada. Lancei um olhar a Dante e ele parecia
tão perdido quanto eu. Ele puxou o celular do bolso e o entregou a ela.
— Aqui. Digita. — Ela olhou para o celular, depois para ele, com
um olhar mortal. Então voltou os olhos para mim, mas antes que eu pudesse
dizer ou fazer qualquer coisa, Reina engasgou, o rosto ficando ainda mais
pálido.
— Se virem vocês dois, — murmurei. — Vou levá-la para o
escritório.
Deixando-os para trás, abri caminho por entre os corpos dançantes.
Os olhos azuis de Reina encontraram os meus, enevoados, espiando por entre
os cílios espessos. Eles vasculhavam meu rosto, enquanto seus dedos
amassavam o tecido da minha camisa.
— Tantas estrelas, — murmurou ela, a respiração irregular.
Um estalo de raiva percorreu meu corpo ao vê-la tão indefesa em
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meus braços. Eu queria sair em uma onda de destruição, ferindo, matando.
Em vez disso, canalizei toda a minha atenção para ela. Não entendia aquela
reação, aquela fúria quando o assunto era Reina. Só sabia que me sentia
responsável por algo ter acontecido com ela no meu clube.
Já de volta ao escritório, com seu corpo pequeno e vulnerável
encostado em mim, ouvi sua voz fraca:
— Banho... preciso de um banho.
Franzi a testa. Nunca tinham colocado algo na minha bebida, mas
duvidava que um banho fosse ajudar.
— Você precisa descansar, — disse suavemente, acomodando-a no
sofá.
Seus dedos se agarraram ao meu terno com uma força
surpreendente. — Banho. — Não me mexi, confuso com aquele pedido.
Ninguém a havia tocado... certo? Ela se contorceu nos meus braços,
tremendo. — Vou vomitar.
Ergui-a rapidamente e corri até o banheiro a tempo de segurar sua
cabeça sobre o vaso enquanto ela vomitava, tremendo dos pés à cabeça.
— Não olha, — gemeu, miserável.
— Já vi coisa pior. — Envolvi sua cintura com o braço e a ajudei
a se levantar, baixei a tampa do vaso e dei descarga. Virei-me para a pia,
molhei uma toalha e a estendi para ela. Suas mãos tremiam quando pegou e
limpou a boca. — Melhor?
Outro arrepio percorreu seu corpo. — P-preciso de um banho... —
Olhei de relance para o chuveiro amplo. Não parecia uma boa ideia que ela
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tirasse as roupas. Eu jamais a tocaria nesse estado, mas, se a irmã aparecesse
ali, sabia muito bem como aquilo pareceria. Além disso, ela era uma Romero.
Não podia me esquecer disso. — P-por favor.
Suspirei e a soltei para ligar o chuveiro. Suas pernas trêmulas
falharam e ela perdeu o equilíbrio. Segurei-a de novo e a sentei na tampa do
vaso.
— Acho que vamos tomar um banho juntos, — murmurei,
pegando-a nos braços. Ela tentou levantar os braços, buscando os cordões
finos da blusa. — Fique com a roupa.
Pelo menos assim eu poderia dizer que permanecemos vestidos o
tempo todo.
Entramos debaixo da água e nos deixamos escorregar devagar até
o chão de azulejos. Ela soltou um suspiro pesado e se aninhou em mim.
— Obrigada.
— De nada. — Lancei um olhar para ela, então perguntei: — Por
quê o banho?
Ela balançou a cabeça levemente, escondendo o rosto no meu peito.
— Ajuda... com o pânico. — Lá estava de novo. Ataques de pânico. — Seus
olhos são galáxias, — murmurou, sonolenta. — Tão lindos.
Soltei um suspiro irônico. Era a primeira vez que alguém me
chamava de lindo. Aquela garota tinha uma obsessão séria com galáxias. E
com a cor rosa, pelo que parecia.
A porta do banheiro se abriu e Dante apareceu com Phoenix.
Ambos observaram a cena: nós dois sentados no chão, com a água caindo
Eva Winners BITTER PRINCE
sobre nossos corpos.
— Encontrou ele? — perguntei ao meu irmão.
Ele balançou a cabeça. — Desaparecido.
Não ficaria por muito tempo. — Chame o Ghost para encontrá-lo.
— Aquele homem conseguia rastrear qualquer um, desde que não estivesse
na Rússia.
Por um instante, Dante ficou imóvel, encarando as roupas
molhadas de Reina coladas ao corpo dela, e um ciúme violento me mordeu
o peito. Não queria nenhum homem olhando para ela daquele jeito. Aquilo
me deixava furioso. Ela era minha.
A nota possessiva dos meus pensamentos era inconfundível.
Sempre fui protetor com Reina, mas só naquele momento percebi o quanto
aquelas palavras eram verdadeiras. Minha. A garota de coração suave
invadiu como uma ladra na calada da noite e roubou minha alma.
Minha alma podia estar corrompida, meu senso moral totalmente
quebrado, mas eu sabia que lutaria até a morte com meu irmão para mantê-
la.
Dante podia ter qualquer coisa. Qualquer mulher. Qualquer
império. Menos ela.
Eva Winners BITTER PRINCE
CAPÍTULO 19
REINA
Acordei abraçada pela minha irmã no nosso sofá. Isla, Athena e
Raven estavam espalhadas pelo chão, usando lençóis para cobrir os troncos.
As três tinham trocado as roupas da noite anterior por shorts e regatas.
O zumbido da cidade entrava pela janela entreaberta. Vozes de
pedestres falando um francês apressado. Buzinas cortando o ar.
Meus olhos desceram e encontrei uma camiseta branca larga me
cobrindo, mas não era minha. Era uma camisa masculina, e o cheiro de limão
com maçã verde me dizia exatamente a quem ela pertencia. Levei-a até o
rosto e inspirei profundamente o perfume dele até preencher meus pulmões.
Imagens da noite passada invadiram minha mente. O calor que se
acumulou na base do meu ventre enquanto ele me segurava.
— Certo, temos que dar um descanso para o chuveiro, — Amon
disse, prendendo meu olhar. Os olhos dele brilhavam suavemente, sombrios,
e eu me deixei afundar neles. Exatamente como fiz quando era apenas uma
garotinha de seis anos, tantos anos atrás.
— Certo, — concordei.
Eva Winners BITTER PRINCE
Ele estendeu o braço acima da cabeça e desligou o registro
enquanto eu o observava. O modo como os músculos se flexionavam sob a
roupa. Os fios negros de seu cabelo gotejando água.
Meu corpo inteiro queimava, embora eu não soubesse se era efeito
da droga ou daquele homem. Cada centímetro meu tremia e meus dentes
batiam enquanto eu agarrava a barra da camisa dele.
Ele pegou uma toalha macia e a envolveu ao redor do meu corpo.
Suspirei, me aconchegando nele e enterrando o rosto em seu peito.
— V-você cheira b-bem, — falei, com os dentes batendo.
Um som rouco vibrou em seu peito. — Você cheira a canela.
— Príncipe amargo, — murmurei, enrugando o nariz. — Isso não
é... sexy. — Ele ficou imóvel por um momento, mas com tudo girando na
minha cabeça, nem percebi. — Meu príncipe amargo.
— Onde você ouviu isso? — A voz dele ficou mais áspera, uma
sombra escurecendo seu tom.
Suspirei, cansada.
— Papai, — murmurei. — Sempre ele. — Levantei o rosto e vi
amargura e escuridão nos traços dele. Levei a palma da mão até sua
bochecha e a acariciei com suavidade. Ele era tão bonito que eu não
conseguia desviar o olhar. — Não fique chateado. Eu estava escutando
escondida e ouvi ele dizer.
Seu olhar endureceu. — Foi seu pai quem me deu esse nome. —
Pisquei, encarando-o sem entender. — O título — explicou.
Soltei um suspiro. — Ele não é tão ruim assim, — murmurei. —
Eva Winners BITTER PRINCE
Mas perder a mamãe... isso o destruiu. — Encostei a cabeça de novo em seu
peito. — Ele a amava muito.
Então ele beijou minha testa e sussurrou algo em japonês que não
consegui entender, e prometi a mim mesma que compraria o Rosetta Stone 9
de japonês logo pela manhã.
— Como voltamos para casa? — perguntei com a voz rouca ao me
mover um pouco. As garotas no chão se remexeram, piscando contra a luz
da manhã que atravessava as janelas.
Os olhos de Phoenix se abriram num estalo e encontraram os meus.
— Como está se sentindo?
— Mais ou menos, — murmurei enquanto sinalizava. — Desculpa
por ter estragado a diversão.
A mão de Isla veio até minhas coxas nuas e apertou. — Nem pense
nisso. Aquele desgraçado tentou se aproveitar de você.
Os acontecimentos invadiram minha mente em flashes borrados.
Como comecei a me sentir enjoada depois que aquele cara nos trouxe bebidas
do bar. Como eu estava desajeitada na pista de dança, com o mundo girando
sem parar. Mas quando as garotas me viram, vieram me socorrer. Devem ter
percebido que algo estava errado - eu nunca bebia mais do que podia aguentar.
Elas o expulsaram do clube depois disso, xingando-o enquanto eu me
agarrava à minha irmã e o mundo parecia sair do eixo. Então Amon surgiu
como um deus antigo e salvou o dia. Essa imagem estava nítida como cristal,
9
Software de aprendizado de idiomas.
Eva Winners BITTER PRINCE
por algum motivo.
— Acho que seu amigo não vai pegar leve com ele, — comentou
Raven.
— E nem deveria, — rosnou Athena. — Se não estivéssemos lá,
Roberto teria estuprado a Reina.
Minha cabeça começou a latejar e meus ouvidos a zumbir.
— Todo mundo calma, — sinalizou Phoenix, lançando um olhar
firme às garotas. — Vamos pegar leve.
Balancei a cabeça. — Estou bem, — murmurei. — Graças a vocês.
— Sorri, sonhadora, pensando naquele homem alto e exótico que surgiu para
salvar o dia. — E graças ao Amon, — acrescentei suavemente.
O cômodo silenciou. O barulho da cidade nunca cessava, mas até
isso pareceu diminuir. Encontrei quatro pares de olhos sobre mim e pisquei,
tentando entender o que tinha perdido.
— Meu Deus, — murmurou Athena. — Isso não acontece tão
rápido assim, acontece?
— O quê? — Meus olhos passaram de uma garota para outra até
pousarem em minha irmã. — O que foi?
Phoenix me observava com a preocupação marcada em seu rosto
lindo. — Você se apaixonou por ele?
Balancei a cabeça.
— Sim, se apaixonou, — corrigiu Raven diante da minha negação.
— Está estampado no seu rosto. — Levei a mão ao rosto como se pudesse
apagar o que quer que estivessem vendo ali.
Eva Winners BITTER PRINCE
— Nem se dê ao trabalho de esconder, — disse Isla suavemente.
— Não há vergonha alguma nisso.
Endireitei os ombros. — Não estou envergonhada. Só acho que
vocês estão tirando conclusões precipitadas. — Senti minhas bochechas
esquentarem e meu coração bater com leveza no peito, como uma borboleta
testando suas asas pela primeira vez. — Como voltamos para casa? —
perguntei à minha irmã.
Raven respondeu: — Seu namorado nos trouxe. Ele fez questão, e
nada o faria mudar de ideia. Trouxe você e Isla no carro dele, enquanto o
irmão trouxe Phoenix, Raven e eu.
— Você não parava de falar sobre galáxias, — disse Isla com um
olhar sério.
O calor subiu às minhas bochechas. Os olhos de Isla caíram sobre
elas, os lábios se curvando num sorriso compreensivo, mas felizmente ela
não disse nada.
Fechei os olhos, e tudo o que conseguia sentir eram os lábios dele
contra minha testa, sussurrando para mim no idioma mais bonito que eu já
ouvira.
Então peguei meu celular e comprei o Rosetta Stone de japonês,
Nível Um.
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CAPÍTULO 20
AMON
Desci os degraus do calabouço, vozes abafadas ecoando pelos
corredores escuros.
Minha raiva era tão intensa que ameaçava explodir como um
vulcão, uma névoa vermelha invadindo minha visão. Precisei sufocar o
ímpeto que queimava em minha garganta, recorrendo aos exercícios de
respiração que aprendi quando era criança.
Deixei a velha calma me envolver enquanto me aproximava da
cela.
Não me escapava o fato de que tanto Dante quanto eu havíamos
nos tornado moldes do nosso pai. Papai usava os calabouços de vez em
quando, quando queria fazer um ponto muito claro. E lá estava eu, prestes a
deixar minha mensagem exatamente do mesmo modo.
Com uma única exceção.
Este cara não sairia dali. Amigo ou não.
Deixei que os demônios emergissem e tomassem conta. Na Itália,
diziam que il diavolo10 era o pior, mas na mitologia japonesa, Amanjaku11
10
O diabo.
11
Um yōkai, ou espírito - conhecido por ser teimoso, contraditório e malicioso. Muitas vezes retratado
Eva Winners BITTER PRINCE
ganhava fácil. Roberto, assim como todo homem - ou mulher - entenderia
naquela noite o que significava mexer com o que é meu.
Dante e Ghost estavam encostados na parede de pedra. Um sorriso
largo puxava seus lábios, exibindo dentes brancos, e os olhos brilhavam com
uma promessa silenciosa. Kingston era um produto dos métodos fodidos de
Sofia Volkov. Dante, um produto de nosso pai e das torturas que sofreu.
Odiava até imaginar o que teria acontecido se não o tivéssemos encontrado
a tempo.
Ele ficou meio louco, completamente instável.
Meu irmão me observava com atenção, um cigarro pendurado no
canto da boca. Desenvolvera o hábito nos últimos dois anos e se recusava a
largar. Eu odiava aquilo. Vício era sinal de fraqueza, mas sabia que nada o
faria parar. Não até que estivesse pronto para largar por conta própria.
Olhei para Ghost e perguntei: — Algum problema?
Estava óbvio que ele não teve dificuldade em encontrar Roberto.
Ele deu de ombros. — Nenhum.
— Ele disse alguma coisa?
Ghost nem se deu ao trabalho de responder. Pode ter voltado a usar
o nome de nascimento, mas os hábitos continuavam os mesmos. Kingston
ou Ghost, tanto fazia. Ele era um assassino. O melhor rastreador.
Dante acabou respondendo quando Kingston permaneceu calado.
— Está quieto. Acho que ainda não entendeu a gravidade da situação.
como um pequeno demônio, travesso e manipulador.
Eva Winners BITTER PRINCE
— Vai entender. Muito em breve.
Continuei até Roberto, que estava amarrado a uma cadeira.
Sorrindo, puxei outra cadeira e me sentei de frente para ele.
— Você colocou Rohypnol na bebida de uma garota.
Desembainhei minha faca e a enfiei na coxa dele, girando com
força. Ele gritou como um bebê.
— Você não devia ter tocado nela, — minha voz vibrava com raiva
contida. — Quantas mulheres você drogou no meu clube? — Os olhos de
Roberto se arregalaram, ele abriu e fechou a boca como um peixe fora d'água.
Nada saiu. — O quê? Não ouvi você.
— Ela foi a única, — gemeu.
Não sabia o que me enfurecia mais: o fato de ele ter escolhido a
Reina ou a possibilidade de estar mentindo para mim. Só a ideia de que ele
poderia tê-la tocado, ferido, fazia o vermelho invadir minha visão e cobrir
tudo. Roberto continuava murmurando, mas sua voz era distorcida pela fúria
que rugia dentro de mim.
Aproximei meu rosto do dele, o cheiro de cigarro e de loção pós-
barba barata fazendo meu lábio se retorcer. Uma bola de fogo queimava em
meu peito enquanto os olhos dele tremiam de pavor.
Meus dedos se fecharam em torno de sua garganta e apertei,
sufocando-o. Empurrei seu corpo com força, derrubando-o no chão, ainda
preso à cadeira. Seu crânio bateu com força e eu o levantei de volta.
— Você mexeu com a mulher errada, — rosnou. — Traz um cutelo,
Dante.
Eva Winners BITTER PRINCE
Ele foi até a mesa onde várias armas estavam dispostas e voltou ao
meu lado, me entregando o que pedi. Comecei pelo dedo mindinho da mão
direita, depois passei para o seguinte. E depois o próximo. Até que ele não
tivesse mais dedos.
Ele gritou. Chorou. Implorou por misericórdia.
Não havia nenhuma - nem da minha parte, nem da de Dante, e
muito menos da de Kingston.
Um momento depois, Dante estava ao meu lado, segurando-o no
lugar enquanto ele se debatia e chutava. Arranquei-lhe as calças enquanto ele
gritava como uma vadia.
Agarrei a faca e a enfiei em sua coxa. — Pooooorra, — ele berrou.
— Por favor, para. Para com essa merda.
Aproximei meu rosto do dele, sorrindo com frieza. — Opa, errei
seu pau minúsculo.
Então desci a faca novamente, desta vez direto no pau dele. Seus
gritos agudos quase estouraram meus tímpanos. Depois fui para as bolas,
começando pela esquerda. Ele engasgou num grunhido, e eu me levantei,
recuando no exato momento em que ele vomitou, despejando as tripas.
O mar de sangue se espalhava ao redor dele enquanto se contorcia,
desabando na cadeira.
Ele não sobreviveria à noite.
***
Eva Winners BITTER PRINCE
— Oba disse que você levou uma garota ao restaurante dela.
A saudação da minha mãe foi direto ao ponto da visita. Não me
surpreendeu encontrá-la na minha porta antes do amanhecer. Ou que ela
soubesse sobre Reina. O que me surpreendia, na verdade, era o fato de ter
demorado tanto.
Vestindo apenas uma calça de moletom, abri a porta e a deixei
entrar. Eu tinha ido para a cama há meia hora, pronto para desabar a noite -
ou melhor, para apagar durante o dia - depois de toda a confusão com meu
ex-amigo drogando Reina. Se existisse uma definição perfeita de má hora,
seria essa, mas jamais poderia dizer isso para minha mãe.
— Essa é a única razão pela qual está em Paris? — perguntei.
Ela assentiu, entrando com passos curtos em seu quimono rosa,
enquanto minha mente, contra a vontade, se voltava para Reina. As duas
pareciam ter algo em comum. Um fascínio pela cor.
Minha mãe avaliou o novo apartamento no coração de Paris. Os
primeiros raios da manhã delineavam os marcos da cidade. Só eu sabia que
o apartamento de Reina ficava a apenas dois quarteirões dali.
Eu o havia comprado há poucos meses, e essa era a primeira vez
que minha mãe me visitava em Paris. A localização fazia parte de um plano
maior. Aproximar-me da minha garota canela e depois usá-la contra o
desgraçado do pai, obtendo acesso ao cofre dele. Dante e eu tentávamos
localizar o cofre de Romero há anos, sem sucesso, e o desespero da nossa
mãe pelo documento que ela acreditava que ele tinha só aumentava.
— Quer um café, mamãe?
Eva Winners BITTER PRINCE
— Prefiro chá, — respondeu, dirigindo-se à cozinha. Merda. Se
ela estava se acomodando, a conversa seria mais longa do que eu tinha
disposição para enfrentar agora. — Quer que eu faça?
Balancei a cabeça. — Não, me dá um segundo que eu preparo.
Fui até o quarto, peguei uma camiseta branca simples e a vesti,
depois voltei para a cozinha só para encontrar minha mãe já mexendo na
minha kyusu, uma chaleira tradicional japonesa.
— Mamãe, deixa que eu faço. — Peguei a chaleira das mãos dela.
— Sente-se. Imagino que não queira Earl Grey.
Ela nunca queria chá de marca de supermercado.
— Prefiro sencha.
Sorri. — Certo, sencha, então.
— Comece colocando as folhas na chaleira, — instruiu enquanto
eu começava a preparar. Não consegui conter um suspiro divertido. Já havia
feito esse chá para ela centenas de vezes, mas ainda assim ela não conseguia
deixar de ditar as instruções passo a passo. — Uma colher de chá por xícara.
Depois adicione água fervente. Deixe em infusão por apenas um a dois
minutos.
Mamãe era entusiasta do chakai, a cerimônia do chá que
transformava o servir em arte. Ela, como a maioria dos meus parentes e
amigos japoneses, considerava isso uma forma elevada de expressão. Na
minha casa, era apenas algo que fazia minha mãe feliz. Provavelmente por
causa da minha criação na Itália.
Enquanto ela recitava instruções que já estavam gravadas em mim,
Eva Winners BITTER PRINCE
meus pensamentos voltaram a Reina. A verdade inconveniente era que, perto
daquela garota, eu tendia a esquecer meu plano, minha mãe e nossas famílias.
Talvez ela tivesse lançado um feitiço em mim, do mesmo modo que a mãe
dela encantou Tomaso Romero. Era o que eu costumava dizer a mim mesmo
quando tentava entender por que ele prometeu casamento à minha mãe,
apenas para deixá-la e se casar com Grace Bergman. Bem, isso, e o fato de
ela ser uma estrela de cinema mundialmente famosa.
Deus, Buda, Kami-Shintō - os deuses xintoístas reverenciados
pelos meus antepassados - deviam estar rindo de mim, porque Reina se
tornou o pacote mais perfeito e bonito que qualquer homem na Terra poderia
desejar.
Desde o momento em que nos reencontramos, havia algo na forma
como ela me olhava que despertava um fogo profundo e inquietante dentro
de mim.
Seria mentira dizer que eu não gostava daquela força silenciosa,
sem desculpas. Do jeito como ela me convidou para jantar sem hesitar. Do
modo como me encarava, sem vergonha. E, caralho, se aquilo não me
deixava desconfortável. A doçura em seus olhos me lembrava o céu azul-
cobalto, um oásis que trazia uma paz e uma sensação de contentamento
estranhamente desconhecidas para mim.
E o rubor dela… só o calor nas bochechas já era o suficiente para
me deixar duro, o que era errado, considerando sua idade e quem ela era. No
entanto, lá estava eu, pensando nela como se fosse meu trabalho, ao mesmo
tempo em que seguia com meu plano de usá-la para destruir o pai dela.
Minha mente sussurrava que ela era inocente. Por algum motivo,
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ela confiava em mim cegamente. E isso me irritava ainda mais, porque fazia
minha consciência sussurrar coisas que eu não queria ouvir.
Dez minutos depois, eu me sentava à mesa da cozinha enquanto o
sol subia mais alto, observando minha mãe tomar seu chá. Nos últimos meses
- quase um ano, na verdade - a pele dela estava livre de hematomas, mas eu
atribuía isso ao fato de que Papai havia passado para outras mulheres. Ou
talvez até para outras famílias que podia trair.
— Oba disse que você estava com Reina Romero.
Era isso que eu amava na minha mãe. Ela raramente rodeava o
assunto.
— Estava.
— Não quero que você a veja mais.
Nos observamos em um silêncio denso - um silêncio tenso. Minha
mãe não me dizia o que fazer havia quase duas décadas. Ela me aconselhava,
dava sugestões, mas nunca ordens. Suponho que sempre há uma primeira
vez para tudo.
— Sinto muito, mamãe, mas não.
Vários batimentos se passaram antes que ela dissesse: — Está
namorando essa garota?
Recostei-me na cadeira, estudando seu rosto enquanto ela tomava
o chá. Ela não parecia perturbada, mas algo a incomodava. E não era com
quem eu estava ou não estava me relacionando.
— Não. — Ainda. Seria mentira dizer que eu não gostava de Reina.
Havia uma suavidade e inocência nela que me atraíam. Eu não conseguia
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lembrar de ter sentido inocência algum dia. O mundo nunca foi feito de rosas
e arco-íris na minha experiência, mas aquela garota agia como se fosse.
Uma pontada aguda de culpa me atravessou, ao saber que eu a
usaria para localizar os cofres do pai e recuperar o documento que minha
mãe tanto desejava. Mas isso não me impedia de continuar com o plano.
— Quer namorá-la?
Essa, sim, era a pergunta do século. Aquela garota era... Procurei
a palavra certa, sem conseguir encontrar uma sequer que descrevesse
adequadamente Reina Romero. A garota canela que parecia atravessar a vida
como um raio de sol.
— Não. — Mentiroso.
Minha mãe inclinou a cabeça, me estudando pensativa. — Não sei
se acredito em você, musuko. — Ela só me chamava de ‘filho’ em japonês
quando estava preocupada. — Mas você nunca mentiu para mim antes, então
vou confiar.
Eu deveria me sentir culpado, mas não me sentia. Meu ódio por
Romero era mais forte que minha honra. E meu interesse pela garota de
cachos dourados era ainda mais forte que o meu ódio.
— Conseguiu chegar mais perto de conseguir o contrato do Ojīsan?
— Balancei a cabeça, estudando minha mãe. Ela queria aquele pedaço de
papel com um desespero que eu não compreendia. Ainda mais desde a morte
do meu avô. Só existiam duas cópias daquele contrato no mundo: uma estava
com Romero, a outra estivera com meu avô. E tínhamos motivos para
acreditar que meu primo a destruiu quando mandou matar nosso avô.
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— O que faz você pensar que Romero não queimou o documento,
reduzindo-o a cinzas? — questionei minha mãe.
Ela tomou um gole do chá, segurando a porcelana delicada.
Qualquer impacto leve contra a mesa e aquilo se quebraria em mil pedaços.
Assim como todos os fantasmas que pareciam dançar ao nosso redor.
— Tomaso Romero sempre guardou documentos como se fossem
tesouros, — respondeu ela. — Dizia que nunca se sabe quando poderia usá-
los de novo. Ou contra quem.
Às vezes, eu me perguntava como ela sabia tanto sobre os hábitos
de Romero. Eles se conheceram por pouco tempo antes de o olhar errante
dele pousar em Grace Bergman.
— Você nunca explicou como exatamente o conheceu? —
perguntei de repente.
A pergunta pareceu pegá-la de surpresa, pois ela demorou alguns
batimentos para responder. — Ele veio discutir o transporte de um certo
produto para o Ojīsan. — Podia ser drogas ou tráfico de pessoas. Romero
não lidava com armas. Pelo menos, não com sucesso. — Eles não chegaram
a um acordo. Mais tarde naquela noite, seu avô deu uma festa e eu fui
autorizada a comparecer.
O olhar dela desviou para a janela, observando a cidade e
provavelmente se perdendo nas lembranças.
— E? — incentivei suavemente.
Os olhos dela voltaram para mim. — Foi a primeira vez que
encontrei um homem ocidental. Achei emocionante, e Romero viu o quanto
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eu significava para meu pai, sendo sua única filha. Acho que ele pensou que
poderia usar isso para influenciar o Ojīsan por meio de mim. E, como uma
tola, entrei no jogo.
Minha mandíbula se contraiu. Soava como o tipo de atitude escrota
clássica. — Você era jovem demais e muito protegida.
Ela assentiu. — É por isso que precisamos daquele documento,
Amon. Não queremos que ele use isso como barganha.
Soltei um suspiro sarcástico. — Mas o que ele poderia usar dali,
exatamente?
— Havia cláusulas ali para mim, para meus filhos, e para os dele.
Nossos filhos.
Franzi a testa. — Bom, os filhos dele não são seus, então não sei
por que se preocupar com isso. Seus filhos não são dele, e vocês dois nunca
se casaram.
Minha mãe balançou a cabeça. — Romero pediu para o Ojīsan
colocar uma cláusula para cada um dos filhos dele, especificamente, caso
algo acontecesse comigo e ele se casasse de novo. Isso agora incluiria as
filhas dele.
Essa era nova para mim, embora a explicação não fizesse muito
sentido. Ojīsan era conhecido por seu desgosto por forasteiros em sua
organização. Ele não teria permitido nenhuma ligação de Romero com a
Yakuza fora da minha mãe. — Mas vocês dois nunca se casaram, — repeti.
— Isso anula o contrato por completo.
O olhar no rosto da minha mãe dizia que ela não estava convencida.
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— Mas aquele documento é importante, — murmurou. — Eu sei
disso. Precisamos ler aquelas cláusulas.
Suspirei. Minha mãe podia ter sido uma princesa da Yakuza
protegida, mas sua teimosia superava a de muitos homens.
— Que tipo de cláusula? — perguntei, embora realmente achasse
inútil se preocupar com isso.
— Não sei ao certo, já que não me deixaram participar das
discussões. — Meu sexto sentido alertou que havia mais ali do que ela estava
admitindo. — Mas também acredito que o documento indica o plano do
Ojīsan de que você assumisse a Yakuza e todos os negócios dele.
— Já estou na Yakuza, — lembrei-a. — Além disso, vocês dois
romperam, então esse documento não pode ser tão importante assim.
— Não como líder, você não está. — Eu estava trabalhando nisso,
mas não queria alarmá-la. Traição dentro da Yakuza significava morte. Não
havia necessidade de colocar preocupação extra nos ombros de mamãe. —
E também não vamos esquecer que Romero não tem nenhuma ligação com
a Yakuza, — acrescentou. Franzi as sobrancelhas com o raciocínio dela. —
E queremos que continue assim.
Depois que Romero roubou a carga do meu primo, não havia a
menor chance de ele voltar a fazer negócios com ele.
— Não acredito que Ojīsan tenha atualizado o documento para
refletir a traição de Romero, o que pode ser um problema para as filhas dele.
— Desde quando você se importa com as filhas dele?
Ela colocou a xícara sobre a mesa sem fazer barulho. — Não me
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importo, mas me importo com você. E aquele documento nomeia você como
herdeiro do Ojīsan.
Balancei a cabeça. — Isso não importa, mamãe. Itsuki não vai
aceitar esse documento, e você sabe disso. Vou ter que vencê-lo com minha
inteligência, poder e riqueza.
— É o que Hiroshi continua me dizendo. — Era claro pelo tom
dela que não concordava com essa abordagem. — Você sabe que Tomaso
Romero tinha vergonha de mim. — A mudança de assunto foi tão abrupta
que demorei um momento para me adaptar. Mamãe fazia muito isso quando
batia em uma parede.
— Como assim? — perguntei.
— Eu era jovem demais e cega para enxergar. Ele me usou para
formar uma aliança com o Ojīsan, mas nunca teve intenção de levá-la adiante.
Agora consigo ver isso. Ele nunca me apresentou a nenhum amigo ou parente.
Esperei, sentindo que havia mais na história.
— Ele tinha vergonha de mim. Da cor da minha pele. Dos meus
olhos. Das minhas roupas.
Ela estendeu as mãos pequenas e pegou as minhas, enormes, entre
as dela.
— Ela é filha de Romero, — apontou o óbvio. — O fruto não cai
longe da árvore, meu filho.
— E eu sou filho de Leone. Não achei que você fosse
responsabilizar os filhos pelos pecados do pai.
Era uma afirmação hipócrita, considerando que eu estava usando
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Reina para dar o golpe final no velho dela. — As filhas de Romero foram
criadas pela avó.
Ela ignorou meu comentário. — Está usando Reina Romero para
chegar ao pai dela?
— Talvez.
Eu a estava usando para destruir o homem. Dante faria o mesmo
com Phoenix. Xeque-mate.
— Romero nunca vai aprovar, — disse ela em japonês. A voz era
suave, mas havia algo por baixo. Algo mais. Algo que ela escondia bem
demais. — E eu também não.
— Depois que eu terminar com ele, isso não vai importar. Reina
Romero é apenas um meio para um fim.
Se ao menos eu soubesse o quanto essas palavras me
assombrariam.
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CAPÍTULO 21
REINA
Era o primeiro fim de semana oficial das nossas férias de verão,
meados de junho.
Chegamos a Veneza tarde da noite passada e, em vez de cada uma
dormir em seu próprio quarto - porque havia mais do que o suficiente na casa
de papai -, todas nós nos esprememos no quarto meu e de Phoenix. Raven e
Athena subiram na cama de Phoenix, que ficava no quarto adjacente.
Os primeiros raios de sol filtravam pelas cortinas.
Olhei para o relógio, que marcava apenas 6h00 da manhã, os
números vermelhos piscando como se me acusassem de insônia. Todas
dormiam profundamente, exaustas da viagem de carro de ontem à noite, de
Paris até aqui, no nosso pequeno Fiat alugado. Eu estava seriamente tentada
a empurrar aquele carro no mar e voltar de trem. Qualquer coisa menos me
espremer de novo dentro dele.
Fiquei deitada na cama olhando para o teto, as nuvens cinzentas e
finas que minha mãe tinha começado a pintar anos atrás ainda inacabadas.
Foi naquele verão que tudo começou. Meus ataques de pânico. Conhecer
aqueles dois garotos. Perder minha mãe.
Virei a cabeça e encontrei o rosto adormecido da minha irmã. Ela
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era inocente e tão boa. Esse era um segredo que eu jamais poderia
compartilhar com ela. Eu precisava protegê-la. Fiz uma promessa.
Saí da cama e fui até o banco grande perto da janela. Sentei-me,
trazendo os joelhos ao peito e abraçando as pernas enquanto memórias que
eu me esforçava tanto para reprimir voltavam à tona.
Fechei os olhos com força, na esperança de que fossem embora.
Não foram. Em vez disso, as imagens se tornaram mais vívidas.
Banheira tingida de sangue. O rosto pálido da mamãe. Seus lábios azulados.
A água carmesim envolvia minha bela mamãe, seu longo cabelo
dourado flutuando na superfície. A palma da mão segurava um colar, o
pingente mais incomum pendurado nele.
— Mamãe? — minha voz mal era um sussurro, mas ela deve ter
me ouvido, porque abriu os olhos. A tristeza me encarava de volta. — V-você
está bem, Mamãe?
Respirar parecia exigir tanto esforço que dei um passo à frente,
preocupada que ela estivesse com dor. Ouvi ela chorando mais cedo, mas
não quis alarmar minha irmã, então esperei até Phoenix pegar um livro
antes de sair do quarto.
— Estou bem, minha pequena Reina. A mamãe só está cansada.
— Q-quer que eu te coloque na cama? — ofereci, confusa por ela
estar dormindo na banheira.
Ela balançou a cabeça, o pingente oscilando de um lado para o
outro. Percebeu meus olhos o observando.
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— Você gostou? — assenti com a cabeça. — Significa amor e afeto
em japonês, — murmurou. — E eu amo muito você e sua irmã.
— Também te amo, Mamãe.
Por que meu peito doía? Talvez eu estivesse ficando doente.
— Devo chamar o Papai? — ofereci.
— Não. — A voz dela saiu firme. Determinada. — Eu abri mão de
tudo por ele, e ele não me deu nada. Está me ouvindo, Reina? Ele não nos
deu nada!
Franzi a testa, sem entender suas palavras, mas mesmo assim
assenti com a cabeça. Não queria deixá-la chateada. Mamãe era atriz, e às
vezes gostava de fingir que a vida era um filme. Pelo menos era o que Papai
vivia dizendo, embora eu também não entendesse isso.
Alguns dias eu desejava que nunca tivéssemos vindo para a Itália.
Éramos mais felizes na Califórnia. A vida era perfeita até virmos para cá.
— Prometa para mim, Reina. — A voz dela estava fraca; ela estava
sumindo. Indo embora. Eu não sabia como sabia disso, mas sentia no fundo
do meu coração. Mamãe não gostava da Itália, e agora, ela nos deixaria de
vez.
Mas ela levaria Phoenix e eu com ela? Eu esperava que sim. Eu
amava a mamãe. Ela era gentil e sempre sorria, mesmo quando estava triste.
— P-prometer o quê, mamãe? — As palavras tremiam nos meus
lábios. Eu estava com medo. De alguma forma, a casa de Papai tinha se
tornado escura e assustadora.
— Proteja sua irmã, Reina. Proteja a Phoenix a todo custo.
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Assenti, meus cachos balançando. — Eu prometo, — disse,
engolindo o nó de medo na garganta. — Mamãe, por que a água está
vermelha? É uma bomba de banho?
— Sim, minha pequena Reina.
Dei um passo à frente. — Posso ter uma também?
Os olhos da mamãe se fecharam. — Não. — Algo monumental
estava acontecendo. Eu sabia disso, mas meu cérebro infantil não conseguia
compreender. Mamãe nunca nos negava nada. — Você precisa ser forte por
Phoenix. A vovó vai garantir que você não repita meus erros.
Meu terror crescia a cada respiração, e minha confusão também.
— Mamãe? — chamei com a voz baixinha.
Os olhos dela se abriram - azuis e machucados - e encontraram
os meus. — Você e Phoenix são meu legado. Não importa quem é o seu papai.
— Assenti, mesmo sem entender suas palavras. Ela amava Papai, mas tudo
tinha mudado desde que chegamos à Itália. Papai gritava mais, e mamãe
chorava mais.
— D-desculpa, mamãe.
Os olhos dela se abriram de novo. — Olhe para mim, Reina, —
ela sussurrou, e eu a encarei, olhos arregalados. — Viemos a este mundo
gritando e cobertas de sangue. Prometa que você e sua irmã não sairão da
mesma forma. É tarde demais para mim. Estou partindo com o sangue de
alguém nas mãos. — Ela estendeu a mão, fraca. — Pegue o colar. — Não
me movi, algo na voz dela me deixou imóvel. — Agora, Reina. Pegue.
Dei um passo à frente, meus pés se encharcando na água tingida
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de carmim enquanto pegava o pingente. O braço dela caiu para o lado da
banheira com um baque surdo.
— Mamãe, estou com medo. — As lágrimas queimavam a parte de
trás dos meus olhos. Meu coraçãozinho apertava no peito. Eu queria fazer
a mamãe melhorar. Aí eu também me sentiria melhor. Aí seríamos felizes de
novo.
— Vá brincar com sua irmã, Reina.
Meus pés descalços silenciosos contra o chão elegante e as
pinturas de anjos penduradas acima de mim, deixei a mamãe ali com sua
bomba de banho.
Eu a deixei. Eu deixei ela morrer. Eu deveria tê-la salvado.
As palavras ecoavam e gritavam na minha mente - de novo e de
novo - perfurando meus ouvidos até que comecei a tremer.
Acordei de um salto, subitamente desperta, meu corpo coberto de
suor.
Tudo começou e terminou naquele verão. Ou talvez não. O
caminho me levou de volta ao começo, e isso só podia ser por um motivo.
Porque eu não acreditava em coincidências. E meu caminho
continuava me levando de volta a ele.
Amon Leone.
***
Eva Winners BITTER PRINCE
O sono se recusava a me encontrar.
Fiquei sentada no nicho junto à janela até os raios do sol brilharem
sobre uma Veneza adormecida e o canal deserto.
Esperei as meninas acordarem. Isso levou apenas algumas horas,
deixando-me sozinha com meus pensamentos. Às vezes era melhor estar
ocupada do que lembrar, mas lá estava eu, esmiuçando aquele verão pedaço
por pedaço, como sempre acabava fazendo.
— Aff, a Itália é ensolarada demais, — resmungou Isla,
espantando os fantasmas. — Alguém pode fechar as cortinas?
Sorri diante de seu drama. — E a Califórnia é menos ensolarada,
é isso?
Ela me lançou um olhar por entre as pálpebras meio abertas. —
Está tentando ser engraçadinha?
Dei de ombros. — Alguém tem que ser.
Ela se espreguiçou, arqueando as costas e bocejando ao mesmo
tempo. — Cara, meus irmãos me matariam se soubessem que estou na Itália.
Bufei. — Não, não matariam. — Eles a adoravam.
Olhei pela janela, observando a cidade despertar. A Piazza San
Marco, no coração de Veneza, logo estaria lotada de turistas do mundo inteiro.
A área era repleta de cafés, restaurantes e tantos pontos icônicos. Não era
meu lar, mas era familiar.
— Não consigo acreditar que estou em Veneza, — ela murmurou.
— Tudo o que preciso fazer é cruzar o canal e estarei em uma cidade
renascentista encantada.
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Inclinei a cabeça, pensativa. — Estou surpresa de seu irmão nunca
ter te trazido para a Itália.
Ela deu de ombros. — Ele prefere a Rússia. Acho que se sente mais
em casa lá. — Phoenix se mexeu e eu afastei seus cabelos castanhos escuros
de seu rosto adormecido. — Você e Phoenix… — encontrei o olhar
esmeralda de Isla nos observando. — Vocês são tão próximas. Isso me dá
inveja.
Franzi a testa. — Por quê? Você tem seus irmãos.
— Eles são bem mais velhos. Tão protetores. Mas vocês duas são
como gêmeas. Morreriam uma pela outra. Matariam uma pela outra.
Dei uma risada. — Seus irmãos fariam as duas coisas num piscar
de olhos.
Ela revirou os olhos. — Você entendeu o que eu quis dizer. Vocês
compartilham a maioria das lembranças juntas.
— Exceto pela perda de audição dela — murmurei. — Odeio que
ela tenha tido que passar por isso sozinha.
Eu sempre a protegeria. Sentia a dor dela; ela sentia a minha. Eu
percebia suas tristezas; ela percebia as minhas. Fiz uma promessa de que a
protegeria, e faria tudo o que estivesse ao meu alcance para cumprir essa
promessa.
— Vocês duas são umas tagarelas, — reclamou Athena. — Falam
tanto sobre morrer. Que tal dormir antes disso?
Isla e eu rimos.
— Está na hora de acordar, — falei. — Vocês não querem passar
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um tempo na piscina? E quando o sol se pôr, vamos jantar na piazza e tomar
um sorvete.
Phoenix abriu os olhos azuis, sorrindo sonhadora e se
espreguiçando. — O que eu perdi?
— Nada demais, — sinalizei. — Dorminhocas. Planos de piscina.
Jantar na piazza e gelato.
Uma batida soou na porta do quarto. — Entre, — gritei.
A porta se abriu e Maria, a cozinheira do Papai, apareceu com a
cabeça à mostra.
— Tenho que ir, — disse ela. Sua bolsa escorregou do ombro antes
que conseguisse segurá-la. — Seu pai está fora, mas deve voltar logo. Sejam
boas, meninas, está bem?
Não consegui conter o sorriso.
— Sempre somos boas, Maria. — Ela olhou para mim e para
Phoenix, sorrindo com carinho.
— Como vocês cresceram, — murmurou, o tom melancólico. —
Parece que foi ontem que vieram à Itália pela primeira vez. Vocês duas são a
cara da...
Algo torceu dentro do meu peito, mas ignorei. Sabia que
parecíamos com a nossa mãe. Ouvimos isso a vida inteira. Às vezes papai
nem conseguia nos encarar, porque o lembrávamos demais do que ele perdeu.
— Non importa. — Quando franzi a testa, ela completou: — Deixa
pra lá. — E então fez o sinal da cruz. — Mamma mia, você é italiana, mas
não fala nem um pouco .
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Dei de ombros. — Sei o que é gelato.
Maria era a cozinheira da nossa família desde que eu me lembrava.
Quando mamãe morreu, ela se tornou mais do que isso. Foi quem nos
consolou, assistiu a filmes conosco e comeu sorvete com a gente. Quando
fomos mandadas para o internato, ela aparecia uma vez por semana trazendo
comida caseira. Para que não esquecêssemos o sabor de casa, ela dizia.
Ela nos acompanhou até a Califórnia, mas sempre disse que era
mais feliz aqui, de volta à Itália. Era onde suas irmãs viviam. Então, quando
fomos para a faculdade, ela voltou e continuou cozinhando para o papai.
Sempre me perguntei por que ela não morava na villa, mas ela dizia que nada
era melhor do que a independência de uma mulher.
— O café da manhã está pronto para vocês, — continuou. —
Sentem-se no terraço e tomem um pouco de sol. Teresa vai levar para vocês
assim que estiverem lá embaixo.
Saí da cama e fui até ela, abraçando-a. — Obrigada.
— Mande lembranças para a sua família, — sinalizou Phoenix, e
eu traduzi. Maria nunca aprendeu de verdade a linguagem de sinais.
— Mandarei, mie belle. Baci. — Ela mandou um beijo para todas
nós e me deu um selinho na bochecha. — Até amanhã, está bem?
Assenti, e ela saiu do quarto como uma fada madrinha em missão.
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CAPÍTULO 22
REINA
Uma hora depois, estávamos esparramadas na piscina, bebendo
sex on the beach e ouvindo Cowboy Casanova, da Carrie Underwood, na
caixa de som. O sol estava quente, cintilando sobre a água azul enquanto
minha cabeça emergia da superfície. Optei por não beber álcool, mas as
meninas tomavam seus drinques com sombrinha como se fossem sua
salvação.
A água fria escorria pelos meus ombros enquanto eu nadava até
minha irmã, que usava óculos escuros e estava deitada em uma boia grande
ao lado de Athena. As duas adoravam apenas ficar deitadas. Raven, Isla e eu
éramos bem mais agitadas. Fazíamos bomba, mergulhávamos, jogávamos
vôlei aquático, mas até isso enjoava depois de um tempo.
Isla e Raven nadaram do lado oposto da piscina e chegaram até a
boia. Trocamos um olhar e sorrimos.
— Um, dois, três, — dissemos sem som, tombando as duas para a
água. Um grito. Um berro. Depois só gargalhadas enquanto Phoenix e
Athena emergiam cuspindo água, tirando os óculos e afastando o cabelo do
rosto.
— Vocês são tão imaturas, — resmungou Athena.
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Phoenix tinha um senso de humor melhor e riu da situação,
nadando até a borda da piscina e se puxando para fora. Fui atrás, sorrindo.
— Está bem? — sinalizei.
Ela revirou os olhos. — Meus óculos estão arruinados.
Sorri. — Vou desenhar um par melhor para você.
Phoenix sorriu radiante. — Até lá, vou roubar os seus.
Justo.
Logo, todas nós estávamos fora da piscina, tomando sol. O calor
aquecia minha pele enquanto a água escorria pelo corpo. Músicas country
tocavam, trazendo um gostinho de casa. Dos Estados Unidos. Da Califórnia.
Da vovó.
Desamarrei a parte de trás do meu biquíni branco para não ficar
com marca e deixei minha mente vagar. É claro que ela foi parar em Amon.
Como sempre fazia ultimamente.
Deitada de costas, braços abertos e olhos fechados, me peguei
pensando em que tipo de mulher Amon gostava. Ele não tinha entrado em
contato depois daquela noite na boate. As provas finais me mantiveram
ocupada, mas não o bastante para não me perguntar o porquê. Sete dias sem
nos vermos e tudo o que fiz foi pensar nele.
— É claro, — murmurei para mim mesma. — ele nem tem meu
número.
E, como mágica, aquela pequena fagulha de esperança virou um
incêndio furioso no meu peito.
— Está falando sozinha? — ouvi Isla perguntar.
Eva Winners BITTER PRINCE
— Não.
Fiquei me perguntando se Amon e o irmão tinham voltado para a
Itália. Para aquele castelo à beira-mar. Poderia ter sido um lugar mágico, mas
a escuridão o engoliu. Assim como engoliu Amon. E Dante também. Culpo
o pai deles por isso.
O leão do mal. Ri do apelido que dei a Angelo Leone quando era
pequena. Por um tempo, assistia O Rei Leão todas as noites e me deleitava
com a derrota do malvado Scar, irmão de Mufasa.
Um barulho suave me fez abrir os olhos, e no momento em que vi,
pulei, segurando o top do biquíni contra o peito.
— Cobra! — gritei, tentando subir na mesa. Isso fez todas gritarem.
Esperei Phoenix se mover. Ela não se moveu. O horror me atravessou quando
a cobra começou a se aproximar dela. Ela não podia nos ouvir.
Saltei da mesa, ainda segurando o top, e corri até Phoenix,
puxando-a para a direita. Ela caiu, esfolando o joelho, e os óculos de grife
deslizaram do rosto mais uma vez, estilhaçando no chão.
Ela me olhou como se eu fosse louca até eu apontar para a cobra
que vinha em nossa direção. Seus olhos se arregalaram e nós duas subimos
de volta para a mesa. As meninas se encolheram. Se a mesa não fosse de
madeira maciça, teria desabado.
— Que porra está acontecendo aqui?
O silêncio se abateu sobre o quintal e todas viramos a cabeça na
direção da voz do meu papai.
Minha boca se abriu. Amon e Dante estavam ao lado de papai.
Eva Winners BITTER PRINCE
Altos, sombrios e sérios. Um suor frio percorreu minha pele. O que faziam
aqui? Iriam contar a papai que alguém colocou droga na minha bebida na
boate dele?
Meu corpo inteiro formigava enquanto eu permanecia ali, o
coração batendo desenfreado. Eu senti - mais do que vi - o olhar de Amon
sobre mim, os olhos escondidos atrás de óculos escuros tipo aviador.
— Por que estão gritando desse jeito? — Papai perguntou de novo.
Meu olhar passou por Dante, apenas para pousar novamente em
Amon. Era difícil não olhar para ele. Tudo nele me fascinava. E ele era tão
bonito que tirava meu fôlego todas as vezes. Além disso, com um metro e
noventa, era impossível não notá-lo. Embora o irmão fosse tão alto quanto,
não era tão bonito quanto o meu... Balancei a cabeça, repreendendo a mim
mesma. Não é meu Amon.
— C-cobra, papai — murmurei, os olhos fixos no rosto de Amon,
seus olhos escondidos. Queria que ele tirasse os óculos para que eu pudesse
ver seus olhos escuros.
Senti os olhares dos irmãos sobre mim e percebi que estava
praticamente nua ali. Cruzei os braços sobre o peito, sentindo as bochechas
queimarem. Queria que nosso reencontro tivesse sido mais gracioso, mas era
isso.
— Não deveria haver cobras em Veneza, — Amon disse friamente.
— Pois tem uma bem ali, — retrucou Raven. — Quer me dizer o
que é aquilo, então? Um brinquedo, porra?
Meu pai estreitou os olhos para ela, claramente contrariado. Ele
Eva Winners BITTER PRINCE
odiava ouvir palavrões saindo da boca de uma mulher. Se soubesse o
vocabulário que Phoenix e eu usávamos, teria um ataque.
— Obviamente não, — disse Dante, tão tranquilo quanto o irmão.
— Já que a cobra está vindo na sua direção, — acrescentou.
Gritinhos apavorados escaparam de nós e nossos olhos se voltaram
para a cobra. E, sim, a desgraçada estava mesmo se movendo.
— Deve ser aquele vizinho pazzo12, — resmungou papai. — Ele
tem uma cobra de estimação.
Um arrepio percorreu minha espinha. Coisas rastejantes me davam
calafrios, e era inconcebível que alguém quisesse uma cobra como animal de
estimação. Vai que um dia ela o devora.
— Eu cuido disso, — disse Amon.
Um coro de suspiros irrompeu ao meu redor. — Ele vai pegar com
as mãos? — murmurou Athena. Não sabia como mais ele pegaria - além de
atirar nela -, então não respondi, apenas observei Amon se aproximar da
cobra com passos firmes.
Prendi a respiração, incapaz de desviar o olhar. Não queria que ele
fosse picado. A cobra podia ser venenosa, e seria um desperdício perder um
homem tão maravilhoso.
Meus olhos percorreram seu corpo magro e forte. Ele vestia calça
social preta e uma camisa branca de mangas curtas, enquanto eu estava aqui
de biquíni branco, o top mal cobrindo meu peito, e ainda assim parecia que
ele estava mais exposto do que eu, com os antebraços e bíceps bronzeados à
12
Louco.
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mostra. Sempre que olhava para ele, o universo inteiro sumia, restando
apenas nós dois.
Queria tanto tocá-lo que meus dedos tremiam, agarrando o tecido
do biquíni até meus nós dos dedos ficarem brancos. Queria sentir aquele
corpo musculoso sobre o meu como um cobertor e me perder nele. Por quê?
Eu não sabia, mas havia algo nele ao qual eu simplesmente não conseguia
resistir.
Amon parou a um passo da cobra, e meu coração disparou no peito.
— Cuidado, — sussurrei. — Pode ser venenosa.
Ele soltou um suspiro divertido. — Não é.
Franzi o cenho. Como ele podia ter tanta certeza?
— Como você sabe? — perguntou Isla. — Parece venenosa para
mim.
Amon apenas deu de ombros. — Só sei.
Bom, isso não explicava nada, mas tanto faz. Eu não me importava,
desde que ele tirasse aquilo daqui.
Por um momento, ele ficou parado. Então, em um movimento
rápido, abaixou-se e agarrou a cabeça da cobra, seu corpo escorregadio se
enrolando no antebraço dele.
— Aff, que nojo, — murmurou Isla.
Eu também não era fã daquilo, nem de longe, mas era fascinante
vê-lo lidar com a cobra com tanta facilidade.
— Leve-me até o seu vizinho pazzo, Romero, — anunciou Amon.
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— Ou prefere ficar com a cobra?
Se meu pai ficasse com aquela criatura assustadora, eu jamais
voltaria a esta casa. Recusava-me a dormir sob o mesmo teto que algo tão
repulsivo. Cobras pertenciam à selva, à mata... definitivamente não aqui.
Observei enquanto Amon e papai se dirigiam até o vizinho. Amon
disse algo que fez o homem empalidecer, agarrar sua cobra preciosa e fechar
a porta imediatamente.
— Eu não sabia que vocês duas trariam companhia, — disse papai
ao voltar, com Amon imponente ao seu lado.
Mordi o lábio, ainda segurando a parte de cima do biquíni contra
o peito. — Ah, desculpa. Deveria ter perguntado antes.
— Esta é a sua casa. — Não era. Minha irmã e eu não sentíamos
nenhuma conexão com aquela casa. — Como se chamam suas amigas?
Dante e Amon estavam de pé, esperando pacientemente, embora
algo na postura deles deixasse claro que estavam incomodados.
— Raven — indiquei minha amiga de cabelos escuros com o
queixo. — Athena. E Isla.
Papai resmungou algo em italiano e os três entraram de volta.
Adeus, famosa hospitalidade italiana.
— Você deveria estar usando um maiô, Reina, — ele resmungou,
sem sequer olhar para trás. — Meus ombros caíram e abaixei a cabeça,
tentando esconder a vergonha. — Modéstia ainda vale muito hoje em dia.
Cerrei os dentes, engolindo as palavras que quase escaparam. Se a
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Nonna13 estivesse aqui, papai jamais teria coragem de dizer algo assim. Ela
não permitiria. Eu nunca entendi bem a relação dos dois. Ele claramente não
gostava dela, disso eu tinha certeza, mas também nunca ia contra ela. Quase
como se ela tivesse algo contra ele.
Alguém deve ter traduzido o que papai disse, porque Phoenix
passou o braço pelos meus ombros. Eu o amava, mas palavras como aquelas
me faziam sentir um lixo. Uma vez, ouvi ele dizer à Nonna que eu deveria
ser preparada para ser uma esposa decente, e não uma garota selvagem.
Assim que os homens desapareceram para dentro da casa, foi
Raven quem falou primeiro:
— Foda-se a modéstia, — ela sussurrou num tom baixo. — Não
escuta ele.
Dei de ombros, dei um passo para trás e prendi direito o top do
biquíni. — Vamos sair, — disse, em vez disso.
Era melhor do que ficar sob o mesmo teto de alguém que me
desaprovava tão completamente.
13
Vovó em italiano.
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CAPÍTULO 23
AMON
Tive uma nítida sensação de déjà vu.
Um relógio fazia tique-taque, o gelo tilintava, fumaça de charuto
pairava no ar. Enquanto isso, Romero estava sentado atrás da mesa,
parecendo um trapo, com o cenho franzido em uma carranca profunda.
Embora eu não soubesse dizer se aquilo era por causa da filha mais nova ou
do assunto que estávamos prestes a discutir.
Dante e eu ocupávamos as cadeiras em frente à sua mesa. Eu me
recostei, com um cotovelo apoiado no braço da cadeira, enquanto meu irmão
cruzava uma perna sobre o joelho. Eu tinha quase certeza de que Romero nos
odiava profundamente, mas não me importava nem um pouco com isso.
Continuaria sentado como se tivesse lugares melhores para estar.
Romero puxava o charuto como se sua vida dependesse daquilo,
enquanto Dante e eu permanecíamos em silêncio. Estávamos acostumados
com silêncios tensos e desconfortáveis - crescemos sob o punho de ferro de
nosso pai, afinal.
— Você disse que garantiria meus carregamentos. — Suas
palavras, carregadas de raiva e desespero, cortaram o ar.
Meu olhar encontrou o de Romero através da névoa de fumaça, e
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tudo o que vi foi desprezo. Como alguém como ele podia ser pai de duas
filhas decentes era algo incompreensível. A moral intacta delas só podia ser
mérito da criação com a avó.
— Dissemos que garantiríamos o carregamento até o porto, —
ressaltei. — Você perdeu sua carga a caminho do seu armazém. Garantir as
rotas da droga é problema seu.
Enquanto ele continuava a despejar palavras contra nós, examinei
seu escritório. Curiosamente, não havia nenhuma foto das filhas. Só da
esposa. Algumas pinturas renascentistas - originais, ao que parecia. Era bem
provável que ele não escondesse um cofre atrás de obras de arte inestimáveis,
então essa hipótese estava descartada. Com a quantidade de segredos que ele
devia guardar, precisaria de um lugar mais acessível.
— Foi uma armação. — Ele passou a mão pelos cabelos. E não
estava longe da verdade. Não era coincidência Reina quase ter sido atacada
em Paris e agora seu carregamento desaparecer. Não que eu fosse contar a
ele sobre meu primo idiota ter mandado homens atrás dela. Eu mesmo
cuidaria disso, e não precisava dos homens de Romero no meu caminho. —
Só pode ter sido armação.
Soltei um riso sarcástico e balancei a cabeça. Um sorriso duro
surgiu em meus lábios. — Não é problema nosso. Pague a parte que nos deve,
além da lista dos traficantes de pessoas, e iremos embora.
— Cuidado, — rosnou Romero, lançando um olhar que dizia
claramente que adoraria nos eliminar. Mas ele não era páreo para mim e
Dante. Éramos mais fortes do que ele. Mais ricos. E agora ele nos devia.
Muito.
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Minha reputação já se espalhava por todos os cantos, e os detalhes
dela metiam medo nos homens. A de Dante - por perder o controle com
facilidade - fazia com que todos evitassem provocá-lo. Não éramos como
nosso pai. Éramos muito piores.
Em resumo, Romero não podia se dar ao luxo de me contrariar.
— Preciso de tempo — disse ele entre os dentes, o maxilar tenso
de tanta raiva contida.
— Você já teve tempo.
— Preciso de tempo para arranjar um casamento para minha filha.
— As palavras cortaram o ar e desencadearam minha fúria. Volátil e
vermelha, ela apertou minha garganta.
Ele disse filha, não filhas.
— Qual filha? — perguntei entre os dentes, mas no fundo, eu já
sabia.
— Reina.
Por cima do meu cadáver. As palavras queimavam na minha língua,
mas ficaram trancadas entre os dentes cerrados. Um zumbido preencheu
meus ouvidos e a raiva ferveu nas minhas veias como um incêndio
incontrolável.
Em vez disso, sorri com crueldade enquanto sufocava aquela fúria.
Encarei-o com indiferença, ao mesmo tempo que pensava na melhor forma
de assassinar o pai de Reina e enterrar seus ossos em uma cova sem nome.
Ele não merecia nada melhor.
— Por que não Phoenix? — perguntou Dante, com um tom frio,
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mas havia algo em seu olhar. Algo descontrolado e pronto para ser libertado.
— Ela é surda. Seria difícil conseguir um bom casamento. — Os
olhos de Romero se voltaram para mim, e eu não precisei imaginar o que ele
estava pensando. O filho ilegítimo serviria.
Vai se foder.
Eu nunca me contentaria com nada - nem com ninguém. Reina
Romero seria minha. Gostaria que ela já fosse minha, por razões que eu não
queria explorar. Aquela garota tinha se infiltrado sob minha pele e isso
parecia certo. Ela deveria ter domínio sobre meu coração, porque ele batia
forte por ela.
— E você se diz pai? — cuspiu Dante. — Deveria protegê-las, não
vendê-las como mercadoria.
Romero soltou um suspiro exagerado. — Isso vindo de alguém da
família Leone é hilário.
Ele só podia estar se referindo às ligações do nosso pai com o
tráfico humano nos tempos antigos. Talvez eu devesse acabar com os dois
homens, porque nenhum deles valia um centavo, na minha opinião.
Meus olhos encontraram os dele novamente. Ao contrário das
filhas, Romero tinha olhos pequenos e escuros, entradas profundas no cabelo
e traços nada atraentes. Suas filhas definitivamente puxaram à mãe. Reina
não tinha um único traço dele, mas a cor do cabelo de Phoenix era idêntica à
dele.
— Tanto faz, — Dante acabou respondendo. — Não dou a mínima
para o que vai fazer. Você usou o porto dos Leone, agora tem uma semana
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para conseguir o dinheiro.
Os olhos de Dante cortaram em minha direção e eu lhe dei um leve
aceno com a cabeça.
— Vou esperar lá fora, — ele disse, levantando-se e abotoando o
paletó. Ele daria uma olhada, veria se encontrava um cofre. Precisaria tomar
cuidado com as garotas, mas não precisava que eu lhe dissesse isso.
Esperei até a porta se fechar atrás dele antes de falar:
— Posso ajudá-lo a conseguir o dinheiro que deve, e mais, em
menos de uma semana, — provoquei.
Nos últimos anos, estive lançando as bases para o meu plano de
vingança. Agora era hora de ativar a armadilha.
— Como? — O tom dele era desconfiado. E com razão. Quando
você fode alguém, deve sempre esperar que o karma volte para morder sua
bunda. Um dos meus provérbios japoneses favoritos era 悪因悪果, akuin’
akka, que significa literalmente ‘causa maligna, efeito maligno’. Minha mãe
repetia isso a vida toda, tentando convencer a si mesma - ou a mim - de que,
mais cedo ou mais tarde, Romero colheria o que plantou.
Pois bem, eu havia me cansado de esperar. Estava acelerando o
processo, e usaria Reina para acabar com o pai dela.
Passamos anos conquistando a confiança relutante de Romero.
Agora, iríamos reduzi-la a cinzas e fazê-lo pagar por ter usado minha mãe
por causa de suas conexões.
Minha mãe precisava daquele documento que Ojīsan e Romero
assinaram. Ela dizia que ele restauraria sua honra, e eu devia isso a ela.
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Usaria Reina para descobrir onde ficava o cofre do pai, para conseguir
colocar minhas mãos naquele documento.
De um jeito ou de outro, eu conseguiria aquele maldito documento
para minha mãe.
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CAPÍTULO 24
REINA
Estávamos caminhando pelas ruelas estreitas a caminho das
gôndolas quando enfiei a mão na bolsa para pegar o celular. Baixei os olhos,
comecei a procurar e percebi que minha carteira também não estava lá.
— Merda, — murmurei. — Esqueci minha carteira.
Estava tão distraída enquanto me vestia que acabei esquecendo os
dois. O choque de ver Amon com papai ainda me corroía por dentro. Não
conseguia afastar a sensação de que algo estava para acontecer.
— Está tudo bem, — disse Athena, enlaçando o braço no meu.
Tínhamos acabado de chegar à gôndola que nos levaria para o outro lado do
canal até a Piazza San Marco. — Eu pago para você.
Balancei a cabeça. — Também esqueci o celular. Vou voltar
rapidinho para pegar. — Meus olhos voaram para o gondoleiro. — Pode
esperar, por favor? Não vou demorar.
— Eu tenho dinheiro, — Phoenix sinalizou. — Só vem logo. Você
não quer esbarrar em papai de novo.
Balancei a cabeça. — Deixei o celular. Não se preocupem, —
garanti. — Vou entrar e sair sem ser vista.
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Com um aceno breve, me virei e corri de volta para a casa,
desacelerando os passos logo antes de entrar na villa. Era uma casa em estilo
Liberty com influência greco-romana, ou pelo menos era assim que as
revistas de estilo de vida gostavam de descrevê-la. Já tinha aparecido em
várias ao longo dos anos, provavelmente por causa do nome da mamãe. As
pessoas adoravam um gostinho de Hollywood.
A frente da casa dava para um pequeno jardim, e o coração de
Veneza ficava a poucos passos, do outro lado do canal. Ao me aproximar da
entrada, passei a mão pelas ametistas incrustadas nas paredes. Papai tinha
feito reformas extensas antes de trazer mamãe para cá, anos atrás, na
esperança de que ela amasse este lugar tanto quanto ele. As coisas não saíram
exatamente como ele imaginava, e logo aprendeu que mármore cintilante e
arquitetura moderna nunca seriam o suficiente. Meu peito apertou como
sempre que pensava neste lugar. Empurrei a pesada porta de mogno, entrei e
escutei, prendendo a respiração. Não ouvi nenhum movimento. Os irmãos
Leone ainda deviam estar no escritório de papai.
Subi as escadas correndo e entrei no meu quarto, pegando a
carteira e o celular que estavam no criado-mudo. Enfiei os dois na bolsa
tiracolo e voltei correndo para o andar de baixo. Assim que virei o corredor
perto do escritório, trombei com algo quente e sólido.
— Ai, — murmurei, enquanto um aroma familiar me envolvia,
másculo e intenso, fazendo o ar escapar dos meus pulmões. Amon Leone.
Minhas bochechas arderam quando dei um passo para trás, o
coração disparado no peito enquanto nossos olhos se encontravam por um
breve instante que pareceu durar muitos.
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O olhar dele percorreu meu corpo de cima a baixo com uma
fagulha de desaprovação.
Meu estômago deu um nó, como num brinquedo de parque girando
sem parar, e antes que eu pudesse pensar duas vezes, as palavras escaparam
da minha boca.
— O que foi? Não gostou da roupa? — Levantei o queixo com
desafio, provocando uma resposta. Usava um vestido rosa de alcinhas finas
que terminava logo acima dos joelhos. Prendi o cabelo num rabo de cavalo
alto, deixando os cachos longe do rosto e do pescoço. Quando ele não
respondeu, bati as sapatilhas rosa de bolinhas contra o mármore centenário.
— Não é apropriado ou modesto o bastante?
Ele parecia maior que a vida naquele corredor, ocupando todo o
espaço entre nós. Não era do meu feitio ser agressiva com as pessoas, mas
havia algo no jeito como ele me encarava, somado às palavras de mais cedo,
que mexia comigo.
Ele deu um pequeno passo à frente, uma das mãos casualmente
enfiada no bolso. Mantive minha posição, recusando-me a me intimidar. Um
leve lampejo de diversão brilhou nos olhos dele.
— É mais apropriado do que a roupa que você usava da última vez
que te vi, — disse ele, num tom arrastado, a voz quente e rouca.
— Na piscina? — sussurrei.
— No meu clube.
Pisquei. A calça de couro e o top de alcinhas que usei no clube dele
cobriam mais do que este vestido, mas não me dei ao trabalho de corrigi-lo.
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Em vez disso, disse: — Estou surpresa que tenha reparado,
considerando que estava ocupado com aquela mulher pendurada em você
feito uma sanguessuga.
Instantaneamente, desejei poder puxar as palavras de volta. Elas
me faziam soar ciumenta, como se eu passasse tempo demais pensando nele
com outras mulheres. Mas não é exatamente isso que você faz?, sussurrou
uma voz dentro de mim.
— Parece que alguém anda pensando em mim, — ele provocou, e
a voz que eu tinha acabado de calar ronronou satisfeita.
— Não deixe isso subir à cabeça, — murmurei.
Ele ergueu a mão e passou o polegar pelo maxilar, quase como se
estivesse tentando esconder um sorriso. Mas devia ter lido errado, porque
seus olhos continuavam tão frios quanto sempre.
Deu um passo à frente. Eu recuei um. O olhar dele desceu pelo
meu corpo mais uma vez, tirando o ar dos meus pulmões. Ninguém nunca
teve esse efeito sobre mim. Eu queria que ele me achasse bonita. Queria que
gostasse de mim. Mas não conseguia dizer se ele gostava ou não, com aquela
expressão neutra enquanto seus olhos subiam dos meus sapatos até o rosto.
— Aonde vai?
Mais um passo à frente e meu peito roçou no torso dele. Ele era
tão mais alto que eu. A diferença de tamanho deveria me intimidar. E
intimidava, mas não de um jeito ruim. Eu gostava das nossas diferenças. Ele
era firme, eu era suave. Ele tinha a pele dourada e eu era pálida. Cabelos e
olhos escuros, os meus mais claros. Éramos como o mar noturno e o céu da
manhã, se encontrando no fim do mundo.
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— Sair.
Ele abaixou a mão ao lado do corpo. — Com rapazes?
— Não que isso seja da sua conta, mas não. — E, como eu estava
irritada, acrescentei: — Mas talvez a gente encontre alguns cavalheiros
interessantes pela cidade.
Ele me observou de um jeito atento, como se procurasse sinais de
verdade. O peso do olhar dele queimava sobre mim. Então ele balançou a
cabeça devagar.
— É melhor que não. A menos que queira causar a morte
prematura deles.
Senti-me viva sob a atenção dele e sob suas ameaças. Elas
deveriam me chocar, mas meu coração gritava que talvez ele estivesse com
ciúmes também.
A Reina sensata teria dado o fora dali, mas toda a minha razão
desaparecia no instante em que Amon voltava para minha vida.
— Está me pedindo para não olhar para outros homens? — Dessa
vez, fui eu quem deu um passo à frente, colando nossos corpos. O calor dele
se infiltrou em mim, e precisei conter o suspiro sonhador.
Esperei, prendendo a respiração, enquanto a esperança florescia no
meu peito. E então murchou quando ele permaneceu em silêncio. A
esperança virou decepção.
Dei um passo para contorná-lo. Antes que pudesse seguir adiante,
ele agarrou meu pulso. — Vai me ouvir?
O toque dele parecia um anel de fogo. Pesado. Firme. Inamovível,
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como se me reclamasse para si. Era o toque mais inocente, ainda assim,
despejava algo escaldante na minha corrente sanguínea.
— Sim, — soprei, me afogando nos olhos dele, tentando espiar sua
alma, mas ele manteve as portas bem fechadas, me deixando faminta por
mais. — Mas só se você fizer o mesmo, — acrescentei, com coragem.
A surpresa brilhou no olhar dele, e o aperto em meu pulso se
intensificou. Minha pele queimava. O coração martelava. Papai podia sair do
escritório a qualquer momento, mas isso não parecia tão importante quanto
obter essa resposta dele.
— Você é muito jovem, — ele disse, quase como se falasse consigo
mesmo.
Meu pulso se agitou quando o polegar dele roçou meus nós dos
dedos, mas aquilo me encheu de coragem.
— Vou fazer dezoito logo.
— Mais algumas semanas. De qualquer forma, ainda é menor de
idade.
— Então espere por mim. — Meu coração quase parou. Ele sabia
meu aniversário. — E eu esperarei por você. Esperarei o tempo que precisar,
— consegui dizer.
Não conseguia acreditar que aquelas palavras haviam saído da
minha boca. Era ainda mais assustador porque eu as dizia de verdade. O olhar
dele voltou ao meu rosto e ficamos nos encarando por um longo momento,
sabendo que o que viria a seguir nos faria ou nos destruiria.
— Você vai me esperar, — ele afirmou, com a voz rouca e sombria.
Eva Winners BITTER PRINCE
— E eu vou esperar por você.
Meu coração deu um salto com a promessa. Minha alma dançou e
meu pulso acelerou.
Então, sem aviso, ele inclinou a cabeça e pressionou os lábios
contra os meus. Borboletas tomaram voo no meu estômago. A boca dele era
tão quente e macia contra a minha, seu cheiro entorpecia a mente. Um
gemido escapou da minha garganta e meus lábios se entreabriram. Sua língua
deslizou para dentro, roçando na minha. Seus lábios fecharam em torno do
meu inferior, puxando-o suavemente enquanto um calor intenso se espalhava
do fundo do meu ventre por todo o corpo, como fogo.
Ele gemeu. Eu suspirei. Nossas bocas se moldaram uma à outra.
Eu era desajeitada e não conseguia acompanhar seus beijos, mas amei cada
segundo. Ele tomava e dava, enquanto eu derretia em seus braços.
Acabou rápido demais.
— Por que me beijou? — perguntei quando ele se afastou,
atordoada, radiante por ele ter feito aquilo. Meu coração cantava, meu sangue
fervia, e ele era o único motivo.
— Porque eu quis. — Seu aperto em mim se intensificou. — Estou
cansado de resistir a você.
Minha língua passou pelo lábio inferior. — Achei que não gostasse
de mim, — confessei.
Ele pegou um cacho do meu rabo de cavalo e o enrolou no dedo.
— Quem em sã consciência não gostaria de você, minha garota canela? —
Soltou meu cabelo, deixando-o pular de volta. — Estou cansado de
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expectativas. Você me faz sentir leve.
Outro beijo, e achei que meu coração fosse explodir no peito.
Um peso se instalou entre minhas pernas, desejando mais dele.
Retribuí o beijo, tentando me roçar nele, mas antes que eu conseguisse me
aproximar ainda mais, ele deu um passo para trás. Meus olhos se abriram
devagar. Eu arfava, encontrando olhos mais escuros que um céu sem estrelas,
mas o olhar dele queimava como o fogo aceso no fundo do meu ventre.
Ele me deseja também, pensei, eufórica.
— É melhor não deixar outro homem tocar em você, Reina, —
disse ele, com a voz rouca escorrendo por mim como chocolate derretido e
escuro.
Seu aperto escorregou do meu pulso, os dedos ásperos deslizando
pela palma da minha mão, depois pelos dedos, até que não estávamos mais
nos tocando.
E eu já sentia falta dele.
***
A brisa do mar batia contra meu rosto e eu continuava empurrando
os cachos para longe dos olhos depois de soltar o rabo de cavalo.
As meninas e eu estávamos sentadas em um bar, almoçando tarde,
enquanto Veneza pulsava com vida ao nosso redor.
Isla encarava o celular. Raven tirava selfies. Athena e Phoenix
conversavam animadamente, ambas rindo. Eu estava na Cidade Flutuante,
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observando uma multidão de pessoas felizes, uma música italiana suave
flutuando no ar. Risadas vinham de um grupo que seguia um guia turístico
segurando uma vareta com um lenço de seda colorido esvoaçando ao vento,
com a plaquinha ‘Grupo A’.
Meu vestido leve esvoaçava com o vento, enquanto o sol queimava
forte e pesado. Uma gota de suor desceu pelas minhas costas quando abaixei
os olhos para o prato e os mantive ali.
Mordi o lábio, tamborilando os dedos na mesa. Um nervosismo
borbulhava no meu estômago enquanto o beijo que dei em Amon se repetia
na minha mente. Nosso primeiro beijo. Não conseguia conter o sussurro de
antecipação que apertava meu peito. Uma parte muito estúpida e romântica
de mim tinha corações nos olhos e sonhos brotando na mente.
Mas então me ocorreu algo.
E se Amon não cumprisse a palavra? Ele não parecia ser um
galinha, mas eu já tinha visto muita decepção na vida das minhas amigas.
Elas nunca viam isso chegando. Balancei a cabeça, afastando as dúvidas,
sabendo que Amon era o único homem com o mínimo de poder para partir
meu coração, e mesmo assim eu estava disposta a correr o risco.
Em um segundo, eu estava sonhando acordada com Amon, no
outro, um puxão no ombro quase me fez cair.
— Ai, — murmurei, percebendo tarde demais que haviam roubado
minha bolsa. Me levantei num pulo, mas antes mesmo de dar cinco passos,
encontrei a bolsa largada no chão. Uma multidão de turistas olhava para algo
- ou alguém - enquanto eu me abaixava para juntar minhas coisas.
Olhei dentro e encontrei minha carteira e celular intactos, soltando
Eva Winners BITTER PRINCE
um suspiro de alívio.
— Olá, garota canela. — Meu coração parou ao ouvir aquela voz.
Devagar, levantei a cabeça e encontrei Amon parado diante de
mim. Ele era tão bonito que precisei conter um suspiro. Cabelos escuros e
grossos, maçãs do rosto marcadas, olhos escuros que mal conseguiam conter
seus segredos. Ombros largos. Traços limpos e esculpidos. Todos os seus
quase um metro e noventa vestindo jeans e uma camisa branca que destacava
os músculos. Ele preenchia as roupas - e o jeans - melhor do que qualquer
homem.
Ficamos apenas nos encarando, e conforme minha respiração
começava a se acalmar sob aquele silêncio penetrante, forcei uma palavra
pelos lábios. — Amon.
Notei o irmão dele ao lado. Seu olhar passou por mim,
desinteressado e possivelmente irritado. Dante era lindo, mas de um jeito
completamente diferente. Os irmãos Leone eram intensos, mas enquanto
Amon era de tirar o fôlego, Dante era sombrio e frio.
— O quê? Sem um ‘olá’ para mim? A garota canela está de mau
humor?
Ele me chamava de garota canela desde todos aqueles anos atrás.
Eu nem gostava tanto assim de canela, então por que ele continuava me
chamando assim?
— Olá, Amon, — cumprimentei, lançando-lhe um sorriso. — Feliz
agora?
Balancei a cabeça e voltei para nossa mesa. Amon e Dante vieram
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logo atrás de mim, sua presença quente nas minhas costas, enquanto outras
garotas os observavam.
Fiquem tranquilas, garotas, eu cuido do ladrão sozinha.
Sentei no meu lugar.
— Caralho, é o seu namorado gato, — Raven sussurrou gritando,
me cutucando. Um calor subiu pelo meu pescoço.
— Ele não é meu namorado, — sibilei. — Para de chamar isso.
Meus olhos voltaram a encontrá-lo. Era difícil não encará-lo. Sob
o brilho quente do sol de Veneza, nos olhamos. Sua presença era como uma
sombra, um alívio morno contra o calor que castigava o concreto. Ela me
puxava com tanta facilidade que precisei me esforçar para não me inclinar
em sua direção.
A lembrança do comportamento de papai diante dele e de Dante
mais cedo pairava no ar como um banho de água fria. Nosso beijo deveria
ter sido suficiente para aliviar minhas inseguranças, mas mesmo assim me
afastei um pouco, criando uma distância entre nós. Amon, no entanto, não
aceitou aquilo e estendeu a mão, segurando a minha.
— Vem comigo. — Levantei, ansiosa para obedecê-lo, e meus pés
já estavam em movimento.
A palma áspera dele segurava a minha como se lhe pertencesse.
Como se eu lhe pertencesse. O toque queimava, espalhando uma sensação
quente por todo o meu corpo, e não pude evitar imaginar como seria ter o
corpo dele pressionado contra o meu.
Demorei um momento para encontrar sanidade e voz para falar.
Eva Winners BITTER PRINCE
— Para onde estamos indo? — perguntei, sem fôlego, bem na hora
em que Phoenix correu até mim.
— O que você está fazendo? — ela exigiu. — Você não pode
simplesmente ir embora com esse cara.
Tirei minha mão da palma áspera de Amon e já sentia falta do
toque dele.
— Eu vou ficar bem, — disse, sinalizando para minha irmã. —
Não é, Amon?
Nós duas nos viramos para encarar o garoto que virou homem que
me fascinava desde o momento em que o conheci. Ele fez um aceno breve
antes de desviar o olhar para o horizonte.
— Ótimo, super tranquilizante, — Phoenix sinalizou, seus
movimentos duros, indicando agitação. Sua expressão era sarcástica diante
da falta de resposta de Amon, e ela não teve receio algum de lançar um olhar
mortal para ele.
— Você sabe com quem estou indo, então se ele me matar, é óbvio
quem foi, — tentei brincar. Ela não riu, e Amon não se deu ao trabalho de
lhe oferecer nenhuma garantia. — Eu já volto. Fica com as meninas, —
instrui minha irmã.
Relutante, ela voltou para onde Raven, Isla e Athena estavam
sentadas, olhando por cima do ombro a cada passo. Dante também ficou para
trás, dizendo algo a Phoenix, que lhe mostrou o dedo do meio no idioma
universal.
Alcancei a mão de Amon e entrelacei meus dedos com os dele,
Eva Winners BITTER PRINCE
seguindo-o pelas ruas estreitas e movimentadas da cidade sem carros. Ele
virou bruscamente para a esquerda em um beco vazio, enquanto um canal
batia suavemente contra a pedra.
Amon parou em um pequeno alpendre de pedra e olhei ao redor,
maravilhada. O burburinho da cidade era tão tênue ali que parecia que
estávamos em outro lugar. Ao olhar para a direita, bem ao fundo do canal,
havia uma ponte cheia de pessoas tirando fotos da cidade antiga, alheias à
presença dos dois ali.
— Como você sabia que isso existia? — perguntei quando ele
soltou minha mão e se encostou na parede de pedra da casa de alguém.
— Conheço essa cidade como a palma da minha mão, — foi tudo
o que disse, os ombros tensos.
— Achei que a família Leone se mantivesse em seu próprio
território. — Eu não sabia por que tinha dito aquilo. Só podia culpar o súbito
ataque de ansiedade que me atravessou.
— Você sabe quem controla quais territórios? — Havia um certo
tom cortante na voz de Amon, seu olhar pesado com todos os segredos que
eu queria desvendar.
— Sei.
— Seu pai te contou? — Soltei um escárnio, minha resposta clara
no rosto. — Então como?
— Tenho meus meios, — murmurei. Vi uma expressão amarga
atravessar seu rosto lindo e me perguntei no que ele estaria pensando.
Suspirei, de repente me sentindo cansada. — Uma vez, consegui acessar o
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celular dele, — confessei. — Apareceu um e-mail na tela e eu não pensei...
só li.
Ele ergueu uma sobrancelha. — Um e-mail?
Dei de ombros. — Sim. Falava sobre territórios na Itália. Algo
sobre cinco famílias italianas e papai tentando expandir o dele.
A expressão dele escureceu. Ficou sombria. A tensão era tão
palpável que eu podia senti-la na língua. Fiquei imaginando se minha
bisbilhotagem nas coisas do meu pai tinha causado aquilo, ou se foi o que eu
disse.
Meus olhos se voltaram para o beco vazio por onde viemos.
Parecia um pedaço abandonado de terra no meio de uma cidade lotada.
O silêncio se alongou até que finalmente tive o suficiente. Dei um
passo para sair, mas ele agarrou meu pulso.
— Fica comigo. — Não foi um pedido, mas também não soou
como uma ordem. E como uma flor que precisa do sol, eu fiquei.
Com meu pulso ainda preso à mão dele, nos observamos em
silêncio enquanto algo quente se desenrolava dentro de mim.
— A propósito, obrigada, — murmurei.
Ele virou o rosto na minha direção, e o olhar nos olhos dele era
pensativo, mas também carregado de algo tão profundo que meu coração
tropeçou dentro do peito.
— Pelo quê?
— A boate. — Soltei um suspiro raso. Perto dele, eu me sentia
como uma colegial bem mais nova, apaixonada por um garoto. Ou talvez
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fosse o destino, algo inevitável fermentando desde nosso primeiro encontro,
doze anos atrás. — Nunca te agradeci.
Ele me observava com uma expressão sombria e meu pulso
disparava, completamente descontrolado.
Ele passou o polegar por cima de uma veia no meu pulso, e me
perguntei se ele conseguia sentir o quanto ela pulsava. Eu não conseguia
parar de fitá-lo. Como as roupas moldavam seus braços grossos e peito largo.
A cintura estreita. Cada centímetro dele parecia sólido e imponente. Nunca
foi algo que me atraía antes, e suspeitava que só fosse assim com ele. Um
impulso curioso me fazia querer passar a mão por todo o corpo dele e
descobrir se era tão esculpido quanto parecia, apesar da minha inexperiência.
Essa atração que me puxava em sua direção ameaçava transbordar como uma
panela fervendo em fogo alto.
— Vai ficar aqui o verão inteiro? — ele perguntou, enquanto uma
brisa morna soprava pelo canal estreito.
Puxei meu pulso - ainda que relutante - de sua mão. — Não, só
alguns dias, depois volto para Paris. Vou fazer um curso de verão.
— Curso de verão do colégio?
— Não, curso da faculdade. — Quando ele ergueu a sobrancelha,
expliquei: — Pulei duas séries para poder ir para a faculdade com a minha
irmã. — Então, porque não consegui resistir, acrescentei: — Ainda não fiz
dezoito, mas te garanto que não sou uma garotinha boba.
Eu queria desesperadamente que ele me visse como alguém mais
velha e responsável. Não sei se atingi esse objetivo, porque apenas um traço
de diversão sombria passou por seu olhar.
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— Ainda não decidi se você é uma rebelde ou uma boa moça.
Olhei para o céu azul que parecia mais escuro onde estávamos,
cercados pela umidade ao longo da água.
— Talvez eu seja os dois, — murmurei, encarando-o novamente.
Corei, cada centímetro da minha pele pegando fogo. Nunca tinha admitido
em voz alta que a escuridão me atraía tanto quanto a luz. Talvez todos nós
fôssemos um pouco dos dois.
— Vem cá. — Algo suave e hipnótico teceu-se na voz grave dele,
puxando-me para sua teia. Ou talvez eu já estivesse presa nela desde o início
e só não tivesse reconhecido.
E como uma mariposa em direção à chama - sabendo muito bem
que minhas asas queimariam - dei um passo. As mãos dele pousaram na
minha cintura, apertando com força ao me puxar para mais perto até que
minha bochecha roçasse em seu peito.
Mordi o lábio inferior, os nervos dançando e fazendo estragos no
fundo do meu estômago. Os olhos dele caíram para minha boca e um calor
escorreu pelo meu corpo.
— Vai me beijar? — Ele não se mexeu. Não respondeu. Meu corpo
vibrava, sobrecarregado em seu abraço. Meu coração batia na garganta
enquanto arrepios desciam pela minha espinha.
Cansada de esperar e faminta por mais, tomei a iniciativa.
Aproximei-me e o beijei. Provei dele como ele me havia provado
antes, no corredor da casa do meu papai, exceto que ali, eu não me importava
se alguém nos visse. Mordi o lábio inferior dele, o provocando a tomar o
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controle. Ele era o primeiro garoto - homem - que eu já havia beijado, e eu
queria que me ensinasse tudo.
Afastei-me e encontrei os olhos dele ardendo de calor. Seu olhar
perfurava o meu, carregado de tanta intensidade que um arrepio percorreu
minha pele em resposta. Eu não conseguia puxar ar suficiente para respirar
enquanto esperava que ele me beijasse de novo.
Os lábios dele tocaram os meus, de leve. Suavemente. Parecia um
sussurro ao vento. Levei as mãos até o cabelo dele e puxei-o com mais força
contra mim. Dessa vez, ele mordeu meu lábio inferior, o toque dos dentes
arrancando um gemido da minha garganta. Ele sugou meu lábio superior com
uma leve pressão. Meus sentidos vibravam sob a superfície, acesos e
inflamados sempre que nossos corpos se tocavam.
Aproximei-me mais, sentindo o calor dele se infiltrar em cada fibra
e célula do meu corpo. Meus lábios se entreabriram e ele sugou minha língua,
faminto e voraz. Cada beijo ficava mais intenso. Cada lambida despertava
algo sombrio e carnal dentro de mim.
Ele passou o braço ao redor da minha cintura e me virou até minhas
costas estarem contra a parede fria. A pedra mordeu minha pele, mas a
sensação foi insignificante comparada ao calor que Amon provocava em
mim.
Seus lábios deslizaram novamente pela minha garganta, quentes e
molhados, e minha cabeça tombou para trás com um gemido. Faíscas se
acenderam no fundo do meu núcleo enquanto uma batida pesada pulsava
entre minhas pernas, deixando minha visão turva.
Ele arrastou os lábios além da minha clavícula e mordeu a carne
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macia ali. Meus mamilos endureceram, sensíveis contra o tecido do meu
sutiã. Eu estava desesperada para sentir sua boca nos meus seios, para senti-
la quente e molhada em cada centímetro da minha pele.
Desci minhas mãos de seu cabelo até a barra da camisa dele,
enfiando os dedos por baixo para sentir seu abdômen. Era todo músculos
duros e lisos. Eu podia sentir seu calor, o cheiro do seu perfume. Limpo e
cítrico. Ele era o meu cheiro favorito.
Meu coração disparava, à beira da explosão. A batida frenética
retumbava nos meus ouvidos. Nossas bocas se chocavam, nossas respirações
se tornando uma só. Sua língua se entrelaçou com a minha. Gemi em sua
boca, faminta por mais.
Eu devia ter perdido o juízo, porque as próximas palavras
escaparam dos meus lábios sem fôlego: — Me toca. Por favor.
Levei sua mão até meu seio e arqueei as costas contra ele.
Num movimento tão súbito, ele se afastou de mim. Ofegante,
cambaleei para trás e teria caído se ele não tivesse me segurado. Deus, ele
parecia tão certo. Como se fosse uma parte de mim que estava faltando e eu
finalmente havia encontrado.
— Jesus, — ele murmurou, os olhos cravados em mim enquanto
passava a mão pelos cabelos grossos. Em seguida, uma série de palavrões
escapou de sua boca. — Porra, não podemos fazer isso.
Pisquei. — Por que não? — ergui o queixo. — Nós dois somos
adultos.
— Você não é, — ele rebateu. Maldito. A insegurança me invadiu
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quando a perda profunda dele fez meus dentes baterem. Então sua mão se
fechou ao redor do meu pulso e me puxou de volta, meu corpo colado ao
dele. Onde quer que seus músculos tocassem os meus, eu queimava.
— Ainda não. — Sua voz estava sombria, rouca. O jeito como ele
me olhava acendia um fogo na parte baixa do meu ventre.
— Então quando? — supliquei, esse desejo por ele me
consumindo até os ossos.
— Você é menor de idade. — A lógica não fazia sentido, mas eu
não tive tempo para questionar porque sua boca se chocou contra a minha.
— Porra, você está entrando sob a minha pele. — Agora ele sabia como eu
me sentia.
Eu queria mais do seu toque. Mais dos seus beijos. Me pressionei
contra ele. Uma das mãos dele deslizou pela minha coxa nua, a palma
calejada áspera contra minha pele macia. O calor que fluía pelas minhas veias
explodiu num vulcão completo, cada nervo do meu corpo em chamas.
Então, como se soubesse exatamente do que eu precisava, ele
pressionou a coxa entre as minhas, bem contra o meu clitóris. Gemi em sua
boca quando uma onda de prazer percorreu meu corpo. Senti isso na espinha
e até a ponta dos pés.
Movi-me contra sua coxa, tomada pela necessidade - corada e
desejando - já sentindo a pressão crescente do orgasmo se formando. Ele se
afastou um pouco, os olhos cheios de fogo pousados na minha coxa nua,
observando o ponto onde eu me esfregava nele. Eu não era uma especialista,
mas achava que ele gostava do que via.
— Vai gozar, minha garota canela? — Sua voz veio carregada de
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um sotaque. Italiano, japonês, inglês - eu não sabia ao certo - mas era a coisa
mais sexy que eu já tinha ouvido.
Agarrei um punhado do cabelo dele e rocei meus lábios nos seus.
Ele grunhiu, rouco e baixo, depois se afastou do alcance. Então me inclinei
e beijei seu pescoço, chupando e lambendo. Deus, ele tinha um gosto tão
bom quanto o cheiro.
A tensão marcava seus ombros e os músculos dos braços estavam
rígidos. Seus dedos se cravaram nas minhas nádegas.
— Amon, eu preciso... — Meus gemidos eram desesperados. Eu
me movia contra sua perna, em busca de mais fricção. — Eu preciso de mais.
— Porra, — ele arfou contra meus lábios. Por uma fração de
segundo, achei que ele fosse ceder. — Não. Não até você ter idade. Por
enquanto, é isso que você vai ter.
Sua boca desceu sobre a minha, mordendo meu lábio inferior.
Soltei um arquejo e ele logo passou a língua ali, aliviando a ardência.
Pressionou a coxa contra mim com mais força, num ângulo diferente, e o
orgasmo me atingiu - um incêndio furioso que arrancou o ar dos meus
pulmões.
Enterrei o rosto em seu pescoço enquanto tremia contra ele, como
se fosse meu porto seguro em meio à tempestade. Seus dedos vieram até meu
cabelo, entrelaçando-se e puxando minha cabeça para trás até nossos olhares
se encontrarem. Seus olhos percorreram meus cílios semicerrados e minha
boca entreaberta, enquanto o calor dos seus lábios ainda queimava minha
pele.
Luxúria e algo violento, quase possessivo, dançavam em seu rosto.
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Eu me sentia leve, cada parte do meu corpo vibrando com um alívio doce.
— Acho que agora entendo por que Veneza tem fama de ser
romântica, — eu disse, tentando recuperar o fôlego.
Ele recuou um passo, os ombros tensos, soltando um suspiro
sarcástico.
— Garota canela, isso está longe de ser romântico.
Pisquei, vendo sua expressão mudar de algo suave para algo duro,
se fechando para mim. Será que ele tentava conter as emoções ou escondê-
las de mim? A intensidade de seu olhar quase me fez engolir minhas palavras,
mas minha impulsividade venceu, empurrando-me a dizer mesmo assim:
— Então por que não conserta isso e me leva para um encontro,
Amon Leone?
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CAPÍTULO 25
AMON
Minha mãe sempre me ensinou que era errado cultivar ódio e
arrependimento. Isso tornava suas decisões questionáveis e fazia de você
alguém igual ao seu inimigo. Mudava toda a sua essência e destruía sua alma.
Finalmente entendi isso enquanto observava as bochechas coradas
de Reina e os olhos brilhando como estrelas, seu cabelo dourado me
lembrando campos de verão, seu cheiro de canela se envolvendo em mim
como veneno doce. Eu sabia que destruir o pai dela poderia roubar sua
inocência. Meu peito apertou e cada respiração queimava meus pulmões com
a ideia de que eu destruiria aquele brilho nos olhos dela.
O ódio queimava pra caralho, como inalar fumaça e depois levar
um soco na garganta. O veneno daquele ódio corroía Dante e eu por dentro,
solidificando nosso plano.
Mas pela primeira vez na vida adulta, me perguntei se o plano era
falho, e isso me fez odiar Romero ainda mais. Eu odiava o desgraçado por
virar a vida da minha mãe do avesso. Por arrancá-la do único lar que conhecia
e depois jogá-la nos braços do meu pai. Odiava-o por quebrá-la a ponto de
ela aceitar um homem como meu pai, que a tratava como lixo.
Meu humor escureceu, e os olhos azuis de Reina brilharam
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surpresos.
— Nossa, não achei que te pedir para sair num encontro fosse te
irritar tanto assim, — ela murmurou, dando um passo para trás.
Antes mesmo de perceber o que fazia, minha mão agarrou sua
cintura pequena e a puxou contra mim.
Um gemido suave escapou dela e eu o engoli num beijo. Ela
relaxou instantaneamente, seus lábios se moldando aos meus. Ela era
receptiva a mim pra caramba e eu não sabia como sobreviveria até seu
aniversário de dezoito anos sem me enterrar fundo dentro dela.
Meu irmão daria risada na minha cara se soubesse que estou
esperando para transar com ela. Pois foda-se ele. Pretendo saborear cada
momento com ela até terminarmos, mas não antes de ela estar com a idade
certa.
— Eu vou te levar num encontro, — murmurei contra seus lábios.
— Sério? — Seus lábios cheios e rosados se curvaram num sorriso
radiante - daquele tipo que poderia facilmente roubar o coração de um
homem - e me perguntei se ela tentaria roubar o meu. — Você quer sair
comigo?
— Foi você quem me pediu para esperar por você, — lembrei.
— Eu fiquei com medo de que talvez tivesse mudado de ideia.
Quase mudei, porque lá no fundo eu sabia que ela era inocente, e
era errado fazê-la pagar pelos pecados de outra pessoa. Até os gemidos de
Reina soavam inocentes.
Mas ver os olhos dela se enevoarem enquanto se desfazia por mim
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e o jeito como sua expressão resplandecia com o êxtase do orgasmo me
deixava ganancioso. Eu não permitiria que mais ninguém visse aquilo.
Não até que eu tivesse terminado com tudo. E com ela.
— Eu vou esperar por você, Reina Romero. — Embora ela talvez
desejasse que eu não tivesse feito isso, no fim de tudo. — Mas você tem que
me prometer uma coisa.
Passei o polegar pelos lábios dela, entreabertos e inchados, e sua
língua saiu, lambendo a ponta do meu dedo. Uma onda de calor atingiu
minha virilha enquanto imagens dela fazendo aquilo de joelhos se formavam
na minha mente. — Não se apaixone por mim.
Ela me deu um daqueles sorrisos cegantes como sol de verão. —
Você não pode mandar no meu coração, Amon Leone.
Ela se ergueu na ponta dos pés e roçou os lábios nos meus.
— Mas não se preocupe, meu príncipe amargo. Não vou pedir nada
em troca.
Eu deveria ter sabido ali mesmo que já era dela. Eu era dela desde
aquele primeiro abraço.
***
Reclinei no banco de trás do carro, com Dante me observando
enquanto o motorista seguia pela estrada em direção à casa do nosso pai em
Trieste. Eu ainda podia sentir o cheiro dela em mim - em cada centímetro -
e, toda vez que respirava, uma lembrança dela invadia meus sentidos. Aquilo
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não ajudava em nada com a maldita ereção que eu ainda tinha.
Dante vinha queimando um buraco na lateral da minha cabeça
desde que deixamos as garotas na Piazza San Marco, rindo e avaliando os
homens que passavam. E depois dizem que os homens são insensíveis e
babacas.
Quando Reina deu nota cinco para um loiro qualquer, eu precisei
sair de lá antes que acabasse seguindo o cara e o transformando num zero ao
esmagar a cabeça dele nas pedras centenárias. Era esse o grau de descontrole
que Reina causava em mim. Foi a coisa mais inocente que eu fiz com uma
garota desde o ensino fundamental, e ainda assim me deixou mais
transtornado do que nunca.
As próximas semanas até o aniversário de dezoito anos dela seriam
um inferno para mim, mas eu pretendia torná-las inesquecíveis para ela.
Assim, quando tudo desmoronasse, ela se lembraria de mim. Sentiria minha
falta. Eu tinha um pressentimento péssimo de que, quando tudo acabasse, eu
precisaria mais dela do que ela de mim.
— Correu bem com a Reina? — Me toca. Porra, ela implorou de
um jeito tão bonito. Fiquei tentado a dizer que se danassem os princípios e a
vingança e simplesmente fodê-la ali mesmo. E em plena luz do dia, no meio
de Veneza. Jesus Cristo. — Amon?
Não queria contar nada a Dante. Reina era minha. Não queria que
ele tivesse nem uma ideia de como ela gemia. Não queria que ele soubesse
como ela se agarrava a mim desesperada por alívio, como se eu fosse o único
capaz de dar isso a ela.
Cerrei os dentes, tentando apagar aquela imagem da mente. — Foi
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bem.
— O que isso quer dizer? — Dante me questionou, impaciente. —
Ela te contou alguma coisa sobre o pai ou ficou tão desesperada pelo seu pau
que distraiu vocês dois?
Eu amo meu irmão, mas hoje talvez fosse o dia em que eu o
nocautearia. Pelo menos isso o manteria calado por um tempo.
— Não nos distraímos. — Mentira. Eu nem cheguei a dizer o
motivo de tê-la puxado de lado. Tinha planejado perguntar se ela sabia onde
ficava o cofre do pai. Algo me dizia que ela me contaria. Minha garota canela
era tão confiável que me arrepiava a nuca como alerta.
— Tem certeza? — ele perguntou com desconfiança.
— Sim, — rosnei.
— Você transou com ela?
A névoa vermelha nublou minha visão. Algo em meu irmão
insinuar qualquer intimidade com Reina fazia a fúria incendiar dentro de
mim.
— Não, — grunhi. — Mas se fizer essa pergunta de novo, eu vou
esmagar sua cara bonita.
— Acho que ela não te quis, — Dante provocou, revirando os
olhos.
— Acho que não. — Era melhor deixá-lo acreditar nisso. Isso me
poupava de uma conversa longa.
— Bom, você pode controlar quase tudo, mas não pode controlar
se uma mulher quer um pau, mesmo que seja o seu.
Eva Winners BITTER PRINCE
Sem sorte com ele largando o assunto. Às vezes eu achava que
Dante vivia para me fazer perder o controle. Abri um pouco o vidro,
precisando que o cheiro de canela se dissipasse. Era difícil pensar com aquilo
me envolvendo. Sirenes, buzinas e até xingamentos italianos invadiam o
carro pela fresta.
— Podemos trocar. Eu fico com a Reina.
— Não. — A palavra cortou o ar com uma ferocidade nítida, quase
um rosnado, e um canto da boca de Dante se curvou, sabendo exatamente o
que aquilo significava. Ele me conhecia bem o suficiente para perceber que,
pouco a pouco, Reina estava entrando sob minha pele. Então decidi mudar
de assunto. — E como foi com a Phoenix?
A expressão dele fechou. — Eu devia ter ficado com a Reina.
Menos dor de cabeça. Nem consigo conversar com ela, ficar digitando no
app de Notas já deu o que tinha que dar.
— Então aprende Linguagem de Sinais, — rebati. — É o que eu
estou fazendo.
— Mais um motivo para você ficar com Phoenix.
Ele não me enganava; eu conhecia meu irmão. A tensão entre eles
não me passou despercebida. Eu notei isso lá no clube e em cada olhar
trocado entre os dois desde então.
— Trabalhe no seu plano com Phoenix e fique bem longe da Reina.
— Meus olhos se estreitaram enquanto minha raiva ameaçava transbordar.
— Agora responda à pergunta. Descobriu algo com Phoenix?
— Não, — rosnou. — Ela se recusa a falar comigo.
Eva Winners BITTER PRINCE
— Olha só. Parece que ela não foi pau-pnotizada14, irmão. Vai ter
que melhorar seu jogo.
Talvez esse fosse o destino final dos irmãos Leone: serem postos
de joelhos pelas irmãs Romero.
14
No original dicknotized aqui fizemos uma adaptação, porque dick (pau) com hypnotized (hipnotizada),
ele quer dizer que ela não foi hipnotizada pelo pau dele. Adaptamos para manter a ideia.
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CAPÍTULO 26
REINA
Havia se passado um dia desde meu primeiro beijo. Dois dias
desde que chegamos a Veneza. Doze anos desde que pisei no quarto da minha
mãe.
Todos ainda dormiam quando abri a porta para o passado e entrei
no cômodo coberto por lençóis brancos e segredos. Talvez até pesadelos.
Meus olhos vasculharam o espaço, tentando evocar qualquer coisa
que pudesse substituir a lembrança da morte dela. Ela chegou a ser feliz aqui?
Ela sorriu alguma vez? Eu não conseguia me lembrar. A única coisa que sabia
com certeza era que foi aqui que ela pôs fim a tudo.
Caminhei até o banheiro da suíte e encarei meu reflexo, fantasmas
espreitando no fundo dos meus olhos. O mesmo banheiro onde ela tirou a
própria vida. O mesmo banheiro que mudou nossas vidas para sempre.
Meu estômago se revirou, e arrepios gelados cobriram minha pele.
Meu coração martelava, causando uma dor aguda a cada batida. A lembrança
me atingiu como uma onda gigante.
Franzi a testa ao ouvir gritos. De papai e mamãe. Nunca os tinha
Eva Winners BITTER PRINCE
escutado gritar antes. Ao olhar para o lado, encontrei minha irmã dormindo
profundamente. Não querendo acordá-la, deslizei para fora da cama com
cuidado para não movê-la demais. Os outros sentidos de Phoenix eram mais
aguçados que os meus. Mamãe dizia que era uma forma de compensar a
perda da audição.
O coração disparado no peito, desci as escadas na ponta dos pés,
vestindo apenas minha camisola, e segui as vozes altas até a biblioteca de
papai. A casa estava escura. Fria, mesmo no verão. Tudo ao redor parecia
antigo e cheio de correntes de ar. Nossa família não pertencia àquela casa.
Cada passo me aproximava mais dos gritos. Papai parecia furioso.
Mamãe chorava alto.
Estrondo!
Meu coração deu um salto, e eu recuei instintivamente. Encostei
as costas na parede e pressionei a mão contra o peito, torcendo para que
aquilo acalmasse as batidas dolorosas.
— Como pôde não me contar, Grace? — gritou papai. — Como
pôde guardar esse segredo?
Engoli em seco. Sentia o choro se formando, mas não queria
começar a chorar. Papai não gostava de lágrimas, embora mamãe estivesse
chorando naquele momento.
— E dizer o quê? — ela soluçou. — Ela não é sua. — As palavras
não faziam sentido para mim. — Não é culpa dela, Tomaso. Você não pode
usar isso contra ela, ou contra mim. Não depois da sua história. Pelo menos
você podia controlar o seu passado. Eu não tive escolha!
Eva Winners BITTER PRINCE
— Eu quero o nome, — ele bradou, tão alto que a casa tremeu.
Um estrondo ecoou. O chão vibrou. — Você teve a escolha de me contar. Eu
poderia ter... Nós poderíamos ter...
— O quê? — ela gritou. — Poderíamos o quê, Tomaso?
Eu não conseguia acompanhar todas as palavras, mas algo estava
errado.
— Nos livrado disso, — ele rugiu. — Ela é filha de outro homem.
Não é minha.
— Ela é minha filha, — ela berrou. — Nossa, até agora. Como
pode simplesmente descartá-la? Você a segurou no colo no dia em que ela
nasceu.
— Ela é filha de... — Ele não terminou. Meu pequeno coração
batia como um tambor. — Por que você manteve o bebê?
— Você sabe o quanto foi difícil para mim engravidar, — ela
chorava. A voz tremia muito. — Você teria me roubado a chance de ter um
filho?
Outro estrondo, e pareceu vidro se quebrando.
A porta da biblioteca se escancarou, e os olhos da mamãe me
encontraram, escondida no canto. Uma brisa atravessou a porta aberta e
tocou minhas bochechas molhadas. Eu nem tinha percebido que estava
chorando.
Funguei, as lágrimas escorrendo pelo meu rosto. As bochechas da
mamãe também estavam molhadas, e os olhos vermelhos. Ela fechou a porta
atrás de si e se aproximou de mim.
Eva Winners BITTER PRINCE
— O que houve, minha pequena rainha15?
— Papai está bravo com você? — sussurrei.
Ela balançou a cabeça, mas bem lá no fundo eu sabia que era
mentira. — Não. Ele só está estressado com o trabalho.
Minhas lágrimas foram diminuindo, e eu murmurei: — Ele não
nos ama mais?
Ela me envolveu nos braços, puxando-me para um abraço quente.
Os abraços da mamãe sempre faziam tudo parecer melhor.
— Claro que ele ainda nos ama.
Depois, levou-me de volta para cima e me colocou na cama. Seus
dedos acariciaram meus cabelos suavemente enquanto minha cabeça
repousava no travesseiro.
— É difícil ser mulher, — ela murmurou com suavidade. — Temos
que ajudar nossas mães. Temos que perdoar nossos pais. Temos que curar
os outros enquanto lidamos com nossos próprios traumas. Vez após vez. —
Seus lábios úmidos e quentes tocaram minha testa. — E, o tempo todo,
estamos tentando curar a nós mesmas.
Minha respiração ficou lenta. Eu estava cansada. As palavras
eram confusas.
— Eu amo você e papai, — murmurei, enquanto meus olhos se
fechavam.
A última imagem antes de o sono me levar foi o rosto de mamãe...
15
Reina, o nome dela, significa Rainha.
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e suas lágrimas, que nunca pararam de cair.
Naquele mesmo verão, minha mãe tirou a própria vida.
Escorreguei pela parede até sentar no chão, a dormência
preenchendo cada célula do meu corpo. Abracei os joelhos contra o peito e
encostei a testa neles. Como eu não me lembrara disso antes? Talvez, no
fundo, eu tenha reprimido até conseguir lidar com aquilo.
Mas eu não achava que conseguiria lidar com essa revelação nem
agora, porque significava que uma de nós não era filha de papai.
A verdade estava bem diante de mim. Eu sabia que não podia
continuar vivendo na ignorância, mas não fazia ideia do que fazer com aquela
revelação. Confrontá-lo? Ou perguntar qual de nós não pertencia a ele?
Minha mente vasculhou as memórias da infância - Natais,
aniversários, Páscoas, férias, mesadas. Papai nunca pareceu dar tratamento
preferencial a nenhuma de nós. Ou estava bravo com as duas, ou amava as
duas. Quando aprontávamos, ele nos punia de forma justa, igual.
Demorei para conseguir me levantar do chão. Saí do banheiro
cheio de fantasmas e arrependimentos com os olhos grudados no chão, até
esbarrar em papai.
Ele me lançou um olhar surpreso.
— Reina, o que está fazendo aqui?
Com a barra do vestido apertada na mão, observei o homem que
um dia todos nós adoramos e amamos. Talvez ainda o amássemos. Eu não
tinha certeza. Ele quase parecia um estranho. Alguém que víamos de vez em
Eva Winners BITTER PRINCE
quando. Era impossível que nos conhecesse de verdade; ele nunca estava
presente.
— Eu... sinto falta dela, — sussurrei, baixando os olhos para
encarar meus dedos dos pés pintados de rosa. Phoenix e eu geralmente só o
víamos nos feriados. Antes desta visita a Veneza, eu não o via desde o Natal.
Antes disso, foi na Páscoa. Ao longo dos anos, passamos a vê-lo cada vez
menos. Era uma decepção e um alívio ao mesmo tempo. Um sentimento
muito complicado.
Ele se sentou no sofá coberto, seu terno preto em forte contraste
com o ambiente todo branco. Parecia cansado, quase derrotado.
— Sì, também sinto falta dela, — admitiu. Com os traços
suavizados daquele jeito, ele me lembrava seu antigo eu. O pai amoroso e
gentil que nunca perdia a paciência. — Ela era uma boa mulher. Amava
muito vocês. Você e sua irmã.
Hesitei. Tinha dificuldade em conciliar esse homem com aquele
que agora conhecíamos. Doze anos falhando conosco resultaram em
desconfiança.
— Papai, eu sou... — Minha garganta apertou. O olhar escuro dele
encontrou o meu, os próprios fantasmas nublando seus olhos. A sensação
pesada em meu peito se expandiu, dificultando a respiração. Engoli o nó. —
Você nos odeia?
Minha garganta apertou ainda mais com a possibilidade de
finalmente ouvir as palavras que mais temi em toda a vida. Que ele não nos
amava. Que ele não me amava.
Uma lágrima escorreu pela minha bochecha, logo seguida por
Eva Winners BITTER PRINCE
outra. — Você me odeia? — Os ombros dele enrijeceram. Um silêncio
constrangedor sufocou o ambiente. Havia animosidade demais no ar. Não
foram apenas Phoenix e eu que perdemos algo no dia em que a mamãe tirou
a própria vida. Papai também perdeu algo. A Nonna também. — Você nos
odeia?
Ouvi o ranger dos dentes dele e me preparei mentalmente para o
pior. Mas o pior não veio. — Não, Reina. — Ele soltou o ar com força,
passando a mão pelos cabelos ralos. — Você se parece tanto com sua mãe.
Phoenix também. Às vezes... às vezes dói olhar para vocês.
Notei que ele não disse que me amava. Não garantiu que nos
amava.
Esfreguei os braços cobertos de arrepios, sentindo um frio
repentino apesar do calor do verão. — Foi por isso que nos deixou com a
Nonna?
Ela nos disse que tinha um segredo sobre o papai, mas minha irmã
e eu nunca conseguimos descobrir o que era. Depois de anos tentando,
desistimos. Agora, não conseguia evitar pensar que ela tinha inventado
aquela mentira para não revelar uma verdade muito mais cruel: que ele não
nos queria.
Ele ficou em silêncio, um silêncio longo demais. Meu coração
afundou.
— Sua mamãe queria que você e Phoenix crescessem com sua avó,
— ele disse finalmente. — Era melhor. Mais seguro para vocês duas.
Uma pausa.
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— Porque você está na máfia? — perguntei, com a voz rouca, o
peito oco.
Os olhos dele se arregalaram em surpresa. — Como... como você
sabe disso?
Dei de ombros. Nem em um milhão de anos eu contaria que foi a
Nonna quem deixou escapar. — Eu deduzi. E você acabou de confirmar.
Ele soltou um suspiro pesado. Ao observar seus traços, percebi que
ele havia envelhecido duas décadas só no último ano. E me perguntei o que
o estava consumindo tanto assim.
— Queria ser um homem melhor para você e Phoenix. Queria que
as coisas tivessem sido diferentes.
Seguiu-se uma pausa, e um pensamento me atravessou: ele estava
sozinho. Não tinha Phoenix, nem a mim, nem a nossa avó. Nunca o vi com
outra mulher. Nunca ouvi falar de amigos. Ele estava completamente sozinho.
— Mas as coisas não são, — disse ele, inspirando fundo antes de
soltar o ar lentamente. — Cometi muitos erros na vida. Um dia, em breve,
vou ter que pagar por todos eles.
Franzi as sobrancelhas. — Você está com problemas, papai?
Ele balançou a cabeça e estendeu a mão. Relutante, aceitei. Não
via esse lado dele desde a morte da mamãe.
— Prometa-me uma coisa, Reina.
Os ombros dele pareciam feitos de granito, a expressão sombria.
A imagem que eu tinha dele já estava manchada fazia tempo, mas não tive
coragem de negá-lo.
Eva Winners BITTER PRINCE
— Qualquer coisa.
— Proteja sua irmã. — Uma dor aguda atravessou meu peito. Anos
atrás, recebi um pedido semelhante de uma mulher à beira da morte. — Você
é mais forte do que Phoenix. Tem o coração de uma leoa, mas Phoenix... ela
é um gatinho. Tão vulnerável.
Ele estava errado. Ela era mais forte do que qualquer um
acreditava. Mas se ele precisava de paz, eu daria a ele.
— Eu vou, — murmurei, enquanto a dor se espalhava no peito. —
Prometo.
Ele se levantou e saiu do quarto, fechando a porta suavemente atrás
de si e me deixando mais uma vez com o fantasma e os segredos.
Talvez eu fosse uma covarde, mas me dei conta de que a força
vinha em diferentes formas e tamanhos.
Não importava qual de nós não era filha de papai. A
responsabilidade de protegê-la era minha. E só por isso, jamais deixaria que
as palavras que ouvi tantos anos atrás saíssem da minha boca.
Levaria esse conhecimento comigo para o túmulo.
***
Mais tarde naquele dia, com o sol lentamente se pondo no
horizonte, as meninas voltaram para a piscina. Depois do incidente com a
cobra do vizinho, eu não fazia a menor questão de chegar perto dali.
Aparentemente, não era a primeira vez que ela escapava. Gostava mais do
Eva Winners BITTER PRINCE
nosso terraço do que do próprio, e eu nem queria pensar no motivo.
Por isso, preferi circular pela casa. Pelo escritório de papai, a sala
de estar, a sala de jantar. A casa parecia um museu, uma homenagem à
falecida Grace Romero. Incontáveis fotos dela penduradas nas paredes. Eu
procurei, mas não havia nenhuma imagem minha ou de Phoenix. Nenhuma
sequer.
E isso me levou a criar outra teoria. Talvez nenhuma de nós fosse
filha dele.
Famílias normais mantinham fotos dos entes queridos espalhadas
pela casa. A Nonna tinha fotos nossas em sua casa da Califórnia e também
no Reino Unido. Caramba, ela até nos enfiou em um retrato de família em
Glasgow, o que foi constrangedor pra caramba.
Ou talvez o papai tivesse tirado nossas fotos de casa para nos
manter fora do submundo, eu imaginei. Não era uma teoria tão absurda, certo?
Ou talvez eu fosse patética por ainda nutrir a esperança - contra todas as
probabilidades - de que ele nos amasse mesmo depois da morte de mamãe.
Ouvi vozes e fui até a cozinha, mas parei de repente. O que a
Nonna estava fazendo ali? Meus olhos se moveram entre três cabeças
curvadas, reunidas num pequeno círculo.
A Nonna e o marido número cinco estavam ao lado de papai,
conversando em sussurros apressados. Maria preparava o jantar, eficiente
como sempre, com a cabeça baixa. Era a personificação de uma mosca na
parede e… Espera. Eis aí uma ideia.
Talvez ela devesse ser a pessoa a quem eu perguntasse. Estava
sempre com o papai, e claramente ele confiava nela.
Eva Winners BITTER PRINCE
— É a única forma de protegê-las, — resmungou ele. — É o único
plano que tenho.
Eles estavam tão absortos na conversa que nem me viram entrar,
então encostei as costas na porta de vaivém.
— Tomaso, abrir essa porta é um erro e você sabe disso, — sibilou
a Nonna. — Foi o último pedido dela.
Meu corpo enrijeceu. Só podiam estar falando da mamãe.
— Certas coisas devem permanecer em silêncio, — acrescentou o
Vovô Glasgow. — Eu não a conheci, mas ela deve ter tido um bom motivo
para pedir isso a você.
— Isso não importa, porra. Estamos arriscando a vida dela ao
manter isso em segredo...
O olhar de papai pousou em mim de repente, e ele fechou a boca
no mesmo instante. Maria foi a única que continuou se movendo, como se
nem percebesse a tensão no ar. Era uma habilidade que eu ainda não tinha
desenvolvido.
— Reina. — O sorriso da Nonna saiu forçado enquanto ela se
aproximava e segurava meu rosto entre as mãos. — Você está cada dia mais
linda.
Revirei os olhos, mas não disse nada.
— Como está, querida?
O papai falou baixinho com o Vovô Glasgow enquanto eu os
observava, imaginando se teriam coragem de fazer algo pelas costas da
Nonna.
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— O que estão fazendo aqui? — perguntei.
— É assim que se recebe sua avó? — Como boa atriz que era, ela
conseguiu parecer ofendida apesar das plásticas acumuladas ao longo dos
anos.
— Desculpa. — Beijei a bochecha que ela ofereceu. — Só estou
surpresa. Quando falamos há alguns dias, você não disse nada sobre vir para
a Itália.
Ela acenou com a mão, dramaticamente. — Senti falta das minhas
netas. Não vejo vocês há meses.
— Acabamos de fazer chamada de vídeo, — ressaltei, mas sem
revirar os olhos. A avó Diana nos amava, mas não hesitava em nos colocar
no lugar quando nos comportávamos feito pestinhas.
— Não é a mesma coisa.
Poderíamos continuar discutindo isso, mas acabaríamos no mesmo
lugar, então deixei para lá. Aprendi que certas batalhas não valem a pena.
— Sobre o que estavam conversando? — perguntei, em vez disso.
— Nada.
— Sobre o futuro, — respondeu papai.
— Planos para o jantar, — disse o Vovô Glasgow.
Olhei para os três, minha atenção voltando ao papai. — Tudo isso,
é? — Ninguém se moveu. — Então, o que tem para o jantar?
Uma pausa.
— Espaguete, — respondeu Maria, confirmando que seus ouvidos
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estavam atentos, afinal.
Eu sabia que arrancar informações dos outros seria inútil, mas com
a Maria… eu podia trabalhar.
Vinte minutos depois, estávamos sentados no pátio de tijolos, logo
ao lado da sala de jantar.
— Por que italianos sempre querem comer espaguete? —
reclamou a Nonna. — Não sabem que isso acaba com a silhueta? Sem falar
que faz mal à saúde.
Ninguém comentou. A Nonna vivia implicando com alguma dieta,
então já estávamos acostumadas a ouvi-la falar de carboidratos, glúten,
açúcar, laticínios - a lista era interminável. Ela até passou por uma fase
estritamente vegana. Nunca fui tão feliz por estudar em regime de internato
quanto naquele período. Eu fazia questão de me entupir de carne e
carboidratos antes de ir visitá-la.
Enfiei um garfo cheio de espaguete na boca e mastiguei. Papai
chupava os fios de macarrão ruidosamente, os olhos semicerrados na direção
da Nonna. Eu tinha quase certeza de que ele fazia isso de propósito. Infantil?
Sim. Isso o impedia? Não.
Mas, naquele momento, era divertido de assistir.
— Está um inferno de quente aqui fora, — ela seguiu reclamando.
— Devíamos entrar antes que todos derretêssemos e virássemos espaguete
também.
Eu usava um vestido branco curto com bolinhas cor-de-rosa, os
pés descalços sobre o deque. Não achava que estivesse tanto calor assim,
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mas também não estava vestida com calças pretas e um suéter verde-claro
como ela.
— Fico imaginando se seríamos comestíveis, — comentou
Phoenix. — Ou isso seria considerado canibalismo?
Houve uma pausa constrangedora. Os olhos da minha irmã
encontraram os meus, e eu mordi o interior da bochecha para não cair na
risada. O canto da boca dela tremeu, e ela revirou os olhos.
A Nonna resmungou, levantando-se e lançando um olhar
reprovador a todos nós.
— Pois eu vou entrar. Vocês que derretam aí fora.
O marido dela não a acompanhou, e me perguntei se esse era o
motivo de ele ainda estar com ela. Parecia saber exatamente quando deixá-
la sozinha com suas manias.
Papai tomou um gole da bebida e pousou o copo, com uma
expressão satisfeita pela partida da Nonna.
Vovô Glasgow estendeu a mão para o vinho e se serviu
generosamente.
— Vou precisar disso se quiser sobreviver à noite.
— E é por isso que eu nunca vou me casar, — murmurou Athena.
— A miséria agora tem um novo nome: casamento.
Soltei um leve suspiro. — Ou pode ser apenas o nome da vida
mesmo.
— Vocês são jovens demais para estarem tão desiludidas, —
comentou papai, atraindo olhares surpresos de todos. Até então, ele tinha
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praticamente ignorado nossas amigas. Embora, para ser justa, ele mal as
conhecia.
— Hum, papai, talvez esse seja um bom momento para
reapresentar você às nossas amigas, — comecei, preocupada que ele tivesse
esquecido os nomes. Elas não o viam desde o primeiro dia, aquele da cobra.
Provavelmente ajudou o fato de termos ficado do lado da casa que ele evitava.
— Isla, Raven e Athena estudam na mesma faculdade. A Isla frequentou o
internato comigo e com Phoenix.
Ele assentiu. — Eu me lembro.
— Lembra? — O rosto de Phoenix deixava claro que ela duvidava.
— Vocês três dividiram o mesmo quarto, — respondeu ele
secamente. — Como poderia esquecer?
— Que boa memória, senhor Romero, — elogiou Isla, enquanto
Phoenix e eu revirávamos os olhos.
— Certo, que tal um teste, então? — desafiei, trocando um olhar
cúmplice com minha irmã.
— Agora você se meteu numa enrascada, Tomaso, — provocou o
Vovô Glasgow. — Melhor correr antes que elas te deixem louco.
Papai se recostou na cadeira, ficando à vontade, e por um instante,
me lembrou o homem que costumava ser. Antes da morte de mamãe. Antes
de irmos morar com a Nonna.
— Mandem ver, meninas, — disse ele, ao mesmo tempo em que
sinalizava.
— Sobrenome da Isla, — perguntei.
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— Evans.
— Nossa matéria favorita, — sinalizou Phoenix, continuando o
interrogatório.
Algumas risadinhas escaparam pela mesa, mas mantivemos o foco
nele.
— Essa é fácil. Nenhuma.
— Droga, ele é bom, — murmurou Raven.
— Nossa cor favorita?
Dessa vez, papai revirou os olhos. — Reina gosta de rosa. Phoenix
gosta de azul.
Resmunguei algo baixinho, provocando uma nova rodada de
risadas.
— Você está sempre de rosa, mulher, — zombou Athena. — Tente
variar um pouco.
Dei de ombros. — Phoenix nem sempre usa azul.
— Mas ela sempre tem acessórios azuis.
— Verdade, — admiti, a contragosto.
— Livro favorito?
— Qualquer coisa sobre moda, no seu caso, Reina, — respondeu
papai. — E tudo que envolva música, no caso de Phoenix.
A mesa ficou em silêncio enquanto Phoenix e eu fitávamos nosso
pai, mergulhadas em pensamento. Ele pode ter estado ausente nesses últimos
doze anos, mas talvez - só talvez - ele nunca tenha nos tirado do coração.
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CAPÍTULO 27
REINA
Levantei o olhar do chão, onde estava alongando as pernas, e
encontrei o olhar da minha irmã sobre mim. Eu me aquecia antes de começar
a prática de yoga. A conhecida pressão no peito e o pavor subindo pela coluna
eram geralmente os primeiros sinais de um ataque de pânico iminente.
Então, naturalmente, tentei me antecipar. Não tinha tempo a perder
com crises de pânico, e era por isso que eu me esforçava tanto para manter
aquilo sob controle.
— As meninas estão na piscina. Achei que podia fazer companhia,
— disse ela. — Está tudo bem?
As bochechas dela estavam coradas quando se sentou e também
começou a alongar as pernas. Deixei o olhar passear pela roupa que usava -
calça de yoga e uma camiseta larga. O cabelo castanho-escuro estava preso
num rabo de cavalo alto. Assim como eu, ela tinha cachos. Durante a infância,
as pessoas sempre nos confundiam com gêmeas de cabelos diferentes. Estar
separadas por apenas vinte meses e ter a mesma pele clara, estrutura facial e
olhos azuis contribuía bastante para isso, imagino. Embora os olhos dela
fossem de um azul mais escuro. Éramos parecidas em muitos aspectos, desde
o porte físico e altura até as personalidades. As pessoas achavam que eu era
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a mais extrovertida, mas na verdade era o contrário. Ela era a única razão
pela qual eu tinha vida social e amigas. As pessoas simplesmente presumiam
o contrário por causa da surdez dela.
Ergui a sobrancelha. — Por quê?
— Você está fazendo yoga e alongando. Só faz isso quando está
lutando contra a ansiedade.
Ela me conhecia bem demais.
— Só estou pensando, só isso.
— Pensando no quê?
Dei de ombros. — Papai. Mamãe.
Ela me observou, curiosa. — Tem certeza de que não é Amon
Leone?
Balancei a cabeça. — Sim, tenho certeza.
Embora, para ser honesta, eu vinha me perguntando o que Dante e
Amon Leone tinham a tratar com o papai. Eu sabia que não pretendiam
contar sobre o que aconteceu no clube - uma semana atrás? Ou duas já? -,
porque se fosse isso, já o teriam feito.
— Não deixe as lembranças te consumirem, — alertou Phoenix.
— Deixe-as no passado.
Não era difícil para nossa família ligar minha ansiedade e ataques
de pânico à morte da mamãe. Eles simplesmente atribuíam tudo à perda
precoce da nossa mãe. Mas a verdade era que aquelas últimas palavras da
mamãe, enquanto ela jazia na banheira cheia de sangue, me assombravam.
Deixaram uma cicatriz invisível que se recusava a cicatrizar.
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— Isso alguma vez te incomodou? O fato de o papai estar
envolvido com o crime organizado?
Ela deu de ombros. — Talvez um pouco, mas a Nonna fez um bom
trabalho em nos manter longe disso. Poderia ter sido pior.
Eu podia ter previsto essa resposta. Phoenix tinha algo que sobrava
nela: otimismo. No geral, eu via o mundo com lentes cor-de-rosa, mas
Phoenix ia além. Ela conseguia enxergar o lado bom até nas situações mais
terríveis.
— Está preocupada com papai? — O olhar dela perfurava o meu.
Era até irônico. Ela se preocupava comigo, e eu com ela. Eu mataria por ela,
e sabia que ela faria o mesmo por mim. Era como se mamãe tivesse tido a
mesma conversa com Phoenix que teve comigo.
Meu coração se apertou com esse pensamento, torcendo para que
ela não tivesse colocado esse peso nos ombros de Phoenix. Ela não deveria
carregar isso, nenhuma de nós deveria.
— Talvez um pouco, — admiti. Ele era o único pai que nos restava,
embora estivesse ausente havia mais de uma década. — Você sente que ele
está agindo diferente?
— Talvez, — ela respondeu, inclinando o queixo, pensativa. —
Ele nos ama. Só não acho que saiba demonstrar. — Assenti em concordância.
— E tem também essa promessa que a Nonna usa como moeda contra ele.
— Você sabe o que é? — Fazia anos que eu tentava descobrir, mas
arrancar qualquer coisa da Nonna era como tentar extrair uma confissão de
um cadáver.
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Minha irmã bufou. — Você está brincando, né? A Nonna preferiria
enfiar uma bala na própria cabeça do que me contar.
Meus olhos se arregalaram. — Você chegou a perguntar?
Ela revirou os olhos. — Sim. Ela me mandou cuidar da minha vida.
Eu até ameacei contar as atividades do papai no submundo para um jornal.
Não funcionou.
Meus olhos se arregalaram ainda mais. Eu sabia que Phoenix podia
ser durona, mas isso... eu realmente não esperava.
Durante boa parte da nossa infância, eu assistia ao noticiário
prendendo a respiração, esperando ver nossa família aparecer ali. Nunca
aconteceu, mas a preocupação sempre existia, em algum canto do meu
subconsciente. Mesmo que não o víssemos com frequência e ele não fizesse
parte ativa da nossa rotina, eu não queria ver nosso pai atrás das grades.
Hoje em dia, as pessoas romantizavam a máfia, mas com certeza
não era assim que ela aparecia nos noticiários, muito menos como era na vida
real. Depois do primeiro e único acesso de raiva de papai - a vez em que ele
levantou a mão para nós -, eu vasculhei as câmeras de segurança da casa da
Nonna, buscando as imagens do que tinha acontecido mais cedo naquele dia.
Meu coração ainda estremecia ao lembrar do vídeo. A forma como
Amon foi atacado por um estranho que invadiu a casa da Nonna. Ele poderia
ter sido baleado. Papai foi. Eu gostaria que houvesse uma forma de ouvir o
que papai, Dante e Amon conversaram depois, mas as câmeras não tinham
áudio.
É... não havia nada de romântico no submundo. Pessoas se feriam;
negócios eram destruídos. Vidas eram afetadas de maneira muito real. Talvez
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eu não me importasse tanto se isso não tivesse custado tanto à nossa mãe, ou
se o nosso relacionamento com papai fosse sólido. Mas no máximo, era
instável.
Além disso, eu tinha quase certeza de que foi a ligação de papai
com o submundo que levou a mamãe ao suicídio. Ela viveu um trauma, e eu
ainda não tinha coragem de pensar na extensão daquilo. A Nonna e a mamãe
pertenciam a outro mundo - aquele feito de luzes, câmeras e ação. Não de
escuridão, sangue e ameaças.
Custou a mim e a Phoenix a nossa mãe. Quase custou a vida do
garoto com galáxias nos olhos. E foi ali que percebi que perder Amon me
devastaria, mesmo que ele não fosse meu.
Uma palma suave tocou minha bochecha, interrompendo meu
movimento. Phoenix sinalizou: — Reina, você precisa parar de se preocupar.
— Não estou preocupada, — argumentei. — Estou alongando e
liberando a tensão.
Enquanto Phoenix mantinha a postura Baddha Konasana 16 , eu
passei para a Bakasana17. Era melhor do que continuar com aquela conversa.
Mas, a não ser que eu fechasse os olhos, não podia evitar o olhar da minha
irmã.
— Você não está liberando nada. — A expressão carregada de
16
17
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preocupação dela deixava claro que não acreditava em uma palavra do que
eu dizia. — E nem pense que gosto desses coraçõezinhos que você tem nos
olhos por Amon Leone.
Revirei os olhos. — Tanto faz, — murmurei.
Aquilo não estava relaxando nada. Na verdade, estava mais
estressante do que não fazer yoga nenhuma. E isso dizia muito.
— Não me venha com esse ‘tanto faz’, Reina Romero, — ela
ralhou. — Eu sou sua irmã. Não sou o papai. Nem a Nonna. Você não precisa
se esconder de mim.
Soltei um suspiro pesado, desistindo de vez do relaxamento e do
yoga. Voltei à posição sentada e apertei a ponte do nariz antes de responder.
— Peguei o papai e a Nonna cochichando na cozinha mais cedo,
— admiti. — Parecia algo importante.
Ela revirou os olhos. — Bem, o submundo é importante, imagino.
— Papai jamais falaria com ela sobre suas atividades criminosas,
— apontei.
— Tem razão, — ela concordou. — Então o que será? Talvez
estivessem planejando sua festa de aniversário.
Fiz uma careta. — Isso… não é bom. — Levantei-me e sacudi as
mãos e as pernas para soltar os músculos. — Se eles perguntarem alguma
coisa, diz que estamos ocupadas. Com as aulas e tudo mais.
— Isso te incomoda? — perguntei pela milionésima vez. — Saber
que o papai é um criminoso?
— Ele não é um homem mau, — respondeu ela, depois fez uma
Eva Winners BITTER PRINCE
careta. — Bom, não é um homem terrível.
Suspirei, o estômago revirando só de pensar. — Eu meio que quero
saber tudo, mas ao mesmo tempo não quero saber nada, — admiti. —
Procurar por ‘organizações criminosas’ no Google não ajudou. Me senti uma
aspirante inexperiente, ou algo assim.
Phoenix riu e entrelaçou o braço no meu enquanto descíamos em
direção à piscina, para minha completa decepção. Eu realmente não queria
outro encontro com aquela maldita cobra.
— Então qual é sua teoria sobre a conversa deles?
— Não sei, mas vou perguntar para a Maria, — falei. — Ela esteve
lá o tempo todo.
Ela riu ao abrir a porta para o terraço. — Boa sorte com isso. —
Me puxou para fora e mudou de assunto. — O que aconteceu com aquela
marca de moda que te procurou pelos seus designs?
— Ainda não tive tempo de analisar o contrato, — suspirei. Era
verdade. Mal tinha tido tempo para mim ultimamente. Não que normalmente
tivesse muito, mas com as aulas extras somadas à minha dupla graduação,
mal consegui respirar. — Além disso, até fazer dezoito anos não posso
assinar legalmente, então estou empurrando com a barriga.
— Devíamos pedir para o papai aumentar nossa mesada? Ou para
a Nonna?
— Não. — Minha voz saiu firme. — Temos o suficiente. O
apartamento está pago até o fim do ano.
— O que vocês duas estão cochichando com essas caras tão sérias?
Eva Winners BITTER PRINCE
— perguntou Isla, enquanto Raven e Athena observavam curiosas.
— Nada, — respondi.
— Nossa mesada, — sinalizou Phoenix.
Lancei um olhar para ela, que fez uma careta.
— Vocês estão precisando de dinheiro? — Isla franziu a testa.
Minha irmã e eu balançamos a cabeça. Recebíamos uma mesada
generosa do papai, embora eu admitisse que gastava demais com roupas,
sapatos e terapia. Phoenix gastava bastante com aulas de música, aluguel de
piano e espaço para ensaios, livros de música e produtos de beleza. Eu só
precisava desacelerar nas compras de tecido e roupas. Minha irmã precisava
desacelerar em muito mais coisas.
— Posso ajudar, — ofereceu Isla.
— Obrigada, mas não, — respondi. Era seguro dizer que Phoenix
e eu jamais passaríamos fome com o fundo fiduciário que a mamãe havia
criado para nós. Papai e a Nonna eram ricos, mas queriam nos ensinar a
administrar o dinheiro com responsabilidade.
— Uma de nós sempre pode se sacrificar e dormir com o irmão da
Isla, — provocou Raven.
— Nem olhem para mim, — resmungou Isla. — Ele é meu irmão.
Eca.
Todas rimos. Athena e Raven me lançaram um olhar direto, e eu
ergui as mãos. — Nem olhem para mim. Ele é velho demais para mim e
definitivamente não é meu tipo.
Phoenix riu. — Amon Leone é o tipo dela.
Eva Winners BITTER PRINCE
Empurrei meu ombro contra o dela. — Para com isso.
Ela sorriu. — Nunca. Amon e Reina sentados na árvore... —
Minha irmã parecia estar ao mesmo tempo dançando break e fazendo rap.
— B-E-I-J-A-N-D-O, — cantaram todas em coro.
Ignorei todas elas e me aproximei da piscina. Lancei um olhar por
cima do ombro, acenando freneticamente e, como eu sabia que fariam, todas
correram na minha direção. Apontei para a água, e elas se inclinaram para
ver melhor.
Então, saltei na piscina fazendo bomba, espirrando água para todo
lado e ouvindo os gritos delas mesmo debaixo d’água.
***
Dois dias depois, estávamos de volta a Paris.
Como Phoenix previu, conversar com Maria foi como falar com
uma parede. Ela fingiu ignorância, dizendo que não fazia ideia do que eu
estava perguntando ou comentando. Chegou ao ponto de culpar o inglês
limitado. Resultado: missão fracassada.
E então havia Amon. Eu não o vi, nem recebi notícias dele, mas
passei todos os momentos acordada pensando nele.
As meninas e eu entramos no apartamento com um suspiro
coletivo.
— Lar doce lar, — murmurou Athena, e eu não poderia concordar
mais.
Eva Winners BITTER PRINCE
Phoenix e eu sempre nos sentimos mais em casa ali do que com
nosso pai. A conversa que ouvi entre mamãe e papai era outra coisa que
pesava na minha mente. Me fazia reavaliar os últimos dezoito anos,
dissecando cada lembrança com papai para tentar entender qual de nós não
era filha dele.
A quem ele tratava pior - Phoenix ou a mim?
Eu não sabia. Ele sempre nos tratou com o mesmo grau de
indiferença. Não era exatamente maldoso, mas com certeza era frio.
Especialmente nos anos que se seguiram à morte da nossa mãe. Então, como
eu devia resolver esse enigma? Cada vez que pensava nisso, parecia mais
sensato deixar esse segredo descansar com mamãe. Não podia deixar a
curiosidade me dominar.
Segui para o meu quarto, mal chegando à porta quando Raven me
parou com sua voz mais autoritária.
— Nem pense nisso, mocinha.
Minhas costas se curvaram na mesma hora. Estava esperando por
isso desde que saímos de Veneza. Quanto mais nos aproximávamos de Paris,
mais eu torcia para que elas me dessem uma folga. Virei lentamente e
encontrei minha irmã e todas as nossas amigas reunidas na sala, os olhos
semicerrados na minha direção.
Parecia estar diante de quatro mães. Sufocante e irritante.
— Venha aqui conversar com a gente, — disse Isla, sentando-se
no sofá e dando tapinhas ao lado dela.
— Olha, eu estou cansada e...
Eva Winners BITTER PRINCE
— Venha falar com a gente ou vou ligar para a Nonna, — sinalizou
Phoenix. — Mexa esse traseiro até aqui.
Conhecendo minha irmã, aquilo era uma ameaça real. E enganar a
nossa avó era praticamente impossível. Então não me restou opção a não ser
atravessar o grupo.
Larguei a bolsa, caminhei pelo corredor até a sala e me sentei ao
lado da Isla.
Ergui o queixo e encarei o olhar de todas quando ninguém disse
nada. — Tudo bem, e agora?
Phoenix se encostou na janela e se sentou no chão com as pernas
cruzadas, colocando os fios de cabelo bagunçados atrás das orelhas. Os olhos
preocupados estavam cravados em mim.
Phoenix e eu costumávamos compartilhar tudo, mas em algum
momento dos últimos anos, isso mudou. Ainda nos amávamos, ainda nos
protegíamos, mas eu sabia que ela guardava segredos. Dava para ver no rosto
dela quando mergulhava nos próprios pensamentos. Uma tristeza profunda.
Eu também não podia culpá-la. Afinal, guardava meus próprios
segredos desde os seis anos.
Minha promessa à mamãe: proteger Phoenix.
— Primeira pergunta, — disse Isla, enquanto também sinalizava
— Você está tomando anticoncepcional?
Quase engasguei com a própria saliva. — O-o quê?
— Não podemos correr o risco de você engravidar, — disse
Phoenix, séria. — Eu sou sua irmã mais velha; sei exatamente onde isso vai
Eva Winners BITTER PRINCE
dar.
Meus olhos se arregalaram. — Aonde?
— Para a cama de Amon, — respondeu Athena.
— Grávida, — sinalizou Phoenix. — E o papai numa onda de
assassinato.
— Então é o seguinte, — disse Isla, com toda a seriedade do
mundo. — Vamos ensinar você a colocar uma camisinha numa banana.
Senti minhas bochechas queimarem. — Isso não é necessário.
— E vamos te levar a um ginecologista para te colocar em um
método contraceptivo, — acrescentou Phoenix, levando o papel de irmã mais
velha para o próximo nível.
Raven correu até a cozinha e voltou com uma banana. — Athena,
vai pegar um preservativo.
A outra saiu pulando até o quarto, cantarolando: — Não seja boba,
cubra essa jeba. Se ela não quer engravidar, tem que o pau embalar.
Levei a palma à testa. — Deus, tenha piedade de mim, —
murmurei.
— Poxa, acha que isso é ruim? — comentou Raven, sarcástica. —
No começo, os homens te dão borboletas no estômago, mas no fim das contas,
o que sobra é trauma emocional.
Bom, aquilo era sombrio. Mas eu sabia que seria inútil perguntar
a Raven quem a machucou. Ela guardava os segredos bem perto do coração.
Acho que, de certa forma, todas nós fazíamos isso. Talvez fosse o motivo de
nos darmos tão bem.
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Athena voltou com uma banana e a entregou para mim. — Boa
sorte.
Lá estava eu, com uma banana e uma camisinha grudenta na mão,
como se tivesse voltado para a aula de educação sexual.
— A gente já viu isso na escola. Ou talvez no ensino fundamental,
— murmurei enquanto desenrolava a camisinha no comprimento da banana.
— Isso foi há séculos, — disse Phoenix.
— De novo, — exigiu Isla. — Você tem que garantir que está
fazendo certo, para não aparecer um bebê daqui a nove meses.
— Não vai ter bebê nenhum, — gemi. — Vou começar a tomar
anticoncepcional.
— E também não queremos nenhuma DST vindo atrás de você, —
completou Raven. — É nosso trabalho cuidar de você.
Ser a mais nova do grupo era um saco.
— Coloca essa camisinha de novo, — ordenou Phoenix, com uma
expressão preocupada no rosto. — Não podemos correr riscos.
Abri a boca para protestar, mas Athena me interrompeu. — E a
regra mais importante: nunca deixe o homem colocar a camisinha. Você tem
que fazer isso.
Franzi as sobrancelhas. — Por quê?
— Porque homem é um desastre e pode colocar errado, —
respondeu Raven. — E aí, o problema é de quem? Sempre da mulher.
Revirei os olhos, mas reconhecia o ponto dela.
Eva Winners BITTER PRINCE
— Ok, ok. Eu sempre vou ser a responsável por desenrolar a
camisinha no pau do cara. Satisfeitas?
— Reina! — exclamaram todas, como se tivessem flagrado uma
criança dizendo palavrão pela primeira vez.
— Ué? Vocês dizem ‘pau’ o tempo todo, — justifiquei.
— Ela não está errada, — observou Raven. — E vocês ouviram
esse ‘vocês’ todo arrastado saindo da boca da nossa mini cowgirl?
— Cowgirl é exagero, — resmunguei, jogando a banana com
camisinha em cima dela. — Pronto. Pau protegido. Passei?
Phoenix suspirou. — Passou, mas eu não gosto nada disso.
— O quê? Quer que eu demonstre num pau de verdade?
— Por favor, pare de dizer ‘pau’, — comentou Isla, exasperada.
— Sinto que minha irmãzinha está sendo corrompida.
— Não gosto do jeito como ele olha para você, — sinalizou
Phoenix, as sobrancelhas franzidas enquanto me observava.
Meu coração acelerou. — Como ele olha para mim?
— Como se não conseguisse desviar o olhar, — comentou Athena.
— Como se quisesse devorar cada pedacinho de você, —
acrescentou Raven.
— Como se fosse partir seu coração.
Os olhos de Phoenix contavam a história de sua própria desilusão
amorosa. A pergunta era: por quem? Eu tinha a sensação de que esse era o
segredo que ela guardava de mim.
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Minha garganta se apertou, odiando não tê-la protegido disso. A
promessa que fiz a mamãe pairava no ar como um fantasma, junto com
minha falha em cumpri-la.
E essa não seria a última vez que eu falharia em proteger minha
irmã.
Eva Winners BITTER PRINCE
CAPÍTULO 28
AMON
— Hoje eu não consigo lidar com ele, — disse Hiroshi, falando
japonês num ritmo acelerado, enquanto a calma habitual dava lugar a uma
fúria incandescente. Nunca o tinha visto perder a compostura - nem sequer
se desestabilizar -, e isso já dizia muita coisa.
E eu… Meu pai extinguiu qualquer demonstração de emoção em
mim há muito tempo. Desde criança, aprendi a controlar minhas reações e
sentimentos. Dante não era diferente.
Mas nos últimos três dias, ele estava à beira de explodir.
Descontava em todo mundo por qualquer coisa, ou por motivo nenhum.
Tanto que até eu não estava com paciência para encarar. Suspeitava que
Phoenix fosse o motivo. Normalmente, as mulheres se jogavam aos pés dele,
mas aquela garota se recusava até a falar com ele. Resultado: Dante se
transformara num babaca insuportável.
— O que ele fez? — perguntei, sem tirar os olhos da tela do laptop.
Não estava com disposição para as merdas de Dante hoje. A tensão no clube
era mais barulhenta que um tiro em plena missa.
— Está cutucando o urso.
O único urso que Dante podia estar cutucando era a Yakuza. Passei
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a mão pelos cabelos e forcei minha respiração a entrar em ritmo. Não
precisava de mais problemas com meu primo.
— O que Dante fez? — repeti a pergunta.
— Deu um soco num dos homens do seu primo.
Soltei um gemido silencioso. — Por quê?
— Disse que ele estava respirando alto demais. — Jesus Cristo. —
E ocupando espaço demais. O cara é magro feito um graveto.
Mas Itsuki não era. Pelo menos meu irmão direcionava o mau
humor dele contra seus homens, e não contra meu primo. Teria sido bem
mais difícil resolver a merda se ele tivesse acertado o próprio Itsuki.
Estava sentado à minha mesa quando o celular vibrou. Peguei o
aparelho e me recostei na cadeira para ler a mensagem.
O filho da puta está a caminho.
Dante tinha um talento especial para ser sucinto.
Digitei uma resposta:
Mantenha nossos homens por perto. Fique longe de confusão.
Itsuki adorava jogar sujo, e eu não confiava que ele não tentasse
alguma coisa.
A resposta do meu irmão veio na hora:
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Tão maduro, o desgraçado.
Estava prestes a guardar o celular no bolso quando a porta se
escancarou e o infeliz apareceu no batente em toda sua ‘glória’, cercado pelo
séquito de sempre e ostentando um olho roxo. O rosto suado, a respiração
pesada - até um curto trajeto do carro até o escritório era demais para ele.
A luta de sumô, definitivamente estava fora de questão, pensei com
nojo.
Como o próprio diabo, Itsuki entrou no lugar como se fosse dono
dele. Era quase dois anos mais novo que eu, mas andava como se tivesse
duas décadas a mais. Com aquele corpo redondo e o cabelo preso num coque
gorduroso, parecia mais um lutador de sumô. Exceto que os de verdade
tinham bolas. Graças a Deus ele decidiu usar calças. No complexo dele,
dispensava essa formalidade - e aquilo era uma visão que ninguém esquecia
facilmente.
Meu primo podia não ter bolas, mas com certeza se cercava de
gente que tinha. Felizmente para mim, nenhum deles tinha cérebro.
Os crimes horrendos que ele cometeu e os extremos a que chegou
para conquistar poder apavoravam a maioria das pessoas. Mas a casa de
cartas dele um dia desabaria, e eu garantiria isso. Ele pagaria por assassinar
meu avô e roubar meu império - mas, acima de tudo, por ter enviado homens
atrás de Reina e tentado vendê-la para o cartel brasileiro.
Ele arfava quando explodiu:
— Primeiro você mata meus homens, e agora vem me foder?
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Hiroshi se posicionou atrás de mim, silencioso, mas letal. Nós dois
sabíamos que Itsuki não hesitaria em esfaquear o próprio melhor amigo pelas
costas - que dirá os inimigos.
— Eu te disse, — falei, com frieza. — Se você mexesse com a
Reina, mexia comigo. E agora, sou eu que estou fodendo com você.
Uma sombra escura caiu sobre os olhos dele, mas ele rapidamente
a varreu.
— Isso é muita sacanagem. — Aproximou-se da minha mesa e se
jogou na cadeira à minha frente, as dobradiças protestando com o peso. —
Mas eu não fiz nada com a sua garota loira. Achei que já tivesse terminado
com ela.
Cerrei os dentes. — Ter terminado com ela ou não é irrelevante
aqui. Não se esqueça do nosso acordo.
Eu odiava profundamente o fato de a Yakuza tê-la no radar, e
odiava Romero ainda mais por isso.
— Você está tentando vendê-la aos brasileiros, — sibilei. — Por
quê?
— Não é verdade. — Primeiro sinal de que ele estava mentindo: o
inglês dele piorava quando ficava nervoso. Passou imediatamente para o
japonês. — Eu juro a você, Amon. Sobre o túmulo de nosso avô..
Aquele filho da puta.
— Está ou não mandando alguém seguir Reina Romero? —
perguntei em inglês, me recusando a facilitar. Que ele se virasse e falasse
como uma criança de cinco anos. Ele abriu a boca para responder, mas eu o
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interrompi com um aviso. — Pense duas vezes antes de mentir para mim de
novo.
Ele engoliu em seco, mas mal dava para perceber pela espessura
do pescoço. — Ela importante para você, — respondeu em um inglês ruim.
Patético. Ele era um verme, e quanto mais rápido eu me livrasse dele, melhor.
Coloquei as mãos sobre a mesa lentamente, batendo os dedos com
impaciência. — Não é da sua conta quem ou o que ela é para mim, —
anunciei com voz calma. — Fui claro nas minhas regras. Eu ajudo a Yakuza
trabalhando para você. E você fica bem longe dela. Você quebrou sua palavra.
A expressão dele não mudou, mas a cor da pele sim. — Não
quebrei.
Levantei-me, e ele se encolheu. Seus dois capangas puxaram as
armas, mas não foram rápidos o suficiente. Um já estava no chão com uma
bala na cabeça, e Hiroshi tinha a lâmina da katana pressionada contra o
pescoço do outro. Eu nem vi quando ele saiu do meu lado.
— Tente de novo, Itsuki.
— Se me matar, a Yakuza virá atrás de você. — Olha só quem
resolveu criar coragem. — Ela vai acabar morta de qualquer jeito.
Como eu odiava o fato de ele ter razão. Era cedo demais. Meu
império ainda não era forte o bastante para vencê-lo. Ainda não. Mas eu
cairia lutando. Se ao menos eu pudesse garantir que a Yakuza focaria apenas
em mim como alvo… Mas iriam atrás da minha mãe, do meu irmão, até da
Reina e da família dela.
— Talvez, — falei, sem deixar a voz demonstrar nada. — Mas
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você também.
E todos sabiam o quanto ele queria viver. Meu primo era um
covarde que cobiçava o poder, mas nunca à custa do próprio sangue. Só dos
que estavam ao redor.
A tensão tomou conta dos ombros dele, e ele me olhou como um
rato encurralado. Ou melhor: como uma cobra encurralada. Porque era isso
que meu primo era… Uma cobra traiçoeira e sedenta por poder.
— O chefe da família Cortes a quer. — Finalmente, um traço de
verdade. — Ele está disposto a oferecer exclusividade no fornecimento de
drogas por ela.
Meu maxilar cerrou. — Você vai recusar educadamente a oferta e
dizer que ela não está mais disponível.
— O contrato já foi elaborado.
Cerrei os punhos, a fúria queimando nas veias e me incendiando
por dentro. — Você. Vai. Encerrar. Isso.
O silêncio se alongou. Os olhos pequenos dele me estudaram, e
meu lábio se curvou em desgosto. Só podia imaginar as teorias que passavam
por sua cabeça, mas havia uma que ele nunca entenderia: amor.
— Eu poderia ajudar você, — ofereceu. — A mulher, em troca da
sua lealdade.
— Ela não é minha para ser dada. — E se eu tivesse algo a ver
com isso, ele jamais chegaria perto dela. — Mas o pai dela me deve e...
— O pai dela quitou a dívida — interrompi.
— Não os juros sobre os juros. — Soltei um riso seco. Filho da
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puta ganancioso. Aposto que nunca destacou essa cláusula para Romero. —
Faça a tatuagem e eu garanto que ela será guardada para você.
— Recusado, — disse, estreitando os olhos. — E você vai se
manter bem longe dela se não quiser que eu acabe com o seu império de
merda.
Ele sabia que eu não fazia ameaças vazias. — Está se achando
demais, príncipe amargo.
Eu podia muito bem esticar o braço por cima da mesa e espremer
a porra da vida fora dele.
Sabia que lidar com meu primo seria uma dor de cabeça. Só não
imaginava o quanto.
— A partir de hoje à noite, você vai ficar bem longe dela.
Ele piscou, provavelmente odiando meu tom.
— Se quiser continuar fazendo negócios com a Omertà e escoando
seu produto para a Europa e os Estados Unidos, vai esquecer que a família
Romero existe.
Não seria difícil levar essa conversa até a mesa da Omertà. Eles só
se alinharam à Yakuza por minha causa, e com relutância. Seria fácil romper
essa relação comercial, e Itsuki não podia se dar ao luxo de perder mais
território. Ele estava com medo. Eu via isso na rigidez dos ombros, na forma
tensa como se segurava.
— Posso fazer aliança com Sofia Volkov.
Aquela louca era sinônimo de encrenca. Se ele fosse estúpido o
bastante para não ver isso, que fosse em frente. Acabaria morto - por ela, ou
Eva Winners BITTER PRINCE
por mim.
Ajustei as mangas, tentando conter a vontade de agarrar o pescoço
dele. — Essa é sua última chance, primo, — alertei.
Os olhos dele passaram pelo corpo morto no chão, depois para
Hiroshi, que mantinha a lâmina firme contra o pescoço do outro capanga.
Itsuki sabia que, se matássemos o guarda, ele seria o próximo.
— Tudo bem.
Tudo - inclusive esse imbecil - seguiria conforme o planejado. Até
eu tomar o controle da Yakuza... ou queimá-la até as cinzas.
— Excelente. E seus homens não devem estar no mesmo país que
ela, — acrescentei, sem qualquer emoção na voz. — Ou você perderá um
aliado aqui.
Ele se virou para sair, tropeçando no corpo inerte do próprio
guarda. — Está me ameaçando?
Reclinei-me na cadeira, apoiando o antebraço no encosto, com
uma expressão entediada.
— Se você ou algum dos seus homens encostar nela, sim, vou
acabar com você. — A raiva queimava na garganta, no peito, embaçava
minha visão com um tom vermelho. Mas meu rosto continuava impassível e
meus batimentos, constantes. — Cancele esse contrato com o cartel
brasileiro ou vou queimar seu mundo até o chão.
— Você me deu sua palavra, — ele me lembrou.
O encarei com indiferença, embora meu peito se contorcesse com
repulsa. Ele roubou meu império, e achava mesmo que eu me importava com
Eva Winners BITTER PRINCE
a porra da minha palavra?
O que ele não sabia era que a piada era toda dele. Itsuki era burro
demais para perceber que eu nunca disse que não retomaria o que era meu.
Apenas disse que seria o segundo no comando da Yakuza. Que trabalharia
para ele.
— Se algo acontecer com ela, você pode enfiar essas palavras no
próprio cu. Vai ligar para o Cortes e cancelar qualquer merda que tenha
acertado com ele.
— Preciso mover cem quilos de cocaína.
— Você vai ter isso assim que cancelar o acordo com os brasileiros.
Já estava ficando cansado de repetir.
Seu olhar encontrou o meu, e ele soltou um suspiro sarcástico,
balançando a cabeça. Eu sabia exatamente o que havia feito. Tinha exposto
minha fraqueza. Mas ele não sabia que eu conhecia todas as dele. Misógino.
Fraco. Impulsivo. E completamente disfuncional - em mais de um nível.
Todos sabíamos que não havia espaço para fraqueza no submundo.
Mas Reina…
Porra. Só de pensar em alguém ferindo ela, um medo profundo se
instalava dentro de mim. Um medo que eu não sentia desde criança.
Ninguém - porra nenhuma de ninguém - tinha o direito de assustá-
la. De tocá-la. Exceto eu.
***
Eva Winners BITTER PRINCE
Estava sentado na minha moto Ducati Panigale V4 SP2, em frente
ao Royal College of Arts and Music, no Quai d’Austerlitz. O Sena cortava
Paris, e o calor do verão era menos sufocante ali do que no resto da cidade.
As pontes ao longo do rio só davam mais personalidade à cidade, embora eu
não pudesse dizer que a amava particularmente.
Preferia o Japão e a Itália. Na verdade, escolheria qualquer país do
sudeste asiático em vez de Paris, mas isso era só comigo.
Enquanto observava o rio fluir, lento e constante, aquilo me
lembrava a vida. Eventualmente, eu perderia Reina - de um jeito ou de outro
-, mas enfrentaria esse dia quando chegasse. Ainda assim, não podia negar o
aperto estranho que me tomava o peito só de pensar nisso.
Talvez fosse a culpa.
Eu estava usando ela. Era errado. E não tinha planos de parar.
Depois daquele breve gosto que tive dela em Veneza, soube que éramos
perfeitos juntos, mas não éramos feitos para durar. Eventualmente, eu teria
de deixá-la ir. Meu status de nascimento ilegítimo a colocava fora do meu
alcance. Nossas famílias eram incompatíveis.
A pressão no meu peito só aumentava, e eu não sabia como lidar
com isso.
Crescer, para mim, era sobre sobrevivência. A fúria do meu pai. O
sofrimento da minha mãe. Mas quando eu estava com Reina, meu passado
fodido desaparecia. Pela primeira vez, a vida parecia boa, tudo por causa dela.
Um burburinho de vozes me tirou dos pensamentos, e avistei a
cabeleira dourada de Reina cercada por três outras garotas. Devia ser o grupo
de amigas, imaginei, mas não pareciam com as que eu já tinha visto antes
Eva Winners BITTER PRINCE
com ela. De repente, um estado de alerta se acendeu dentro de mim ao ver
minha garota canela recuar um passo, batendo contra a parede. O rosto dela
se mantinha calmo como uma máscara, mas algo na forma como fechava os
punhos me fez ferver por dentro, minha raiva acendendo sinais vermelhos.
Porra. Tinha mandado mensagem para Darius - um dos fundadores
da Blackhawk SF Security - mais cedo e dito que não precisaria que ele
vigiasse Reina hoje. Ao que parecia, eu precisaria dele acompanhando as
aulas, já que ela estava sendo assediada na escola.
Desci da moto e me aproximei das garotas que cercavam Reina,
encurralando-a. Ela tentava se manter firme, mas três contra uma nunca foi
justo. A cada passo que dava, eu me aproximava mais de cometer um
assassinato.
— Eu não dou a mínima para o que vocês querem, — a voz firme
de Reina cortou o ar. — Saíam da porra do meu caminho e da minha cara,
ou vocês vão ver do que uma americana é capaz.
Essa é minha garota, pensei, orgulhoso. Ela não se acovardava.
— Tem algum problema aqui? — perguntei, parando atrás do
grupo, sentindo todos os olhares se voltarem para mim. Malditas vacas. Eram
pelo menos três ou quatro anos mais velhas que Reina. Eu não suportava
covardes, e aquelas três precisavam de uma lição. — Espero sinceramente
que vocês não estejam mexendo com a minha namorada. Caso contrário, vou
ter que mexer com vocês e com a família de cada uma, — dei mais um passo
à frente, e as três recuaram, tropeçando, — e vocês não vão gostar.
Reina contornou as garotas e veio para o meu lado. O braço dela
se enlaçou na minha cintura - e ainda bem que me tocou, porque, pela
Eva Winners BITTER PRINCE
primeira vez na vida, eu realmente considerei bater em uma mulher por
mexer com a minha garota.
Uma delas tentou parecer inocente, piscando os cílios, mas
respondi ao sorriso com um olhar duro e gelado. Senti um prazer doentio
quando vi o sorriso desaparecer e o medo preencher os olhos dela.
— A gente só estava conversando, — disse uma delas, tremendo
como folha ao vento.
— Pois então parem de conversar com a minha namorada, —
ordenei friamente. — Aliás, parem até de olhar para ela. Se eu ouvir que
vocês sequer olharam na direção dela ou falaram o nome dela, vou atrás de
vocês. Entendido?
Cada célula do meu cérebro queimava de raiva, e precisei de força
para não revidar do mesmo jeito que elas fizeram. Foi o toque de Reina que
me acalmou. O braço dela, apertado em volta da minha cintura.
— Eu não ouvi a porra da resposta de vocês.
— S-sim.
— Ótimo. Agora sumam da minha frente.
Elas fugiram como as galinhas que eram. Eu quase podia ouvir os
cocoricós enquanto batiam em retirada.
— Amon, você está bem? — a voz da Reina atravessou o zumbido
de fúria nos meus ouvidos. Assenti, e o braço dela se apertou ainda mais na
minha cintura. — Mesmo?
— Sim.
Minha escuridão girava ao nosso redor, apagando o brilho dela. —
Eva Winners BITTER PRINCE
Elas sempre mexem com você?
Ela balançou a cabeça. — Não. Na maioria das vezes, elas se
mantêm afastadas quando minhas amigas estão por perto. Só ficaram
irritadas porque o professor deu nota baixa para elas.
— Isso não é culpa sua, porra.
Ela deu de ombros. — Eu sei, mas fui melhor que elas, e elas não
gostaram. Agora se acalma e sorri. Não aguento mais seus rosnados.
Soltei um suspiro sarcástico. — Você é algo.
— Algo bom, né?
Sorri. — Sim, algo bom, garota canela.
Ela sorriu para mim como se eu fosse o príncipe dela, os olhos
brilhando como o Golfo de Trieste. Eu podia facilmente me afogar naquele
olhar, se não tomasse cuidado.
— O que está fazendo aqui, afinal?
Afastei os sussurros do passado e as preocupações do futuro,
focando no presente.
— Está na hora do nosso encontro.
A expressão dela era uma mistura de curiosidade e surpresa
enquanto me observava, ajustando a alça da bolsa no ombro.
— Você sumiu por três dias. Podia ter me dado um aviso. — Ela
passou a mão sobre o próprio corpo, e meu pau deu sinal de vida. Usava um
vestido leve de verão, rosa-claro, com alcinhas, revelando as pernas longas
e finas para quem quisesse ver. As sapatilhas combinavam com o vestido no
Eva Winners BITTER PRINCE
mesmo tom de rosa. Aquela garota tinha uma obsessão séria por rosa. — Não
estou exatamente vestida para um encontro.
— Você está linda.
As bochechas dela coraram, combinando com a roupa, e não
consegui segurar o sorriso. Era fácil - fácil demais - fazê-la corar.
— Está pronta para dar uma volta na minha moto? — Ela me
encarou, chocada, sem se mover. — Reina?
Ela balançou a cabeça, de leve. — Seu sorriso… — Franzi a testa
com aquele comentário estranho. — Você fica lindo quando sorri, —
sussurrou, e algo na honestidade dela me atravessou como uma lâmina no
peito.
Entreguei o capacete rosa que comprei ontem especialmente para
ela. — Aqui. Coloque isso.
Ajustando as alças da bolsa sobre os dois ombros, ela pegou o
capacete, segurando-o com certa hesitação. Os olhos voaram até mim, depois
voltaram para ele, e então ela o ergueu devagar até a cabeça.
— Nunca usei um capacete assim antes, — murmurou ao colocá-
lo. — Quantas mulheres já usaram isso, exatamente?
Estiquei o braço e ajudei a ajustá-lo, prendendo as tiras sob o
queixo dela.
— Você é a primeira, — disse com naturalidade, mesmo que meu
coração estivesse batendo em um ritmo completamente novo. Isso parecia
acontecer com frequência quando ela estava por perto.
Ela moldou os lábios cheios num ‘O’ silencioso e me encarou com
Eva Winners BITTER PRINCE
aqueles olhos azuis enormes, dizendo tudo e nada ao mesmo tempo.
Volta à porra da realidade, sussurrou meu cérebro. Ou você vai se
apaixonar por ela e arruinar tudo.
Tarde demais, provocou meu coração.
Era para ter sido fácil. Eu devia usá-la como o último prego no
caixão do pai dela. Mas ali, parado diante dela, com o mundo sumindo ao
fundo, a vingança parecia menos importante. O passado, irrelevante.
Mas ela… ela era e sempre seria importante.
— Eu gosto de você, Amon, — sussurrou ela, mantendo o olhar
no meu. — Muito.
Meu peito doía, mas de um jeito bom. Meu coração cantava, mas
só por ela. E olha que eu nem era cantor, caralho.
— Vamos, garota canela, — falei com um tom despreocupado,
apesar do fogo que queimava por dentro. — Deixa eu te dar uma carona.
Fiz uma careta no instante em que a frase escapou da minha boca,
mas a risada livre dela valeu totalmente a pena.
— Não quero nada mais do que isso, Amon Leone.
Eva Winners BITTER PRINCE
CAPÍTULO 29
REINA
Amon segurou a porta para mim enquanto entrávamos na
sorveteria da Rue de la Huchette.
— Bem-vinda ao Amorino. O melhor lugar da cidade para tomar
sorvete.
Deixei meu olhar passear pelo interior aconchegante da lojinha.
Cheirava a waffles caseiros, doces e chocolate. O espaço era bonito e limpo,
mas com um ar antigo. As cadeiras vermelhas e as mesas brancas davam um
toque vintage. O chão era coberto por ladrilhos verdes, e o rapaz atrás do
balcão usava um chapéu branco... Parecia uma daquelas cenas dos filmes
antigos em que minha avó costumava atuar.
— Não te imaginava como sendo um cara com queda por doces,
— comentei, olhando por cima do ombro.
Ele estava impecável, seus quase dois metros envoltos em jeans
escuros e uma camiseta branca que deixava os músculos à mostra. Aquilo
fazia meu coração palpitar e meu sangue vibrar. As mulheres na loja
lançavam olhares duplos, famintas. Mas não importava. Ele estava comigo.
Alcancei atrás de mim e entrelacei meus dedos nos dele, enquanto
ele carregava nossos capacetes. Como ele conseguia parecer tão descolado
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com meu pequeno capacete rosa pendurado nos dedos, eu não fazia ideia.
Ele ficou imóvel. — Não sou, — respondeu, apertando meus
dedos com os dele. Era um gesto tão simples, mas que me aquecia inteira,
até o rosto.
— Então por quê sorvete?
— Porque você gosta.
Meu coração hesitou antes de acelerar. Ele me avisou para não me
apaixonar por ele, mas eu temia que já fosse tarde demais. Aquela menininha
de seis anos pode ter se apaixonado pelo garoto, sem perceber que nunca
teria o coração de volta.
A verdade é que eu nem queria o coração de volta. Só queria o dele
em troca.
Ergui as sobrancelhas, tentando manter a pose. Por pouco. —
Espero que você vá pedir também. Não quero ser a única comendo.
Ele sorriu de novo, e meu coração bateu daquele jeito familiar que
só acontecia perto dele. — Vou pedir uma bola também.
— Qual sabor?
— Canela.
Bufei. — Acho que não existe sorvete de canela. — Então balancei
a cabeça. — Qual é a sua com canela?
Ele se aproximou, os lábios roçando minha orelha. — Eu gosto. É
meu sabor favorito. Meu cheiro favorito. Tudo.
Afastei-me para ver seu rosto. Um sorriso se formava nos lábios e
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os olhos brilhavam com estrelas que eu queria só para mim. — E sim, tem
sorvete de canela aqui.
Ele parecia tão certo, como se já tivesse estado ali antes.
— Este é o seu lugar oficial para encontros, ou algo assim? —
perguntei, estreitando os olhos enquanto entrava na fila.
As mãos de Amon rodearam minha cintura, o corpo alto e protetor
nas minhas costas.
— Você é a primeira, — sussurrou contra meu ouvido, fazendo um
arrepio percorrer minha espinha. Céus, eu amava o cheiro dele. O calor. A
voz. Amava tudo nele. — Você é a primeira em tudo para mim, minha garota
canela.
Meu estômago aqueceu enquanto eu tentava decifrar o que ele
queria dizer. Ele não costumava sair com garotas? Não namorava? O olhar
dele queimava em mim. Meu coração dançava com aquelas palavras que me
agradavam mais do que deveriam, mas não havia como impedir. Eu sempre
fui tudo ou nada. Nunca existiu meio-termo para mim.
Cinco minutos depois, estávamos sentados à mesa da janela,
observando as pessoas passarem e tomando nosso sorvete. Amon pediu uma
bola de sorvete de canela. Eu pedi maçã verde, limão e baunilha.
— Seu pai sabe que você está sendo assediada na escola?
A pergunta dele me pegou de surpresa. Dei de ombros. — Não.
Os olhos dele permaneceram indecifráveis, secretos.
— E eu prefiro que continue assim.
— Tudo bem.
Eva Winners BITTER PRINCE
E só por isso, eu gostei ainda mais dele.
— Então vocês não são próximos?
— Bom, eu amo ele, se é isso que está perguntando. — Levei uma
colherada de sorvete à boca. — Desde que a minha mãe morreu, ele mal
aparece.
— Então você não mora com ele?
— Não, ele normalmente fica com a gente na casa da Nonna,
quando nos visita.
Um olhar calculista passou pelo rosto de Amon, mas desapareceu
tão rápido que me convenci de que imaginei.
— Como ele conduz os negócios quando está com você e sua irmã?
— Usa o escritório da Nonna e o cofre dela.
Ele ficou imóvel, os traços se endurecendo, mas então respirou
fundo. Quase como se estivesse se forçando a relaxar.
— Já invadiu o escritório da sua avó? — O tom era brincalhão,
mas não combinava com a expressão em seus olhos.
Soprei um cacho rebelde que caía no meu rosto. — Se quiser
continuar vivo, nunca atravesse o caminho da minha avó nem mexa nas
coisas dela. Tenho certeza de que ela foi um dragão em alguma vida passada.
Isso pareceu diverti-lo, os olhos escuros se iluminando. — Vou
levar isso em consideração.
— Esqueça o meu pai, — falei, meio séria. — É da minha avó que
você deveria ter medo.
Eva Winners BITTER PRINCE
Coloquei mais uma colherada de sorvete na boca e murmurei
minha aprovação. Eu amava sorvete. Ele me observava comer com um calor
nos olhos, e fiquei aliviada por termos mudado de assunto e saído da minha
família.
— Então você é do tipo baunilha, é? — provocou, levando uma
colherada à boca.
Um rubor subiu pelo meu pescoço, e aquele calor conhecido se
formou na parte baixa do meu ventre. Não sabia se ele estava insinuando o
que eu achava que estava, ou se era só minha imaginação correndo solta.
— Bom, eu estou disposta a tentar qualquer coisa uma vez, —
respondi com naturalidade, levando a colher aos lábios. — Sabe como é, não
dá para julgar sem experimentar.
As narinas dele se dilataram, e a lembrança do que
compartilhamos em Veneza incendiou o ar ao nosso redor. Eu já tinha
tentado... e queria mais.
— Reina, você nunca deveria dizer isso a um homem, — disse ele,
arrastando as palavras, o olhar cintilando com desejo.
Mordi o lábio inferior e segurei o gesto, queimando por dentro.
— Não estou dizendo a um homem, — sussurrei, grata por sempre
mantermos nossas conversas em inglês. Caso contrário, esta estaria
completamente inapropriada para um lugar público como este. — Estou
dizendo ao meu namorado.
Uma eletricidade inquieta tomou o ar, enquanto o fogo rugia
dentro de mim com a vontade de sentir novamente as mãos dele em mim. A
Eva Winners BITTER PRINCE
boca dele. Tudo nele.
— Essa é a resposta certa. — E então ele mudou de assunto tão
abruptamente que me deixou tonta. — Por que não me mandou mensagem?
Pisquei, soltando um riso incrédulo. — Eu não tenho o seu número.
— Devíamos corrigir isso, não acha?
Revirei os olhos. — Bom, duh. Se você é meu namorado, eu
definitivamente devia ter seu número. Para te mandar emojis. Te chamar
quando estiver com tesão e coisas assim.
Então ele fez algo que eu não esperava. Jogou a cabeça para trás e
riu. O som era tão bonito que se infiltrou nos meus ossos e se enraizou fundo
na minha alma, para que eu nunca esquecesse. Meus lábios se curvaram num
sorriso feliz enquanto eu o observava, hipnotizada pelo som. Eu queria ouvi-
lo para o resto da vida.
Minha irmã sempre dizia que não havia nada melhor do que o som
das notas musicais vibrando sob os dedos. Ela conseguia ouvir certos tons
quando estavam bem altos e amava tanto tocar piano que eu apenas
acreditava. Eu também amava música, embora talvez não com a mesma
paixão. Mas agora, depois de ouvir a risada de Amon, eu sabia que ela estava
errada. Não havia som melhor.
— Me dá o seu celular, — ele ordenou, estendendo a mão.
Alcancei minha mochila e comecei a revirá-la. Assim que o puxei,
vi que tinha um monte de mensagens e uma chamada perdida de Isla.
— Merda, — murmurei. — Deixa eu só mandar uma mensagem
rápida para minha irmã, para avisar que estou bem.
Eva Winners BITTER PRINCE
Abri a conversa em grupo sem me dar ao trabalho de ler toda a
besteira que as meninas deviam ter postado naquele dia, e digitei rápido:
Tudo certo. Estou com Amon. Falo depois.
Enviei e entreguei o celular para Amon, observando enquanto ele
adicionava o contato. Meu celular vibrou, depois vibrou de novo, e de novo.
Amon ergueu uma sobrancelha, mas não disse nada ao me devolver o
aparelho. Nem me dei ao trabalho de ver as mensagens que estavam entrando.
Quando começavam, era impossível parar, e eu preferia muito mais
conversar com Amon naquele momento.
— Não vai adicionar o meu número no seu celular? — perguntei.
— Eu já o tenho.
— Ah. — Peguei outra colherada de sorvete e levei à boca,
lambendo a colher. — Então a pergunta deveria ser: por que você não me
mandou mensagem?
Ele nem se deu ao trabalho de responder.
— Me conta sobre sua lista de desejos. — A voz dele saiu profunda,
fazendo arrepios correrem pela minha espinha. — E é melhor parar de lamber
essa colher desse jeito, Reina, ou vai acabar se metendo em encrenca até o
pescoço.
Lancei a ele um olhar inocente. — Quer dizer parar de fazer isto?
— perguntei, piscando devagar enquanto pegava mais sorvete e o lambia de
forma sedutora.
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Ele ergueu a mão e seus dedos longos e fortes se fecharam ao redor
do meu pulso, bem quando eu ia lamber a colher de novo. Minha boca estava
entreaberta enquanto nos encarávamos, e me inclinei, passando a língua pela
colher mesmo assim.
— Rebelde, — disse ele rouco, o olhar enevoado e quase reverente
fazendo meu corpo arder. — Você é uma rebelde, não uma boa menina.
Ele abaixou minha mão, ainda sem soltar meu pulso, e se inclinou.
Seus lábios encontraram os meus, arrancando um pequeno gemido. Ele tinha
um gosto tão bom. Como baunilha quente, maçãs e cítricos. A tentação era
demais. Passei a língua pelo lábio superior dele, desejando aquele fôlego
como se fosse o meu.
— Eu também posso ser uma boa menina, — murmurei contra os
lábios dele.
Ele mordeu meu lábio inferior, forte, fazendo-me soltar um
gritinho.
Me afastei e encontrei seus olhos ardendo com um calor que eu
sentia entre as coxas.
— Você me deixa louco, garota canela.
Apenas alguns centímetros nos separavam, mas parecia que havia
cidades inteiras entre nós. Era insuportável. Eu o queria mais perto.
— Agora me diga sua lista de desejos.
Aquele homem era a definição de obstinado.
Suspirei, recostando-me na cadeira. — O que eu ganho se contar?
Ele hesitou, surpreso - ainda que brevemente - antes de deixar um
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sorriso lento surgir.
— Você quer outro orgasmo, — disse ele, com plena certeza.
— Bom, não é esse o objetivo de ter um namorado? — falei,
sentindo minhas bochechas pegarem fogo. — Assim não preciso me virar
sozinha.
Eu mal podia acreditar na minha ousadia, mas pelo modo como os
olhos de Amon brilharam, não consegui saber se era a coisa certa a dizer.
— Me diga sua lista de desejos, — repetiu ele com a voz áspera, o
olhar fixo em mim enquanto uma eletricidade vibrava no ar ao nosso redor.
— E eu faço você gozar.
Sorri, ligeiramente presunçosa. — Numa roda-gigante. — Ele
piscou, confuso, e então acrescentei: — Você vai me fazer gozar numa roda-
gigante.
Mais uma pausa. Eu devia mesmo estar cheia de surpresas hoje,
porque Amon demorou alguns segundos para responder.
— Numa roda-gigante, — repetiu ele, divertido e sombrio ao
mesmo tempo.
Meu coração e minha alma vibraram com uma vitória doce e
antecipada. Eu só tinha adicionado aquilo à lista recentemente: fazer sexo e
dar uma volta na roda-gigante em Paris com Amon. Nunca imaginei que
realmente aconteceria.
Sorri enquanto levava outra colherada aos lábios, deixando-a
pairar no ar antes de dizer:
— Isso está na minha lista de desejos. — Só recentemente eu
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começara a levá-la a sério, mas pretendia continuar acrescentando coisas. —
Fazer sexo numa roda-gigante com você.
Ele balançou a cabeça com um gesto quase imperceptível. — Você
é mesmo uma rebelde, garota canela.
Dei de ombros. — Só se vive uma vez. — Deixei o sorvete derreter
na boca. Assim que engoli, não consegui resistir: — Por que você vive me
chamando de garota canela?
A boca dele se curvou num sorriso satisfeito, ao mesmo tempo em
que os olhos ardiam com um calor que ameaçava me derreter como sorvete
num dia escaldante de verão.
— Você cheira a canela. — E então ele se inclinou sobre a mesa e
sussurrou: — E eu sei, porra, que vai ter gosto de canela também.
Engasguei com o sorvete, e minhas bochechas esquentaram tanto
que senti o calor subir até o couro cabeludo. Amon com certeza sentia essa
atração incandescente entre nós. Eu quase odiava o quanto queria fazer sexo
com ele. Era uma dor latejante, um desejo constante. E, no fundo, eu sabia
que aquilo nunca ia passar.
Porque eu estava tão perdida em Amon Leone, que não havia saída.
Não para mim.
***
Subi na moto esportiva dele e me agarrei enquanto ele a ligava
com um chute.
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— Segure firme, — ele disse.
— Não se preocupe, — respondi em um tom levemente elevado.
— Eu não vou te soltar.
Com os braços ao redor da cintura de Amon e as coxas
pressionadas contra as dele, agarrei a camiseta dele e me mantive firme,
sentindo a vibração entre minhas pernas. Meu pulso latejava no centro do
meu corpo, desde o momento em que nos sentamos na sorveteria.
Amon dirigia com total controle e confiança, ziguezagueando pelo
trânsito, e eu me sentia mais segura do que nunca. De vez em quando, ele
parava no semáforo, outras vezes, acelerava.
Eu me sentia totalmente livre. Como se não tivesse nenhuma
preocupação no mundo. Nem meu pai. Nem a escola. Nem responsabilidades.
Nem segredos. Só nós dois.
O zumbido suave do motor e a mão de Amon pousada na minha
coxa nua aumentavam a pressão entre minhas pernas. Aquilo me lembrava
Veneza, do jeito como eu havia me esfregado na perna dele até gozar. Eu mal
me reconhecia. Deslizei as mãos por baixo da camiseta branca simples dele,
adorando sentir seus músculos duros sob minhas palmas, resistindo à
tentação de explorar mais. Não era o momento, e definitivamente não era o
lugar, então apenas aproveitei o calor da pele dele e o instante em si.
Chegamos ao parque La Grande Roue cedo demais. Amon
desligou a moto, ajudando-me a descer e tirando meu capacete. Enquanto
prendia os dois capacetes na moto e os trancava, passei os dedos pelos meus
cachos.
Notei que ele me observava, quase intensamente demais. Ficamos
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alguns segundos nos encarando, até que ele me puxou para junto dele,
passando o braço ao redor dos meus ombros enquanto caminhávamos até a
bilheteria.
O cheiro de pipoca, algodão-doce e caramelo pairava no ar da tarde,
trazendo risos e vozes misturadas à brisa. Algumas pessoas observavam a
roda-gigante girando em seu movimento constante, enquanto outras se
beijavam deitadas em cobertores.
A adrenalina disparava nas minhas veias, alimentando meu desejo.
Com ele, a vida parecia linda. Parecia lar. Tão certa. Como se eu tivesse
esperado por ele. Eu queria me entregar por inteiro, e meu coração batia tão
rápido que me fazia sentir impulsiva.
— Dois bilhetes para a Grande Roue de Paris, — Amon disse,
enquanto uma onda de expectativa inundava meu corpo.
— Alguma criança?
Dei um risinho, ganhando um olhar sério da mulher atrás do balcão.
Pigarreei.
— Não, nenhuma criança, — falei seriamente, ciente do olhar
divertido de Amon penetrando o lado da minha cabeça. Porque vai rolar
putaria aqui, eu queria dizer, mas fui sensata o bastante para engolir essas
palavras.
— Vinte euros.
Amon entregou duas notas a ela e pegou nossos ingressos.
Não demorou até estarmos sentados na pequena cabine da roda-
gigante. Um clique alto e ela começou a girar, levando-nos para o alto.
Eva Winners BITTER PRINCE
Observei enquanto subíamos cada vez mais, com Paris inteira se estendendo
abaixo de nós.
Era assim que se sentia estar no topo do mundo? Longe de papai.
Longe da Nonna. Longe de todo o drama familiar. Sozinha com esse homem
que fazia todos os meus medos e ansiedades desaparecerem.
— Podemos apenas apreciar a vista, — a voz de Amon me tirou
dos pensamentos.
Virei o rosto, pegando-o me observando em vez da vista
maravilhosa ao longe. — Como assim? — perguntei. — Vai desistir?
Ele soltou um suspiro divertido. — Nunca, garota canela. — A
mão dele veio até a minha, e só então percebi que minhas unhas estavam
cravadas nos nós dos dedos dele. Afrouxei o aperto. — Mas não quero que
você fique estressada. A lista de desejos pode esperar.
Balancei a cabeça. — Não estou nervosa por causa disso — admiti
baixinho, mantendo o olhar no dele. — Só não quero que hoje acabe.
Ele segurou a parte de trás do meu pescoço e colou os lábios nos
meus. Com desespero. Com fome. Talvez ele sentisse o mesmo. Me movi e
fiquei montada nele, sem romper o beijo. Ele deslizou a língua para dentro e
eu me perdi. A febre arrebatadora pulsava em minhas veias, e fechei os
punhos em sua camiseta para puxá-lo ainda mais para perto.
Ele arrastou os lábios pelo meu pescoço, inalando profundamente,
e moveu os quadris contra os meus. Um gemido suave escapou dos meus
lábios, seguido de um suspiro quando sua boca quente roçou a pele sensível
logo abaixo da minha orelha.
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Quando ele apertou minhas coxas nuas com possessividade, um
som rouco subiu por sua garganta, e ele deslizou a mão por baixo do meu
vestido, agarrando um punhado da minha bunda. Meu sexo latejou de desejo
quando ele pressionou os quadris contra mim e eu gemi contra sua boca.
— Tenho exatamente três minutos para te fazer gozar, — disse ele
com a voz rouca, os lábios roçando os meus.
— Então é melhor começar logo, — murmurei, me esfregando
contra a ereção dele. Eu queria que ele abrisse o zíper e deixasse o pau
encostar na minha entrada quente. Só a ponta. Ele disse que teríamos de
esperar até eu fazer dezoito anos, mas eu não achava que conseguiria. Sentia
como se tivesse esperado por ele a vida toda.
Ele abaixou as alcinhas finas do meu vestido, revelando meu sutiã
rendado. Acariciou as curvas nuas da minha bunda enquanto os lábios
desciam pela minha garganta até os seios. Mordeu meu mamilo por cima do
tecido fino do sutiã, e o prazer correu direto para o meu centro quando me
movi sobre ele.
— Mais, — supliquei.
Ele passou o polegar sobre o mamilo, criando fricção, depois
puxou o tecido para baixo e o sugou com a boca. Gemi, jogando a cabeça
para trás. Então ele repetiu.
Enfiei a mão no cabelo dele, apertando com força a cada chupada
quente e molhada. Ele mordia, lambia e chupava como se nunca se saciasse.
Era arriscado, perigoso, a chance de sermos pegos enorme, mas aquilo só
aumentava a excitação.
A boca de Amon pairou perto do meu ouvido enquanto meu
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coração roncava alto no peito. — Você gosta da possibilidade de sermos
pegos. Isso te excita.
Gemi. Meus mamilos se enrijeceram até doer, e uma onda de
excitação encharcou minha calcinha.
— Não gosta?
— Gosto, — admiti, num sussurro. — Mas só com você.
Minha pele pegava fogo. Chamas se acendiam no baixo ventre e o
tecido úmido entre minhas pernas ficava ainda mais molhado a cada segundo
que passava.
Esfreguei-me contra a ereção dele com um ruído desesperado,
querendo o que só ele podia me dar. Meus seios estavam pesados. Meu centro
pulsava. Eu estava em combustão.
— Amon, — ofeguei. — Por favor, preciso de você mais perto.
Estava faminta por ele, meu sexo latejando, pulsando e se
contraindo enquanto ele empurrava contra mim, devagar. Deus, ele estava
duro. E grande.
— Como posso te desejar tanto assim? — sussurrou, com a boca
na minha mandíbula.
— Eu também te desejo, — respondi, a voz falhando enquanto
meus olhos se fechavam. E então a mão dele veio entre minhas pernas,
apertando minha boceta por cima do tecido sedoso, passando o polegar sobre
o meu clitóris, e minhas palavras evaporaram.
Ele cobriu meu queixo com beijos e eu estava à beira de explodir.
Sua boca tomou a minha de novo, as mãos me agarrando com força,
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controlando o beijo. Era possessivo. Uma promessa. Um desafio. Uma
recompensa.
Ele me devorava, mergulhando a língua para encontrar a minha
enquanto o polegar esfregava meu clitóris, conduzindo meu prazer. Os
quadris dele se moviam contra os meus. Cada nervo do meu corpo estava em
brasa, hipersensível. Meus dedos deslizavam pela nuca dele enquanto
cravava as unhas no couro cabeludo.
Ele rosnou contra minha boca. — Abra os olhos, Reina.
Meus olhos, semicerrados e turvos, encontraram o olhar dele, tão
escuro quanto galáxias. Minhas mãos foram parar nos ombros dele,
agarrando como se ele fosse minha âncora.
— Agora me observe te fazer gozar.
O polegar escorregou para baixo da minha calcinha e a palma
pressionou meu clitóris, aplicando uma leve fricção. Estremeci contra ele.
Estava perto, e pelo olhar de Amon, ele sabia disso.
Nós dois observávamos a mão dele entre minhas pernas. A palma
se movia devagar, pressionando meu clitóris, e uma necessidade desesperada
veio à tona. Como se já tivéssemos feito isso mil vezes antes, ele deslizou
dois dedos pela minha umidade e os empurrou para dentro de mim.
Arqueei as costas, cravando as unhas nos ombros dele.
— Porra, — ele murmurou. — Mal posso esperar para sentir essa
boceta apertada agarrando o meu pau.
As palavras dele e suas mãos rudes pareciam acender um pavio.
— Hoje? — suspirei, cheia de esperança, êxtase se espalhando
Eva Winners BITTER PRINCE
pelas minhas veias.
A risada sombria dele foi minha resposta. — Hoje não, minha
menina gulosa.
Ele deslizou os dedos grossos para dentro e para fora de mim,
roçando no meu clitóris a cada movimento e aumentando a pressão, fazendo
meus olhos revirarem.
— Deus, eu estou... — arquejei. — Ai, meu Deus.
Minha cabeça tombou para a frente, repousando no pescoço dele.
Ele estalou a palma na minha bunda com a próxima investida dos dedos, e
eu me movi contra a mão dele enquanto o prazer enlouquecedor se
acumulava, prestes a explodir. Então ele me deu outro tapa, e gemi contra
seu pescoço quando ele acariciou a queimadura com a palma da mão.
Um som grave vibrou no peito dele. — Porra, você vai ser o meu
fim.
Ele continuou me fodendo com os dedos e eu observava, meio em
transe, algo profundamente erótico na forma como os dedos saíam de dentro
de mim apenas para desaparecerem de novo. Eu estava tão molhada que
minha excitação escorria pelas coxas, enchendo o espaço fechado com ruídos
indecentes. Me esfreguei contra a mão dele, ofegante.
— Oh, Deus, oh, Deus, oh...
Montava nos dedos dele como se esse fosse o único propósito da
minha vida. Como se eu fosse morrer se não o fizesse.
Tremi, a pressão ameaçando explodir. Meu líquido escorria pela
mão dele, pelas minhas pernas.
Eva Winners BITTER PRINCE
Ele empurrou os dedos com força, curvando-os dentro de mim e
atingindo um ponto que me fez ver estrelas. O polegar pressionou meu
clitóris enquanto eu tremia, sendo lançada direto ao abismo. Minha visão
escureceu, minha audição falhou. As únicas coisas que registrei foram minha
respiração pesada e o coração martelando. O sangue bombeava das pontas
dos dedos dos pés até a cabeça, queimando tudo pelo caminho.
Ele continuou movendo os dedos lenta e profundamente dentro de
mim enquanto eu tremia contra ele, beijando seu pescoço, saboreando-o. O
cheiro dele, forte, limpo e masculino, era a minha droga.
Desci a mão, passando por sua ereção, o comprimento duro e
grosso pressionado dentro do jeans. Eu o queria dentro de mim. Queria fazê-
lo sentir o que ele me fazia sentir, mas o tempo da nossa volta na roda-gigante
estava se esgotando.
No instante em que segurei a ereção dele, ele soltou um suspiro e
agarrou meu pulso. — Hoje não.
Os dedos ainda estavam dentro de mim, mas ele não queria que eu
o fizesse gozar. Nossos olhares se encontraram, e eu sabia que ele via minhas
perguntas. Minha vulnerabilidade.
— Podemos esperar, — resmungou.
— Por quê? — questionei. — Se você disser que é porque ainda
não fiz dezoito anos, eu juro que vou gritar. Os seus nós dos dedos estão
enfiados em mim, cacete.
Ele soltou uma risada abafada. — Quem te ensinou a falar desse
jeito?
Eva Winners BITTER PRINCE
Dei de ombros. — Athena escreve romances imundos. Às vezes
eu leio.
Ele beijou meus lábios, mordiscando de leve o inferior. — Então
não te surpreenderia se eu tirasse os dedos de dentro de você e os lambesse
até ficarem limpos?
Um calor explodiu dentro de mim e minhas bochechas coraram.
— Não, — menti, embora nunca tivesse lido nada assim antes. — Quero ver.
Enquanto nos aproximávamos da plataforma de desembarque, os
dedos dele deslizaram para fora de mim, cobertos da minha excitação, e eu
observei enquanto ele os levava aos lábios e os chupava até não restar nada.
E eu estava pronta para outra rodada de qualquer coisa que aquele
homem quisesse me dar.
Eva Winners BITTER PRINCE
CAPÍTULO 30
AMON
No dia seguinte, eu estava sentado na biblioteca da minha casa em
Jolo, uma das ilhas ao sul das Filipinas. Já que não estávamos conseguindo
nada com o cofre do Romero - onde quer que essa merda estivesse - decidi
que talvez fosse hora de uma abordagem diferente.
O que significava invadir o cofre do meu primo no Japão.
Eu estava a milhares de quilômetros de distância, observando as
águas cristalinas brilhando sob o sol. Comprei este lugar há três anos com
alguns dos primeiros milhões que ganhei. Por quê? Porque este lugar era o
mais próximo do paraíso e a casa era cercada por águas azuis, da cor dos
olhos da Reina. Era o único lugar onde eu não precisava olhar por cima do
ombro, com medo de alguém me esfaquear pelas costas. Era meu, e só meu.
A longa estrada sinuosa era ladeada por estátuas de deuses
xintoístas - Amaterasu, Susanoo e Tsukuyomi - e cerejeiras floridas de ambos
os lados. Fui batizado, mas minha mãe ainda me criou majoritariamente
budista, como era comum entre os japoneses.
Recostei-me na cadeira, observando a paisagem e sentindo-me
mais em casa ali do que em qualquer outro lugar do mundo, exceto no país
da minha mãe. Exceto ao lado de Reina.
Eva Winners BITTER PRINCE
Meu irmão entrou no escritório com a cara de quem tinha engolido
um limão.
— Por favor, me diz que você já desceu do trem da amargura.
Ele fez uma careta. — Na verdade, só piorou. Papai quer nos ver.
Mamãe também.
A irritação acendeu no meu peito. Eu não estava pronto para vê-
los. Já era um sentimento comum em relação ao meu pai, mas nunca à minha
mãe. Eu sabia o que ela queria discutir, e não estava com humor para isso.
— Diga a eles que estamos seguindo uma pista.
O olhar de Dante se estreitou. — Essa é nova.
— O quê?
Ele desviou o olhar de mim, encarando o horizonte que eu vinha
admirando momentos antes.
— Você dispensando mamãe. Ou mentindo, — comentou
casualmente. — Eu faço isso bastante, mas você nunca.
— Não estou mentindo, — disse, ignorando meu irmão. Pode ser
uma verdade um pouco distorcida, mas ainda assim era verdade. A verdade
é que eu precisava de um tempo longe de Reina, senão nunca conseguiria
chegar até o aniversário de dezoito anos dela. Ela lançou um feitiço sobre
mim e estava me afundando cada vez mais.
Seus gemidos suaves. Seus sussurros. Estavam todos impregnados
nas minhas células cerebrais e se recusavam a me deixar.
— E qual é essa pista que estamos seguindo? — ele arrastou, com
um olhar cheio de segundas intenções.
Eva Winners BITTER PRINCE
— Não tivemos sorte com o cofre do Romero, — disse, meu olhar
endurecendo enquanto me balançava na cadeira.
— E você não conseguiu nenhuma informação com Reina? —
Dante perguntou, os olhos cravados em mim.
Passei a mão pelos cabelos. — Acho que sei por que não
conseguimos descobrir nada sobre o cofre do Romero, — Dante esperou que
eu explicasse. — Acho que ele está usando a casa da sogra.
As sobrancelhas do meu irmão se franziram.
— Você só pode estar brincando, — disse. — Isso vai contra o
bom senso.
Eu concordava, mas funcionava. Nunca me ocorreu que ele usaria
o cofre de Diana. Parecia uma estupidez, mas eu não tinha certeza se Romero
era esperto o suficiente. Maldição! Entrar no cofre da Diana Bergman - ou
seja lá qual sobrenome ela tivesse atualmente - não seria fácil.
— Sabemos em qual casa a sogra costuma ficar mais? — perguntei.
— Era a de Malibu até elas irem para a faculdade. E se você se
lembra, eu fucei aquela.
Difícil esquecer, já que foi no dia em que a Yakuza atacou. O dia
em que dei o apelido da Reina.
— Algum progresso com Phoenix? — perguntei a Dante.
Ele soltou um longo suspiro, puxando os fios de cabelo.
— Aquela garota é insuportável. Se recusa a falar comigo.
— Falar?
Eva Winners BITTER PRINCE
— Sinalizar. Tanto faz, — ele apertou os fios entre os dedos. —
Aprendi algumas palavras, mas como diabos vou usá-las se ela vira as costas
para mim?
— Conquiste-a, — arrastei. — Nunca foi um problema com outras
garotas.
Ele me mostrou o dedo do meio.
— Melhor pensar em outro plano, porque eu e Phoenix não vamos
alçar voo nenhum.
— Não sabia que você tinha virado poeta, — comentei secamente.
— Vamos tentar o cofre do nosso avô.
Os olhos de Dante se arregalaram.
— Você enlouqueceu? Ou está só tentando nos matar?
— Itsuki não vai estar lá. E como segundo em comando, eu estarei.
Que momento melhor para vasculhar os segredos dele?
— Jesus, já consigo ver, — murmurou. — Vamos afundar até o
pescoço nessa merda.
Hiroshi entrou naquele momento, vestindo seu tradicional
conjunto de Hakama e Kimono. Parecia um samurai antigo a serviço do
Japão Imperial.
Meu celular vibrou e o nome de Reina apareceu na tela. Nunca abri
uma mensagem tão rápido.
Novo item da lista de desejos. Dançar comigo ao som de uma
Eva Winners BITTER PRINCE
música country.
Soltei um suspiro incrédulo. Ela tinha me enviado mais dois
pedidos para a lista de desejos. Beijá-la sob lanternas flutuantes e transar
numa piscina.
— Isso é assustador pra caralho, — Dante murmurou. Quando
encontrei seu olhar com uma sobrancelha erguida, ele acrescentou: — Você.
Sorrindo. É assustador pra caralho.
Hiroshi não disse nada, mas uma centelha de preocupação brilhou
em seus olhos. Ignorei enquanto digitava uma resposta.
Qual música country, minha garota canela?
— Deveria vir treinar seus movimentos comigo, — disse Hiroshi
em japonês, sua voz tranquila como sempre. Ele era um dos homens mais
letais que eu conhecia - mesmo com a idade que tinha - e ninguém imaginaria
isso ouvindo-o falar. A não ser, é claro, quando Dante o irritava. Meu irmão
era o único ser humano neste planeta capaz de tirar Hiroshi do sério.
— Tudo bem. — Eu precisava mesmo de uma forma de aliviar a
tensão.
Meu celular vibrou novamente.
Podemos escolher juntos. Ok, minha aula vai começar. Falo
Eva Winners BITTER PRINCE
com você depois.
Ela não sabia que eu tinha alguém vigiando por ela, sem confiar
naquelas garotas intimidadoras para não aprontarem alguma. Tive que pagar
uma quantia extra para Darius prestar atenção na aula enquanto ficava parado
do lado de fora da escola, dentro da van de vigilância. Darius declarou que
era a aula mais entediante do planeta. Aparentemente, ele teve que recorrer
a cafeína extra para não dormir ouvindo besteiras sobre moda. Disse que a
única diversão era a sagacidade de Reina quando ela defendia os colegas dos
agressores. Ela escondia uma ferocidade por trás da doçura.
E eu queria que essa ferocidade queimasse forte e intensa, mas só
por mim.
Era como se toda a minha vida tivesse me levado de volta àquela
menina que encarava meu pai com olhos azuis enormes e cheios de medo.
O instinto de autopreservação gritava para eu mantê-la à distância
e longe do meu coração. Estávamos rumando para uma colisão inevitável, e
nossos novos limites não significariam porra nenhuma quando a verdade
sobre o pai dela - e sobre eu tê-la usado - viesse à tona. Mas eu não conseguia
parar, mesmo se tentasse. Pelo contrário, eu a desejava mais a cada
respiração.
Eu queria tudo dela, mesmo sabendo que não a merecia. Minha
cabeça e meu coração travavam uma guerra civil, e, pela primeira vez na
vida, meu coração estava vencendo, porque eu começava a questionar a
necessidade do meu plano de vingança pela minha mãe.
— Então está resolvido, — Hiroshi anunciou ao sair pela porta. —
Eva Winners BITTER PRINCE
Estarei esperando no dōjō.
Todas as casas que eu tinha no Japão e no Sudeste Asiático, em
geral, tinham um dōjō. Era uma sala que usávamos para treino e meditação.
— Ele vai acabar com você, — Dante observou.
— Provavelmente. — Levantei-me e atravessei o escritório.
— Boa sorte. Posso ficar com sua moto se ele te matar?
Meu irmão sempre tão atencioso.
— Você tem uma igualzinha, — falei, balançando a cabeça.
— Nunca é demais ter motos, — ele gritou atrás de mim.
Encontrei meu instrutor na sala de treino, e nós dois fizemos uma
reverência antes de começar a luta. Vinte minutos depois, percebi que
Hiroshi estava determinado a me detonar no treino de hoje.
Quase quebrou minha perna. Duas vezes. E não tinha nada a ver
com a mulher loira de sorrisos quentes e rosto angelical. E definitivamente
não era porque ela bagunçava a porra da minha cabeça com aquelas pernas
torneadas e o jeito ofegante com que dizia meu nome. Como se eu fosse o
único capaz de dar a ela o que precisava e queria.
Merda!
Uma mão pousou no meu pescoço com força suficiente para me
tirar o fôlego. Treinar artes marciais com Hiroshi nesse estado era um erro.
Ele me picaria em pedaços e me deixaria imobilizado por uma semana.
— Você está distraído, — Hiroshi disse, me chamando a atenção
na cara dura.
Eva Winners BITTER PRINCE
— Tenho muita coisa na cabeça, — grunhi enquanto bloqueava
seu próximo golpe.
Ele chegou a dar uma risadinha. — Imagino.
Revirei os olhos. Queria voar de volta para Paris, levar Reina de
novo para a roda-gigante - ou melhor ainda, para minha cama - e fazê-la
gemer e se contorcer em cima de mim, com aquele cabelo cor de trigo que
me lembrava o verão espalhado pelos meus lençóis.
— Qual o nome dela? — ele perguntou. O problema era que eu
jamais compartilharia minha vida pessoal com Hiroshi. Ele era próximo
demais da minha mãe, e eu não precisava de mais uma daquelas ‘conversas’
com ela.
— Não tem nome.
— O amor é uma distração, — ele disse, com a respiração
controlada enquanto acertava mais um soco.
— Você é uma distração, — grunhi. — Está tentando me matar?
Seu punho fechado passou a centímetros do meu estômago, mas
pelo menos fui rápido o bastante para desviar.
— Estar distraído enquanto luta contra seu primo e os homens dele
vai te matar.
Bloqueei o próximo golpe também. Graças a Deus, porque meus
pulmões já estavam à beira do colapso.
— Vamos continuar conversando? — desafiei. — Talvez
devêssemos pedir chá.
Nos trinta minutos seguintes, lutamos sem dizer uma palavra. E,
Eva Winners BITTER PRINCE
milagrosamente, aqueles cachos dourados saíram da minha cabeça.
Eva Winners BITTER PRINCE
CAPÍTULO 31
AMON
Quioto, a cidade das ruas de paralelepípedos e telhados baixos, era
cercada por paisagens montanhosas e ar puro. Localizada na região de
Kansai, no Japão, sua história era rica, e seus tesouros nacionais abundavam,
com santuários e templos espalhados por toda parte. Era conhecida por sua
cultura refinada, gastronomia e o charme do interior japonês.
E, é claro, havia o crime. Toda região do mundo precisava lidar
com isso. Quioto não era diferente.
Caminhávamos pelas ruas, passando pelo Santuário Yasaka,
quando uma voz chamou:
— Amon, Dante.
Merda. Eu realmente esperava que não fosse meu primo ou um dos
homens dele. Troquei um olhar com meu irmão, cuja mão já estava no coldre.
Nos viramos, apenas para dar de cara com Alessio Russo e sua
esposa.
— Bem, isso é inesperado, — cumprimentou Alessio, apertando
minha mão, depois a de Dante. Inclinei a cabeça em reconhecimento à moça.
— Oi. Sou Autumn. — Então me lembrei: Russo - ou Ashford,
Eva Winners BITTER PRINCE
seja lá qual nome usava hoje em dia - havia se casado com a esposa aqui.
— O que estão fazendo aqui? — perguntou Dante, olhando para
os dois com desconfiança.
— Viagem de aniversário, — respondeu Alessio.
Sua esposa sorriu radiante.
— Meu marido prometeu me trazer a Quioto para comemorar
nosso aniversário pelo resto das nossas vidas.
— Que coisa entediante. — Claro, foi meu irmão quem respondeu.
Alessio estreitou os olhos para ele. — E por quê?
Revirei os olhos, mas não disse nada. Que ele se virasse sozinho.
— Há tantos outros lugares para explorar, — disse Dante,
arrastando a voz. — Não consigo imaginar voltar ao mesmo lugar, de novo
e de novo.
Boa, irmão, pensei, segurando um sorriso.
— Bem, Alessio me leva para vários outros lugares, o ano todo —
respondeu Autumn, afiada. — Mas no nosso aniversário, estaremos em
Quioto.
Alessio riu. — Talvez um dia, com sorte, você entenda. Ainda são
jovens.
Dante e eu rimos com desdém. Não nos sentíamos jovens fazia
anos. Então o mafioso canadense me lançou um olhar.
— Já está no comando da Yakuza?
Ergui uma sobrancelha, surpreso por ele sequer perguntar, e como
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não respondi, ele continuou:
— Seu primo é um merda. Não sabe a diferença entre as próprias
bolas e a bunda.
Resumiu bem.
— Não, — respondi secamente. Não tinha interesse em discutir a
Yakuza ou meu primo merda. — Só visitando.
Os lábios de Autumn se curvaram, e eu soube que a próxima coisa
que sairia da boca dela seria uma provocação. — É o seu aniversário também?
Depois de mais alguns minutos conversando sobre negócios,
Alessio e Autumn seguiram em frente, enquanto Dante murmurava algo
entre os dentes.
— O quê?
— Todo esse papo de amor me dá vontade de vomitar, — declarou.
Tão típico do meu irmão.
— Então vomita, — respondi, impassível. — Só não faz isso do
meu lado. E eu não vou segurar a sua cabeça.
Ele abriu um sorriso, aquele olhar insano nos olhos voltando a me
alarmar. Estava acontecendo com muita frequência ultimamente - desde que
cruzamos com Phoenix e Reina Romero -, e eu me perguntava quanto tempo
mais ele aguentaria antes de precisar de uma válvula de escape. A primeira
vez que percebi a mudança foi logo após o acidente, aquele que causou sua
amnésia parcial. Ainda estávamos no escuro sobre os detalhes do ocorrido,
mas ele teve uma sorte do caralho de sobreviver.
Seguimos em frente, cercados pelas flores de verão em plena
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floração, perfumando o ar de um jeito sutil. O aroma era amargo e verde.
Mais ou menos como eu, pensei, com sarcasmo.
Não pude evitar de imaginar se Reina gostaria daqui. Com certeza
chamaria atenção, mas do melhor jeito possível. Se eu assumisse a Yakuza,
ela me seguiria? Ou uma vida longe do submundo era tudo o que ela queria?
Balancei a cabeça. Ela estava na minha mente, consumindo meus
pensamentos demais.
— Por que me sinto um gigante aqui? — Dante comentou
enquanto íamos para os fundos do complexo. Era o lugar menos
movimentado, e o mais conveniente caso precisássemos sair rápido.
— Porque você é um gigante, — retruquei, seco.
— Você também é, — rebateu ele. — Caso tenha esquecido, temos
a mesma altura. Aposto que os locais acham que você é uma aberração com
esse tamanho todo.
Não me dei ao trabalho de responder. Estava claro que minha
altura vinha do nosso pai. Minha ancestralidade era evidente no meu rosto,
mas havia pequenos detalhes - o tom da minha pele, a cor dos meus olhos,
minha estatura - que traíam minha herança mista. Os membros mais
tradicionais da Yakuza odiavam isso, e foi por isso que garantiram que meu
primo assumisse o controle, ignorando os desejos do meu avô.
Um dia, eles se arrependeriam. Itsuki era só discurso, sem
execução. Queria dominar o mundo e, nesse processo, havia perdido mais
territórios do que conquistado.
A única razão pela qual ainda mantinha o negócio de drogas era
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por causa das minhas conexões, e ele sabia que, se me traísse, essas conexões
desapareceriam. Eu também sabia que ele continuava traficando mulheres, e
estava trabalhando para encerrar esse ramo do negócio. Só precisava
desmontar o suficiente do império dele para enfraquecê-lo e fazer com que
seus próprios homens o odiassem. Depois disso, seria história.
Assim que chegamos aos fundos do complexo da Yakuza, entrei
na casa e fui direto para o quarto do meu primo. O mesmo que um dia fora
do meu avô, embora agora não tivesse mais nada a ver com ele. Itsuki o havia
modernizado. Parecia qualquer outro quarto do mundo ocidental, só que com
um pouco menos de gosto.
— Abre logo esse maldito cofre e vamos fugir, — sibilou Dante.
— Esse quarto está me dando arrepios. Aquele desgraçado provavelmente
promove umas orgias sérias aqui dentro. Vou precisar de um banho de água
sanitária.
Ao longo dos anos, explorei cada canto da casa do meu avô.
Conhecia cada recanto como a palma da minha mão. Inclusive os lugares
onde meu primo perturbado poderia esconder seus segredos.
Fui até a pintura da nossa família, datada de três gerações atrás.
Lanternas flutuavam sobre o jardim Zen de Ojīsan, com um céu azul-escuro
acima. Aquilo me fez pensar em Reina e sua lista de desejos.
— Quando terminarmos aqui, quero passar em um lugar, — falei
para Dante.
— Onde?
— No mercado, — respondi, tirando a pintura da parede. Os locais
vendiam esse tipo de coisa, e eu queria riscar esse item da lista da minha
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garota canela.
Ele soltou um suspiro sarcástico. — Você quer ir às compras?
— Isso mesmo.
Não me virei, mas sentia o olhar dele queimando a minha nuca.
Ele fazia isso quando achava que eu estava escondendo alguma coisa.
Ignorei meu irmão e sua desconfiança e me concentrei em abrir o
cofre. Levei três tentativas até acertar a combinação do meu primo - 0401,
mês e dia do aniversário dele. Primeiro de abril. Que porra apropriada. O
idiota era um palhaço do início ao fim.
Alcancei a pequena caixa de metal com uma trava personalizada,
a segunda camada de segurança. Meu avô a havia instalado para proteger
ainda mais os documentos importantes guardados ali.
Demorei alguns minutos para arrombá-la, e então...
— Porra, — murmurei.
— O quê?
— Está vazia.
— Isso parece estranho, — comentou Dante, enfiando as mãos nos
bolsos. Estávamos os dois de terno, para nos misturar com o resto desses
filhos da puta que perambulavam por aí. Era conveniente que meu primo
deixasse idiotas sem cérebro tomando conta da casa. Embora os que ele
levava com ele não fossem muito melhores.
— Significa que ele ou tem outro local onde guarda os documentos,
ou não tem nada de valor para guardar aqui.
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— Ou passou tudo para o digital. — Trocamos um olhar, ambos
cientes de como Itsuki era inepto com tecnologia. Ele mal conseguia ligar
um computador. — É, foi um pensamento idiota, — admitiu meu irmão.
O som de vozes preencheu o complexo, e nós dois ficamos tensos.
Fechei rapidamente o cofre interno, depois o externo, recoloquei a pintura
no lugar e jurei que um dia roubaria aquela porra. Meu primo idiota
provavelmente nem perceberia se eu trocasse por uma falsificação.
Hmm. Na verdade, era uma boa ideia. Peguei o celular e tirei uma
foto da pintura. Encomendaria a um artista uma cópia falsa.
— Por que você está tirando foto disso? — questionou Dante.
Nem me dei o trabalho de responder, já atravessando a porta.
Tínhamos acabado de sair do complexo quando o carro de Itsuki virou a
esquina, passando direto por nós.
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CAPÍTULO 32
REINA
Saí correndo da sala de aula e percorri os corredores até a porta de
saída. As garotas que faziam bullying não tinham me incomodado desde que
Amon as confrontou, mas certos hábitos eram difíceis de abandonar. Às
vezes, ser a mais nova da turma realmente era um saco. Dois anos de
diferença não pareciam tanto, mas ao longo dos meus doze anos de
escolaridade, isso sempre foi o bastante.
Ou me achavam uma nerd, ou uma aberração. Eu não era nenhuma
das duas. A verdade era que me matei de estudar no ensino médio para poder
me formar ao mesmo tempo que Phoenix. Eu não queria ficar longe dela por
dois anos. Foi tanto por mim quanto por ela. Simplesmente funcionávamos
melhor juntas.
Meus olhos se voltaram para a rua, e meu coração despencou ao
chão com a ausência de uma certa moto reluzente. Eu não via Amon havia
quatro dias. Ele tinha viajado a trabalho, e, assim como meu pai, era
extremamente reservado quanto a isso. Considerando que a família Leone
fazia parte da Omertà, não era nenhuma surpresa, mas quatro dias era uma
eternidade para uma garota apaixonada.
Desci correndo os degraus e atravessei a rua quando ouvi meu
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nome.
Virei o rosto por cima do ombro e avistei um Audi prateado. Meu
coração parou, e meus pés também, ao ver uma figura alta encostada no carro,
mãos nos bolsos. O cabelo preto brilhava com reflexos azulados sob o sol.
Não pensei. Só agi.
Minha bolsa escorregou do ombro e caiu no chão. Meu pulso
pulsava forte na garganta e um sorriso se espalhou nos meus lábios. Meus
pés já corriam antes que meu cérebro pudesse registrar o que estava
acontecendo.
Ele tirou as mãos dos bolsos e eu pulei nos braços dele, enlaçando
sua cintura com as coxas e afundando o rosto em seu pescoço.
— Você voltou, — sorri, apertando meu rosto contra ele para
respirar seu cheiro e cobri-lo de beijos.
Ele riu, rouco. — Feliz em me ver, garota canela?
Meu Deus, como ele cheirava bem. Como ele parecia certo. —
Muito, — murmurei. — Senti sua falta.
Ele enfiou a mão no meu cabelo e puxou de leve, como se
precisasse ver a verdade nos meus olhos.
— Sentiu minha falta? — perguntou, os olhos cravados nos meus.
Assenti. — Nós trocamos mensagens todos os dias, — ele apontou, a voz
com um toque áspero.
— Não é a mesma coisa, — falei devagar, temendo estar me
entregando demais. Mas eu não sabia ser diferente. Eu queria mostrar tudo a
ele. Queria dar tudo a ele.
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Deslizei pelo corpo dele até os pés tocarem o chão, mas quando
tentei recuar um passo, seu aperto se firmou. Uma das mãos veio à minha
garganta e ele a segurou, inclinando minha cabeça para cima, forçando-me a
encarar seus olhos.
Claro e escuro. Azul e preto. Suave e intenso.
— Também senti sua falta, — ele disse suavemente, e sua boca
encontrou a minha num beijo que poderia facilmente partir meu coração. Não
foi áspero. Nem desesperado. Ele me beijou profundamente e com suavidade,
como se eu fosse algo precioso para ele.
Ele soltou um gemido de satisfação, a língua dançando com a
minha.
Afastei-me, sem fôlego, apenas para dizer: — Mal posso esperar
pelo meu aniversário de dezoito anos.
Ele ergueu uma sobrancelha e soltou uma risada. — Podemos e
vamos esperar.
Resmunguei algo ininteligível e ele abaixou a cabeça, roçando a
ponta do nariz na minha. — Somos jovens. Não há pressa.
Soltei um suspiro exasperado. — Só alguém que não é virgem diria
isso.
Quando ele ficou imóvel, senti um rubor subir pelo meu pescoço
e atingir minhas bochechas.
Seu aperto na minha nuca se intensificou. — Virgem, — ele
repetiu devagar.
Revirei os olhos. — Você sabia. — Ele tinha que saber. Presumi
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que era por isso que queria esperar até meu aniversário. — Sabia, não sabia?
— sussurrei, hesitante.
— Merda, Reina. — Sua testa encostou na minha. — Como
diabos... — Ele inspirou fundo e soltou o ar devagar. — Eu não esperava
uma virgem de quase dezoito anos no mundo de hoje.
— Isso é ruim? — sussurrei.
— Não, minha garota canela, — murmurou ele, os lábios roçando
os meus. — Só inesperado.
Tentei conter um sorriso, prestes a derreter ali mesmo, naquela
calçada quente de Paris.
Apertei o rosto contra o peito dele, absorvendo seu cheiro.
— Eu sei que você disse para eu não fazer isso, — levantei o rosto
e encontrei seu olhar. — ...mas estou me apaixonando por você. E não
consigo evitar.
Ele soltou um som de satisfação e seu rosto se abriu num sorriso
deslumbrante. Inclinou-se e afundou o rosto no meu pescoço, um calor terno
e intenso me preenchendo por dentro. Roçou os lábios ao longo da linha do
meu maxilar antes de tomar minha boca num beijo suave.
— Agora você é minha, garota canela. Para sempre.
Queria dizer que já era dele desde os seis anos, mas antes que
pudesse, ele perguntou: — Terminou as aulas da semana?
— Sim.
— Ótimo. Temos alguns itens da lista para riscar. — Ele
pressionou os lábios aos meus. — Vai passar o resto do dia comigo.
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Meu coração batia mais alto que tambores quando o vi pegar
minha bolsa do chão. Com os dedos entrelaçados, entramos no carro juntos,
e eu soube que iria a qualquer lugar com aquele homem. Para sempre.
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CAPÍTULO 33
AMON
Inalei profundamente, o cheiro de borracha, fumaça de motor e
óleo impregnando meus pulmões. Corridas de carro começaram como um
hobby e se transformaram em um negócio lucrativo. Com a abertura recente
dos meus clubes e a aquisição de portos, eu não tinha tido tanto tempo para
me dedicar à preparação para a corrida que se aproximava.
A multidão barulhenta transbordava de animação enquanto eu
conduzia Reina até a área VIP. A corrida ainda não havia começado, mas eu
conhecia o ponto exato que daria a ela uma boa visão da pista - e também era
ideal para o que eu tinha planejado depois.
— Hum, Amon, — a mão de Reina apertou a minha.
— Sim?
— Tenho quase certeza de que isso não estava na minha lista de
desejos, — murmurou, os olhos disparando de um lado para o outro,
examinando a pista. — Talvez na sua?
Soltei uma risada baixa. — Você vai ver.
A brisa leve dançava sobre o tecido do vestido de Reina,
moldando-o às coxas e curvas dela. Pela primeira vez, ela não usava rosa,
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mas sim azul - embora o vestido ainda tivesse flores cor-de-rosa estampadas.
— Tenho que dizer, nenhum garoto jamais me levou para um
encontro em uma corrida de carros, — ela comentou, divertida.
Meu maxilar se contraiu e um rosnado baixo reverberou no meu
peito. Eu não gostava de pensar nela em encontros com outros homens; ela
sempre foi feita para ser minha. Mas tive o bom senso de manter essas
palavras para mim.
Passei a mão pela boca, impressionado com o quão certo tudo
aquilo parecia. Como se tudo que aconteceu na minha vida tivesse me trazido
até este momento. Até ela. Até nós.
Minha determinação por vingança estava enfraquecendo, e a
necessidade que sentia por ela só crescia.
— A menos que queira que esses garotos acabem numa cova rasa,
nunca mais os mencione.
Ela riu baixinho. — Possessivo, hein?
Levei a mão até sua nuca. — Eu já te disse, Reina. Você é minha,
e eu não divido.
Ela se ergueu na ponta dos pés e aproximou o rosto do meu. Os
lábios entreabertos quando nossos olhos se encontraram. Se prenderam.
Queimaram. A eletricidade crepitava entre nós e algo tropeçou dentro do meu
coração. Ela selou um beijo suave nos meus lábios.
— Eu também não, Amon. Melhor lembrar que isso é uma via de
mão dupla.
Deus, essa mulher. Era jovem, mas havia nela uma maturidade e
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determinação que rivalizavam com pessoas com o dobro da sua idade.
Meu polegar roçou seu lábio inferior. — Quero ser o seu primeiro
em tudo, garota canela.
Ela ergueu o queixo, e por um segundo, achei que ela fosse me
mandar à merda.
Em vez disso, disse: — Então quero todos os seus primeiros
também. — Sua língua passou pelo meu polegar. — Ou os que ainda restam.
Promete?
Ela era minha paz. Meu calor. A única luz que já tive na vida, e eu
seria um idiota se a deixasse escapar. — Prometo.
— Amon!
Virei-me para ver quem me chamava e avistei um dos meus
mecânicos correndo em nossa direção quando chegamos ao pódio na área
VIP. Cabelos loiros, olhos castanhos - ele já era um ímã para as mulheres;
nem precisava correr para atrair atenção.
— Tony, — cumprimentei, apertando sua mão. — Como vai?
— Bem, bem.
Seus olhos voaram para Reina, avaliando-a. Mas antes que eu
pudesse fazer qualquer coisa, ela estendeu a mão e disse:
— Olá. Sou Reina. — Inclinou o queixo na minha direção. —
Namorada dele.
— Ah. — Isso mesmo, seu merdinha. Ah.
Nunca me faltaram mulheres correndo atrás de mim, mas elas
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geralmente se dividiam em duas categorias: encrenqueiras e vagabundas.
Reina não se encaixava em nenhuma. Sim, ela tinha um espírito rebelde, mas
era uma garota ensolarada, de coração doce até o último fio de cabelo.
— O piloto... — Tony sibilou, mudando de assunto. — Está doente.
Gripe ou algo assim. Você pode correr?
Ergui uma sobrancelha. — E o reserva?
Ele inspirou fundo. — Decidiu não aparecer.
Preguiçoso do caralho. Eu nunca quis contratar um reserva,
especialmente o que meu piloto indicou. Era o namorado dele, e geralmente,
quando um faltava, o outro também. Odeio gente em quem não dá para
confiar, e embora eu adorasse corridas, esse não era o motivo de ter trazido
Reina aqui.
— Tudo bem, — ela disse, como se tivesse lido minha mente. —
Isso é tipo Fórmula 1?
Balancei a cabeça. — Não, só uma corrida que alguns donos de
carro organizaram. Precisam gastar dinheiro em algum lugar, e que lugar
melhor do que apostando em si mesmos?
— É seguro?
Assenti.
— Então vá. Eu espero aqui.
Cerrei os dentes. — Não vou te deixar sozinha com esses abutres
rondando por todo lado.
Além das corridas, esse lugar era famoso por encontros casuais, e
Reina já havia atraído olhares demais.
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— Posso ficar com ela até você terminar as voltas, — Tony
ofereceu. Também não gostei muito dessa ideia.
Seus dedos finos agarraram a barra da minha camisa. — Sério,
Amon. Vai lá. Eu espero.
Virei-me para Tony. — Não tira os olhos dela. E a mantém segura.
O olhar de Tony voltou para Reina, preso nas pernas dela. Cerrei
os dentes. — E se ficar secando, vai perder os olhos.
Tony ficou vermelho como um tomate - havia uma primeira vez
para tudo - e me deu um aceno curto.
— Eu não vou, e tem minha palavra, chefe.
Reina riu baixinho. — Certo, vai logo dar suas voltas na pista.
Posso te desejar boa sorte?
Assenti, puxei-a para mim e pressionei minha boca contra a dela.
— Não vou demorar, — prometi.
Dez minutos depois, abaixei a viseira do capacete e levei as mãos
enluvadas ao volante do meu carro de corrida. A vibração do motor sacudiu
minhas mãos enquanto sinalizava para Tony remover os aquecedores dos
pneus.
Uma a uma, luzes vermelhas se acenderam acima de mim,
refletindo na tinta vermelha brilhante do capô. Pisei no acelerador e meu
carro disparou pela pista, até eu alcançar a primeira curva. Os pneus
derraparam no asfalto.
— Caralho, você é bom nisso, — a voz de Tony soou pelo rádio
no meu capacete. — Devia pilotar sempre em vez de pagar pilotos.
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Ignorei o comentário e mantive o foco em defender minha posição,
tornando impossível para qualquer um me ultrapassar. O ronco do motor se
alinhava à euforia eletrizante que corria pelas minhas veias. Aumentei a
velocidade, passando dos trezentos quilômetros por hora.
Outra curva apareceu e meu pé pressionou o freio exatamente dois
segundos antes de virar o volante, os pneus gritando contra o asfalto. Logo
já estava na décima volta, com mais vinte pela frente.
A adrenalina inundava meu corpo conforme me aproximava de
mais uma curva. Outro carro tentou me ultrapassar, e pisei no freio mais tarde
do que o recomendado. O pneu dianteiro esquerdo chegou a levantar do chão
antes de voltar a tocar o solo com força. Mantive a liderança.
Mais dez voltas se passaram sem problemas. Estava quase lá.
Meus olhos captaram um carro verde-musgo se aproximando
rapidamente. O desgraçado vinha direto na minha traseira, diminuindo a
distância entre nós. Meu coração disparou. Meus dedos se cerraram no
volante enquanto mais uma curva se aproximava. O motor rugiu sob o
máximo de aceleração. Outra curva feita. Uma volta a menos.
O carro ficou para trás, mas não era o fim. Repetimos o mesmo
padrão pelas três voltas seguintes. Na última volta, forcei ao máximo a
velocidade. Já tinha ido longe demais para desistir da primeira colocação.
Aquilo não era um Campeonato Mundial nem um Grande Prêmio, mas para
mim, ainda contava como vitória.
Respirei fundo algumas vezes - estava na reta final. Quase podia
ver a linha de chegada. Quase podia provar o gosto da vitória. Pisei fundo,
acelerando ao máximo. Um carro surgiu à minha esquerda. O veículo fez
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contato com o meu, o som de metal se amassando ecoando no meu ouvido.
A linha de chegada estava a uns vinte metros de distância, mas era tarde
demais.
Tudo aconteceu em câmera lenta. As rodas saíram do chão. Por
longos momentos, fiquei no ar. Meu carro capotou uma, duas, três vezes
antes de deslizar pelo asfalto, o cinto me mantendo suspenso o tempo todo.
Faíscas voaram ao redor da minha cabeça. O som de metal raspando
ensurdeceu meus ouvidos até que o carro finalmente parou.
Minha respiração ficou irregular, o oxigênio passando pela
garganta e queimando meus pulmões. Foi só então que vi. Outro carro se
aproximando a mais de trezentos quilômetros por hora. Um arrepio percorreu
minha espinha. Eu não conseguiria sair rápido o suficiente dali, então fiz a
única coisa que podia: me preparei para o impacto.
O carro tentou desviar para me evitar, mas àquela velocidade, era
impossível. Ele me atingiu em cheio. Minha cabeça ricocheteou contra o
apoio e o carro girou descontrolado. Pontos negros nublaram minha visão.
Eu sentia o cheiro da fumaça, o calor das chamas se alastrando pela parte
traseira do carro. A fumaça começou a invadir a cabine, dificultando a
respiração. O som de sirenes cortou o ar antes que gritos apressados e ordens
se espalhassem ao meu redor.
Estava impotente enquanto a equipe de segurança apagava o fogo
e me retirava dos destroços. Com cuidado, removeram meu capacete e
verificaram se eu tinha ferimentos. Fisicamente, escapei sem danos sérios,
mas ia ficar dolorido pra caralho pelos próximos dias.
Depois de me liberarem, a equipe de resgate me levou de volta à
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área VIP.
Saí do transporte deles e mal dei um passo quando um corpo
pequeno, num vestido azul com flores cor-de-rosa, colidiu contra mim, me
obrigando a recuar.
— Meu Deus, Amon, — ela chorou, as mãos passando por todo o
meu corpo. — Caralho, eu achei que...
Tomei sua boca com a minha, beijando-a com fome. Eram
momentos como aquele que faziam você perceber o que realmente importava.
Foda-se todo o resto. Foda-se o mundo. Eu só queria ela.
— Shhh. Estou bem, — murmurei, provando sal. Lágrimas,
percebi. Acariciei seu rosto. — Não chore, garota canela.
As lágrimas dela perfuraram meu peito e endureceram algo dentro
de mim.
Naquele momento, jurei que nunca mais a faria chorar. Vingança
e todo o resto que se danasse.
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CAPÍTULO 34
REINA
Ofeguei quando o para-choque do carro de outro piloto atingiu a
traseira do carro de corrida de Amon, e assisti, horrorizada, enquanto ele
capotava no ar.
Uma vez. Duas. Três.
Meu estômago revirou. Gritos e murmúrios assustados
preencheram o ar. Fogo irrompeu, bloqueando a visão do público. Todos
esticavam o pescoço, fascinados de forma mórbida com as telas que
projetavam os eventos ao vivo da pista. Meu coração já não batia mais,
incapaz de fazer qualquer coisa para salvá-lo. Meu Amon. Meu príncipe
amargo.
— Não tem como alguém sair vivo disso, — ouvi um espectador
dizer.
Sem pensar, pela segunda vez naquele dia, corri. Disparei da nossa
área VIP, passando pela multidão e pelos olhares curiosos. Um pé na frente
do outro, continuei em movimento. Olhando desesperadamente ao redor,
avistei uma porta de saída de emergência e corri até ela. Tony agarrou meu
cotovelo, dizendo algo, mas eu não consegui ouvir porra nenhuma.
Acertando-o com o cotovelo no estômago, aproveitei quando ele
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se curvou de dor e atravessei a porta, indo em direção a Amon. O terror
apertava uma mão invisível ao redor da minha garganta, repetindo as
imagens horríveis uma e outra vez. O jeito como o carro capotou no ar. Como
bateu na barreira de proteção. O fogo. O pânico de todos correndo até ele.
Não tem como alguém sair vivo disso.
Na verdade, eu nem sabia se estava indo pelo caminho certo, mas
segui meu instinto até a área que, esperava, me levaria à entrada principal da
pista.
Encontrei outra mulher jovem parada junto ao portão.
— Por onde o piloto ferido vai passar? — Minha voz saiu
desesperada. Minhas mãos tremiam. Ela pareceu surpresa, tanto pela minha
chegada repentina quanto pelo tom da minha voz, mas não respondeu. — Por
favor, — implorei.
Demorei um segundo para perceber que estava falando em inglês.
Repeti a pergunta em francês, as palavras tremendo.
— Há uma entrada lateral, — apontou para a esquerda. — Por ali.
Siga o corredor em linha reta e vai dar nela.
— Obrigada, — agradeci com fervor, antes de correr para seguir
suas instruções.
Logo adiante, um veículo de emergência apareceu de repente. A
dor dos músculos queimando e o som de passos atrás de mim desapareceram
quando o vi. Um pequeno grupo de pessoas se reuniu na área, observando
com curiosidade enquanto eu atravessava por eles e me jogava nos braços
dele.
Eva Winners BITTER PRINCE
Pela segunda vez naquele dia.
— Meu Deus, Amon, — chorei, minhas mãos deslizando pelo
macacão protetor e apertado dele. Tocando-o por toda parte, buscando a
certeza de que ele não estava morrendo. — Caralho, eu achei que...
Ele me silenciou com um beijo, enquanto lágrimas escorriam pelo
meu rosto.
— Shhh. Estou bem, — murmurou contra os meus lábios, e o
punho frio de medo apertado em torno do meu coração finalmente afrouxou.
Ele segurou meu rosto, e o universo inteiro nos olhos dele me envolveu. —
Não chore, garota canela.
— Devíamos te levar ao hospital.
Ele balançou a cabeça. — Não estou ferido.
Deslizei os dedos pelos cabelos dele. — E se for uma concussão?
Ele inclinou minha cabeça para trás, forçando-me a encarar seus
olhos. — Garota canela, nem uma concussão vai me impedir dos planos que
tenho para o resto do dia com você. Colisões obviamente não são ideais, mas
são comuns. Nossos carros são preparados para lidar com esse tipo de
situação. Eu devia ter te explicado isso melhor antes de sair correndo.
Ele me beijou profundamente, roubando meu fôlego. Eu estava em
chamas de tanto amor e preocupação. Afastei-me, sem ar.
— Mas...
Ele me silenciou de novo, passando a boca pelo meu queixo e
descendo pelo pescoço.
— Sem ‘mas’. Se quiser garantir que estou bem, é só continuar me
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beijando.
Apesar de quase ter tido um infarto, lutei contra um sorriso. —
Isso vai ser um sacrifício.
Ele mordeu meu lábio inferior. — Tudo bem, então eu é que vou
te beijar.
Ri, mas meu rosto ficou sério logo em seguida. — Aquilo foi... —
Apertei mais os dedos nos cabelos dele e meu peito se contraiu de dor. Ele
encostou a testa na minha. — Nunca mais faça isso. Meu coração não
aguenta. — O olhar dele oscilou com conflito, como se não pudesse - ou não
quisesse? - fazer essa promessa. Mas o fogo e o tumulto nos olhos dele não
me impediram de abrir meu coração. — Você preencheu um vazio na minha
alma que eu nem sabia que existia. Sempre acreditei no amor, mas agora sei
que estava guardando tudo para você. Não ouse morrer e me deixar.
Os olhos dele se tornaram uma escuridão líquida com estrelas que
brilhavam só para mim, e meu coração flutuou no peito.
— Você, minha garota canela... — A voz saiu suave. — Talvez
você seja minha salvação.
Abri a boca para responder, mas ele me beijou - para me calar,
arrisco dizer. Suspirei todas as minhas preocupações para dentro da boca dele,
sentindo-me mais feliz do que nunca.
Porque eu sabia que ele era meu. E eu era dele.
***
Eva Winners BITTER PRINCE
Subimos as escadas até o quarto privativo. Me joguei no sofá e
tirei os sapatos.
O cabelo dele brilhava com reflexos azulados sob a luz do sol que
entrava pelas janelas, bagunçado e espetado em todas as direções de tanto
que ele passava as mãos por ele.
— Você está bem? — perguntei de novo. — Tem certeza de que
não precisamos chamar um médico para te examinar?
Ele balançou a cabeça. — Eles vieram até a pista. Estou liberado.
Ele se abaixou no sofá ao meu lado, os dedos atrapalhados
tentando abrir o zíper do macacão de corrida enquanto tirava os sapatos com
os pés. A sala se encheu da respiração profunda dele e do martelar do meu
coração.
— Você está nu debaixo desse macacão?
Percebi tarde demais que minha voz soou esperançosa. Carente.
Ele me lançou um olhar cheio de promessas pecaminosas que fez
meus músculos internos se contraírem de antecipação. — Está tentando me
fazer corar? — provocou, encostando o ombro no meu.
Revirei os olhos. — Algo me diz que seria difícil te fazer corar.
Ele riu, mas não confirmou nem negou.
— E como você entrou nesse negócio de corrida?
Ele deu de ombros. — Meu pai.
Um arrepio percorreu minha espinha. A última vez que vi o pai
dele foi há doze anos, e não gostei dele. Parecia um homem cruel e duro.
Eva Winners BITTER PRINCE
— Você... se dá bem com seu pai?
Ele balançou a cabeça. — Não. Nem eu, nem Dante. Nunca nos
demos.
O silêncio se instalou, ambos perdidos nos próprios pensamentos.
Eu mesma não sabia dizer se me dava bem com meu pai. Passávamos tão
pouco tempo juntos que, sinceramente, não sei como seria possível.
— E você se dá bem com sua irmã? Com a sua avó?
Meu olhar encontrou o dele e respondi com sinceridade: —
Phoenix e eu somos próximas. Vovó é ótima, às vezes um pouco estranha,
— admiti. — Já te contei que papai nunca esteve muito presente. Desde que
minha mãe... — Minha voz falhou, e engoli em seco, tentando limpar a
garganta. Inspirei fundo, depois soltei o ar. — Enfim, me dou bem com
minha avó. Ela pode te deixar louco, mas tem boas intenções.
Ele assentiu, como se compreendesse.
Como ele não disse nada, perguntei: — Você tem avós?
— O único que conheci foi o avô por parte de mãe, que morava no
Japão, — respondeu enquanto se recostava, e eu me ajeitei para poder
observá-lo. Um vislumbre da pele morena e lisa dele apareceu sob o macacão,
e eu encarei sem disfarçar. Nunca fui exatamente tímida, mas também não
me achava rebelde. Talvez um pouco reservada.
Mas com Amon, todas as minhas reservas derretiam. Eu queria
explorar cada centímetro dele, tocá-lo, beijá-lo. E, Deus me ajudasse, eu
queria que ele me tocasse também.
— Você era próximo dele? — perguntei, a voz rouca, meu olhar
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ainda fixo no peito dele.
Ele soltou um suspiro sarcástico. — Não o conheci direito durante
a maior parte da minha vida, mas às vezes queria ter conhecido.
A voz dele mudou, ficou mais rouca, e eu encontrei seus olhos.
— Não há muitas pessoas com quem eu seja próximo. Só meu
irmão e minha mãe.
Ele ama a mãe dele. Meu coração acelerou, agarrando-se a esse
pensamento e gravando-o dentro de mim. Não me surpreendia saber que ele
e Dante eram próximos, mas poucos homens admitiam serem próximos da
mãe. Isso me fez amá-lo ainda mais.
— Como seus pais se conheceram? — perguntei, curiosa. Se ele
amava a mãe, ela devia ser gentil e doce. Como a minha. Nunca esqueci o
pai assustador dele, e não conseguia imaginar alguém se apaixonando por
aquele homem com facilidade.
Os ombros de Amon ficaram levemente tensos.
— Por meio de um amigo em comum.
— Ah. — Foi vago, mas talvez não fosse uma grande história de
amor. — Minha mãe estava dirigindo e mandando mensagem em Nova York.
Ela quase atropelou meu pai, que estava indo para o aeroporto para voltar à
Itália. Ele olhou para ela uma vez e a convidou para sair. — Sorri, sonhadora.
— Perdeu o voo e se casou com ela uma semana depois. O resto é história.
— Romântico.
Eu sabia que soava piegas, mas eu amava a história de como meus
pais se apaixonaram.
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— Como é sua mãe? — insisti, determinada a extrair tudo que
pudesse dele.
— Ela é quieta. Muito reservada.
— Ela cresceu no Japão?
Ele assentiu.
— Mas agora mora na Itália?
— Sim. Às vezes me visita em Paris. Às vezes você me lembra ela.
— Reservada?
Um esgar se formou em seus lábios, ele me observava com
diversão. — Não. Pelo seu amor por rosa.
— É uma cor alegre. — Mordi a bochecha para conter um sorriso.
— Você devia tentar usar rosa. Melhora o humor.
Ele soltou uma risada, olhando para o teto. — Nem chance de eu
usar rosa nesta vida.
— Pois bem, desafio aceito. — Mordi a bochecha de novo,
tentando não rir. — Agora me conta mais alguma coisa sobre ela.
O olhar dele encontrou o meu e foi se tornando mais intenso à
medida que nos encarávamos.
— Meu pai nunca se casou com ela.
Dei de ombros. — Bem, hoje em dia isso nem é grande coisa.
— No submundo é.
Revirei os olhos. — Acho que existem outras formas de se
comprometer com alguém além do casamento.
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Ele ergueu as sobrancelhas. — É mesmo? Quais?
Percebi um leve tom de zombaria na voz dele, mas ignorei.
— Permanecendo fiel. Tratando o outro com amor e respeito.
Minha avó está no quinto casamento. Isso não faz dela melhor do que casais
que dispensam certidões.
— Meu avô era muito tradicional. O fato de ela viver sem
casamento formal pesava contra ela. Tornou tudo mais difícil, mas minha
mãe é muito forte. Um pouco como você.
Deixei aquela informação se infiltrar em cada célula do meu corpo
e perguntei: — Você visita seu avô com frequência?
— Ele morreu, — disse num tom neutro.
Levei minha mão até a dele, entrelacei nossos dedos e apertei em
gesto de conforto.
— Sinto muito.
— Aconteceu há alguns anos.
— Não torna mais fácil, — sussurrei.
Esperei que ele dissesse mais alguma coisa, mas não disse. Não
era surpresa. Amon nunca foi do tipo falante. Eu não o conhecia por expor
emoções.
— Minha mãe morreu há doze anos, e ainda sinto falta dela.
— Eu soube, — ele respondeu com a voz rouca. — Sua primeira
visita à Itália.
Meus olhos foram até a janela, memórias do corpo da minha mãe
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na banheira, manchada de sangue. Conheci Amon no primeiro dia na Itália;
perdi minha mãe no último. Perdi e ganhei alguém na mesma estação.
Engoli em seco, balançando levemente a cabeça.
— Sinto muito por ter quebrado o vaso da sua mãe. Não sei se
algum dia te disse isso.
— Ela comprou outro, — ele respondeu, sem dar importância.
— Do século quinze? — Voltei minha atenção para o rosto lindo
dele, mordendo o lábio inferior. O fato de ele ter assumido a culpa pelo nosso
erro e pelo vaso quebrado nunca me caiu bem.
Um sorriso lindo puxou os lábios dele. — Você se lembra disso,
hein?
— Meio difícil esquecer.
Ele manteve o olhar preso ao meu, me observando com tanto calor
que senti um rubor subir pelo meu pescoço.
— Eu fiquei preocupada, sabia? — Ele ergueu a sobrancelha, sem
acompanhar meu raciocínio confuso. — Quando você assumiu a culpa por
quebrar o vaso, fiquei dias me preocupando com seu castigo.
Um músculo pulsou em seu maxilar, o olhar endureceu e um
suspiro áspero escapou dele ao me agarrar pelos quadris e me puxar para o
colo, me encaixando de frente, montada sobre ele.
— Você não devia ter se preocupado, — disse com a voz rouca, o
olhar deslizando lentamente pelo meu corpo. — E eu não te trouxe aqui para
pensar em coisa triste.
— Eu imaginei, — murmurei, minha pele vibrando conforme as
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palmas ásperas dele percorriam minhas coxas, e agradeci mentalmente por
estar de vestido. Eu queimava onde ele tocava.
Ele se inclinou e roçou o nariz no meu pescoço, sua respiração
quente provocando arrepios na minha pele. Inclinei o pescoço, adorando a
sensação da boca dele ali. Me deixava faminta por mais. Meu estômago se
contorceu ao sentir os dentes dele roçando minha orelha. Ele continuou
descendo pela curva do meu pescoço, cobrindo a pele com os lábios.
— Amon, — sussurrei, a voz um misto de rendição e súplica.
A língua dele passou pela minha pele, fazendo meu corpo
estremecer enquanto ele sugava o ponto sensível.
— Por favor, não me faça esperar até o meu aniversário.
Ele se afastou, e o ar frio atingiu minha pele aquecida. Os olhos
intensos se cravaram nos meus, um turbilhão de desejo e frustração
estampado no rosto dele.
— Você está realmente dificultando as coisas, garota canela.
A voz rouca dele provocou um arrepio em mim. Pressionei meu
corpo contra o dele, me esfregando contra a rigidez entre suas pernas,
enquanto os dedos dele se enterravam nos meus quadris.
— Não se mexa, — ele rosnou.
— Não seja um bloqueador de sexo.
Uma risada presa escapou dele, e um sorriso se formou nos meus
lábios. Eu adorava ver Amon sorrir, adorava ainda mais quando ele ria. Era
quase tão bom quanto beijá-lo. Quase.
O nariz dele roçou no meu. — Está na hora da sua surpresa.
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Pisquei, depois soltei um gritinho animado. — Hora do sexo?
Ele jogou a cabeça para trás e soltou outra gargalhada profunda.
Rústica. Eu a senti até os dedos dos pés. Fiquei observando, sorrindo como
uma idiota e amando cada segundo daquilo.
— Não, o sol já se pôs. Vamos.
Ele se levantou, pequenos gemidos de protesto escapando de mim
quando enrosquei as pernas ao redor da cintura dele. Caminhou assim até as
portas abertas e saiu para a varanda, carregando meu peso como se fosse
nada. Encostou-se ao vidro e ergueu o olhar.
— Agora me diga o que vê, minha garota canela.
Segui o olhar dele e minha boca se abriu.
O céu escuro se estendia acima de nós, repleto de luzes. Centenas,
talvez milhares de lanternas chinesas flutuavam no ar, perfeitamente fixas no
lugar. Deslizei pelo corpo dele até meus pés tocarem o chão, em reverência
à visão magnífica, e a parte de trás dos meus olhos ardeu com lágrimas de
felicidade.
Era a coisa mais linda que alguém já tinha feito por mim. A coisa
mais linda que eu já tinha visto. À medida que as lanternas subiam mais e
mais no céu, meu coração subia junto. Uma única lágrima escorreu pela
minha bochecha, e a enxuguei com o dorso da mão.
— Por quê as lágrimas, Reina? — A voz rouca dele fez cócegas na
minha nuca.
Me virei para encontrá-lo. — Lágrimas de felicidade. As primeiras
de todas, — admiti. Fiquei na ponta dos pés, pressionei meus lábios nos dele
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e murmurei: — É uma coisa boa, e o melhor encontro da vida.
— Que bom. — O nariz dele roçou no meu. — Agora vamos riscar
mais um item da sua lista.
Ele me entregou minha própria lanterna.
Ele me ajudou a acendê-la, depois fez o mesmo com a dele, e nós
as erguemos no ar.
— Pronta? — ele perguntou.
Assenti.
Soltamos as lanternas, e uma após a outra, elas flutuaram no escuro,
se juntando ao céu iluminado. Eu não conseguia desviar os olhos do
espetáculo de luzes acima.
— Amon, — minha voz saiu como um sussurro, meu olhar ainda
voltado para cima.
— Sim?
— Eu te amo.
Não consegui encará-lo, meu coração batia tão forte, tão quente,
que parecia transbordar.
Amon segurou meu queixo e guiou meus olhos até os dele. — Você
e eu, garota canela.
Meu ar ficou preso na garganta quando os dentes dele morderam
meu queixo e, em seguida, puxou minha boca para a dele. O calor explodiu
como fogo entre minhas pernas, queimando tudo dentro de mim. Me derreti
no toque bruto dele, me perdendo na dança quente da língua que explorava
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cada centímetro da minha boca. O braço dele me envolveu pela cintura
enquanto uma melodia suave tocava em algum lugar ao fundo. Ele me
segurava, e nós dançávamos devagar, de um lado para o outro.
Era mágico e romântico, centenas de lanternas flutuando sobre
nossas cabeças.
— Você e eu contra o mundo, — ele sussurrou.
E eu descobri que gostava muito disso.
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CAPÍTULO 35
AMON
Assim que a última lanterna desapareceu de vista, caminhamos até
o carro.
Ela esticou a mão para a porta, mas fui mais rápido. — Quem abre
a porta para minha namorada sou eu.
Não fazia ideia de onde aquelas palavras tinham vindo. Ao que
parecia, a personalidade doce e o jeito impulsivo de Reina estavam me
contaminando. Eu ainda não sabia se isso era bom ou ruim, mas sabia que
gostava.
Gostava dela. Muito.
— Desculpe, senhor Leone. — Ela piscou devagar, e eu juro que
havia corações brilhando no azul dos olhos dela. Um sorriso curvou seus
lábios cheios. Porra, ela ficava linda quando sorria. Radiante como um
verdadeiro raio de sol. — Eu devia saber que você era um cavalheiro e um
romântico no fundo do coração.
Ela esperou pacientemente, batendo o pé com leveza. Abri a porta
do passageiro e ela se acomodou no banco, exibindo as coxas nuas, e então
vi o brilho travesso nos olhos dela. A diabinha estava tentando me seduzir.
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Fechei a porta e contornei o carro até o banco do motorista. Ao sair
do estacionamento, engatei a marcha e peguei a estrada. A rodovia era o
caminho mais rápido até a casa dela, mas preferi as estradas secundárias.
Isso me daria mais tempo com ela. Porra, se Dante me visse, ia me
zoar até o fim do mundo.
— Eu amei as lanternas flutuantes, Amon. Foi lindo. — O olhar
dela queimava em mim. Tudo nela gravava a palavra minha em cada célula
do meu corpo. Eu não sabia o que fazer com aquilo, não estava acostumado
a alguém me afetar desse jeito. — Obrigada.
— De nada. — Voltei a atenção para a estrada.
Ela era suave e forte, silenciosa e impulsiva - a combinação mais
incomum. Só de pensar em vê-la endurecer por minha causa, algo travou na
minha garganta, e percebi, lá no fundo, que preferia me castrar a feri-la.
Foi nesse exato momento que jurei a mim mesmo que faria tudo
ao meu alcance para protegê-la. Da vingança que me movia. Da minha mãe.
De qualquer um, inclusive do próprio pai dela. A ideia de conquistar o ódio
de Reina fez algo oco se espalhar dentro do meu peito. Eu sabia que não
conseguiria lidar com isso.
— Você sabia que as lanternas são consideradas símbolos que
carregam embora os problemas, trazendo sorte e prosperidade para quem as
solta?
Dava para ouvir o sorriso na voz dela. — Eu não sabia, mas gostei.
Que levem todos os problemas embora e deixem só as coisas boas.
Lancei a ela um olhar curioso. — Você tem problemas?
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Algo brilhou nos olhos dela, mas ela logo balançou a cabeça. —
Não. Só coisas normais do dia a dia.
Voltei minha atenção para a estrada. — Como o quê?
Ela deu de ombros. — Tipo passar nas matérias. Problemas de
matemática. — Revirou os olhos e soltou um suspiro pesado. — Odeio
matemática. Sou péssima mesmo.
Um sorriso curvou meus lábios. — Por que isso não me surpreende?
— Aposto que você é bom em matemática, — ela estreitou os
olhos para mim com fingida aversão. — Aposto que você é bom em tudo.
— Não, não em tudo.
Ela soltou o ar como se não acreditasse.
— Não sei desenhar porra nenhuma.
Ela me encarou por um segundo com uma expressão vazia, depois
jogou a cabeça para trás e riu. Uma risada leve, melodiosa, daquelas que eu
poderia ouvir até o fim da minha vida.
— Com certeza você sabe desenhar alguma coisa?
— Nada. — Virei em uma curva, seguindo pela estrada escura no
interior. — Homens-palito. Isso é tudo.
— Bem, você deu sorte, Amon Leone, — ela ronronou, sorrindo
com charme. — Não posso dizer que sou boa em muita coisa, mas sei
desenhar. Então, o que você precisar, eu sou a garota certa.
Minha garota. Ela realmente parecia minha garota. Foi um
sentimento inocente quando a vi pela primeira vez deslizando pelo castello
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do meu pai, os cachos dourados esvoaçando atrás dela. O instinto de protegê-
la acendeu ali e começou a crescer sem que eu percebesse.
Eu queria tudo dela, e tinha a sensação de que também entregaria
tudo por ela. A consciência dessa verdade me preencheu com uma onda
morna de satisfação. Sinais de alerta deviam ter disparado, mas não
dispararam. Em vez disso, minha alma se aquietou e meu coração bateu em
um ritmo estável, mais tranquilo do que jamais havia sentido. Estar com ela
parecia certo.
Observei quando ela mordeu o lábio inferior, como se estivesse
refletindo sobre um pensamento desagradável.
— Em que está pensando? — perguntei, desviando o olhar
rapidamente para a estrada. A pergunta escapou da minha boca sem controle,
mas já era tarde para voltar atrás.
Os olhos dela encontraram os meus, e mesmo no escuro, pude ver
os tons de azul, me puxando direto para a alma dela. — Que tipo de negócio
você tem com meu pai?
A pergunta vinda do nada me pegou de surpresa. — Apenas
negócios padrão. Nada com que precise se preocupar.
Ela não pareceu convencida.
— Você confia em mim?
O olhar que ela me lançou quase me quebrou. As palavras dela
terminaram o serviço. — Com todo o meu coração, Amon, — sussurrou.
— Então me diga o que está te preocupando.
Ela inclinou a cabeça, fazendo todos os cachos caírem para um
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lado. — Estou com medo de que, se você contar para ele sobre nós, ele exija
que você termine comigo.
Fiquei imóvel. A dor que essas palavras causaram não tinha o
menor direito de se instalar no meu peito. — Por que pensa isso?
— Não sei. Tenho a sensação de que ele não gosta muito da família
Leone.
— Ou talvez ele não goste da ideia da filha dele com o filho
ilegítimo dos Leone, — retruquei, a amargura escorrendo pela voz e pelas
veias. Lá estava de novo. Algo impossível de interpretar passou pela
expressão dela. Para uma garota que geralmente era um livro aberto, isso só
aumentava minha necessidade de entender. — Ou é pela minha herança mista?
Porra, essas palavras realmente saíram da minha boca? Nem sabia
até aquele momento que as palavras da minha mãe ainda me incomodavam.
A suspeita de que talvez Reina sentisse vergonha de mim.
— Você é um homem, — ela disse com firmeza, os punhos
pequenos cerrados de raiva. — Não me importa quem são seus pais. Verdes,
azuis, brancos, tanto faz. Isso não significa nada para mim, Amon Leone. E
eu certamente não me importo se eles eram casados ou não. É a vida deles e
eles fazem o que quiserem para serem felizes. — Ela empurrou os cachos
para fora do rosto, visivelmente abalada pelas minhas palavras. — Se meu
pai se incomoda com isso, o problema é dele. Eu nunca deixei que ele me
dissesse quem eu devia ou não gostar, e não vou deixar que ele controle essa
parte da minha vida agora. — Fez uma pausa. — O que me preocupa de
verdade é que nossas famílias acabem se matando por causa de alguma rixa
idiota.
Eva Winners BITTER PRINCE
Nunca duvidei disso, mas ela era esperta. Podia não gostar de
matemática, mas era inteligente o suficiente para perceber o ódio entre as
famílias Leone e Romero.
— Não consigo imaginar um mundo onde você não exista.
Com os olhos de volta à estrada, avistei um mirante e parei o carro
no acostamento. Não havia muito para ver, exceto a lua brilhando sobre a
Cidade do Amor à distância. Quando me virei, encontrei Reina me
observando.
— Assim como você, garota canela, eu nunca deixei minha família
decidir com quem passo meu tempo.
Os ombros dela relaxaram visivelmente e os punhos se abriram.
Ela podia ser toda brilho e doçura por fora, mas por dentro, minha garota
canela escondia uma bomba.
Ela sorriu. — Então está resolvido. Nós antes deles.
O calor se acendeu dentro de mim. — Nós antes deles.
Eva Winners BITTER PRINCE
CAPÍTULO 36
REINA
Os olhos de Amon saltavam entre os meus enquanto ele se ajeitava
no banco, estendendo a mão para acariciar meu rosto com a ponta dos dedos.
Nossos olhares se mantinham presos. Nossas respirações se
misturavam.
O céu escuro acima de nós piscava com estrelas, mas nenhuma se
comparava a esse garoto transformado em homem. Esperei minha vida
inteira por ele. Ele sempre foi dono do meu coração, mas só agora ele
começou a bater apenas por ele.
Eu não conseguia tirar os olhos do rosto dele, meus dedos coçavam
para tocá-lo.
— Me beija, — sussurrei. — Toca em mim.
Amon ficou imóvel, o olhar queimando com um calor capaz de
derreter calotas polares. Ele me puxou, atravessando o console. Suas mãos
permaneceram nos meus quadris, queimando através do tecido enquanto eu
o montava.
Minha boca se chocou contra a dele e meus lábios se entreabriram.
Ele mergulhou a língua na minha boca, deixando-me saborear o gosto dele.
Eva Winners BITTER PRINCE
Eu estava ficando embriagada dele.
A pulsação entre minhas pernas era insuportável, então me
esfreguei contra seu pau. Ambos gememos.
— Você está tornando impossível esperar.
Ele me segurou pela nuca e puxou minha boca de volta à dele. Me
derreti nele. Meus mamilos enrijeceram ao roçarem no peito dele, faíscas
deslizando para baixo. Murmurei contra sua boca, me esfregando nele como
se minha vida dependesse disso.
A mão dele subiu por baixo da minha saia e estremeci ao sentir os
dedos fortes e ágeis na minha pele.
Eu estava em chamas de tanto desejo, cada célula tremendo.
Enterrei as mãos nos cabelos dele, arrastando as unhas curtas pelo couro
cabeludo. Deus, como ele cheirava bem. Um aroma limpo, masculino, com
toques de cítrico e maçã verde madura.
Rolei os quadris, a fricção entre nós arrancando um gemido da
minha garganta. Ele deslizou os dedos sob a barra da minha calcinha e roçou
meu clitóris.
— Sente o quanto está molhada, — murmurou contra meu ouvido,
passando o polegar sobre o ponto sensível. — Isso é para mim?
Ele pressionou a palma contra minha boceta e minha pele pegou
fogo.
— Ahhh, — gemi, me esfregando nele. Eu podia sentir a pressão
se acumulando, apertada e quente na base do meu ventre. — Estamos criando
um hábito.
Eva Winners BITTER PRINCE
A boca dele roçou meu ouvido, as palavras saindo roucas: — Você
é o melhor tipo de hábito, garota canela. — Um suspiro trêmulo me escapou,
quase um choramingo carente, quando ele enfiou um dedo dentro de mim.
— Você é tão perfeita, — ele gemeu. — E minha.
O observei através das pálpebras pesadas, os olhos dele eram um
oceano de galáxias, me contando histórias. Levei a mão ao peito dele, me
movendo sobre sua ereção, rebolando devagar e esfregando contra ele
enquanto o encarava. Cada célula dentro de mim acendeu, mais quente e
mais brilhante.
Eu perseguia meu clímax. Estava ao meu alcance, mas algo parecia
errado em tomá-lo. Ele estava me fazendo sentir tão bem, mas eu ainda não
o tinha tocado da mesma forma.
Ele puxou meu vestido até a cintura, traçando os lábios pelo meu
pescoço até alcançar meus seios. Lambeu meu mamilo por cima da renda
fina do sutiã.
— Amon, — suspirei. Ele capturou o mamilo com a boca,
mordiscou, e luz branca explodiu atrás dos meus olhos. Ele se virou para o
outro mamilo e eu arfei, a cabeça tombando para trás.
— Espera, espera. Para.
Ele parou imediatamente, com um dedo ainda dentro de mim e a
boca nos meus seios. Olhou para mim com tanta intensidade que quase me
fez esquecer o que queria dizer.
— Você está bem? — perguntou com a voz áspera, os olhos
colados nos meus. — Eu te machuquei?
Eva Winners BITTER PRINCE
Minha garganta apertou quando percebi o que ele estava pensando,
e algo quente e pesado derreteu dentro de mim. A proteção dele só era
rivalizada por sua possessividade.
Esfreguei o nariz no dele. — Eu quero te fazer sentir bem também,
— exalei.
Ele murmurou algo em japonês, e aquilo irradiou calor pela minha
espinha.
— Isto aqui é para você, — ele rosnou.
Beijei o pescoço dele, provando sua pele. Uma das mãos dele se
enroscou no meu cabelo, os dedos se enfiando entre meus fios, enquanto
minha mão descia pelo abdômen dele até alcançar a virilha. Passei os dedos
por cima da ereção e ele segurou meu pulso.
Gemi em protesto, os quadris se movendo contra a mão dele. —
Seus dedos estão me tocando. Eu devia poder te tocar também.
O maxilar dele se contraiu, como se estivesse no limite, como se
temesse perder o controle. Mas ele não perderia. Eu confiava nele mais do
que em qualquer outra pessoa neste mundo.
Minha respiração falhou, os ouvidos zunindo de desejo, o sangue
bombeando com força pelas veias. Me atrapalhei um pouco com o cinto dele,
levantando o quadril só o suficiente para desfazer a fivela. O som do cinto,
o zíper se abrindo, e nossas respirações ofegantes preenchendo o espaço
apertado do carro. Ele soltou meu pulso num gesto de consentimento, me
deixando livre para fazer o que quisesse.
No instante em que meus dedos envolveram seu pau, a cabeça dele
Eva Winners BITTER PRINCE
tombou para trás com um gemido gutural e um caralho escapou da sua boca
linda e beijável.
Eu queria agradá-lo. Queria fazê-lo perder a cabeça. Queria perder
a minha também.
— Me mostra, — murmurei, mordiscando seu lábio inferior. Ele
estava tão duro e quente na minha mão, o peso e a textura suave do seu
membro me enlouquecendo. — Me mostra como você gosta.
— Primeiro o seu prazer, — respondeu, a voz carregada de um
sotaque que eu não conseguia identificar. Italiano, japonês, inglês - não sabia,
mas eu amava.
A palma da mão dele pressionou meu clitóris, criando uma fricção
deliciosa. A mão áspera aplicava a pressão certa até meu corpo se enroscar
em tensão. Ele enfiava um dedo dentro de mim, tirava e colocava de novo,
enquanto o polegar massageava meu clitóris ao mesmo tempo. Hesitante,
enrosquei os dedos ao redor da extensão dele.
— Porra, — ele rosnou, o que só me incentivou mais. Eu amava
ter esse poder sobre ele. Dar prazer a ele, retribuir tudo o que ele me fazia
sentir. Não resisti em masturbá-lo com a mão, imitando o ritmo que ele
estabelecia em mim. Para cima e para baixo. Os músculos do corpo dele se
retesaram.
— Isso mesmo, querida. Está uma delícia. Você é deliciosa.
O elogio dele me cobriu como mel.
O êxtase se espalhou pelas minhas veias enquanto ele continuava
a deslizar os dedos grossos para dentro e fora de mim, acertando um ponto
Eva Winners BITTER PRINCE
fundo que me fazia apertá-los com força, minha boceta se contraindo ao
redor deles. E eu continuava bombeando seu pau duro e liso. Pelo olhar dele,
semicerrado e intenso, eu devia estar fazendo aquilo da forma certa.
A pressão dentro de mim crescia, me elevando cada vez mais. Os
olhos dele baixaram, observando seus dedos sumirem dentro de mim. Eu
olhava para o pau dele tão perto da minha entrada, minha mão se movendo
com mais determinação, enquanto me esfregava contra ele.
A pulsação entre minhas pernas se tornava insuportável.
— Eu preciso de você dentro de mim, — gemi.
Outro dedo se juntou ao primeiro, enquanto o polegar dele vibrava
mais rápido e com mais firmeza no meu clitóris. Bombeei o pau dele para
cima e para baixo, apertando com força. Ele afundou o rosto no meu cabelo,
murmurando palavras que não consegui entender.
Fechei os olhos, me entregando à sensação. Ele continuava me
penetrando com os dedos, e então abaixei o quadril só um pouco - o
suficiente para sentir a ponta rígida do membro dele roçar na minha entrada.
Foi tudo o que bastou.
Meu corpo explodiu em um milhão de pedaços. O gozo espirrou
quando Amon chegou ao clímax, espalhando-se pela minha boceta e por ele
mesmo. Continuei estimulando seu pau, nós dois gemendo e arfando.
O cheiro denso e masculino dele preencheu o carro, a prova do que
acabáramos de fazer cobrindo nossos corpos. Beijei o pescoço dele, soltando
um som suave de prazer. Eu estava tão embriagada pelo calor lânguido dele
que levei alguns segundos para perceber que ele me observava com uma
Eva Winners BITTER PRINCE
expressão suave.
— Você está bem? — murmurei.
Ele soltou uma risada contida. — A pergunta melhor seria se você
está.
Rocei o rosto em seu pescoço, mordiscando e lambendo. — Nunca
estive melhor.
Afastei-me um pouco e observei enquanto os dedos dele
deslizavam para fora da minha boceta molhada e iam até os lábios. Eu não
deveria estar tão surpresa depois do que vi na roda-gigante. E, mesmo assim,
minha boca se entreabriu e minhas bochechas esquentaram. O olhar dele
queimava, fixo em mim, enquanto ele levava os dedos à boca e os lambia até
ficarem limpos.
Meu coração disparou. A adrenalina percorreu meu corpo
enquanto eu o observava, a respiração irregular. Mordi o lábio inferior para
conter o gemido que ameaçava escapar. Ele se inclinou e me beijou, a língua
roçando meu lábio inferior, deixando que eu provasse meu próprio gosto.
— Como eu disse, você tem gosto doce. Canela com um toque de
açúcar, — murmurou contra meus lábios, a voz baixa, mas carregada.
— Posso te provar também? — minha voz saiu rouca.
Antes que eu pudesse levar os dedos à boca, ele agarrou meu pulso
para me impedir, e soltei um gemido de protesto. — Por favor.
Ele soltou o ar e balançou a cabeça, depois me beijou nos lábios.
— Será que algum dia vou conseguir te negar alguma coisa?
— Espero que não hoje. — Inclinei-me, passei a língua nos dedos
Eva Winners BITTER PRINCE
e os lambi, sem desviar os olhos dele. O aperto dele no meu pulso se
intensificou enquanto o calor florescia no meu estômago e descia, me
obrigando a apertar as coxas para aliviar o incômodo.
Ele levou a outra mão até minha boca e espalhou gozo no meu
lábio inferior. Lambi com vontade, adorando o gosto dele.
— Por que não podemos simplesmente fazer sexo agora? —
perguntei, fazendo biquinho. — Você não me deseja?
— Não há razão para pressa. — E, meu Deus, até a voz dele me
excitava.
Alcançando o banco de trás do carro, ele pegou uma camiseta e
limpou a bagunça que fizemos, passando o pano entre minhas pernas e coxas
internas. Minhas bochechas queimaram com a intimidade do gesto, e ele
soltou uma risada baixa.
— Você está corando agora, depois de tudo que fizemos? — disse,
com um tom de incredulidade.
Depois limpou a si mesmo e jogou a camiseta no chão do banco
de trás. Ainda montada nele, me inclinei e enterrei o rosto no pescoço dele,
pensando que poderia ficar assim para sempre.
Nenhum de nós disse uma palavra, mas as mãos dele nunca
pararam de percorrer minhas costas, e a boca dele nunca deixou de me beijar
com suavidade.
Era o mais feliz que eu me sentira em muito, muito tempo.
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CAPÍTULO 37
REINA
Um grito estridente me fez pular na cama, sentando de supetão
enquanto piscava para tentar clarear a visão.
— Feliz aniversário, boo, — gritaram Raven, Athena e Isla,
enquanto Phoenix estava ali, radiante, com a mão sobre o coração.
Gemendo, despenquei de volta no colchão e puxei o cobertor por
cima da cabeça. Amon me deixara em casa por volta da meia-noite. Eu estava
tão animada - e excitada - que levei mais algumas horas para me acalmar e
dissipar a adrenalina e o frenesi que corriam pelas minhas veias antes de
finalmente pegar no sono.
— Ah, ah, ah. — A voz de Isla tinha um tom de repreensão.
Phoenix puxou o cobertor e me descobriu. — Você não pode
dormir até tarde hoje.
— Uma garota não devia poder dormir até tarde no dia do próprio
aniversário? — resmunguei, me encolhendo em posição fetal e colocando
um travesseiro sobre a cabeça para abafar as risadinhas irritantes delas.
— Ainda não é o seu aniversário, — zombou Athena. — Hoje,
vamos te preparar para a vida adulta.
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— Vão todas se foder, — gemi. — Vão embora. Xô.
— Já usou os preservativos que te dei? — exigiu Raven.
Deus me ajude. Era cedo demais para esse tipo de conversa. Então,
ao invés de responder, só estiquei a mão e fiz um joinha. Nem fazia sentido
contar que Amon estava decidido a esperar até eu completar dezoito.
— Phoenix disse que está se contorcendo só de saber da sua vida
sexual, — traduziu Isla, já que minha cabeça continuava enterrada debaixo
do travesseiro.
— Bom, eu quero saber, — anunciou Raven. — Cada. Maldito.
Detalhe. Ele foi lá embaixo? Você fez oral nele? Por favor, me diga que você
não deu sua bunda para ele.
Problemas claramente começavam com R de Raven. Éramos unha
e carne desde o momento em que nos conhecemos - as cinco -, mas Deus,
como Raven era descarada. Devia ser um traço herdado do pai, sobre quem
não sabíamos absolutamente nada. Aliás, isso era algo que todas nós
tínhamos em comum: pais ausentes.
No começo, achei que Phoenix e Athena diriam que Raven era
demais, mas, para minha surpresa e de Isla, nós todas nos encaixamos.
Phoenix dizia que Raven equilibrava o grupo. Fosse lá o que isso significasse.
Mas eu sabia que ela era inclinada à confusão. No aniversário de
Athena, no ano passado, Raven apareceu com brownies de cogumelos que
nos deixaram todas chapadas. Acordei na banheira, pelada e com o cabelo
azul. Não loiro - não. Azul. Azul. Pra. Caralho.
No último aniversário de Phoenix, ficamos presas à beira de uma
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estrada na porra da Floresta Negra, na Alemanha. Como fomos parar lá, não
faço ideia. Mas estávamos lá porque Raven teve a brilhante ideia de seguir
uns gostosos que conhecemos num bar. Até hoje não entendo por que ela
simplesmente não deu meia-volta quando percebeu que eles estavam nos
levando para além dos limites de Paris. Enfim, resumindo: o carro dela
quebrou. Estávamos sem dinheiro e lutamos contra o cansaço enquanto
pedíamos carona como mochileiras de merda - só que sem as mochilas.
Por sorte, conseguimos voltar para casa inteiras.
Então é isso, obrigada, mas não, obrigada. Eu não precisava de
confusão hoje nem amanhã. Eu estava pronta para ser comida, fodida até
perder os sentidos, fazer amor, ou qualquer outra expressão que existisse para
isso.
— Vamos, temos uma longa viagem pela frente, — disse Athena,
com um tom que de repente soou... secreto.
Imediatamente, meus sentidos ficaram em alerta e arrepios
cobriram minha pele. Joguei o travesseiro para longe, deixando-o cair aos
pés da cama. Abracei os joelhos, observando minha irmã e minhas amigas.
As quatro usavam vestidos de verão e, pelo que parecia, biquínis por baixo.
— Para onde estamos indo? — perguntei, desconfiada.
Athena deu uma risadinha. — Não estamos indo de carro. Vamos
cavalgar.
— O quê?
— Em um pau? — soltou Raven, arrancando gargalhadas gerais.
— Minha irmã não vai montar em um pau hoje, — ralhou Phoenix.
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— Vou fingir que ela nem sequer faz isso. Que ainda é minha irmãzinha
inocente.
Revirei os olhos. Eu ainda não tinha montado em pau nenhum,
para minha infeliz decepção. Mas cheguei perto ontem à noite. Suspirei,
sonhadora, enquanto uma dorzinha latejante pulsava entre minhas coxas.
Tudo com Amon era tão bom. As palavras dele. O toque. O carinho.
Talvez ele tivesse razão. Não havia pressa.
Deslizei para fora da cama, e pelos cinco minutos seguintes, as
meninas correram pelo meu quarto como se um furacão tivesse passado por
ali, procurando algo para eu vestir. Começou com um vestido de praia longo
e terminou com um curtinho rosa e um biquíni branco com bolinhas cor-de-
rosa.
— Preciso levar uma muda de roupa? — perguntei, olhando ao
redor, irritada com a bagunça. Eu odiava desordem, e a ansiedade começou
a ferver dentro de mim ao ver meu quarto em completo caos. Malditas. Sorte
a delas que eu as amava, senão consideraria seriamente assassinato.
— Nah, é só um bate e volta, — respondeu Athena. — Enfia um
par de chinelos e bora.
— Protetor solar, — lembrei a todas enquanto reorganizava meu
armário e tentava dobrar as roupas que elas tinham bagunçado. — Senão a
Isla vai parecer um tomate até o fim do dia.
— Você vai ser uma ótima mãe um dia, — provocou Phoenix. —
Mas não tão cedo.
— Não com os preservativos que eu dei pra ela, — zombou Raven.
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— Ou com o anticoncepcional que ela está tomando.
Fiz uma careta, mas por sorte estava de costas para todas elas.
Esqueci de buscar minha receita e, portanto, nem tinha começado a tomar o
remédio.
Não importava. Sexo não ia rolar antes do meu aniversário, que
ainda estava a alguns dias de distância.
Mas eu já estava mais do que pronta para pular em cima dele.
Queria descobrir tudo, aprender como me sentir bem e fazer o outro se sentir
ainda melhor. Mas só com ele.
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CAPÍTULO 38
AMON
Hiroshi entrou no meu escritório no clube com uma expressão
solene. Ele vinha sendo minha sombra constante - mais do que o normal -
nas últimas semanas. Dante me lançou um olhar, e eu podia jurar que ele
estava prestes a revirar os olhos, mas se conteve no último segundo. Ele não
estava nem um pouco satisfeito com Hiroshi enfiado no nosso rastro o tempo
todo. Eu suspeitava que tivesse a ver, ao menos em parte, com minha mãe e
a impaciência dela em conseguirmos colocar as mãos no documento.
A primeira coisa que eu faria ao pegar aquele documento seria ler
do começo ao fim. Eu não entendia por que minha mãe estava tão obcecada
com aquilo. Havia mais coisa envolvida do que ela me contara.
— Estou surpreso em vê-lo aqui hoje, — falei com calma. O velho
merecia nosso respeito, depois de tudo que havia feito por meu avô, por
minha mãe e por mim. — Não deveria estar na Itália com a mãe?
Uma vez por mês, Hiroshi e minha mãe faziam orações diante do
kamidana, um altar doméstico que minha mãe construiu no Castelo de
Miramare. Ambos seguiam o xintoísmo, uma religião japonesa. Prestavam
reverência aos ancestrais e aos espíritos dos tempos antigos. Aquilo trazia
paz aos dois, e por algum motivo, o meu pai tolerava.
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— Talvez rezar não estivesse nos planos hoje? — zombou Dante.
Apesar de o nosso pai nos arrastar para a missa de domingo de vez em
quando e insistir para que fôssemos católicos fiéis, nós preferíamos arrancar
os próprios olhos a passar mais uma hora numa igreja. Confissão, então, nem
pensar - ele tinha todos aqueles padres na folha de pagamento. E inventar
pecados - quando você já tinha uma porção real - era um verdadeiro pé no
saco.
— Surgiu um imprevisto, — respondeu Hiroshi, com um tom sério.
Não demorou para ele explicar: — Recebi informações de que Itsuki ainda
está envolvido com o cartel brasileiro.
— Os Cortes? — falei devagar.
Eu sabia que meu primo ainda andava se metendo com o cartel
brasileiro. Itsuki tinha até aberto linhas de comunicação com Sofia Volkov,
o que acabaria sendo desastroso para a Yakuza, e não haveria ninguém para
culpar além dele. Apenas dois dos capangas de Itsuki sabiam que ele tinha
iniciado uma aliança com aquela maluca, mas um segredo assim não duraria
muito.
E eu deixaria que ele caísse pela própria espada.
— Sim, com Perez Cortes, — o tom de Hiroshi acompanhava o
meu quando ele estreitou os olhos. Eles me perfuravam, queimando. — Você
precisa manter a calma.
Só havia uma coisa capaz de me fazer perder a calma: descobrir
que alguém estava mexendo com Reina Romero. O que significava que o
cartel dos Cortes ainda estava tentando colocar as mãos nela.
Hiroshi, assim como minha mãe, não gostava de Reina, embora
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nunca a tivesse conhecido. Era apenas o sobrenome dela que causava tensão.
— Conte-me tudo, — falei friamente.
Hiroshi sentou-se na cadeira diante da mesa, a expressão carregada.
— De acordo com as informações, Itsuki disse a eles que Reina está fora de
cogitação, mas Cortes não está exatamente convencido.
Pelo visto, Itsuki ainda tinha algum juízo.
— Como assim? — perguntei.
— Eles querem todas as informações sobre ela e sua localização.
Aquele filho da...
Ofereci um sorriso frio, embora por dentro estivesse em ebulição.
Todos sabiam que Perez Cortes era um desgraçado cruel e sem coração. Não
hesitava em vender a própria irmã mais nova. Venderia os próprios filhos -
se os tivesse - para conseguir o que queria.
— Sabemos o que ele quer com ela? — Não que fizesse diferença.
Ele jamais a teria. Eu preferia destruir todo o império dele a vê-lo sequer
encostar nela. Na verdade, essa podia ser uma boa oportunidade para subir
na lista de prioridades a destruição do negócio de tráfico humano dele.
O olhar de Hiroshi dizia tudo. Ele queria Reina para si ou para o
seu ‘negócio’. Assim como os acordos Bela e Mafiosos que Benito King
mantinha, Perez Cortes tinha uma versão semelhante na América do Sul. O
acordo dos Mafiosos Marabella, embora não tivesse nada a ver com flores
ou com a famosa cidade na Espanha.
— Não deveríamos nos preocupar mais em pegar o documento que
a mãe quer do cofre do que com as filhas do Romero? — resmungou Dante.
Eva Winners BITTER PRINCE
Hiroshi lançou um olhar irritado a ele. — Sim. E eu não estou
preocupado com as filhas do Romero. Quem parece estar são vocês dois.
— Então por que você mencionou os Cortes e essa merda com a
Yakuza?
Se alguém sabia como aumentar a pressão arterial de Hiroshi, esse
alguém era o meu irmão.
— Porque se ele conseguir pegar as garotas, como você vai
descobrir onde está o cofre? — meu segundo em comando respondeu com
uma voz calma, mas com uma nota de violência por baixo.
Já tinha passado pela minha cabeça, mais de uma vez, deixar
Hiroshi dar uma surra em Dante. Seria divertido de assistir, mas hoje não era
o dia para lições. Eu precisava entrar em contato com o homem que estava
vigiando Reina.
— Acho que Romero guarda os documentos no cofre de Diana
Bergman, — falei para Hiroshi. — A questão é em qual casa. A mulher tem
várias, e atualmente é casada com o velho Duque de Glasgow.
No exato momento em que alcancei meu telefone, ele vibrou.
Atendi, sem reconhecer o número, mas notei que era um código da França.
— Alô?
— Amon, sou eu, — era Darius. Ele vinha seguindo Reina há
semanas e a mantendo em segurança. Um alarme soou nos meus instintos e
um pressentimento pesado se instalou no meu estômago. Algo estava errado.
Darius nunca ligava. Só mandava mensagens curtas sobre o nada que
acontecia durante seu turno.
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— O que aconteceu?
— Fui preso, — resmungou ele, mas eu sabia que esse não era o
motivo da ligação. Ele sabia se livrar de encrenca sem a minha ajuda. — As
garotas Romero e as amigas delas também.
Mas que merda do caralho. — Não é seu trabalho impedir que isso
aconteça? — rosnei. Ele não respondeu, e para ser justo, era uma sacanagem
jogar isso nas costas dele. — Onde?
Dante me observava com as sobrancelhas franzidas enquanto
ouvia minha voz crescer.
— Saint-Tropez.
Minhas sobrancelhas se uniram. — O que você está fazendo lá?
Pude ouvir o suspiro pesado dele pela linha. — As garotas pegaram
o trem de surpresa. Então eu segui. Achei que você ia querer que eu fizesse
isso.
— Fez a coisa certa, — reconheci. — Eu te tiro daí.
— Não se incomode. Já estou resolvendo. Posso tirar as garotas
também, mas se Reina for liberada sob a minha custódia, minha cobertura
vai para o espaço.
Ele tinha razão.
— O que exatamente aconteceu?
— Um idiota, Dietrich alguma coisa, apalpou a irmã dela e depois
tentou a sorte com Reina. A loirinha não deixou barato e deu um show nele.
Essa é a minha garota.
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— Consegue me arranjar informações sobre esse Dietrich?
— Sim.
— Ótimo. Estarei aí o mais rápido possível, — encerrei a ligação
e imediatamente digitei uma mensagem para meu piloto preparar o avião.
— O que houve? — Dante perguntou, me observando com
curiosidade.
— Foi com a Reina e as amigas dela, — levantei-me e peguei as
chaves, já atravessando a porta. Isso estragava completamente os meus
planos de aniversário para ela. — Foram presas.
Um segundo de silêncio foi despedaçado pela risada levemente
maníaca de Dante. Se não arranjássemos logo um criminoso para ele torturar,
ele ia explodir. Depois do sequestro e do acidente de dois anos atrás, não
demorou muito para eu perceber que torturar homens era o que trazia alívio
para ele.
Parei na porta e lancei um olhar por cima do ombro.
— Hiroshi, já que está aqui, está no comando, — depois olhei para
Dante e soltei um suspiro. — Vai vir ou vai ficar aí rindo feito um idiota,
sentado nessa cadeira?
Ele se levantou devagar, como se não tivesse pressa alguma, e veio
andando na minha direção. Eu estava prestes a explodir e ensinar a ele a lição
que Hiroshi nunca dera, mas isso só atrasaria a nossa saída.
— Vai ficar aí parado feito uma estátua, me encarando? — Dante
comentou com indiferença. — Ou vamos correr para o resgate?
Inalei fundo e soltei o ar, agarrando meu último fiapo de paciência.
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— Talvez eu devesse te colocar na cela com Phoenix, — sugeri com
naturalidade. — Tenho uma leve impressão de que ela acabaria com a sua
raça.
Isso foi o suficiente para deixá-lo calado durante toda a viagem até
Saint-Tropez.
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CAPÍTULO 39
REINA
Em toda a minha vida, eu nunca tinha tido problemas com a lei. E
agora, prestes a entrar oficialmente na vida adulta, estava passando a noite
na cadeia. Não era um bom começo.
Embora, em minha defesa, eu não tinha começado. Juro que não.
O dia tinha começado tão bem. Passamos horas deitadas na praia, tomando
drinques cor-de-rosa fofos. De vez em quando, entrávamos na água e depois
repetíamos o processo. Quando a música começou no fim da tarde,
começamos a dançar.
Raven se aproximou do DJ e o convenceu a tocar um clássico.
Somethin’ Bad, da Miranda Lambert e Carrie Underwood, ecoou pelas caixas
de som na praia de Saint-Tropez. Era a nossa música. O público francês
resmungou. Nós rimos, dublamos, dançamos o two-step como vaqueiras, e
depois passamos para uma dancinha coordenada estilo line dance,
completamente fora do ritmo.
As coisas começaram a desandar quando um cara agarrou a bunda
de Phoenix, puxando-a contra ele para esfregar nela. Ela continuava o
empurrando, mas o babaca se recusava a entender o recado.
Então, eu dei um soco na cara dele.
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Quando ele se virou para mim, nossas amigas intervieram. Raven
surtou, e o inferno foi instaurado. Parecia uma daquelas brigas de bar em
seriado de faroeste, tipo Yellowstone, só que sem os caubóis.
E foi assim que acabamos numa cadeia francesa.
— Desculpa, Reina, — disse Raven pela vigésima primeira vez.
Eu contei. Não era culpa dela. O cara começou. A gente só terminou.
— Não peça desculpas, — respondi, cansada, apertando a ponte
do nariz. Eu estava apenas de biquíni, já que os patrulheiros da praia se
recusaram a deixar a gente pegar as roupas. Arrepios cobriram minha pele e
eu estremeci. Malditos patrulheiros franceses. Provavelmente queriam nos
observar e nos torturar porque agimos como americanas metidas. — Espero
que você tenha quebrado o nariz dele.
As garotas murmuraram em concordância e eu me aconcheguei
ainda mais em Phoenix, tentando absorver um pouco do calor dela.
— Queríamos que você tivesse um bom dia, — Phoenix sinalizou.
— Foi bom, — respondi. Relativamente falando. — Tomamos
muito sorvete. E drinques.
Embora agora, depois de horas sentadas numa cela, eu desejasse
que tivéssemos tido o bom senso de comer algo sólido. A ansiedade se
espalhou pelo meu corpo. Eu teria que ligar para a vovó, mas por algum
motivo ainda não nos tinham dado direito a um telefonema.
— Vocês acham que vamos conseguir ligar para alguém? —
perguntei.
Todas trocamos olhares, sem a menor ideia, já que nenhuma de nós
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tinha sido presa antes.
— Talvez, — murmurou Athena. — Mas não sei se eles vão deixar
a gente fazer uma chamada a cobrar para outro país.
A porta da cela se abriu e uma policial apareceu. Droga, ela parecia
tão confortável e aquecida debaixo de toda aquela roupa, enquanto a gente
estava aqui congelando até a alma.
— Sigam-me, — anunciou, com um forte sotaque francês.
Meu coração tamborilava nos ouvidos quando saí da cela, os pés
descalços gelando no chão de concreto. Minha irmã e amigas vinham logo
atrás, e eu me perguntei se elas estavam me dando apoio ou se eu era o
cordeiro sendo levado ao abate. Não consegui decidir.
Com passos pesados, seguimos a policial pelo corredor. Assobios
e gritos vieram de dentro das celas, ecoando pelas paredes. Se existia um
momento baixo na minha vida, com certeza era este.
Lancei um olhar por cima do ombro e vi o mesmo temor
estampado no rosto da minha irmã e das meninas. Ninguém sabia para onde
estávamos indo, e eu odiava a sensação de medo se infiltrando por debaixo
da pele.
Cruzei os braços ao redor da cintura, bem na hora em que a policial
chegou a uma bifurcação no fim do corredor.
— Posso fazer um pedido de aniversário? — murmurei, afastando
os cachos do rosto. — Quero entrar na vida adulta como uma mulher livre.
A policial lançou um olhar indiferente, deixando claro que
misericórdia não era o forte dela. Meu rosto esquentou de frustração e
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humilhação. O pior de tudo era saber que a culpa era só nossa.
Soltei um suspiro pesado quando ela virou à direita.
A porta se abriu e eu entrei na recepção. Amon e o irmão dele
estavam à espera na área de saída, as expressões fechadas e a tensão
irradiando dos dois.
Amon atravessou a sala em três passos largos e segurou meu rosto
entre as mãos. A preocupação ardia nos olhos dele enquanto examinava cada
centímetro meu. — Você está bem?
— Talvez ele seja o homem certo para a nossa Reina, — murmurou
Raven. — Veio ao resgate.
— O-o que está fazendo aqui? — perguntei, confusa, ignorando o
sarcasmo da minha amiga. Eu não tinha energia para isso agora. — Como
me encontrou?
Um lampejo de diversão sombria passou por sua expressão. —
Você achou mesmo que eu ia deixar você naquela cela no seu aniversário?
Soltei um suspiro trêmulo. — Como soube?
Seus lábios se apertaram, mas ele não respondeu. Não que
importasse. Eu estava tão grata por ele estar aqui. Um arrepio percorreu
minha pele e ele rapidamente tirou o casaco, cobrindo meus ombros com ele.
— Vamos, o carro está lá fora, — disse ele, me incentivando a
seguir em frente. Saímos do prédio e seguimos para um carro preto, grande
e discreto.
— Espera. — Meus passos vacilaram e me virei para ver as
meninas vindo atrás de mim. Estávamos ridículas, todas descalças e só de
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biquíni, o pôr do sol já há muito desaparecido.
— Minha irmã e minhas amigas vão também, certo?
Notei que Phoenix também tinha um paletó cobrindo os ombros, e
meus olhos se voltaram para Dante com surpresa. Ele nunca me pareceu do
tipo cavalheiro, mas tinha dado o casaco para minha irmã. Isso me fez gostar
um pouco mais dele. Na minha curta experiência observando garotos - ou
homens - eles geralmente ignoravam Phoenix por causa da deficiência dela,
ou tentavam se aproveitar. De novo, por causa da deficiência.
Meus olhos voltaram para minha irmã, que nos seguia com as
bochechas coradas. Ela parecia evitar Dante, que vinha atrás de todas com
uma expressão entediada. Mas o tempo que passei com Amon me ensinou a
ver além: os olhos dele estavam atentos ao redor, como se garantisse que
ninguém se aproximaria de nós com más intenções.
— Sim, todas elas, — Amon respondeu, abrindo a porta do carro
e sinalizando para as meninas entrarem. Balancei a cabeça e indiquei para
minha irmã subir primeiro. Depois, minhas amigas entraram também,
resmungando algo sobre eu ser a caçula do grupo. Quando me preparei para
entrar no banco de trás, percebi que só restavam dois assentos - e bem
apertados.
Me endireitei, olhando para Amon e Dante. — Só tem dois lugares.
— E daí? — respondeu Dante, claramente ruim de matemática. Eu
também não era lá grande coisa, mas pelo menos sabia contar o número de
pessoas presentes.
— Somos três.
Eva Winners BITTER PRINCE
Ele deu de ombros. — Você pode sentar no meu colo.
Um rosnado baixo vibrou no peito de Amon, e os olhos de Dante
se acenderam com divertimento.
— Ou no de Amon.
— Entra no carro, Dante, — a voz de Amon soou como um chicote
contra a pele, mesmo não sendo dirigida a mim.
O irmão apenas riu, nada preocupado em tê-lo irritado, e entrou no
carro.
Amon voltou o olhar para mim. — No meu colo.
Ri do tom mandão e levei a mão à testa, em saudação. — Aye aye,
Capitão.
Acabamos sentados na última fileira, comigo equilibrada no colo
dele, quando tudo o que eu queria era me enrolar em seus braços. Mas sabia
que Phoenix surtaria, e as meninas provavelmente dariam uns tapas em
Amon, apesar dele ter nos tirado da cadeia.
As mãos dele cobriram as minhas, que descansavam sobre minhas
coxas, e eu observei, de boca entreaberta, como a gente se encaixava. Como
se fôssemos duas peças do mesmo quebra-cabeça, mesmo pertencendo a
mundos diferentes.
— Obrigada, — murmurei suavemente, me virando para olhar por
cima do ombro. Seus olhos estavam escuros e intensos quando encontraram
os meus. Seu corpo irradiava calor suficiente para derreter a neve em
Montana no meio do inverno. A temperatura do meu corpo subiu de repente,
e o biquíni que eu usava passou a parecer tecido demais.
Eva Winners BITTER PRINCE
Ele beijou a nuca, roçando os lábios com suavidade e provocando
arrepios por toda minha pele. Aquele homem estava tentando me fazer
explodir. Ali mesmo.
— Sempre.
Parecia uma promessa, e meu coração jovem cantava todas as
canções de amor enquanto o silêncio espesso abafava o interior luxuoso. As
meninas trocaram olhares desconfortáveis. Phoenix se encolheu o máximo
que pôde para longe de Dante, quase caindo no colo de Athena. Raven lançou
um olhar curioso para ela, mas Phoenix a ignorou deliberadamente.
Nós estávamos em nosso próprio mundinho ali atrás. Shameless,
da Camila Cabello, começou a tocar no rádio, e o motorista aumentou o
volume. Aquela palavra única descrevia perfeitamente o meu estado de
espírito naquele momento. Eu estava sem vergonha quando se tratava dele.
Eu queria tudo, e queria dar tudo em troca.
A escuridão no carro e os assentos afastados alimentaram minha
confiança enquanto eu me recostava em seu peito. Talvez fosse o álcool de
mais cedo, ou talvez fosse só esse garoto - agora homem - que tinha roubado
meu coração anos atrás, antes mesmo de eu entender o que isso significava.
Minha boceta dolorida e molhada clamava por alívio. Meus
quadris, traiçoeiros, se moveram por conta própria, roçando contra a ereção
dele. Deus, eu mal podia esperar para ficar sozinha com ele. A meia-noite se
aproximava, e com ela, toda a razão de Amon para não tirar minha virgindade
desapareceria.
Com a mão dele ainda entrelaçada à minha, prendi a respiração,
esperando que ele fizesse algum movimento. Eu não me importava que
Eva Winners BITTER PRINCE
estivéssemos em um carro cheio de família e amigos. Não me importava se
alguém nos ouvisse. Tudo o que eu queria era ele.
— Toca em mim, — supliquei, num sussurro contra sua orelha.
Seu nariz roçou meu lóbulo. — Você é muito mandona. E ainda
tem dezessete anos.
Não consegui evitar o suspiro frustrado que escapou. — Só por
mais uma hora, — então, porque estava me sentindo atrevida, levei a mão
dele até entre minhas pernas ligeiramente abertas. — Faz de mim sua antes
da meia-noite.
Ele passou um dedo sobre meu biquíni úmido e depois mordeu
suavemente meu lóbulo. — Não é assim que vamos comemorar seu
aniversário.
A voz dele era possessiva. Dominante. Então sussurrou as cinco
palavras que toda garota queria ouvir: — Não posso viver sem você. —
Aumentou a pressão sobre meu clitóris, com o maldito biquíni ainda no
caminho. — E da próxima vez que eu tiver você, teremos todo o tempo do
mundo, para que eu possa saboreá-la.
Um homem com princípios. Eu não sabia se achava isso
encantador ou apenas frustrante pra caralho.
Através da névoa no meu cérebro, alguém pigarreou e eu congelei,
Amon empurrando minhas pernas para que se fechassem.
— Então, o que aconteceu? — Dante perguntou, mas seus olhos
estavam em mim. Por quê? Eu não fazia ideia. Amon tinha contado sobre
mim? Ou talvez ele suspeitasse que estávamos aprontando algo ali atrás?
Eva Winners BITTER PRINCE
Tentando parecer despreocupada, dei de ombros, mesmo com meu
corpo inteiro em chamas. — Um cara ficou apalpando Phoenix, então eu dei
um soco nele.
Algo passou pelos olhos de Dante, escuro e ameaçador, mas sumiu
tão rápido que não tive certeza se era real ou só a lua projetando sombras em
seu rosto e me enganando.
— Depois ele resolveu atacar Reina, — completou Isla.
Um rosnado vibrou no peito de Amon novamente, e os dois irmãos
trocaram um olhar. Antes que eu pudesse perguntar alguma coisa, Raven se
intrometeu. Inutilmente, diga-se de passagem: — Bem, isso nem foi a pior
parte. O idiota começou a apalpar a Reina, pegando na bunda dela.
— Ele o quê? — A voz de Amon estava tão gelada que provocou
arrepios nos meus braços. Me mexi no colo dele para ver sua expressão,
marcada por tensão e algo mais. Algo assustador.
— Eu dei conta, — resmunguei, repreendendo Raven com um
olhar fulminante por falar demais. — Você não precisava ter quebrado uma
garrafa na cabeça dele.
Ela se recostou no banco. — Ele teve sorte de eu não ter feito mais
do que isso.
— Eu conheço uns movimentos de defesa pessoal que não
envolvem garrafas, — retruquei. — Nem cadeia.
Raven revirou os olhos. — Bom, valeu a pena ver ele mancando
feito um idiota. — O sorriso no rosto dela era selvagem. — Ele não vai mais
ter um rostinho bonito.
Eva Winners BITTER PRINCE
— Supondo que ainda sobrou alguma coisa dele, — murmurei. A
verdade é que eu realmente não me importava. Ele mereceu o que levou. Mas
eu não precisava que minhas amigas pulassem para me defender o tempo
todo. Eu sabia cuidar de Phoenix e de mim mesma.
— Reina, você tem que admitir que aquele cara foi persistente, —
Isla disse, defendendo Raven.
— E eu também sou, — respondi, acenando com a mão. — Fiz um
ano ou dois de jiujitsu.
Isla quase engasgou com a própria saliva. Phoenix também. —
Você não participou de uma única aula, — minha irmã sinalizou.
— Sua irmã está certa, — disse Isla suavemente. — Você passou
os dois anos inteiros dando sermão no instrutor.
— Bem, violência é ruim, — protestei.
— Mas a aula dele era literalmente artes marciais, — apontou
Phoenix.
Não era a primeira vez que isso vinha à tona. Isla e Phoenix
tiveram que me arrastar para fora da aula porque o Mestre Cho ameaçou me
reprovar. Não reprovou, claro.
— Era meu dever cívico apontar os erros dele, — defendi-me.
Isla balançou a cabeça. — Ele estava tão de saco cheio de ouvir
você reclamar sobre as maldades da luta que sumiu sabe-se lá para onde.
— Enfim, — sibilou Raven. — Voltando ao assunto principal. É
melhor ir se acostumando com celas, porque ninguém encosta na bunda da
nossa neném e sai impune.
Eva Winners BITTER PRINCE
Lancei um olhar mortal para ela, com as bochechas em chamas. —
Se não parar com essa merda de me chamar de neném, vou começar a te
chamar de vovó.
— Deus, estou esperando Raven amadurecer, mas acho que isso
nunca vai acontecer, — resmungou Athena. — Vocês todas podem calar a
boca? Eu só quero tomar banho e dormir.
Amon observava toda a troca com interesse. Seu braço estava
apoiado de forma casual no encosto de cabeça atrás de mim, os dedos
brincando com meus cachos, e eu lutei contra a vontade de me derreter ao
toque. Eu estava desesperada pelas mãos dele em mim. Pela boca dele.
— Achei que minha noite tinha sido arruinada, — disse Dante,
enrolando um cigarro com uma mão. Presumi que, se não estivéssemos no
carro, ele já teria acendido. — Mas admito que estava enganado. Isso aqui
está bem divertido.
Endireitei a postura, esquecendo tudo por um instante. — Nossas
coisas ainda estão na praia.
Amon balançou a cabeça. — Mandei buscar tudo.
— Graças a Deus, — murmurei. — A vovó não compraria outro
celular para mim se eu perdesse esse.
Seis meses atrás, derrubei meu telefone enquanto tirava uma selfie
na varanda. Ele quicou no parapeito, passou por uma fresta de uns oito
centímetros e despencou até o chão. Ficou completamente destruído. Você
pensaria que eu tinha quebrado o jogo de porcelana preferido da vovó.
— Dane-se o celular, — disse Athena. — Eu estava apavorada com
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a possibilidade de termos que voltar para Paris de trem ou pedindo carona
usando só os nossos biquínis.
— Se as pessoas já paravam para nós de roupa de inverno, com
biquíni iam parar com certeza.
É. A Raven ainda ia nos matar um dia. A gente ia acabar no jornal.
Eu já até via a manchete: Cinco garotas americanas imprudentes picotadas
e jogadas ao mar.
— Se meus irmãos descobrirem, vão me matar, — murmurou Isla.
— O que estou dizendo… é só questão de quando, não de se. — Ela passou
uma mão pelo cabelo, com a expressão pálida. — Merda.
— A vovó provavelmente vai nos colocar de castigo para sempre
e nos tirar do país, — Phoenix sinalizou. — Depois vai contar para o papai
parar de pagar a mensalidade.
— O que ela disse sobre o pai de vocês? — Amon perguntou,
curioso, enquanto Dante olhava para minha irmã como se fosse pago para
isso.
Lancei um olhar surpreso para Amon, esperando que ele ainda
fosse meu namorado depois da confusão que causamos.
Antes que eu pudesse abrir a boca, Dante respondeu: — Não se
preocupem com ninguém saber. Limpamos os registros, então ninguém além
de nós vai saber que vocês foram presas hoje.
— E o idiota com a cabeça rachada, — lembrou Raven. — Ele tem
toda a cara de quem vai sair por aí contando vantagem.
— Não por muito tempo, — acho que ouvi Dante dizer, mas não
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tinha certeza.
Em vez disso, virei para encarar os olhos de Amon. — Como você
soube que Phoenix disse algo sobre nosso pai?
Ele deu de ombros. — Comecei a aprender Linguagem de Sinais,
— admitiu.
Ali mesmo, eu soube. Amon Leone era o cara certo para mim -
nesta vida e na próxima.
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CAPÍTULO 40
AMON
A escuridão envolvia nosso quarto de volta ao iate, embora um
halo dourado rodeasse a forma adormecida de Reina. O brilho ao redor dela
podia ser um truque da luz do luar, mas eu não achava que fosse isso. Aquela
garota irradiava luz mesmo na mais profunda escuridão.
— Feliz aniversário, garota canela, — murmurei.
Quase como se tivesse me ouvido, um suspiro suave escapou de
seus lábios carnudos e rosados, e ela se remexeu, mas não acordou. No
momento em que voltamos, as meninas desabaram. Exceto por Phoenix, que
continuava me lançando olhares fulminantes e insistindo para que a irmã
dormisse com ela. Não sabíamos onde elas pretendiam passar a noite em
Saint-Tropez, mas isso não importava. Dante e eu não deixamos espaço para
negociação: voltamos direto para nosso iate saindo da delegacia. Tínhamos
espaço de sobra e, aqui, podíamos mantê-las longe de encrenca.
Mas Reina era a definição perfeita de teimosia. Na verdade, o
dicionário Merriam-Webster deveria colocar a foto dela ao lado da palavra.
Depois de discutir com Phoenix e vencer, ela tentou me convencer a lhe dar
seu presente de aniversário.
E, para garantir que eu entendesse o que ela queria, deixou os olhos
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percorrerem meu corpo sem qualquer reserva. Sua pele de marfim corou
quando disse: — Não quero coisas materiais, Amon Leone. Só quero você.
Essa mulher ainda vai me matar. Eu tinha alguma honra, mas não
era um santo. E, mesmo assim, recusei. Mesmo quando ela fez um biquinho
e passou as mãos por mim, mantive minha decisão. Seria o diabo se eu tirasse
sua virgindade e fizesse de sua primeira vez algo menos do que memorável.
Eu queria ser o primeiro e o último. Queria ela todas as vezes. Esse
pensamento só fazia crescer ainda mais a possessividade e obsessão que
sentia - rápida e furiosa.
Claro, eu tinha grandes planos de aniversário para ela em Paris,
mas todos foram por água abaixo agora que acabamos em Saint-Tropez.
Então eu faria novos planos. Mas, primeiro, ensinaria uma lição ao
desgraçado que ousou tocar na bunda dela. Ninguém mexia com a minha
garota e saía vivo para contar história.
Meu olhar percorreu a forma adormecida de Reina. Ela parecia um
anjo sobre os lençóis pretos de cetim. A bochecha apoiada numa cortina de
seus longos cachos loiros, o sobe e desce dos seios e as pernas longas e
esguias me davam vislumbres de sua pele impecável. Suas respirações
suaves preenchiam o espaço do meu quarto, no iate que batizei com o nome
dela. Cinnamon Girl18.
Fiz bem em insistir para não brincarmos esta noite.
Definitivamente, nada de sexo. No momento em que a cabeça de Reina
encostou no travesseiro, seus olhos se fecharam e ela adormeceu,
murmurando algo sobre galáxias, do mesmo jeito que fez na noite em que
18
Garota canela.
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foi dopada. Talvez ela fosse fã de Star Wars.
Ainda havia tantas coisas que eu precisava descobrir sobre ela, e
eu descobriria. Assim que resolvesse o caso do desgraçado. Depois de
investigar Dietrich-prestes-a-morrer, descobri que não fora coincidência ele
ter mirado nas irmãs Romero. Aquele merda trabalhava para Perez Cortes.
Darius fez bem em investigar o sujeito.
Meus olhos se fixaram em seu cabelo dourado espalhado sobre os
lençóis pretos de cetim, apavorado com o quão perto estive de perdê-la.
Como se tivesse sentido meus pensamentos sombrios, ela estremeceu, e eu
me aproximei para cobri-la. Inclinei-me sobre ela, inspirando seu cheiro
profundamente nos meus pulmões, e beijei sua testa.
— Bons sonhos. Já volto.
E então, eu faria do resto da vida dela um evento feliz e memorável.
Que se fodesse tudo. Que se foda meu pai. Que se foda minha vingança. Que
se foda a Omertà, e que se foda a Yakuza também. Minha mãe entenderia.
Teria de entender.
Ainda não era o homem mais rico do mundo, mas tinha o
suficiente para dar a Reina a vida que ela merecia. Eu podia sustentá-la na
faculdade e até financiar um negócio, se quisesse abrir um. O que quer que
ela desejasse.
Uma batida suave na porta me arrancou dos meus devaneios sobre
o futuro, que, pela primeira vez, soava esperançoso.
Virei-me e saí do quarto antes que convencesse a mim mesmo a
ficar e observá-la dormir. O desgraçado que tocou Reina e a irmã merecia
ser fatiado e retalhado. E eu faria questão de garantir que isso acontecesse.
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Uma hora depois, Dante e eu estávamos de volta à delegacia,
ouvindo os passos ficarem cada vez mais altos.
— Você está obcecado por Reina Romero, — disse Dante,
puxando meu olhar para ele. Não me dei ao trabalho de corrigir. O que eu
sentia por ela, e o que ela sentia por mim, não era da conta dele. — Isso vai
ser sua ruína. Nunca é bom estar obcecado por uma mulher. Ou por um
homem. Amor, no geral, é perigoso.
— E o que você sabe sobre isso?
Ele deu de ombros. — Olhe para o nosso pai. Para a nossa mãe.
Na verdade, olhe para qualquer um que tenha seguido por esse caminho.
Sempre acaba fodendo tudo.
Lancei-lhe um olhar irritado. — E o que vai fazer quando tiver de
se casar?
— Vou foder, e depois deixo. — A resposta dele veio seca. — Não
preciso dessa baboseira de amor.
Não respondi. Não importava o que eu dissesse, ele sempre teria
uma resposta pronta. Esse era Dante: quando enfiava algo naquela cabeça
dura, não saía mais.
Voltamos nossa atenção para o desgraçado que se aproximava.
Nossos olhos fixos na mesma porta por onde as garotas haviam passado mais
cedo naquela noite - mas o sentimento agora era outro. Horas atrás,
esperávamos com preocupação. Desta vez, esperávamos com ódio.
Aquele homem já estava morto desde o momento em que pôs as
mãos na minha garota canela. Sob nenhuma circunstância eu permitiria que
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alguém que a tocou continuasse vivo. De jeito nenhum.
E lá estava ele. Cabelos loiros desgrenhados. Olhos castanhos
claros. Um metro e oitenta. E um sorrisinho de canto que dizia que ele ainda
não tinha aprendido a lição — que ousaria apalpar outras garotas.
— Dietrich, aqui. — Acenei para que se aproximasse.
— A diversão vai começar — murmurou Dante, sorrindo com
ferocidade. O sorriso do desgraçado loiro se desfez, provavelmente
reconhecendo alguém ligeiramente insano quando via um. Mas ele estava
enganado. Dante era mais que isso. Era completamente insano.
Os olhos de Dietrich saltavam entre Dante e eu, as sobrancelhas
claras franzidas, sem nos reconhecer. Com passos hesitantes, mancou até nós,
e eu saboreei o corte em sua testa. Provavelmente resultado da garrafa de
cerveja. Também ostentava um olho roxo, cortesia do soco de Reina.
Mas isso não seria nada comparado ao que estava por vir.
***
Paramos diante de uma villa a uma hora de Saint-Tropez, cortesia
de Kingston, o Ghost da Omertà. Por que ele tinha uma villa no sul da França?
Não faço a menor ideia.
Dante guinava o volante para a esquerda e para a direita, fazendo
o carro sacudir na estrada de cascalho. Um corpo batia dentro do porta-malas
a cada curva, e a cada impacto, o sorriso de Dante se alargava. Eu estaria
mentindo se dissesse que não estava sorrindo também. Dietrich, que em
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breve seria Deadtrich19, estaria implorando por isso até o fim da noite.
Assim que paramos em frente à villa, saí do banco do passageiro,
contornei o carro e abri o porta-malas. Nosso prisioneiro parecia um pouco
mais acabado, mas ainda não era o suficiente. Só seria suficiente quando ele
estivesse morto e enterrado.
Paramos diante da villa, e eu segui pelo caminho principal, com
Dante logo atrás de mim. Quando nos aproximamos da porta do porão, onde
Kingston guardava todo o seu equipamento, ele apareceu na soleira.
Pelo visto, queria participar da lição. Ou melhor dizendo, da sessão.
— Ghost, — cumprimentei, com um leve aceno de queixo.
— Príncipe amargo20.
Soltei um suspiro sarcástico ao perceber que já não me sentia tão
amargo desde que reencontrei Reina. Desde que senti seus lábios nos meus.
— Viemos nos divertir, — anunciou Dante, arrastando Dietrich
pelos cabelos loiros.
Kingston cruzou os braços à frente do peito. — O que ele fez?
— Apalpou minha garota, — cuspi. — Recusou-se a aceitar o ‘não’
dela como resposta.
Guardei a pior parte para o fim: — E pretendia entregá-la a Perez
Cortes.
A expressão fria de Kingston virou pedra. Todo o submundo sabia
19
Die – trich (die=morrer) -> Dead – trich (dead=morto); ele quer dizer que em breve já não se diria
que ele ‘iria morrer’ mas sim que ‘já estaria morto’.
20
Apesar de normalmente não traduzirmos apelidos, aqui também faz sentido, pelo significado, traduzir o
‘Bitte Prince’ (Príncipe Amargo)
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o que Perez Cortes fazia com mulheres. Ele se afastou, dando passagem.
Todos nós odiávamos valentões, mas filhos da puta que não entendem um
simples ‘não’ pertenciam a uma categoria completamente diferente.
Meus olhos percorreram a escada que descia. Já dentro da sala de
concreto, Dante jogou o corpo no chão como um saco de lixo. A cabeça de
Dietrich se ergueu de repente, os olhos um pouco vidrados. Seu rosto estava
vermelho pra caralho, o desgraçado suava em bicas, gotas pingando da pele
manchada e espatifando no chão cinza e gelado sob nossos pés. O medo
brilhou nos olhos castanho-claros, mas ainda não era suficiente.
Lancei um olhar ao meu irmão atrás de mim e fiz um leve aceno,
— prepare-se para brincar.
Fiquei parado enquanto a raiva de Dante tomava conta do
ambiente, pronta para ser liberada naquele merda. Enquanto eu dominava
minhas emoções desde muito cedo, Dante adorava deixar-se consumir por
elas. Resumindo: ele era impulsivo pra caralho.
Aproximei minha boca do ouvido do desgraçado e sussurrei: —
Garota errada, filho da puta. Você tocou na garota errada.
Ele ficou tenso, os olhos saltando em direção a Kingston. Tinha
mais chance de ter misericórdia do diabo do que daquele homem.
— E você vai nos contar quais são os planos de Cortes.
Empurrei o desgraçado um passo para trás, torci seu braço pelas
costas, me movi para trás dele e agarrei o bastardo pelos cabelos. Esse foi o
sinal que Dante precisava. Ele segurava uma faca em cada mão e rasgou a
camisa dele.
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— Olhe, — murmurei com calma no ouvido de Dietrich. — Não
seja frouxo. Não desvie o olhar.
Puxei mais seus cabelos, para que tivesse a visão perfeita do que
Dante estava prestes a fazer. Ele tentou lutar contra minha força, mas era
fraco demais.
Dante sorriu, liberando toda a sua loucura.
Enterrou as duas facas nas coxas dele. Um grito lancinante cortou
o ar, fazendo até a janelinha do porão estremecer.
Kingston enfiou a mão no bolso e tirou um alicate. — Caralho,
você é maluco, — disse Dante, gargalhando como um maníaco. — Por que,
diabos, você tem um alicate no bolso?
Isso sim era o sujo falando do mal lavado.
Kingston deslizou até nós como uma sombra, forçou a boca
retalhada de Dietrich a abrir e arrancou um dente. Eu estava acostumado com
sangue e violência desde criança, mas que se foda se algum dia eu
conseguiria me acostumar com a visão da boca de alguém sendo destroçada.
Resumindo, ser dentista nunca foi meu chamado.
— Que nojo, — resmunguei, o sangue espirrando da boca de
Dietrich. Kingston tinha o hábito de guardar um dente de cada homem que
via morrer ou que ele mesmo matava. Dizem que era o único passatempo
que teve enquanto crescia sob a brutalidade de Sofia Volkov.
Como minha mãe dizia milhões de vezes enquanto criava Dante e
eu: sempre haveria alguém que teve uma vida muito pior do que a nossa.
— Agora fale, — exigi, enquanto o sangue pingava do queixo dele.
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— Quais são os planos do seu chefe para Reina Romero?
Ele começou a chorar. — Eu não sei, — gaguejou. — Ele só gosta
de loiras. A outra ele queria usar para chantageá-la.
Poças escuras de fúria invadiram meus sentidos até me fazerem
tremer. Eu não podia deixar minhas emoções me dominarem. Ainda não.
Em vez disso, puxei uma faca e cravei a lâmina em sua coxa,
deixando-lhe um novo ferimento.
Dietrich enrijeceu em meus braços, gritando como o covarde que
era.
— Por favor, — implorou, berrando. — Por favor. Eu nunca mais
vou encostar nela. Mal toquei na bunda dela.
Muco escorria do nariz. — Ela que começou a briga. Tudo que eu
queria era dançar com a muda e usar isso para fazer a irmã burra me seguir
até o carro.
Foi exatamente a pior coisa que poderia ter dito. Ri com escárnio
e me lancei sobre o desgraçado como um tigre atacando sua presa. O fato de
ele ter encostado em Reina me deixava fora de mim. Um grito cortou o ar
quando Dante passou a lâmina pela bochecha dele. Seu sorriso tinha algo de
errado, mas a fúria estava perfeitamente no lugar.
Ninguém mexia com as irmãs Romero. E se eu tivesse que
adivinhar, diria que o que deixou Dante ainda mais enfurecido foi o
desgraçado ter chamado Phoenix de muda. Ele dizia que não gostava dela,
mas eu sabia que ver Phoenix sendo humilhada despertava a loucura nele.
Meu irmão sorriu de forma cruel e desceu a faca sobre o rosto do homem
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outra vez.
— Dante, controle-se, — rosnei entre os dentes. Se ele perdesse o
controle, seriam necessários Kingston e eu para contê-lo, e eu preferia que a
Omertà não soubesse o quão insano meu irmão realmente era. — A dor é
mais torturante se espalharmos por um período maior.
— Posso confirmar isso, — disse Kingston friamente.
— Foda-se essa de devagar e com calma, — murmurou Dante,
enquanto eu empurrava Dietrich no chão, ficando de pé sobre ele.
Era tudo de que meu irmão precisava. Avançou num salto,
esmagando o pulso do desgraçado e quebrando-o com um estalo de ossos se
partindo. Dante começou a espancar o homem como um maníaco. Continuou
socando com os punhos. O sangue respingava em suas roupas, e, pouco a
pouco, sua calça branca se tingia completamente de vermelho.
Coloquei a mão sobre seu ombro e ele parou. Virou a cabeça e
nossos olhares se encontraram, a escuridão familiar escondida em seus olhos
azul-escuros.
— Quando terminar com ele, vou arrancar a língua por falar dela
assim, — disse.
Dela. Phoenix ou Reina, eu não sabia, mas assenti mesmo assim,
sabendo que ele precisava disso.
Olhei em volta até avistar uma corda em um canto.
— Pegue a corda, — disse a Dante, sabendo que ele a amarraria
com tanta força que os pulsos do desgraçado cairiam quando acabasse.
Apontei para os eixos de metal no corrimão da escada e encarei
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Kingston.
— Podemos amarrar os braços dele ali, na parte de baixo?
— Mais do que podem, — respondeu ele.
Carreguei um Dietrich ensanguentado até a escada, e Kingston
amarrou seus pulsos a alguns dos eixos de metal. A parede era alta e, quando
ele recuou, o desgraçado ficou pendurado ali como um saco de batatas.
Dante puxou as facas das pernas do desgraçado, depois as limpou
nas próprias calças enquanto Dietrich gritava e se mijava ao mesmo tempo.
— Eu odeio quando eles se mijam, — comentou Kingston com
indiferença. — O fedor.
— Abra a camisa dele, — mandei a Dante.
Kingston se moveu atrás de mim, sentando-se na cadeira, satisfeito
por apenas assistir ao espetáculo que já sabia que aconteceria.
Voltei-me para o nosso prisioneiro, cuja camisa já estava rasgada
e o torso exposto. Aparentemente, o desgraçado passava horas na academia
e achava que era o sonho de toda mulher - com ou sem consentimento.
Pegando minha própria faca do coldre - a mesma que meu velho
me deu no meu décimo aniversário, a mesma que usei no meu primeiro
assassinato e em todos os seguintes -, caminhei até Dietrich, parando a um
passo de distância para encará-lo diretamente nos olhos. O silêncio tomou
conta do porão.
Olhei para Dante. — Quer deixá-lo pendurado?
Dante apontou a faca para o rosto dele. — Só depois de ser cortado
em pedacinhos.
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— Justo.
Pressionei a ponta da faca contra sua bochecha inchada. — Vamos
começar.
Nem precisei aplicar muita força antes que o sangue brotasse e
escorresse por seu rosto como lágrimas carmesim. Um sorriso lento se
formou em meus lábios.
— O cartel Cortes vai atrás de vocês se me matarem, — cuspiu ele,
mas não fazia ideia de quem éramos. Não sabia o que representávamos. Não
havia cartas a jogar quando se esbarrava conosco. — E-eles são máfia
brasileira.
Dei uma risada curta. — E isso era para nos assustar? —╬ Para ser
sincero, Kian deveria eliminar o irmão lunático e assumir o controle. O
mundo seria um lugar muito melhor. — Vou estar esperando.
— Vocês são malucos.
— Errado, — retruquei, com um tom frio como gelo.
— Somos sádicos, — completou Dante. — Foi para isso que
fomos criados. Mas você... — Ele deixou o silêncio pairar por vários
batimentos. — Você sequestra mulheres inocentes e as entrega a um
psicopata. Agora vamos fazer com você o que Perez Cortes faz com elas.
Os adversários de nosso pai deixaram cicatrizes profundas no meu
irmão. Ele dizia que não lembrava, mas, lá no fundo, eu tinha certeza de que
reprimia as memórias como forma de lidar com o trauma. Então, deixei que
ele enfrentasse isso da única forma que conhecia - extravasando sua raiva
com tortura.
Eva Winners BITTER PRINCE
Como ele disse: éramos sádicos.
Alguns de nós mais que outros, mas não entrei em detalhes. Minha
sede por vingança havia diminuído nas últimas semanas. Isso tinha tudo a
ver com Reina e nada a ver com o documento que minha mãe tanto precisava.
Mas isso aqui... isso eu não podia deixar passar.
Para reforçar sua fala, Dante passou a faca pelo estômago de
Dietrich com um corte profundo e certeiro. O grito dele ecoou enquanto o
sangue jorrava da ferida aberta. Sorri e, logo em seguida, fiz mais dois cortes.
— Agora, Dietrich, — falei, recuando um passo enquanto ele
gritava feito um condenado. — Cortamos seu abdômen, e logo suas tripas
vão escorrer de dentro de você.
— Não, por favor, — implorou, engasgando.
Meus olhos não haviam se desviado de sua forma patética em
nenhum momento. Ele finalmente parecia perceber que ia morrer.
Dante revirou os olhos. — Vai ser uma noite longa.
O desgraçado começou a gritar, se debater e espernear. Só estava
acelerando a própria morte. Talvez fosse até algo bom em outras
circunstâncias, mas a sede de vingança de Dante estava longe de ser saciada.
Então, ele começou a marcá-lo. Cada centímetro da pele de
Dietrich foi entalhado com a palavra Estuprador enquanto o desgraçado
gritava tão alto que toda Saint-Tropez teria ouvido se as paredes não fossem
à prova de som.
Num grito final, as forças o abandonaram e suas pernas cederam
até que os dedos dos pés roçaram o concreto do chão do porão. Em segundos,
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os cortes que eu havia feito se abriram e suas tripas escorreram pelo chão.
E, porra, me deu um prazer enorme saber que havia um desgraçado
a menos no mundo que não entendia o significado de um ‘não’.
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CAPÍTULO 41
REINA
O balanço constante dificultava acordar.
Era reconfortante, e toda vez que eu achava que minhas pálpebras
iam se abrir, era embalada de volta para o sono. Demorou um pouco para o
som das ondas atravessar a névoa dos sonhos.
Sentei-me e me encontrei em uma cabine lindamente decorada. Os
acontecimentos da noite passada invadiram minha mente e meus olhos
percorreram o ambiente freneticamente até encontrá-lo.
Amon dormia na cadeira, com as pernas esticadas e os braços
cruzados sobre o peito nu. Estava usando apenas uma calça de moletom, e
de repente, entendi o apelo. Prefiro um homem de moletom do que de jeans
e terno completo em qualquer maldito dia da semana.
Levei a mão à boca para ter certeza de que não estava babando.
Seria vergonhoso ser flagrada naquele estado.
Meu olhar percorreu o torso dele, aqueles músculos que eu queria
lamber, provar e beijar. Santo Deus, eu não sabia se eram os hormônios ou
se eu estava só... com tesão mesmo.
Forcei os olhos a subirem até o rosto dele e soltei um suspiro
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sonhador. Ele era tão bonito que doía olhar. Seus cabelos escuros estavam
bagunçados, e a luz do sol que entrava pelas janelas dava à sua pele
bronzeada um brilho profundo.
Voltei minha atenção para o quarto. Ontem à noite, quando ele e
Dante nos trouxeram para o barco, estava escuro demais para enxergar ou
apreciar qualquer coisa. Considerando que perdemos o trem de volta a Paris
e nossas mesadas não cobriam os preços extorsivos dos hotéis daqui, o iate
de Amon foi uma dádiva.
Embora você não diria isso pelo jeito como as meninas
resmungaram, com minha irmã liderando o motim. Elas teriam preferido
pegar carona de volta para Paris ou dormir na estação até o próximo horário
de partida.
Meus olhos passearam pelo quarto decorado com luxo, bom gosto
e conforto, mas não havia vestígios de objetos pessoais em lugar algum.
Provavelmente porque ele não fica aqui com frequência, pensei.
Cuidadosa para não acordar Amon, levantei e fui até o banheiro.
Lá, sim, havia traços dele. Colônia. Escova de dentes. Havia até uma ainda
na embalagem e, antes que eu pudesse debater se era certo usá-la,
desembrulhei e escovei os dentes.
Liguei o chuveiro e deixei a água esquentar antes de tirar a camisa
e o biquíni que ainda vestia. Entrei sob o jato e deixei a água cair sobre mim,
lavando o gosto da cadeia - e, com sorte, minha primeira e última experiência
com ela - junto com o sal do mar que grudava no meu corpo.
Quando desliguei o chuveiro, me senti muito melhor. Sequei o
corpo e avistei um roupão pendurado na porta. Vesti-o, mesmo sendo cinco
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números maior, e inspirei o cheiro familiar.
Voltei para o quarto e encontrei Amon acordado.
— Acordei você? — Ele balançou a cabeça, me observando com
uma intensidade que fez meu coração disparar. Caminhei até ele e parei bem
na frente. A proximidade dele e o cheiro do roupão ao meu redor pulsavam
no meu sangue, saciando um desejo profundo dentro do meu peito.
— No que está pensando, garota canela? — perguntou, com a voz
mais suave que veludo.
— Em você, — soltei, e imediatamente senti o calor subir pelo
pescoço e pelas bochechas. Mas era a verdade.
A menina de seis anos nunca esqueceu o garoto com galáxias nos
olhos. Mamãe morreu, e ele se escondeu em um canto escuro, mas então
nossos caminhos se cruzaram de novo. Primeiro quando eu tinha quatorze
anos, e agora, quatro anos depois. Havia de haver algo entre nós se a vida
continuava nos colocando no caminho um do outro, certo?
Ele deixou o olhar percorrer meu corpo. — Vai usar isso hoje?
O canto dos meus lábios se ergueu, e alisei o roupão com a mão.
— Por que não? Acho que fico bem com ele.
— Você fica bem com qualquer coisa, — murmurou. — Mas sua
irmã vai surtar.
Suspirei. — Tem razão. — Meus olhos vasculharam o quarto em
busca da minha bolsa. Eu só tinha o biquíni e o vestido que usei na praia, já
que não esperávamos passar a noite.
Ele se levantou, pegou minha mão e me guiou até o armário.
Eva Winners BITTER PRINCE
Quando abriu, ele estava repleto de roupas em diferentes tons de rosa.
Sapatos brancos, rosas, verdes. Acessórios.
Eu não conseguia acreditar enquanto passava os dedos por tudo
aquilo. Vera Wang. Valentino. Chanel. Lilly Pulitzer. Miu Miu.
— Puta merda. — Virei-me para ele, com os olhos arregalados. —
Quando você teve tempo de comprar tudo isso?
— Depois que você foi dormir.
— Mas... — Meus olhos foram até o armário e voltaram para ele.
— Tem muita coisa. Nenhuma loja fica aberta de madrugada.
Ele me deu um sorriso misterioso e deu um tapinha leve na minha
bunda. — Tenho meus meios. Agora vá se vestir.
Dez minutos depois, subimos para o deque. As meninas estavam
sentadas ao redor da mesa na área da piscina, o café da manhã sendo servido.
Todas usavam shorts e regatas, e eu entrelacei minha mão na de Amon.
— Obrigada por ter comprado roupas para a gente.
— Claro. Elas são sua família e amigas.
Meu coração transbordou com a consideração dele, e apertei sua
mão. Ele passou o polegar sobre a veia do meu pulso, como se soubesse que
era minha tábua de salvação. Eu estava flutuando no oceano do amor, meus
cachos espalhados ao redor, e não me importava de me afogar.
— Vai fazer amor comigo mais tarde? — sussurrei, o coração
disparado. Era piegas pra cacete, mas, caramba, já vi filmes românticos
demais e li livros água com açúcar demais para não ter um pouco de romance
no coração.
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— Hai21. — Quando lancei um olhar questionador, ele acrescentou:
— Sim.
E eu sorri como o sol em um claro dia de verão, enquanto o resto
do mundo desaparecia.
Até um barulho abrupto nos assustar.
Phoenix empurrou a cadeira para longe da mesa e veio andando a
passos firmes, empurrando o celular contra o meu peito. Ela parecia furiosa.
— O quê? — Nunca na vida eu tinha visto Phoenix sem palavras.
Ela sabia se expressar - pelo menos comigo -, mas parecia que hoje tinha
perdido essa capacidade.
Amon se aproximou da mesa e puxou uma cadeira para mim.
Sentei-me, e meus olhos passaram pelas outras meninas, buscando uma
explicação nos rostos delas. Raven revirou os olhos. Athena me lançou um
sorriso sem graça.
— Sua avó está tentando falar com você, — explicou Isla. — E ela
está ligando por FaceTime para Phoenix tipo a cada dois minutos, mas sua
irmã não apenas ignorou as chamadas. Ela está rejeitando, para a velha
dragona saber que está sendo ignorada de propósito.
Suspirei.
— Aí começaram a vir as mensagens de texto, — completou Isla.
Peguei o celular da minha irmã com hesitação, exatamente quando
ele vibrou. Uma mensagem apareceu na tela:
Atenda essa merda de telefone ou eu arrumo as coisas dos
21
Sim em japonês.
Eva Winners BITTER PRINCE
trigêmeos e você e Reina vão passar o verão de babás.
Soltei um bufado. — Como se Alexander fosse deixar esses
trigêmeos fora do campo de visão dele, — murmurei.
‘Ligue para ela e resolva,’ Phoenix sinalizou, claramente
frustrada. ‘Ligue. Nada de FaceTime.’
— Posso usar o seu telefone? Não sei onde está o meu.
Ela assentiu e voltou para seu lugar na mesa. — Se ela pedir para
falar comigo, diga que estou indisponível. Por tempo indeterminado.
Phoenix estava realmente brava com a nossa avó. Isso já vinha
acontecendo com frequência nos últimos dois anos.
Meu dedo pairou sobre o nome da Vovó, e eu soltei o ar dos
pulmões antes de apertar o botão de chamada. Ela atendeu no primeiro toque.
— Alô, Vovó, — cumprimentei. Ela saberia que era eu, já que
Phoenix nunca ligaria para ela. FaceTime ou mensagens eram o estilo dela,
por motivos óbvios.
— Reina! Onde você está? — Abri a boca para responder, mas
antes que eu dissesse qualquer coisa, ela continuou sua bronca. — Você sabe
o quanto eu fiquei preocupada? — A voz dela aumentava de tom a cada
palavra. Afastei o telefone da orelha com medo de ficar surda. — Achei que
você tivesse morrido. Minha menina. E logo no seu aniversário de dezoito
anos.
— Dormimos até mais tarde.
Raven bateu a mão na testa. Athena balançou a cabeça com força.
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Pisquei, confusa. Amon parecia tão perdido quanto eu, enquanto Dante se
recostava na cadeira com um toque de tédio no rosto. Algo me dizia que
Dante entediado era o equivalente a uma bomba-relógio, embora eu não
tivesse base nenhuma para isso.
— Dissemos a ela que estamos em Saint-Tropez, — Athena
sussurrou gritando.
— Por que vocês fizeram isso? — perguntei só com os lábios.
Raven e Phoenix reviraram os olhos.
— Eu escorreguei, — admitiu Isla, envergonhada, sinalizando ao
mesmo tempo para Phoenix. — Não esperava que ela fosse ligar, e
simplesmente saiu.
— É, ela achou que estava num confessionário, — comentou
Raven.
— Reina, está me ouvindo? — A voz da Vovó veio do telefone.
Merda, perdi o que ela tinha dito.
— Sim, desculpa. — Meu corpo inteiro ficou tenso ao perceber
que eu não era boa para enrolar ninguém. Ela sentiria o cheiro de mentira a
quilômetros. — Quer dizer... não. Não estava. O que foi que a senhora disse
mesmo?
Isso me rendeu outra enxurrada de palavras de bronca. Abaixei um
pouco o celular de novo.
A mão de Amon pousou sobre minha coxa debaixo da mesa,
apertando levemente em um gesto de conforto.
— O que estão fazendo em Saint-Tropez? — ela exigiu.
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Meus olhos voaram para as meninas, sem querer responder algo
diferente do que já tinham contado para ela.
Tampei o microfone com a mão e sussurrei:
— Vocês disseram por que estamos aqui?
Isla deu de ombros. — Dissemos que fizemos uma surpresa de
aniversário para você.
Assenti.
— As meninas me surpreenderam para o meu aniversário, — falei
à Vovó.
— São só vocês, meninas? — ela quis saber.
— Sim, só a gente. — O olhar de Dante se voltou para mim como
se dissesse peguei você, mentirosa, mas eu o ignorei. Foi então que reparei
nos olhos de Phoenix presos nele. Desejo. Ela olhava para Dante com tanto
desejo que me deixou sem palavras.
— Quem mais você esperava? — perguntei, distraída.
A Vovó bufou. — Conhecendo essas meninas, achei que elas te
surpreenderiam com um show de strippers.
— Bom, não foi nada tão empolgante quanto um show de strippers,
— retruquei secamente. Embora fosse discutível se ser presa entrava na
mesma categoria. Mas eu jamais perguntaria isso a ela.
— Mandei seu presente de aniversário para o seu apartamento, —
resmungou Vovó. — Teria sido bom saber que você não estaria lá.
Meus ombros caíram. — Desculpa, Vovó. Nem eu sabia.
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— O seu aniversário está sendo bom até agora? — perguntou, o
tom suavizando.
Meus olhos encontraram os de Amon e eu sorri de leve. — Sim,
obrigada.
— Feliz aniversário, Reina.
— Obrigada.
— Sua mãe estaria tão orgulhosa. — A voz dela baixou, como se
tivesse medo de que fosse se quebrar e todas as emoções transbordassem. A
primeira e última vez que vi minha avó chorar foi quando a mamãe morreu.
— Você sabe disso, não sabe?
Engoli em seco, o peito apertando. — Sei, sim.
— Aqui, o Vovô Glasgow quer falar com você. A Livy e o
Alexander também. Te amo, meu bem.
— Também te amo.
Nos vinte minutos seguintes, recebi uma rodada de parabéns,
provocações da Livy, gritos dos trigêmeos e a rispidez de Alexander.
— Se vocês precisarem de um lugar para ficar no sul da França,
posso mandar um carro buscar vocês, — ofereceu Alexander. Ele era um
empresário bem-sucedido e extremamente rico. A Vovó deixou escapar uma
vez que Alexander havia desmantelado a editora que pertencia à mãe da Livy.
Nem preciso dizer que o começo deles foi turbulento.
— Obrigada, Alexander, mas prefiro não correr o risco de encostar
em alguma superfície onde você e a Livy já transaram. Então, estamos bem.
Ele soltou uma risada, som raro vindo dele.
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— Uma adolescente não deveria ter esses pensamentos.
Bufei. — Aposto que você não os tinha com a minha idade. E além
disso, agora sou maior de idade.
O silêncio dele foi resposta suficiente.
— Tá bom, já deu de parabéns. Me salva da Vovó e diz para todo
mundo que a ligação caiu. Só avisa que vou vê-los no fim do verão. Pode ser?
— Sim, me deixa com a dragona, — resmungou ele.
— Você aguenta. Tchau.
Desliguei a chamada e deslizei o telefone pela mesa até Phoenix.
— Nem foi tão doloroso.
Ela revirou os olhos. — Quando ela souber que fomos presas, vai
ser.
— Vamos nos preocupar com isso quando acontecer. — Com sorte,
nunca, se o que os garotos disseram for verdade e eles realmente limparam
tudo.
Dante apoiou os cotovelos na mesa, observando atentamente a
interação entre mim e Phoenix. Minha irmã também deve ter notado, porque
lançou um olhar fulminante para ele.
— Está olhando o quê?
Ele não respondeu, apenas sorriu. Parecia mais relaxado hoje do
que nos outros dias em que o vi. Mas aquele olhar precisava parar. Phoenix
sempre detestou ser o centro das atenções - isso a deixava com os nervos à
flor da pele.
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— Não encare, — murmurei, em aviso. — Ela odeia. Na verdade,
a maioria de nós odeia.
O olhar de Dante se voltou lentamente para mim, como se dissesse
e daí?, e algo naquilo simplesmente me irritou.
— Não venha chorar para mim quando ela te empurrar do barco.
Os lábios de Dante se curvaram em um sorriso.
— Boa ideia, — disse com preguiça. — Podemos todos nadar. Vou
pedir para o capitão colocar o escorregador.
Traduzi o que ele disse para Phoenix, depois alcancei meu suco de
laranja.
— O que ele quer dizer com escorregador? — ela perguntou. Dei
de ombros enquanto tomava um gole. — Espero que não seja o pau dele.
Quase engasguei com o suco de laranja. Caramba, essa foi boa.
Phoenix geralmente era pacífica - até alguém a irritar. Me pergunto o que
Dante fez.
— O que ela disse? — Dante perguntou curioso, os olhos indo de
mim para Phoenix.
Meus lábios se comprimiram numa linha fina. Eu não comentaria
sobre o pau dele, de jeito nenhum. Claro que a Raven não perdeu a chance
de servir de tradutora quando o assunto era alguma indecência.
— Ela disse que, se por escorregador você está falando do seu pau,
ela vai cortar fora. — E, toda casual, jogou um morango na boca.
Uma onda de risadinhas se espalhou, e lancei um olhar de
desculpas para Amon. Ele e Dante eram próximos.
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— Desculpa, — murmurei. — Ela está brincando, claro.
Amon não parecia preocupado. Recostou-se e piscou para mim.
Ah, a onda de alegria que invadia meu peito toda vez que esse homem estava
por perto. Ele me prendeu com o olhar, cheio de promessas silenciosas e
sussurros de paixão que aqueceram meu ventre.
— Deixa eles se resolverem, — disse, seco.
Meu sorriso se alargou, e nem tentei conter. Essa felicidade e
leveza que eu sentia com ele era única. Eu confiava nele de forma
incondicional, e havia algo eletrizante nisso.
Meu próprio príncipe.
— Quer nadar nas águas azul-turquesa do sul da França no seu
aniversário? — ele perguntou. — Hoje é o seu dia. Vamos fazer o que você
quiser.
— Nadar soa bem do jeito que você fala, — murmurei suavemente,
com os olhos nos lábios dele. — Embora eu preferisse transar, — acrescentei,
baixinho.
Ele respondeu com uma gargalhada alta, e cinco pares de olhos se
viraram para nós.
— O que foi tão engraçado? — Dante quis saber.
— Sim, também queremos saber, — disse Isla, os olhos brilhando
como esmeraldas. — Todas queremos rir.
Amon e eu trocamos um olhar rápido, mas permanecemos em
silêncio.
— Tenha cuidado, — Phoenix sinalizou, me encarando. — Não
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quero que você se machuque. E a família Leone tem tendência a fazer isso.
A expressão da minha irmã ficou tensa, e mais uma vez, me
perguntei o que tinha acontecido para ela dizer aquilo. Estaria se referindo a
Angelo Leone, ou talvez ao filho dele, que era a cópia do pai? Não podia ser
Amon. Se fosse, ela já teria falado comigo.
— O que você sabe? — perguntei, com os sinais duros. Dessa vez,
não falei as palavras em voz alta.
Ela inclinou a cabeça, com uma expressão estranha e
contemplativa no rosto. Por um momento, achei que ela fosse me contar, e
engoli em seco, a garganta apertada. Mas então, um pensamento ainda mais
aterrorizante me ocorreu: eu jamais abriria mão de Amon. Por ninguém. Por
nada.
Ela me encarava com uma expressão indecifrável e estranha para
mim. Inspirei o ar salgado, a brisa acariciando minha pele. O som suave das
ondas batendo no casco do iate acalmava minha alma, mas a corrente entre
nós tornava o momento tenso. Meus cachos bagunçados voavam ao vento e
meu coração apertou enquanto eu encarava minha irmã. Não gostava de vê-
la preocupada, e algo claramente a perturbava.
Mas então sua expressão se suavizou e ela colou um sorriso no
rosto. — Nada. Feliz aniversário, mana. Eu te amo.
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CAPÍTULO 42
REINA
O capitão ancorou o barco em uma pequena enseada próxima. La
Moutte era uma das praias mais intocadas ao longo da costa entre Saint-
Tropez e Pampelonne, mas, de alguma forma, ainda era um lugar isolado.
— Como essa joia continua sendo um segredo? — perguntou
Athena, maravilhada.
— O conselho a protege limitando o acesso aos moradores locais.
Aparentemente, manter nosso iate ancorado aqui o ano inteiro nos qualifica
como ‘moradores’, — respondeu Amon, cruzando o olhar com o meu. —
Quer explorar?
— Isso é uma pergunta?
O sol brilhava sobre a água, nos chamando com um convite
tentador. O barco balançava suavemente, indicando que o mar estava calmo
o suficiente para explorarmos o fundo preservado.
Passamos protetor solar no corpo, e quando Amon se ofereceu para
passar nas minhas costas, aceitei na hora, ansiosa para sentir as mãos dele
em mim. Vesti o mesmo biquíni de ontem enquanto, ao longe, ouvia uma
sequência de xingamentos em italiano.
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Olhei por cima do ombro para Amon. — O que foi isso?
Ele apenas revirou os olhos, sem interromper os movimentos,
cuidando de cobrir cada centímetro com precisão. — Dante quer bife no
jantar. O chef disse que vai servir frutos do mar e já preparou o menu da
noite.
— Ele não gosta de frutos do mar? — perguntei.
— É alérgico.
— Ah...
Nos equipamos com máscara e snorkel, seguimos até a plataforma
traseira do barco e subimos até a plataforma inferior, prontos para pular.
Abaixo de nós, a água parecia uma joia. Estava tão clara e translúcida que
era quase como olhar através de um caleidoscópio feito de turquesa, verdes
vibrantes e azuis profundos.
— Isso é incrível, — murmurei. O som de água espirrando me
contou que as meninas já haviam entrado. Eu não conseguia vê-las dali, então
parecia que estávamos sozinhos no mundo.
— No meu sinal, — disse Amon com um sorriso arrastado,
segurando minha mão. — Um, dois, três!
Saltamos. A água estava fria contra minha pele quando
mergulhamos. O impacto tirou o fôlego do meu peito e afrouxou a parte de
cima do biquíni, que segurei com a mão livre. Um maiô teria sido uma
escolha mais sensata para mergulhar, mas a sensação da água contra meus
seios nus me fez sentir viva e livre.
Ao alcançar o fundo, meus pés roçaram o chão do mar, onde a água
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estava ainda mais refrescante. De olhos fechados, me entreguei ao silêncio,
sentindo a corrente suave se mover ao meu redor. Impulsionando-me com
força do fundo, subi com facilidade e rompi a superfície com o rosto voltado
para o céu. O sal tocou minha língua quando abri a boca para puxar o ar.
Fizemos um pouco de mergulho com snorkel, nos aproximando
lentamente das águas rasas. Levantei a máscara e limpei o excesso de água
dos olhos. Quando os abri, fui recebida com o sorriso radiante de Amon, seu
braço estendido para me puxar até a rocha onde ele estava empoleirado.
— Você ama o mar, — afirmou ele, e eu ri, incapaz de conter a
alegria por esse prazer tão simples. Houve uma época em que o surfe era o
meu esporte preferido. Mas, para ser sincera, eu abriria mão facilmente da
prancha. O que eu não conseguiria abandonar era a sensação do oceano e o
conforto silencioso de viver a experiência debaixo d’água.
— Eu amo mesmo, — admiti, sorrindo de orelha a orelha. —
Embora a parte de cima do meu biquíni esteja prestes a escapar.
— Você poderia ficar de topless como as francesas — murmurou
ele, a voz rouca, e os olhos escurecidos fizeram meu coração acelerar.
— Eu não sou francesa, — expliquei com a voz falha, tentando
afastar a imagem.
— Então me deixa ajeitar para você, — ofereceu.
Virei de costas para ele enquanto ele apertava a alça do biquíni ao
redor do meu pescoço. Olhei para o casco azul-marinho e o deque branco do
iate, me dando uma vista majestosa de puro luxo. Eu me estiraria feliz
naquela rocha quente ao sol, com as mãos de Amon em mim, para sempre.
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Amon avisou que não poderíamos nos afastar muito do barco
durante nosso mergulho. O bote auxiliar não estava por perto, já que,
aparentemente, o chef tinha corrido até a costa para buscar o bife de Dante,
e as correntes estavam fortes.
Flutuar na superfície daquela água cristalina, com uma
profundidade que eu imaginava ser de cerca de dez ou doze metros, era
hipnotizante, mas me tranquilizava saber que podíamos descansar ali e
recuperar o fôlego. Era incrível ver o fundo arenoso e rochoso e os peixinhos
prateados com rabos amarelos que nadavam de um lado para o outro.
O céu azul sem nuvens e o horizonte intocado dominavam quase
toda a minha visão, me fazendo acreditar que estávamos no paraíso. Só nós
dois. A leveza no meu peito era tão boa. Aquecida pelo sol e com o suor se
acumulando na nuca, sugeri que voltássemos para a água para nos refrescar.
Apoiando os pés, virei e enrosquei os braços ao redor do pescoço
dele, enquanto os braços dele envolviam minha cintura.
— Este é o melhor aniversário de todos, — sussurrei, aproximando
o rosto do dele. — Obrigada.
Os lábios dele roçaram levemente os meus, deixando-me sentir o
sal e algo mais que era só dele.
— Feliz aniversário, minha menina.
Meus lábios se curvaram, e percebi que estávamos sorrindo,
nossas bocas moldando-se uma à outra.
— Minha menina, é? — provoquei. — Você tem tantos apelidos
para mim e eu ainda não pensei em nenhum para você.
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— Você já tem um para mim, — ele disse. Quando franzi o cenho,
confusa, ele completou: — Príncipe amargo.
Soltei um suspiro irritado. — Esse não é exatamente um apelido
fofo ou carinhoso.
— Foi seu pai quem me deu. — Pude ver o arrependimento no
rosto dele assim que as palavras saíram. Eu me lembrava de já ter ouvido
isso antes. Ouvi papai ao telefone, anos atrás, chamando Amon de príncipe
amargo. Apertei mais o abraço em volta dele e enrosquei as pernas em sua
cintura.
— Você pode ser o meu príncipe, — murmurei, pressionando um
beijo nos lábios dele. — Nunca um príncipe amargo. Não se preocupe, se eu
ouvir meu pai dizer isso de novo, vou dar minha opinião.
Ele riu. — Disso eu não tenho dúvida, garota canela.
— Quando é o seu aniversário? — perguntei, querendo mudar de
assunto. Não queria sombras ou fantasmas entre nós hoje. Eu lidaria com
eles amanhã, um por um. Talvez fosse ingênuo e piegas, mas eu estava
entregue por completo.
Ele era o meu tudo.
— Novembro, — respondeu, passando a boca pelo meu queixo e
descendo pelo pescoço. — Dezesseis de novembro.
Inclinei o pescoço, um leve arrepio percorrendo meu corpo. —
Vou ter que superar isso no seu aniversário.
Ele mordeu meu pescoço de leve. — Não me importo em superar
nada. Só quero que esteja aqui no meu aniversário.
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Afastei-me um pouco e nossos olhares se encontraram. — Eu
prometo que vou estar aqui no seu aniversário, — jurei, tendo o mar azul
como única testemunha.
— Vou cobrar essa promessa, Reina Romero.
Ouvi uma gargalhada alta ao longe e nós dois nos viramos a tempo
de ver Isla e Phoenix se acomodando no topo do escorregador pendurado no
deque superior e se lançando. As duas gritaram o caminho inteiro até seus
corpos mergulharem na água com um grande splash.
Esperei até elas emergirem, arfando como peixes fora d’água, e
isso nos fez rir.
— Quer tentar? — Amon ofereceu, mas balancei a cabeça.
— Não, estou melhor aqui.
O iate derivava lentamente e o nome, que eu não tinha notado antes,
veio à tona. Meus olhos se arregalaram quando as palavras e o símbolo ao
lado se registraram.
— Amon, o n-nome, — gaguejei. — O símbolo.
Senti o corpo dele se enrijecer e voltei o olhar para ele.
— Como? Por quê?
Parecia que eu não conseguia articular as palavras.
— Acho que sempre foi você, garota canela, — a voz dele veio
rouca e profunda, fazendo coisas demais com o meu corpo. — Eu só não
sabia disso.
— Mas o símbolo em kanji, — comecei, levando a mão ao pescoço.
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Meu corpo enrijeceu, sentindo apenas pele nua. Levei a outra mão também,
apalpando desesperadamente.
— O que foi?
— O colar da minha mãe. — Meu estômago se revirou. O pânico
disparou. Meus olhos vasculharam os arredores, buscando através da água
límpida. Nós não tínhamos nos afastado tanto, tínhamos? — Eu estava com
ele, — sussurrei, cada pequeno brilho na superfície fazendo meu coração
disparar. — Eu nunca o tiro.
— Calma. — A voz de Amon cortou meu desespero. As mãos dele
tocaram meu rosto e seguraram minhas bochechas. — Nós vamos encontrar.
— Eu não posso perder isso, Amon, — murmurei.
— Nós vamos encontrar, — disse Amon.
A convicção na voz dele me acalmou, embora, no fundo, eu
soubesse que encontrar uma joia no mar era como procurar uma agulha no
palheiro. — Vamos nadar até o barco e então eu volto para procurar. Vou
chamar alguns tripulantes para ajudar também.
— Está bem.
Nadamos de volta para o iate, onde Dante já nos esperava. Ele
olhou para mim, observando meu peito subindo e descendo com dificuldade,
antes de perguntar: — O que aconteceu?
— Ela perdeu o colar, — Amon respondeu, dando a ordem. —
Fique de olho nela. Vou buscar alguns da equipe e procurar.
— Um colar? — Dante pareceu confuso. Meu lábio inferior
tremeu. Eu nunca havia tirado aquele colar, nem mesmo quando surfava. Era
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o último presente da minha mãe, e eu o guardava com todo o carinho.
— Quanto vale?
Pisquei, sentindo as lágrimas queimarem atrás dos olhos. — Não
muito, — sussurrei, levando a mão ao pescoço, mas parando no meio do
caminho. Ele não estava ali.
— Então por que esse pânico todo? Esquece isso. Droga, eu
compro outro para você se Amon não comprar.
Engoli em seco. — Era da minha mãe. — O pânico crescia dentro
de mim enquanto as lembranças apertavam minha garganta. — Ela me deu
quando estava morrendo, — confessei, e as lágrimas começaram a escorrer
pelo meu rosto.
Dante me lançou um olhar estranho, mas eu não me importei.
Amon me puxou contra o peito dele, nossos corpos ainda molhados da água.
— Eu vou encontrar. Prometo.
Me agarrei às palavras dele, tentando conter o caos que explodia
dentro de mim. Assenti, murmurando algo que, aparentemente, o
tranquilizou.
— Quer que eu chame suas amigas e sua irmã? — Dante sugeriu,
mas eu o segurei antes que ele pudesse dar outro passo.
— Não. — Segurei o braço dele. — Por favor, não. Deixe elas em
paz.
Preferia que minha irmã não visse o ataque de pânico que estava
se formando. Eu me agarrava à calma de Amon e Dante, mas sentia a onda
se formando por baixo.
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— Tem certeza? — Amon perguntou, visivelmente preocupado.
Assenti, e até consegui forçar um sorriso. — Sim.
Devo ter sido convincente, porque dois minutos depois, ele já
estava de volta à água com alguns tripulantes, enquanto eu ficava sob a
responsabilidade de Dante. Amon alertou o irmão para me vigiar, e eu fiquei
ali, encarando a água azul-clara.
Acompanhei os movimentos dele, tentando controlar minha
respiração, observando o cabelo escuro balançando conforme ele coordenava
a busca. Mas meus olhos começavam a falhar, e os tremores começaram.
Agora não. As palavras se repetiam sem parar na minha mente.
Por favor, agora não.
Enrosquei os braços ao redor do corpo e me apertei com força,
tentando controlar a respiração. Meus pulmões queimavam enquanto o corpo
inteiro tremia, e eu não tinha como impedir. Estava prestes a desmoronar no
deque do iate de Amon. No meu aniversário.
— Respira, Reina.
A voz de Dante atravessou a névoa. Ele me virou de frente para
ele. Um punho invisível se apertava ao redor da minha garganta, bloqueando
qualquer entrada de ar. Meu pulso estava na garganta. Eu me sentia fraca,
com uma vontade imensa de deslizar até o chão e encolher os joelhos contra
o peito.
Meus joelhos cederam, mas antes que eu desabasse, os dedos de
Dante seguraram meus braços e me mantiveram de pé.
— Respira, ou vou ter que recorrer a medidas drásticas, e você não
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vai gostar. — Encarei os olhos dele e percebi que não eram tão escuros
quanto eu pensava. Eram azul-marinho. — Agora, — ordenou com firmeza.
Puxei o ar com força, o som parecendo um assobio contra a
garganta apertada.
— Isso. Agora solta. — Segui suas instruções, respirando devagar
até que os batimentos voltassem ao normal. A voz dele era diferente da de
Amon, mas igualmente grave e, de um jeito estranho, reconfortante.
As mãos dele permaneceram nos meus braços, enquanto ele me
observava, vendo demais. Mas havia algo no olhar dele que me dizia que ele
também carregava os próprios demônios.
— Viu? Melhorou.
A expressão dele mudou - ou talvez, no meio do meu pânico, eu
não a tivesse interpretado direito. Porque agora o rosto dele transmitia total
indiferença. Como se nada pudesse pagá-lo o suficiente para se importar.
Ele me soltou e deu um passo para trás. Cambaleei, surpresa com
a mudança repentina de humor. Cada batida do coração parecia se esticar em
minutos. E, no fundo, eu sabia: assim como Phoenix, Dante não gostava de
ser encarado.
Mesmo assim, fiquei ali, incapaz de desviar os olhos, encarando
os demônios dele e esquecendo dos meus. — Obrigada.
Uma palavra simples. Mas algo nela - ou talvez o meu olhar
curioso - fez com que a expressão dele se fechasse por completo e virasse
gelo, fazendo minha pele se arrepiar. Ele me lembrava mais o pai do que eu
gostaria de admitir.
Eva Winners BITTER PRINCE
Enquanto Amon não tinha nenhuma semelhança com Angelo
Leone, Dante era a cópia exata. Eu me perguntava se a crueldade dele
também era igual à do pai. Porque ouvi dizer que Angelo Leone era
conhecido por torturar até os próprios familiares.
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CAPÍTULO 43
AMON
Ela me deu enquanto estava morrendo.
Reina viu a mãe morrer? Soava assim. E por que Grace Romero
daria à filha um colar que pertencia à antiga paixão do marido? Era claro que
havia algo muito errado nessa história.
Mas, primeiro, eu encontraria o colar da minha mãe e garantiria
que Reina se acalmasse.
O olhar de pânico nos olhos dela… Aquilo me destruiu por dentro.
Como se eu precisasse de mais alguma confirmação de que estava
completamente ferrado quando se tratava dessa garota. Eu não conseguia
lidar com as lágrimas dela, muito menos com qualquer outra dor que ela
sentisse.
Você está obcecado por ela.
As palavras de Dante mais cedo ainda me assombravam. Ele via o
que aquela garota significava para mim, como ela me virava do avesso sem
nem tentar.
Um brilho chamou minha atenção e mergulhei mais uma vez. Já
estávamos nisso havia mais de uma hora, mas eu estava decidido. Não
Eva Winners BITTER PRINCE
tiraríamos a âncora até encontrarmos o colar. Eu ainda não havia entregado
a ela o pingente com o símbolo em kanji que comprei para juntar ao que ela
já usava, e eu não permitiria que seu aniversário fosse arruinado sob minha
responsabilidade.
No segundo em que alcancei o fundo do mar e estendi a mão para
o objeto brilhante, soube que a busca tinha acabado. Com as pedrinhas e a
delicada joia na palma da mão, me impulsionei de volta para a superfície.
Inalei o oxigênio com força nos pulmões e limpei o colar. O fecho
não parecia firme - provavelmente por causa da idade -, mas eu planejava
resolver isso com meu presente de aniversário para ela.
Nadei de volta para o iate, onde meu irmão e Reina continuavam
no mesmo lugar, os longos cachos dela batendo no ombro dele, e algo
apertou em meu peito. Eles ficavam bem juntos. Havia algo nos dois que
parecia combinar.
Mesmo assim, eu sabia, lá no fundo, que mataria meu irmão se ele
a tirasse de mim. Eu amava Dante, mas essa era uma coisa que jamais lhe
daria. Ele tinha a cadeira na Omertà. Eu a deixei com prazer. Eu largaria a
Yakuza também. Mas Reina… nunca.
Odiava o fato de as palavras da minha mãe sobre Tomaso Romero
ainda me assombrarem, me negando qualquer paz. Reina não olhava para
Dante com corações nos olhos. Ela não sorria para ele como sorria para mim.
Cada pedaço dela era meu, e só meu.
E essa era uma coroa da qual eu não abriria mão.
Assim que subi ao deque, Reina correu até mim, descalça e ainda
vestindo aquele biquíni tentador. As curvas suaves do corpo dela eram
Eva Winners BITTER PRINCE
difíceis de resistir, mas eu não queria apressar nada. Por ela.
Seus olhos de safira me observavam, cheios de esperança,
enquanto o lábio inferior tremia. — Achou alguma coisa?
Abri a palma da mão e um suspiro de alívio escapou dos lábios
carnudos dela. Ela se atirou nos meus braços, seu corpo quente absorvendo
as gotas de água do meu.
— Obrigada, — murmurou, a boca encostada contra o peito, os
ombros afundando. — Você não faz ideia do quanto isso significa para mim.
Muito obrigada.
Eu começava a ter uma ideia do quanto aquilo significava e de
onde vinham o pânico e a ansiedade de Reina. Mas essa era uma conversa
para outro dia. Não no aniversário dela.
— De nada.
Encontrei os olhos do meu irmão por cima da cabeça dela. A
expressão dele era sombria e reprovadora. Ele achava que as meninas eram
uma distração, mas eu discordava. Nós conseguiríamos o documento que
minha mãe precisava, e então deixaríamos nossos pais resolverem os
próprios problemas. Eles não podiam esperar que vivêssemos presos ao
passado.
— Obrigado por ficar com ela, fratello22.
Ele assentiu antes de se virar e nos deixar a sós. Reina ergueu o
rosto para o meu, as bochechas molhadas e os olhos brilhando.
— Estou tão grata por você ter encontrado.
22
Irmão em italiano.
Eva Winners BITTER PRINCE
— Você sabe que esse colar pode ser substituído, — falei
suavemente, secando as bochechas dela.
Ela balançou a cabeça. — Algumas coisas não têm preço. Este é
um desses casos. — Ela se colocou na ponta dos pés e pressionou os lábios
nos meus. — E você também é, Amon Leone. Eu te amo.
Deus… essa garota. Mulher. O que quer que ela fosse. A forma
como ela deixava o coração exposto era a minha ruína. Sim, ela era linda.
Sim, era encantadora e uma delícia de conversar. Mas era o coração dela que
despedaçava minhas muralhas e minha vontade.
Esfreguei a ponta do meu nariz no dela.
— Também te amo, Reina. Minha garota canela.
Era a verdade. Eu a amava mais do que odiava o pai dela pelo que
ele fez com a minha mãe. Meu amor por ela rivalizava até com o que eu
sentia pela minha mãe. Ela, que me ensinou sobre honra e sobre a
importância da família. Mas Reina, mesmo sem saber, me ensinou a deixar
para trás as coisas que apodreciam dentro de mim.
— Você e eu, — falei, enquanto os olhos dela se prendiam nos
meus.
Ela me fazia voar, mais leve do que jamais imaginei. Me fazia
esquecer o passado, a vingança e todos os problemas que nossos pais
despejaram sobre nós.
E me deixava sozinho com ela. E isso era tudo de que eu precisava.
Eva Winners BITTER PRINCE
CAPÍTULO 44
REINA
Ele me ama.
Amon Leone me amava. Ele disse isso, e aquelas três palavrinhas
escorreram para dentro do meu peito, se infiltrando em cada veia que levava
até o meu coração.
Eu sempre soube que amava Amon. Eu amava o sorriso dele.
Amava o coração lindo que ele tinha. Amava como ele me beijava. Sua
inteligência. Sua vulnerabilidade. Seu jeito romântico, mesmo que ele
tentasse esconder isso por trás de uma expressão de pedra.
E, acima de tudo, eu confiava nele. Confiava que ele não quebraria
meu coração.
Enquanto observava as meninas reunidas, se provocando e rindo
histericamente, as palavras dele cantavam dentro do meu peito e na minha
cabeça. Aquilo era felicidade. Aquilo era estar apaixonada, e eu me agarraria
a esse sentimento para sempre.
O dia começou com a empolgação da ligação da minha avó e deu
uma guinada brusca com a perda do meu colar.
Mas tudo terminou bem, e na hora do almoço, o iate já seguia pela
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costa.
As meninas estavam deitadas no deque de natação, aproveitando
o sol forte. Fazia tempo que minha irmã não parecia tão feliz. Ver isso trouxe
um alívio e uma alegria imensa para o meu coração.
— O almoço está pronto, — chamou o chef, e minhas amigas
pularam de onde estavam.
Sorri, sabendo que elas iam comer até o cozinheiro se arrepender
de ter anunciado. Diferente de muitas garotas, nós nunca fugimos da comida.
Adorávamos comer, embora nossas habilidades culinárias deixassem a
desejar.
Levantei-me e segui o cheiro da comida, enquanto minhas amigas
subiam pela escada curta embutida no deque. Um dos tripulantes entregou
toalhas fofas listradas de azul-marinho e branco para elas.
— Aí está você, — exclamou Isla.
— Estávamos achando que estavam em clima de pegação, —
provocou Raven com um sorriso travesso, piscando para mim.
Apenas revirei os olhos, sem me dar ao trabalho de responder.
Os olhos de Phoenix encontraram os meus. — Está tudo bem?
Sorri. — Sim, mais do que bem.
Ela deixou por isso mesmo, mas eu sabia que ela se preocupava
com a possibilidade de Amon partir meu coração. Mas eu sabia que ele não
faria isso. Muito pelo contrário - era ele quem fazia meu coração mais feliz
a cada dia.
— Onde estão Amon e Dante? — perguntou Athena, enquanto
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pegava uma baguete grande e a enchia de presunto antes mesmo de se sentar
à mesa.
— Eles tinham uma ligação para atender, — respondi.
Raven revirou os olhos, mas não disse nada.
Todas nos sentamos ao redor da mesa no deque traseiro. Havia
algumas baguetes grandes, salame, queijos e uma enorme salada niçoise com
vagens, ovos cozidos, azeitonas e atum sobre folhas verdes suculentas.
As meninas olharam para a salada com desconfiança. Nenhuma de
nós gostava de vagens.
O chef deve ter notado que estávamos evitando a tigela, porque
apontou para ela: — Isso é saudável.
Nossos narizes se franziram. — Esse é o primeiro problema com
ela, — comentou Athena, pegando o salame.
— Garotas não comem saudável? — perguntou outro tripulante,
olhando para nós com um sorriso.
— Passo fácil, — respondeu Raven. — Você come saudável e vê
se vai se sentir satisfeito. Me dá salame e presunto cru qualquer dia.
O chef pareceu tão surpreso que todas caímos na risada, fazendo-
o abrir um sorriso resignado.
Servi água com gás San Pellegrino para nós. — Certifiquem-se de
beber água, — falei, prendendo uma mecha solta atrás da orelha, e continuei
a falar e sinalizar ao mesmo tempo. — Vocês ficaram muito tempo dentro da
água.
— Oh, oh, oh, — disse Isla, sinalizando junto para Phoenix. — Lá
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vem a mamãe Reina, pronta para colocar a gente na linha.
— Quando ela começa a limpar, é sinal de que vem encrenca, —
apontou Raven. — Pode deixar que ela nos cuide com líquidos o dia inteiro,
contanto que não comece a arrumar nada.
Uma nova onda de risadinhas se seguiu.
— Deixem ela em paz, — ordenou Phoenix, apertando os olhos
para elas com uma falsa fúria. — Ou terão que se entender com a irmã mais
velha dela.
Mastiguei um pedaço de salame antes de pegar mais. O chef e os
tripulantes desapareceram, nos deixando sozinhas. Mal o último tinha
sumido de vista, o interrogatório começou.
— E como está o sexo com o seu namorado gostoso? — perguntou
Athena, sorrindo como uma boba.
— Ele está te fazendo gritar? — Isla se abanou. — Porque, mamãe,
aquele garoto é quente. Eu geralmente prefiro homens mais velhos, mas
aquele ali... Nada mal, Reina. Nada mal mesmo.
Revirei os olhos, mas minhas bochechas queimaram, e não era por
causa do sol.
— Ele já pediu sua bunda virgem? — Claro que só a Raven
perguntaria isso.
— Existe uma coisa chamada informação demais, — cortou
Phoenix. — Reina, só há uma pergunta que precisa ser respondida.
Meus ombros caíram com a provocação incessante. Minha irmã
podia ser tão implacável quanto Raven, então me preparei para o pior.
Eva Winners BITTER PRINCE
— Você está se protegendo?
Soltei o ar que estava prendendo. — Sim. — Essa era fácil de
responder, especialmente considerando que ainda não tínhamos feito sexo.
— Ótimo, é só isso que importa, — respondeu minha irmã mais
velha. — E se ele partir seu coração... — Phoenix pigarreou, como se
estivesse engasgando com a emoção.
— A gente mata ele, — completou Isla, satisfeita com a ameaça.
Phoenix assentiu. — Isso mesmo. A gente mata.
— Não precisam se preocupar com isso, — falei num tom seco,
enquanto sinalizava ao mesmo tempo. — Porque ele nunca vai fazer isso.
Lá no fundo, eu sabia que Amon era o único homem para quem a
vida continuaria me empurrando. Ele era a minha kriptonita.
Quando as meninas terminaram de me provocar sobre Amon,
passaram para outros assuntos e depois subiram para o deque superior. Raven
tirou um caderno de esboços sabe-se lá de onde e começou a desenhar.
Athena, com seu inseparável caderno de couro, provavelmente já rabiscava
alguma cena quente ou ideia para o próximo livro.
Phoenix e Isla relaxaram no sofá. As duas realmente amavam a
música, enquanto o resto de nós estava na faculdade de artes para cumprir
uma promessa ou agradar alguém. No caso de Raven e Athena, era pelas
mães delas. Suponho que, no meu caso, também.
O sol estava baixo, e a luz atingindo a costa enquanto
balançávamos suavemente na água fez meu coração se apertar de
contentamento. Eu me peguei desejando exatamente essa sensação para o
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resto da minha vida. Felicidade.
Caminhei até o deque separado, deixando as meninas relaxando.
A brisa suave que vinha do mar era quente e agradável. Eu podia
ouvir as meninas brincando na piscina, rindo e gritando. Dante
provavelmente estava em seu quarto. Havia algo estranho entre ele e Phoenix.
Eu não sabia o quê, mas era quase palpável a tensão que crescia entre os dois.
A única coisa que eu não conseguia distinguir era se era boa ou ruim.
No deque superior, assisti o sol pairar sobre o horizonte. Lá em
cima, parecia outro mundo. Olhei para a frente do iate cortando as ondas. De
vez em quando, os respingos eram grandes o suficiente para chegar até minha
pele, fazendo um arrepio correr pelo meu corpo.
Ouvi Amon descendo as escadas, e algo dentro de mim relaxou
com a proximidade dele.
— Está tendo um bom dia?
Virei o rosto por sobre o ombro e deixei meus olhos percorrerem
sua silhueta alta. Era a primeira vez, desde que éramos crianças, que eu me
lembrava de vê-lo usando shorts. Shorts brancos de golfe, de marca, e sua
clássica camiseta preta, deixando à mostra os bíceps definidos.
— Está me secando?
O canto dos meus lábios se ergueu. — Posso admirar meu
namorado.
As mãos dele envolveram minha cintura e eu me inclinei em seu
calor. Virei-me para encarar o horizonte, amando a sensação do peito dele
contra minhas costas.
Eva Winners BITTER PRINCE
— Espero que não se importe de minhas amigas estarem invadindo
o seu barco também.
— Claro. Você é um pacote completo, eu entendo isso. Mas se elas
ficarem coladas demais em nós, talvez eu tenha que providenciar outro barco
para seguir atrás e nos separar.
Virei ligeiramente, prendendo os olhos nos dele. — Você está
brincando, não está?
Ele balançou a cabeça em silêncio, e o olhar me dizia que falava
sério.
— Impressionante, — murmurei, me perguntando até que ponto
ele estava envolvido no mundo do crime.
Ele não deixou passar. — Você não parece tão impressionada
assim.
Mudei de posição de novo, ponderando se deveria ser honesta, mas
eu já tinha sido até ali e ele gostava disso, então decidi continuar. — Então o
submundo está rendendo bem para você, hein?
Senti o corpo dele enrijecer atrás de mim, mas ele não se afastou.
— É lucrativo, mas não é a única forma como ganho dinheiro. —
Quando não respondi, ele continuou, o peito vibrando contra minhas costas.
— Tenho alguns hotéis, clubes, cassinos e portos. Mas sim, o capital que
ganhei com o submundo ajudou a dar o pontapé inicial nos meus negócios
legítimos.
Fiquei em silêncio, sem saber se deveria condenar aquilo ou não.
Já tinha visto e ouvido algumas coisas sobre os negócios do meu pai.
Eva Winners BITTER PRINCE
Nenhuma delas era agradável. As imagens da câmera de segurança do que
aconteceu com Amon na casa da minha avó em Malibu voltaram à tona com
força, e estremeci.
— Você não gosta, — ele constatou. Não era uma pergunta nem
uma acusação.
Virei-me para encará-lo e enrosquei os braços em volta do pescoço
dele. — É perigoso.
— Assim como muitas outras profissões. — Revirei os olhos. —
Nada na vida é garantido.
— Eu sei. — E então, porque não queria continuar falando sobre
o submundo, mudei de assunto. — Onde você fez faculdade?
Considerei a possibilidade de ele não ter feito, e minhas bochechas
coraram.
— Você chegou a...
Ele riu. — Cambridge.
Meus olhos se arregalaram. — Sai daqui.
— Se for preciso, eu vou embora...
Ele fingiu que estava sendo expulso, mas mal se mexeu quando o
puxei de volta.
— Nem ouse sair. Só fiquei surpresa. Você deve ser
superinteligente.
Ele deu de ombros. — Nem tanto.
Franzi a testa. — O que te faz dizer isso?
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Ele abaixou a cabeça, roçando o nariz no meu. — Se eu fosse
inteligente, não teria me apaixonado por você.
Meu coração disparou e minha alma cantou. Aquilo, com certeza,
era o que significava ‘morrer e ir para o céu’.
— Você é boa demais...
Minha boca se colou à dele, interrompendo o que quer que ele
fosse dizer. O que ele tinha dito já era perfeito, e eu me recusei a deixar
qualquer outra coisa vir depois. Ele retribuiu o beijo, segurando meu rosto
com carinho, e um sussurro de esperança floresceu no meu peito. De que ele
seria meu para sempre, assim como eu era dele.
Talvez parecesse rápido demais ‘imprudente demais’ mas eu o
amava desde os seis anos de idade. Isso estava sendo construído há muito
tempo.
— Feliz aniversário, minha garota canela, — ele murmurou contra
meus lábios, os dois ofegantes. Eu estava em transe, e só percebi quando vi
que ele segurava uma caixinha nas mãos.
Baixei os olhos para ela, mas continuei agarrada ao pescoço dele,
os dedos entrelaçados no cabelo da nuca para puxar a boca dele de volta à
minha. Ele não deixou.
— Seu presente primeiro.
Soltei um gemido frustrado. — Você é o único presente que eu
quero. Para todos os meus aniversários. Agora e sempre.
A risada dele veio rouca, acompanhada do quadril pressionando
contra o meu, a ereção firme contra minha barriga.
Eva Winners BITTER PRINCE
— Abra seu presente, Reina, — ele murmurou, beijando a ponta
do meu nariz. — Depois conversamos.
Soltei o ar com impaciência. — Conversar sobre o quê? Você
esperou eu fazer dezoito anos. Agora eu fiz. Pelo amor de Deus, Amon, me
deflora.
O divertimento brilhou nos olhos dele, e as estrelas lá dentro
pareciam ainda mais vivas. Fiquei feliz em assumir o crédito por isso.
— Essa deve ser a primeira vez. Uma garota pedindo para um
garoto deflorá-la.
Resisti à vontade de revirar os olhos.
— Abre seu presente. O resto vem com o tempo.
Desembrulhei o presente. A caixinha era leve nas minhas mãos. —
Sabe, hoje você já me deu este vestido lindo, — falei, apontando para o que
eu usava. — Os sapatos. Quantos presentes uma garota ganha no aniversário?
— A minha garota ganha muitos.
Ah, eu estava tão irremediavelmente apaixonada por ele que não
havia volta possível. Esperando que minha cara de boba não estivesse tão
óbvia, abri a caixinha - e um pingente me encarou de volta.
Minha mão voou até meu colar - o único símbolo em kanji japonês
que eu conhecia. A única joia que eu usava. Já tinha ganhado várias ao longo
dos anos, mas nunca as usava, por achar que seria uma traição tirar o colar
da mamãe.
— Pode ser colocado junto ao outro pingente, — ele murmurou
com suavidade. — Podemos colocá-los na mesma corrente.
Eva Winners BITTER PRINCE
Mordi o lábio, nervosa. — Tem certeza?
Ele assentiu.
— O que significa?
Um breve silêncio se instalou antes que ele respondesse: — É o
símbolo japonês ai. Significa incondicional.
Um sorriso se abriu nos meus lábios, e pisquei algumas vezes, com
medo de começar a chorar. Eu nem era tão emocional assim, mas esse
homem tinha o dom de trazer à tona toda a minha doçura.
— Obrigada, — sussurrei, subindo na ponta dos pés e beijando
seus lábios. — Pode me ajudar a colocar?
Ele assentiu, e eu me virei de costas para ele. Ele desabotoou meu
colar e, com delicadeza, deslizou o novo pingente ao lado do da minha mãe.
E então, tudo no mundo pareceu estar no lugar.
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CAPÍTULO 45
REINA
Naquela noite, o barco estava atracado em um píer em Mônaco, e
a festa acontecia a todo vapor, exatamente como a primeira semana de julho
marcava o auge da temporada.
Eu não fazia ideia de quem eram todas aquelas pessoas, mas
parecia que todas sabiam quem eu era. Vinham até mim e me desejavam feliz
aniversário. Um ou dois homens até tentaram se inclinar para beijar minha
bochecha, no clássico estilo francês, mas pararam no meio do caminho ao
perceberem o olhar fulminante de Amon.
Aparentemente, meu namorado tinha um lado extra possessivo.
Virei-me para Amon, deslumbrante em sua roupa habitual, com as
mangas arregaçadas até os cotovelos. Sua mão descansava no meu quadril,
o perfume cítrico com toque de maçã formando uma bolha protetora ao meu
redor.
Minhas amigas e minha irmã dançavam, implorando para o DJ
trocar as batidas do techno europeu por nosso clássico de sempre: músicas
country da Carrie Underwood. Se a expressão dele significava alguma coisa,
ele estava prestes a ceder.
Eu sabia como minhas melhores amigas podiam ser insistentes.
Eva Winners BITTER PRINCE
Foi em um show da Carrie que Isla, Phoenix e eu conhecemos
Athena e Raven, tantos anos atrás. Minha irmã e eu fugimos de casa para
encontrar Isla em frente ao teatro, e, surpresa, Athena e Raven fizeram o
mesmo - com a diferença de que elas tinham dirigido desde os dormitórios
delas em Nevada só para ir ao show. Desde então, éramos melhores amigas.
A música mudou, e um sorriso se espalhou no meu rosto quando
os primeiros acordes de Cowboy Casanova começaram a tocar. Não demorou
nada.
Assim que o último convidado se afastou, virei-me para Amon. Os
olhos dele percorreram meu corpo, começando pelas pernas até chegarem
aos meus olhos.
— Você está linda.
— Foi você quem escolheu o vestido, — apontei, sentindo o rosto
esquentar. Pode parecer vaidade, mas eu gostava dos elogios dele.
Combinavam com o olhar que me lançava - cheio de sentimento - e me
deixavam toda derretida por dentro. Sim, havia desejo no olhar dele, mas
havia muito mais que isso.
Eu gostava de como ele me olhava. Aquilo fazia meu estômago se
revirar e minhas borboletas internas decolarem.
— Vai dançar comigo? — perguntei, piscando para ele. Não me
importava de parecer ridícula. Eu gostava de ser brincalhona com ele. Virei-
me, puxando-o comigo.
— Ele não dança, — disse Dante, surgindo do nada.
As palavras me pararam no lugar, e meus olhos voltaram para
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Amon, hesitantes. Não havia ninguém naquele iate com quem eu quisesse
dançar além dele.
Nossa dança lenta sob as lanternas flutuantes e iluminadas invadiu
minha mente. Aquilo foi dançar. Não foi?
O olhar de Amon encontrou o meu. — Me peça.
O timbre grave da voz dele aqueceu tudo dentro de mim. A brisa
suave e a música country me deixaram relaxada e sorrindo como uma mulher
apaixonada. Meu peito parecia prestes a explodir com todos os sentimentos
que se agitavam lá dentro.
— Dance comigo, por favor, — murmurei suavemente,
esquecendo do irmão dele e de todos ao nosso redor. Eu não sabia por que
ele tinha feito uma festa para mim. Tudo de que eu precisava era dele e das
minhas amigas. Isso já era suficiente.
Ele pegou minha mão e entrelaçou os dedos nos meus.
Quando chegamos à pista de dança, envolvi o pescoço dele com
os braços e nossos corpos começaram a se mover devagar, mesmo com o
ritmo acelerado da música country.
— Você realmente não dança? — perguntei.
— Eu não sei dançar.
A admissão me surpreendeu. Eu estava convencida de que não
havia nada que ele não pudesse fazer, se quisesse.
— Mas você está dançando agora, — apontei. — E naquele dia,
com as lanternas.
Meu corpo se moldava ao dele, meu rosto mais próximo graças ao
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salto de quase quinze centímetros. Peguei as mãos dele e as deslizei pelo meu
corpo até que repousassem sobre meus quadris.
— Além disso, posso te ensinar uns passos.
— Eu gosto de dançar com você, — ele murmurou, os lábios
roçando o lóbulo da minha orelha. — Você é uma boa professora.
O calor se espalhou pelas minhas veias, preenchendo cada canto
de mim. Nada mais importava naquele momento, e eu desejei que não
estivéssemos ali, entre estranhos. Queria estar em um quarto, onde eu
pudesse sentir as mãos dele na minha pele.
— Você também é. Sabe qual música está tocando?
Meu coração batia forte contra as costelas enquanto o sopro da
respiração dele acariciava minha orelha sensível.
— Uma música country.
Sorri, e antes que eu dissesse mais alguma coisa, ele completou:
— Vai ter que me dar mais itens da sua lista de desejos.
A música mudou para Tin Man, da Miranda Lambert, e o ritmo
diminuiu. A letra era suficiente para partir o coração de qualquer um.
— Você tem uma lista de desejos também, não tem? — perguntei,
erguendo a cabeça para estudar sua expressão.
— Nunca pensei em fazer uma.
Sorri. — Eu também não, até uma das meninas mencionar o desejo
de fazer uma lap dance.
Os olhos dele brilharam de divertimento enquanto me ouvia.
Eva Winners BITTER PRINCE
— Essa é interessante. — Ele passou o polegar pela minha
bochecha quente. — Melhor não ter nenhuma lap dance na sua lista. A menos
que seja comigo. Para mim.
Era uma noite linda. As estrelas brilhavam sobre nós como
diamantes, mas não se comparavam à sensação de tê-lo nos meus braços.
— Claro. Qualquer vergonha que envolva rebolar minha bunda
está reservada só para os seus olhos. E ainda ajuda o fato de que você já viu
minha bunda pendurada na amurada quando Phoenix e eu fugimos de casa,
anos atrás.
A risada de Amon se espalhou pela brisa. O iate estava cheio de
gente, mas era como se fôssemos os únicos no mundo.
— Aquela foi uma visão e tanto, — murmurou ele com suavidade.
Minhas bochechas esquentaram. — Não foi a melhor primeira
impressão.
Ele segurou meu rosto e afastou meus cachos com delicadeza. —
Discordo.
Revirei os olhos, mas não consegui evitar o sorriso. — Onde você
tinha ido naquele dia?
— A um show, — admiti. — Um show country.
Nossos passos se sincronizaram, e Amon me girou como se
estivéssemos dançando juntos havia cem anos. Ele liderava, como se
esperava, e meus passos o acompanhavam enquanto meu corpo formigava
com a proximidade.
— Talvez isso devesse entrar na minha lista de desejos, — brincou.
Eva Winners BITTER PRINCE
— Um show country.
— Ótimo item para começar, — concordei.
— Tomei a liberdade de escolher uma música para nós.
Abri um sorriso, empolgada para saber qual era. Eu adorava que
ele pensava em nós e que, no fundo, era tão romântico. Ele olhou para o DJ
e fez um leve aceno com a cabeça, então a música começou.
Cinnamon in my teeth…
— Lana Del Rey, — murmurei.
A boca dele roçou minha testa. — Cinnamon Girl. Deve ter sido
feita para você. Para nós.
Os convidados dançavam, bebiam, cochichavam e lançavam
olhares curiosos na nossa direção, mas nada disso importava.
Lancei a ele um sorriso travesso, encontrando seu olhar. — Sabe
que está criando expectativas altas demais, não é? Nesse ritmo, o que vai
fazer em dez anos? Fechar uma cidade só para andarmos de mãos dadas por
um cenário romântico?
Ele sorriu, os olhos escuros percorrendo meu rosto com um desejo
intenso, como se quisesse me devorar. — Não é uma má ideia.
Apoiei a palma da mão na bochecha dele. — Acho que vou ter que
bolar algumas ideias românticas também, para te conquistar de volta.
— Tarde demais para isso, — acho que ouvi ele murmurar, mas a
música acabou e eu me desenrosquei do corpo dele.
— Você precisa me dar alguns itens da sua lista de desejos, —
Eva Winners BITTER PRINCE
exigi, em tom sério, mas meu sorriso arruinou o efeito. — Você está
realizando todos os meus. Quero realizar os seus também.
A mão dele envolveu o lado do meu pescoço, os dedos
pressionando suavemente a nuca, e o polegar acariciando o pulso acelerado.
— Você já realizou, garota canela, — murmurou ele, aproximando
os lábios e roçando-os nos meus. — Eu amo o jeito como você me olha.
— Digo o mesmo, — sussurrei.
Eu estava prestes a pedir que ele me levasse para o nosso quarto,
pronta para dizer que já tinha esperado demais, quando o capitão apareceu
atrás de mim. — Senhor, há uma ligação para o senhor.
A expressão de Amon se fechou com irritação. — É uma festa de
aniversário.
Sabendo o quanto meu pai recebia ligações aleatórias que
interrompiam jantares e outras ocasiões, empurrei o ombro dele de leve com
o meu.
— Não é culpa dele, — falei baixinho. — Vai cuidar disso e eu
vou ver como estão as meninas.
— É isso que me preocupa, — respondeu ele, fazendo um gesto
com o queixo na direção delas, do outro lado do deque. — Estão bebendo
como se o álcool fosse proibido amanhã.
Joguei a cabeça para trás e ri. — Não se preocupe. Eu não vou
beber. Quero me lembrar de cada momento deste dia e desta noite.
Os olhos dele brilharam de calor. A noite estava me dando mais
confiança do que devia. Ou talvez fosse só esse homem e o jeito como meu
Eva Winners BITTER PRINCE
corpo reagia a ele.
Tudo que eu sabia era que não queria mais esperar.
— Vai lá, — incentivei. — Depois volta para mim.
Ele abaixou a cabeça e pressionou os lábios no meu nariz. — Não
vou demorar.
Assenti, observando enquanto ele atravessava a multidão e
desaparecia no convés inferior.
— Meu Deus, o jeito como você e Amon se olham me dá vontade
de... — Raven imitou um som de vômito, junto com um suspiro dramático e
um revirar de olhos.
Fiz um falso arquejo ofendido, enquanto Athena e Isla caíam na
risada. Minha irmã me observava com a testa franzida e uma expressão
preocupada.
— Qual é, Phoenix. Para com esse olhar.
— É meu dever me preocupar com a minha irmãzinha, — retrucou
ela.
— Ela é vinte meses mais nova que você — comentou Isla,
tomando um gole do drinque. — Nem dá para chamar de bebê.
— E, na maioria das vezes, ela age com mais responsabilidade do
que todas nós juntas, — acrescentou Athena, piscando para mim.
Engoli a risada diante da bronca carinhosa.
Os convidados ainda estavam por ali, bebendo e dançando. Era
impressionante como Dante e Amon tinham conseguido montar essa festa
Eva Winners BITTER PRINCE
tão rápido. Eu apreciava o gesto, mas não era necessário. Embora minhas
amigas estivessem claramente se divertindo bastante.
Observei minhas amigas e minha irmã começarem a balançar o
corpo e dançar. Riam alto, conversavam e dublavam as músicas, ignorando
os olhares que recebiam. Sempre era assim conosco. Nosso grupo vivia em
sua própria bolha.
Sorrindo, caminhei até o bar. — Posso querer uma San Pellegrino,
por favor?
— Já vai.
Observei o atendente abrir uma garrafa e servir num copo, que
deslizou pelo balcão até mim. Bebi tudo em um gole só.
— Obrigada. — Sorri. — Eu estava morrendo de sede.
— Quer outra?
— Por favor.
— Posso te oferecer algo a mais para acompanhar? — Fiquei tensa
com a voz desconhecida antes de virar a cabeça e encontrar um par de olhos
castanhos claros. Tom errado. — Ou quem sabe te pagar um drinque?
— É open bar, — respondi. Pago pelo meu namorado, foi o que
deixei de dizer. — Estou bem.
— Você não pode estar, — disse ele, num tom seco. — Porque está
sentindo minha falta.
Galanteador barato, pensei, contendo um revirar de olhos diante
da cantada ridícula.
Eva Winners BITTER PRINCE
— Garanto que não estou sentindo sua falta, — retruquei, com a
voz fria. — Meu namorado vai voltar a qualquer segundo.
Um sorriso divertido tocou os lábios dele. — Não estou vendo
nenhum namorado por aqui, — disse. — Só você, sozinha. — Sua mão
agarrou a minha. — Vamos dançar.
Enrijeci. — Não, obrigada.
O aperto dele aumentou, e só então percebi o quanto as pupilas
dele estavam dilatadas. A julgar pela aparência, ele estava bêbado e chapado.
Sua outra mão veio parar na minha cintura, e me assustei com a ousadia. —
Que porra você pensa que está fazendo?
Ele sorriu e falou arrastado: — Sempre quis transar com uma
americana.
A mão dele desceu pelas minhas costas e estava prestes a tocar
minha bunda quando eu o empurrei. — Já falei que tenho namorado. E não
estou interessada em você.
Ele sorriu com malícia. — Não se preocupe, não vou contar para
ele.
Uma mão quente e familiar pousou no meu ombro. — O namorado
dela está bem aqui.
A voz de Amon, sombria e turbulenta com tanta raiva contida, veio
por trás de mim e parecia prestes a incendiar o ar ao nosso redor. Sorri antes
de me virar.
— Agora tire as mãos dela ou vou quebrar as suas.
Infelizmente, o cara estava bêbado ou drogado demais para
Eva Winners BITTER PRINCE
perceber a fúria que emanava de Amon. Em vez disso, o idiota disse: — Pode
ficar com ela depois que eu terminar.
Um segundo o idiota estava com aquele sorriso estúpido no rosto,
e no seguinte, já estava desacordado no chão.
O olhar letal de Amon fez gelo escorrer pela minha espinha
enquanto ele permanecia de pé sobre o corpo do cara, ofegante.
Quando o sujeito se mexeu e começou a recobrar os sentidos,
Amon disse: — Toque na minha namorada de novo e eu vou te picar em
pedaços.
Os olhos dele se voltaram para a multidão que tinha assistido à
cena toda como se fosse algo comum. Dante vinha se aproximando com
passos lentos e um brilho assustador nos olhos. Por um momento, fiquei
congelada, acreditando que talvez - ou muito provavelmente - Dante Leone
fosse mesmo louco.
— Estamos nos divertindo? — perguntou Dante, sorrindo
cruelmente, os olhos indo de mim para o cara estendido no deque.
— Você é quem vai se divertir. Ele é todo seu, — disse Amon,
lançando ao irmão um olhar significativo, e eu temi ter compreendido
perfeitamente as palavras não ditas.
Então por que não falei nada?
Agarrei a mão de Amon e ele se virou de uma vez. Seu perfume
era forte, arrebatador. Olhei para ele, me perdendo naquele cheiro e adorando
cada segundo.
Os olhos dele encontraram os meus. — Ele te machucou?
Eva Winners BITTER PRINCE
Balancei a cabeça. — Não. Só me irritou, só isso.
Ele voltou a encarar o bêbado, que tentava - sem sucesso - se
levantar. Dante já o agarrava pela camisa, arrastando-o como um saco de
batatas.
O olhar no rosto de Amon prometia uma surra brutal, e ele se
inclinou como se fosse atrás dos dois. Eu não queria que a noite virasse uma
briga.
— Deixe seu irmão cuidar disso, — ouvi a mim mesma dizer. E
foi nesse momento que percebi que talvez eu tivesse, sim, um pouco de
escuridão dentro de mim.
Puxei Amon para longe, meus olhos procurando por entre os rostos
que nos observavam, e vi Dante se afastando tranquilamente, arrastando o
idiota atrás de si. De algum modo, eu sabia que aquele cara se arrependeria
de ter chegado perto de mim.
— Vamos, — sussurrei.
Como Amon não reagiu, apertei com mais força seu antebraço,
puxando-o para longe do local que parecia atrair cada vez mais olhares.
— Amon. — Os olhos dele se encontraram com os meus, e eu os
estreitei. — Nem pense em ir atrás do seu irmão.
Porque eu sabia que ele não voltaria tão cedo.
Eva Winners BITTER PRINCE
CAPÍTULO 46
AMON
A ligação do meu primo não poderia ter vindo em pior hora. O
idiota achou que podia exigir o uso de uma das minhas rotas de transporte
para o tráfico de pessoas. Um completo imbecil. Eu estava encerrando o
tráfico humano, e o desgraçado promovendo.
Talvez eu estivesse mais agitado do que o normal ao voltar dessa
ligação, mas a última coisa que esperava era ver um bêbado de merda
importunando Reina.
Então, exagerei. Dante ia ensinar umas boas lições de decência
humana para ele, extravasar um pouco da sua psicopatia, e o idiota
aprenderia a ter bons modos com mulheres.
Todos saíam ganhando.
Reina trancou a porta da suíte em que dormira na noite passada
depois de praticamente me arrastar pelo convés segurando meu braço. Eu
deixaria que ela fizesse o que quisesse, contanto que continuasse sorrindo.
Mas ela não estava sorrindo agora.
Esperei que ela se jogasse em cima de mim. Não o fez. Em vez
disso, sentou-se na beirada da cama, deixando o silêncio preencher o quarto.
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Queria poder ler todos os pensamentos dela, mas aprendi que Reina só era
um livro aberto quando queria ser.
Seus olhos azuis me observaram, e uma estranha inquietação
tomou conta de mim só de pensar em entristecê-la. Quando sua expressão
vacilou com ansiedade, comecei a me preocupar que ela estivesse com medo
de mim.
— Eu nunca machucaria você. Nunca encostaria a mão em você.
Ela se levantou num pulo e fechou a distância entre nós. — Eu sei.
Já esqueci aquele idiota.
O alívio me invadiu. — Então me diga o que está te preocupando.
Ela mordeu o lábio inferior, as bochechas ficando profundamente
coradas. — Nós vamos finalmente…?
Agarrei seu pulso e a puxei contra mim. — Nunca conheci uma
mulher tão determinada a perder a virgindade.
Ela ergueu o rosto, os olhos úmidos, aveludados de desejo,
enquanto um sorriso brincalhão curvava seus lábios. — Não posso evitar
quando meu namorado é sexy pra caramba. — Uma onda de calor explodiu
dentro de mim, indo direto para o meu pau. — Você não me deseja?
— Desejo, mas não quero apressar as coisas.
Ela não parecia nervosa, mas me preocupava que sentisse dor. A
primeira vez dela seria mais dolorosa do que prazerosa, e isso não me
agradava nem um pouco.
— Quando você me abraça, eu me sinto viva, — disse ela,
pousando a mão no meu peito. Soltou um suspiro exasperado. — Não é
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pressa, Amon. Eu estou morrendo por dentro. Por favor, não me faça esperar
mais. Você quis esperar até eu completar dezoito. Agora, por favor, me
devaste. Me faça gritar. Toda aquela loucura.
Balancei a cabeça sutilmente, lutando contra o sorriso que
ameaçava dominar meu rosto. Eu precisava lembrar de folhear um dos
romances da Athena qualquer dia desses.
Acolhi Reina nos braços e segui até a cama. — Você sabe que a
primeira vez vai doer, não é?
As bochechas dela se tingiram de carmesim, mas ela revirou os
olhos. — Por favor, não venha com aquele discurso de educação sexual.
O canto da minha boca se curvou. — Talvez devêssemos.
Sentei-me na beirada da cama com ela ainda nos meus braços. Ela
tirou os saltos rosa, depois se ajeitou no meu colo, ficando de frente para
mim e envolvendo meus ombros com os braços. Seu vestido subiu, revelando
suas coxas lisas, e quando sua boceta roçou contra a dureza da minha ereção,
não consegui conter um gemido.
— Certo, sobre o que você quer falar? — perguntou ela, rebolando
para a frente. Se ela não tivesse me contado que era virgem, eu juraria que
sabia exatamente como seduzir um homem. — Eu sei colocar camisinha. Sei
que a primeira vez pode doer e pode ter sangue. — O nariz dela se contorceu.
— E eu sou limpa.
— Eu também sou. — Capturei seus lábios, saboreando o gosto de
canela. Ela tinha o gosto da porra da perfeição, e o fato de eu ser o primeiro
a tê-la despertava em mim a necessidade desesperada de possuí-la
completamente. Inteiramente.
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Seus lábios se moldaram aos meus, os seios pressionados contra o
meu peito enquanto ela me agarrava como se nunca quisesse soltar.
Afastei-me um pouco, vendo seus lábios inchados enquanto ela
arfava.
— Se fizermos isso, você é minha, — rosnei. — Para sempre. —
Ela assentiu com entusiasmo. Demasiado entusiasmo. — Você entende que
não haverá outro homem para você?
Ela assentiu novamente.
— Nunca, — enfatizei.
— Só você, Amon. Agora, por favor, apenas me beije. Me toque
antes que eu morra.
Ri da honestidade dela. Eu amava o fato de que ela não usava
máscaras comigo. Ela me dava tudo, mas exigia o mesmo em troca.
Tomei sua boca mais uma vez, mordiscando seu lábio inferior com
suavidade. Beijei-a sentindo seus lábios se abrirem em boas-vindas. Nossas
línguas dançaram num ritmo antigo, e ela soltou um gemido suave. Engoli
aquele som, embriagado pela forma como ela respondia a mim. Era viciante.
Alcancei a barra do vestido dela, rompendo nosso beijo para puxá-
lo por sobre sua cabeça. Ela ficou apenas com uma calcinha rendada rosa e
um sutiã de renda que fez meu pau latejar de tanta vontade.
— Você é tão linda.
A rouquidão da minha voz fez Reina erguer o olhar, vasculhando
meu rosto. Sua pele clara parecia ainda mais pálida contra a minha. Éramos
como opostos completos, mas de alguma forma, a vida continuava a nos
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empurrar um para o outro. Como ímãs em colisão.
Seus dedos delicados alcançaram os botões da minha camisa e
começaram a desabotoá-los.
— Você é mais bonito, — murmurou ela, inclinando-se para frente
e depositando pequenos beijos no meu pescoço. Seu perfume de canela
invadiu minhas narinas. Eu mal podia esperar para saborear cada centímetro
da sua pele. Suas mãos pequenas deslizaram pelo meu peito e abdômen, até
chegarem ao meu cinto. — E tão forte.
— Deite-se.
Ela obedeceu com tanta prontidão que meus lábios se curvaram
num sorriso. Deitou-se na cama e me observou por debaixo daqueles cílios
longos enquanto eu chutava os sapatos para longe e me livrava das calças.
O modo como os olhos dela passeavam pelo meu corpo, sem o
menor pudor, fez meu pau pulsar dentro da cueca. Notando o movimento, o
olhar dela se fixou ali.
Seu peito subia e descia, a língua passando pelo lábio inferior. —
Vai deixar isso aí? — perguntou ela.
— Por enquanto.
O olhar dela desceu para o próprio corpo, detendo-se no sutiã e na
calcinha. — Quer que eu tire isso?
Ela levou a mão para trás, mas ajoelhei na cama e interrompi seu
gesto. — Não, eu quero fazer isso.
Seus lábios se curvaram num sorriso. — Então é melhor se
apressar, Amon Leone. Ou juro por Deus que vou começar a me dar prazer
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enquanto você só fica aí olhando.
Porra! A imagem que aquelas palavras trouxeram à minha mente
quase me fez explodir. — De onde veio isso? — perguntei.
Ela deu de ombros, os ombros esguios sacudindo levemente.
— Do pornô da Athena, lembra? — Lancei um olhar incrédulo
para ela, e ela sorriu. — Histórias de romance safadas dão muitas ideias.
Ergui as sobrancelhas. — É mesmo?
— Sim. — Reina piscou. — E antes que diga qualquer coisa, quero
lembrar que não sou menor de idade.
— Graças a Deus, — rosnei.
Ela soltou uma risadinha, e aquele som me encheu de calor. Eu
amava vê-la sorrir e rir. Amava vê-la leve e aberta.
— Já estava começando a achar que você ia insistir em ficarmos
só nos amassos, — murmurou ela, as bochechas ainda rubras. — Você é
paciente demais.
— Eu sou tudo, menos isso, — murmurei roucamente. — Só quero
fazer tudo certo com você.
Os dedos dela traçaram meu ombro, como se não conseguissem
parar de me tocar. Eu entendia perfeitamente. Sentia o mesmo. Queria ela no
meu espaço, no meu mundo, respirando o mesmo ar que eu, sempre.
— Você é maravilhoso comigo — sussurrou. — E eu quero fazer
o certo por você também.
Porra, palavras tão simples, e ainda assim ela roubava mais um
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pedaço de mim com tanta facilidade.
Inclinei a cabeça e puxei seu mamilo para minha boca através da
renda do sutiã. Ela se arqueou na cama, com os dedos agarrando meu
cabelo. Eu podia viver de seus gemidos. Soltei seu sutiã, deixando-o cair
silenciosamente no chão. Deixei meus olhos percorrerem seu corpo
deslumbrante, descendo até a calcinha, até que ela levantou os quadris
avidamente, sinalizando para que eu a tirasse.
Eu a levantei de onde ela estava me abraçando e a deitei
gentilmente na cama. Enganchando meus dedos sobre o material, puxei-a
pelas suas pernas finas até chegar aos dedos dos pés pintados de rosa. Não
demorou muito para que a calcinha se juntasse ao sutiã no chão. Então,
finalmente, abaixei meu rosto até sua boceta e a beijei.
Seu suspiro preencheu o espaço e levantei os olhos para
encontrar seu olhar amplo. Ela me observava com os lábios entreabertos e
uma inocência em seus olhos, mas não os fechou. Como se não quisesse
perder nada. — Está tudo bem?
— Sim.
Eu estava certo.
Ela tinha cheiro e gosto de canela. Absolutamente irresistível.
Abri mais as pernas dela e as coloquei sobre meus ombros. O cheiro de sua
excitação era inebriante e, quando lambi sua boceta, as mãos de Reina
voltaram para meu cabelo. Seus dedos tremeram enquanto eu usava a ponta
da língua para circundar seu clitóris.
Coloquei as palmas das mãos sob sua bunda firme e beijei sua
boceta novamente, aplicando mais pressão enquanto observava seu rosto,
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absorvendo os sinais de seu prazer. Continuei a beijar sua abertura
apertada, meus lábios roçando sua carne macia. Lambi seus sucos como se
fosse a última refeição que eu teria.
Ela gemeu, seus dedos se contorceram, e eu repeti o movimento.
— Ahhh, — ela ofegou. Eu adorava o gosto dela. Ela ficou mais
molhada e se contorceu sob mim enquanto eu chupava levemente os lábios
de sua boceta.
Demorei a explorar o que ela gostava, seu corpo tão sensível que
fez meu pau se contorcer, ansioso por sua rigidez. Meus olhos ardiam nela
enquanto eu chupava o clitóris. Ela cravou os dedos em meus cabelos, se
esfregando contra minha boca e gemendo sedutoramente.
— Por favor, — ela murmurou.
Com o próximo puxão de meus lábios, deslizei um dedo para
dentro dela e comecei a movê-lo para dentro e para fora, chupando o
clitóris o tempo todo. Não demorou muito para que ela se soltasse, com os
olhos marejados de prazer.
Era uma visão tão bonita.
Ela se encostou em minha boca, aproveitando seu prazer, e eu
deixei. Seus quadris se moviam sem pudor contra mim, absorvendo tudo o
que eu lhe dava.
— Foda-se, sim, assim mesmo, — rosnei contra sua boceta,
lambendo seus sucos como um homem faminto. Levantei a cabeça e
observei seu corpo estremecer de prazer enquanto eu continuava a bombear
meu dedo para dentro e para fora dela.
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Introduzi outro, bombeando-os para dentro e para fora de sua
boceta apertada. Meu pau estava dolorosamente duro, ansioso para sentir
aquelas paredes se apertando ao meu redor.
Seus cachos loiros estavam espalhados ao redor da cabeça, as
pernas abertas - ela parecia um anjo caído, pronta e disposta a ser dominada
pelo diabo. Livrando-me de minha cueca boxer, subi por seu corpo, abrindo
suas pernas e alinhando meu pau à sua entrada quente.
A sensação de sua boceta quente contra meu pau era o paraíso na
terra.
Quando meu dedo se fechou em torno de seu mamilo, puxando-
o, ela arqueou as costas e eu deixei minha ponta deslizar sobre sua abertura.
Ela ofegou; eu gemi.
Confiança brilhava em seus olhos enquanto ela sustentava meu
olhar, e eu saboreava seus gemidos ao beijar o caminho da pele macia de seu
pescoço até sua boca.
— Você tem gosto de canela, — murmurei contra seus lábios. —
Meu sabor favorito.
Seus olhos azuis me puxaram para suas profundezas, seus quadris
se arqueando contra mim, sua intimidade pressionando meu pau.
Por vontade própria, meus quadris se moveram para frente e eu deslizei para
dentro dela com facilidade. Suas unhas cravaram na minha pele, o rosto uma
mistura de prazer e dor.
Eu me mantive imóvel. — Eu machuquei você?
Ela balançou a cabeça. — Não. Só estou… me sentindo cheia.
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— Quer que eu pare? — perguntei entre os dentes.
O aperto das paredes internas dela, mesmo com apenas alguns
centímetros dentro, trouxe uma onda de prazer cegante. Eu sabia como
aquilo seria para mim, mas ainda assim lutava contra a culpa de machucá-la.
— Não, — arfou ela, a pele corada. — T-talvez você devesse…
empurrar tudo de uma vez.
Meu pau estremeceu com aquela oferta, mas eu preferia arrancá-
lo do que fazer isso. — Não, vamos com calma. — Seus olhos baixaram para
onde nossos corpos se encontravam, observando meu comprimento rígido
dentro dela. Porra, do jeito que aquilo ia, eu gozaria antes de estar
completamente enterrado nela. — Só mantenha os olhos em mim.
Ela obedeceu, o olhar brilhando de desejo e tanto amor. Passei os
dedos por sua lateral antes de segurar suas coxas e afastá-las ainda mais para
mim.
Fui me aprofundando dentro dela e ela enrijeceu. — Amon, por
favor.
Eu não sabia se ela estava implorando para que eu parasse ou para
que eu investisse de vez, mas movi a mão entre nós e comecei a massagear
seu clitóris, esperando aliviar o incômodo. Seus lábios se entreabriram, o
prazer cintilando em seu rosto lindo. Ela gemeu, os quadris se impulsionando
para cima, fazendo com que meu pau se afundasse ainda mais.
Então, empurrei até o fim, rompendo seu hímen. Reina se arqueou
sob mim, a dor brilhando em seus olhos, e eu parei imediatamente.
— Porra, meu amor. Me desculpa. — Acariciei seu corpo,
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esfreguei o rosto em seu pescoço, beijei seus lábios. Passei os dedos por sua
lateral, descendo até o quadril, subindo de volta até seus seios. Ela se
pressionou contra mim, respirando com dificuldade contra minha garganta,
o corpo tremendo. — Já passou — murmurei.
Ela balançou a cabeça. — Eu sei o suficiente para saber que não
passou.
— Mas vai passar, — ofereci. Nem eu podia acreditar que aquelas
palavras tinham saído de mim, mas eram verdadeiras. Eu preferia cortar meu
pau fora do que machucá-la.
Pressionando um beijo no meu queixo, ela sussurrou: — Só me dá
um segundo para me acostumar.
Meu peito se apertou. Porra, eu daria a eternidade se ela pedisse.
Seus dedos subiram até meus ombros, acariciando minhas omoplatas.
Encontrei sua boca e a beijei, meu corpo colado ao dela. Suas paredes
apertavam meu pau com força, e quando ela se arqueou, gememos ao mesmo
tempo.
Sua respiração era irregular. Eu arfava com a necessidade de me
enterrar nela sem piedade. Seus lábios estavam inchados, e seus olhos
brilhavam como o oceano sob um céu limpo e azul.
— Você pode…?
Deslizei mais fundo dentro dela. Reina se retesou, e eu sabia que
aquela parte era a mais dolorosa.
Movi meus quadris, devagar e com delicadeza, meu pau duro
como pedra. Reina acariciava minhas costas, me incentivando. Observei sua
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expressão enquanto aumentava o ritmo com estocadas pequenas e
superficiais. Ela mordeu o lábio inferior, o desconforto ainda presente, mas
havia também um lampejo hesitante de prazer.
O prazer em mim se enrolava mais e mais apertado enquanto eu
entrava e saía de sua boceta apertada. Meus músculos tremiam, exigindo que
eu fosse mais rápido e mais intenso, mas ignorei. O prazer de Reina vinha
antes de tudo.
Mudei o ângulo e me enterrei mais fundo. Ela gemeu, os olhos se
arregalando.
— Você está bem?
— Sim, — ela choramingou. — Isso foi tão bom.
Beijei sua têmpora e avancei com uma estocada firme, deslizando
até o fim. Repeti o movimento, e os lábios de Reina se entreabriram, os olhos
enevoados de desejo. Ela podia ser virgem, mas a sedutora ali era ela.
Beijei seus lábios entreabertos, estocando dentro e fora dela, a necessidade
pulsando em minhas bolas queimando com o desejo que eu via refletido em
seu olhar.
Soltei um suspiro trêmulo, tentando permanecer imóvel, ainda que
tivesse quase certeza de que aquelas paredes apertadas iam ordeiramente
ordenhar meu pau a qualquer segundo. Porra, ela era apertada. — Reina?
Como você está?
Ela me olhou. — Bem, — respondeu com a voz trêmula. — Está…
gostoso.
Acariciei sua bochecha e comecei a me mover, com estocadas
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tímidas que aos poucos se tornaram mais intensas. Meus movimentos iam
mais fundo e suas unhas se cravaram em mim, deixando rastros ardentes na
pele. Seus gemidos ficaram mais altos, me incentivando, apertando ao redor
das minhas bolas. A boceta dela era o paraíso, e eu não queria sair dali.
Ela se retesou, então desacelerei as estocadas. — Não pare, Amon,
— arfou ela, deixando bem claro o que achava daquilo. — Por favor.
Perdi o controle. Não havia mais como parar. Minhas estocadas se
aceleraram e o prazer explodiu nas minhas bolas. Não demorou para eu
alcançar o limite. Meu corpo se retesou, os movimentos se tornaram
descompassados, minhas bolas se expandiram, e eu jorrei dentro dela.
Meu pau estremecia e se contorcia enquanto eu tremia sobre ela,
sentindo suas palmas acariciarem minhas costas e seu hálito quente roçar
meu pescoço. Apoiei a testa em seu ombro.
— Obrigada, — sussurrou ela.
Procurei seu rosto corado.
— Pelo quê? — Não podia ser por ter dado a ela um segundo
orgasmo, porque com certeza eu não tinha conseguido.
— Por ter sido paciente e gentil.
Beijei suavemente sua garganta, meu pau ainda pulsando dentro
de seu corpo suave. Eu sentia a pulsação sob sua pele, nossos cheiros
misturados.
Com cuidado, deslizei para fora dela e a puxei para junto de mim,
envolvendo-a com os braços. Ela ergueu a cabeça, buscando meu rosto.
— Foi… foi bom para você?
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Soltei uma risada abafada. Ela estava preocupada se tinha sido
bom para mim, sendo que quem sangrou foi ela.
— Sim. E prometo que não vai doer tanto da próxima vez. —
Esfreguei o rosto em seu pescoço. — Sinto muito por ter machucado você.
Ela soltou um suspiro sonhador.
— Você não machucou. — Ela prendeu a respiração e eu congelei
acima dela quando seu olhar desceu para onde nossos corpos ainda estavam
unidos. Um alerta disparou dentro de mim. — Merda.
Com o cérebro entorpecido pelo sexo, demorei um segundo para
entender o que ela estava olhando. Meu esperma misturado ao sangue dela.
— Porra, — murmurei. Estava tão perdido, tão tomado pelo desejo,
que esqueci a camisinha. Eu nunca esquecia. Nunca transava sem proteção.
— Você toma pílula? A expressão em seu rosto foi resposta suficiente. —
Não se preocupe — assegurei, embora eu mesmo estivesse preocupado. Era
a primeira vez dela; a minha não. Eu deveria ter sido mais inteligente.
Deslizei para fora da cama e fui até o banheiro, voltando com um
pano morno. Me ajoelhei ao lado da mulher que havia mudado minha visão
de mundo e, com todo cuidado, afastei suas pernas.
Limpei sua boceta inchada com movimentos delicados, parando
apenas quando a pele brilhou.
— Me desculpa, — ela murmurou, e encontrei seus olhos azuis
cintilando de preocupação. — Eu tinha uma camisinha na porcaria da carteira.
Joguei o pano fora antes de pressionar a palma da mão sobre a
parte inferior de sua barriga.
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— Não peça desculpas. Eu perdi a cabeça. Foi irresponsabilidade
minha. — Ela balançou a cabeça, abrindo a boca, certamente para me
contradizer. — Se algo acontecer, vamos lidar com isso juntos.
— Mas…
— Juntos, garota canela.
Eu protegeria aquela garota, minha mulher, a qualquer custo.
Mesmo que isso significasse queimar o mundo inteiro.
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CAPÍTULO 47
REINA
A luz suave da manhã projetava sombras no quarto enquanto eu
sentia o peso de um braço sobre mim. O calor e o perfume familiares
pressionavam meu corpo.
Virei para poder vê-lo. A luz do sol filtrava pelas janelas do iate,
desenhando sombras suaves no rosto de Amon e destacando seus ossos do
rosto marcantes. Os lençóis de seda estavam amassados em volta de sua
cintura, me oferecendo uma vista da pele bronzeada esticada sobre os
músculos definidos dos ombros e da cintura estreita. O V profundo sob os
lençóis parecia um convite para retomar a exploração que começara na noite
anterior. Esforcei-me para subir o olhar… só para encontrá-lo esperando pelo
meu. A expressão de satisfação pura em seu rosto fez borboletas explodirem
no meu estômago.
— Bom dia, linda.
O calor subiu pelas minhas bochechas.
— Bom dia, — respondi, ofegante, empurrando os cachos rebeldes
para trás da orelha.
— Você fica linda com essa camisa.
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Em algum momento da noite, Amon havia colocado em mim sua
camisa de Cambridge. Ela caía até o meio das minhas coxas e, quando seus
olhos desceram pelo meu corpo, escureceram. O calor se espalhou do meu
rosto para o resto de mim.
— Está sentindo dor?
— Não está tão ruim, — respondi baixinho.
Ele me observava com os olhos semicerrados e escuros. O tique-
taque do relógio parecia ensurdecedor, e de repente a camisa ficou pesada
demais.
As borboletas bateram asas com força, tão alto que era como se as
pontas aveludadas tocassem meu coração. Meu pulso martelava nos ouvidos.
Alisei a coxa úmida com uma das mãos, sem saber o que fazer a seguir.
Era uma novidade acordar com um homem na cama.
Hesitante, ergui a mão para tocá-lo, mas a deixei pairando no ar,
incerta se era permitido. Ele pegou minha mão e pressionou minha palma
contra seu peito definido. O calor de sua pele queimava da melhor maneira
possível. Eu adorava tocá-lo, explorar aquele corpo forte.
Devagar, deslizei os dedos por seu abdômen esculpido, seguindo
o caminho de pelos até a base do quadril, até que minhas pontas dos dedos
roçaram a base dele. Um gemido baixo vibrou em Amon enquanto eu assistia
seu membro endurecer sob meu olhar.
Seus músculos tensionaram enquanto ele respirava fundo, olhando
para mim com o rosto semicoberto pelo cabelo e os olhos repletos de desejo.
Eu me impulsionei para cima e montei em sua coxa, tonta com o jeito como
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ele admirava meu corpo.
— Está tudo bem assim? — perguntei.
Ele alcançou a barra da camisa e a puxou por cima da minha
cabeça, me deixando nua diante dele. — Agora está.
Meus mamilos enrijeceram sob seu olhar atento, e ele levou a mão
até um deles, rolando-o entre o polegar e o indicador. Meu corpo se arqueou,
buscando o calor de seu toque. Aquele ponto doce pulsava, e senti um fio de
excitação escorrer pela minha coxa interna.
Umedeci os lábios antes de tocar seu comprimento, explorando-o.
Então fechei os dedos ao redor de sua base, sentindo-o enrijecer ainda mais
sob meu toque.
Sua coxa forte pressionou meu centro ainda sensível, e eu me
esfreguei contra ele, mordendo o lábio com a sensação entre minhas pernas
e as mãos dele brincando com meus seios, a dor da noite passada
praticamente esquecida.
As mãos dele deslizaram pelo meu corpo, fazendo arrepios se
espalharem pela pele. Minha pele parecia pálida contra o brilho dourado da
dele. Movimentei seu pau, observando sua reação. Nada. Ele permaneceu
imóvel, exceto pelo ronco profundo que vibrou em seu peito.
Com o coração disparado, lancei um olhar hesitante para ele. Seus
dedos apertaram minhas coxas - em incentivo ou antecipação, eu não sabia -
e seus olhos escureceram tanto que parecia que eu podia ver sua alma
refletida neles.
Abaixei-me, a antecipação vibrando e incendiando cada
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terminação nervosa, e levei a ponta dele à boca. Ele chiou entre os dentes e
segurou a parte de trás da minha cabeça, os dedos se enroscando no meu
cabelo, afastando-o para o lado.
— Porra, — rosnou, jogando a cabeça para trás.
Fiz as bochechas se contraírem enquanto o chupava levemente,
tentando acomodar seu comprimento na boca, enquanto a mão trabalhava a
base.
Eu tinha lido algumas cenas bem descritivas de sexo oral escritas
por Athena, mas aquilo não servia de muita orientação na prática. Meus
movimentos eram desajeitados e eu me sentia falhando, até ouvir Amon
sibilar: — Isso. — Seus quadris se moveram, os dedos se flexionando no
meu couro cabeludo. — Olhe para mim enquanto chupa meu pau.
Levantei o olhar e o encontrei me observando. Não era como se eu
não soubesse que Amon era mandão. Eu sabia. Mas algo no tom exigente e
nas palavras cruéis dele incendiava meu corpo de um jeito que só ele sabia
apagar.
Seus dedos se apertaram em meu cabelo enquanto guiava minha
cabeça para baixo. Seus quadris se impulsionaram para cima, enterrando-se
fundo o bastante para alcançar o fundo da minha garganta. Cedi aos
movimentos dele, engolindo o máximo que ele exigia, sua mão firme
mantendo minha cabeça no lugar.
A cada estocada para cima, eu me esfregava em sua coxa,
buscando minha própria satisfação. Estava tão excitada, embriagada pela
expressão faminta de Amon, que temia que ele pudesse me pedir qualquer
coisa e eu aceitaria sem hesitar.
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Sem aviso, ele se retirou da minha boca com um gemido e me
virou de repente, minhas costas afundando no colchão.
Um pequeno grito escapou de mim, minhas sobrancelhas se
franzindo. — Por que fez isso? Você não terminou.
— Vou terminar dentro da sua boceta. — Santo Deus, por que
palavrões saindo da boca do meu namorado eram tão excitantes?
— Mas antes, é hora do meu café da manhã.
— O que...
No momento em que suas palmas calejadas desceram pelas minhas
coxas, afastando-as, entendi sua referência. Corei, lembrando da sensação de
sua boca em mim na noite anterior. Observei-o por entre os cílios, os olhos
semicerrados e cheios de desejo, e no instante em que ele enfiou o rosto entre
minhas pernas e inalou, minha cabeça tombou para trás num suspiro.
Seus braços envolveram minhas coxas, erguendo-as levemente, e
então ele me lambeu de baixo até o clitóris. Um gemido vibrou no ar
enquanto vapor percorria meu sangue, me incendiando. Aquilo parecia tão
sujo, tão impróprio, mas meu Deus… era bom demais.
— Você gosta disso? — A voz dele era áspera. Grave. — Eu
lambendo sua boceta.
— Sim. Um som profundo de satisfação escapou de sua garganta.
— Por favor, mais — supliquei, ofegante.
O calor da língua dele percorreu meu centro, arrancando de mim
um estremecer violento. Uma névoa sem sentido me envolveu, deixando
apenas o desejo em seu rastro. Como uma estrela em combustão, eu estava
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prestes a explodir enquanto ele me lambia em todos os lugares que conseguia
alcançar. Meus quadris se moviam sob sua boca, cada onda aumentando a
dor pulsante e vazia entre minhas coxas.
Eu precisava que ele aliviasse aquilo. Que preenchesse aquele
vazio.
Puxei seu cabelo com toda a força que consegui, e ele finalmente
voltou os olhos para mim. Estavam tão escuros quanto o universo, e só as
estrelas neles poderiam me guiar.
— Eu preciso de mais, — implorei.
Como se soubesse exatamente do que eu precisava, ele apertou os
braços ao redor das minhas coxas. Em seguida, subiu sobre mim, lambendo
e mordiscando minha barriga e meus seios ao passar. Seu corpo cobriu o meu,
aquele peso deliciosamente quente fazendo minha pele vibrar de satisfação.
Beijou meu pescoço enquanto apoiava as mãos de cada lado da
minha cabeça.
— Tem certeza de que não está dolorida? — Minhas mãos
deslizaram por suas costas lisas. Quando minhas palmas alcançaram seu
abdômen, ele fechou os olhos, o maxilar se contraindo. — Deus me ajude se
estiver — rosnou.
— Não está tão ruim, — murmurei, beijando seu pescoço. Deslizei
a mão para baixo até envolver sua ereção. Sua testa encostou na minha e um
som grave escapou de sua garganta. Ele se pressionou contra minha palma.
— Esse vazio aqui está pior.
Meu coração disparou em antecipação. Ele era quente, grande,
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duro e tão absurdamente masculino que eu sabia que valeria a pena um pouco
de dor. O anseio nos olhos dele refletia o que fervia dentro de mim, e eu
estava decidida a ir até o fim.
— Eu quero — sussurrei. — Muito, Amon.
— Ah, porra, — gemeu, enquanto levava a mão até o lado do meu
rosto. — Peça com jeitinho, garota canela.
Ele mordiscou meu queixo e depois lambeu o local, suavizando a
ardência. Meu baixo-ventre se aqueceu e um pulso latejou entre minhas
pernas.
Com seu pau ainda na minha mão, puxei-o com delicadeza e
sussurrei em seu ouvido: — Por favor, me dá seu pau.
Guiei seu comprimento até minha entrada quando ele rosnou: —
Espera.
Ele pegou uma camisinha no criado-mudo e a rasgou com os
dentes. Era bom que pelo menos um de nós tivesse mantido o juízo dessa
vez.
Seus olhos estavam preguiçosos e escuros, e meu rosto queimou
ao vê-lo segurar a própria ereção pela base, pronto para colocar. O gesto era
tão primitivo, tão incrivelmente excitante, que algo despertou dentro de mim
em chamas.
— Posso fazer isso?
Ele me entregou o invólucro e eu desenrolei a camisinha sobre seu
comprimento antes de voltar a montar em seus quadris. Eu queria ao menos
um pouco de controle, e, para minha alegria, ele permitiu.
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Apoiando as mãos de cada lado do corpo dele, inclinei-me para
frente e beijei sua garganta. Eu estava por toda parte nele, passando as mãos
por seus bíceps, peitorais e cabelo. Beijei sua garganta com a língua,
mordisquei o lóbulo da orelha e suguei seu pescoço.
— Eu te amo.
Sua mão segurou a parte de trás da minha cabeça, os dedos se
entrelaçando nos fios. — Eu também te amo, garota canela. Agora cavalga
meu pau.
Ele fechou o punho no meu cabelo, na altura da nuca, e eu me
afastei com os olhos semicerrados. Meus seios roçaram seu peito, enviando
ondas de prazer por todo o meu corpo enquanto me deixava tomar por
completo pela sensação dele. Me movi contra sua ereção, baixando a cabeça
e cravando os dedos em seus ombros enquanto rebolava, usando seu peito
como apoio e esfregando minha umidade ao longo de seu comprimento.
Ele gemeu tão profundamente que senti a vibração atravessar seu
peito. A cabeça de sua ereção escorregou para dentro de mim, e o tamanho
dele sobrecarregou todos os meus sentidos. Meus dedos se fecharam sobre
seus abdominais enquanto eu me afundava mais um centímetro, ardendo com
o incômodo causado por sua largura.
Amon segurou meus quadris quando tentei descer mais. — Espera,
meu amor. Sem pressa.
Soltei um suspiro pesado. Ele lia meu corpo como quem decifra
um livro. A dor deu lugar a uma plenitude deliciosa, e nós dois observamos
enquanto eu escorregava até que ele desaparecesse dentro de mim, um
suspiro rouco escapando dos meus lábios inchados.
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Eu estava tão cheia que queimava, e Amon fitava onde estávamos
unidos com um olhar tão escuro que beirava a obsessão. Então, com um
rosnado, me lançou de costas na cama e se retirou apenas para se enterrar em
mim de uma só vez. Gemi alto, arqueando as costas.
Ele permaneceu tão fundo dentro de mim que eu podia senti-lo em
toda parte. Com uma mão apoiada no colchão e a outra sustentando minha
cabeça, seu peito se movia contra o meu. Sua respiração entrecortada
acariciava meu pescoço enquanto permanecíamos imóveis, encarando um ao
outro.
Seus lábios tocaram minha orelha.
— Nunca vou me saciar disso, — ele sibilou, os dentes cerrados.
— Nunca vou me saciar de você, garota canela. Agora você é minha.
— Sua, — murmurei, estremecendo com o timbre grave de sua
voz.
Ele esfregou o rosto em meu pescoço. Seus beijos eram quentes e
suaves, mas ele me segurava com força pelos cabelos na nuca. E então
começou a se mover. Meu corpo se moldava ao dele, acolhendo cada
estocada.
Ele me fodia com força. Seu peso firme e constante fazia sua pele
estalar contra a minha. A intensidade daquilo me roubava o fôlego. Cada
estocada acendia uma faísca dentro de mim que apenas a próxima conseguia
alimentar. Minhas unhas se cravaram em seus bíceps, e um leve estremecer
percorreu a pele dele.
Ele falava enquanto me comia, bem contra o meu ouvido, com
uma rouquidão grave. — Você me recebe tão bem, — elogiou. — Tão
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molhada por mim.
Cada vez que seu quadril se esfregava no meu, um calor líquido se
espalhava do meu clitóris para o resto do corpo, e um gemido rouco escapava
dos meus lábios. Eu não era nada além de calor, chama e prazer para ele usar
como quisesse.
— Porra, você é tão gostosa, — gemeu no meu ouvido.
As palavras penetraram minha pele e preencheram cada espaço do
meu coração e da minha alma. Eu supliquei. Estremeci. Gemei.
— Sua boceta gulosa está estrangulando meu pau.
Eu queria agradá-lo. Queria fazê-lo se sentir bem, ser tudo que ele
precisava e desejava.
Meus gemidos ficaram mais altos; eu não conseguia controlá-los.
Ele levou a mão até minha boca e a cobriu com a palma enquanto a outra
permanecia cerrada em meu cabelo. Mordi sua mão, abafando meus sons. A
brutalidade dele não deveria ser tão prazerosa, mas era. Aquilo era viciante.
Talvez fosse porque eu confiava que ele me manteria segura. Ou talvez fosse
algo que eu sempre precisei: ser dominada.
O orgasmo que veio foi tão violento que me fez estremecer. O calor
pulsou em meu ventre antes de se espalhar em formigamentos. Pontos pretos
borraram minha visão. Eu estava em queda livre. Quando voltei, ele
permanecia imóvel dentro de mim, me observando com um olhar tão escuro
quanto a noite.
Ele apoiou a testa na minha, e o que vi em seus olhos beirava a
loucura, a mesma que eu sentia na alma.
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— Quem é que te fode? — rosnou.
Estremeci. — Você, Amon.
Um ronco de satisfação vibrou em seu peito. Seus lábios pairaram
sobre os meus. — Isso mesmo. Se outro homem encostar em você, eu o mato.
Isso não deveria me fazer sorrir. — Idem, — murmurei, beijando
sua boca. — Se outra mulher encostar em você, eu a mato.
Uma estocada lenta e uma respiração tensa. Seus lábios
pressionaram os meus, deslizando, lambendo e mordendo. Molhado,
desajeitado, bruto.
— Está feito, garota canela.
Então ele se enterrou mais fundo, com uma intimidade que fez
meus olhos arderem. Aquilo me deixava exposta, mas eu não me importava.
Nem que pudesse fugir, conseguiria. Não com seu punho em meu cabelo e
seu corpo sobre o meu.
Eu queria entregar tudo a ele e tomar tudo dele.
O calor que floresceu no meu peito se agarrou a ele, trancando-o
no meu coração, para sempre jogando a chave fora.
Eva Winners BITTER PRINCE
CAPÍTULO 48
AMON
Reina precisou de um bom tempo para convencer a irmã e as
amigas a irem à frente para Paris. Dante as levou até a estação de trem,
enquanto eu mantinha Reina comigo só mais um pouco.
— Então vamos voar para Paris e depois...? — ela perguntou
enquanto eu abria a porta do meu conversível Lamborghini para ela. — E,
por favor, podemos ir até o aeroporto com a capota abaixada?
O vestido curto dela subiu, revelando perfeitamente suas coxas
suaves, e meu pau reagiu na hora. Eu era insaciável com ela. Poderia transar
dia e noite e ainda assim não seria suficiente. Cada vez que a provava, me
tornava mais viciado.
E eu não dava a mínima. Pela primeira vez na vida, parecia que os
espaços apertados e escuros no meu peito estavam começando a rachar,
deixando a luz entrar. E tudo isso era por causa dessa garota. Ela era minha
luz.
— Amon? — Ela me encarou com aqueles olhos azuis que tiravam
meu maldito fôlego. Toda. Santa. Vez. — Está tudo bem?
— Sim, — garanti. Não queria dizer que estava sonhando
acordado. Isso só acontecia com ela. — Vamos pegar meu avião para Paris,
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e, chegando lá, quero te mostrar onde moro.
As bochechas dela coraram. — Eu adoraria.
Inclinei-me e capturei sua boca. Beijá-la era viver, e me peguei
pensando no quão ridículo seria pedir para ela morar comigo só para poder
beijá-la todas as manhãs e todas as noites.
Quando me afastei, seus lábios estavam inchados e seus olhos
carregados de desejo e amor. Ela me amava. Nenhuma mulher havia me dado
seu amor tão livremente. Eu nem achava que isso era possível. E não eram
apenas as palavras dela, mas as ações. Era como se ela quisesse dar e dar, e,
como o bastardo ganancioso que sou, eu pegava tudo.
— Certo, garota canela, — mordi de leve seu lábio, marcando-a
— vamos para Paris, e então você vai ficar comigo. — Possivelmente para
sempre.
O sorriso dela me cegou, e não resisti a outro selinho antes de
fechar a porta e contornar o carro para o lado do motorista. Ela já estava
conectando o telefone no Bluetooth e colocando uma música.
— Está tudo bem assim?
— Qualquer coisa por você.
Engatei o carro e deixei meu iate ancorado no retrovisor. Enquanto
dirigia por Mônaco, refleti sobre o quanto as coisas haviam mudado nas
últimas semanas. O pedaço de papel que minha mãe queria e minha vingança
mal rondavam mais a minha mente. Em vez disso, essa garota consumia
todos os meus pensamentos. Eu precisaria contar a verdade ao pai dela e à
minha família mais cedo ou mais tarde.
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Franzi a testa, lembrando das últimas palavras da minha mãe:
Romero não vai aprovar, e eu também não.
Eles teriam que aceitar. Eu havia acumulado favores suficientes ao
longo dos anos para encerrar os negócios de Romero de vez. Então, se ele
quisesse manter a posição na Omertà, ele cederia. Eventualmente.
Minha mãe era um caso à parte. Talvez fosse hora de apresentar as
duas mulheres para que ela percebesse que Reina não era nada como a
família dela. Mamãe podia ser teimosa quando queria, mas acabaria cedendo.
Se Reina conseguia fazer Dante sorrir, conseguiria fazer minha mãe sorrir
também.
Lancei um olhar para minha garota e encontrei seu rosto voltado
para o sol, com uma expressão de pura felicidade. Meus lábios se curvaram,
e toda angústia em relação à minha família - e à dela - desapareceu. As
paisagens ao nosso redor não eram nada comparadas a ela.
Ela era como uma lufada de ar fresco. Um raio de sol rompendo
nuvens carregadas. Eu sabia que abrir mão dela não era uma opção.
Parei no semáforo e admirei seu perfil. O sol refletia naqueles
longos cachos selvagens, fazendo-os parecer fios de ouro. Seu pescoço
formava uma curva graciosa e ela carregava uma confiança que ofuscava a
própria juventude.
— Adorei a capota abaixada, — Reina sorriu, empurrando os fios
soltos do rosto. — Phoenix e eu temos um Jeep lá na Califórnia. Sinto falta
de dirigir.
Na verdade, dirigir com a capota abaixada era uma idiotice - e
perigoso na minha profissão -, mas eu me via incapaz de negar qualquer coisa
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a ela.
— Vocês dividem um carro?
Ela assentiu. — Sim. Fomos para a faculdade logo depois que tirei
a carteira. Parecia besteira cada uma ter o seu, já que só voltávamos para casa
nos feriados.
— É a sua primeira vez no Mônaco? — ela perguntou, os olhos
voltando-se para explorar o lugar conhecido como playground dos ricos e
famosos.
Mônaco, o belo pequeno país soberano, localizado na costa norte
do Mar Mediterrâneo. Apesar de ser a segunda menor nação do mundo,
sempre vibrava de vida e brilhava em opulência. Mas por baixo de toda
aquela riqueza, escondia corrupção. Como qualquer outra cidade do mundo.
— Não, — respondi. Eu era dono de alguns cassinos e hotéis ali,
mas ela não precisava saber disso.
Ela virou a cabeça, inclinando-a pensativamente. Ela irradiava, e
não apenas pela forma como o cabelo brilhava à luz. Era o coração dela.
— Você faz negócios aqui também?
— Talvez.
Ela revirou os olhos. — Tudo bem. Fique com seus segredos. —
O canto da minha boca se curvou. — E onde você mora em Paris?
— Não muito longe de você.
Reina se sentou mais ereta. — Sério?
— Sim.
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Um lampejo de preocupação cruzou sua expressão. — Nós não
vamos ficar com o seu irmão, vamos? Vai ficar um pouco cheio.
Ergui uma sobrancelha para ela. — Você vive com mais quatro
garotas no seu apartamento todo dia.
Ela sorriu. — Exatamente. — Depois voltou os olhos para a cidade
e para as praias artificiais. — Este lugar sempre parece tão movimentado.
— Já esteve aqui antes?
— Sim, a vovó se casou aqui, — murmurou. — Mas não deu para
ver muita coisa além do interior do hotel. Phoenix e eu tentamos sair
escondidas, mas fomos pegas toda vez.
Soltei uma risada, tentando imaginar a cena. — Seu pai não
colocou seguranças em vocês?
Eu tinha ouvido falar sobre o casamento da avó dela, que a ligava
a uma das famílias inglesas mais antigas. O Duque de Glasgow. O mundo
tinha comparado aquela união à de Grace Kelly com o Príncipe do Mônaco,
embora em uma fase muito mais avançada da vida.
— Vovó é contra ter seguranças. — E isso não me surpreendia. A
avó dela foi uma das maiores lendas de Hollywood do seu tempo, e não era
segredo que ela desaprovou o casamento da filha com Romero desde o início.
Sua família vinha de duas gerações e era considerada realeza de Hollywood,
então ela foi rápida em desprezá-lo e sua ligação com o submundo do crime.
E quem poderia culpá-la pela feroz proteção que demonstrava?
Era algo que ninguém parecia entender direito: o poder que a agora
Duquesa de Glasgow exercia sobre Romero. Ela controlava a fortuna das
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netas e suas vidas. Provavelmente era uma coisa boa, porque aquele velho
poderia muito bem ter usado a riqueza delas para pagar dívidas causadas por
decisões de negócios idiotas.
— Então, vai ser só nós dois na sua casa? — ela insistiu.
Meus lábios se curvaram. — Sim, só nós.
— Ótimo.
— Mesmo? — Ela assentiu, sorrindo amplamente. — Por que isso
é bom?
Ela revirou os olhos, o brilho da travessura acendendo neles.
— Porque quero mais sexo.
A voz dela era confiante, mas um rubor se espalhou por sua pele
cremosa, e eu não consegui evitar sorrir como um adolescente prestes a se
dar bem. Por isso, talvez eu até dirigisse um pouco mais rápido para voltar
logo a Paris.
Uma música country começou a tocar pelos alto-falantes do carro
e Reina cantou junto, sua voz suave e melodiosa.
Toda a tensão acumulada se dissipava enquanto ela cruzava as
pernas, me provocando a parar o carro no acostamento e tomá-la ali mesmo.
Eu era um bastardo ganancioso. Não era só o corpo dela que eu precisava -
eram os gemidos suaves, o olhar apaixonado, as palavras.
Ela deixou à mostra ainda mais das coxas suaves e meu coração
bateu no meu pau. Eu já conhecia cada curva e contorno dela de cor, e a
imagem mental queimava na minha cabeça. Reina tinha o corpo mais
perfeito para pecar, mas eram os olhos - doces e inocentes - e o coração dela
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que atravessavam meu peito.
Só a ideia de ela olhar para outro homem daquele jeito queimava
minha garganta e deixava um gosto ácido na boca.
Ela era minha. A risada, os medos, as dores e as alegrias. Cada
centímetro do seu corpo, coração e alma era meu, assim como cada parte de
mim era dela.
E eu travaria uma guerra contra quem ousasse tirá-la de mim.
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CAPÍTULO 49
REINA
Eu estava no apartamento dele havia dois dias e três noites.
Não tínhamos colocado os pés para fora desde que voltamos a
Paris. Nossas únicas interações com o mundo exterior eram minhas respostas
às meninas dizendo que estava bem enquanto elas me zoavam por causa do
excesso de sexo, e Amon pedindo comida por delivery.
Ele pediu comida japonesa da Oba na primeira noite, mandou
entregar e depois me deu na boca. Nem conseguimos terminar a refeição
antes de ele se jogar em cima de mim, me penetrando. Tentamos assistir a
um filme, e com menos de quinze minutos acabamos na mesa de centro,
minhas pernas apoiadas em seus ombros e a cabeça dele enterrada no meio
das minhas pernas. E os banhos eram ainda piores. Ou melhores, devo dizer.
Na terceira noite, o suor escorria em filetes pelas minhas costas e
meus cachos estavam úmidos, grudando na pele. Cada centímetro do meu
corpo estava mole, os músculos como gelatina, enquanto Amon e eu
experimentávamos todas as posições sexuais que conseguíamos imaginar.
Até pedi para ele dar uns tapas na minha bunda. Não foi tão empolgante
assim, mas o resto das coisas que tentamos foi eletrizante.
Também já tínhamos usado uma caixa inteira de preservativos.
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Segurando meus quadris, ele alinhou a cabeça do seu pau à minha
entrada. Deslizou seu membro quente sobre a minha boceta, me provocando.
— Amon, — gemi, empinando a bunda enquanto ele me penetrava.
— Por favor, preciso de você.
Eu estava tão molhada que ele entrou em mim com facilidade, me
preenchendo perfeitamente. Investiu com força, me fodendo como um louco.
A cada estocada, meus olhos reviravam e todos os pensamentos se desfaziam.
Curvada sobre a mesa da cozinha, minhas pernas tremiam enquanto ele me
comia tão intensamente que as dobradiças rangiam em protesto. Meus seios
prensados contra a superfície fria, os músculos quentes dele colados às
minhas costas, ele me fodia com força. Tomando tudo. Me dando tudo.
— Tão boa, — ele murmurou contra meu ouvido, mordiscando
meu lóbulo. — Aceita tudo de mim.
Meus gemidos vibravam, ecoando nos armários, nas pastilhas e
nas portas de vidro que nos davam uma visão completa da cidade.
Minha pele pegava fogo. Ele me fodia com tanta intensidade que
eu ainda sentiria aquilo na semana seguinte. Amon tinha uma resistência que
parecia infinita - para minha alegria.
Ele desacelerou os movimentos e arfou:
— Quem é que está te fodendo?
— Você, Amon, — ofeguei. Eu estava tão quente que mal
conseguia respirar. E não tinha nada a ver com o calor do verão - era tudo
por causa daquele homem. — Por favor, quero gozar.
Ele mordeu meu pescoço. — Ainda não, amor.
Eva Winners BITTER PRINCE
Soltei um gemido sofrido, pressionando a bochecha contra a
superfície fria e dura. — Meu Deus, eu preciso...
Ele passou o braço por mim e enfiou a mão entre minhas coxas.
Circulou meu clitóris com os dedos e começou a me foder mais forte e mais
rápido.
Mordiscou meu pescoço. — Você vai aguentar tudo. Por mim.
Suspirei, virando o rosto para lhe dar mais acesso. Seus lábios
encontraram os meus num beijo desordenado. Ele desacelerou os
movimentos, me fodendo no ritmo perfeito. Minha mão contornou seu corpo
e agarrou o cabelo dele. Ele gemeu contra minha boca, me penetrando.
Profundo e devagar.
Eu amava a sensação dele. De qualquer jeito, em qualquer posição.
Não achava que um dia me cansaria - não importava quanto eu o tocasse ou
o tivesse por perto.
— Diga de novo, garota canela, — ele exigiu contra meus lábios.
— Eu te amo, — gemi.
Ele sugou meu lábio inferior e o soltou com uma leve mordida.
Seus olhos ficaram semicerrados.
— Você é minha. — Ele pontuou a frase com uma estocada que
me arrancou um gemido.
Era tão fácil esquecer o mundo lá fora com ele dentro de mim. Sua
boca desceu pelo meu pescoço, deixando um rastro quente e molhado
enquanto ele me fodia com uma calma deliberada, como se tivesse a
eternidade inteira para isso. Tentei piscar e sair da névoa de prazer.
Eva Winners BITTER PRINCE
— Sim, sua, — sussurrei. — Você é meu?
A escuridão tomou seus olhos e sua mão envolveu minha garganta,
o polegar deslizando pelas marcas de mordida que ele deixara ali.
— Eu sou seu, garota canela.
Quanto mais ele dizia, mais eu me apaixonava. Então ele me levou
ao limite.
***
Eram sete e cinco quando acordei.
Se eu não voltasse ao meu apartamento, nem que fosse por alguns
minutos, minha irmã mandaria uma equipe de busca atrás de mim.
Cuidadosa para não acordar Amon, deslizei para fora da cama. Estendi a mão
até a caixa de presente embrulhada no criado-mudo e a coloquei sobre o
travesseiro, enquanto um sorriso suave se formava nos meus lábios.
Eu havia encomendado aquilo enquanto ainda estávamos no sul da
França. Só precisei redirecionar o endereço de entrega para o apartamento
dele, e chegou ontem.
Meus pés mal tocaram o tapete quando a voz rouca e sonolenta de
Amon tocou minhas costas.
— Onde você vai? — Meu coração acelerou quando me virei e
encontrei sua cabeça despenteada saindo debaixo das cobertas. — Volta para
a cama.
Soltei um suspiro divertido.
Eva Winners BITTER PRINCE
— Preciso voltar para o meu apartamento, senão as meninas vão
chamar a polícia. Já tive o suficiente de policiais uniformizados por um bom
tempo, obrigada.
Ele riu, sua mão vindo até a minha cintura e me puxando de volta.
Caí sobre ele, suas mãos famintas já percorrendo meu corpo. — Que elas
chamem, então.
Uma risadinha escapou de mim. — Amon...
— Fique comigo mais um pouco, — ele murmurou, tornando
impossível resistir.
— Está bem, só mais um pouquinho, — concordei. — Mas antes,
tenho um presente para você.
Ele ficou imóvel, os olhos percorrendo o meu rosto. Peguei a caixa
e a entreguei a ele, sem conseguir conter o sorriso largo nos lábios.
— Eu sei que seu aniversário é em novembro. Isto não é um
presente de aniversário, — falei seriamente.
Esperei, o coração disparado, observando-o abrir a caixa. Suas
sobrancelhas se ergueram quando ele abriu a tampa.
— É yin e yang, — falei com alegria. — Não pode haver luz sem
sombra. Nem positivo sem negativo. Assim você nunca vai se esquecer de
mim, — provoquei. — Porque eu nunca vou me esquecer de você.
Quando ele permaneceu em silêncio, a insegurança rastejou por
dentro de mim.
— Você gostou?
— Eu amei.
Eva Winners BITTER PRINCE
Ele pegou as pulseiras e me entregou uma.
Balancei a cabeça. — As duas são para você.
— Você é a minha luz, garota canela, — a ternura na voz dele
acariciou cada célula do meu corpo. — Eu serei seu yin enquanto você for
meu yang. Serei seu yang enquanto você for meu yin.
Ele prendeu minha pulseira antes de colocar a dele. Então, segurou
meu rosto com as mãos, deixando suas emoções transbordarem do olhar
escuro.
Minha boca encontrou a dele, meu corpo se moldando ao dele. Era
sempre assim, como se eu não tivesse controle algum sobre mim quando se
tratava desse homem. Eu tinha sido feita só para ele.
Ele me tirou da cama nos braços e nos carregou até o luxuoso
banheiro. A luz tremeluzia pelas janelas, cintilando sobre o espelho gigante
e os balcões de mármore.
Ele me depositou sobre a bancada de mármore da pia, e eu
enrosquei as pernas em volta da cintura dele. Sua mão deslizou do meu
tornozelo até a coxa, subindo lentamente até agarrar meu quadril.
Nós dois estávamos totalmente à vista no espelho. Pele dourada
contra pele clara. Cabelos negros como a meia-noite contra meu loiro. Meu
corpo pequeno contra a estrutura imensa e esculpida dele. Podíamos ser
opostos, mas encaixávamos de forma perfeita.
Dediquei toda a minha atenção a Amon, deslizando as mãos por
seus ombros fortes, descendo pelos bíceps e voltando até o peito. — Você é
lindo, — murmurei, inclinando-me para frente e cobrindo seu peito de beijos.
Eva Winners BITTER PRINCE
Sua mão deslizou sobre meu quadril, deixando um rastro de arrepios, e então
desapareceu entre minhas coxas latejantes.
— Não, garota canela. A linda é você.
Ele enfiou dois dedos no meu centro molhado, como se quisesse
reforçar suas palavras. Um gemido escapou dos meus lábios. Minha pele
corou, e minha testa tombou contra o peito esculpido dele.
— Olhe no espelho, — rosnou ele, segurando meu queixo com
dois dedos e virando minha cabeça. — Quero que veja como eu sou seu dono.
Mordiscou meu lóbulo como se aquilo o deixasse possesso. — E como você
é a dona de mim.
Com a bochecha pressionada contra o coração forte dele, observei
enquanto Amon deslizou os dedos para fora, apenas para empurrá-los de
volta. Aquela onda familiar de prazer me inundou, crescendo lenta mas
implacável. Ele continuava me penetrando com força, os sons da minha
excitação se misturando aos meus gemidos. — Por favor, Amon, — supliquei,
minhas mãos cravando-se em seus ombros.
O ritmo dele beirava a loucura. — Eu não quero deixar você ir, —
rosnou, enquanto enfiava os dedos em mim com mais força.
Meus olhos se fecharam pela metade, mas ainda assim acompanhei
o contorno de seus músculos se contraindo a cada estocada dos dedos. Ele
era magro e definido. De tirar o fôlego - por dentro e por fora.
— E-eu vou voltar, — suspirei. — Prometo. Algumas horas, no
máximo.
Ele encontrou meu olhar no reflexo, e deve ter visto o que
Eva Winners BITTER PRINCE
precisava ali, porque passou os dedos habilidosos pelo meu clitóris, e eu me
desintegrei. Gozei em sua mão com um gemido gutural.
— Sempre volte para mim, garota canela, — sussurrou com a voz
rouca contra meu ouvido, mordendo a carne do meu pescoço e me marcando.
Meu corpo inteiro tremia, a intensidade me fazendo bater os dentes. Eu podia
ter sido virgem antes dele, mas já sabia: ninguém se compararia a esse
homem. Ele me tocava como quem domina um instrumento, e meu corpo só
sabia tocar para ele.
Sua mão desapareceu de entre minhas pernas, mas antes que eu
pudesse protestar, ele levou os dedos até meus lábios entreabertos. Observei
através das pálpebras pesadas enquanto ele espalhava minha excitação sobre
minha boca. Minha língua saiu, passando pelo lábio inferior.
Seu aperto nos meus quadris se intensificou, e os olhos
escureceram mais que a meia-noite. Quando ele me puxou para mais perto,
um arrepio atravessou meu corpo ao sentir seu pau pressionado contra minha
entrada quente.
Ele se enterrou em mim com uma estocada e eu ofeguei. Cada vez
que Amon estava dentro de mim, eu me surpreendia com o quanto aquilo era
bom. Então nós dois congelamos.
— Porra, — dissemos ao mesmo tempo. — Camisinha.
— Você precisa começar a tomar a pílula, — ele grunhiu, saindo
apenas para voltar com força total.
Minha cabeça tombou para trás com um gemido diante da
sensação.
Eva Winners BITTER PRINCE
— E-eu tenho… só continuo esquecendo… — Outra estocada. —
De tomar.
Ele deslizou quase completamente para fora de mim antes de se
enterrar outra vez.
— Ahhh… Deus, isso é tão bom.
Meu corpo estremeceu, em guerra com minha mente. Aquilo era
arriscado. Tão estúpido.
— A-a gente devia…
A estocada seguinte me fez esquecer tudo, menos minha fome por
prazer. Ele pegou minhas mãos e as posicionou ao lado do meu corpo.
— Inclina para trás e se segura.
O espaço em V entre nós nos dava uma visão clara de seu pau
deslizando dentro e fora das minhas dobras.
— Sua boceta está estrangulando meu pau, — grunhiu. — Mmm.
Você é o paraíso para o meu inferno.
Ele me fodia rápido e forte, fazendo meu corpo queimar.
Observava meus seios saltarem com um olhar enlouquecido. O suor escorria
pela minha pele. Apesar do orgasmo que eu já tinha tido, bastaram algumas
estocadas para o prazer começar a crescer de novo. Mais forte, arrancando
gemidos da minha boca e espalhando-os pelo ar.
Minha pele suada, corada, e meu corpo se moldava ao dele,
acolhendo cada estocada como se fosse feita para isso.
— Você será sempre minha.
Eva Winners BITTER PRINCE
O tom escuro e possessivo da voz dele provocou um arrepio em
mim enquanto ele me penetrava com força, alimentando o prazer até que eu
já não soubesse onde ele terminava e eu começava. O ritmo era mais intenso
dessa vez, como se ele temesse que nunca mais teríamos aquilo de novo.
Minhas pernas ainda enroscadas ao redor dele, cada estocada vinha fundo,
acertando aquele ponto perfeito.
Uma das mãos dele envolveu minha garganta, e meus olhos
buscaram os dele. O gesto me deixou vulnerável, completamente à mercê
dele. Mas o olhar que me lançou deixava claro que ele nunca me machucaria.
Aquela combinação era de outro mundo.
— Está tudo bem?
Assenti.
Ele se inclinou e tomou meus lábios num beijo molhado,
desajeitado. — Boa garota.
Então ele me devorou viva. Nossos corpos se moldaram um ao
outro. Minha bunda se chocava contra a bancada de mármore com a força
das estocadas. A ardência da dor se misturava ao prazer até que o êxtase me
atravessou de uma vez.
Gritei. Sua mão apertou mais a minha garganta.
— Olhe para mim.
Por entre pálpebras pesadas, mantive o olhar nele enquanto ele me
fodia através do orgasmo. Ele ia mais fundo, quase se retirando por completo
apenas para se enterrar de novo, uma e outra vez.
Ele me fodia sem parar, se lançando contra mim como um homem
Eva Winners BITTER PRINCE
possuído.
Minhas coxas estavam pegajosas com minha excitação e sua mão
em minha garganta me mantinha no lugar até que outro orgasmo se formou
no meu centro e explodiu através do meu corpo.
— Isso, — Amon rosnou, estocando com mais força por alguns
movimentos até jorrar dentro de mim.
Eu estremecia enquanto seu pau pulsava entre minhas paredes.
— Minha.
— Sua.
Eva Winners BITTER PRINCE
CAPÍTULO 50
AMON
A campainha tocou e corri para atender.
Trinta minutos haviam se passado desde que Reina saíra para
buscar suas coisas no apartamento e dar notícias às garotas. Eu queria
acompanhá-la até em casa, mas ela insistiu que não. Então aceitei o que me
restava. Com o mesmo cara ainda seguindo-a, ela permaneceu ao telefone
comigo o caminho todo até entrar no apartamento.
— Não demore, garota canela, — provoquei, já sentindo sua falta.
A risada suave dela atravessou a linha. — Não vou demorar. Talvez
possamos pedir comida japonesa de novo. Eu até deixo você colocar alguns
rolinhos de sushi no meu corpo nu. — Meu pau endureceu com a imagem
que suas palavras criaram. — Mas antes, preciso lidar com as meninas.
Eu gostava do quanto elas eram protetoras com ela, mas era
desnecessário. Eu envolveria Reina numa bolha e jamais a deixaria sair se
isso significasse mantê-la segura. Que se danassem todos os outros.
A campainha tocou de novo e xinguei em silêncio. Estava tão
perdido em devaneios sobre Reina que esqueci do toque anterior. Abri a porta
esperando ver cachos loiros e olhos azuis, mesmo sabendo exatamente onde
ela estava.
Eva Winners BITTER PRINCE
Em vez disso, encontrei minha mãe, parada à soleira, usando um
quimono rosa-claro e com as mãos cruzadas diante do corpo. Ela parecia o
retrato da graça e da serenidade, mas os nós brancos nos dedos a traíam. Ela
os cerrava com tanta força que estavam pálidos.
— Mamãe. — Inclinei a cabeça e beijei sua bochecha estendida.
— Não sabia que estava de volta a Paris. — Ela entrou no meu apartamento.
Meus olhos se voltaram para trás dela, onde Hiroshi permanecia parado. O
último andar inteiro do prédio era meu, então não havia chance de ele estar
ali por outra pessoa. Não que ele se relacionasse com muitos estranhos. —
Você também?
Ele parecia sombrio. Merda, eu realmente não estava com
paciência para isso hoje. — Podemos entrar, musuko? — Sempre que ela me
chamava de filho em japonês, um alerta subia pela minha espinha.
Abri mais a porta e minha mãe entrou. Esperei Hiroshi seguir, mas
ele apenas sacudiu a cabeça de forma ríspida. Ótimo. Mal podia esperar para
descobrir do que se tratava aquilo.
Fechei a porta e encarei os olhos da minha mãe. — O que está
acontecendo?
— Você e a garota Romero.
Foi chocante ver minha mãe tão direta. Normalmente, era do tipo
que contornava o assunto com delicadeza.
— O que tem? — perguntei, minha voz saindo mais ríspida do que
deveria.
Os olhos dela passaram por cima do meu ombro, examinando o
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ambiente. O perfume de Reina ainda pairava no ar. Suas roupas cor-de-rosa
estavam espalhadas em cantos aleatórios. Até uma revista de moda lida pela
metade, abandonada porque eu a distraira passando as mãos em seu corpo.
Não era preciso ser um gênio para entender o que vinha
acontecendo ali, e estava claro que minha mãe entendeu perfeitamente.
Ela se virou, com tempestades e fúria nos olhos. — Achei que
tivesse sido clara ao dizer que não aprovo você com Reina Romero.
Dei de ombros. — Foi, sim.
— Amon...
— Mamãe, vou interrompê-la aqui. — Jamais havia cortado minha
mãe em todos os meus vinte e três anos. Era falta de respeito. Mas abrir mão
de Reina não era uma opção. — Reina não é o pai dela. Nem ninguém além
dela mesma. É uma boa pessoa, e é minha. — Minha mãe se encolheu como
se eu tivesse lhe dado um tapa. — Dê uma chance a ela, e sei que vai amá-la
tanto quanto eu.
O rosto da minha mãe empalideceu e ela levou a mão à boca. —
Amon, não.
— Sim. — Minha voz foi firme, claramente indicando que não
havia espaço para negociação. — Quer um pouco de chá?
Isso sempre a fazia se sentir melhor. Esperando um ‘sim’, fui até a
cozinha e comecei o ritual. Ela demorou alguns segundos antes de me seguir,
os passos suaves no chão.
— Amon, por favor. — A voz dela falhou, e fui forçado a me virar
para encará-la. Eu odiava vê-la abalada. — Você precisa terminar com ela.
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Seu lábio tremeu e meu coração se apertou. Se ao menos ela desse
uma chance a Reina, acabaria se apaixonando por ela. Eu sabia disso.
Ganharia uma filha, e as duas se dariam bem, apesar das diferenças. Talvez
pudessem começar pelo amor mútuo à cor rosa.
— Não. — Foi seco. Só a ideia de não ver Reina de novo me fazia
doer o peito com uma intensidade que roubava meu fôlego. Um soluço baixo
preencheu o espaço, e eu encarei minha mãe, que raramente chorava. Uma
única lágrima escorreu por sua bochecha e eu agi de imediato. Segurei sua
mão, tentando suavizar minhas palavras. — Pelo menos tente conhecê-la,
mamãe. Eu garanto que vai gostar dela. Vai amá-la, até, como se fosse sua
filha.
Ela balançou a cabeça. — Não vou. — A frustração arranhou meu
peito, mas ignorei. — Não quero ver você magoado, musuko. — Estremeci.
— Então dê uma chance a ela, — insisti. — Eu a amo. Quero
seguir em frente, porque sei que ela é a mulher certa para mim.
Outro soluço escapou dos lábios da minha mãe, rachando os
pedaços do meu coração que o amor de Reina começara a curar.
— Eu deveria ter contado antes, — murmurou, com uma expressão
desesperada no rosto. — A culpa é toda minha.
— Você não está fazendo sentido.
— Termine com Reina Romero, — insistiu ela, e soltei sua mão,
dando um passo para trás. Meu maxilar se fechou com tanta força que temi
que trincasse. Mas o verdadeiro golpe veio com as palavras seguintes da
minha mãe: — Você precisa terminar com ela porque Tomaso Romero é seu
pai.
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A declaração pairou no ar, envolvendo o cômodo num silêncio
espesso. Sufocante. Doentio. Pesava sobre o meu peito e eu esperei. Pelo quê,
eu não sabia. Talvez por esperança. Ou pela admissão de uma piada de mau
gosto.
Nada veio.
Minha mãe torcia as mãos nervosamente, os olhos queimando o
lado do meu rosto. Com uma calma antinatural, encarei seu olhar. Minha mãe.
Meu pai. Minha vida. Tudo era uma mentira. Eu tive um vislumbre do
paraíso, apenas para que fosse arrancado de mim.
E isso me deixou vazio.
Dei um leve movimento com a cabeça. Não, não podia ser verdade.
Ela era contra eu ver Reina desde o começo porque ela era uma Romero.
— Você está mentindo, — falei, o tom amargo.
Ela balançou a cabeça. — Nunca menti para você, musuko.
Quando Tomaso me entregou a Angelo e foi embora, eu já estava grávida.
— Como é que é? — Minha voz estava estranhamente calma,
enquanto meu coração e minha alma fervilhavam com uma tempestade que
ameaçava me afogar.
— Você é filho de Tomaso Romero. Reina é sua meia-irmã.
Eu queria acordar. Queria qualquer sinal, qualquer evidência de
que aquilo era mentira. Mas não havia. Eu via a verdade nos olhos dela. O
desespero. A dor. E mesmo assim, nada disso arranhava a superfície daquilo
que eu sentia no peito.
Eu havia perdido a melhor coisa que já me acontecera, enquanto o
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cheiro de canela ainda pairava no ar, zombando de mim junto com todas as
merdas que fizemos.
— Há quanto tempo você sabe?
— Desde sempre, — ela sussurrou sua confissão, a voz falhando.
Mas o meu coração se partiu mais. Ela poderia ter evitado isso e
não o fez. Ela deveria ter me contado.
— Sou a única que sabe.
Pela primeira vez na vida, o silêncio entre mim e minha mãe era
pesado e carregado de ressentimento. Não porque não houvesse nada a dizer,
mas porque nenhuma palavra mudaria aquilo. Nenhuma palavra poderia
apagar o fato de que Reina Romero era minha meia-irmã.
Algo apertou na minha garganta e me perfurou bem no maldito
peito.
— Saia, — murmurei, o tom frio se espalhando pelo ambiente,
prestes a estourar.
— Amon...
Dois momentos silenciosos se passaram.
— Saia. Agora.
Ela se levantou e se moveu com a graça de sempre, o quimono rosa
zombando de mim enquanto ela deixava meu apartamento. No momento em
que a porta se fechou atrás dela, minha fúria se soltou, uma névoa vermelha
tomando meu cérebro.
Antes que eu percebesse, estava virando a mesa onde transei com
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Reina naquela mesma manhã com as duas mãos, o vaso com flores voando
e se espatifando no chão. Levantei uma cadeira e a lancei do outro lado do
cômodo, deixando-a estourar contra a janela e abrindo uma fenda no vidro.
Entrei em surto, cego, determinado a destruir tudo em meu caminho. Queria
cada item naquele apartamento quebrado em um milhão de pedaços, assim
como meu coração.
Destruí minha cozinha. Quebrei cada móvel, destruí a cama,
rasguei os lençóis. Não conseguia apagar a imagem de Reina no meu
apartamento. Por cima de mim. Debaixo de mim. Gemendo. Se contorcendo.
Sua meia-irmã.
Enterrei as mãos no cabelo e puxei com força, desmoronando.
Tudo aquilo estava errado. Como era possível sentir isso pela minha meia-
irmã?
Eu não sabia como sobreviveria a isso, mas sabia de uma coisa.
Ela nunca poderia saber. Reina jamais poderia saber. Vasculhei o
apartamento em busca do meu celular e o encontrei no canto da sala, por
milagre ainda inteiro.
Abri o contato da minha mãe e digitei uma mensagem:
Ninguém pode saber. Nem mesmo Dante.
A resposta veio instantaneamente:
Eu prometo, musuko.
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Com as costas encostadas na parede, escorreguei até o chão. Minha
respiração era pesada, a névoa ainda preenchia meu cérebro, mas aos poucos
começou a clarear. Meus olhos caíram sobre o vidro estilhaçado da moldura
com a foto que Reina havia me dado dias atrás.
Ela nunca deveria ter sido minha.
Nós antes deles. Acho que a piada estava em mim quando fizemos
aquele juramento.
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CAPÍTULO 51
REINA
— O que você quer dizer com isso de que vai voltar para o
apartamento de Amon? — Isla cruzou os braços e me lançou um olhar
reprovador.
— Você vai ficar aqui ou eu conto para a vovó, — Phoenix
sinalizou, manchas vermelhas de raiva pipocando em seu rosto. E, como se
essa ameaça não bastasse, acrescentou: — Ou para o papai.
Eu mal tinha colocado os pés no apartamento quando minha irmã
e minhas amigas me cercaram, mas não pararam por aí. Fizeram-me sentar
enquanto uma onda de indignação descia pela minha espinha.
— Eu entendo que você esteja obcecada por sexo agora, — Raven
acrescentou, — mas não pode simplesmente estacionar na casa dele e ficar
dando para ele dia e noite.
— Talvez seja ele quem esteja dando para mim, — murmurei,
baixinho.
— Você está se protegendo, certo? — Isla perguntou, estreitando
os olhos para mim. — Está usando preservativo.
Dessa vez foi o meu rosto que ficou manchado, e senti o calor se
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espalhar por toda a pele.
— Sim, — respondi entre dentes, envergonhada pela mentira. Se
eu admitisse que tinha havido uma ou duas vezes em que esquecemos, elas
me trancariam no quarto. — Isso não está certo, — resmunguei enquanto
sinalizava. — Ninguém mais é interrogada sobre garotos neste grupo além
de mim.
Raven arqueou a sobrancelha.
— Você está brincando, né? Essas três praticamente me deram um
sermão.
Revirei os olhos. — Duvido.
— Você dormiu, — Athena acrescentou. — Acho que estava
cansada demais para ouvir a Raven falar do irlandês gostoso dela.
— Ainda não conheci um irlandês gostoso, — murmurei. —
Homens ruivos não são o meu tipo.
Todas riram, menos Raven.
— Primeiro: se você prestasse atenção, saberia que ele tem cabelo
escuro. — A sobrancelha dela arqueou ainda mais, chegando à linha do
cabelo. — E apesar das habilidades dele na cama serem impressionantes, se
eu o vir de novo, vai acabar com as costelas quebradas e em coma por um
mês.
— Uhhh, impressionantes, — Phoenix balançou a cabeça,
enquanto Athena e Isla trocavam olhares. — Melhor começarmos a
economizar para pagar a fiança.
Não era a primeira vez que discutiam sobre o estranho misterioso
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que partiu o coração de Raven. Perguntei o nome dele para Phoenix, mas ela
disse que não sabia. Ninguém sabia, porque Raven se recusava a contar. Ele
machucou nossa amiga e ela não lidou bem com isso.
Nem preciso dizer que nunca mais o viu.
Meu estômago afundou só de pensar em nunca mais ver Amon.
Era algo que eu jamais suportaria.
— Bom, foi ótimo conversar com vocês, — disse, me levantando.
— Mas eu...
— Sente-se de novo, — Phoenix ordenou.
— Tão mandona, — murmurei.
— Primeiro: você não vai se mudar para a casa dele, — começou
ela, contando nos dedos. — Segundo: vamos impor um limite ao tempo que
você passa com os irmãos Leone.
Phoenix não entenderia. Ela nunca esteve apaixonada. Amon tinha
meu coração há doze anos. Eu não conseguia respirar sem ele. Meu mundo
começava e terminava nele.
Endireitei a postura e encarei minha irmã. — Vou passar o tempo
que quiser com ele, e ninguém nunca falou em me mudar para a casa dele.
Isla tentou apaziguar. — Reina, você ficar com ele por três dias
seguidos em vez de voltar para casa quase soa como se tivesse se mudado.
— Não sufoque os homens, — Athena tentou ajudar. — Eles não
gostam de namoradas pegajosas.
Soltei um suspiro frustrado. — Eu não sou pegajosa.
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— Ninguém está dizendo que você é, — Raven ponderou. — Mas
não deixe ele pensar que você está demais na dele. Deixe-o suar um pouco,
depois volte para mais uma transa.
Fiquei mexendo no colar. Nenhuma delas fazia sentido. Qual o
objetivo de fingir que eu não o queria? Não mudaria nada. A gente era
diferente.
— Eu disse que voltaria para ele hoje, — retruquei, teimosa. — E
vou voltar.
— Reina, por favor, seja razoável. Sei que parece romântico, mas...
— Não seja covarde, — Raven me instigou. — Seja uma mulher
independente. Mantenha sua posição.
Virei para Raven e a encarei.
— Eu não sou covarde, — rebati entre dentes. — E vou manter
minha posição quando houver motivo para isso. — Balancei a cabeça,
irritada com minhas amigas superprotetoras. — Só vou pegar umas coisas e
voltar para o apartamento de Amon.
Me levantei de um salto e, quando Isla abriu a boca, ergui a palma
da mão. — Nem tente me convencer do contrário. Eu volto em um ou dois
dias.
Raven estava pronta para discutir, mas Phoenix lançou um olhar
significativo e sinalizou:
— Nem vale a pena. Quanto mais a gente insiste, menos chance
temos de convencê-la.
Fui até meu quarto, peguei minha bolsa da Lilly Pulitzer e comecei
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a colocar uma troca de roupa e alguns itens de higiene pessoal. Amon já havia
comprado tudo o que eu poderia precisar, mas havia algumas coisas extras
que eu queria levar.
Os olhos escuros e intensos de Amon surgiram na minha mente, e
meus movimentos se apressaram. O calor se acumulou na parte baixa do
ventre. Imaginei o sorriso que ele me daria quando eu voltasse, e meu
coração se encheu. Céus, eu estava completamente entregue.
— Deus, ela está tão apaixonada que está sonhando de olhos
abertos.
Os olhares das minhas amigas e a voz de Athena me puxaram de
volta à realidade. Elas tinham me seguido sem que eu percebesse.
— Não há nada de errado em estar apaixonada, — disse,
sinalizando ao mesmo tempo, erguendo o queixo com teimosia. — Você até
escreve sobre isso, Athena, e todas nós lemos. Então fiquem felizes por mim
e parem de me importunar.
Phoenix suspirou. As outras também. As covinhas nas bochechas
de Raven apareceram, embora a preocupação ainda estivesse presente nos
olhos dela. Ela havia se machucado e isso a tornava cautelosa. Eu entendia,
mas não concordava.
Eu tinha um plano para voltar até Amon, e pretendia cumpri-lo.
***
Duas horas depois, eu estava diante do apartamento de cobertura
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dele, com o coração disparado e um grande sorriso no rosto. Ele disse que
deixaria a porta aberta, então entrei no saguão fresco, com ar-condicionado,
e encontrei tudo silencioso e em desordem.
— Amon? — chamei.
Uma mulher saiu do quarto, e foi como levar um soco no estômago.
Minha bolsa escorregou do ombro e caiu no chão com um baque alto.
— Quem é você? — Talvez fosse a faxineira de Amon, embora
parecesse bonita demais - e jovem demais - para isso. Tinha a pele dourada
e olhos escuros. Maçãs do rosto altas. Era alta, graciosa, e tão diferente de
mim.
— Amon está...
Ela não terminou a frase. Amon saiu do quarto, o cabelo
desgrenhado e um olhar insano nos olhos. Seus passos vacilaram ao me ver,
e eu soube imediatamente que havia algo errado. Ele não me olhava da
mesma forma. Não havia suavidade, nem estrelas em seu olhar.
Um silêncio doloroso e sufocante se estendeu entre nós antes que
ele dissesse: — O que está fazendo aqui, Reina?
Meu coração batia tão forte que eu tinha certeza de que sairia com
hematomas. — Eu prometi que voltaria. — Havia aspereza na minha voz.
Minhas mãos tremiam. A dor latejava no meu peito. — O-o que está
acontecendo?
Meus olhos se voltaram para a mulher ao lado dele, depois para o
apartamento, que já vira dias melhores.
— Nada. — Suas mãos se cerraram em punhos. — Você não
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deveria estar aqui.
Meus olhos arderam e meu nariz formigou. — Você disse para eu
voltar.
Fogo brilhou na escuridão do olhar dele. — Eu não quero mais
você aqui.
— O-o quê?
— Eu. Não. Quero. Você. — Um músculo se contraiu em sua
mandíbula. — Eu não quero você aqui.
Foi preciso reunir cada grama de força para engolir o nó na
garganta. Eu não quero você. Eu não quero você.
As palavras ecoaram no meu crânio, perfurando meu cérebro. Eu
queria gritar até minha garganta ficar em carne viva, mas não encontrei
forças.
— V-você não ... me quer. — minha voz falhou, uma lágrima
escorreu pelo meu rosto.
O estalo do meu coração foi audível no silêncio do apartamento.
Espalhou-se, lenta e inevitavelmente. O ar crepitava com milhares de
chicotadas. Ele não me queria. Não havia nada neste mundo que pudesse
doer mais do que ouvir aquelas palavras saírem dos lábios que me beijaram
há poucas horas. Que me imploraram para voltar.
— Alguma parte disso foi real? — perguntei, rouca, enquanto
minha garganta se apertava com dor. — Ou foi tudo uma mentira? Cada
palavra. Cada... — Toque. — Sou assim tão fácil de deixar, meu príncipe
amargo?
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O nó cresceu e o oxigênio rareou.
— Sim.
— Mas eu te amo, — gemi, desesperada por me agarrar a algo. Eu
não estava pronta para isso. Mas, lá no fundo, sabia que estava sendo uma
tola romântica e ingênua.
— Esqueça-me. — Ele usava uma máscara sombria e impassível,
e eu sabia que suas palavras e este momento me assombrariam para sempre.
— Vá amar outra pessoa.
— Eu... eu não quero amar outra pessoa. — O nó na garganta
cresceu, meu coração batia oco e minha alma se despedaçava a cada segundo
que passava, mas não vieram mais lágrimas. — Eu te amo.
Ele era tudo para mim. Meu sonho. E agora estava se tornando
meu pesadelo, a cada segundo que passava e a cada palavra cruel
pronunciada.
— Você não foi feita para mim. Dê seu amor a outro. — Aquilo só
podia ser um pesadelo. Estávamos felizes esta manhã. Ele me amava esta
manhã. — Esqueça-me, Reina. Foi apenas uma forma de ambos passarmos
o tempo. — Reina. Não sua garota canela.
— Passarmos o tempo? — repeti, atônita, minha mente criando
desculpas e desejando um desfecho diferente.
— Esqueça-me.
Balancei a cabeça. — Assim? — sussurrei, ciente de que estava
me humilhando. A mulher continuava ali, assistindo à cena inteira. Tinha um
lugar na primeira fila do meu primeiro coração partido. — Você não pode
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esquecer isso, — insisti. — Nós.
— Já esqueci. É melhor que você me esqueça também.
Já esqueci você. Quatro palavras simples, e elas queimaram o meu
mundo até reduzi-lo a cinzas. Ele foi meu primeiro. Era para ter sido meu
último.
Ele era o meu livro inteiro, enquanto eu... eu era apenas uma
página no dele. Talvez nem isso - um parágrafo, quem sabe. E ainda assim,
meu coração permanecia ali, esperando contra todas as probabilidades que,
de alguma forma, em algum momento, ele voltaria atrás e diria que eu era o
título do livro dele, assim como ele era o meu.
Engoli o nó na garganta. Precisava me manter inteira, porque sabia
que, se quebrasse, nenhum tipo de cola ou fita conseguiria me remontar.
Ele estava ali, tão perto e ainda assim tão distante, e, pelo seu olhar,
nenhum apelo meu o traria de volta. Ele sempre foi a minha escolha. Eu
sempre o escolheria. Mas, ao que parece, eu nunca fui a dele. Só uma maneira
de passar o tempo.
— Você pode me esquecer, Amon. Mas não pode me dizer o que
fazer. Não pode me dizer... — As palavras cravaram como uma faca no meu
coração e na minha garganta, roubando meu ar. Finalmente consegui forçá-
las para fora. — Não pode me dizer para não te amar.
— É um desperdício.
Porra, como aquilo doeu. O gosto de sangue inundou minha boca.
— Meu amor foi um presente dado livremente. Não quero de volta.
— Minha voz falhou e meu lábio tremeu. Na verdade, todo o meu corpo
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tremia. — Então aceite esse presente, príncipe amargo, e segure-o com força.
É o meu último, e que... que ele o mantenha são em sua jornada. Adeus,
Amon.
Deixei-o em silêncio, enquanto meu coração se despedaçava em
um milhão de pedaços. A vida sem ele parecia surreal, como um pesadelo
vívido do qual eu não conseguia acordar.
Um passo de cada vez, contive as lágrimas enquanto minha vida
ardia em chamas e me deixava com nada além de dor.
Eu teria de continuar andando para sobreviver a esta vida ou
acabaria como minha mãe.
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CAPÍTULO 52
AMON
Observei Reina partir, o peito se retorcendo em agonia.
Foi a primeira vez que a vi sem um sorriso, e fui eu quem causou
isso. Foi tudo culpa minha. Eu comecei e eu terminei essa merda.
Eu. Terminei. Com ela.
Eu não podia contar o motivo. Para o bem de nós dois, era melhor
manter o segredo. Se ela soubesse, aquilo a destruiria. Então eu carregaria
esse peso sozinho. Ela se recuperaria do coração partido. Mas não se
recuperaria se descobrisse que éramos meio-irmãos.
Meu estômago revirou, como acontecia toda vez que eu pensava
nisso, e empurrei essa verdade para o canto mais profundo da minha alma.
Enquanto a via partir em silêncio, o som do meu coração se
partindo ecoava mais alto do que jamais ouvira.
A vontade de correr atrás dela, envolvê-la nos braços e nunca mais
soltá-la rasgava meu peito. Mas era errado. Ela era minha meia-irmã. Todos
esses sentimentos estavam distorcidos dentro de mim.
— Vá embora. — Minha voz saiu plana. Fria. Completamente
errada.
Eva Winners BITTER PRINCE
— Achei que poderíamos…
— Vá embora, — rugi. Eu não queria essa mulher. Eu não me
importava com ela. Apenas a usei para afastar Reina. Para protegê-la do
conhecimento de que ela dormiu com seu…
A bile subiu pela minha garganta e tropecei até o banheiro,
chegando a tempo de esvaziar o conteúdo do estômago. Ouvi a porta do
apartamento se fechar no instante em que soltei um suspiro trêmulo.
Dei descarga e me levantei, encarando meu reflexo no espelho.
Ainda era o mesmo... e ao mesmo tempo tão diferente. Baixei o olhar para o
peito, esperando ver um buraco, porque era como se tivessem arrancado meu
coração.
Eu odiava essa sensação. Era o inferno. Agonia. O pior tipo de
condenação.
— Irmão. — Dante apareceu na porta do banheiro. Foi só então
que me atingiu. Eu não era irmão dele, e ainda assim aquele laço fraterno se
recusava a enfraquecer. Crescemos juntos. Sofremos com a ira de nosso pai
juntos. Minha mãe nos criou. Juntos.
Foi nesse momento que decidi: Dante nunca poderia saber.
Limpei a boca com as costas da mão. — O que você está fazendo
aqui?
Ele se apoiou no batente da porta, enfiando as mãos nos bolsos. —
Mamãe disse que você precisava de mim. — Seu olhar se desviou para o
vaso sanitário, depois voltou para mim. — Está doente?
Endireitei-me completamente. — Não.
Eva Winners BITTER PRINCE
— Graças a Deus, — murmurou. — Não estou com humor para
bancar o enfermeiro.
Fui até a pia e vi a escova de dentes rosa de Reina. A dor dilacerou
minhas entranhas. Peguei aquela porra e joguei no lixo.
Esta vida seria meu inferno particular, mas eu estaria condenado
se deixasse os Romero vencerem. Transformaria toda essa raiva e agonia em
indiferença gélida e construiria um império capaz de destruir todos os outros.
O fogo em minhas veias queimava mais forte que qualquer inferno.
Notei meu irmão me encarando com uma expressão estranha. Ele me
conhecia o suficiente para saber quando recuar e me deixar explodir.
Eu não poderia tê-la, mas teria minha vingança. E a buscaria de
uma forma que alimentasse a alma arrancada do meu corpo. Aquilo se
tornaria o propósito da minha vida. Afinal, tudo o que me restava era tempo.
Então, eu esperaria.
Um por um, eu conquistaria o maldito mundo.
Uma risada amarga e fria escapou da minha garganta. Príncipe
amargo. Que ironia maldita o Romero ter me dado esse título. Sempre o
príncipe amargo, mas nunca o rei.
Foderia com a mente deles como um rei. E então, os conduziria até
o inferno e queimaríamos juntos.
Encarei o olhar do meu irmão, ainda com a dor irradiando no peito.
Suspeitava que ela permaneceria ali por um bom tempo, então era melhor
me acostumar.
— O que aconteceu com Reina?
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Reina. Só o nome já tinha o poder de me dilacerar. Eu ainda a
amava; ainda a queria. Meu estômago revirou. Tudo estava errado, mas meu
coração e minha alma se recusavam a aceitar isso.
Meu peito se partiu. A lembrança dos ombros dela tremendo
quando eu lhe disse para amar outra pessoa.
— Ela se foi.
Não havia lágrimas, mas meu coração chorava o suficiente para
inundar riachos, rios e oceanos. Porra, para inundar este planeta inteiro.
Demorou até que o mundo ficasse em silêncio. Meu coração nunca
ficaria.
Amar era um fardo que eu não precisava na vida.
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CAPÍTULO 53
REINA
A caminhada de volta para casa foi um borrão. Um pé à frente do
outro, mesmo assim, encontrei-me em frente ao meu apartamento.
Eu queria rastejar até minha cama e nunca mais sair, mas estava
incapaz de me mover. Fiquei encarando a porta, e as vozes alegres das
minhas amigas atrás dela me fizeram desabar.
Todas as minhas emoções - a dor, o coração partido, a traição, a
tristeza - tomaram conta de mim enquanto eu escorregava até o chão. Meus
olhos ardiam. Meus músculos tremiam pela força dos soluços, e eu cobri a
boca para abafá-los.
Eu não queria que ninguém os ouvisse.
Ele não me amava. Por quê? O que havia em mim que me tornava
tão indigna de amor?
Eu o amava tanto, que doía estar sem ele. Assim como a neve
pertence ao inverno e o sol a um céu azul, eu sempre pertenceria a ele,
quisesse ele ou não.
E mesmo assim, ele jogou fora o meu amor sem pensar duas vezes.
Vá amar outra pessoa. As palavras doíam. Eu queria esquecê-las,
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mas estavam gravadas nas células do meu cérebro, recusando-se a parar de
sussurrar, repetidas vezes. Você vai ser boa para alguém, só não para mim.
Seu rosto lindo, inexpressivo, com olhos como galáxias escuras, sem um
traço de calor. Eu já te esqueci.
As palavras dele arrancaram meu coração do peito e o fatiaram em
pequenos pedaços com lâminas. Eu nem conseguia pensar em seguir em
frente, e ele já tinha outra mulher à disposição. Achei que amava e era amada
de volta. Achei que o mundo seria um lugar melhor com ele - com nós -
juntos. Agora, eu questionava tudo. Minha esperança de um futuro ao lado
dele se foi, mas meu amor permaneceu. Eu me agarrava a ele com dedos
ensanguentados, recusando-me a soltar os restos dilacerados.
Encolhi-me no chão do corredor e puxei os joelhos contra o peito.
Meus olhos ardiam enquanto lágrimas miseráveis, devastadoras, escorriam
pelo meu rosto. Tentei impedir os pedaços do meu coração destroçado de
esmagarem minha alma, mas era como tentar impedir a chuva de cair ou o
vento de soprar.
Algo dentro de mim quebrou, e não havia como consertar.
Eu não sabia por quanto tempo fiquei sentada no corredor do nosso
apartamento, sozinha e abandonada. Talvez alguns minutos, talvez horas. Eu
poderia ter ficado ali para sempre, se a porta não tivesse se aberto e um
suspiro não ecoasse no ar. Um par de mãos gentis segurou meu rosto, e eu
encontrei o olhar da minha irmã.
— O que aconteceu? — ela articulou com os lábios, fazendo-me
desejar ouvir sua voz.
De algum modo, isso me fez chorar ainda mais. Enterrei o rosto
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no peito da minha irmã enquanto uma mão me envolvia e a outra acariciava
meus cabelos. Eu chorava, tremendo enquanto meus músculos doíam pelo
esforço dos soluços.
— O que aconteceu? — Isla deve ter saído para o corredor.
Você é meu sabor favorito, garota canela.
Mentira. Tudo foi uma mentira.
Cada beijo. Cada sussurro. Cada palavra. Cada momento. Tudo.
Eu não conseguia respirar. As lágrimas embaçavam minha visão.
Os soluços sacudiam meu corpo, e de algum modo, eu sabia que nunca mais
seria a mesma.
Vá amar outra pessoa.
Eu quebrei. Gritei até deixar minha garganta em carne viva,
deixando queimar e danificar minhas cordas vocais. A dor não arranhava nem
a superfície do que queimava em meu coração. Minhas mãos deslizaram
pelos cabelos, puxando os fios com força. Eu queria arrancar as palavras da
minha mente. Eu queria esquecer.
Minhas amigas me rodearam, me abraçaram, me sufocaram,
falaram comigo. Eu não ouvia nada daquilo. Só a voz dele, dizendo para não
amá-lo. Dizendo que eu seria boa para outra pessoa. Só não para ele.
Minha irmã me embala em seu abraço. Seu ‘shhh’ quase inaudível
transformou meus gritos em lamentos. Os sussurros e os movimentos das
minhas amigas não faziam sentido. Um minuto eu estava no chão e no
seguinte, no banheiro. Fiquei parada como um zumbi, minha mente presa no
apartamento de Amon, revendo cada palavra. Cada movimento dele.
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Vi meu reflexo no espelho. Rosto pálido. Olhos inchados. Coração
e alma despedaçados me encarando de volta. Meus cachos estavam uma
bagunça, e a imagem de Amon os enrolando nos dedos surgiu na minha
mente. Soquei o espelho com força, rachando-o ao meio. Fiz de novo e de
novo, o sangue manchando o vidro.
Dessa vez, o reflexo me retratava como devia: quebrada e
sangrando.
Não sei como fui parar na cama, mas horas depois, talvez até dias
depois, eu estava deitada, encarando o escuro com o coração em pedaços,
enquanto imagens de Amon me consumiam por dentro.
Os sussurros da voz dele eram uma agonia constante no meu
coração. Meus pensamentos estavam me destruindo aos poucos. Eu tentava
não pensar, mas o silêncio também me destruía. Como ele pôde fazer tantas
promessas sem ter a intenção de cumprir nenhuma?
O gosto salgado em meus lábios me fez perceber que eu estava
chorando de novo.
Minhas amigas fizeram o melhor que puderam para me consolar.
Phoenix me obrigou a tomar banho depois que enfaixaram minha mão.
Mesmo assim, ouvi os sussurros e vi os olhares preocupados. Minha irmã
ameaçou matar Amon, mas felizmente Isla a convenceu a ficar comigo em
vez de sair para procurá-lo.
E o tempo todo, eu não consegui reunir forças para dizer uma só
palavra. Em vez disso, fui para a cama em busca de solidão. Isso devia ser
como se afogar: deitar no escuro e ouvir a chuva lá fora.
Por que sempre chove quando estamos tristes? Também choveu no
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dia em que enterramos mamãe.
Lágrimas quentes escorreram pela minha bochecha. Eu nem me
incomodei em limpá-las. Deixei que corressem livres, silenciosas, enquanto
gritos calados me sufocavam, me despedaçando em pedaços que jamais se
encaixariam da mesma forma.
De todos os bilhões de corações neste mundo, eu me apaixonei
justamente por aquele que se recusou a bater por mim.
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CAPÍTULO 54
REINA
Três meses depois
Ao sair do táxi, senti o cheiro do ar fresco do outono. Outubro
costumava ser minha estação favorita. Eu não tinha mais uma estação
favorita.
Fui quase engolida pela multidão que avançava, repleta de vestidos
de baile luxuosos, diamantes e smokings. Meu vestido midi cor-de-rosa não
pertencia àquele lugar.
Você também não, minha mente alertou num sussurro, mas meu
coração ignorou.
Eu precisava vê-lo mais uma vez. Precisava falar com ele mais
uma vez.
O convite para a festa queimava em meus dedos enquanto eu o
entregava ao segurança. Senti-me uma fraude, mas estava determinada. Ele
não podia me evitar para sempre. Ele me devia uma explicação.
No fundo do meu coração, eu sabia que o que vivemos não foi uma
mentira. Tudo tinha sido real. Eu sentia isso no fundo dos ossos, em cada
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respiração e batida do coração.
Assim que entrei, forcei-me a respirar fundo enquanto me deixava
levar pelo terraço aberto.
Um bar preto envernizado com detalhes dourados se estendia por
todo o lado leste do espaço ao ar livre. Estava repleto de garrafas de bebidas
finas. Garçons circulavam pelo ambiente com bandejas de gin tônica,
champanhe e taças de vinho.
Risos suaves preenchiam cada canto do terraço. Assentos
aconchegantes estavam espalhados por toda a área, rodeando a pista de dança.
Havia um canto com jogadores de cartas e crupiês dominando as mesas.
Pessoas dançavam e riam, a felicidade delas zombando da minha miséria.
O céu noturno projetava constelações deslumbrantes, revelando
uma lua de sangue. Enquanto eu refletia se aquilo era um bom ou mau
presságio, o murmúrio suave da multidão aumentou quando todas as cabeças
se voltaram para o homem que roubara meu coração com tanta facilidade.
Ele continuava deslumbrante. Ainda doía olhar para seu rosto, a máscara
imóvel que não sorria.
Meu coração bateu com força, e a dor me fez os olhos arderem.
Mudei para o modo automático. Eu precisava alcançá-lo. Precisava dizer a
ele, e então, se ele não quisesse nada comigo - conosco - eu desapareceria e
ele nunca mais ouviria falar de mim.
Juntos. Ele disse que lidaríamos com isso juntos.
— Você não deveria estar aqui. — Uma voz suave desviou minha
atenção, e encontrei uma mulher pequena num lindo quimono parada à
minha frente. Não precisei me perguntar quem era. Eu a tinha visto uma vez.
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A mãe de Amon. Traços semelhantes. O mesmo cabelo lindo. Os
mesmos olhos.
Exceto que os dela pareciam frios.
Forcei um sorriso. — A senhora deve ser a senhora… — Sem saber
como chamá-la, acrescentei: — A mãe de Amon.
Ela assentiu. — Sou eu. — A desaprovação me encarava, e envolvi
meus braços ao redor do corpo, quase como um escudo para me proteger
dela. A expressão pétrea a distanciava de Amon. — Você não deveria estar
aqui.
Meus olhos se voltaram para o outro lado do terraço, para Amon.
Para o menino que sempre me salvava. Exceto que desta vez, a sensação
ruim no meu peito avisava que não haveria salvação. Nem por parte da mãe
dele. Nem por parte dele mesmo.
— Eu não vou ficar, — respondi, endireitando os ombros e
erguendo o queixo. — Só preciso falar com Amon.
— Quem é essa? — uma voz familiar veio de trás de mim, e eu me
virei de repente, ficando cara a cara com o pai de Amon. Angelo Leone. Ele
era tão assustador quanto eu me lembrava. Fitou-me com lascívia, fazendo-
me recuar um passo e colocar distância entre nós. De repente, ele jogou a
cabeça para trás e riu. — Não há mais com o que se preocupar. Reina Romero.
Você é a cara da sua mãe.
Aquele homem me causava arrepios. Sem reconhecê-lo, caminhei
em direção ao lado oposto do terraço. Senti os olhos do Sr. Leone queimando
minhas costas, mas tudo em que me concentrei foi na figura sombria e
familiar à minha frente.
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Um passo. Dois passos.
Ele estava longe demais, mas ao mesmo tempo, perto demais. Meu
pulso acelerou e me obriguei a continuar. Uma música familiar flutuava com
a brisa de verão, e meus passos vacilaram.
Cinnamon Girl, da Lana Del Rey.
Minha respiração prendeu, incapaz de puxar ar corretamente. Ou
o suficiente. Tentei com todas as forças recuperar a compostura, mas as
imagens de Amon doce e taciturno invadiram minha mente. Nosso primeiro
jantar japonês juntos. Tomando sorvete. As lanternas. Meu aniversário.
Essa era a nossa música, ecoando pelo espaço aberto enquanto as
estrelas cintilavam no céu escuro. Era minha e dele - ninguém mais deveria
dançar ao som dela. Pelo menos não com ele.
Meu olhar encontrou o de Amon, mas naqueles olhos que eu tanto
amava, não havia nada. Ele apenas me encarava com frieza, dizendo para eu
ir embora. Dizendo que eu não era bem-vinda. Por um momento, ele não se
mexeu, me encarando teimosamente.
— Amon… — O nome saiu como um sussurro sem som, um
arranhão doloroso na garganta.
Foi preciso todo o meu esforço para não chorar, o conhecimento
de que ele havia apagado tudo o que compartilhamos e não deixado nada
para trás roubando o ar dos meus pulmões.
Eu o amava; ele não me amava de volta. Talvez nunca tenha amado.
Talvez tudo tenha sido um jogo para ele. Eu lhe dei tudo. Ele me deu… o
quê? Dor.
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As palavras da minha mãe ecoaram ao vento, sussurrando: Eu abri
mão de tudo por ele. E ele não me deu nada. Está ouvindo, Reina? Ele não
nos deu nada!
Talvez tenha sido a dor que matou mamãe, do mesmo jeito que
agora me matava aos poucos.
Engoli em seco enquanto me obrigava a dar mais um passo. Eu
precisava contar a ele. Apenas duas palavras: Estou. Grávida. Ele podia
aceitá-las ou negá-las; eu me preocuparia com o resto depois.
Uma mulher deslizou a mão na dele, e ele desviou o olhar de mim.
Eu já não era sequer digna de ser olhada. De mãos dadas, eles seguiram para
a pista e começaram a dançar. Ao som da nossa música.
E dançavam como um só. Duas almas destinadas a estarem juntas.
E o que mais doía era como eles combinavam. O cabelo dela era escuro como
seda de corvo, combinando com o dele. Ela era linda. Tudo o que eu não era.
Graciosa. Confiante.
Enquanto se moviam pela pista, dançando com tanta naturalidade
como se já tivessem feito aquilo um milhão de vezes, percebi que ele me
havia esquecido. Nossa música já não era nossa. Era deles. Ele a olhava como
se ela fosse o mundo inteiro dele. Como se ela fosse feita para ele.
O sentimento fez lágrimas brotarem em meus olhos. Eu sempre
estive ligada ao garoto com estrelas nos olhos escuros, mas cometi um erro.
Elas não brilhavam por mim. Talvez nunca tenham brilhado. Ou talvez eu
fosse uma estrela o tempo todo, e ele fosse a lua. Só existe uma lua, enquanto
há bilhões de estrelas por aí… e ele não me escolheu. Então agora, eu
apagaria, conhecendo o gosto dele e sentindo falta para sempre.
Eva Winners BITTER PRINCE
Com o coração martelando no peito, tentei forçar meu corpo a dar
mais um passo. Não consegui. Fiquei ali, congelada, amando-o em silêncio.
Cega. Mas então ele inclinou a cabeça e a beijou - suavemente, com
reverência.
O som do meu coração partindo foi tão alto que me ensurdecera.
Não consegui desviar o olhar, meus olhos me dizendo o que meu
coração não podia. Ele se partia por todo o chão de mármore ao meu redor,
reduzido a cinzas.
Minha estrela se apagou e foi reduzida a pó, deixando-me sozinha.
Ele era a melhor parte do meu coração. A parte mais sombria do
meu coração. A parte mais luminosa. Meu coração inteiro. Ele o possuía,
mesmo em seu estado despedaçado. Sempre fora dele para quebrar.
Meu peito doía como se tivessem passado por ele em uma máquina
de moer. A dor se espalhava por cada canto do meu corpo, tornando-se física
e crescendo a cada segundo que passava.
Enquanto minhas unhas se cravavam nas palmas e minha garganta
se fechava com um nó que me sufocava, uma lágrima escorreu pela minha
bochecha. Virei-me, com a visão turva, e esbarrei em um corpo alto e firme.
— Com licença, — murmurei, sem levantar os olhos.
— Reina. — Outra voz familiar. — O que está fazendo aqui?
Levantei os olhos, minha visão embaçada tornando difícil enxergar.
— Sr. Konstantin?
— Está tudo bem?
Eu precisava sair dali antes que desabasse e me envergonhasse.
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Antes que Amon me visse daquele jeito.
Forcei um sorriso. — Sim. Com licença.
Sem esperar pela resposta dele, saí dali como se o diabo e seus
cavalos estivessem em meu encalço. Senti os olhos ardendo, ameaçando
liberar uma enxurrada de lágrimas.
Eu era uma idiota. Uma completa idiota. A dor perfurava meu peito
enquanto a imagem de Amon beijando outra mulher se repetia na minha
mente, zombando de mim. Eu não conseguia puxar ar suficiente para os
pulmões. Tudo doía.
Saí do salão, limpando o rosto, apenas para pisar na calçada
quando um trovão ribombou no céu. Uma chuva forte começou a cair,
abafando meus soluços e escondendo minhas lágrimas.
O céu e o inferno choravam comigo. Ele fazia parte de todos os
meus planos para o futuro, e eu mal era uma nota de rodapé no passado dele.
A expressão em seu rosto ao observar sua parceira de dança me dissera tudo
o que eu precisava saber.
Ele nunca me amou. O pensamento zombava de mim, gritando
dentro do meu crânio.
Vaguei por Paris, perdida, enquanto cada passo longe dele me
entorpecia. Lentamente, mas com certeza. Quando finalmente cheguei do
outro lado da rua do meu apartamento, estava encharcada e deliciosamente
entorpecida. Nem meu peito doía mais. Eu apenas… não sentia nada.
Atravessei a rua, ouvindo o tamborilar da chuva no asfalto. Estava
tão focada nisso que não ouvi o caminhão até ser tarde demais. Vi os faróis
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ofuscantes um segundo antes de ser arremessada pelo ar. Pareceu durar horas,
mas foram apenas um ou dois segundos. Caí com um baque que mal registrei.
Não houve dor. Nem mais lágrimas.
Meus olhos se fecharam, saboreando a escuridão que se espalhava
por mim. Eu queria que ela me engolisse, mas uma voz a atravessou.
— Não ouse morrer.
Eu não quero morrer. Só quero parar de sentir. Minha boca não se
mexeu. Ou talvez tenha se mexido, mas eu não senti.
Cada respiração que dei desde que ele parou de me amar parecia
uma perda de tempo. Os hematomas que ele deixou se recusavam a cicatrizar.
Uma parte de mim se agarrava a eles para nunca esquecê-lo, para nunca nos
esquecer.
— Reina, continue respirando. — A exigência foi clara. Eu não
conseguia obedecer. — Ou terei de recorrer a medidas drásticas.
Medidas drásticas. Alguém já tinha feito uma ameaça parecida
antes, mas eu não conseguia lembrar quem. Meu crânio doía, cada
pensamento ecoando em dor por todas as minhas células.
Só havia um pensamento antes de deixar a escuridão me levar.
Ninguém jamais teria a chance de me conhecer como ele conheceu.
Me amar - ou me enganar - como ele fez. Amon Leone foi a minha ruína.
E eu odiava ainda amá-lo.
CONTINUA…
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Ordem de leitura das séries e livros de Eva Winners interligados – a autora
intercala as séries
Série Belles & Mobsters
The Den of Sin – (Vasili e Isabella) – Prequel - Lançado
Luciano – (Luciano e Grace) - Livro 1 - Lançado
Nico – (Nico e Bianca) - Livro 2 - Lançado
Cassio – (Cassio e Áine) - Livro 3 - Lançado
Alexei – (Alexei e Aurora) - Livro 4 - Lançado
Raphael – (Raphael e Sailor) - Livro 5 - Lançado
Kingpins of the Syndicate
Corrupted Pleasure – (Liam e Davina) - Prequel - Lançado
Villainous Kingpin – (Basilio e Wynter) – Livro 1 - Lançado
Billionaire Kings
Contract of a Billionaire – (Alessio Russo e Autumn) – Livro 1 - Lançado
Série Belles & Mobsters
Sasha – (Sasha e Branka) - Livro 6 - Lançado
Luca – (Luca e Margaret) - Livro 7 - Lançado
Kingpins of the Syndicate
Devious Kingpin – (Dante e Juliette) – Livro 2 - Lançado
Thorns of Omertà
Thorns of Lust – (Illias Konstantin e Tatiana Nikolaev) – Livro 1 - Lançado
Thorns of Love – (Illias Konstantin e Tatiana Nikolaev) – Livro 2 - Lançado
Billionaire Kings
The Exception – (Kristoff Baldwin & Gemma-Genevieve) - Lançado
Misdeeds of a Billionaire – (Byron Ashford e Odette) – Livro 2 - Lançamento
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Thorns of Omertà
Thorns of Death – (Enrico Marchetti e Isla Evans) – Livro 3 - Lançado
Stolen Empire (Amon e Reina)
Bitter Prince – - Lançamento
Unforgiven Queen – Livro 2
Wrathful King – Livro 3
Billionaire Kings
Secrets of a Billionaire – (Winston Ashford e Billie Swan) – Livro 3 - Lançado
Reign of a Billionaire – (Kingston Ashford e Liana Volkov) – Livro 4 - Lançado
Kinks of a Billionaire – (Royce Ashford e Willow) – Livro 5
Kingpins of the Syndicate
Scandalous Kingpin – (Priest e Ivy) – Livro 3
Ravenous Kingpin – (Killian e Emory) – Livro 4
Thorns of Omertà
Thorns of Silence – (Dante Leone e Phoenix Romero) – Livro 4
Thorns of Desire – (Manuel and Athena) – Livro 5
Thorns of Blood – (Giovanni e Lia) – Livro 6
Thorns of Deceit – (Aguarda Lançamento) – Livro 7
Livros seguintes – em andamento pela autora:
Legacy of Heathens
Nova geração
(A ordem de leitura de algumas séries e livros que estão aqui listados e ainda não lançamos, poderá ser
alterada, conforme iremos revisando os livros)
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Próximos livros que iremos lançar:
Thorns of Omertà
Thorns of Lust – (Illias Konstantin e Tatiana Nikolaev) – Livro 1
Thorns of Love – (Illias Konstantin e Tatiana Nikolaev) – Livro 2
Billionaire Kings
The Exception – Kristoff Baldwin & Gemma (Genevieve) (pode ser lido fora de ordem)
Thorns of Omertà
Thorns of Death – (Enrico Marchetti e Isla Evans) – Livro 3
Stolen Empire (Amon e Reina)
Bitter Prince – Livro 1
Unforgiven Queen – Livro 2
Wrathful King – Livro 3
Eva Winners BITTER PRINCE