Diário de Leitura – Resumo do Texto: "Accountability: já podemos traduzi-la para o
português?"
O artigo, escrito por Pinho e Sacramento (2009), parte da provocação feita por Anna Maria Campos,
em 1990, sobre a ausência do conceito de accountability no contexto brasileiro, tanto do ponto de
vista institucional quanto linguístico. Passadas duas décadas, os autores buscam avaliar se as
transformações políticas, sociais e institucionais ocorridas no país foram suficientes para permitir a
germinação desse conceito no "solo brasileiro". A motivação central da pesquisa é investigar se já é
possível traduzir adequadamente o termo para o português, considerando os avanços e entraves
enfrentados nesse período. A metodologia adotada é qualitativa, de caráter exploratório e descritivo,
com foco na análise da literatura especializada e de dados sobre a realidade institucional brasileira.
Três eixos centrais orientam essa investigação: a organização da sociedade civil, a descentralização
e a transparência do aparato estatal, e a substituição de valores tradicionais por valores sociais
emergentes.
Na análise do conceito de accountability, Pinho e Sacramento (2009) iniciam pela sua definição em
dicionários da língua inglesa e em traduções para o português. Constatam a ausência de um termo
único e equivalente, sendo comum o uso de expressões como "responsabilidade", "obrigação de
prestar contas" e "responsabilização". Os significados extraídos apontam para a ideia de alguém que
aceita ser responsabilizado por suas ações, devendo justificar seus atos e se submeter, se necessário,
a sanções. A partir do pensamento de Campos e de outros autores pós-1990, como Schedler,
Przeworski e O’Donnell, compreende-se que accountability envolve tanto a prestação de
informações e justificativas (chamada de answerability), quanto a capacidade de aplicar punições
em caso de desvios (enforcement). A accountability é apresentada como um conceito relacional e
dinâmico, que pressupõe a existência de poder e a necessidade de controlá-lo, sendo fundamental
em regimes democráticos. O’Donnell propõe ainda a divisão entre accountability vertical (relações
entre cidadãos e representantes, como eleições e imprensa) e horizontal (relações entre instituições
estatais com poder de fiscalização e punição, como o Judiciário e tribunais de contas). Ambos os
tipos enfrentam fragilidades na realidade latino-americana, especialmente na brasileira, onde há
baixa eficácia das eleições e interferência de interesses particulares nas instituições de controle.
No terceiro tópico, os autores analisam a trajetória brasileira à luz da accountability, começando
pela Constituição Federal de 1988 e pela Reforma do Aparelho do Estado de 1995. A primeira
consolidou a participação cidadã e introduziu instrumentos legais importantes, como os conselhos
participativos, o orçamento participativo e a ação popular. Já a reforma administrativa de 1995
trouxe o paradigma da gestão pública gerencial, focado em resultados e na responsabilização por
desempenho. Esses marcos legais criaram condições institucionais para o controle social e a
fiscalização do poder público. Quanto à organização da sociedade civil, observou-se um
crescimento da mobilização especialmente durante a transição democrática, com destaque para
movimentos como as Diretas Já e o impeachment de Fernando Collor, este considerado um raro
caso de accountability no Brasil. Contudo, após a redemocratização, parte das organizações sociais
perdeu protagonismo ou foi cooptada por interesses corporativos ou empresariais. Ainda assim,
surgiram novas iniciativas, como o Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral (MCCE),
responsável por conquistas como a Lei da Ficha Limpa e a Lei 9.840/99, demonstrando o despertar
de setores da sociedade para o controle da política.
No que se refere à descentralização e à transparência governamental, a Constituição de 1988
redefiniu o papel dos municípios, conferindo-lhes autonomia e maiores responsabilidades na
formulação e execução de políticas públicas. Foram criados mecanismos como os conselhos
municipais e os orçamentos participativos, que aproximam a sociedade das decisões públicas.
Medidas como a Lei de Responsabilidade Fiscal (2000) e a criação da Controladoria Geral da União
(2001) também contribuíram para a institucionalização da transparência e do controle. Além disso,
o avanço tecnológico permitiu maior acesso da população a informações públicas por meio da
internet. Contudo, os autores apontam limitações importantes, como o uso formal dos conselhos e o
controle ainda frágil da sociedade sobre o Judiciário, apesar da criação do Conselho Nacional de
Justiça (2004).
O último eixo examina a substituição de valores tradicionais por valores sociais emergentes. A
cultura política brasileira, marcada por traços como o clientelismo, o patrimonialismo e o
personalismo, permanece como um entrave à consolidação da accountability. Mesmo com a adoção
de formas institucionais democráticas, práticas arcaicas seguem influentes no comportamento
político e na relação entre o público e o privado. O conceito de "democracia delegativa", de
O’Donnell, ajuda a explicar essa contradição, onde eleições ocorrem, mas o governante age como
se tivesse carta branca para governar sem controle. Estudos apontam que a cultura política brasileira
continua tolerante com a corrupção e as práticas clientelistas, sobretudo em segmentos com menor
escolaridade. Por outro lado, pesquisas apontam que a elevação da educação tende a fortalecer
valores modernos e a criar expectativas mais elevadas quanto à ética pública. Ainda assim,
prevalece uma estrutura híbrida, onde o moderno e o arcaico coexistem.
Na conclusão, os autores reconhecem que muitos avanços foram alcançados no Brasil em direção à
accountability. No entanto, as mudanças culturais e estruturais necessárias para consolidar uma
cultura de prestação de contas plena ainda enfrentam obstáculos. A tradução do termo
accountability para o português, no sentido de seu enraizamento prático e conceitual, continua
sendo um processo em construção. O Brasil está mais próximo de uma cultura de accountability do
que estava há 20 anos, mas ainda longe de consolidá-la. Para os autores, a construção dessa cultura
caminha paralelamente à própria formação da ideia de nação e democracia no Brasil, ambas
também inacabadas e em permanente disputa entre forças modernizadoras e tradições autoritárias.