Estado, Governo e Sociedade – Norberto Bobbio
Sumário
1. A grande dicotomia: público/privado ................................................................................ 2
2. A sociedade civil ................................................................................................................. 5
3. Estado, poder e governo .................................................................................................... 8
4. Democracia e ditadura ..................................................................................................... 14
Estado, Governo e Sociedade – Norberto Bobbio
1. A grande dicotomia: público/privado 2
O binômio direito público e direito privado prevalece no estudo jurídico sobre todas as outras
distinções presentes na matéria durante a evolução histórica desta, de modo que existem correntes
filosóficas que a consideram duas categorias a priori do pensamento jurídico.
Embora ambos os campos direito, público e privado, possuam definições próprias, tem-se que a
definição do direito público é considerada forte, enquanto a do privado é fraca (direito não público).
Destacando-se que ambos os polos do direito se condicionam reciprocamente.
Em termos de definição, é possível afirmar que o direito público é aquele que regula aquilo se volta
à coletividade, enquanto o direito privado atende-se ao singular; oportunidade em que se rememora a
supremacia do primeiro sobre o segundo.
Deste binômio, ressalta-se a distinção entre duas fontes do direito: a lei e o contrato (negócio
jurídico), dos quais originaram-se, respectivamente, o direito público e o direito privado.
Desse cenário, pode-se caracterizar os principais ramos do direito da seguinte forma:
a) Direito público: posto pela autoridade política pela força vinculante da lei; esta se faz cumprir
pela coação (poder coativo), exclusiva do detentor do supremo poder; supressão do estado de
natureza; marcado pela justiça distributiva (manifesta-se na disposição de honras ou de
obrigações pela autoridade pública, ideia de mérito versus necessidade;
b)
c) Direito privado: regula as relações recíprocas entre os singulares; tem como força vinculatória
sua própria natureza; marcado pela justiça comutativa (ideia de troca, ex.: relações de trabalho
e comércio).
Em uma breve análise histórica, o direito privado remonta da difusão do direito romano
(ex.: Corpus Iuris ou Código de Justiniano – compilado legislativo realizado entre os anos de 529 e 534
d.C.) no Ocidente. Neste, os institutos como família, propriedade, contrato e testamento já se faziam
presentes.
No âmbito da filosofia jurídica, destacam-se as seguintes correntes doutrinárias em relação ao direito
privado:
a) Marx: a crítica, hoje considerada ideológica, ao presente instituto, referindo-se a ele como o
direito burguês (contrato entre iguais sobre a perspectiva meramente formal);
b) Pasukanis: apresenta uma visão crítica ao direito privado, considerando que o pressuposto
fundamental da regulamentação jurídica é o “antagonismo dos interesses privados”;
c) Kelsen: relações jurídicas no sentido mais próprio e estrito do tempo.
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Quanto ao direito público, a perspectiva histórica destaca a reação contra a concepção liberal do
Estado, com a consequente substituição do Estado mínimo por um Estado mais interventor em prol da
coletividade. Neste cenário, ressalta-se a ideia aristotélica, e posteriormente adotada por Hegel, de que “a 3
totalidade tem fins não reduzíveis à soma dos fins dos membros singulares que a compõem, e o bem da
totalidade, uma vez alcançado, transforma-se no bem das suas partes”.
Ainda, Norberto Bobbio conecta a ideia de decadência com a supremacia do direito privado, enquanto
afirma que as épocas de maior progresso são aquelas em que o direito público garante sua supremacia,
tal qual a era moderna em que o Estado surge como um grande ente territorial e burocrático.
No mais, o autor afirma que o binômio direito público versus direito privado se reflete também no
binômio política versus economia. Quando esta prepondera, o direito privado está em supremacia; e
quando aquele se estabelece, o direito público prevalece.
Entretanto, no Estado moderno a sociedade civil conta com diversos atores (ex.: sindicatos e
partidos), de forma que muitas vezes cabe ao Estado o papel de mediador e garantidor, em supressão ao
antigo proceder como detentor do poder de império. Ainda, os contratos passam a vincular interesses
relativos a relações sindicais e coalizações do governo.
Neste cenário, denotam-se dois processos: publicização do privado e privatização do público; no
primeiro o direito privado passa a considerar e refletir os interesses da coletividade, representada pelo
Estado. no segundo, o interesse privado utiliza-se dos aparatos públicos para alcançar seus próprios
interesses. Tais processos jamais se concluem em definitivo, alternando-se ao longo do processo histórico.
Por fim, vale salientar que o princípio da publicidade, em contraposto às práticas absolutistas, é
exaltado desde Kant ao afirmar que “são injustas todas as ações relativas ao direito de outras homens cuja
máxima não é conciliável com a publicidade”. Da mesma forma, Habermas manifesta que a esfera pública
política adquire uma influência institucionalizada sobre o governo, porém tal influência deve ser submetida
à obrigação democrática da publicidade.
Norberto Bobbio ainda afirma que a concretização do princípio da publicidade é condição para a
realização da república democrática, pois, além do próprio sentido da palavra república, este garante
diversas outras liberdades, como a formação de uma opinião pública e de uma oposição política.
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Supremacia do D. Público
D. Público 4
lei; Publicização do privado e
Privatização do público
relação de hierarquia;
D. Privado
contrato;
relações recíprocas;
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2. A sociedade civil
No estudo sobre a sociedade civil Norberto Bobbio destaca as relações sociais não reguladas pelo 5
Estado. Cabe rememorar que com o advento da burguesia garantiram-se os direitos naturais dos indivíduos
e aqueles pertencentes aos grupos sociais frente ao Estado, que possui o monopólio do poder coativo.
Em geral, utiliza-se a expressão “sociedade civil” como oposição à esfera política. Ainda, registram-
se algumas questões relacionadas:
a) Pré-estatal: previamente ao Estado, os indivíduos, entre si, formam associações para buscar seu
interesse; em relação a estas ao Estado cabe apenas a regulação; cabendo ressaltar a
perspectiva marxiana da sociedade civil como uma infraestrutura e o Estado como uma
superestrutura;
b) Antiestatal: nesta perspectiva a sociedade civil possui uma conotação positiva, de contrapoder,
na qual se manifestam as formas de modificação das relações de dominação; visa-se à
emancipação do poder político;
c) Pósestatal: ideal de uma sociedade sem Estado, de forma que a sociedade civil absorve a
sociedade política.
----------------------------------------- linha do tempo ------------------------------------------>
pré-Estatal Estatal e antiestatal pós-Estatal
Ainda, o autor afirma que a sociedade civil é o espaço no qual surgem e desenvolvem-se os conflitos
ideológicos, sociais e econômicos que possuem como sujeitos as classes sociais, os grupos / movimentos,
bem como as organizações e associações sociais; ao Estado cabe o papel de mediar ou reprimir os conflitos
em questão.
Um importante sujeito a ser considerado é o partido político, que leva as demandas da sociedade
civil à sociedade política, que tomará as decisões. Deste cenário, Bobbio demonstra que entre a sociedade
civil e o Estado surge o contraste entre quantidade e qualidade das demandas sociais e quantidade e
qualidade das demandas e capacidade das instituições de responder de forma adequada e tempestiva às
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demandas postas. Ainda, o autor ressalta que o quanto menor a capacidade de resposta, mais ingovernável
se torna a sociedade civil e menor a legitimidade das instituições.
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Ademais, é na sociedade civil que nos momentos de crise institucional, logo de menor legitimidade
desta, os poderes de fato 1 se legitimam. Dessa forma, cabe ao Estado buscar as respostas para as
demandas postas também na sociedade civil, buscando o consenso e maior legitimação das decisões
tomadas.
Em contrassenso, Bobbio destaca que um Estado totalitário é aquele que não há opinião pública ou
movimentos sociais que a embasem, de forma que a sociedade civil foi totalmente absorvida pelo Estado.
No mais, o autor refere-se às seguintes correntes doutrinárias:
a) Modelo aristotélico: a família é a origem do Estado, sendo este o prosseguir natural de uma
sociedade familiar;
b) Modelo hobbesiano / jusnaturalista: o Estado é oposto à natureza do homem (sociedade civil
como uma ideia artificial).
c) Marxiana: embasa-se na economia política; a sociedade civil, conjunto de relações econômicas,
é a base material em sua teoria (contrária a ideia da superestrutura na qual se dão as ideologias
e as instituições); o Estado, por sua vez, é a representação do momento político e possui a
prerrogativa do exercício da força, a ser utilizada para conservar o poder até que este seja
tomado pela classe universal;
d) Hegeliano: a sociedade civil representa o primeiro momento de formação do Estado e deve estar
intimamente aderida ao “estado-inferior” (poder judiciário e o poder burocrático e visa à
promoção do bem comum); há ainda o “estado superior”, formado pela constituição e os poderes
constitucionais (monárquico, legislativo ou governativo);
e) Obra de Ferguson: sociedade civil como sociedade civilizada – demonstra a ideia de uma
evolução social histórica, passando dos povos caçadores nômades, bárbaros, agricultores,
proprietários, comerciantes e Estado;
f) Rousseau: une a ideia de sociedade civilizada retro ao contrato social (acordo paritário de cada
membro com todos os demais).
O autor conclui afirmando que a despeito das diversas concepções sobre sociedade civil, hoje além
da manutenção de uma diferenciação entre Estado e sociedade civil, observou-se uma “emancipação da
sociedade do Estado” seguido por processos de “reapropriação da sociedade por parte do Estado /
estatalização da sociedade”, ex.: substituição do Estado de Direito pelo Estado Social; e “socialização do
Estado”, ex.: aumento da participação nas escolhas políticas, aumento do número de partidos políticos e
1 Ver DIREITO, GLOBALIZAÇÃO E GOVERNANÇA – Orlando Villas Bôas Filho, Uma teoria sociológica do pluralismo
jurídico: a tese da “polissistemia simultânea”
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organizações sociais. Ressalta-se que estes processos ocorrem de forma simultânea, são distintos, mas
interdependentes.
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3. Estado, poder e governo
Quanto ao estudo do Estado, Bobbio ressalta que as principais fontes da matéria são a história das 8
instituições políticas, relacionados ao direito, e a história das doutrinas políticas. Ainda, tratando-se a
análise acerca do Estado em si mesmo, este pode ser observado pelo viés da filosofia política e da ciência
política.
Destaca-se que um estudo no âmbito da filosofia política irá abranger a melhor forma de governo
/república (caráter valorativo); o fundamento e a justificação do Estado / poder político; e a essência da
categoria do político ou da politicidade, em observância ao binômio ética e política. Ainda, Bobbio ressalta
a importância das obras a Utopia, de More; o Leviatã, de Hobbes e o Príncipe, de Maquiavel no estudo da
política.
Quanto à ciência política, esta é marcada pelo princípio de verificação ou de falsidade como critério
da aceitabilidade dos seus resultados; o uso de técnicas racionais visando à explicação causal do fenômeno
analisado; avaloratividade.
Ainda, após a tecnicização do direito público, faz-se necessário distinguir o estudo sociológico do
jurídico na análise do “Estado”, que é considerado tanto uma forma de organização social quanto um órgão
de produção jurídica. Dessa forma, fica clara a diferença entre os campos do ser e do dever ser: para a
sociologia o Estado é estudado em seu viés objetivo, histórico ou natural; já o direito ocupa-se das normas
jurídicas elaboradas e seus reflexos.
No estudo do Estado, Bobbio destaca a relação política fundamental, qual seja: Estado-cidadãos, em
que um possui o direito de comandar e o outro o dever de obedecer. O estudo histórico, de Platão a
Maquiavel, focou-se na figura do governante; entretanto, com a era moderna e o advento da doutrina dos
direitos naturais, passou-se a ter o indivíduo como objeto de análise: sua liberdade (civil e política), seu
bem-estar, direito à resistência etc. Importante consignar a importância das Declarações de Direitos
americanas e francesas neste processo, ao colocaram o Estado à serviço do cidadão.
Ademais, esta concepção moderna de Estado, em que este possui dois papéis centrais: prestação
de serviços públicos; e monopólio do uso da força. Ainda, este remanescente poder coativo do Estado pode
fundamentado em termos jurídicos pela ideia de contrato social e contrato de sujeição, demonstrando, a
função mediadora do Estado frente aos grandes conflitos sociais.
Além disso, Bobbio afirma que nos últimos anos o termo “Estado” foi substituído por “sistema
político”. Ambos se referem ao fenômeno de poder e à ideia de autoridade. Quanto à problemática da
definição do poder, a filosofia política distingui três teorias principais:
a) Substancialista: poder como uma coisa que se possui e se usa, como qualquer outro bem;
b) Subjetiva: poder como produção dos efeitos desejados, que podem advir da forma física e
constritiva (ex.: poder militar), poder psicológico (ex.: ameaças de punição ou promessas de
recompensa, domínio econômico); e poder mental, através da persuasão e da dissuasão (ex.:
educação; possui Locke como um partidário, ao afirmar que o soberano tem o poder de fazer as
leis e assim influir sobre a conduta dos súditos;
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c) Relacional – corrente mais aceita no pensamento político contemporâneo: poder como a
capacidade de entender uma relação entre dois sujeitos, de modo que o primeiro obtém do 9
segundo um comportamento segundo a sua vontade e que sem ela não ocorreria.
Outrossim, Bobbio assevera que a diferença de poder existente entre o Estado e a Igreja é o
monopólio do uso da força pelo Estado (prerrogativa de vis coactiva/força de coação), enquanto à Igreja
cabe apenas a vis directiva/força de orientação, exercida em principal pelo poder espiritual, através de
meios psicológicos.
Neste sentido, é possível afirmar que a independência do juízo político da religião, bem como do
juízo moral. Embora o Estado tenha o dever de eticidade, as razões aptas a fundamentar o agir político
podem ser diferentes daquelas utilizadas pelo indivíduo.
Quanto à forma de exercício do poder, autor ressalta três:
a) Governo paternalista ou patriarcal: o soberano se comporta como um pai frente aos súditos, que
são tratados como eternos menores de idade (não há liberdade) – Aristóteles; fundamenta-se
na geração – Locke;
b) Governo despótico: os súditos são considerados escravos perante o soberano, de modo que não
lhes são garantidos nenhum direito – Aristóteles; embasa-se no direito de punir aquele que
cometeu um grave delito – Locke;
c) Governo civil: funda-se no consenso expresso ou tácito entre os envolvidos – Locke.
Ainda nesta temática, Bobbio pontua a existência de três poderes:
a) econômico (riqueza – organização das forças produtivas): utiliza-se da posse de certos bens para
induzir aqueles que não os possuem a adotar determinada conduta, em geral um trabalho útil;
seguindo a lógica marxiana, afirma-se que aqueles que possuem os meios de produção têm uma
fonte de poder contra os não possuidores; poder principal na teoria marxiana;
b) ideológico (saber – organização do consenso): valer-se de saberes como doutrinas, códigos de
condutas ou simples informações para induzir ou inibir determinado comportamento; poder
principal na teoria política tradicional;
c) político (força – organização do poder coativo): poder cujo meio específico é a força; Hobbes foi
o primeiro autor a afirmar que o poder por excelência é político.
O autor afirma que os três tipos de poderes supracitados possuem em comum a capacidade de
contribuírem para a manutenção da ordem social no estado de desigualdade que se encontra: ricos e
pobres; sábios e ignorantes; e fortes e fracos.
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Frisa-se que o poder, mais do que efetivo, deve ser entendido como legítimo pelo povo, questão
amplamente debatida por autores como Bodin (teoria do governo justo), Hobbes (poder advém da vontade
de Deus ou da vontade do povo) e, em estudo mais recente, Gaetano Mosca (como “fórmula política”, 10
afirma que o poder deve possuir uma justificação ética). Ainda, autores jusnaturalistas, como Locke,
compreendem que a lei da natureza se identifica como a lei da razão, e o poder resulta do fato irrefutável
de existirem na natureza os mais fortes e os mais fracos. Sem prejuízo da teoria da prescrição histórica,
para a que o poder dos reis se justifica no uso da força prolongado no tempo.
Entretanto, com a instituição do positivismo jurídico a questão da legitimidade do poder tornou-se
subvertida, uma vez que se passou a considerar que apenas o poder efetivo é legítimo, assim entendido
como aquele advindo do ordenamento jurídico e tornado eficaz pela autoridade competente. De acordo
com Kelsen: “uma autoridade de fato constituída é o governo legítimo, o ordenamento coercitivo imposto
por esse governo é um ordenamento jurídico, e a comunidade constituída por tal ordenamento é um estado
no sentido do direito internacional, na medida em que esse ordenamento é em seu conjunto eficaz”.
De resto, salienta-se a classificação de Max Weber quanto aos tipos de motivações do poder:
a) poder tradicional: a obediência advém da crença na sacralidade da pessoa do soberano; destaca-
se que esta sacralidade se relaciona com a força deste poder no tempo;
b) poder racional: o povo obedece por acreditar que o comportamento do soberano, e o poder dele
advindo, está de acordo com a lei;
c) poder carismático: resulta em reconhecer o soberano como alguém com dotes extraordinários;
Por fim, quanto à discussão a respeito do poder e sua legitimidade Niklas Luhmann afirma que nos
países que concluíram o processo de positivização do direito, a legitimidade demonstra-se, não na
referência à valores, mas na aplicação de certos procedimentos, como as eleições políticas, o procedimento
legislativo e o procedimento judiciário.
Quanto à relação entre Estado e direito, rememora-se que o Estado se constitui por três elementos:
povo, território e soberania. Dessa forma, quando Kelsen reduz Estado a ordenamento jurídico, o poder
soberano torna-se o poder de criar e aplicar o direito (normas vinculantes) em um território e para um
povo. Destes elementos, destaca-se:
a) território: limite de validade espacial do direito do Estado;
b) povo: limite de validade pessoal do direito do Estado.
Citando-se limitações ao poder Estatal, ressaltam-se duas espécies de limites:
a) limitação temporal: uma norma pode ter uma validade limitada pelo tempo e ter transcorrido o
tempo entre a emanação e a ab-rogação (exceção – efeito retroativo);
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b) limitação material: abrange matérias não passíveis de serem submetidas a uma regulamentação
e matérias reconhecidas como indisponíveis pelo próprio ordenamento, como os direitos civis.
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Bobbio afirma importância da doutrina do rule of law, princípio da subordinação do governante à lei,
originando-se o Estado de Direito, estrito senso. Quanto à submissão do próprio governante à lei, destaca-
se a ideia de Bodin, que a despeito de ser um teórico do absolutismo, entende que o príncipe não se
submete à lei por ele próprio, pois ninguém pode dar leis a si mesmo, mas enquanto homem, como a todos
os outros, ressaltando-se que o rei que viola as leis naturais e divinas torna-se um tirano.
Ainda, outra questão destacada pelo autor é a separação do poder entre Legislativo, Executivo e
Judiciário, de forma reciprocamente independente afim de que cada um garanta o controle constitucional
dos demais.
Ademais, o constitucionalismo é um fenômeno entendido por Bobbio como uma limitação ao poder,
uma vez que as constituições produzidas com base nesta teoria preveem limites formais e materiais ao
poder político, tais quais os direitos fundamentais.
Quanto ao estudo das formas de governo (estrutura de poder e a relação entre os órgãos dos quais
a constituição atribui o exercício do poder), o autor estrutura sua exposição através da exposição do
pensamento de filósofos ao longo do tempo:
a) Aristóteles: monarquia (tirania como forma corrupta), aristocracia (oligarquia como forma
corrupta) e democracia;
b) Maquiavel: monarquia e república, considerando que esta abrange tanto a aristocracia quanto a
democracia;
c) Montesquieu: monarquia (honra como princípio), república (virtú como princípio) e despotismo
(medo como princípio); entendendo-se que que este é uma forma de “governo sem lei, nem
freios”, sendo uma forma degenerada da monarquia.
Ainda, outra análise interessante é aquela elaborada por Kelsen, que ao partir da definição de Estado
como ordenamento jurídico, passa a entender que as formas de governo se distinguem com base na forma
individual pela qual cada constituição regula a produção do ordenamento jurídico. Quanto à teoria de
Kelsen, a norma pode ser:
a) Heterônoma: os destinatários da norma NÃO participam da sua criação ou modifoicação;
b) Autônoma: os destinatários da forma participam do seu processo de criação ou modificação.
No mais, nas democracias modernas verifica-se uma maior quantidade de poder político real,
acumulado também pelos partidos políticos e pela classe política (conjunto de pessoas que detém o poder
político). Esta elite do poder, conforme demonstra Gaetano Mosca, pertence a uma minoria, de forma que
todos os governos são, sob este prisma, oligárquicos.
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Por fim, enquanto às formas de estado (estudo que relações de classe, relação entre sistema de
poder e ideologias), Bobbio faz esta análise sob duas perspectivas: critério histórico e quanto à maior ou
menor expansão do Estado em detrimento da sociedade. 12
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Estado Estado
Estado feudal Estado absoluto
estamental representantivo
Quanto às formas de estado supracitadas, destaca-se:
a) Estado feudal: acumulação das diversas funções diretivas por parte das mesmas pessoas e pela
fragmentação do poder central em pequenos agregados sociais; por outro lado, o Estado, na
perspectiva burocrática, caracteriza-se pela progressiva concentração e pela simultânea
especialização das funções de governo;
b) Estado estamental: organização política que originou os órgãos colegiados, reunindo indivíduos
possuidores da mesma posição social e, logo, com os mesmos direitos e prerrogativas a serem
opostos contra o soberano; ex.: assembleias deliberantes como os parlamentos;
c) Estado absoluto: originado de um processo de concentração (poderes para exercer a soberania,
seja na edição de leis, seja na sua aplicação – poder jurisdicional) e centralização (poder de
eliminação e desautorização de ordenamentos jurídicos inferiores) de poder em determinado
território
d) Estado representativo: a representação por categorias vista no estado estamental é substituída
pela representação dos indivíduos singulares, que passam a ter direitos políticos; estes
organizados formam partidos políticos ou grupos organizados para defesa de interesses de classe
ou presumidamente gerais.
Frisa-se que a igualdade natural existente entre os homens considerada o postulado ético da
democracia representativa, conforme observa Bobbio. Neste sentido, todos os processos que levaram ao
sufrágio universal, sem distinção de renda ou gênero, são exaltados pelo autor.
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Quanto à forma do estado socialista, cabe tecer algumas considerações: Max Weber descreve-o
como um Estado burocrático em um universo completamente coletivizado; neste o governo é feito em um
primeiro momento por um partido (sistema monopartidário), que se torna detentor dos poderes político e 13
ideológico.
Outro conceito interessante apresentado por Noberto Bobbio em sua obra é a ideia do “não Estado”.
Se a concepção moderna de Estado é, em suma, a soma do monopólio do poder com a prestação de
serviços públicos para garantir o desenvolvimento da sociedade civil; o “não Estado” ocorre quando poder
econômico se afirma sobre o poder político na estrutura estatal, de forma que o Estado, utiliza-se do seu
poder coativo em prol unicamente dos detentores do poder econômico.
Outrossim, o tema do fim do Estado é tratado de acordo com as seguintes correntes doutrinárias:
a) Engels: o Estado terá um fim quando acabarem as causas que o produziram;
b) Concepção positiva de Estado: considerando que os Estados existentes não são perfeitos, mas
aperfeiçoáveis, o Estado enquanto força organizada de convivência civil será conduzido à plena
realização de sua própria existência.
Por fim, apresenta-se dois conceitos destacados por Bobbio, que se trata de concepções negativas
do estado, respectivamente uma mais fraca e outra mais forte:
a) Estado como mal necessário: apresenta-se na história do pensamento político, conforme já
abordado, de forma que sendo a massa perversa o Estado deve conte-la pelo medo nesta
proposta demonstra-se uma perspectiva de Estado mínimo, limitando-se ao uso do poder coativo
para a defesa externa e a manutenção da ordem interna;
b) Estado como mal não necessário: vislumbra-se uma sociedade que pode viver sem o Estado
como um aparato de coerção; ex.: república dos sábios, filósofos estóicos; sociedade marxiana
/engelsiana; ideais tecnocráticos, fundados em uma fraternidade universal que dispensa a
obediência às leis do Estados.
Estado, Governo e Sociedade – Norberto Bobbio
4. Democracia e ditadura
Democracia é um termo utilizado no estudo das formas de governo, logo, nas formas de exercício 14
do poder político. Nesta, o povo é o titular do poder político. Bobbio estuda a democracia como parte de
um amplo sistema, utilizando-se de três conceitos:
a) Descritivo ou sistemático (formas de governo existentes): tal classificação envolve o número de
governantes / titulares do poder político em determinada forma de governo; na democracia há
muitos (todo o povo), enquanto na monarquia e na aristocracia há poucos.
b) Prescritivo ou axiológico (juízo de valor): a avaliação da democracia como uma forma de governo
positiva ou negativa varia entre os filósofos; Bobbio, defensor da democracia como um valor
positivo, ressalta dois argumentos importantes: 1. (argumento político) quem detém o pode
tender a dele abusar; 2 (argumento utilitarista) a coletividade sabe o que é melhor para os
próprios interesses;
c) Histórico (desenvolvimento histórico): o autor reflete que a história se desenvolve em etapas
sucessivas e cíclicas, dessa forma a democracia será sempre precedida e sucedida por um
período de monarquia ou aristocracia.
Ainda, cabe destaca três formas de democracia direta:
a) Quando o governo do povo toma as decisões através de delegados investidos de mandato
imperativo e, logo, revogável; como mandatário, o delegado pode ser afastado a qualquer
momento se faltar a disciplina ou confiança dada; depende de uma prestação de contas
consistente por parte do delegado eleito;
b) Governo de assembleia (sem representantes ou delegados);
c) Referendum.
Uma problemática apontada pelo autor é a ideia de que a democracia só seria possível em Estados
territorialmente pequenos. Desta questão surgiu o conceito de democracia indireta na pós 1ª Guerra
Mundial, com a afirmação dos Estados representativos nos países europeus, seguindo o exemplo da
precursora democracia americana do princípio da soberania do povo e o fenômeno da associação.
Salienta-se que o direito ao sufrágio universal masculino e feminino, bem como o desenvolvimento
dos partidos políticos (do associativismo político ao papel na função pública), legitimando a vontade
coletiva; ainda, a substituição da monarquia pela república, com eleição para o principal cargo do Estado,
como fatores determinantes para a democratização.
A despeito dos avanços apontados, Bobbio afirma que hoje o desenvolvimento da democracia não
depende de uma substituição da democracia indireta para a direta, mas de uma democracia que deixe de
pensar o homem apenas como cidadão (ideia de igualdade formal), mas que considere cada indivíduo na
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sua individualidade e multiplicidade; da mesma forma que considere a sociedade civil com toda a sua
diversidade de cenários: campo, escolas, fábricas, cidades etc.
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Dessa forma, destaca-se a seguinte passagem: “É possível a sobrevivência de um Estado
democrático em uma sociedade não democrática?” Como resposta, o autor sugere considerar a democracia
como mais do que uma forma de governo (democracia formal), mas como um conjunto de instituições que
visem à igualdade econômica e social (democracia substancial).
Por fim, o autor manifesta que o processo contrário à democracia é a ditadura (autocracia). Na Roma
antiga, a ditadura tinha como características: estado de necessidade com respeito à legitimação; plenos
poderes com respeito à extensão do comando; unicidade da figura do ditador; e temporariedade do evento
ditatorial. Maquiavel e Rousseau, de forma muito semelhante, entende que os amplos poderes ditatórios
são limitados no tempo, sob pena de figurar tirania, e que as alterações feitas se atêm à função executiva.
Entretanto, uma análise histórica permite observar-se que as ditaduras modernas são marcadas por
revolucionar todo um sistema jurídico, possuindo um caráter soberano conforme denota Carl Schmitt,
criando-se novas constituições (exercício do poder constituinte, reservado ao povo no campo democrático).