COPYRIGHT © 2025 — Ane Le.
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da autora.
Esta é uma obra de ficção.
Nomes, personagens, lugares e incidentes são frutos da imaginação
da autora ou usados de forma fictícia.
Qualquer semelhança com pessoas ou acontecimentos reais é mera
coincidência.
A violação dos direitos autorais é crime (Lei nº 9.610/98) e está
sujeita às penalidades previstas em lei.
AVISO IMPORTANTE
AVISO DE CONTEÚDO SENSÍVEL:
Esta obra contém temas que podem ser perturbadores para
algumas pessoas. Recomendamos leitura consciente.
Você pode encontrar:
Violência física e agressões;
Violência psicológica, manipulação e abuso emocional;
Uso de armas e menção a tiroteios;
Tortura física e tortura psicológica;
Ameaças de morte, vingança e homicídio;
Situações de confinamento / prisão dentro de ambiente
doméstico (sequestro ou imposição de privação de liberdade);
Cenas sexuais explícitas (literatura adulta; linguagem sexual
franca e uso de palavras de baixo calão);
Cenários e linguagem relacionados ao crime organizado /
máfia;
Elementos de dark romance (temas românticos misturados
com perigo, moral ambígua e possessividade).
Classificação etária: Recomendado para maiores de 18
anos.
Se você é sensível a algum desses tópicos, por favor avalie
com cuidado antes de ler. Caso se sinta mal em algum momento
durante a leitura, não hesite em fazer uma pausa ou até mesmo
interromper a leitura. A sua saúde mental e o seu bem-estar são
sempre mais importantes do que qualquer história.
Sumário
AVISO IMPORTANTE
NOTAS DA AUTORA
SINOPSE
DEDICATÓRIA
Capítulo 1
Capítulo 2
Capítulo 3
Capítulo 4
Capítulo 5
Capítulo 6
Capítulo 7
Capítulo 8
Capítulo 9
Capítulo 10
Capítulo 11
Capítulo 12
Capítulo 13
Capítulo 14
Capítulo 15
Capítulo 16
Capítulo 17
Capítulo 18
Bônus — Mikhail
Capítulo 19
Capítulo 20
Capítulo 21
Capítulo 22
Capítulo 23
Capítulo 24
Capítulo 25
Capítulo 26
Capítulo 27
Capítulo 28
Capítulo 29
Capítulo 30
Capítulo 31
Capítulo 32
Capítulo 33
Capítulo 34
Capítulo 35
Capítulo 36
Capítulo 37
Capítulo 38
Capítulo 39
Capítulo 40
Capítulo 41
Capítulo 42
Capítulo 43
Capítulo 44
Capítulo 45
Capítulo 47
Capítulo 48
Capítulo 49
Capítulo 50
Capítulo 51
Capítulo 52
Epílogo
AGRADECIMENTOS
NOTAS DA AUTORA
Viktor e Helena surgiram de um sonho.
Literalmente.
Lembro de acordar com o coração acelerado e a sensação de
que precisava contar aquela história. Então, abri o notebook e
escrevi tudo o que lembrava. Desde então, eles ficaram ali,
guardados no meu computador, com cerca de dez capítulos escritos,
esperando o momento certo para ganhar vida.
Demorou um pouco, eu sei. Mas finalmente chegou a hora. E
aqui estão eles, intensos, imperfeitos e completamente apaixonados.
Viktor é possessivo, impulsivo e, às vezes, um verdadeiro
desafio de se amar. Mas espero que, ao longo da leitura, vocês
consigam enxergar além disso. Por trás da brutalidade e da dureza,
existe um homem que aprendeu, pela primeira vez, o que é sentir.
Um homem que, em meio à escuridão, descobriu o amor.
E Helena...
Ah, a minha Helena.
Uma mulher madura, de espírito forte e língua afiada. De
boba, ela não tem nada. Ela é fogo e calmaria ao mesmo tempo, a
tempestade que Viktor precisava pra se tornar alguém melhor.
Essa história fala de amor, sim, mas também de dor, de cura e
de recomeços. É sobre dois mundos completamente diferentes que
se chocam e, ainda assim, encontram um jeito de se encaixar.
Espero, de coração, que vocês se apaixonem por eles tanto
quanto eu me apaixonei. Que riam, se irritem, se emocionem e
suspirem em cada página.
Este livro foi revisado e corrigido de acordo com a nova
ortografia da língua portuguesa. No entanto, você vai encontrar aqui
algumas palavras escritas de forma mais informal, como “tô”, “tá”,
“pra” e “pro”, usadas de propósito.
Essa escolha foi feita para deixar a leitura mais fluida, natural
e viva, do jeitinho que a gente fala no dia a dia.
Lembrando que o foco desta história é o romance entre o
casal. A máfia aparece apenas como pano de fundo, servindo de
contexto para os personagens, e não como tema central da trama.
Obrigada por estarem aqui, por lerem, por acreditarem nas
minhas palavras e por fazerem parte desse sonho comigo.
Boa leitura, com todo o meu carinho,
Ane Le.
SINOPSE
Três anos atrás, Helena Duarte cometeu o maior erro da sua
vida: entrou no quarto errado, na hora errada. O que presenciou a
obrigou a fugir, deixando para trás tudo o que conhecia. Na tentativa
de se esconder, acabou no lugar mais improvável: a Rússia, o
coração da máfia.
É lá que seu destino cruza com o de Viktor Dragunov: frio,
enigmático e perigosamente irresistível. Ele é o Pakhan, o chefe da
Bratva, dono de tudo e de todos. Mas Helena não sabe disso e Viktor
tampouco imagina quem ela realmente é.
O desejo entre eles cresce, intenso e proibido, até que Helena
decide partir sem olhar para trás. Mas Viktor não é um homem que
aceita perder. Quando ela foge, ele inicia uma caçada implacável. O
que não esperava era descobrir que a mulher que ousou desafiá-lo
guarda um segredo capaz de virar seu mundo de cabeça para baixo.
Agora, Helena já não é apenas a estrangeira que o intrigava.
Ela se torna prisioneira do homem que todos temem e que ela
acreditou amar.
DEDICATÓRIA
Para as minhas leitoras que amam um vilão, porque sabem que nem
todo amor vem com flores, alguns vêm com mordidas, mãos firmes
e um sexo bruto.
Três anos antes...
Passo pano úmido sobre a mesinha de vidro. O quarto
presidencial do hotel parece saído de um sonho: o tapete felpudo
amortece meus passos, as cortinas pesadas de veludo vinho
escondem a tarde lá fora, e os espelhos dourados refletem uma luz
suave que deixa tudo ainda mais luxuoso.
Por um instante, deixo que minha mente escape e imagino
como seria me hospedar aqui um dia, mas logo volto à realidade:
essa fantasia nunca será minha.
Minha mãe morreu no parto, e meu pai se foi há apenas um
ano. Estou sozinha no mundo. Foi graças a conhecidos dele que
consegui esse emprego no hotel. Não é fácil, mas me agarro à rotina
como quem segura uma tábua em alto-mar.
Tenho 21 anos e estou no início da faculdade de Línguas
Estrangeiras. Um dia vou trabalhar com o que amo, mas por
enquanto, o que tenho é pano, balde e silêncio.
Termino o serviço e já na porta percebo que o anel de prata
envelhecida não está no meu dedo. Meu coração dispara, as mãos
ficam úmidas. É o anel que meu pai me deu no último aniversário
que passamos juntos. Não posso perdê-lo.
— Não, não, não... — murmuro, revirando os bolsos, os olhos
vasculhando o chão.
Então lembro que o deixei na mesinha ao lado da cama
quando fui lavar o banheiro.
Largo o carrinho de utensílios no canto e volto às pressas. O
coração bate nas têmporas quando vejo o anel ali, esquecido. Pego-
o e sinto um breve alívio.
Estou prestes a sair quando escuto o trinco girar.
Congelo ao ver três homens entrando. Corro e me escondo
atrás das cortinas, antes que eles me vejam aqui. Minhas costas
colam no papel de parede frio, os dedos cravam no tecido grosso.
Tento controlar a respiração, mas o peito arfa, desesperado, parece
que meu coração vai explodir e entregar minha presença.
No reflexo distorcido do espelho dourado, consigo ver apenas
vultos altos, ternos escuros, ombros rígidos. E armas. Meu Deus!
Estão armados!
Merda.
Estou no lugar errado, na hora errada.
Por um instante, meu instinto grita para sair correndo. Eu
deveria empurrar a cortina, atravessar a porta, pedir desculpas e
jurar que entrei ali por engano. Talvez eles nem se importassem,
mas um arrepio gélido percorre minha espinha como se meu próprio
corpo soubesse que, se eu me mostrar, não terei tempo de me
explicar.
E então acontece.
A porta se abre de novo e, entre eles, um homem é
empurrado para dentro. Reconheço de imediato. O presidente da
Espanha.
Minha garganta seca e meu corpo inteiro congela.
Ele está com as mãos amarradas para trás, o rosto marcado
por sangue seco e fresco.
— Última chance — um dos homens diz. — Está conosco, ou
morre aqui.
O presidente ergue o queixo.
— Prefiro morrer a me ajoelhar para criminosos.
A resposta ecoa pelo quarto.
Vejo o movimento no reflexo: um dos homens desliza a mão
para dentro do paletó e puxa a pistola. Meu coração quase salta da
boca quando percebo um silenciador alongar o cano.
Tudo acontece rápido demais. Um disparo e o corpo do
presidente despenca sobre o tapete felpudo. A cena parece em
câmera lenta: o som oco da queda, o sangue escorrendo como uma
mancha viva sobre o tecido caro.
Meu grito fica preso na garganta. As lágrimas ardem, mas
não ouso emitir um som sequer. O cheiro de pólvora invade o ar,
queimando minhas narinas.
As pernas tremem, quase me traindo. Eu deveria fechar os
olhos, mas não consigo. Aquele corpo imóvel no tapete vai me
assombrar para sempre.
— O Pakhan ficará satisfeito — um deles diz, guardando a
arma com calma.
Pakhan. O nome ecoa na minha mente.
O silêncio pesa, até que outro se aproxima do corpo caído,
chutando-o de leve para conferir se ainda havia qualquer sinal de
vida. Nada.
— Limpem essa bagunça — ordena, a voz gelada. — O
presidente precisa sumir.
— Queimado? — pergunta o terceiro, indiferente, já
analisando o quarto com olhos de lobo.
— Não deixe rastro — Responde o primeiro. — Amarre algo
pesado e jogue no mar. Que ninguém nunca encontre.
Um arrepio gélido percorre minha espinha.
Quero sumir, desaparecer, me dissolver no ar. Mas minhas
pernas não obedecem. Fico ali, colada na cortina, o coração
martelando tão alto que parece gritar por mim.
Até que, enfim, eles se calam e caminham em direção à
porta. O trinco gira. Espero mais alguns segundos, imóvel, engolindo
em seco.
Quando o silêncio reina, arrisco sair.
Minhas mãos tremem tanto que mal consigo segurar a
maçaneta. Tento girá-la, mas os dedos suados escorregam no metal
frio. No desespero, puxo com força e a porta finalmente se abre.
Dou um passo para fora e, num reflexo, olho rapidamente
para trás. O quarto agora está vazio. Não há corpo, não há sangue,
nada.
Eles foram rápidos, frios e eficientes. Enrolaram o corpo no
próprio tapete e levaram parecendo apenas mais um fardo a ser
descartado.
Na pressa de fugir, meu crachá se solta, escorrega entre
meus dedos trêmulos e cai no chão com um estalo seco que ecoa
alto demais para o meu desespero.
Meu corpo inteiro gela.
— Ei! — a voz atrás de mim me faz entrar em desespero.
Levanto a cabeça devagar e o tempo parece desacelerar. Ele
está ali. O homem mais próximo da porta. Alto, ombros largos, a
sombra projetada pela luz amarelada das lâmpadas o torna ainda
mais ameaçador. Os olhos estreitos me fixam, faiscando.
A mão dele desliza para a cintura, afastando o paletó e o
movimento revela o volume metálico da arma.
Droga. Ele me viu.
Meu coração dispara em pânico absoluto.
Sem pensar, corro.
Viro nos calcanhares e disparo em direção à escada de
emergência. O ar rasga minha garganta enquanto desço, os degraus
passam borrados diante dos meus olhos marejados. Atrás de mim,
ouço os passos pesados se multiplicarem. Eles estão vindo.
— Socorro! — tento gritar, mas minha voz sai falha, rouca,
como alguém cuja garganta foi roubada pelo terror.
As pernas ardem, músculos gritando de dor, mas eu não paro.
Desço lance após lance, o corrimão correndo borrado ao meu lado.
Quase tropeço, bato o ombro contra a parede, mas sigo, o medo
empurrando meu corpo além do limite.
O som deles está cada vez mais perto.
No terceiro andar, quase caio quando viro o corredor. E é
nesse instante que vejo: uma funcionária surge empurrando um
carrinho de limpeza. O rangido das rodinhas parece um convite
divino.
Sem pensar, corro até ele. Meu corpo pequeno me ajuda: me
encolho, deslizo por baixo, puxo a cortina de tecido que cobre a
lateral. Me enfio ali, apertada, o coração batendo tão forte que temo
que o som me denuncie.
Prendo a respiração até sentir dor.
Os passos ecoam, parando bem perto.
— Viu uma garota de cabelos escuros? — a voz grave
pergunta.
Meu coração quase explode.
Vejo, pela fresta do tecido, a funcionária hesitar. Os olhos dela
se arregalam, assustada. O ar pesa, parecendo que o tempo tivesse
congelado. Por um segundo interminável, penso que ela vai me
entregar.
Mas então, ela balança a cabeça depressa.
— N-não, senhor. Não vi ninguém.
Fecho os olhos, mordendo o lábio até sentir o gosto metálico
do sangue, tentando segurar o soluço que ameaça escapar.
Os passos se afastam e o ar volta aos meus pulmões de
forma dolorosa, como quem rompe a superfície após minutos de
afogamento. Tremendo, abro uma pequena fresta na cortina. O
corredor está vazio. Nenhum sinal deles.
Me arrasto para fora, ainda curvada, os músculos trêmulos, e
corro de volta para a escada. O pânico me guia.
No saguão, já sem forças, atropelo pessoas, empurro corpos
que se viram indignados, me xingando, mas não tenho tempo para
desculpas. O medo me cega. Só quero sair. Só quero viver.
Quando finalmente alcanço a rua, o choque me paralisa por
um segundo.
A cena diante de mim é um pesadelo. Homens espalhados
por todos os cantos. Os mesmos ternos escuros, os mesmos olhares
predadores. Conversam discretos, mas seus olhos varrem cada
detalhe da rua como caçadores farejando sangue.
Eles não precisam falar. Eu sei, eles estão me procurando.
Meu estômago afunda e meu corpo inteiro treme.
O presidente já está morto.
E a próxima da lista sou eu.
Fugir foi a única solução que encontrei para sobreviver.
Foi difícil escolher para onde ir, e ainda mais difícil me adaptar a um
lugar tão diferente de tudo o que conheço.
Lembro como se fosse hoje do dia em que vi aquilo que
mudou minha vida para sempre. O presidente sendo executado
diante dos meus olhos. Saí daquele lugar correndo por instinto.
Parte de mim queria gritar, contar tudo à polícia, mas o medo foi
mais forte. E se eles me encontrassem? E se descobrissem que eu
tinha visto o que ninguém deveria ver? Eu sabia que aqueles
homens não hesitariam em me matar para encerrar a ameaça que
eu representava.
Encolhi-me nas sombras naquela noite, apertando o corpo
contra as paredes úmidas, escondendo-me em cada beco escuro.
Minha respiração saía curta, arfante, enquanto minhas mãos
tremiam sem controle. Cada passo ecoava dentro de mim como um
grito, denunciando o medo desesperado de que um daqueles
homens surgisse a qualquer instante.
Criei coragem e corri até um orelhão enferrujado, disquei o
número de uma pensão que meu pai usava em viagens. Pedi ajuda.
Uma das funcionárias, que lembrava de mim, deixou que eu
passasse a noite escondida lá.
Naquela noite, não consegui fechar os olhos. Cada estalo de
madeira no corredor, cada passo apressado, cada gargalhada
abafada me arrancava o ar. O colchão gasto rangia sob meu corpo, o
cheiro forte de cigarro grudava na minha pele e me sufocava. Mas
era melhor aquilo do que a morte. No fim, uma funcionária mais
velha se compadeceu do meu desespero, mesmo sem saber o real
motivo dele, e me deu algum dinheiro para fugir.
Alguns dias depois, me esgueirei até o porto e subi às pressas
em um cargueiro que partia para a França. O cheiro de óleo
queimado e ferrugem impregnou minhas roupas, enquanto o
barulho metálico das correntes se misturava ao das ondas
quebrando contra o casco. A cada milha de distância, uma falsa
sensação de segurança tentava me enganar.
Passei a viver como uma sombra, sempre olhando por cima
do ombro, sempre esperando o pior. Depois de meses escondida,
comecei a achar que estava sendo vigiada, a paranoia virou minha
companheira inseparável. Em cada esquina, tinha a sensação de
estar sendo observada. A cada barulho atrás de mim, meu corpo
inteiro se sobressaltava.
Foi assim que passei a viver: vou para um lugar, arrumo um
emprego, junto algum dinheiro e depois desapareço de novo.
Hoje, em mais uma dessas fugas desesperadas, estou há três
meses na Rússia. O frio corta como navalha; a neve castiga minha
pele; os rostos fechados das pessoas parecem me observar.
Pergunto a mim mesma todos os dias o que vim procurar em um
lugar tão gelado, entre pessoas de humor tão azedo.
Não tenho mais ninguém. E por incrível que pareça, o medo
começa a se dissolver dentro de mim.
Afinal, já passou tanto tempo, né? O que mais poderiam
querer? Nunca falei nada. Nunca revelei o que vi. Até porque, eu
mesma nem sei quem eram aqueles monstros.
E por mais que a Rússia não seja meu lugar preferido,
começo a me sentir segura aqui. Aquela sensação constante de
estar sendo perseguida finalmente desapareceu.
— Helena!
A voz de Anya corta meus pensamentos. Ela me chama
enquanto esfrego pratos e ela limpa o chão da cozinha com energia.
Trabalhamos em um restaurante pequeno, em uma cidade
pacata da Rússia.
Eu adoro o sotaque dela pronunciando meu nome. É fofo,
quase musical.
— Consegui um freelance para hoje à noite. Quer ir comigo?
— pergunta, os olhos brilhando de entusiasmo.
Anya é uma fofa, uma garota encantadora de 20 anos.
Demorei a permitir que ela se aproximasse de mim. Sempre evito
criar laços, pois sei que cedo ou tarde vou embora, mas com ela foi
inevitável.
É filha do dono do restaurante. Muito esforçada, carrega o
peso da família nos ombros: a mãe está gravemente doente, e Anya
se desdobra entre ajudar o pai no restaurante e aceitar outros
trabalhos para juntar dinheiro.
— Quero sim. Onde é?
— Um restaurante grã-fino. O pagamento é ótimo! —
responde, toda animada.
— Se vamos receber bem, eu aceito! — digo, sorrindo.
Ela sorri de leve e voltamos aos nossos afazeres.
Quando cheguei aqui, Anya e o pai dela me acolheram. Eu
estava perdida, à procura de emprego, e mesmo com a resistência
inicial dele por eu ser estrangeira, acabaram me aceitando, tudo
graças à insistência dela. Eu sei falar russo, não fluentemente, mas o
suficiente para me virar. A faculdade me deu uma base, e a
curiosidade sempre me empurrou para aprender outras línguas
sozinha.
Agora, vivendo aqui, cada dia é um aprendizado novo.
Moro em um quartinho apertado nos fundos do restaurante.
O aluguel é descontado diretamente do meu pagamento. Não é uma
vida de luxo, mas é a vida que eu tenho. E apesar de tudo, sou
grata por ainda estar viva.
Mesmo assim, carrego dentro de mim um desejo insistente:
que tudo isso acabe logo. Quero acreditar que aqueles homens me
esqueceram, que posso voltar a viver como qualquer outra pessoa.
Mas basta pensar no futuro para sentir um aperto. Será esse
o meu destino? Passar a vida fugindo? Nunca me casar, nunca ter
filhos? A ideia de construir uma família me parece cada vez mais
distante, quase impossível.
Só de pensar em família, a dor pela ausência do meu pai
volta a me sufocar.
— Helena, vou tomar banho. Arrume-se e esteja pronta daqui
a uma hora. Não se atrase, o restaurante fica longe, lá no centro da
cidade. Meu pai vai nos levar. — Anya avisa da porta, com aquele
jeito prático e decidido.
Eu apenas assinto.
Quando Anya disse que era um restaurante grã-fino,
caramba... ela não estava exagerando.
O lugar é de cair o queixo. Lustres de cristal espalham luz
dourada pelo salão, mesas impecavelmente postas brilham sob o
reflexo das velas, e cada detalhe parece gritar sofisticação. Nunca vi
nada assim em toda a minha vida.
Quase não consigo trabalhar aqui. O gerente, com aquele
olhar desconfiado e carrancudo, por pouco não me barra na porta.
Ser estrangeira não ajuda em nada: basta eu abrir a boca e o
sotaque me entrega, como uma marca registrada. Logo querem me
negar serviço.
Anya, esperta, inventa que sou parente deles e que estudei
fora. O truque cola. Graças a Deus, acreditam. Se não fosse isso, eu
já estaria de volta para o quartinho apertado nos fundos do
restaurante. O salário que vou ganhar aqui em uma noite é
praticamente o que recebo em um mês lá.
Adoro ela e se não fosse essa loucura que a minha vida se
tornou, eu ficaria morando aqui.
Mas sei que não vou ficar muito tempo. Por mais que adore a
companhia da Anya, tenho medo que aquelas pessoas me acham. E
se ainda estiverem me caçando?
Deus me livre.
— Garota, sai do mundo da lua e vai servir essas bebidas na
mesa cinco! — rosna uma das mulheres da equipe, com a expressão
ainda mais azeda que a do gerente.
Respiro fundo. Oh, povo amargo!
Pego a bandeja e sigo meu caminho, tentando manter a
postura.
Mas algo me distrai. Meus olhos se movem sozinhos até a
entrada, acompanhando o movimento no salão. O burburinho
diminui. As conversas cessam por um instante. Todos se voltam para
ele.
E então eu também o vejo.
Ele é impossível de ignorar. Alto, imponente, a presença tão
marcante que parece ocupar o espaço antes mesmo de entrar. O
sobretudo longo, de lã grossa e escura, carrega ainda pequenas
manchas da neve que insiste em cair lá fora. Um cachecol cinza
envolve seu pescoço e luvas de couro negro cobrem as mãos
grandes, que ele retira devagar, dedo por dedo, como quem não tem
pressa.
O rosto é austero, frio como o próprio inverno russo. A pele
clara realça os traços angulosos, as linhas fortes. As sobrancelhas
escuras arqueiam sobre olhos igualmente sombrios, intensos,
capazes de despir qualquer um com um único olhar. O cabelo negro,
ainda úmido e bagunçado pela neve, reforça a dureza do semblante.
Mas ele não está sozinho. Logo atrás, surgem sombras
silenciosas: homens altos, robustos, cobertos por casacos pesados.
Os olhares atentos não descansam um segundo sequer. Seguranças
a prova viva de que aquele homem não é apenas alguém comum.
O ar parece mudar com a presença dele. A temperatura
despenca alguns graus, e o salão inteiro se curva à sua autoridade
silenciosa.
Meu coração dispara em um salto descompassado.
O nervosismo me domina, as mãos suadas traem minha
concentração. Me atrapalho nos próprios pés e, no pior momento
possível, tropeço com a bandeja equilibrada entre os dedos. Tento
recuperar o controle, mas é tarde demais. Os copos se chocam,
alguns despencam, e, em um segundo congelado, vejo tudo se
derramando exatamente sobre a única pessoa que meu instinto grita
que eu jamais deveria ter tocado.
Estou ferrada.
A Bratva não é só uma organização. É um jeito de viver. É
sangue, disciplina, medo e silêncio.
Nasci pra isso. Não porque escolhi, mas porque já tava no
meu destino. Cresci cercado de homens que não riam à toa, que
falavam pouco e ensinavam que hesitar é o mesmo que cavar a
própria cova.
Hoje, com trinta e cinco anos, sou o Pakhan. O chefe. O cara
que puxa os fios dessa rede que se espalha pela Rússia e muito
além.
Tudo passa por mim: carregamento, transação, arma vendida,
político comprado.
E cada vida tirada ou poupada também depende da minha
decisão.
Aqui não tem espaço pra fraqueza, nem pra erro.
Meu irmão, Mikhail, é meu braço direito. Desde moleques,
dividimos o mesmo teto gelado, a mesma comida escassa, as
mesmas lições brutais. Aprendemos que o mundo não perdoa
distração e que pra sobreviver, a gente precisava ser mais cruel que
qualquer inimigo.
Ele sempre foi leal. Sempre eficiente. Sempre certeiro.
Até o dia em que quase fodeu tudo.
Um único erro. O primeiro e o último.
Mikhail matou um homem importante diante de uma
testemunha.
Um vacilo imperdoável. Um deslize que podia ter
comprometido toda a Bratva. Podia ter exposto meu nome, meu
trono, o sangue da nossa família.
Ainda lembro do rosto dele naquela noite. O suor frio
descendo, os olhos grudados nos meus, implorando desculpa sem
dizer nada. Ele eliminou a testemunha depois, rápido, eficiente,
como sempre foi, mas não apagava o fato de que tinha cometido um
erro.
E só por isso, até hoje, eu o culpo.
Não porque desconfie dele ou do seu potencial, eu sei que ele
é bom. Mikhail é meu sangue, minha carne, minha história. Mas
porque um Pakhan não pode esquecer.
E a Bratva nunca esquece.
Ele foi punido. Pelas minhas mãos.
Não o matei, nunca faria isso. Mas fiz o suficiente pra que se
lembrasse, todos os dias, que um erro pode destruir tudo.
A dor ensina e Mikhail aprendeu.
Hoje, tudo voltou pros trilhos. A Bratva tá firme, crescendo
como nunca. Estamos na Rússia, na Espanha, na França… nossas
raízes atravessam fronteiras, misturam-se com dinheiro e política.
Homens fingem não nos ver, mas dependem de nós.
A ordem reina e o medo mantém todos na linha. E eu? Eu
observo. Atento. Calculando cada movimento como num tabuleiro de
xadrez.
Mas tô estressado pra caralho.
Daqui a alguns meses vou me casar e, embora eu saiba que
faz parte das minhas obrigações, alianças, herdeiro, imagem de
família, não consigo me imaginar todo santo dia com a mesma
mulher. Porra, deve ser um saco.
Vai ser simples: vou deixar claro qual é o papel dela. Me dar
um filho e me acompanhar quando for preciso mostrar que sou um
homem de família. Casado. Respeitável. Essas frescuras que todo
mundo insiste em valorizar.
Não fiz questão de conhecê-la. Só vi uma foto que Mikhail me
mostrou. Bonita, sim, não vou negar, mas continua sendo só mais
uma jogada pra fortalecer meu império.
Hoje decidi jantar em um dos meus restaurantes favoritos. O
dia foi um inferno, e uma boa comida, acompanhada de vodka,
cairia bem.
Mas uma garçonete atrapalhada resolveu foder com a minha
paz.
Tudo aconteceu rápido. Ela surgiu tropeçando entre as mesas,
a bandeja tremendo nas mãos. Os copos tilintavam, o líquido
escorria, e alguns já despencavam no chão, estilhaçando no piso.
Todo mundo virou pra olhar. E antes que alguém fizesse qualquer
coisa, o desastre veio inteiro: a garota tropeçou e a bandeja
desabou sobre mim.
Meus homens reagiram na hora, prontos pra arrancá-la dali,
mas ergui um dedo e eles pararam.
Ela, trêmula e com os olhos arregalados de pânico, começou
a balbuciar em um russo arrastado, cheio de sotaque.
— P-por favor… me perdoa… — a voz dela tremia tanto
quanto as mãos.
Antes que eu falasse alguma coisa, ela puxou sabe-se lá de
onde um pano amassado e se apressou em limpar o estrago. Passou
no meu peito, o tecido deslizando desajeitado sobre o sobretudo.
— Ai, moço, por Deus, me perdoa… eu não queria… —
continuava, ofegante, implorando a cada palavra.
E ela não parava. O pano foi descendo do meu peitoral até o
abdômen. Apressada, cega, tentando consertar o impossível. Até
que os joelhos bateram no chão, e ali ficou, sem perceber a cena
que tava criando diante de todos.
Meus olhos se estreitaram. Por um instante, prendi a
respiração.
— Levante-se — ordenei. — Não precisa me limpar… não
desse jeito, não na frente de todo mundo.
A porra da garota quase limpou minha calça. Bem em cima do
meu pau.
Caralho.
Foi só aí que ela percebeu. O rosto ficou vermelho num
segundo, a vergonha subindo das bochechas até as orelhas.
Lentamente, ergueu os olhos até encontrar os meus.
E foi quando a vi de verdade.
A pele clara, quase translúcida, contrastando com o rubor
intenso. Os cabelos escuros emolduravam as feições delicadas. Mas
foram os olhos, claros, profundos e intensos, que me atingiram.
Ela tinha uma beleza rara, bruta e magnífica.
E, por um instante, por menor que fosse, esqueci que havia
dezenas de olhares atentos ao redor.
Só existia ela.
— Sua desastrada! — a mulher dispara, o rosto deformado
pela raiva. — Olha o que você fez, garota!
A garçonete se levanta devagar, e o contato visual entre nós
se rompe. Sinto uma frustração súbita, quase absurda, por perder
aquele instante em que ela só existia pra mim.
— Desculpa, eu não quis...
— Eu não te perguntei nada! — a outra insiste, esbravejando
sem piedade. — Pegue suas coisas e saia do restaurante agora
mesmo! E não vai receber nada, porque o prejuízo que deu vai ser
descontado.
— Sim, senhora — ela murmura, a cabeça baixa, a voz tão
frágil que mal atravessa o ar. — Me desculpa, senhor, eu juro que
não foi por querer — acrescenta, os olhos voltando pra mim antes
de sair apressada.
— Senhor, por favor, peço perdão por isso... — a mulher tenta
se justificar.
Eu ergo apenas um dedo, calando a boca daquela infeliz.
— Pague o que tem que pagar pra garota. E peça desculpas
pela sua grosseria. — Minha voz não deixa espaço pra réplica.
Ela me encara, olhos arregalados, sem acreditar no que
ouviu.
E eu também não acredito. Mas que diabos eram aqueles olhos?
Devia simplesmente deixá-la se foder sozinha. Não é
problema meu. Mas minhas pernas ignoram minha cabeça e, quando
percebo, já estou caminhando até a saída. A neve cai pesada lá fora,
pintando a noite de branco. Vejo quando ela fala algo com outra
funcionária e depois atravessa a porta.
— Garota! — chamo, fazendo-a se virar para mim.
Ela está tremendo. A roupa fina colada ao corpo não tem a
menor chance contra a tempestade de neve.
— Senhor, me perdoe, não foi minha intenção derrubar tudo
aquilo em você. Se o senhor quiser, pode me dar sua roupa que eu
lavo. Deixo novinha, como estava.
Fico em silêncio por um segundo, apenas encarando-a. Um
sorriso ameaça nascer no canto da minha boca e luto contra ele.
Ela quer lavar minhas roupas? Que ingênua.
— Como é o seu nome?
A garota pisca algumas vezes, confusa, não entendendo a
minha pergunta. Nem eu sei por que perguntei.
— Helena.
Helena... Provo mentalmente o nome. Um gosto doce,
inesperado. Bonito.
— Helena, me chamo Viktor. Está frio demais aqui fora, como
você vai embora?
— E por que o senhor quer saber disso? — retruca,
arqueando uma sobrancelha. O desafio nos olhos claros acende algo
em mim.
A resposta que quero dar é a mais sincera: eu também não
sei.
— Senhor. — meu soldado surge, entregando-me um
envelope.
— Helena, aquela mulher pediu que eu te desse isso, é o seu
pagamento. Acho que ela também quer se desculpar. Vamos lá pra
dentro? — digo, estendendo o envelope em sua direção.
Ela me encara, os olhos semicerrados, desconfiada.
— Tem certeza? Porque ela não parecia querer pedir
desculpas, mas também não precisa, eu errei. — Hesita, mordendo o
lábio inferior, balançando a boca de um lado pro outro antes de,
enfim, pegar o envelope. — Certo, vou aceitar. Porque eu errei, né?
Mas não foi de propósito. Ela não precisava ter me tratado daquela
forma.
Um segundo sorriso ameaça escapar de mim.
Quando foi a última vez que senti vontade de sorrir pra
alguém? Talvez quando minha mãe ainda estava viva.
— Então, vamos entrar? — viro um pouco de lado, abrindo
espaço pra que ela passe.
Ela me olha firme, o queixo erguido.
— Foi o senhor que mandou ela fazer isso, não foi?
— Eu não sou o dono do restaurante, Helena. Não tenho esse
poder. — Minto em partes. Não sou o dono, mas todos aqui
obedecem a mim. — Só acho que ela percebeu o erro que cometeu
e quis se redimir.
— Hum... vou fingir que acredito. — murmura, roçando o
ombro no meu braço quando passa por mim.
O calor do toque atravessa o frio da noite e de novo, sinto
vontade de sorrir.
Pra ela.
E não é que eu recebi o dinheiro? A mulher ainda pediu
desculpas, mesmo que tenha sido entre os dentes, estava na cara
que só fez isso porque aquele homem mandou. E como se não
bastasse, ainda me ofereceu um jantar por conta da casa pra se
redimir.
Eu aceitei. Não tô dizendo que estou 100% certa, eu sei que
errei. Mas precisava me humilhar daquele jeito na frente de todo
mundo? Eu, hein.
Agora estou encolhida num cantinho do restaurante, no lugar
mais escondido que encontrei. O prato já está vazio, e só espero a
Anya terminar o expediente dela. Até tentei ajudar, mas a mulher
não deixou nem eu chegar perto, com medo de eu causar outro
desastre. Nem insisti. Vai que ela me põe pra fora? Eu não teria
coragem de ficar esperando a Anya lá fora, naquele frio cortante.
Durante a noite toda evitei olhar na direção dele. Mesmo
sendo o homem mais lindo que já vi na vida, e juro, sem exagero
nenhum, algo nele me deixa inquieta. Os olhos frios demais, a
postura séria demais e aquela aura de poder que é impossível
ignorar. Um homem como ele não precisa dizer quem é. Ninguém
anda cercado de tantos seguranças à toa.
Por fim, Anya termina a noite e o pai dela vem nos buscar. No
caminho de volta, ela ri, tagarela sobre o que aconteceu e não
poupa elogios ao Viktor pela atitude que tomou.
E eu só consigo concordar. Porque é raro, raríssimo, encontrar
alguém que realmente se importe. Hoje em dia parece que ninguém
liga pra ninguém.
Quando chego em casa, corro pro banho. A água não ajuda
muito, morna demais em alguns momentos, fria demais em outros.
Cada gota gelada que toca minha pele arranca um arrepio. Saio
depressa, me enfio debaixo das cobertas e deixo o corpo afundar no
calor do edredom.
Bastou fechar os olhos pra dormir.
E a maior loucura? Sonhei com ele.
Com aquele homem que me causa arrepios só de pensar,
Viktor.
Hoje seria minha folga, mas a Anya não acordou bem, então
acabei trabalhando no lugar dela. Não é que eu tenha grandes
planos para o dia de descanso, então não me importei de pegar no
batente.
O senhor Vasili pediu que eu fosse até o centro buscar o
remédio da esposa dele, normalmente essa é a função da Anya, mas
hoje ela mal consegue levantar da cama.
E aqui estou eu. Depois do expediente, faço o favor sem
reclamar. Já comprei o remédio e tô caminhando tranquila em
direção ao ponto de ônibus quando sinto uma sensação estranha,
quase instintiva, como se uma sombra grudasse em mim. Meus
ombros arrepiam no mesmo instante.
Um carro começa a desacelerar, acompanhando o ritmo dos
meus passos.
Meu coração dispara, martelando parecendo querer explodir
do peito.
Minha boca seca e as mãos começam a suar.
Não.
Não pode ser.
Não agora.
Eles me acharam.
Meus instintos gritam, e eu obedeço sem pensar. Disparo em
corrida. Quanto mais corro, mais parece que o carro ganha força,
me caçando.
Meu Deus… meu Deus… depois de três anos, eles me
encontraram. Já era. Vou morrer. Vou morrer aqui, agora.
As pessoas na rua param, algumas me encaram com
curiosidade, outras cochicham, mas eu não me importo. Que
pensem o que quiserem. Eu não corro de vergonha, eu corro pela
vida. E é isso que eu sou nesse momento: puro desespero em
movimento.
Eu não quero morrer.
Meus pulmões queimam, imploram por ar, mas minhas pernas
não param. Eu nem sinto mais o chão sob meus pés. Avisto um beco
estreito, escuro, e viro bruscamente para dentro dele.
A respiração sai em soluços curtos e o sangue martela nos
ouvidos, abafando o resto do mundo. Meu coração corre ainda mais
rápido que minhas pernas, e sinto que a qualquer segundo ele pode
parar.
Preciso me exercitar mais… penso, no auge da corrida,
porque agora estou ferrada. Mal consigo manter a velocidade, cada
músculo arde.
O beco é um corredor de sombras. Cheira a lixo, umidade e
fumaça de cigarro velho. Cada pelo do meu corpo se arrepia. As
pernas tremem tanto que parece que vão me abandonar a qualquer
instante.
Será que eles me viram entrar aqui? De carro não dá pra
passar, então eu ainda tenho uma chance.
Acelero. O fim do beco já aparece, uma nesga de luz, uma
saída. Meu peito se enche de esperança por um segundo e então
morre na mesma hora.
O carro está ali. Bem na saída. Faróis baixos e motor ligado.
O grito prende na minha garganta.
FODEU.
Eles me acharam.
Eu vou morrer.
O desespero me atinge como uma onda gelada. Tento girar
nos calcanhares, fugir de volta, mas bato de frente.
Não é parede, não é muro. É um corpo.
Um peito largo, sólido, firme como pedra. O calor que emana
dele contrasta com o frio cortante do beco. O cheiro masculino,
amadeirado e quente, invade minhas narinas, bagunçando todos os
meus sentidos.
Meu grito sai tão alto que chega a doer nos meus próprios
ouvidos.
E então ouço a voz grave:
— Está fugindo de quê, Helena?
O mundo gira e o chão desaparece dos meus pés. É a última
coisa que escuto antes de sentir meu corpo ceder inteiro, desfalecer
contra os braços dele.
Mas antes que a escuridão me engula de vez, eu reconheço
essa voz de algum lugar.
Eu já ouvi antes.
Acordo com a cabeça latejando e o coração disparado,
batendo forte demais. Minha mão vai instintivamente ao lado
esquerdo, tentando acalmar aquela pressão, enquanto abro os olhos
devagar.
Espera… eu ainda estou viva?
Abro de vez e solto um suspiro trêmulo de alívio. Sim. Eu
realmente estou viva.
Mas onde diabos eu estou?
O quarto ao meu redor é bonito demais. Elegante, luxuoso e
cheio de detalhes que só gente rica tem. Mas não é o céu. Nem o
inferno.
Ou será que esse é o meu inferno particular aqui na Terra?
Por Deus… eles me sequestraram, ao invés de me matar.
Burra. Que burra eu fui de desmaiar!
Mas também quem no meu lugar teria aguentado? O
desespero tomou conta de mim.
Levanto da cama no maior cuidado, controlando até a
respiração pra não fazer nenhum barulho. Me arrasto até a porta e
giro a maçaneta com os dedos suados.
Aberta.
Ué, eu não estava em cativeiro?
Espio para fora. O corredor é imenso, decorado, como um
palácio. Tapete macio, paredes com quadros caros, lustres brilhando.
É lindo, mas me dá calafrios.
Onde eu estou?
Dou alguns passos, perdida. Olho para um lado, depois para o
outro e nada parece familiar.
Será melhor voltar pro quarto e esperar alguém aparecer?
Mas e se eu ficar lá e eles entrarem pra me matar? Não. É melhor
arriscar a única chance que me resta.
Sigo para a direita e me deparo com uma escada
monumental, daquelas que só se vê em filmes. O corrimão
trabalhado em madeira escura brilha e o tapete vermelho que cobre
os degraus engole o som dos meus pés.
Uau, até que esse bandido que me sequestrou é podre de
rico.
Seguro o fôlego e desço cada degrau devagar. Chego ao fim
da escada, meus olhos correm de um lado para o outro, perdida.
Esse lugar é enorme, parece um labirinto de luxo. Quem me trouxe
pra cá?
— Helena.
Meu corpo inteiro paralisa.
Droga.
Droga.
Droga.
O que eu faço agora?
Me viro e encaro quem me chama? Ou saio correndo antes
que seja tarde?
— Correr não é uma boa opção. — A voz ecoa de novo,
parecendo ler meus pensamentos.
Congelo.
Espera.
Eu conheço essa voz.
Viro de uma vez, o coração quase saindo pela boca e fico
boquiaberta ao ver quem está diante de mim.
— Você me sequestrou?!
Vi Helena no centro da cidade hoje. Claro que não foi por
acaso, tenho um soldado vigiando ela desde o dia em que saiu
daquele restaurante.
Não sou um cara obcecado, nunca precisei ser. Sempre tive
tudo o que quis, mas com Helena é diferente. Essa mulher vai ser
minha, de um jeito ou de outro.
Quando o carro se aproximou dela no centro, vi o medo
estourar em seus olhos antes mesmo dela correr. E correu como se a
vida dependesse disso.
Aquilo chamou minha atenção, me deixou intrigado.
Por que ela fugiria assim?
Fui atrás e antes que pudesse entender, Helena desabou nos
meus braços, desmaiada.
Trouxe-a pra minha casa. Ela ficou inconsciente tempo demais
dentro do carro, e não achei certo deixá-la em outro lugar. Aqui,
pelo menos, ela estaria segura.
E isso é novidade. Minha casa é sagrada. Nunca trouxe
mulher nenhuma aqui. Mas com Helena, começo a perceber que
estou mudando minhas regras.
Desde que acordou, pela forma como me olhou, já percebi
que queria correr. Uma ideia estúpida. Helena só vai sair daqui se eu
permitir. Porque aqui tudo funciona como eu quero, do jeito que eu
quero. E não falo só da minha casa. Eu falo do meu país.
— Eu não te sequestrei — digo, tranquilo, observando seus
olhos estreitos me fuzilarem.
— Ah, não? Então o que estou fazendo aqui?
— Está aqui porque desmaiou.
Ela põe as mãos na cintura. Postura de defesa, mas em vez
de me irritar, acho adorável.
— Eu desmaiei porque você estava me perseguindo, seu
maluco! — grita, a voz carregada de raiva.
Qualquer outra pessoa teria levado uma bala na testa por
falar comigo desse jeito. Mas Helena não tem ideia de quem eu sou.
Não tem noção do perigo em que está. E tenho certeza disso por
três motivos: primeiro, não é daqui, o sotaque entrega. Segundo,
apesar do receio, não me olha como os outros, não vejo pavor nos
olhos dela. Terceiro, e o mais importante: não encontrei nada de
relevante sobre ela. Essa garota está fugindo de alguma coisa.
— Do que tanto tem medo? Por que estava fugindo? — dou
um passo à frente e vejo seus olhos se arregalarem.
— Como eu não vou ter medo? Você estava me perseguindo
de carro! Eu tive que correr! Ia lá saber se era um sequestrador? Um
estuprador? Qualquer pessoa no meu lugar teria feito igual!
Estuprador? Porra. Essa maluca tá de sacanagem com a
minha cara.
— Não sou um estuprador.
— Não tenho como saber disso… — ela rebate, estreitando os
olhos. Depois pausa, surpresa. — Espera! Você não negou que era
um sequestrador. — Analisa rápido, e quase rio da cara de
desespero dela. — Você me sequestrou?! — grita de novo, a voz
embargada de pânico.
— Já falei que não te sequestrei, Helena.
— Tá, ok — ela gesticula com a mão, impaciente. — Eu
preciso ir. Eu tinha que levar o remédio… Cadê a sacola que estava
comigo? — finalmente nota a falta.
— Pedi a um dos meus seguranças que entregasse no
restaurante e avisasse que você teve um contratempo.
— Como assim? Como você sabe onde é o restaurante?!
— Vem, Helena. Vamos jantar. — Caminho na frente, sem
olhar pra trás. Ela vem atrás, a voz indignada ecoando pelo corredor.
— Jantar? Do que você está falando? Eu quero ir embora! E
quero saber como você sabia onde eu trabalho! E eu não tive
contratempo nenhum!
Respiro fundo, tentando não surtar com essa falação.
— Você fala demais, Helena. Pergunta demais. É uma
tagarela.
Resmungo, irritado. Nunca ninguém falou tanto, tão rápido,
na minha frente.
— E você se explica de menos!
Sento na cadeira, calmo como o próprio diabo, e a encaro em
pé, emburrada, com aquele olhar que arde mais do que qualquer
palavrão.
— Eu não me explico, Helena.
— O quê?
— Não me explico nem demais nem de menos. Simplesmente
não me explico pra ninguém. Agora sente-se e jante comigo.
— Arrogante! Você não era assim naquele dia. E eu não quero
jantar, preciso ir embora.
Fecho os olhos e respiro fundo, controlando o impulso de me
levantar e arrastar essa boca atrevida até sentar essa bunda
redonda e empinada na cadeira.
— Senta, Helena! — ordeno, num tom mais áspero. — É o
mínimo que pode fazer depois de eu ter te salvado, seja lá do que
estava com medo.
— Você é sempre tão mandão assim? — ela bufa, arrastando
a cadeira e se sentando, contrariada.
— Sempre.
Helena me encara. A boca se abre e se fecha várias vezes,
sem resposta. No fim, fica em silêncio. Adorável.
Mas o silêncio não dura. Nunca dura com Helena.
— Olha, isso está estranho. — Larga os talheres ao lado do
prato. — Por que eu estou aqui, Viktor?
— Já te respondi isso.
— Não venha com essa história de que me trouxe porque eu
desmaiei.
— Mas eu só te trouxe porque você desmaiou.
Ela bufa, nervosa, mordendo o lábio de leve.
— Ok, que seja. Mas o que eu quero saber é: o que você
quer comigo?
Um milhão de imagens passam pela minha mente. Todas
sujas. Todas proibidas. Todas com ela.
— O que te faz pensar que eu quero algo com você?
— Porque eu ainda estou aqui, você não me deixou ir embora
e… porque fica me olhando desse jeito.
— De que jeito?
— Sujo.
Mordo o lábio inferior, rindo por dentro. Essa mulher
consegue arrancar de mim algo que ninguém mais arranca: vontade
de sorrir.
— Eu te olho de maneira suja, Helena? — pergunto,
provocando.
Vejo-a engolir seco.
— Sim. E também fala meu nome do mesmo jeito que me
olha.
— O que eu quero com você é muito mais que apenas sujo,
Helena. É pecaminoso. Mas garanto que você vai implorar pra descer
ao inferno comigo.
Ela se remexe na cadeira. Os dedos dela apertam a beira da
mesa, buscando firmeza. As bochechas coradas denunciam o tesão
que ela tenta esconder.
— Não quero ir ao inferno, mas obrigada pelo convite.
— Não posso te prometer algo que não vou cumprir.
— Que seria?
— Te levar ao céu. Até porque um homem como eu não
chegaria nem na porta.
Ela solta um riso nervoso, sem acreditar no rumo da
conversa.
— Que loucura é essa? Eu nem te conheço, estou na sua
casa, jantando com você, e agora você fica aí falando que quer fazer
coisas sujas comigo e me levar pro inferno. — Se levanta
bruscamente, a cadeira arranhando o chão. — Sinceramente, é
loucura demais pra minha cabeça!
Quando Helena vira as costas, pronta pra sair da sala de
jantar, eu solto o que tanto quero com ela:
— Eu quero te foder, Helena.
Ela congela.
— Desde a primeira vez que te vi. Quando você se ajoelhou
diante de mim, imaginei fodendo a sua boca carnuda primeiro, antes
de te foder por inteira.
O ar parece desaparecer da sala. Ela não se move. Só sinto a
mudança: o ritmo acelerado da respiração dela, o peito subindo e
descendo rápido, os ombros tensos. Posso garantir que ela está
quente, pegando fogo e que todos os pelos do seu corpo estão
arrepiados.
Porque, no fundo, Helena também quer.
Ela quer ser fodida por mim tanto quanto eu quero fodê-la.
E não é só querer, vai acontecer. Essa mulher vai estar na
minha cama, gemendo o meu nome, enlouquecida de prazer.
O choque me paralisa. As palavras dele me atravessam com
tanta força que meu coração dispara, latejando no peito como um
tambor em guerra. Cada pelo do meu corpo se arrepia e o ar me
falta.
Balanço a cabeça de um lado pro outro, tentando recobrar o
fôlego.
É loucura demais para um único dia.
— Você está louco. — Minha voz sai trêmula. — Aliás, toda
essa conversa é maluca. Eu vou embora.
Não olho para trás, não tenho coragem, só sei que preciso
sair dali, me afastar desse homem que, desde o primeiro instante,
transforma cada parte de mim em algo que não reconheço.
É tal qual tivesse um ímã invisível, um poder que domina meu
corpo inteiro sem ao menos me tocar.
O que está acontecendo comigo?
Nunca me entreguei de verdade a ninguém. Já tive um caso
ou outro, nada sério, nada que mexesse comigo dessa forma.
Nenhum olhar me deixou assim: tonta, frágil, desarmada.
Respiro fundo, tentando decidir pra que lado correr nesse
labirinto de corredores enormes, gelados, envoltos em silêncio. Dou
um passo, pronta pra virar a esquina, quando bato em algo sólido.
É ele. Viktor.
Meu coração falha um compasso, depois dispara
enlouquecido. Nem percebi como ele conseguiu chegar tão rápido,
surgindo do nada. Engulo em seco, os olhos fixos nele, que agora se
impõe à minha frente, com as mãos saindo devagar dos bolsos da
calça.
— A saída não é por aí.
Instintivamente, dou um passo atrás.
— O que você vai fazer? Vai me prender aqui só pra conseguir
o que quer?
Os olhos dele, negros, intensos e perigosos, se cravam nos
meus, tentando arrancar cada mentira que tento esconder. Ele se
aproxima mais um passo e de repente o corredor parece pequeno
demais, o ar rarefeito demais.
— Acha mesmo que eu preciso te prender pra ter você? —
Solta cada palavra arrastada, carregada de provocação.
Um calor estranho explode dentro de mim.
— Não, porque nem se me prender aqui, você vai me ter. —
Tento soar firme, mas minha voz falha. Engulo seco. — Só… só me
diz onde é a saída.
A mentira escorrega dos meus lábios tão rápido que eu me
sinto ridícula. Eu sei e ele sabe. Se esse homem me tocar de novo,
não vou ter forças pra resistir.
— Você mente bem, Helena — murmura, se inclinando mais,
a sombra dele me engolindo. — Mas eu sou ainda melhor em
descobrir mentiras.
A mão dele se ergue lentamente e os dedos quentes roçam a
minha bochecha. Um choque percorre meu corpo. Prendo o ar,
tentando não demonstrar nada, mas é impossível. O toque desce
pela linha do meu pescoço, roçando a pele sensível, até chegar ao
meu abdômen. O pano fino da blusa não serve de proteção; sinto
cada detalhe do movimento, lento, quase cruel.
— Está toda arrepiada.
— É… é o frio… — minto depressa, mas nem eu acredito no
que digo.
Ele solta um som baixo, um riso abafado e balança a cabeça
num gesto de quem me repreende pela tentativa patética de negar o
óbvio.
E eu, mesmo tomada pelo medo, sinto algo ainda mais forte
me invadir. O perigo diante de mim queima, mas o que mais me
aterroriza é o quanto eu quero me aproximar dele.
Antes que eu consiga recuar, ele me empurra contra a parede
gelada do corredor. Minhas costas batem de leve, o impacto me faz
prender o ar, e o contraste entre o frio cortante da parede e o calor
do corpo dele colado ao meu me deixa tonta.
Ele se inclina, devagar, como um predador que sabe
exatamente o momento certo de atacar. A boca tão perto da minha
que sinto o hálito quente de vodka misturado com o perfume
amadeirado dele, denso e viciante.
— Eu não sei o que faço com você, Helena — a voz dele é
baixa, rouca, arranhando meus ouvidos. — Tão mentirosa, mas tão
deliciosa.
Engulo em seco, o coração batendo forte. Minha mente grita
que ele vai me beijar e meu corpo idiota implora por isso.
Fecho os olhos por um segundo, esperando os lábios dele nos
meus.
Mas não é isso que acontece.
Viktor abaixa o rosto e crava os dentes na curva do meu
pescoço.
O mundo inteiro some.
Um arrepio violento toma conta de mim e um gemido escapa
dos meus lábios sem que eu consiga segurar. O aperto no meu
pescoço se intensifica e o prazer se mistura com a dor numa medida
exata que me deixa em frangalhos.
Ele morde de novo, mais forte, e depois suga minha pele,
chupando com uma posse crua, querendo me marcar de dentro pra
fora. Minha respiração sai em pedaços, rápida, ofegante,
descompassada.
A mão livre dele desce pela lateral do meu corpo e prende
minha cintura com firmeza, me puxa pra ele, me cola, fundindo meu
corpo ao dele. Sinto sua ereção dura contra mim, impossível de
ignorar.
— Viktor… — suspiro, a voz falhando, a cabeça encostada na
parede enquanto meu corpo inteiro se rende.
A boca dele continua no meu pescoço, alternando entre
mordidas quentes e chupadas úmidas que deixam minha pele
latejando, sensível, marcada.
Ele desce, lentamente, da curva do pescoço até a base do
colo. Os dentes arranham de leve, alternando com a língua quente
que traça linhas úmidas no meu decote.
Um gemido escapa da minha boca, sem permissão. Que
droga! Não quero gemer pra ele desse jeito.
Desesperada, tento apertar minhas pernas uma contra a
outra, tentando buscar algum alívio pra esse fogo que cresce rápido
demais dentro de mim.
Mas Viktor não deixa. Com um movimento firme, abre ainda
mais meu corpo, enfiando uma perna entre as minhas e me
prendendo contra a parede. A coxa dele sobe e me pressiona
exatamente onde eu mais preciso.
Arfo alto, o som ecoando pelo corredor.
— Viktor… Deus… — minha voz sai entrecortada.
O aperto no meu pescoço aumenta, controlado, preciso. Não
chega a me sufocar de verdade, mas cada vez mais forte, me
levando pra essa linha perigosa entre dor e prazer que me
enlouquece.
Meu quadril cede, escorregando instintivamente contra a coxa
dele, em busca de fricção, em busca de mais. O prazer se espalha
em ondas e sinto meu corpo latejando, pedindo por algo que não sei
se vou aguentar.
Ele ergue o rosto só por um instante, os olhos escuros fixos
nos meus, a respiração pesada, o sorriso de canto como o de um
predador que sabe exatamente o efeito que causa.
— Mentirosa, deliciosa e tão fácil de perder o controle —
murmura, satisfeito demais por me ter tão vulnerável em suas mãos.
E então ele volta. A boca descendo de novo, mordendo e
chupando cada pedaço exposto do meu colo, enquanto sua mão
aperta minha cintura e sua coxa me prende, me esfregando contra
ele até arrancar de mim outro gemido, mais alto, mais desesperado.
Não é possível que esse homem vá me fazer gozar só
chupando meu pescoço, mordendo meu colo e esfregando a perna
em mim. Que porra de fraqueza é essa? Mal começou e já tô me
perdendo inteira. Mas o que posso fazer? Tô à beira de explodir…
esse homem sabe exatamente como quebrar uma mulher.
Viktor pressiona a coxa mais firme entre as minhas pernas,
levando-me a loucura.
— Ah, Viktor… por Deus — suspiro, a voz arrastada, perdida
entre gemido e súplica.
Ele ergue o rosto só o suficiente para me encarar, os olhos
escuros queimando contra os meus. O aperto na minha cintura
aumenta, prendendo-me ainda mais nele. A mão que segura meu
pescoço sobe um pouco, o polegar roçando de leve na minha
garganta sensível.
— Não ouse chamar por Deus, Helena. Se tiver que implorar,
se tiver que gemer, chame apenas por mim.
Gosto do efeito que causo em Helena. Essa mulher deixa
transparente no olhar o desejo que sente por mim e comigo não é
diferente.
Quero foder essa mulher desde o dia do restaurante. Cheguei
a sonhar com o quão quente e apertado deve ser estar com o pau
enterrado até o fundo da sua boceta.
E eu nunca sonhei com porra de boceta nenhuma.
Até o gosto da pele dessa mulher é delicioso e viciante. Doce
e quente, uma tentação que me enlouquece a cada mordida.
E o cheiro… caralho, o cheiro dela. Não é perfume, não é
nada que venha de frasco caro. É o cheiro natural da pele dela,
limpo e fresco, com aquele toque quase adocicado que me invade e
me prende feito corrente. Um aroma único, que gruda na memória e
me faz querer respirar fundo só pra encher os pulmões dela.
Seus cabelos roçam no meu rosto quando deslizo a boca pelo
pescoço. Escuros, macios, com um perfume suave que mistura
sabonete simples e o próprio calor do corpo dela. É viciante.
Helena é um pecado.
E eu não sou um cara que me importo em pecar. Afinal, já
estou no inferno. E ela é o pecado mais gostoso que eu quero
cometer.
Meus dentes abocanham o seio dela por cima da blusa fina e
o grito que explode da garganta de Helena ecoa pelas paredes da
casa. É música bruta, desesperada, feita só para os meus ouvidos.
Minha mão finalmente solta o seu pescoço e agarro o tecido
da blusa, num movimento seco, rasgo o pano que cede fácil sob
minha força. O som da costura estourando se mistura à respiração
ofegante dela.
Os mamilos ficam expostos, duros, provocantes, e por um
instante eu só observo, sentindo o sangue ferver, o peito subir e
descer como um animal prestes a avançar.
— Agora, Helena, quero ouvir você gritar só o meu nome.
Minha boca envolve o mamilo rijo, minha língua desliza lenta,
provocadora, contornando-o até senti-lo endurecer ainda mais. O
corpo dela reage na hora: ela se arqueia contra mim, implorando por
mais.
O gemido que escapa dos lábios dela é um golpe direto no
meu pau, que pulsa desesperadamente.
A palma da minha mão aperta o outro seio, esmagando-o
contra os dedos enquanto alterno sucções e mordidas suaves. Puxo
o mamilo entre os dentes, saboreando o sabor doce da pele
aquecida, e quando solto, é só para lamber de novo, devorar,
mostrando como eu tenho fome dela.
O cheiro do corpo quente de Helena, misturado ao perfume
simples que ainda insiste em resistir ao suor, me enlouquece.
Ela agarra meu ombro com força, as unhas cravando fundo
na minha pele. Os gemidos dela vêm curtos, arfados, cada vez mais
altos.
Continuo friccionando a perna, pressionando contra a calça.
Faço força, roçando, e o corpo dela se agita.
— Isso, Helena — murmuro contra o bico do seio, sugando-o
com avidez, a língua girando lenta, depois rápida.
Ela geme alto, um som desesperado, jogando a cabeça para
trás, e sinto os quadris dela se moverem instintivos contra a minha
perna, esfregando, pedindo fricção. A cada investida, eu aperto mais
a boca no mamilo dela, chupando forte, até sentir o corpo inteiro de
Helena tremer.
As mãos dela não sabem onde se apoiar, ora arranham meus
ombros, ora puxam meus cabelos, enquanto a respiração se parte
em gemidos quase chorosos.
E então ela se perde. O corpo estremece contra o meu, os
quadris travam num movimento brusco e um grito explode da
garganta dela.
— Viiiktor! — ela grita o meu nome em um soluço
desesperado.
Eu sinto quando ela goza. O calor, o tremor, a entrega total. E
sorrio contra a pele sensível do seio que ainda sugo com força,
porque acabei de provar que Helena é toda minha.
Solto o mamilo e desço a boca pelo abdômen dela, minhas
mãos já se apressando em agarrar a cintura fina. Sem aviso, puxo o
zíper da calça e arranco o tecido junto com a calcinha de uma vez,
num gesto bruto, impaciente, ouvindo o raspar do pano no chão.
Helena arregala os olhos, leva um susto, mas não tem tempo de
reagir.
Antes que pense em cobrir-se, me abaixo, passo os braços
por trás das pernas dela e a ergo contra mim.
— Viktor! — ela solta um grito de surpresa, as mãos
procurando apoio no batente da parede.
Me ajoelho no chão, seguro suas coxas abertas e firmo suas
pernas sobre meus ombros. Agora a boceta dela está exatamente
onde eu quero: na altura do meu rosto, entregue, vulnerável e só
minha.
— Grite de novo. Quero você berrando o meu nome até
perder a voz.
As pernas dela tremem sobre meus ombros, mas não a deixo
escapar. Seguro suas coxas com força, enterrando os dedos na carne
macia, prendendo-a contra mim. O cheiro dela invade meus
sentidos, viciante.
Minha língua começa a percorrer sua boceta gostosa,
lentamente, como quem saboreia algo proibido. Ela arfa, o quadril se
contorce.
Sugo a sua boceta com força, a boca fazendo barulho úmido.
Cada gemido que ela solta vibra direto no meu pau e cada vez que a
escuto dizer meu nome, penso que vou estourar a calça de tanto
tesão.
— Viktor… ah… Viktor…! — o jeito como ela implora me
enlouquece.
A ponta da minha língua desenha círculos rápidos no seu
clitóris, alternando com sucções fortes que a fazem gritar. Eu seguro
sua bunda com as duas mãos, puxando-a mais contra o meu rosto,
esfregando-a em mim.
Ela agarra meus cabelos, puxa, geme alto e perde o ar. O
corpo inteiro dela vibra. Sinto os espasmos começarem, cada
músculo se contraindo contra mim. Então a sugo mais forte,
concentrando a língua no seu clitóris inchado, chupando sem
piedade, até sentir Helena explodir de novo, gritando meu nome.
O gosto quente dela escorre pela minha boca e eu bebo, na
urgência de um maldito, na fome de quem precisa disso para viver.
E quando finalmente afasto os lábios, respiro fundo, olhando
para cima. Ela está desmoronada, os olhos semicerrados, o corpo
mole, mas ainda tremendo. Sorrio satisfeito, com a boca brilhando
dela, e aperto sua coxa só para lembrar quem a fez perder a cabeça
desse jeito.
— Você é minha, Helena. E nunca mais vai esquecer disso.
Antes de soltá-la, passo a língua uma última vez na sua
boceta, saboreando cada vestígio. Ela solta um gemido fraco, quase
um lamento, o seu corpo não aguentasse mais. Só então a coloco no
chão, com cuidado, segurando firme sua cintura para que as pernas
não desmoronem.
Ela fica ali, apoiada na parede, me encarando em puro
êxtase, os olhos brilhando, a respiração descompassada, a boca
entreaberta.
A imagem dela assim é quase imoral.
Meus dedos já alcançam o botão da minha calça, arrancando-
o com pressa, desesperado para me enterrar nela de uma vez, para
marcá-la por dentro como já marquei por fora.
Vejo o olhar dela mudar, de prazer total para algo mais
sombrio, mais pesado.
— Eu… não posso. — Sua voz sai trêmula, ainda embargada
de prazer. — Viktor, eu tenho que ir embora.
Eu a encaro, sentindo a fúria e o desejo se misturarem dentro
de mim.
É o caralho que ela vai embora!
— É o caralho que você vai embora! — rosno, avançando
sobre ela.
Minha mão se enfia nos seus cabelos, puxando com força
suficiente para fazer a cabeça de Helena arquear para trás. Seus
olhos encontram os meus, dilatados, assustados e excitados ao
mesmo tempo.
— Você não vai a porra nenhuma, entendeu? Isso só termina
quando você estiver desmaiada de tanto ser fodida e toda gozada
por mim.
Tomo a sua boca num beijo bruto. Não há doçura, não há
calma, é posse pura. Meus lábios esmagam os dela, arrancando um
gemido sufocado que vibra contra minha boca. Invado sem pedir,
minha língua forçando caminho, explorando cada canto, lambendo,
sugando, mordendo, querendo devorar até a alma dela.
E é exatamente isso que eu quero.
Sinto o gosto dela ainda presente, misturado ao meu desejo
cru, e isso me enlouquece. Mordo seu lábio inferior com força, puxo
e solto apenas para voltar a esmagá-la num novo choque de bocas.
Ela tenta respirar, mas não deixo; seguro firme os seus cabelos,
puxando a cabeça para trás, mantendo-a vulnerável para mim.
Helena geme contra a minha língua e sinto o corpo dela
estremecer só com esse contato. Minha outra mão aperta sua
cintura com força, quase machucando, enquanto minha boca a
devora.
Eu vou foder essa mulher até que nós dois percamos os
sentidos.
Tem ilustração hot dessa cena, basta me procurar no Instagram
@autoraanele
Enlouqueci!
Não tem outra explicação.
Em vinte e três anos, nunca perdi a cabeça dessa maneira por
um homem.
Tudo bem que nenhum outro sequer me tocou assim, mas…
caramba, o que está acontecendo comigo?
Nem conheço esse homem e já estou completamente nua
diante dele. Pior: nua e gozada.
Nunca fui tão imprudente. E nunca foi tão gostoso. Como
resistir?
Esse homem, por Deus, tem uma pegada que me faz querer
gozar no instante em que me toca. Ele me beija de um jeito que eu
jamais imaginei. Beija como quem tem fome. É voraz, desejoso,
quente, tão quente que não consigo acompanhar. Duas vezes já bati
ridiculamente meu dente no dele. E ele? Nem se importou.
Continuou me devorando.
Viktor me beija e me toca com desespero, me consumindo
inteira. Sua pegada é agressiva e eu não quero que pare. Pelo
contrário: cada célula do meu corpo implora para que ele continue.
Minhas mãos são puro desespero, tateando sem direção, ao
contrário das dele, que parecem saber exatamente onde e como me
tocar.
De repente, sua boca se afasta da minha. Sou puxada
bruscamente pelo cabelo e pela cintura, girada de costas, até que
meu rosto encosta na parede gelada. O contraste da frieza com o
fogo que ele acende em mim faz meu corpo inteiro estremecer.
— Você acha que pode deixar um homem como eu duro feito
pedra, louco para gozar, e simplesmente dizer que vai embora? —
sua voz é um rosnado. — Maldita bruxa!
Antes que eu consiga retrucar o apelido que ele acabou de
me dar, sinto a cabeça robusta do seu pau roçar na minha bunda.
Minha espinha gela.
— Fascinante… sedutora nata… feiticeira. — Ele sussurra no
meu ouvido, a respiração quente me arrepiando. — Uma maldita
bruxa que merece ser queimada.
— E é você que vai me queimar? — provoco, empinando
ainda mais a bunda contra ele. Ouço-o rosnar em resposta.
— Com toda certeza. Só preciso que me confirme que já fez
isso antes e que está pronta para mim.
Uma risada escapa da minha garganta.
— Fique tranquilo, não sou virgem. Decepcionado?
A mão enorme dele volta ao meu pescoço, apertando com
aquela mistura de dor e prazer que me rouba o ar. Minha risada
morre na hora.
— Não preciso ser o primeiro homem a estar dentro de você
— ele murmura, a voz áspera no meu ouvido. — Só preciso ser o
único que você vai lembrar pelo resto da vida, Helena. Depois que
eu te foder, você estará estragada para qualquer outro homem que
sequer pensar em te tocar.
E são justamente essas palavras, que eu deveria repudiar,
que me deixam ainda mais molhada antes de ele me arremeter de
uma só vez. Um grito rasga minha garganta, tão alto e tão profundo,
que sinto queima-la.
Parece que Viktor vai me partir ao meio com o tamanho e a
grossura dele. Estou molhada, lubrificada, mas mesmo assim é difícil
recebê-lo. O desgraçado gosta da sensação de me ter apertada,
esmagando-o. Geme, aumenta ainda mais a pressão da mão no meu
pescoço, prende minha cintura com a outra, e mete em mim sem
dó.
As estocadas são tão violentas que meus seios sacodem
pesados, doloridos. Meu rosto só não bate contra a parede porque a
mão dele no meu pescoço me mantém fixada.
Cada estocada dele é um golpe seco, forte, que me faz gritar.
A mão dele aperta meu pescoço como uma coleira, controlando cada
respiração que consigo roubar.
O som da pele contra a pele ecoa alto, indecente, misturado
aos meus gemidos e ao rosnado animalesco que escapa da garganta
dele.
De repente, a palma da sua mão solta meu pescoço apenas
para descer em um tapa estalado na minha bunda. O impacto faz
meu corpo tremer, a pele arder, mas o gemido que solto sai mais
alto, mais sujo.
Ele rosna contra a minha nuca, satisfeito.
Outro tapa. Mais forte. Minha pele queima, e antes que eu
recupere o fôlego, sinto os dentes dele cravarem nas minhas costas
nuas. Um arrepio percorre minha espinha e o gemido que sai da
minha boca é puro desespero e prazer.
— Olha só você — grunhe no meu ouvido, a respiração
quente me incendiando. — Geme como uma putinha esfomeada,
implorando pelo meu pau. É isso que você é, não é, bruxa? Minha
putinha.
Sinto minhas pernas fraquejarem, mas ele me mantém
erguida, prendendo meu quadril e metendo ainda mais fundo.
— Vou te deixar marcada, Helena. — Morde meu ombro, a
voz grave e suja vibrando dentro de mim. — Cada vez que sentar,
cada vez que andar, você vai lembrar de mim.
Sua mão livre aperta minha bunda com força, os dedos
cravando, enquanto outro tapa ressoa alto.
— Isso, geme mais alto. Quero que grite meu nome.
Ele mete com tanta brutalidade que sinto minhas paredes
latejarem em volta dele, arrancando um gemido arrastado que mal
consigo controlar.
E ele geme, como um predador satisfeito por me ver
desmoronando em suas mãos.
Viktor me fode, selvagem, um domínio tão voraz que parece
querer me despedaçar. O corredor se enche com o som dos estalos
da pele, gemidos e grunhidos.
De repente, ele me solta apenas para me virar.
Sou erguida com brutal facilidade, parecendo até que eu não
peso nada, uma boneca nas mãos dele. Minhas costas batem contra
a parede gelada, minhas pernas se abrem instintivamente em volta
da cintura dele, e Viktor já me segura, feito dono do meu corpo
inteiro.
Ele volta a me penetrar sem perder o ritmo, fundo, bruto,
fazendo meu corpo tremer inteiro. Cada estocada arranca de mim
um gemido que ele abafa colando sua boca na minha.
Mas logo desce, sua boca desliza do meu queixo até o
pescoço e então captura meu seio entre os lábios. Ele suga com
tanta fome que sinto os bicos latejarem, doloridos e duros contra
sua língua.
— Ah, porra… — rosna contra minha pele, sugando ainda
mais forte. — Seus peitos foram feitos pra minha boca, bruxa.
Ele alterna sucções violentas com mordidas rápidas, deixando
a pele sensível marcada, enquanto continua me foder sem trégua,
cada investida mais profunda que a anterior.
Minha cabeça cai para trás, o corpo arqueado entre o prazer
que ele arranca de mim e a dor deliciosa de suas mordidas. Me sinto
devorada inteira.
Viktor aperta minhas coxas, me segurando firme contra a
parede, num gesto que nenhum poder do mundo seria capaz de
desfazer. Sua boca desliza de um seio para o outro, chupando,
mordendo, deixando cada marca como uma assinatura.
— Geme, Helena… geme pra mim. Quero sentir você gozar de
novo, espremer meu pau até eu perder a porra da cabeça.
Ele me suga com violência, enquanto mete dentro de mim
com a fúria de quem deseja me quebrar em dois. E eu já não sei
mais se grito, choro ou imploro, só sei que me perco inteira no
inferno quente que é estar nas mãos de Viktor.
E se isso é transar, então nunca na minha vida eu transei.
Tudo bem que só tive dois caras. O primeiro, um idiota com quem
perdi a virgindade, e que não fazia ideia do que estava fazendo, e eu
muito menos. O segundo, razoável. Pelo menos até esse exato
momento. Porque agora, comparado a Viktor, ele parece patético,
um amador ridículo.
O que esse homem está fazendo comigo não tem
comparação. É outra dimensão, outra realidade. Meu corpo parece
ter sido criado só para isso: para ser tomado, fodido e devorado por
ele.
Seria esse o inferno que Viktor disse que me levaria? Porque,
se for, então não parece algo ruim. Não tem nada de castigo eterno.
Se esse é o inferno, que me queime para sempre.
— Viktor… ah, Viktor… — gemo o nome dele, soluçando entre
cada investida que me arranca o fôlego.
Minhas unhas se cravam em seus ombros, minhas pernas se
apertam ainda mais em torno da cintura dele, numa ânsia
desesperada de prendê-lo dentro de mim para nunca mais sair.
Ele geme contra meu seio, ainda sugando e mordendo, o
corpo inteiro dele pulsando contra o meu.
Sinto o ritmo das estocadas mudar, mais rápido, mais fundo,
com a urgência de quem está à beira do abismo comigo. O rosnado
dele vibra contra minha pele, cada vez mais grave, mais animalesco.
Meu corpo já não aguenta mais. A cada investida, minha
visão escurece nas bordas, minha respiração some, meu peito
explode em gemidos e quando ele morde meu mamilo com violência
e ao mesmo tempo afunda inteiro dentro de mim, eu me quebro.
— Viiiiktor! — grito o nome dele, arqueando o corpo contra a
parede, enquanto o prazer me arrebata.
Gozo em espasmos violentos, minhas paredes se contraindo
com força em volta dele, sugando-o, esmagando-o.
Ele solta um grito rouco, afundando até o limite dentro de
mim e travando os quadris.
— Porra, Helena! — rosna, enquanto o corpo dele estremece
contra o meu.
Sinto o calor dele me invadir em jatos quentes, fortes,
enchendo-me inteira. Cada descarga dele me faz tremer de novo,
prolongando meu orgasmo junto com o dele.
É fogo e vício, é dor e prazer misturados, até parecer que
vamos explodir e desaparecer juntos ali.
Minhas pernas não soltam sua cintura, minhas unhas não
soltam sua pele. Quero cada gota dele, quero cada grunhido, cada
tremor. E ele me dá tudo, até o último resquício de força, até estar
completamente enterrado em mim.
Ficamos presos, colados, suados, respirando na exaustão de
quem acaba de destruir o mundo.
Não sei por quanto tempo estou sentado nessa poltrona, a
garrafa de vodka já quase vazia nas mãos, observando a bruxa
estrangeira desmaiada na minha cama.
Sim, porra. A primeira mulher a dormir na minha cama.
Minha cabeça lateja de tanto pensar. Cometi inúmeros erros
com essa garota. Transei sem a porra da camisinha a noite inteira.
Eu nunca transei sem camisinha. Que caralho!
Trouxe uma completa desconhecida para dentro da minha
casa, a fodi e ainda a deixei dormir na minha cama.
Que merda de Pakhan sou eu por ser tão descuidado?
Mikhail com certeza jogaria isso na minha cara, porque até
hoje eu jogo na dele o único erro que cometeu. Ele não perderia a
chance de revidar.
Essa bruxa lançou algum feitiço em mim. Não consigo desviar
os olhos dela, e tirar as mãos de cima foi um sacrifício. Eu a queria o
tempo todo. Só larguei porque desmaiou de sono, literalmente virou
para o lado e apagou, pesada, como se nada no mundo pudesse
acordá-la. E eu… eu não quis acordá-la.
Mas por que diabos eu não quis acordá-la?
São perguntas martelando sem parar na minha cabeça. Ok,
eu senti um tesão absurdo por ela, algo que não senti por mais
ninguém. Mas já a fodi incontáveis vezes. A porra do meu pau está
em carne viva. A boceta dela está inchada, vermelha, assada. Então
por que continuo querendo ela aqui?
Antes de chegarmos ao quarto, eu a devorei em todos os
cantos da casa. Encostei-a contra a parede da escada e a comi ali
mesmo, correndo o risco de despencarmos degraus abaixo.
O escritório, onde já decidi a morte de homens sem
pestanejar, virou palco do meu desespero dentro dela. A cozinha
testemunhou meus dentes cravando nas costas dela enquanto se
apoiava na bancada para não desabar. Até contra portas, contra
paredes… fodemos em todos os lugares que meus pés tocaram.
E no quarto, finalmente, arrastei Helena como minha presa.
Fodemos até não sobrar nada. Até minha pele arder, até minha
cabeça latejar, até meu pau implorar por descanso.
Mas eu não descansei. Eu nunca descanso.
Agora estou aqui, encarando essa mulher. Uma maldita bruxa.
Essa mulher não é só sexo. Ela é risco. E eu não sei ainda se
vou mantê-la ou destruí-la.
Levanto da poltrona com a garrafa pendurada, só o fundo
vazio tilintando. Pego meu cigarro e desço, acendendo um no
caminho.
Ainda sinto o gosto dela na boca, o cheiro dela grudado na
minha pele. A cada passo, me lembro de como a fodi naqueles
mesmos degraus horas atrás. E a raiva volta junto com o tesão.
Essa desgraçada não vai sair da minha cabeça?
Quando chego no andar de baixo, vejo a porta se abrindo.
Mikhail, meu irmão mais novo, entrando na minha casa, se sentindo
o dono do lugar. Ele me encara e solta uma risadinha, olhando
primeiro para a garrafa na minha mão, depois para a minha cara de
merda.
— Sério isso, Viktor? De cueca, fumando cigarro e com uma
garrafa de vodka vazia às seis da manhã? Que porra você tá fazendo
da vida?
Reviro os olhos e solto o ar com impaciência.
— Estou na porra da minha casa. Que caralho você tá
fazendo aqui, Mikhail?
— Como assim, o que estou fazendo aqui? Temos uma
reunião com Dmitri.
Passo a mão na cabeça, irritado comigo mesmo por ter
esquecido disso.
— Você esqueceu? — Mikhail estreita os olhos, desconfiado.
Claro que é estranho, porra, eu nunca esqueço nada.
— Remarca para depois do almoço.
Mikhail ri.
— Remarcar? Você está bêbado, Viktor, não tem outra
explicação. Acha que Dmitri vai aceitar isso?
— Que se foda a porra do Dmitri, Mikhail! Eu estou mandando
remarcar.
— Viktor, quer me falar o que está acontecendo?
— Se eu falar, você vai resolver o meu problema, por acaso?
— Depende, qual é o problema?
— Por acaso você tem uma varinha mágica que pode desfazer
o feitiço que uma bruxa desgraçada lançou em mim?
Mikhail me olha, parecendo ver três cabeças em mim.
— Melhor remarcar a reunião mesmo, você bebeu demais. —
Ele vira as costas e sai, mas antes dispara: — Dmitri vai falar pra
caralho.
Foda-se Dmitri.
Meu meio-irmão. O do meio.
O fruto de uma traição.
Meu pai, que sempre arrotou lealdade aos seus, traiu minha
mãe e engravidou a amante. Dmitri nasceu, ele matou a amante e
decidiu criá-lo em outra casa, para não humilhar ainda mais a minha
mãe.
Quando criança, meu pai deixava nós três brincarmos juntos
algumas vezes. Minha diferença de idade com Dmitri é de alguns
meses. Nos dávamos bem, mas conforme fomos crescendo, nos
afastamos. Ele quase não aparece no meio familiar, tem mais
contato com Mikhail do que comigo. Comigo, só falamos sobre
negócios e reuniões.
Dmitri gosta de fingir que é diferente de mim, que está acima
do sangue e da sujeira. Hoje, veste terno caro, aparece em
manchetes de jornal e discursa na Duma Estatal como um deputado
honrado. O rosto limpo da família. O “homem do povo”.
Mas ele sempre vai ser um Dragunov.
E não importa quantos flashes de câmera o iluminem, o brilho
dele sempre vai estar manchado de sangue.
Ele abre portas onde eu entro com armas. Compra silêncio
onde eu deixo corpos. Dmitri é quem garante que nossas empresas
de fachada consigam contratos públicos sem concorrência. É ele
quem manipula juízes e promotores para arquivar investigações que
poderiam enterrar a organização. Dmitri negocia com ministros,
abafa escândalos, infiltra nossos homens em cargos estratégicos do
governo. Com uma assinatura, lava mais dinheiro do que qualquer
carregamento de cocaína cruzando fronteiras.
Ele é o político que os jornais chamam de “visionário”. Mas eu
sei: sem mim para manter o império de pé, ele não passa de um
fantoche engravatado.
Três batidas firmes ecoam na porta do escritório.
— Pakhan… — a voz grave de um dos meus soldados.
— Fala. — respondo, sem levantar os olhos da fumaça que
deixo escapar do cigarro entre os dedos.
— O remédio que pediu, já comprei.
— Entra. — Autorizo.
Ele entra com a cabeça baixa, deixando a caixinha sobre a
mesa. Não ousa levantar os olhos. Certo, pelo menos esse ainda
sabe o lugar dele.
— Agora escuta bem. Vai subir e ficar plantado na porta do
meu quarto. Vai esperar até ela acordar, só então você entrega esse
remédio.
— Sim, senhor.
Inclino-me na cadeira, apoiando os cotovelos na mesa.
— Você não vai entrar. Não vai bater. Não vai abrir a boca. Se
ela demorar um dia inteiro pra sair, você vai ficar lá feito uma
sombra.
Ele engole em seco.
— Entendido, Pakhan.
Aponto a ponta incandescente do cigarro na direção dele.
— E mais uma coisa: vai manter a cabeça baixa o tempo
todo. Se ousar levantar os olhos para olhar pra ela, eu mesmo vou
arrancar sua língua e enfiar pela sua garganta.
— Sim, Pakhan… — a voz dele falha por um instante.
Faço um gesto para dispensá-lo. Ele sai rápido, fechando a
porta com cuidado.
Volto a encarar a fumaça que se espalha pelo escritório e rio
baixo, sozinho.
Aquela maldita bruxa não faz ideia do tipo de inferno em que
entrou.
Acordo com o ronco alto da minha própria barriga, tão
faminta quanto eu. A primeira coisa que sinto é dor. Dor em cada
canto. Minhas pernas estão pesadas, latejando na exaustão de quem
correu uma maratona.
Meus seios ardem, a pele marcada, os bicos doloridos. Até
respirar dói, minhas costelas reclamam a cada vez que o peito se
expande.
Abro os olhos devagar, piscando contra a claridade que invade
o quarto. O teto desconhecido me lembra, de imediato, que não
estou em lugar nenhum seguro. Estou na toca do lobo.
Viktor.
O nome dele é a primeira coisa que pulsa na minha cabeça,
junto com flashes da noite anterior. As mãos, os dentes, a forma
como me arrastou pela casa inteira, numa posse que me reduzia a
nada além de dele, um brinquedo preso às mãos de um homem que
não conhece limites.
Meu corpo está moído, cada músculo dói, explorado e
possuído até a última gota.
E foi.
E algo dentro de mim se pergunta se algum dia vou conseguir
esquecer o que aconteceu aqui.
Duvido.
Viktor é quente, imenso, brutal. Nu, é uma visão impossível
de apagar. Uma obra de arte feita para o pecado. Ombros largos,
músculos definidos, a pele quente contra a minha. O abdômen
marcado, forte, que me fez salivar desde o primeiro instante em que
vi.
Fecho os olhos e deixo a memória me engolir.
Viktor me comia com a fúria de quem vive a última foda da
vida. Na escada, no escritório, na cozinha. Cada canto da casa
marcado por nós.
E, no quarto… foi o inferno e o paraíso juntos. Eu já não tinha
forças para implorar, mas implorei. O corpo dele esmagando o meu,
a boca sugando meus seios até a dor virar prazer, as mãos me
prendendo como correntes.
Ele me tomou inteira e me marcou na posse brutal de quem
reclama cada pedaço como propriedade sua.
Respiro fundo e reúno forças para levantar da cama. Minhas
pernas pesam, os músculos ardem, e quando chego ao banheiro, a
ardência me atinge de uma vez. Tento fazer xixi e mordo os lábios
para não gemer de dor.
Ainda o sinto dentro de mim.
Me apoio na pia e levanto o rosto. Estou toda marcada.
Meus seios cobertos de chupões, vermelhos e doloridos. O
pescoço exibe a sombra escura dos dedos dele, a marca de uma
mão que parece ainda me apertar.
Desço o olhar e vejo a barriga salpicada de manchas roxas,
lembranças de uma boca que não teve piedade.
Viro devagar, os ombros reclamando, e a visão me faz
prender o ar. Minhas costas está coberta de marcas de dentes.
Uma trilha de violência e prazer que só podia ter vindo dele.
Encosto a testa no espelho e fecho os olhos. O corpo dói, mas
algo em mim, a parte que não consigo controlar, arde de novo.
Viktor não só me fodeu. Ele me marcou.
E por mais que eu tenha gostado mais do que deveria, uma
voz dentro de mim grita para fugir. Fugir para o mais longe possível.
Ele é perigoso. Isso é perceptível só pelo olhar amedrontador que
carrega.
Gostoso, sim. Mas cheira a perigo de longe.
Olho para o lado e vejo uma toalha branca, parece limpa. Vou
usá-la para tomar banho, estou toda suja de gozo.
Meu Deus.
Meu Deus!
Transamos sem camisinha!
Transei com um desconhecido sem preservativo!
O que eu tinha na cabeça? Quão burra fui?
E se ele tiver alguma doença? Estou ferrada!
Corro para o chuveiro, deixo a água quente cair sobre mim,
me lavando da cabeça aos pés.
Por segundos, até esqueço da merda que fiz.
O calor me faz soltar pequenos pulos de alegria, na sensação
de um milagre em forma de chuveiro.
Enrolada na toalha, saio para procurar minha roupa.
Cadê essa merda?
Lembro que o que sobrou ficou lá no corredor, depois que
aquele troglodita rasgou tudo.
Abro a porta para ir atrás de Viktor e dou de cara com um
brutamontes parado ao lado dela.
— Senhora. — ele me cumprimenta de cabeça baixa. — O Sr.
Dragunov pediu que eu te entregasse isso. — Estende uma sacola.
Abro. Dentro, uma pílula do dia seguinte e um envelope.
Quando vejo o conteúdo, sinto meu corpo ferver de raiva.
— Por acaso esse senhor Dragunov é o Viktor?
Pergunto só para confirmar. Ele acena que sim.
— Onde está aquele maldito? — berro, e ele levanta a cabeça
pela primeira vez, os olhos arregalados. — Cadê ele? — grito mais
uma vez. — Cadê a merda do seu chefe? O senhor Dragu sei-lá-o-
quê!
Estou tão nervosa que me esqueço do sobrenome que ele
acabou de dizer.
— Que gritaria é essa?
Viktor aparece no fim do corredor. Seus olhos varrem meu
corpo coberto apenas pela toalha. Ele trava. Em seguida, vira uma
fera, berrando com o pobre coitado que só veio me entregar o que
ele mandou. Grita tanto, tão rápido, em russo, que mal consigo
acompanhar.
— Que porra pensa que está fazendo de toalha aqui fora na
frente do meu soldado, Helena?
Ele se aproxima, bufando.
Pois que venha. Eu também estou fervendo.
— Não interessa o que estou fazendo aqui de toalha, a
questão aqui é outra!
— Você tem noção do que vai acontecer com aquele homem
porque ele viu o que é meu, vestida desse jeito?
Dou uma risada histérica, a garganta queimando de raiva.
— Seu? O que é seu? Essa casa, né? Porque eu não sou sua!
— berro, em plenos pulmões. — Vai à merda! — Arremesso o pacote
contra o peito dele. — Eu não sou garota de programa, seu idiota!
Enfia o seu dinheiro…
— Helena. — Ele me corta. A voz rouca, mandona, carregada
de ameaça.
Congelo no meio da frase. Aquela voz tem peso. Não é só
uma advertência, é uma ordem. Mas meu sangue continua fervendo.
— Eu transei com você porque eu quis! — grito, a voz
embargada. — Não foi por dinheiro!
Ele me encara, os olhos duros.
— Eu não estou pagando pelo sexo. Isso é só um agrado.
Dou uma risada nervosa, quase debochada.
— Ah, e não é a mesma coisa? Dinheiro depois de foder…
parece igualzinho, Viktor. — Cruzo os braços, mesmo tremendo por
dentro. — Eu não quero o seu dinheiro. Não preciso do seu dinheiro.
Ele avança um passo, o olhar escuro como aço.
— Então me diz, Helena, o que caralho você fazia no corredor,
só de toalha, conversando com o meu soldado?
— Eu estava indo atrás do que sobrou das minhas roupas! —
berro, o peito subindo e descendo, a raiva queimando minha
garganta. — As que você rasgou e deixou espalhadas ontem no
corredor, lembra? Porque eu não tenho mais porra nenhuma pra
vestir!
Ele não se abala com meu grito, nem pisca.
— Em cima da poltrona tem roupas novas.
— Eu não quero nada de você! — cuspo as palavras, virando
de costas com a toalha grudada ao corpo. — Nem suas roupas, nem
seu dinheiro, nem porra nenhuma!
Dou dois passos decididos em direção à escada lateral, pronta
para descer.
— Helena! — o grito dele explode, ecoando como um trovão
dentro da mansão.
Congelo no mesmo instante, meu coração batendo no
pescoço. Viro o rosto devagar, só o suficiente para encarar os olhos
de gelo dele.
— Se você fizer uma desgraça dessas, se ousar descer aí
embaixo desse jeito, todos aqueles homens vão morrer. — Minha
respiração falha. — Cada soldado, cada funcionário, cada um deles
vai pagar com a vida. E a culpa vai ser sua. Você vai ser a causadora
de uma chacina dentro da minha casa.
Meu coração parece que vai saltar pela boca.
Por que parece tão real quando ele diz que vai matar todo
mundo?
Ah, mas quem ele pensa que é? O poderoso chefão? Me
poupe! Ele que vá à merda com esse jeito dele, metido a mafioso.
Ignoro-o e sigo rumo à escada, mas antes que eu pise no
primeiro degrau, sou erguida do chão de repente e jogada contra os
ombros largos dele.
— Viiiiktor! — grito, surpresa, debatendo-me.
— Bruxa teimosa do caralho! — ele rosna, caminhando em
direção ao quarto enquanto eu esperneio em suas costas. — Você
tem que aprender a me obedecer!
Helena grita e esperneia, mas para mim não faz a menor
diferença. Apesar dos gritos me irritarem, eu detesto barulho, o fato
é que, para mim, ela não pesa nada.
Jogo-a na cama sem esforço e ela me encara, furiosa. Os
olhos azuis queimam, as bordas avermelhadas de tanta raiva.
Devo confessar: a bruxa é linda demais.
Pele branca, macia, quase translúcida, como porcelana
prestes a rachar sob minhas mãos. O contraste com os cabelos
pretos, pesados, caindo em ondas pelo travesseiro, me enlouquece.
Os cílios longos sombreiam aqueles olhos claros, olhos que me
encaram com ódio, mas que na noite passada se perderam de
prazer.
E a boca… rosada, carnuda, feita para ser mordida, chupada,
fodida até perder a voz. Essa boca que me xinga, que cospe veneno,
mas que gemeu meu nome como se fosse uma oração.
Eu calaria qualquer um que ousasse falar mais alto comigo.
Mataria quem me insultasse. Mas com essa mulher, eu não consigo
sequer mandá-la calar a boca.
Que porra de feitiço é esse?
— Dá pra você parar de gritar e agir feito uma criança
mimada? Isso é irritante.
Helena ri.
— Irritante, eu? Meu Deus! — Ela se senta na cama e passa a
mão pelo rosto, confusa. — Ok, ok. Tudo isso é loucura demais para
poucas horas.
Fico imóvel, só observando o chilique.
— Olha, Viktor, obrigada por ter me ajudado quando
desmaiei, por ter me trazido pra sua casa em segurança, pelo sexo
da noite passada e pelas roupas, ok? Desculpa a gritaria na sua
casa. E eu não quero seu dinheiro nem como agrado, beleza?
Ela se levanta e pega a sacola de roupas que deixei sobre a
poltrona. Tira a toalha, sem vergonha nenhuma, e começa a se
vestir. Por alguns segundos, nem ouço o que diz; só observo a
bunda gostosa, marcada pelos meus dedos e pela palma da minha
mão.
— Agora eu preciso ir. Viu meu celular?
Aponto com o queixo para a mesinha ao lado da cama e ela
vai pegá-lo.
— E obrigada por isso também. — Leva a mão ao cachecol
que pedi que comprassem para ela, pra esconder as marcas que
deixei no pescoço.
— Onde pensa que vai? — pergunto, quando a vejo rumar
para a porta.
— Preciso ir. Dormi fora, não avisei nada, devem estar
preocupados comigo e vou perder meu horário de trabalho. — A voz
sai cansada.
— Vou pedir que um dos meus homens a leve.
— Viktor… — Ela respira fundo e me encara. — Não acha tudo
isso uma completa loucura?
— Seja mais específica. — Enfio as mãos no bolso e encaro.
— A gente nem se conhece. Transamos feito dois loucos e
estamos discutindo parecendo um casal. O que eu tô fazendo aqui,
na sua casa? Pelo amor de Deus! Isso é loucura. Eu nem deveria
estar aqui! Eu nem te conheço!
— Meio tarde pra pensar nisso, não?
— Você parece não se importar com nada, né? Eu não sou
assim. E receber aquele dinheiro que você me deu só me fez cair na
real da loucura que cometi, ficando com um completo desconhecido.
Eu não vou ficar me explicando, dizendo que isso nunca aconteceu
antes, porque…
Eu a corto, com o sangue fervendo:
— Já aconteceu?
— O quê? — Ela arqueia a sobrancelha, confusa.
— Ir pra casa de um estranho e passar a noite fodendo com
ele.
— O quê?! Não! Óbvio que não! Eu não sou assim e estou
assustada comigo mesma por ter me deixado levar desse jeito.
Dou um passo à frente; ela estremece, a boca entreaberta,
buscando ar.
— A noite foi boa, Helena. Não há espaço pra
arrependimento.
— Eu não disse que estava arrependida. Estou confusa e um
tanto assustada com tudo que aconteceu de repente.
— Enquanto gemia pra mim, você não parecia confusa. Esse
papel de confusa e assustada não combina com você, bruxa. — Dou
mais um passo, e ela engole seco.
— Não me chame assim!
— Seus olhos são de uma bruxa. Alguém já te disse isso?
Dou mais um passo; ela recua um.
— Não.
Sorrio torto, sem desviar o olhar.
— Então vou ser o primeiro. Seus olhos são claros demais,
azuis como gelo, mas escondem fogo. É como olhar pra dentro de
um feitiço: prende, hipnotiza. — Aproximo mais. — Uma bruxa tem
olhos assim. Olhos que seduzem e enfeitiçam, mesmo quando a
boca grita que não quer.
— Eu não te enfeitiço! — ela rebate, a voz vacilando.
Inclino a cabeça, estudando cada traço do rosto dela.
— Não? Então explica por que caralhos eu não consigo parar
de olhar pra você?
— Viktor… — A voz dela estremece. E, porra, eu nunca gostei
tanto de ouvir meu nome na boca de alguém.
— Meu segurança vai te levar. No seu celular está o meu
número. Me ligue se precisar de alguma coisa.
Ela pisca, abre e fecha a boca antes de retrucar:
— Você mexeu no meu celular? Como descobriu a senha?
Não respondo. Só puxo sua cintura com força, choco o corpo
dela no meu e ela arfa. Aproximo nossos rostos e puxo seu lábio
inferior com os dentes, mordo o bastante pra doer, sem machucar.
— Você é infinitamente mais deliciosa gemendo o meu nome
do que reclamando, Helena.
Solto-a e ela cambaleia para trás, molinha… gostosa, do jeito
que me enlouquece.
Viro as costas antes que eu a jogue na cama e a foda
novamente, e a deixo no quarto, sozinha.
Na sala, o segurança que chamei já me espera.
— Leve-a. E fique de olho nela. — Aviso, sem esperar
resposta.
Vou pro escritório: preciso organizar umas papeladas antes da
reunião com Dmitri.
Dmitri está sentado na minha cadeira que tomou para si,
ajeitando o terno com aquela calma ensaiada de político de fachada.
Mikhail, encostado na parede, braços cruzados, me olha com a
expressão de quem se acha meu tradutor de bom senso.
— Finalmente, Viktor. — Dmitri começa, a voz carregada de
ironia. — Remarcar uma reunião comigo? Acha que tenho todo o
tempo do mundo?
Encaro-o com um meio sorriso de escárnio.
— Se esqueceu de com quem está falando, Dmitri? Eu não
sou um ministro de merda que você manipula com um jantar e uma
garrafa de vinho.
O maxilar dele endurece, mas não responde. Sabe que,
quando eu falo assim, é melhor medir as palavras.
Mikhail suspira, levantando as mãos.
— Porra, vocês dois, calma. Sempre a mesma coisa. Não dá
pra discutir sem se engalfinhar?
— Calma é coisa de quem não tem inimigo batendo na porta,
Mikhail. — Respondo, voltando os olhos para Dmitri.
— Vocês dois são péssimos como irmãos. — Mikhail revira os
olhos, num gesto de quem já desistiu de nós.
— Vamos direto ao ponto. — Bato a palma da mão na mesa,
o som ecoando pelo escritório. — O que precisa ser resolvido,
resolvemos agora. Sem frescura, sem teatrinho de família feliz.
Dmitri me encara com a fúria de quem gostaria de me fuzilar.
Mikhail balança a cabeça, resmungando “irmãos do inferno”.
E eu espero, porque aqui, quem dá a última palavra sou eu.
Sempre fui eu.
A reunião segue tensa. Mikhail sai quase no final para
resolver um assunto.
— Não vai me oferecer uma bebida, irmão? A reunião foi
intensa. — Dmitri me provoca.
— Todas as bebidas estão ali. Só se servir. — Aponto para o
bar no canto do escritório.
Ele se levanta, serve dois copos de conhaque e me entrega
um, enquanto eu passo um cigarro.
— Esqueço que sou de casa.
— É de casa, mas não se sinta tão à vontade na minha casa.
Trago o cigarro, ele solta uma risada curta e volta a se sentar.
— Fiquei sabendo que vai se casar. Espero ser convidado para
o casamento.
— Mikhail parece uma velha fofoqueira.
— Se não fosse ele me contar as coisas da família, duvido que
eu seria convidado.
— Não seja dramático, Dmitri.
Ele ri de canto.
— Preciso de uma esposa. — comenta, me pegando de
surpresa.
— Já quer se casar?
— Disse que preciso, não que quero. Ter uma esposa, uma
família, vai fortalecer a minha campanha eleitoral.
— Certo… — coço o queixo, pensando. — Então vamos
procurar algo que seja vantajoso pra você e pra nós.
Ele assente, porque sabe: mesmo na política, um casamento
só vale se também trouxer poder para a organização.
— O Ministro do Interior, Arkadij Rostov, quer apoiar a minha
candidatura. — Dmitri revela. — Mas, em troca, quer que eu me
case com a filha dele.
Levanto as sobrancelhas, intrigado. Esse nome não é
pequeno. O Ministro do Interior controla polícia, investigações,
dossiês… basicamente, ele decide quem perseguir e de quem fechar
os olhos. Apoio desse homem pode abrir portas que nem explosivos
abririam.
— Interessante… — murmuro. — E você?
Dmitri respira fundo, contrariado.
— Não quero. O pouco que eu vi dessa menina, ela não
combina nada comigo. Porra, nem me imagino ter que aturá-la.
Cruzo os braços, inclino o corpo na cadeira.
— Você acha que eu queria me casar? Não. Mas eu fiz o que
era preciso. É isso que fazemos. — Ele aperta os lábios, mas não
retruca. — Dmitri, você já tem idade suficiente pra saber que querer
ou não querer não significa porra nenhuma aqui. O que importa é o
que precisa ser feito. Então pare com esse discurso moralista. Você é
um Dragunov. E se vender sua alma em troca de poder é o preço,
você paga.
Ele apaga o cigarro e se levanta com um meio sorriso.
— O papo tá bom, mas preciso ir, irmão. Espero realmente ser
convidado pro casamento.
Dmitri dá as costas, já abrindo a porta.
— Você será o meu padrinho, ao lado de Mikhail. Somos
irmãos.
Ele sorri de novo, aquele sorriso cínico que sempre mostra.
— Até breve, irmão.
Apesar da distância de anos, desde que ele entrou na política,
sempre seremos irmãos.
Quando fico sozinho, minha cabeça volta imediatamente pra
bruxa. Pego o celular e ligo para o segurança que mandei vigiar
Helena 24 horas. Preciso de notícias dela.
É loucura demais até pra alguém que não bate muito bem da
cabeça.
O que eu fui fazer? E pior: onde fui me meter quando decidi ir
pra cama com um desconhecido?
Viktor mostrou em cada gesto que é mandão, possessivo, e
tem um jeito de me amedrontar sem nem precisar levantar a voz. Só
o olhar dele já pesa.
Agora, dentro do carro que ele mandou pra me levar de volta,
só consigo me torturar em silêncio. Cada quilômetro rodado soa
como uma martelada me lembrando o quão imprudente eu fui.
Burra? Provavelmente.
Tá certo… o cara é um gostoso com G maiúsculo. Nunca
estive tão perto de um homem que exala poder, perigo e, ao mesmo
tempo, me faz arder inteira com um simples toque. Mas eu não fui
criada assim.
Será que o papai estaria envergonhado de mim?
Decepcionado por eu ter me entregado desse jeito, sem pensar, feito
não houvesse limite nenhum?
Me encolho no banco de trás, sentindo cada dor no corpo e o
nó da confusão na cabeça. O pior é que, por mais que eu tente me
convencer de que foi um erro, a lembrança dele continua queimando
em mim.
O carro freia diante do restaurante e meu estômago se revira.
O mesmo lugar de sempre, mas hoje parece outro, parece até que
eu não sou mais a mesma que entrou ali da última vez.
Desço, ajeitando a roupa nova que Viktor comprou e com a
sacola do remédio nas mãos, e só isso já me dá uma pontada de
raiva e vergonha, e empurro a porta.
A primeira pessoa que vejo é Anya. Ela congela no lugar,
parecendo ter visto um fantasma, os olhos enormes e um sorriso
curioso surgindo de canto.
— Helena! — ela quase corre até mim. — Onde você se
enfiou? Liguei mil vezes, mandei mensagem atrás de mensagem,
achei que tinha acontecido alguma coisa séria! Você sumiu do nada!
Dormiu onde? Com quem? O que rolou?
As palavras saem como uma metralhadora, sem pausa pra
respirar.
Suspiro fundo e caminho até uma das mesas. Me jogo na
cadeira, o corpo inteiro protestando e escondo o rosto nas mãos
antes de levantar os olhos pra ela.
— Aconteceu tanta coisa, Anya… — minha voz sai baixa,
cansada. — Tanta coisa em tão pouco tempo que é até difícil
explicar.
Ela me observa em silêncio por alguns segundos. O sorriso
curioso se apaga, dando lugar a uma expressão séria, de pura
preocupação.
— Você não parece nada bem, Helena. — ela diz, apertando
minha mão sobre a mesa. — Seus olhos estão vermelhos, parece
que não pregou o olho e tá pálida.
Dou uma risada nervosa, sem conseguir disfarçar. Estou
mesmo um trapo.
— Vou preparar uma bebida quente pra você. Um chá de
ivanchai. Minha avó sempre dizia que cura o corpo e acalma a alma.
Acompanho com o olhar enquanto ela desaparece atrás do
balcão. O ivanchai… lembro que já me contou sobre esse chá típico
russo, feito de folhas de fireweed. Dizem que traz forças e afasta o
mal-estar.
Respiro fundo. Talvez seja exatamente disso que eu precise:
algo que me traga de volta pro chão, antes que minha cabeça
exploda tentando entender tudo.
Quando Anya volta, traz uma chaleira fumegante e duas
xícaras. O simples cheiro já me conforta.
— Pronto. — diz, servindo o chá na minha frente. — Agora
me conta o que diabos aconteceu, porque pela sua cara, parece que
você voltou de uma guerra.
Seguro a xícara entre as mãos e deixo o calor me aquecer por
dentro. Tomo um gole e fecho os olhos, sentindo o sabor terroso,
levemente adocicado, descendo pela garganta como um abraço
inesperado.
— Então? — Anya insiste, olhos fixos em mim. — O que
aconteceu?
— Foi intenso. Rápido demais. Nem sei por onde começar. É
como se minha vida tivesse virado do avesso em poucas horas.
Ela franze a testa.
— Você parece assustada, Helena.
— E tô. — confesso, respirando fundo. — Assustada comigo
mesma. Com o jeito que reagi, com a forma como deixei tudo
acontecer.
O silêncio fica pesado, só o chiado da chaleira ainda soltando
vapor no fundo. Ela não me pressiona, só me dá espaço pra
encontrar coragem. É nesse instante que percebo: o restaurante
ainda está fechado.
— Anya, por que não abriram? — pergunto, só agora
notando.
Ela solta um suspiro cansado e se recosta na cadeira.
— Minha mãe piorou de madrugada. Meu pai ficou cuidando
dela. Então resolvemos abrir só à noite.
Meu coração aperta.
— Desculpa por ter demorado a chegar. Eu devia ter vindo
antes, não tão tarde.
— Ei, não fala assim. — Ela balança a cabeça com um sorriso
doce. — Tá tudo bem. O que importa é que você tá aqui agora.
Forço um sorriso em resposta.
— Eu reencontrei aquele homem do restaurante. — digo,
engolindo seco e abaixando os olhos pra xícara. — Quando fui
buscar o remédio pro seu pai.
Os olhos dela brilham de surpresa.
— Tá de brincadeira…
— Não, é sério. Aliás, entregaram o remédio direitinho? —
pergunto, embora no fundo saiba que Viktor não mentiria sobre isso.
— Sim, entregaram. Foi meu pai quem recebeu. Só percebi
que você não tava quando fui até o quarto à noite e vi que tinha
sumido.
— Quando eu tava voltando, senti um carro me seguindo.
Meu coração disparou, fiquei em pânico e corri.
— Te seguindo? Mas por quê?
— Sei lá. — minto, bebendo outro gole do chá. — Roubo,
sequestro… qualquer coisa. A gente vê tanto disso na TV.
— É, pode ser.
— Acho que eu fiquei nervosa demais. — observo o vapor que
sobe da xícara. — Eu não tinha comido nada o dia inteiro, já tava
fraca, acabei desmaiando.
Anya arregala os olhos.
— Você desmaiou? No meio da rua?
Assinto devagar, mordendo o lábio.
— Sim. E foi aí que… — solto o ar devagar, tentando
organizar a bagunça dentro da minha cabeça. — O carro que eu
pensei que tava me perseguindo era dele. Do Viktor. O cara do
restaurante.
Ela pisca várias vezes, não acreditando no que acabou de
ouvir.
— Ele me pegou quando eu apaguei e me levou pra casa
dele.
O silêncio pesa entre nós. Meu coração dispara só de lembrar,
enquanto os olhos de Anya permanecem grudados em mim, uma
mistura de choque e incredulidade.
— Helena, você tá me dizendo que um estranho
simplesmente te levou pra casa dele? Isso é… é loucura!
— Eu sei. — respiro fundo, apertando ainda mais o copo
quente entre as mãos. — Parece absurdo. Mas desde o dia do
restaurante… eu não sei explicar.
— O que tem? — ela se inclina sobre a mesa, os olhos
arregalados, esperando cada detalhe.
Sinto meu rosto esquentar.
— A atração foi imediata, Anya. Eu nunca senti nada tão
forte.
— Helena… — ela sussurra, quase sem acreditar.
— Eu cheguei a sonhar com ele. — confesso, a voz baixa,
parecendo um segredo proibido. — Sonhei com aquele olhar, com o
jeito que ele me encarou… ele ficou na minha cabeça. E ontem,
quando acordei na casa dele, depois de desmaiar… — fecho os
olhos, as imagens voltando em flashes — foi inevitável. A gente
acabou ficando juntos.
Anya arregala ainda mais os olhos.
— Espera — abaixa o tom, cúmplice, quase cochichando. —
Quando você diz “ficaram juntos”, é juntos juntos? Daquele jeito?
O calor sobe pelo meu rosto inteiro. Passo a mão no cabelo,
nervosa, e solto o ar, derrotada.
— Sim, Anya. Daquele jeito.
Ela fica em choque por um segundo, mas logo abre um
sorriso que explode numa gargalhada alta, escandalosa, que ecoa
pelo restaurante vazio.
— Meu Deus, Helena! — ela ri, cobrindo a boca com as mãos,
mas os olhos brilham de malícia. — Você realmente fez isso! Com
ele!
Reviro os olhos, afundando no assento, morta de vergonha.
— Para de rir, isso não ajuda.
Ela se joga na cadeira, ainda rindo.
— Não acredito! A Helena que eu sempre achei certinha
acabou indo pra cama com um cara misterioso e… — baixa o tom,
piscando travessa — gostoso de cair duro.
Cubro o rosto com as mãos, bufando.
— Eu não devia nem estar te contando isso.
É
— Devia sim, amiga. — rebate, rindo. — É a coisa mais
inesperada que eu já ouvi de você.
Solto um suspiro pesado.
— Eu tô me martirizando por isso, Anya. Não consigo parar de
pensar. Não só pelo que rolou, mas pelo jeito… de certa forma, foi
estranho.
Ela franze a testa, inclinando a cabeça.
— Estranho como?
Olho fixo pra xícara, deixando o vapor subir até meu rosto,
criando coragem para continuar.
— Ele é diferente. Eu percebi só de olhar nos olhos dele.
Parece que sou puxada pra dentro de algo que não consigo
controlar.
— Diferente em que sentido?
Respiro fundo, lembrando da intensidade que ainda me
arrepia só de pensar.
— Ele é bruto. Parece possessivo. E exala um poder que…
que me assusta.
Anya me observa em silêncio, séria de repente.
— Helena, cuidado. Existem muitos homens perigosos por aí.
E, pelo que você tá descrevendo, esse cara parece exatamente esse
tipo.
— E não foi só isso. — continuo, a voz embargada. — Quando
acordei, um dos seguranças bateu na porta. Sabe o que ele me
entregou?
— O quê?
— Uma sacola com roupas novas e dinheiro. — solto de uma
vez, a vergonha queimando por dentro. — Dinheiro, Anya. Como se
eu fosse uma garota de programa que ele tinha acabado de usar.
Os olhos dela se arregalam, a mão cobrindo a boca.
— Não! Você tá brincando! Ele realmente te deu dinheiro?
Assinto devagar, mordendo o lábio, engolindo a mistura
amarga de raiva e dor.
— Foi como levar um tapa na cara. Eu me senti ofendida,
usada.
— Helena… — Anya balança a cabeça, inconformada. — Isso
é absurdo! Quem faz uma coisa dessas?
— Pois é. — sussurro, desviando o olhar. — Não sei o que
pensar. Parte de mim tá furiosa, humilhada… mas a outra não
consegue parar de lembrar dele, de como eu me senti quando ele
me tocou.
— Amiga, ele foi um idiota de ter feito isso.
— Eu gritei, joguei coisas nele, perdi o controle. Depois fiquei
mal, parecia que não era eu. Agi como uma louca. Eu nunca fui
assim.
Respiro fundo, tentando segurar as emoções.
— Só que perto dele, eu me sinto outra pessoa. Parece que
tudo o que eu sou desmorona. A calma, o bom senso, a prudência…
somem. No lugar sobra uma versão minha que eu nem reconheço.
Anya solta um suspiro longo, apoiando o queixo na mão.
— Bem que você disse: é intenso. Se na primeira vez já foi
assim, imagina a próxima.
— Que próxima, Anya? Tá maluca? Foi só isso, acabou. Nada
demais.
Ela sorri de canto, o olhar malicioso.
— A quem você acha que tá enganando? Você pode até falar
tudo isso, mas seus olhos tão brilhando e eu sei muito bem que não
é de raiva nem de tristeza.
— Você tá vendo coisa onde não tem. — retruco, levantando
da mesa. Levo a xícara até o balcão sem olhar pra trás. — Se eu
ficar dando ouvido, vou enlouquecer de vez. Mais do que já
enlouqueci.
Levo o remédio comigo, vou tomar imediatamente, não posso
arriscar ficar grávida de um homem desses.
Fico rolando a tela do celular enquanto trago o cigarro e sinto
a queimação do conhaque descendo pela garganta. Ao meu lado,
Mikhail está com uma mulher no colo, rindo de alguma besteira que
ela sussurrou no ouvido dele.
Minha cabeça lateja. Raro. Não lembro a última vez que fiquei
assim. O problema é que aquela bruxa dos infernos não sai da
minha mente. O gosto dela continua grudado na minha boca como
um vício maldito que não larga.
— Viktor. — Mikhail chama, afastando a mulher com um gesto
rápido. O olhar dele recaí em mim. — Aconteceu alguma coisa?
Esses dias você anda estranho. Algum problema na organização?
— Não. — Respondo seco, sem levantar os olhos.
— Então o que tá acontecendo? — insiste.
Solto a fumaça devagar, arqueando a sobrancelha.
— Pra que você quer saber? Vai resolver o meu problema?
Ele revira os olhos.
— Não fode, Viktor. Deixa de ser babaca.
Acabo o copo num gole só, o vidro batendo pesado na mesa.
— Transei com uma desconhecida. — jogo de uma vez.
Mikhail trava, o copo suspenso no ar.
— E?
Dou de ombros, com um meio sorriso debochado.
— Quando deixei dinheiro pra ela, acredita que surtou?
Conto, lembrando-me disso e achando engraçado.
— Sur… como assim? Elas trabalham pra isso. Por que não
quis receber?
— Não era puta, Mikhail. — Encaro-o por cima da fumaça do
cigarro.
Ele arregala os olhos, engasga com a bebida e começa a
tossir.
Nós nunca nos envolvemos com mulheres de fora. Nunca. É
arriscado. Amor, paixão, essas merdas só dão dor de cabeça. Mulher
no nosso pescoço é sinônimo de fraqueza.
— Como isso aconteceu? — ele força, curioso.
— Conheci no restaurante. Funcionária. Derrubou as coisas
em cima de mim, toda estabanada.
Mikhail abre um sorriso torto.
— E você deixou viva?
— Eu tava de bom humor. — Recosto no sofá, tragando
fundo.
— Conta mais. — Ele ri, se divertindo às minhas custas.
— Você é fofoqueiro pra caralho.
— Vai, Viktor. Começou, agora termina.
Reviro os olhos, mas solto:
— Bonita. Bonita de um jeito que irrita. Segui, ela desmaiou,
levei pra casa. Comi como um animal e agora não tiro a desgraçada
da cabeça.
Ele me encara por alguns segundos… até explodir numa
gargalhada, alto, debochado.
— Tá de sacanagem comigo. Inventou isso só pra me zoar,
né?
— Sabe o que eu quero, Mikhail? — digo, estreitando os
olhos.
— Depois dessa? Quero muito saber.
— Que você vá se foder. — respondo seco, me levantando.
Guardo o celular no bolso e dou as costas, enquanto ele ainda ri
feito idiota.
É… se eu me ouvisse, também não acreditaria. O Viktor
Dragunov não segue mulher, não leva desconhecida pra casa, não
perde o controle numa foda. Eu só me envolvo com quem não dá
trabalho.
Mas dessa vez, meti os pés pelas mãos. Quando empurrei
aquele dinheiro pra Helena, repeti meu hábito de sempre: foda,
dinheiro, fim. Só que ela não reagiu como as outras. Me olhou como
se eu fosse a pior desgraça que já passou pela vida dela.
E quer saber? Que se foda o que ela sentiu. Não dou a
mínima. O que me incomoda é que ainda não tirei a maldita da
cabeça. Não é porque é especial. É porque não matei a vontade.
Preciso de outra rodada com aquela mulher. Até esgotar.
Puxo o celular e ligo pro segurança que deixei de olho onde
ela trabalha e mora. Assim que ele confirma que ela não saiu, ligo o
motor e sigo pra lá.
Vinte e cinco minutos depois, estaciono em frente ao
restaurante. Lugar pequeno, simples, sem segurança nenhuma. Uma
espelunca.
Abro a porta sem esforço. O cheiro de comida velha ainda
impregna no ar. Lembro das palavras do meu segurança: ela mora
nos fundos, nos quartos dessa pocilga.
É pra lá que eu vou.
Abro a porta devagar. A luz já está acesa e o som do chuveiro
toma conta do quarto, misturado com a voz dela, cantando uma
música que não reconheço.
Olho em volta e a cena só confirma o que eu já sabia: o
quarto é uma merda. Limpo, mas feio de doer. Teto baixo, paredes
mal pintadas, um guarda-roupa velho e uma cama de solteiro que
parece que vai desmontar no primeiro movimento. Helena vive numa
situação fodida pra se contentar com isso aqui.
Me sento na beirada da cama, cruzo as pernas e espero.
Dois minutos depois, o chuveiro para. A porta se abre e ela
aparece ainda cantarolando. Assim que me vê, solta um grito
sufocado, dá um pulo e deixa a toalha cair no chão.
E eu aproveito cada segundo da visão.
Meus olhos descem devagar pelo corpo dela, saboreando
cada detalhe. Pele clara, úmida, ainda com gotículas deslizando dos
ombros até os seios fartos que se movem com a respiração
acelerada. A cintura fina que parece feita sob medida pras minhas
mãos. As coxas firmes, a curva dos quadris... porra, um convite ao
pecado.
O tesão me invade de imediato, pesado, ardendo nas veias. É
impossível não lembrar de como já marquei cada pedaço desse
corpo, de como ele se contorceu debaixo do meu. E só de olhar,
meu pau lateja, pedindo outra vez.
— Meu Deus! O que você tá fazendo aqui? Como entrou? —
ela leva a mão ao peito, respirando ofegante.
— Que bela visão. — comento, sem desviar os olhos.
Ela percebe que está nua diante de mim e revira os olhos,
apressada em pegar a toalha do chão para cobrir o corpo. Uma
pena.
— Sem gracinha, Viktor! O que tá fazendo aqui? E como
entrou?
— Esse lugar não tem segurança nenhuma. Qualquer um
entraria fácil.
Ela respira fundo, tentando se recompor.
— E o que você quer?
— Você. — Respondo sem rodeios.
Vejo-a engolir seco. Meus olhos percorrem cada pedaço dela.
Mesmo depois de dias, ainda carrega marcas claras do que fizemos.
— Trabalhei demais hoje, tô cansada. E você não pode ficar
aqui. Se meu patrão descobre, amanhã tô demitida.
— Então vamos pra minha casa.
— Viktor, eu disse que tô cansada!
— Eu te relaxo. Vai dormir melhor depois.
Porra, eu quero muito comer essa mulher de novo. Essa
desculpa de cansaço não me convence.
Ela suspira e se encosta no guarda-roupa, tentando parecer
firme.
— Viktor, eu não quero.
Levanto devagar, dou um passo na direção dela e observo o
corpo reagir antes mesmo da boca negar.
— Toda vez essa merda de que não quer. Quer enganar
quem, Helena? Seu corpo tá implorando por mim. Aposto que tá
molhada só de pensar em eu te foder. Eu tô com o pau doendo,
louco pra enfiar em você. Vamos parar com esse joguinho e resolver
logo esse tesão que está nos consumindo.
Minha paciência nunca foi meu forte. E joguinho me tira do
sério.
Ela morde o canto da boca, hesitando. Dou outro passo e ela
prende a respiração.
— Tá. Vamos foder e você vai embora.
Quase. Veja bem, quase deixo escapar um sorriso.
Avanço sem aviso. Seguro sua cintura com força, esmagando
o corpo dela contra o meu, colando-a em mim. Minha boca cai sobre
a dela num beijo bruto, faminto, sem pedir licença.
Os lábios dela se abrem num gemido sufocado e eu
aproveito, invadindo sua boca com a língua, explorando cada canto
como território conquistado. O choque é imediato: dentes batem,
respirações se atropelam e o calor explode entre nós.
Ela agarra meu ombro com uma mão e enfia a outra na
minha nuca, me puxando ainda mais. Eu mordo o lábio inferior dela,
puxando devagar só pra ouvir o arfar. Depois volto a devorá-la,
sugando, chupando, transformando aquele beijo em puro sexo.
O gosto dela se mistura com minha respiração pesada, a
língua dela roça na minha num ritmo urgente, molhado, sem
controle.
Empurro-a contra o guarda-roupa, o impacto ecoando no
quarto. Aperto sua cintura até quase levantá-la do chão. O corpo
dela geme contra o meu e quando solta aquele som baixo dentro da
minha boca, é gasolina jogada no fogo.
A respiração de Viktor queima contra a minha boca, o hálito
quente e pesado arrancando de mim qualquer vestígio de razão. Eu
já não tenho controle de nada, ele é quem comanda cada
movimento, cada segundo.
Odeio o fato de ele ter sumido por dias e agora simplesmente
aparecer, invadindo aqui, parecendo dono de tudo e me tomando
como apenas dele.
Ele se afastou só o suficiente para soltar o cinto. Os olhos
fixos em mim, duros, impiedosos, não vacilaram um instante. O som
metálico ecoou no silêncio e logo a calça deslizou por suas pernas
fortes, revelando o quanto estava pronto pra me foder. O pau
latejava, rígido, as veias saltadas, a glande vermelha já brilhando
com pré-gozo. Engoli em seco, a boca salivando, o coração
acelerado, o desejo pulsando em cada centímetro do meu corpo.
Antes que eu pudesse reagir, ele me ergueu com brutalidade.
Suas mãos pesadas agarraram minhas coxas nuas e me levantaram
sem esforço. Um gemido escapou dos meus lábios quando fui
prensada contra o peito sólido dele.
Viktor caminhou até a cama e se sentou, me puxando junto,
meu corpo se encaixando ao seu com tamanha perfeição.
— Senta no meu pau — rosnou no meu ouvido. — Quero ver
você me cavalgando até não aguentar mais.
As mãos enormes cravaram na minha cintura, guiando meus
quadris, me obrigando a descer devagar, preenchendo-me
centímetro por centímetro até não restar nada. Um gemido abafado
escapou da minha garganta, o peito arfando, cada músculo em mim
em chamas.
— Olha só você… toda apertadinha, gemendo só pra mim.
As palavras sujas me deixaram ainda mais quente. Apoiei as
mãos no peito largo dele, tentando me equilibrar, mas Viktor me
puxou pelos quadris e me obrigou a cavalgá-lo mais rápido, mais
forte, até meu corpo bater contra o dele de forma obscena. O som
ecoava pelo quarto, molhado, indecente, cada estocada me
arrancando o ar dos pulmões.
— Mais rápido, porra — ordenou, os olhos negros cravados
em mim, selvagens, famintos.
Obedeci, completamente perdida nele, cavalgando sem parar,
com Viktor me devorando. O suor escorria pela minha pele, minhas
pernas queimavam, mas o prazer me consumia sem piedade.
As mãos dele subiram para o meu pescoço. Não me
sufocavam, mas bastava a pressão firme para me lembrar de quem
mandava ali. O olhar de Viktor me despia por dentro, e antes que eu
pudesse respirar, ele abaixou a cabeça e abocanhou meu seio com
brutalidade. A boca quente sugava e mordia, me marcando,
arrancando gemidos que eu não conseguia conter, enquanto suas
mãos me mantinham em movimento, me usando no ritmo que ele
queria.
— Gosta disso, né? — murmurou contra minha pele, a voz
rouca, suja, o peito arfando com a mesma fome que queimava em
mim.
Eu não conseguia responder. Só gemia, tentando segurar, mas
era impossível.
— Rebola pra mim… mostra que é minha, Helena.
E eu mostrei. Me movi contra ele até perder a noção do
tempo, até o quarto inteiro girar, até meu corpo explodir em prazer,
se desfazendo sob o domínio dele, enquanto o nome de Viktor
escapava dos meus lábios num sussurro desesperado.
Depois de mais um sexo intenso, bruto e visceral, observo
Viktor se vestir para ir embora. Ele não é o tipo de homem que deita
com a mulher depois, muito menos de falar palavras carinhosas ou
se preocupar em ser gentil.
Sempre que terminamos, me pergunto por que insisto em
ceder a alguém com quem não consigo imaginar um relacionamento.
É só sexo, e isso é claro.
— Reitero: se precisar de algo, me ligue. — Ele fala,
ajustando as luvas de couro nas mãos.
— Ok.
— Não me ligou antes.
Viktor me encara, atento, lendo cada detalhe do meu
semblante. Se tem algo que aprendi, é que ele é observador demais.
— Não estava precisando de nada.
Ele olha em volta, medindo cada centímetro do quarto, talvez
pensando que, pelo fato de eu estar morando aqui, devo precisar de
tudo.
— Não usamos preservativo de novo. — Trocou o assunto.
— Eu tomo anticoncepcional.
Ele arqueia a sobrancelha, desconfiado, duvidando de cada
palavra minha.
— Não tinha comentado isso. Aliás, tomou o remédio?
— Não comentei porque mesmo tomando, não acho certo
confiar nisso e transar sem camisinha. E sim, eu tomei.
A verdade é que uso o anticoncepcional para regular meu
ciclo, mas esqueço mais do que lembro. Não é confiável. E pior:
cada vez que cedo, me arrisco não só a engravidar, mas a colocar
minha saúde em jogo.
Do jeito que a minha vida anda, com essa sorte desgraçada,
não duvido de mais nada.
O que eu tenho na cabeça pra ficar transando com um
homem desses sem proteção?
Tesão de cachorro que fala mais alto que a razão, só pode.
— Vou ao médico fazer meus exames de rotina e quero que
você se consulte também. Assim podemos foder sem preocupações.
Arqueio as sobrancelhas, surpresa, a boca entreaberta por um
instante.
— Nos envolvermos? Do que você tá falando?
— Pensei que fosse só uma vez, que a vontade passaria. Mas
aqui estou de novo. Transamos e já quero você de novo. O que eu
quero é simples: trepar com você sempre que estivermos com
vontade. E, em troca, você pode me pedir o que quiser. Eu vou te
dar.
Solto uma risadinha nervosa, mordendo o lábio e mexendo no
lençol.
— Vamos voltar àquela história de dinheiro?
— Não necessariamente. Eu sei que isso machuca o seu ego.
Só estou deixando claro: quero foder você mais vezes e estou
disponível. Se você puder estar quando eu quiser, eu também posso
te agradar.
Respiro fundo, os ombros pesando. Por Deus, esse homem
não consegue ser 1% romântico, nem um pouco cuidadoso no jeito
de falar. Ele poderia simplesmente dizer: Helena, eu gosto do que
temos. Mesmo que seja só sexo, nossa atração é boa. Quero
continuar com você. E você, o que quer?
Simples. Bastava isso. Só isso.
Mas não. Ele precisa vir sempre com essas conversas idiotas.
— Já tá tarde, Viktor, e eu tô com sono. Boa noite.
Posso jurar que vi um quase-sorriso, discreto, no canto da
boca dele, se divertindo com a minha irritação.
— Vou marcar o médico e te aviso por mensagem. — Apenas
o encaro, sem responder. — Já sabe o que fazer se precisar de mim.
Até mais, Helena.
E é desse jeito nada sutil que ele sai do meu quarto. Assim
que a porta se fecha, me jogo de costas na cama, soltando um
suspiro pesado. Cubro o rosto com as mãos, tentando me esconder
de mim mesma.
Por que eu gosto tanto disso? Por que, mesmo depois de
cada palavra dura, seca, sem um pingo de sensibilidade, ainda sinto
esse arrepio correndo pela pele, sentindo que ele me marcou como
dele?
Reviro os olhos, irritada comigo mesma.
— Idiota… — murmuro, sem saber se xingo a ele ou a mim
por não ter coragem de dar um basta.
Fecho os olhos e ainda sinto o corpo dele em mim: o peso, o
cheiro, o jeito bruto que me desmonta inteira. É humilhante admitir,
mas o sexo com Viktor é viciante, como uma droga da qual não
consigo me afastar.
Meu coração implora pra eu fugir, pra não me perder nesse
abismo que ele representa. Mas meu corpo… meu corpo pede o
contrário. E eu sei, no fundo, que por mais que tente me enganar,
vou continuar cedendo a essa loucura.
Solto outro suspiro, puxo o lençol até o queixo, tentando
abafar os pensamentos que não me deixam em paz. E, antes de
dormir, a última coisa que me vem à mente é aquele quase-sorriso
dele, frio e calculado, me lembrando que, de algum jeito, ele sabe
exatamente o efeito que causa em mim.
Um mês. Faz um mês que estou fodendo a mesma mulher.
Se eu contasse isso pra alguém, ninguém acreditaria. Nem
fodendo conto pro Mikhail. Aquele filho da puta ia rir tanto da minha
cara que eu ia acabar quebrando os dentes dele.
No começo, eu só ia atrás de Helena quando o tesão me
consumia até me tirar do eixo. Porra… aquela mulher desperta em
mim um lado animal, faminto, que nem eu sabia que existia. Mas
agora? Agora essa merda virou rotina. Estamos juntos quase todos
os dias. Raro é o dia em que não meto as mãos nela.
Ou eu apareço naquela espelunca miserável que ela insiste
em chamar de casa, ou arrasto pra minha mansão, onde tudo é do
meu jeito. No meu território, ela grita mais alto, se curva mais
fundo, e eu posso foder como um desgraçado até arrancar dela cada
suspiro que me pertence.
Helena ainda não perdeu a mania de me enfrentar. A
boquinha dela é afiada, sempre pronta pra me provocar, como se
tivesse algum direito de falar comigo desse jeito. Qualquer outra já
estaria morta. Mas eu deixo. Porque nela isso me diverte. É a única
mulher que me dá prazer em ver reagindo, cuspindo fogo contra
mim. Gosto de encarar aqueles olhos insolentes, ver o desafio
queimando, porque sei que no fim basta um beijo, um toque, uma
foda bem dada pra transformar toda essa valentia em silêncio, em
gemidos que só eu consigo arrancar.
Ela não faz ideia de quem eu sou. Não é inocência, é
ignorância pura. Helena não tem a menor noção de que o homem
que mete nela todas as noites é o Pakhan. O dono dessa terra de
gelo e sangue. Cada rua, cada arma, cada maldito que respira só
existe porque eu permito. Mais cedo ou mais tarde, ela vai descobrir.
E quando descobrir, já será tarde demais.
O orgulho dela é uma piada. Não aceita nada do que eu
ofereço. Não quer dinheiro, não quer conforto, não aceita nem uma
ajuda simples. Prefere continuar naquela vida de merda, fingindo
independência, achando que tem escolha. Eu poderia arrancar esse
orgulho dela num estalo de dedos, mas não tenho pressa.
Deixo que me enfrente, que mantenha essa ilusão de
controle, porque logo vai ser minha prisioneira. Até quando eu
quiser. E, quando eu me cansar, vou descartar Helena como faço
com tudo na minha vida.
Essa maldita noite, eu não vou poder fodê-la como quero.
Tenho que aparecer no meu noivado. Um compromisso que nunca
me interessou, uma farsa que não passa de moeda de troca. A
noiva? Nunca fiz questão de vê-la. Não me importa quem seja, como
é ou o que pensa. Pra mim, ela só serve pra manter as alianças que
sustentam meu trono.
Helena foi a única até hoje que conseguiu me tirar do eixo. A
única que me enfrenta com aquela língua insolente e depois geme
por mim como se eu fosse a salvação dela. Enquanto os idiotas
brindam um casamento que não significa nada, eu só vou pensar
nela.
O poder cobra seu preço. E, por mais que eu queira me
enterrar nela essa noite até fazê-la implorar, vou ter que engolir o
tesão e marcar presença nesse circo.
Não quis que fosse na minha casa. O último lugar onde
aceitaria essa palhaçada seria no meu lar. Minha mansão é o único
espaço onde encontro paz e eu não permitiria que fosse profanado
por gente sorridente, música alta e taças tilintando.
Meu noivado não é celebração. É fardo.
Por isso será em um salão qualquer, cheio de flores, luzes e
convidados bajuladores. Um espaço que Mikhail fez questão de
organizar.
Eu vou casar, enfiar a porra da aliança no dedo dela e cumprir
meu papel. Vou transar o suficiente pra garantir um herdeiro e
depois esperar. Esperar cada maldito dia até que a morte leve essa
mulher da minha frente.
Não tenho ilusões. Não quero romance, não quero
companheirismo, não quero dividir nada. Esse casamento é só mais
uma jogada de poder. Ela é apenas um corpo ao meu lado. Nada
além disso.
Mikhail entra no meu escritório sem cerimônia.
— Então, Pakhan… pronto pro espetáculo?
Levanto os olhos do copo de whisky, encaro-o por cima do
cristal.
— Espetáculo nenhum. Eu não sou artista, Mikhail. Hoje é só
mais um negócio.
Ele se encosta na estante, com aquele sorriso de escárnio que
sempre me dá vontade de quebrar.
— Anime-se, irmão. Você finalmente vai conhecer sua noiva.
Arqueio a sobrancelha, girando o copo na mão.
— E por que isso deveria ser motivo de ânimo?
— Porque vai descobrir se ela é gostosa ou não. — Ele ri,
provocando.
Inclino o corpo pra frente.
— Pouco me importa, Mikhail. Vou casar, foder até sair um
herdeiro e pronto. Quem sabe eu tenha sorte e ela morra ao dar à
luz. Seria felicidade demais pra um homem só.
— Você é o maior filho da puta que eu conheço — Mikhail ri,
servindo-se de um copo, se sentindo em casa.
Não contradigo. Eu sei exatamente o quão sujo posso ser.
Esgotamos uma garrafa inteira de whisky antes de sair rumo
ao lugar do noivado. Me arrependi no instante em que pisei ali.
Bajuladores por todos os lados, estendendo as mãos, sorrindo como
vermes, prontos para se ajoelhar e beijar meus pés.
Que nojo.
Quando a noiva se aproximou, precisei admitir: era uma
mulher bonita.
— Prazer em conhecê-lo, senhor Dragunov.
Ela falou com a cabeça baixa, sem ousar me encarar, a voz
doce demais para o meu gosto. Aquilo me irritou.
Não respondi. Apenas ergui o olhar e a encarei em silêncio,
avaliando um objeto que não me interessava. Vi o desconforto
atravessar o rosto dela, os dedos se enroscando na barra do vestido,
as bochechas corando pela humilhação. Constrangida, se apressou
em se afastar, quase tropeçando nos próprios passos, até se
esconder ao lado do pai.
Por mais atraente que fosse, não era Helena. Não tinha a
postura dela, a língua ferina, a voz carregada de veneno e sedução,
nem o brilho nos olhos que me enlouquece.
Tudo em Helena me fascina e me deixa puto de tesão.
Já olhando para a minha noiva, cada detalhe me enche de
raiva. Raiva por ter que me casar com alguém que não desperta
nada em mim.
Por um breve segundo, sinto pena da vida miserável que essa
pobre coitada vai ter ao meu lado.
— Você poderia ao menos ter respondido à garota — Mikhail
comenta, rindo do meu silêncio.
— Ela é um porre.
— Pelo menos é bonita.
— Foda-se! Juro que estou me segurando pra não cancelar
essa merda e ir embora.
— Não viaja, Viktor. Você nunca foi inconsequente. O que está
acontecendo? Mesmo que não queira nada com a garota, não dá pra
negar que vai servir pra aquecer sua cama. Vai, confessa, ela é
gostosa. — Ele provoca, olhando na direção dela.
Arqueio a sobrancelha, a boca curvada em sarcasmo:
— Quer se casar no meu lugar? Fique à vontade.
Mikhail cai na gargalhada.
— Tá maluco? Eu não quero me casar agora, não.
Balanço a cabeça, entediado. Quando volto a encarar a noiva,
ela tenta, veja bem, tenta, abrir um sorriso sexy.
Patética.
Me dou conta de que sequer lembro o nome dela.
— Qual é o nome da garota mesmo? — pergunto.
Mikhail revira os olhos, impaciente.
— Porra, Viktor, faz um esforço mínimo pra lembrar do nome
da sua futura esposa.
— Não era importante. Fala logo.
— Irina.
— Que nome péssimo. — resmungo, e Mikhail ri alto.
— Desde quando você se importa com nomes, Viktor?
Não respondo. Apenas murmuro baixo, com a raiva presa na
garganta.
Desde que aquela desgraçada entrou na minha vida e fez
tudo o resto perder a graça.
Porra. Preciso arrumar um jeito de acabar com essa fixação
por Helena.
Que tipo de homem frouxo eu me tornei, obcecado por uma
boceta?
Ok… uma boceta gostosa pra caralho.
Mas ainda assim, só isso. E eu nunca vou aceitar que uma
mulher tenha esse poder sobre mim.
Vou arrancar Helena da minha vida. O quanto antes.
Eu ainda não acredito que estou ficando com Viktor há tanto
tempo. Nem eu, nem a Anya, que sempre me alerta quando conto
sobre o jeito possessivo dele. Um jeito que, ao mesmo tempo em
que me deixa quente, também me assusta. Nunca me envolvi com
um homem que age assim.
Viktor é intenso. Intenso demais. E isso me faz recuar na
nossa “relação”… se é que dá pra chamar assim. Não consigo me
entregar por completo, porque não existe um único momento entre
nós que não acabe na cama e, mesmo ali, ele precisa estar no
comando.
Se tem algo que já percebi sobre Viktor é que ele não sabe
ser de outro jeito. Precisa mandar, dominar, controlar. E não é só
comigo: notei que com os funcionários dele é igual. Todos se curvam
ao que ele ordena.
Hoje o restaurante abriu para o jantar, mas o movimento foi
fraco. Fico com pena da Anya e do pai dela quando isso acontece.
Sei que mal estão conseguindo tirar o suficiente e, ainda assim,
continuam me mantendo aqui.
Por isso decidi que este mês não vou aceitar o pagamento.
Tenho algumas economias guardadas e quase não gasto. Desde
aquele episódio, não vivo de verdade, só sobrevivo, escondida.
Eu sei que já passou, mas ainda não tenho coragem de voltar
para onde tudo aconteceu.
E, mesmo não gostando desse frio todo, decidi ficar. Aqui não
é tão ruim; tem a Anya, uma amizade que eu prezo.
E tem ele.
Minha consciência grita, mas não adianta. Eu não estou aqui
por ele. Minha decisão não é por causa dele. Jamais.
Aham… claro. Mentirosa.
— Amiga, está muito cansada? — Anya surge na porta do
meu quarto; o semblante pesado entrega o dia difícil.
— Não, por quê? O que aconteceu? — pergunto, abrindo
espaço com a mão.
Ela suspira e se senta na beira da cama, alisando a barra do
casaco.
— São dias difíceis com a minha mãe em casa. O mesmo de
sempre.
Eu me inclino um pouco, atenta.
— Quer conversar sobre isso?
Um sorrisinho cansado puxa o canto da boca dela. Ela
balança a cabeça.
— Na verdade, não. Hoje eu não quero falar de problema.
Quero sair, beber alguma coisa.
— Onde? — arqueio a sobrancelha.
— Pensei em irmos a um barzinho aqui do bairro.
— Certo. Vou só me trocar.
Anya abre um sorriso miúdo, dá um “ok” com a cabeça e
avisa que me espera no restaurante.
Não sei se Viktor vai aparecer hoje. Apesar de ele surgir todos
os dias, nunca mandou mensagem. Nem eu. Ele simplesmente
aparece. Às vezes, quando está com pressa, me pega aqui mesmo.
Outras, só aparece para me arrastar até a casa dele.
E, sinceramente? Acho que já me acostumei com esse jeito
mandão. Ou eu só esteja tarada demais e acabe obedecendo sem
reclamar.
Duas semanas atrás minha menstruação veio. Como nunca
tive fluxo forte nem cólicas, não me preocupei e ele, muito menos.
Transamos sem pensar em nada. Cheguei a imaginar que pudesse
atrasar por causa da pílula que tomei, além do anticoncepcional que
já uso. Só tomei a pílula porque tomava o anticoncepcional todo
irregular.
A médica, aquela que ele mesmo marcou, junto com os
exames, explicou que por eu ter enchido o corpo de hormônios,
poderia ficar desregulada. Mas não fiquei. Ainda bem.
Balanço a cabeça, tentando espantar os pensamentos sobre
Viktor. Visto a roupa mais quentinha que tenho, o frio está de cortar,
e saio com Anya para tomar umas.
O bar é pequeno: mesas de madeira arranhadas, cheiro de
vodka misturado à fumaça de cigarro e uma música russa antiga
tocando baixinho ao fundo.
Já estamos na segunda rodada. Anya ergue o copo, os olhos
brilhando, e solta uma gargalhada que contagia quem está por
perto. Eu acompanho, quase cuspindo a bebida de tanto rir.
O garçom, um rapaz alto de olhos claros, não sai da nossa
mesa. Sempre um sorriso pronto, sempre uma desculpa pra puxar
conversa ou encher nossos copos antes de pedirmos.
— Amiga… — rio, inclinando a cabeça na direção dela. —
Esse garçom tá claramente caidinho por você.
Anya arqueia a sobrancelha, dá um gole demorado e me
encara com diversão.
— Por mim? Helena, abre o olho. Ele só falta escrever “eu
quero você” na sua testa.
Dou uma gargalhada e balanço a mão, espantando a ideia.
— Ah, para! Você viu como ele fala com você? Todo cheio de
sorrisinho.
Anya me cutuca de leve com o cotovelo e abre um sorriso
travesso.
— Se for assim, vamos combinar: quem ele olhar mais vezes
até o fim da noite paga a próxima rodada.
Eu rio alto, batendo a mão na mesa.
— Fechado! Mas já aviso: você vai pagar todas, tá? Porque
aqueles olhos azuis dele não desgrudam de você.
Nós duas caímos na risada de novo, gargalhando como se
não houvesse amanhã. A vodka já esquenta meu corpo, e por
alguns instantes eu me sinto livre. Só eu, Anya, nossas risadas e
nada mais.
Até que sinto a bexiga apertar.
— Vou no banheiro rapidinho — aviso, levantando ainda
rindo, ajeitando a blusa antes de seguir.
O banheiro é estreito, a luz fraca do teto pisca sem parar, e o
azulejo antigo está cheio de rachaduras. Faço o que preciso, ajeito a
roupa e vou até a pia. A água gelada escorre entre meus dedos,
arrepiando minha pele, e quando levanto o rosto para o espelho…
meu coração dispara.
Ele está ali.
Viktor.
Encostado na parede, parecendo ter todo o tempo do mundo.
Pernas cruzadas, mãos enterradas nos bolsos da calça, o terno
impecável destoando do ambiente pobre. Ele me observa em
silêncio, os olhos escuros cravados em mim, intensos, que me
atravessassem até a alma.
Por um segundo, esqueço de respirar. O barulho do bar some,
o mundo inteiro parece ter parado, restando apenas o som
apressado do meu coração.
Ele inclina a cabeça de leve, um gesto calculado, de predador
prestes a atacar. A luz amarelada desenha cada linha da mandíbula
cerrada, o olhar carregado de fúria contida.
— Está se divertindo?
Engulo em seco e viro-me devagar, tentando sustentar aquele
olhar que parece pesar sobre mim, forço um sorriso rápido, nervoso.
— Sim, estou — minha voz mal sai, quase um sopro. — O que
você está fazendo aqui?
Ele descruza as pernas com calma e dá um passo à frente.
Cada movimento medido, mas ainda assim me obriga a recuar até
quase encostar na pia fria.
— Está se divertindo com sua amiga ou com aquele garçom
idiota que não tira os olhos de você?
Meu coração martela tão alto que parece ecoar pelas paredes
estreitas. Viktor estreita os olhos, e por um instante o ar fica denso,
rarefeito.
— Você está vendo coisa onde não tem, Viktor. O garçom só
estava fazendo o trabalho dele.
— Trabalho? — ele repete, saboreando a palavra. — Eu sei
muito bem o que vejo. E só não fui até lá quebrar a cara daquele
merda porque não estava afim.
Ele dá mais um passo e o espaço entre nós simplesmente
some. O calor do corpo dele me envolve, o cheiro de tabaco e
whisky misturado ao perfume caro toma conta do ar, sufocante.
— Viktor! — repreendo, tentando manter os olhos fixos nos
dele, mesmo quando a respiração falha. — Você não pode
simplesmente chegar em qualquer lugar e achar que manda em
tudo e todos.
Ele solta uma risada baixa, sombria, sem mostrar os dentes.
Devagar, encosta a mão na parede, ao lado do meu rosto,
prendendo-me ali sem nem precisar me tocar.
— Não posso? — sussurra, inclinando-se até quase roçar a
minha boca. — Eu não “acho”, Helena. Eu mando. Em tudo e em
todos.
— Ah, pelo amor de Deus! — reviro os olhos, tentando
disfarçar o arrepio que percorre minha pele. — Me dá licença, eu só
quero aproveitar a noite com a minha amiga.
Tento escapar, mas ele me segura pela cintura com força, me
puxando de volta e colando nossos corpos. Um suspiro pesado
escapa da minha garganta antes que eu consiga conter.
— Finaliza sua noite com a sua amiga — murmura contra o
meu ouvido. — Estarei te esperando no carro lá fora. Mas escuta
bem, Helena. Eu tenho olhos e ouvidos em todo canto. Se você
ousar abrir um mínimo sorriso pra aquele garçom ou pra qualquer
outro, vai ter velório e a culpada vai ser você.
Pisco algumas vezes, atordoada. A boca se abre para retrucar,
mas não dá tempo. Ele me solta e do mesmo jeito que surgiu,
desaparece.
Minha respiração dispara, o coração martela tão forte que
sinto nas têmporas. Preciso me apoiar na pia para não desabar.
Minhas pernas tremem, como sempre acontece quando ele me toca,
arrancando cada pedaço do meu controle.
E quem Viktor pensa que é para falar desse jeito?
Por Deus… como vou terminar a noite em paz depois disso?
Ele veio aqui só para despejar um peso nos meus ombros e foi
embora. Simples assim.
Ah, que ódio!
Dele.
De mim.
E dessa relação doentia na qual eu insisto em me perder.
O final da noite? Eu cedi à vontade de Viktor e fui parar na
casa dele. Depois que apareceu naquele banheiro, não consegui
mais me concentrar com a Anya. O riso ficou forçado, as conversas
desconexas. Morria de medo toda vez que o garçom surgia na mesa.
Implorava em silêncio para que ele não me olhasse e desviava os
olhos, evitando qualquer contato visual.
Anya até brincou, dizendo que eu estava ignorando o rapaz
de propósito, só por causa da aposta, pra que ela perdesse. No fim,
acabei pagando todas as rodadas da noite, mentindo que ela tinha
vencido, apenas para não ouvir mais reclamações de que eu estava
trapaceando.
Mas, sinceramente, nem sei pra quem aquele homem olhava.
No começo, acreditei que fosse para Anya. Só que, depois do que
Viktor me disse no banheiro, tive medo de estar enganada e que, na
verdade, fosse eu o alvo daqueles olhares.
Não posso afirmar se ele falava sério sobre o que faria com o
garçom. Mas, no fundo, eu sei. No olhar de Viktor existe algo que
me dá a certeza de que ele é capaz de qualquer coisa.
E foi pensando não só na cena do bar, mas em tudo o que
vem acontecendo desde que Viktor caiu de paraquedas na minha
vida, que decidi: preciso romper com ele. Seja lá o que temos, não
posso continuar.
Ok, eu vim até a casa dele. Transamos feito dois loucos, como
sempre. E agora estou aqui, jogada na cama enorme, criando
coragem para levantar, procurá-lo por essa mansão imensa e dizer
que acabou. Que pra mim não dá mais.
A rotina é sempre a mesma. Viktor só permanece comigo no
quarto durante o sexo. Ele me esgota até a última gota, me leva à
exaustão, e eu apago. Quando acordo, já é manhã. Hora de ir
embora, sempre acompanhada por um segurança. Ele não está mais
lá.
São tantas coisas que me incomodam nisso tudo que não sei
como aguentei até agora, como deixei chegar tão longe.
Suspiro, jogo as pernas para fora da cama e me levanto. Faço
o de sempre: banheiro, banho, me arrumo. Só que, diferente dos
outros dias, ainda é cedo. Pela janela, vejo o céu clareando devagar,
o sol nascendo preguiçoso atrás das nuvens pesadas.
O que mais me intriga naquela casa é a quantidade absurda
de seguranças espalhados pelo quintal. Homens grandes, de preto,
armados. Mas como Viktor já mostrou ser absurdamente rico,
imagino que toda essa proteção faça parte do pacote.
Abro a porta e dou de cara com o corredor silencioso. O
segurança que costuma me esperar ali não está, porque ainda seja
cedo demais. Por um instante, fico parada, pensando em qual lado
seguir. Mesmo tendo vindo aqui várias vezes, nunca explorei além
desse quarto e, em raras ocasiões, a cozinha.
Segui devagar, os dedos roçando a parede fria, tentando me
orientar. Foi então que ouvi vozes, firmes, alteradas, quase em
discussão.
Meus pés travaram sozinhos. Inclinei o corpo pra frente,
prendendo a respiração. As vozes vinham de uma sala alguns metros
adiante. De repente, o som seco de passos ecoou, vindo na minha
direção.
O coração disparou, abri a primeira porta entreaberta que vi e
me enfiei no escuro.
A porta da sala se abriu, Viktor saiu primeiro, imponente, mas
eu mal consegui focar nele, porque logo atrás uma sombra maior se
moveu.
Um homem surgiu.
Primeiro vi o ombro largo coberto por um casaco escuro.
Depois, a mão grande, com os nós dos dedos marcados,
machucados espalhados pela pele.
E então ele virou o rosto.
Devagar, quase em câmera lenta. O perfil iluminado pela luz
amarelada do corredor me fez congelar. Meu coração parou e um
arrepio violento percorreu minha espinha.
Era ele.
O mesmo homem que, três anos atrás, vi no hotel. O mesmo
olhar inexpressivo. O mesmo rosto cravado na minha memória,
marcado pelo horror daquela noite. O assassino. O homem que
puxou o gatilho e executou o presidente diante dos meus olhos
apavorados.
Minha garganta secou. O pânico latejava em cada parte do
meu corpo. As pernas fraquejaram, precisei tapar a boca com a mão
pra não soltar um grito.
Eu estava frente a frente com meu pior pesadelo.
— Pakhan… — a voz grave do homem ecoou pelo corredor.
Meu coração parou.
Pakhan.
A palavra me atingiu como um tiro, arrancando o ar dos meus
pulmões.
De repente, a lembrança daquela noite voltou nítida, como se
estivesse acontecendo de novo.
"— O Pakhan ficará satisfeito."
Foi o que disseram segundos depois de puxar o gatilho.
Pakhan.
Aquele nome que nunca entendi, que ecoou na minha cabeça
por três anos como um enigma sombrio.
E agora estava claro.
O homem que tomou meu corpo, que invadiu minha vida, que
me enlouqueceu e me quebrou em silêncio. Ele não era apenas
perigoso. Ele era o Pakhan.
O monstro.
Meu estômago revirou. O coração parecia querer rasgar meu
peito. Não. Não é possível. Minha mente gritava, se recusando a
aceitar. Não podia ser verdade. Não podia ser ele.
— Irmão, o casamento já está marcado. Tá preparado pra
botar a corda no pescoço? — Ele riu, uma risada sombria que me
arrepiava.
O chão sumiu dos meus pés. Apoiei a mão na parede para
não desmoronar.
“Irmão…”
Eles eram irmãos.
O desespero tomou conta de mim. Meu corpo inteiro tremia,
o suor frio descia pela nuca.
Que casamento?
Meu Deus…
Eu não estava entendendo nada. Como podia? O homem que
me prendia entre seus lençóis, que me fazia esquecer do mundo, era
o mesmo que comandou uma execução a sangue frio.
Meus pulmões queimavam, implorando por ar, mas respirar
parecia impossível. A vontade de correr era esmagadora, mas
minhas pernas estavam presas, o chão parecia me engolir.
O desespero tomou cada parte de mim. Eu queria gritar,
queria acordar desse pesadelo, mas era real. Real demais.
Por que ele me mantém por perto? Por que ainda não me
matou?
Será que ele sabe? Será que esse tempo todo fingiu não me
reconhecer?
Ou será que ele realmente não sabe?
Meus pensamentos giravam num turbilhão caótico. Não podia
ser coincidência. Três anos depois, fugindo pra Rússia e caí
justamente nas mãos do monstro que me quer morta.
Senti um nó sufocar minha garganta. Eu tinha me entregado
a ele, sem imaginar que era exatamente dele que eu devia ter
fugido.
Que loucura era essa?
Estou nas mãos do homem que quer me matar.
“Calma”, repito a mim mesma, puxando o ar com força e
soltando devagar.
Se Viktor quisesse me matar, eu já estaria morta.
Por Deus… agora eu entendo essa obsessão, essa mania de
posse, essa forma de mandar em todos, de falar em matar sem
piscar.
Sempre esteve ali, na minha cara. Mas eu, cega, não quis
enxergar.
Que ódio de mim.
Agora só me resta manter a calma, voltar pro quarto, esperar
a hora de ir embora. E quando chegar ao restaurante vou implorar
pra Anya me ajudar a fugir.
Porque, se Viktor ainda não sabe quem eu sou, logo vai saber.
E aí… eu estarei morta.
Tentei me manter calma, se é que isso era possível.
Caminhava de um lado para o outro no quarto, as horas pesando
contra mim, cada minuto arrastado como uma tortura. Quando ouvi
o menor ruído do lado de fora, abri a porta devagar. O segurança já
estava lá, esperando para me levar.
Prendi a respiração o caminho inteiro até sair da casa de
Viktor. O medo me dominava. A cada esquina, a cada olhar do
motorista pelo retrovisor, eu jurava que ele sabia. Quando o celular
dele apitava, meu coração disparava, certo de que seria Viktor, que
ele havia descoberto.
Na hora de descer do carro, minhas pernas simplesmente
falharam. Tropecei nos próprios pés, quase caí. O frio na barriga só
melhorou quando entrei no restaurante. Segura? Não. Mas era
melhor do que estar na toca do lobo. Pelo menos ali eu ainda tinha
uma chance.
O lugar estava fechado, mas mesmo assim entrei gritando por
Anya. Meu corpo inteiro tremia, a sensação era de que a qualquer
segundo eu cairia dura no chão.
— O que foi, Helena? — A voz dela ecoou da cozinha. Surgiu
com o rosto amassado, ainda marcado pela ressaca da noite
anterior. Mas quando viu meu estado, a expressão mudou na hora.
— Meu Deus… você está pálida! O que aconteceu?
— Eu preciso ir embora, preciso sumir e preciso muito da sua
ajuda. — As palavras saíram rápidas demais, entrecortadas,
enquanto eu olhava para os lados, temendo que alguém pudesse
ouvir.
Anya se aproximou, aflita.
— Do que você está falando? O que houve?
Engoli em seco, as lágrimas já queimando nos olhos.
— Confia em mim, Anya. Eu não consigo explicar direito
agora, mas o que posso dizer é que três anos atrás eu testemunhei
um crime. Foi por isso que fugi do meu país. Desde então, vivo me
escondendo. — Minha voz falhou e as lágrimas escorreram. — E
agora… agora caí justamente nas mãos do homem que quer me
matar.
Ela arregalou os olhos, incredulidade e medo estampados no
rosto.
— Helena…
— Eu estou desesperada. Preciso ir embora. — As palavras
saíram entre soluços, meu corpo em frangalhos.
Anya me puxou para um abraço apertado, tentando me
segurar para que eu não caia.
— Eu vou te ajudar. Respira, calma.
Balancei a cabeça, nervosa, agarrando seus braços.
— Eu não posso sair pela porta da frente. Tenho medo que
ele tenha colocado alguém me vigiando. Preciso sair escondida.
Ela respirou fundo.
— Meu pai pode nos ajudar.
Segurei o rosto dela com as mãos trêmulas, implorando.
— Preciso ir agora, Anya. Não posso esperar mais.
Anya me encarou por um segundo, séria, e então assentiu.
— Então vem. Vamos falar com o meu pai.
Eu vou explodir essa cidade inteira atrás daquela bruxa dos
infernos.
Fui até o quarto dela de madrugada e a cama estava vazia.
Liguei pro celular e só deu desligado. O sangue ferveu nas minhas
veias.
O segurança, aquele merda que deveria estar de olho nela,
jurou que não a viu sair. Então onde diabos ela estava?
A fúria queimava dentro de mim. Acendi um cigarro, mas o
gosto do tabaco não serviu pra porra nenhuma. Meu coração batia
como um tambor de guerra, pesado, urgente.
Avancei até ele.
— Me explica direito, desgraçado. A única função que você
tinha era vigiar ela. Só isso. E agora vem me dizer que não viu
nada?
O homem engoliu em seco, tentando sustentar o olhar, mas o
medo escorria pelo suor da testa.
— Senhor, eu… eu juro que não a vi sair…
Não deixei terminar. O som do soco ecoou no escritório, meu
punho acertou a boca dele com tanta força que o sangue espirrou
pelo chão.
Ele caiu de joelhos, zonzo.
— Você falhou comigo. — Rosnei. — E quem falha comigo
paga com a vida.
O desespero estampou o rosto dele, a respiração curta, os
olhos pedindo piedade, mas eu não tenho. Piedade é fraqueza e eu
não sou fraco.
Arranquei a pistola da cintura.
— Pakhan… por favor, me dá outra chance — ele
choramingou.
— Outra chance? — soltei uma risada baixa. — Você já teve a
sua.
Sem hesitar, apontei pra testa dele. Um disparo e o corpo
tombou pesado, o sangue se espalhando pelo mármore.
Fiquei em silêncio, observando. O cheiro de pólvora misturado
a ferro encheu o ar. Traguei o cigarro outra vez, soltando a fumaça
devagar.
— Mas que porra é essa? — Mikhail surgiu na porta, os olhos
alternando entre o corpo caído e meu rosto. — Que diabo você fez,
Viktor?
Joguei o cigarro no chão, esmaguei a ponta com a sola do
sapato e ergui os olhos pra ele.
— Anda logo, Mikhail, temos que sair.
Ele arqueou a sobrancelha, confuso, mas não se moveu.
— Sair? Pra onde, caralho? — apontou pro sangue no chão.
— E, antes de mais nada, me explica que merda foi essa.
Passei a mão pela barba, respirando fundo pra não explodir.
— Helena sumiu.
Mikhail piscou, franzindo a testa.
— Helena? — repetiu devagar. — Quem diabos é Helena?
— A mulher que eu não quero perder.
Ele riu, incrédulo.
— Então é por causa de uma mulher que você explodiu os
miolos desse cara?
— Ele tinha uma função. Vigiar ela. E falhou. Eu não tolero
falhas.
— Beleza. — Mikhail ergueu as mãos, como quem se rende,
ainda olhando pro corpo estirado no chão. — Mas já que você
estourou a cabeça do coitado, podia ao menos me explicar direito
quem é essa tal de Helena.
Puxei o casaco pelos ombros, ajeitei a gola e passei por ele
sem olhar pra trás.
— Eu te conto no caminho.
— E posso saber ao menos pra onde vamos, Pakhan?
Parei na porta e girei o rosto só o suficiente pra encará-lo.
— Vamos incendiar essa cidade inteira atrás dela.
O silêncio dele pesou por alguns segundos antes que soltasse
uma risada curta.
— Você tá falando sério?
— Mais do que nunca. E começaremos por um restaurante
imundo. Se ela não estiver lá, alguém vai me dizer onde diabos se
meteu.
Mikhail foi o primeiro a entrar, escancarou a porta do
restaurante sem cerimônia e gritou:
— Todo mundo fora. Agora.
O barulho de cadeiras arrastando e copos caindo tomou conta
do ambiente. Os poucos clientes se levantaram às pressas,
tropeçando uns nos outros para sair. Ninguém ousou olhar para trás.
Em segundos, o lugar estava vazio. Só restaram dois rostos.
O velho, atrás do balcão, pálido como cera, os dedos
agarrados à borda de madeira, parecendo sua única âncora. E Anya,
parada ao lado dele, olhos arregalados, respirando rápido, vendo a
própria morte entrar pela porta.
Mikhail girou a chave na fechadura, baixou as cortinas e
encostou na parede, braços cruzados, observando em silêncio.
Caminhei devagar, arrastei uma cadeira, me sentei com calma
e depositei a arma sobre a mesa.
— Cadê a Helena? — perguntei, indo direto no assunto que
eu queria saber.
Anya piscou rápido, nervosa. Os lábios tremeram, mas som
nenhum saiu. O velho abriu a boca pra falar, mas Mikhail ergueu
uma mão em aviso e ele se calou, engolindo seco.
— Eu… eu não sei… — murmurou ela, a respiração curta.
Um sorriso frio curvou minha boca. Inclinei a cabeça,
observando cada tremor do corpo dela.
— Não sabe? — repeti, saboreando cada sílaba.
Ela desviou o olhar, o medo escorrendo pelo rosto em gotas
de suor.
— Eu não sei… não sei mesmo. Ela sumiu desde ontem à
noite, até pensei que estivesse com você.
Um riso baixo escapou da minha garganta, sem humor.
— Péssima mentirosa. — Minha voz saiu carregada de
desprezo. Virei o rosto devagar para Mikhail, sem desviar totalmente
dela. — E você, irmão… acredita?
Mikhail soltou uma gargalhada curta.
— Nem fodendo.
Bati os dedos contra a mesa, o som ecoando como uma
contagem regressiva.
O velho pareceu querer falar de novo, mas Mikhail apenas
ajeitou a arma na cintura e ele congelou no lugar.
— Agora, Anya… vamos tentar de novo. Onde. Está. Helena?
— Eu já disse, eu não sei! — a voz dela saiu trêmula, quase
um grito.
— Vai continuar mentindo? Quer que alguma coisa aconteça
com o seu pai?
Mikhail avançou um passo. O velho empalideceu ainda mais,
os lábios se mexendo sem força. Mas antes que ele dissesse algo,
Anya se jogou à frente dele, os braços abertos como um escudo.
— Não! — gritou, a voz cortada pelo desespero. — Não toca
nele!
O velho arfava, a testa encharcada de suor, mas mesmo
assim encontrou forças pra falar:
— É verdade… nós não sabemos onde ela está. Helena pediu
ajuda pra fugir e simplesmente foi embora. — A confissão saiu em
soluços, mas soava verdadeira.
Observei os dois, pesando cada gesto, cada palavra, cada
respiração. Então me levantei, devagar.
— Fugir? — repeti. — Por que diabos ela iria querer fugir?
Anya mordeu o lábio até quase sangrar, desviando o olhar.
— Eu já disse… eu não sei. — repetiu, a voz falhando.
— Chega dessa merda. — Rosnei, guardando a arma no
coldre e puxando um cigarro. Acendi devagar. — Ou abre a porra da
boca agora ou eu coloco fogo em tudo aqui.
Ela permaneceu em silêncio, os olhos marejados me
encarando.
Traguei fundo e soltei a fumaça, despreocupadamente.
— Uma menina de coragem… — murmurei, o cigarro
brilhando entre meus dedos. — Corajosa, mas burra.
Virei o rosto para Mikhail. Ele não precisou de palavra. Abriu a
porta com calma, assobiou, e dois dos meus homens entraram.
Começaram a despejar gasolina pelo chão, encharcando mesas,
cortinas, balcão.
O cheiro forte se espalhou rápido, queimando as narinas. Eu
me recostei na cadeira, acendi outro cigarro e traguei fundo.
A primeira baforada subiu em redemoinhos diante do meu
rosto quando os gritos começaram.
— Não! Por favor! — Anya soluçava.
O pai dela também implorou.
— Pelo amor de Deus! Parem! Não façam isso!
Os gritos e o choro eram música. Soltei a fumaça devagar,
observando o desespero se espalhar, cada lágrima inútil, cada
súplica perdida no ar.
— Vamos ver quanto tempo essa coragem aguenta antes de
virar cinza. — murmurei.
— Anya! — a voz do velho ecoou, rouca, carregada de
desespero. — Fala! Pelo amor de Deus, fala logo o que ele quer
ouvir!
Ela soluçava sem parar, o corpo inteiro em convulsões.
— Tá bem! Eu falo! — gritou, a voz rasgada pelo choro. —
Mas para com isso, por favor!
Olhei para Mikhail e, com um gesto seco, mandei os homens
congelarem. O cheiro forte da gasolina impregnava as paredes.
— Então fala. — ordenei.
Anya passou as mãos pelo rosto molhado de lágrimas,
tentando recuperar o ar.
— Eu não sei de tudo… juro que não sei. — A respiração dela
falhava, os olhos marejados cravados em mim. — Só sei que a
Helena me contou que três anos atrás testemunhou um crime. Foi
por isso que fugiu. Só que, sem querer, caiu nas mãos do homem
que quer matá-la. Foi só isso que ela me disse! Só isso!
Traguei devagar o cigarro, soltando a fumaça pelo nariz, sem
pressa. A informação rodava na minha cabeça como uma peça de
quebra-cabeça.
Estreitei os olhos.
— E de onde exatamente a Helena fugiu?
— Da Espanha… ela é de lá. — respondeu entre soluços, a
voz quase sumindo.
Meu olhar foi direto para Mikhail. O desgraçado estava
branco, parado, parecendo que levou um tiro. O suor escorria pela
têmpora. Ele já tinha juntado as peças, pensando a mesma coisa
que eu.
— Você tem alguma foto da Helena? — perguntei para Anya.
— S-sim… tiramos algumas juntas no meu celular.
— Então traz pra mim. Agora. — falei, apagando o cigarro na
palma da mão sem sequer piscar.
Ela engoliu em seco, buscando o pai com os olhos.
— Anda logo. — completei, num rosnado, o olhar cravado
nela. — Antes que eu perca a paciência de vez.
As mãos dela tremiam tanto que mal seguravam o aparelho.
Arranquei o celular da palma com um puxão seco, ignorando o
soluço que escapou de sua boca.
— Desbloqueia. — ordenei.
Os dedos atrapalhados quase deixaram o celular cair, mas ela
obedeceu rápido. Assim que a tela acendeu, rolei pelas fotos até
encontrar uma: Helena e ela, sorrindo.
Mostrei a tela para Mikhail.
— A testemunha que você me jurou ter eliminado… por acaso
é essa mulher?
Mikhail congelou e o silêncio dele já era resposta.
— Responde, porra. — cuspi, a raiva queimando. — É ela?
— Eu não a vi, Viktor. Foi o outro soldado quem cuidou disso,
mas… pelas fotos, sim, parece que é ela.
Meu maxilar travou, o sangue pulsando quente nas veias.
— Seu merda incompetente…
— Eu pensei que ela tinha se matado, porra! Sei lá, qualquer
coisa! A garota sumiu por todos esses anos. Não tinha família, não
tinha ninguém. Ia recorrer a quem? Eu a procurei por todos esses
anos e nada. Nunca imaginei que fosse sobreviver sozinha, muito
menos que ia parar aqui. E pior… se envolver com você.
Uma risada seca escapou da minha garganta, sem um pingo
de humor. Avancei e, sem hesitar, acertei um soco no rosto dele. O
impacto ecoou pelo salão, Mikhail cambaleou, o sangue escorrendo
pelo lábio partido.
— Filho da puta! — rosnei, a raiva queimando meus olhos. —
Só não te mato aqui mesmo porque você é meu irmão. Sangue do
meu sangue.
A respiração saía pesada pelas minhas narinas, o corpo inteiro
pronto pra explodir.
Eu fui um idiota por não ter investigado a vida da mulher que
dormia na minha cama. Um completo imbecil, cego por uma boceta.
Como tanta merda pôde desabar desse jeito? Mikhail falhando como
nunca, e eu igual, indo pelo menos caminho.
Passei a mão pelo rosto, tentando me controlar, antes de virar
devagar para Anya e o velho.
— Mikhail vai voltar amanhã com um documento. — Declarei.
— Vocês dois vão assinar.
Anya piscou rápido, confusa.
— Q-que documento?
— Uma dívida. Agora vocês têm uma comigo. E ela vai
crescer a cada dia até que Helena volte.
Ela ficou em choque. O pai caiu de joelhos, implorando:
— Pelo amor de Deus, não faça isso! Nós não sabemos onde
ela está! Eu juro!
Sorri frio, sem compaixão.
— Não me interessa. Vocês a ajudaram a fugir, e esse é o
castigo. Toda semana vão me pagar cinquenta mil rublos. — Falei
cada número cuspindo veneno. — Se não pagarem, a dívida
acumula. E quanto mais ela crescer, mais perto ficam de pagar com
a vida.
Anya chorava sem ar, balançando a cabeça em desespero.
— Nós não temos esse dinheiro… não temos!
O velho continuou implorando.
— Por favor… piedade…
— Piedade? — ri baixo. — A única coisa que vocês precisam é
encontrar Helena. Se não fizerem, já comecem a escolher quem de
vocês morre primeiro.
Virei as costas e saí, os gritos deles ainda ecoando atrás de
mim.
Que todos se fodam. Helena vai aparecer. Por bem ou por
mal.
Preciso respirar antes de arrebentar o imprestável do Mikhail,
ou vou acabar fazendo merda grande. Porque, pela primeira vez em
trinta e cinco anos, sinto que perdi o controle. Um desespero ridículo
queimando por dentro.
Onde essa bruxa se meteu?
Eu vou encontrá-la. E quando isso acontecer, ela vai se
arrepender de ter fugido.
Bônus — Mikhail
Eu estou fodido. Fodido pra um caralho!
Como eu podia imaginar que o destino fosse tão filho da puta
a ponto de colocar aquela desgraçada dentro da organização? E
pior: se envolvendo com o meu irmão.
Terei sorte se Viktor não pedir a minha cabeça numa bandeja
de prata.
— Minha vontade é socar tanto a sua cara até deixá-la
desfigurada.
É a primeira vez que ele fala desde que chegamos. Durante
todo o trajeto, permaneceu em silêncio, o maxilar travado, o olhar
perdido em pensamentos sombrios, arquitetando mentalmente
dezenas de maneiras cruéis de me matar.
— Errei, mas não imaginei que o destino fosse tão filho da
puta comigo.
Ele inclina o corpo para frente, os olhos faiscando em fúria, e
ri com um som curto, sem humor.
— Destino, Mikhail? — o deboche arranha sua voz. — Não
fode, porra! Essa merda poderia ter nos trazido uma dor de cabeça
imensa. E se ela abrisse a boca? Me diz, quando foi que deixamos
uma testemunha viva?
Respiro fundo, meus dedos apertando as têmporas. O peso
da culpa me afunda na cadeira. Argumentar seria inútil, porque
Viktor está certo. Vacilei feio, pra caralho.
— Eu nem sei o que falar, de verdade. Fiz merda, assumo.
Ele se levanta com calma, abre uma garrafa e me estende um
copo de vodka cheio. Se senta diante de mim, encarando-me.
— Agora me explica, com todos os detalhes, o que te levou a
errar dessa maneira.
E naquele instante, já não vejo o Pakhan da organização. Vejo
apenas o meu irmão.
— Ela era faxineira no hotel... não sei como estava naquele
quarto naquela hora. Não era pra ter ninguém. Erramos em não
verificar, mas, porra, quem podia imaginar? — Viktor arqueia uma
sobrancelha, cético, como se dissesse sem palavras: não dava
mesmo para imaginar que isso pudesse acontecer?
Porra... era exatamente o que devíamos ter feito. Mas como
eu ia imaginar que a garota estaria lá?
— Quando saímos, um dos homens a viu escapando do
quarto. Foi aí que tudo desandou. Eu não a vi dentro do quarto, só
percebi o rosto dela quando se assustou e correu. Não conseguimos
pegá-la no hotel, não podíamos chamar atenção. Tentamos ser
cautelosos, mas a garota conhecia o lugar melhor que nós. Escapou
com facilidade. — Passo a mão pelos cabelos, exasperado. — Revirei
aquela cidade maldita de ponta a ponta e nada. Consegui os
documentos dela no hotel, não tinha ninguém. Mãe morta há muito
tempo, pai também tinha morrido.
Viktor solta um palavrão abafado e vira um gole longo,
batendo o copo pesado sobre a mesa. Eu faço o mesmo e ele já
enche novamente nossas doses.
— Procurei por ela durante anos. Não quis te preocupar na
época, você já tinha coisa demais na cabeça. Por isso disse que o
caso estava resolvido. Sabia que uma hora ou outra ela poderia
aparecer. Mas o tempo passou e imaginei que estivesse morta. —
Ergo os ombros, derrotado. — Foi isso. Mas vou consertar essa
merda. Vou atrás dela.
O olhar de Viktor se torna ainda mais duro.
— Escuta bem, Mikhail. Não existe conserto. Helena é a única
que pode abrir a boca sobre o que viu. Mas ela também é a mulher
que eu quero, até me cansar. Então você não vai encostar um dedo
nela. Estamos entendidos?
Meu peito se infla de raiva, mas só consigo assentir, o maxilar
travado.
— Nós vamos encontrá-la e eu vou decidir o que fazer com
ela.
— Vai matá-la?
Ele encosta o copo nos lábios, os olhos semicerrados.
— Por enquanto, não.
— Você está obcecado por ela, não é? — estreito os olhos,
esperando.
Ele se levanta, serve outra dose, os movimentos lentos
demais para um homem com tanta fúria represada.
— Por ela, não. Pela boceta dela, pode ser que sim.
O silêncio pesa entre nós, denso como fumaça de pólvora.
— Não sei como você foi errar tão feio, Mikhail. Eu deveria te
punir.
— Fique à vontade. Me punir, me matar... o que achar melhor.
Nós não temos nada a perder nessa vida. Acha que eu tenho medo
da morte?
Um sorriso torto desponta nos lábios dele, quase
imperceptível.
— Eu sei que não tem. — Ele se vira devagar e me encara de
novo. — Mas não vou te matar, Mikhail.
A sala mergulha num silêncio por alguns instantes.
— Agradeço, Pakhan.
— Quem está diante de você agora não é o Pakhan. Se fosse,
seus miolos já estariam espalhados por este escritório. Quem está
aqui é seu irmão. Mas não se engane: o erro não será esquecido.
Você terá que provar, todos os dias, que ainda merece respirar e
fazer parte desta organização.
Balanço a cabeça, concordando.
— Certo.
E é justo. Vacilei feio e sei que Viktor não vai esquecer.
Ele se recosta na cadeira, cruzando as pernas com a calma de
alguém que acabou de me julgar e sentenciar.
— Agora levanta o seu rabo da minha cadeira e vá
providenciar os papéis para levar naquela espelunca.
Sem protestar, apenas assinto e me retiro.
Viktor foi benevolente. Se fosse nosso pai, eu certamente
estaria deixando este escritório numa maca de hospital, os ossos
triturados de tanto apanhar.
[...]
Entro no restaurante e não há mais ninguém.
— Já fechamos! — A garota grita, escutando a porta bater
atrás de mim.
Ela surge atrás do balcão. Quando os olhos dela me
encontram, se arregalam de imediato, tomada pelo medo.
— Estamos fechados! — repete, parecendo até que suas
palavras frágeis pudessem me expulsar dali, fingindo não saber
muito bem quem sou.
Tenho vontade de rir, mas me contenho. Apenas avanço com
calma.
— Aqui está o papel. — Apoio-o sobre o balcão.
Ela morde o canto da boca, tentando disfarçar o medo. O
peito sobe e desce rápido, denunciando o pavor que sente. A
respiração curta e trêmula não deixa dúvidas de que está apavorada.
— Não vou assinar nada! — sua voz falha, mesmo tentando
soar firme. Patética. E isso só me diverte mais.
Cruzo os braços, o olhar fixo nela, e deixo minha paciência
escorrer.
— Estou tão sem paciência que, se fosse você, assinava
bonitinho e ainda levava para o velho do seu pai assinar também. —
Inclino a cabeça, deixando um sorriso frio escapar. — Aliás, como
está a sua mamãe?
A mudança é instantânea. O medo se transforma em puro
pavor. Os olhos dela se enchem de desespero. Anya dá um passo
para trás, tentando fazer com que essa distância mínima pudesse
protegê-la de mim.
Claro que fiz meu trabalho de ontem para hoje. Investiguei
cada detalhe da vida dela. Família falida, quebrada. Uma mãe
doente, sobrevivendo com dificuldade até para comprar os remédios.
Esse restaurante? Não passa de uma punição. Não tem valor
algum. Se é que algum dia teve.
— Vou levar para o meu pai assinar. — ela engole seco, a voz
quase sumindo.
— Depois alguém passa aqui para buscar. — Fecho o casaco
com calma, voltando a encará-la com frieza. — Não vou perder meu
tempo com o chororô de vocês. — Dou um passo à frente, a voz
ainda mais cortante. — E não foi nada inteligente da parte de vocês
irem à polícia.
— Vocês não podem fazer isso e ficarem impunes! — explode,
a voz embargada, quase um grito.
Dou uma risada baixa, que ecoa pelo salão vazio.
— Você é tão estúpida que realmente acreditou na polícia?
Acha mesmo que eles não iam nos avisar? — aproximo mais,
sentindo a tensão dela no ar. — Isso não vai dar em nada, Anya.
Quem manda nesta cidade somos nós. Quem manda na polícia
somos nós. E a única coisa que você conseguiu foi deixar o Pakhan
ainda mais irritado. Vai saber... ele pode até aumentar o valor da
dívida.
— Não, por favor! Isso não! — ela se desespera de vez, os
olhos marejados transbordando em lágrimas. — Nós não temos esse
dinheiro! E... e não sabemos onde Helena está!
Só então reparo nela de verdade. E caralho... que bonita. As
bochechas coradas de choro, o nariz empinado, os cílios longos
batendo rápido, tentando segurar o pranto. E o corpo... porra,
consigo imaginar facilmente a deusa que seria nua. Gemendo sob
mim.
Meu sorriso se abre, perverso.
— Sabe, Anya... acabei de ter uma ideia para você pagar essa
dívida. — deixo o olhar deslizar lentamente por cada curva dela, de
cima a baixo. Gosto do que vejo. Gosto demais.
— Qual? — pergunta, a voz quase um sussurro.
— Eu vou foder você quando e onde eu quiser. Em troca, te
dou o dinheiro. Simples.
O horror toma conta do rosto dela. Um espetáculo perfeito. A
boca se abre e fecha várias vezes, os olhos piscam sem parar, o
cérebro não conseguindo processar o que ouviu. Parece uma boneca
quebrada, tentando reagir. E eu me divirto com cada segundo.
— Eu não sou uma puta! — berra, a voz carregada de ódio e
vergonha.
— Mas pode começar a ser a partir de hoje.
Ela treme, os punhos cerrados, os olhos faiscando em meio às
lágrimas.
— Olha... nem vou começar a listar os xingamentos que estão
passando pela minha cabeça. Mas saiba de uma coisa: eu prefiro
morrer a ter que me deitar com alguém como você.
Levanto as sobrancelhas, indiferente, o sorriso nunca
deixando meu rosto.
— Então tá. Tic-tac... o tempo está correndo. Comecem a
providenciar o dinheiro ou já escolham quem vai morrer primeiro.
Eu, se fosse você, optaria pela sua mãe. Afinal, ela já está quase
morta mesmo, não é?
Dou um último sorriso de desprezo e me viro para sair. Mas
antes que eu alcance a porta, os gritos dela ecoam pelo salão,
cheios de ódio e desespero. Anya me xinga com fúria, a voz
embargada pelo choro. Dá para sentir que se segura com todas as
forças para não me atacar.
Minha proposta foi real. Mas, se prefere se agarrar ao
orgulho, o problema é dela.
Só não posso negar: desejei que tivesse aceitado. Já estava
até me imaginando fodendo-a como um animal.
A vida é louca e sempre arruma um jeito de me desafiar. Essa
é a única certeza que eu tenho.
Naquele dia, quando achei que não havia mais saída, quando
senti o peso da morte se aproximando, descobri que ainda podia
haver salvação para mim.
Eu não fazia ideia de que o restaurante escondia uma porta
nos fundos, encoberta por caixas e prateleiras velhas. Nunca tinha
notado, e acho que nunca ia notar, se não fosse por Anya e o pai
dela.
Meu coração batia tão forte enquanto corria que parecia
prestes a explodir dentro do peito. O pai de Anya me empurrou para
dentro da caminhonete e arrancou sem olhar para trás. A estrada
parecia interminável, e eu chorei o caminho inteiro, sem saber se era
alívio ou desespero.
— É aqui que você desce, menina. Daqui em diante, você
está por conta própria.
Foram essas as palavras dele. Nem ele nem Anya quiseram
saber mais do que eu estava disposta a contar. E foi justamente isso
que me fez ser tão grata a eles. Grata para sempre.
Quantas vezes pensei em ligar para saber como estavam, mas
o medo de revelar meu paradeiro e colocar os dois em risco me
segurava. Sinto falta de Anya. Muita.
Fiquei naquela cidade por dois dias. Dois dias que pareceram
uma eternidade. Eu não tinha para onde ir, não conhecia ninguém e
quase não tinha dinheiro. Dormi numa pensão barata, o colchão
cheirando a mofo, a janela emperrada deixando passar apenas um
sopro de vento gelado.
Quase não comi. A fome se misturava ao medo, e cada batida
na porta me fazia estremecer. Eu me encolhia na cama, tentando
acreditar que estava segura, mas a imagem de Viktor e dos homens
dele me perseguia até nos sonhos. Quando finalmente pegava no
sono, acordava no meio da noite com o coração disparado, jurando
ter ouvido passos atrás de mim.
No segundo dia, sem pensar duas vezes, fui até a rodoviária e
comprei a primeira passagem que o pouco dinheiro permitia. Não
perguntei para onde, não quis saber. Eu só precisava ir embora dali.
A viagem foi longa e o balanço do ônibus me jogava de um
lado para o outro, me deixando enjoada. O ônibus parou no ponto
final e eu desci, já era noite, e o vento cortante atravessou meu
casaco ralo. A rodoviária era pequena e quase deserta, iluminada
por lâmpadas fracas que piscavam sem parar.
Apertei contra o peito a única bolsa que carregava. Dentro,
algumas mudas de roupa, um par de sapatos gastos e só. Era tudo
que restava da minha vida.
Eu sabia que não tinha para onde correr. Se tentasse sair da
Rússia, Viktor descobriria em poucas horas. Ele tinha olhos e ouvidos
em todo lugar, contatos em qualquer fronteira. Fugir para longe seria
previsível demais. O mais seguro, por mais absurdo que parecesse,
era me manter por perto. Perto demais do perigo. Perto demais dele.
Foi assim que cheguei a Novoderevensk, uma cidade
pequena, cercada de campos congelados e florestas que pareciam
muralhas de árvores retorcidas. O lugar era esquecido no tempo,
com ruas vazias e casas de madeira envelhecida tentando resistir ao
inverno.
Andei até encontrar um motel de beira de estrada. A fachada
simples, o letreiro velho piscando em vermelho, parecendo que vai
se apagar a qualquer instante. O quarto era pequeno, paredes
descascadas e a cama rangia quando me sentei. Encostei a bolsa no
canto, tirei os sapatos e me encolhi debaixo do cobertor áspero. A
partir daquele dia, aquele quarto virou a minha morada.
Os donos do motel, a senhora Galina e o seu esposo, eram
um casal simples, já idosos, acostumados a hóspedes de passagem
e histórias que não se contam. Não me fizeram muitas perguntas.
Quando perceberam que eu já estava há dias ali, sem ter para onde
ir e precisando de ajuda, e que eles também careciam de alguém
para cuidar da limpeza, me ofereceram um acordo.
Eu não recebia salário, mas em troca não pagava
hospedagem. O quarto, com sua cama dura e cobertor gasto, era
meu. Todos os dias, no almoço e no jantar, a senhora Galina me
deixava sentar à mesa da cozinha.
A comida era simples: sopa quente, batatas, às vezes carne
ensopada quando sobrava. Mas para mim, era mais do que alimento.
Era a lembrança diária de que eu ainda estava viva. De que tinha
onde me esconder. De que, mesmo sem saber quem eu era, alguém
não tinha me virado as costas.
Eu era grata. Sabia que, no fundo, eles também tinham medo
de descobrir demais. Era melhor assim. Quanto menos soubesse
sobre mim, mais seguro para todos nós.
E, dia após dia, eu continuava ali: invisível, em silêncio,
limpando os quartos de estranhos, escondida num motel perdido no
meio do interior da Rússia, tentando convencer a mim mesma de
que Viktor jamais me encontraria naquele buraco.
Mas então o meu corpo começou a dar sinais. Primeiro uma
fraqueza estranha. Depois, enjoos constantes, tonturas que me
faziam me apoiar nas paredes para não cair. Achei que fosse o frio, a
comida simples, o cansaço. Mas não passava. Cada manhã era uma
luta contra aquele mal-estar que parecia me devorar.
A senhora Galina, sempre atenta, logo percebeu. Um dia
entrou no quarto em silêncio e me entregou um teste de farmácia.
Minhas mãos tremiam quando segurei a caixinha. Demorei
horas para criar coragem, mas quando as duas linhas surgiram
diante de mim, meu mundo desmoronou.
O grito escapou antes que eu pudesse conter. Chorei como
nunca, soluços me sufocando, o peito queimando. Caí de joelhos,
cobri o rosto com as mãos e implorei, sem forças:
— Não… por favor, não comigo! Eu não mereço isso!
Era como se o universo tivesse decidido brincar com a minha
vida, me punindo por algo que eu nunca escolhi. Eu estava grávida.
Grávida, perdida e sozinha.
O desespero me dominou de um jeito que eu jamais imaginei.
Bati os punhos contra o chão, os olhos ardendo, e tudo o que
consegui foi pedir, entre gritos e lágrimas, que aquilo fosse mentira.
Galina se ajoelhou ao meu lado e me puxou para um abraço,
quase maternal.
— Shhh… calma, menina. Você não está sozinha. A gente vai
dar um jeito. Eu vou te amparar.
Nos dias seguintes, a ideia não me largava. Pensei em
abortar. Acabar com tudo antes mesmo de começar. Não por
covardia, mas por puro desespero. Como eu poderia colocar no
mundo o filho de um monstro?
Passei noites em claro, encarando o teto descascado,
tentando reunir coragem para fazer o que, no fundo, eu sabia que
me despedaçaria por dentro.
Foi Galina que me segurou quando eu estava no limite.
Sentou-se ao meu lado, com aquele jeito simples e abriu o coração.
Contou que, quando jovem, sonhava em ser mãe, mas a vida tinha
sido cruel e nunca deixou.
— Esse filho, menina, pode ser a luz que o destino te mandou
em meio a tanta escuridão. Não o rejeite. Não faça o que eu daria
tudo para ter tido a chance de viver.
E se ela tivesse razão? E se o meu bebê fosse a única coisa
boa que me restava, a única razão para continuar respirando.
Aos poucos, fui me convencendo. Nunca fiz exame, nunca
pisei num hospital. Carreguei a gestação inteira dentro daquele
motel. As poucas roupinhas do meu bebê foram Galina quem
costurou, aproveitando tecidos antigos, pedaços de pano guardados
por anos.
Ganhei meu filho ali mesmo, naquela cama. A dor veio de
repente, tão intensa que me arrancou o ar. Galina correu e trouxe
um médico de confiança, um homem simples que não fez perguntas,
só cuidou de mim e do bebê.
Quando o choro dele encheu o quarto, rompendo o silêncio
que me esmagava há meses, minhas lágrimas vieram sem controle.
Nikolai nasceu saudável. Pequeno e lindo, com um grito tão forte
que parecia anunciar ao mundo: “eu venci”.
O nome foi escolha minha e de Galina. Ela me mostrou um
velho livro de nomes russos que guardava com carinho. Quando li
Nikolai, “o vitorioso do povo”, soube na hora que seria esse. Não
havia outro. Era a vida gritando nos meus ouvidos que meu filho não
era um castigo, mas uma vitória.
E quando finalmente segurei o pequeno Nikolai nos braços,
encarei aquele rostinho e chorei como nunca. Chorei de
arrependimento, por todas as vezes em que pensei em tirá-lo de
mim. Chorei de amor, porque o que senti no peito foi uma explosão
tão forte que me partiu em mil pedaços e me juntou de novo,
diferente.
Naquele instante, entendi que, mesmo cercada pela
escuridão, meu filho era a luz que me faria seguir em frente.
Ganhei um bebê-conforto de Galina, e aquilo me ajudou
demais com Nikolai. Meu bebê era uma bênção: quase não chorava.
Resmungava um pouco quando sentia fome e depois logo dormia,
quietinho. Assim eu conseguia dar conta dos meus afazeres no
motel.
Já se passou quase um ano desde que fugi e, sim, ainda
morro de medo de que ele me encontre. Algo dentro de mim grita
que Viktor não vai descansar enquanto não me tiver de volta. Hoje,
meu maior pavor não é mais por mim, mas pelo meu filho.
Um dia, confessei ao marido da dona Galina que temia o pai
do meu bebê aparecer. Ele, todo bondoso, me entregou uma arma
velha e disse que era “pra emergência”. Eu ri muito naquele dia, mas
a verdade é que a arma continua escondida no meu quarto. Nunca
se sabe, e agora tenho alguém para proteger.
— Né, meu amor? — aperto a bochechinha de Nikolai
enquanto ele mama. Estou sentada na cama de um dos quartos que
acabei de arrumar. — A mamãe faz qualquer coisa por você.
E é verdade. Nunca senti um amor tão avassalador. Nikolai
me transformou no instante em que nasceu e eu o vi pela primeira
vez. Sou outra mulher agora.
Mas basta pensar em Viktor descobrindo que ele existe para
um arrepio gelado percorrer minha espinha. Eu sei do que aquele
homem é capaz.
— Agora você vai ficar quietinho no bebê-conforto pra mamãe
terminar o serviço, tá bom? — digo, colocando-o para arrotar.
Só fiquei sem trabalhar nos primeiros quinze dias. Não podia
me dar ao luxo de perder o teto. Mesmo com Galina insistindo que
eu podia descansar o quanto precisasse, eu sabia que era um acordo
e eu tinha que honrar minha parte. Eles já tinham feito muito por
mim.
Às vezes, Galina ficava com Nikolai para eu trabalhar mais
tranquila, mas como já era noite e eu queria adiantar o serviço,
preferi não incomodá-la dessa vez.
— O que foi, meu bebê? — peguei-o no colo outra vez,
porque o choro não cessava. — Hein? O que você tem?
Balançava-o de um lado para o outro, mas nada. O choro só
aumentava, rasgando meu coração.
— Fala pra mamãe, filho…
Ouvi uma batida suave na porta, que estava apenas
encostada. Suspirei aliviada, achando que fosse Galina, mas quando
levantei os olhos, a figura de um homem alto preencheu a entrada.
Terno sob medida, postura firme. Já o tinha visto antes por aqui.
Galina comentou que ele era um político influente, que alugava um
quarto no motel para encontros discretos, longe dos olhos da
imprensa.
— Posso ajudar? — perguntei de imediato, apertando Nikolai
contra o peito. Não para machucá-lo, mas para protegê-lo.
— Eu estava de saída e ouvi você falando com o bebê. Está
tudo bem? — a voz dele era firme, mas não soava ameaçadora.
— Sim, está… — respondi, nervosa. Mas Nikolai berrava ainda
mais. — Já mamou, e mesmo assim não para de chorar. Eu não sei o
que fazer.
O homem se aproximou tão silencioso que só percebi quando
sua sombra caiu sobre mim. Ele era enorme.
— Posso tentar? — estendeu a mão.
— Quer pegar ele? — perguntei, desconfiada. — Acho melhor
não.
Ele abriu um sorriso leve.
— Já deve ter me visto por aqui, certo? — assenti. — Eu
também já te vi pelos corredores, até quando estava grávida. Me
chamo Dmitri. E você?
Mordi o canto da boca, hesitando. Quais as chances de ele
ser um dos homens de Viktor? Observei-o com atenção. Não
parecia. E Galina havia dito que era político.
— Helena. — respondi por fim, em voz baixa.
— Certo, Helena. Agora já nos conhecemos. Posso mesmo
ajudar? Você parece precisar.
Suspirei fundo. Nikolai berrava sem parar e meu coração
parecia se partir em pedaços.
Céus, que mãe eu era, incapaz de acalmar meu próprio filho?
— Pode fechar a porta? — pedi, ainda desconfiada. Ele soltou
uma risada baixa.
Dmitri foi até a porta, fechou-a com calma e voltou sorrindo.
— Não vou fugir com o seu bebê, relaxa. — brincou,
estendendo a mão de novo.
Dessa vez, entreguei Nikolai. Vi meu filho desaparecer nos
braços grandes e firmes dele. Por um instante, pensei em como seria
Viktor segurando nosso bebê e meu peito apertou. Mas logo sacudi
a cabeça. Não. Viktor é um monstro. Se nos encontrasse, mataria
nós dois sem hesitar.
Enquanto eu me perdia nesses pensamentos, percebi que o
choro de Nikolai cessava nos braços de Dmitri.
— Acho que eram cólicas. — disse ele, colocando o bebê de
barriguinha para baixo sobre o peito e acariciando suas costas
devagar.
— Você tem filhos? — perguntei, aliviada.
Sentamos lado a lado na cama.
— Não. Mas há alguns anos me envolvi com uma mulher que
tinha um bebê. Lindo, como o seu.
— Posso perguntar o que aconteceu? — arrisquei.
Ele suspirou, deu um meio sorriso triste e balançou a cabeça.
— O bebê faleceu com cinco meses. A mãe não suportou,
tirou a própria vida.
Fiquei em silêncio, digerindo aquilo. Meu coração se apertou
pela dor dessa mãe. Olhei para Nikolai e não consegui imaginar
minha vida sem ele.
— Que triste… ela era sua esposa?
— Não. Só um caso.
Assenti, sem coragem de insistir.
Nikolai adormeceu no colo dele e eu sorri sem conseguir
evitar.
— O que faz aqui, trabalhando a essa hora, Helena? —
perguntou.
— Moro aqui. Resolvi adiantar o serviço. Nikolai nunca tinha
tido cólicas, fiquei perdida.
— É um nome bonito. Nikolai combina com ele. — comentou,
olhando para o bebê.
Sorri, concordando. Dmitri não fez perguntas sobre mim, nem
eu sobre ele. Mas, de forma inesperada, ganhei um amigo.
Acredite se quiser.
Ele não só se aproximou de mim, mas também de Nikolai.
Sempre que aparecia no motel, cada vez com uma mulher diferente,
trazia presentes para meu filho: roupas, brinquedos. Até começou a
surgir por aqui mais vezes.
Galina dizia que ele estava encantado não só por Nikolai, mas
por mim também. Eu dizia que era coisa da cabeça dela.
Dmitri sempre me tratou com respeito, e nossas conversas
giravam em torno de Nikolai.
Não vou negar: ele é bonito, muito bonito. Mas não. Eu não
queria mais saber de homem na minha vida.
Faz quase um ano. Um ano inteiro de silêncio, de rastros
apagados, de homens meus revirando cada buraco atrás dela. Um
ano sem o gosto dela na minha boca, sem o cheiro que ainda gruda
em mim como veneno. Às vezes acordo no meio da noite com essa
maldição queimando na pele, como se ela tivesse acabado de passar
por aqui.
Helena.
Só de pensar no nome dela sinto um peso no peito, uma
mistura doentia de ódio e desejo. Desde que aquela bruxa sumiu, a
raiva só cresceu dentro de mim. Cada dia sem ver o rosto dela é
mais um dia em que meu sangue ferve, mais um dia em que
imagino como vou fazê-la pagar.
Ela não faz ideia do inferno que deixou para trás quando
fugiu. A ousadia de virar as costas pra mim, de acreditar que podia
desaparecer, achando que eu fosse um homem qualquer. Ninguém
me desafia e continua respirando por muito tempo.
Quanto mais o tempo passa, mais o ódio se mistura com essa
lembrança maldita. O gosto. O cheiro. Uma marca invisível cravada
em mim. Uma maldição que me mantém acordado e me alimenta
com uma única certeza: vou encontrá-la. Nem que eu tenha que
virar o mundo de cabeça pra baixo, nem que precise mergulhar no
inferno.
E quando eu olhar nos olhos dela de novo… Helena vai
descobrir o que significa ser propriedade de um homem como eu.
Hoje é o maldito dia do meu casamento.
Um circo arranjado, enfiado goela abaixo pela tradição e pela
doença de um velho que não significa nada pra mim. O pai da noiva
está morrendo, e querem que eu me case antes que ele dê o último
suspiro. Parecendo até que essa porra é problema meu.
Adiei essa merda por meses, suportando a pressão,
empurrando a data sempre que podia. Mas a encheção só cresceu, e
não há mais desculpas que segurem. Então aqui estou.
Daqui a pouco a cerimônia começa. Por enquanto, estou
sentado, bebendo e fumando com meus irmãos.
— Depois que o Viktor casar, vai ser a sua vez, Dmitri —
Mikhail provoca, rindo.
Dmitri levanta os olhos do celular, que não larga, e encara
Mikhail, que ainda sorri feito idiota.
— Quem tem que casar é você, que anda todo babando por
aquela garota do restaurante. — retruca.
Na hora, Mikhail fecha a cara.
Eu rio. Porque é verdade: Mikhail é um imbecil fascinado por
uma boceta. A tal da Anya.
— Vai se foder, vocês dois! — ele se emburra e levanta pra
pegar mais bebida.
— E então, animado? — Dmitri pergunta, recostando na
poltrona, ajeitando o paletó.
— Eu pareço animado?
Ele ri baixo.
— Nem um pouco.
— Não queria me casar, muito menos com ela — confesso,
tragando fundo o cigarro.
— Então não case. Quem manda nessa merda é você.
— Não é questão de querer, Dmitri. É de precisar. Preciso de
um herdeiro. Ela é a mulher certa pra isso, tem um nome de peso
no nosso meio.
Mikhail volta com a garrafa.
— Tudo por um herdeiro, uma criança com nosso sangue
podre e sobrenome pesado.
— Falando em criança, preciso fazer uma ligação. — Dmitri
pega o celular novamente.
Eu e Mikhail voltamos a conversar sobre negócios. Até que a
voz de Dmitri me chama atenção.
— Entregue direto na mão da Helena, a moça que trabalha aí.
Meu corpo congela, viro o rosto de imediato na direção dele.
Mikhail também percebe e me encara.
— O que foi? — Dmitri pergunta, desligando.
— O que você acabou de dizer? — estreito os olhos, sentindo
o sangue ferver.
Não. Não pode ser coincidência. Eu não acredito em
coincidência.
— Só falei com um dos meus seguranças. Pedi pra entregar
algo. Por quê? — ele nos olha, confuso.
— Entregar pra quem? — Mikhail entra na conversa.
— Que porra é essa? Tô num interrogatório agora? — Dmitri
dá um sorriso torto, sem entender nada.
— Você disse o nome de uma mulher. Repete. — Ordeno.
Ele franze a testa.
— O que diabos tá acontecendo?
— Você falou Helena? — Mikhail pergunta, notando meu
nervosismo crescendo.
— Falei. Qual o problema? — Dmitri se irrita, a voz mais alta.
— Porra! — passo a mão pela barba, me levantando de
supetão.
Seria ela?
— Você acha que é ela? — Mikhail murmura pra mim.
— Ela quem, caralho? — Dmitri também se levanta, nervoso.
— Por que eu não tô entendendo nada?
— Onde essa Helena tá? — avanço na direção dele.
— Primeiro quero saber por que esse nome mexeu tanto com
você.
— Você não tem que saber porra nenhuma! — rosno. — Onde
ela tá, caralho? Você tem foto dela?
— O que tá acontecendo, Viktor? — ele insiste.
Mikhail responde no meu lugar:
— Helena foi testemunha de um homicídio que eu cometi. E
também se envolveu com Viktor. Nenhum dos dois sabia quem era
quem.
— Caralho… — Dmitri arregala os olhos. — E você acha que é
a mesma?
— Não sei. Como você conhece essa mulher?
— Faz pouco tempo. Semanas, um mês, não sei ao certo. Ela
mora e trabalha num motel que frequento.
Dou uma risada seca, sem humor, passando a mão pelos
cabelos.
— Só pode ser ela. — Mikhail concorda com a cabeça, sério.
— Que outra mulher se esconderia num motel de merda? — puxo a
arma e coloco no coldre. — Vou pra lá agora.
— Espera! E se for mesmo ela, o que vai fazer? — Dmitri
pergunta, e nos olhos dele vejo algo que não gosto: preocupação.
— Vocês estão fodendo? — solto, arqueando a sobrancelha.
— Do que você tá falando, porra? — ele rebate, ofendido,
mas sinto a hesitação.
— Quero saber se você tá com essa mulher. Responde,
caralho!
— Não! — dispara rápido, rápido demais.
— Cancele o casamento. — digo a Mikhail.
— O quê? Não, Viktor. E se não for ela?
— Só vou saber vendo com meus próprios olhos. Eu preciso ir.
— Vou com você. — Dmitri dá um passo à frente.
Eu o fuzilo com o olhar.
— Não. Você fica. Ajuda o Mikhail a cancelar esse circo.
Não quero Dmitri atrás de mim. Se ele estiver fodendo essa
mulher e for a minha Helena, eu mato ele sem pensar duas vezes,
mesmo sendo sangue do meu sangue.
E com ela? Com ela só vou decidir na hora, quando estiver
cara a cara com a bruxa que entrou na minha vida e a amaldiçoou
com aquele cheiro maldito e o gosto viciante.
Saio sem olhar pra trás. O coração dispara, de pura fúria. Eu
sei exatamente onde fica o buraco imundo que Dmitri usa pra se
esconder e comer suas putas longe dos olhos da mídia. Um motel
vagabundo, esquecido na beira da estrada.
Entro no carro, bato a porta com violência e giro a chave.
Seguro o volante até os nós dos dedos ficarem brancos, a mandíbula
travada. Cada quilômetro engolido pela estrada faz meu sangue
ferver ainda mais.
Foram quase duas horas de viagem. Duas horas em que a
raiva não deu trégua, queimando minha pele, corroendo meus
pensamentos. O suor escorre pela nuca, encharcando a gola da
camisa. O corpo tenso, os músculos prontos pra explodir. E se for
mesmo a minha Helena? O que vou fazer quando encarar aquele
rosto de novo?
As imagens não me deixam em paz. Em todas, eu estou
despedaçando aquela bruxa, arrancando dela o preço de ter me
desafiado, o preço de ter ousado desaparecer da minha vida.
E então, finalmente, ele surge. O motel decadente. Pintura
descascada, letreiro vermelho piscando como um coração à beira da
morte. Boca de porco. Dmitri é previsível demais, chega a ser
ridículo.
Freio bruscamente, desço do carro e caminho decidido. O
cascalho range sob minhas botas. O vento gelado traz o fedor de
cigarro barato, álcool vagabundo e suor. Mas, por trás disso, algo
atravessa meu peito.
O cheiro dela.
Paro, fecho os olhos e inspiro fundo. O perfume maldito que
me persegue até nos sonhos invade meus pulmões. Doce. Viciante.
Maldito. Uma praga que nunca consegui arrancar da memória.
E então, lá está.
Helena.
A desgraçada aparece no corredor estreito, subindo as
escadas gastas em direção aos quartos. O casaco surrado tenta
esconder o corpo, mas não consegue apagar o que meus olhos
reconhecem de imediato. O andar rápido, o cabelo solto escorrendo
pelas costas, os olhos inquietos varrendo os lados como uma presa
acuada.
Não preciso de confirmação. Não preciso de nome. Meu corpo
inteiro reconhece. Minha pele arrepia. Meu olfato grita. Minha raiva
explode.
É ela.
O coração acelera, as veias do pescoço saltam, meus dentes
rangem.
— Filha da puta… — rosno, a voz carregada de ódio e desejo.
Meus passos avançam pesados. Nunca corri atrás de
ninguém. Mas agora… agora o inferno inteiro vai arder.
Saio do quarto para jantar e buscar a mamadeira, junto com
algumas coisas que Dmitri fez questão de mandar pelo segurança
dele. O frio corta a pele, se não fosse a fome e o que preciso levar
para Nikolai, eu não teria saído.
Seguro firme as sacolas e, por um instante, sorrio. Dmitri é
tão atencioso com meu filho que meu coração chega a se aquecer
só de saber que ainda existem pessoas bondosas.
Mas quando começo a subir as escadas, um vento gelado
atravessa o corredor e um arrepio violento percorre minha espinha.
A sensação é sufocante, densa, como se a escuridão tivesse me
achado.
Meu estômago revira.
— Credo… — murmuro, balançando a cabeça, tentando
afastar o pavor que cresce dentro de mim. Fazia tempo que não
sentia isso.
Chego diante da porta, respiro fundo e coloco a mão na
maçaneta.
De repente, uma força brutal me arranca do chão.
— Ah! — grito, sufocada, enquanto as sacolas caem e a
mamadeira, junto com as roupas, se espalham pelo corredor.
Meu corpo bate contra a parede gelada, o ar some dos
pulmões. Antes que eu consiga reagir, dedos enormes agarram meu
pescoço e esmagam minha garganta.
Tudo desaparece. Só existe ele.
Levanto os olhos e encontro os dele. Escuros, ardendo de
ódio. O rosto duro, marcado pela fúria que eu sempre temi.
Viktor.
Meu coração dispara, a respiração se prende sob o peso da
mão dele. Tento agarrar o pulso, lutar, mas a força dele é
esmagadora.
Ele me encara de perto, tão próximo que sinto o hálito quente
bater no meu rosto. Um arrepio percorre cada parte do meu corpo.
— Achou que ia fugir de mim pra sempre, bruxa? — a voz sai
baixa, mas demonstra toda a raiva que está sentindo por mim.
Meus olhos se enchem de lágrimas. A garganta arde, o corpo
treme inteiro. Tento falar, mas só um gemido rouco escapa.
— Eu… por favor… — balbucio, o desespero estampado na
minha expressão.
Ele aperta mais. Minha cabeça bate contra a parede, a dor
lateja. O ar me falta, o desespero me devora. Estou sufocando.
Os olhos de Viktor queimam nos meus, frios, cruéis. Ele sorri
de canto, predador.
— Você vai pagar caro por ter fugido. Quem diabos pensa que
é pra me desafiar? Você é minha, Helena. Minha. E essa merda só
termina quando eu mandar.
Tento pedir socorro, mas nada sai. Estou à beira do fim.
Viktor vai me matar.
Minhas mãos perdem a força. Desisto. Fecho os olhos,
esperando a escuridão me engolir.
E então, um choro.
Nikolai.
Meus olhos se abrem na mesma hora. O peito arde,
implorando por ar, mas Viktor congela por um instante, surpreso
com o som.
Ele me solta e meu corpo despenca. Os pés tocam o chão e
eu puxo o ar num desespero ofegante, tossindo, tentando encher os
pulmões. Mas não há tempo.
Ele dá um passo, indo direto para o quarto.
— Não! — grito, a voz quebrada.
Viktor me encara rápido, os olhos estreitos, negros de ódio, e
me ignora. Empurra a porta e entra.
O choro de Nikolai ecoa. Eu choro junto, mas o meu é puro
desespero. Minha vida acabou. A do meu filho também.
Tremendo, a mão no pescoço dolorido, sigo atrás dele. O
coração martela tão forte que dói.
Viktor para diante do berço. Um gigante de ferro parado,
observando meu filho pequeno, indefeso. O silêncio sufoca. Só o
choro de Nikolai preenche o ar.
Ele se vira, os olhos vermelhos de fúria queimam em mim.
Minha alma congela.
— De quem é essa criança? — a voz rouca, arrastada, vem
com tamanho desprezo.
Dou um passo atrás, apavorada. Posso ver nos olhos dele a
vontade de me matar.
— Eu perguntei de quem é essa criança! — ele ruge, mais
alto.
Meu corpo inteiro estremece. O coração parece que vai
explodir.
É É
— É meu! — grito, a voz tomada pelo pânico. — É meu filho!
Ele estreita os olhos, depois encara Nikolai, volta para mim e
cospe as palavras:
— Quem te engravidou? Quem, porra?
— Eu… eu não… — minha voz se quebra no choro.
— Foi o Dmitri? — pergunta, cuspindo o nome com nojo.
Meus olhos se arregalam. Dmitri? O peito aperta. Como… por
que ele acha isso? Como sabe quem é Dmitri?
Viktor percebe minha reação e avança, tão perto que a
respiração dele se mistura a minha. A pressão no peito quase me
sufoca.
— Responde, porra! — ele urra. — Foi o Dmitri que te
engravidou?
Minhas mãos tremem, o coração dispara ainda mais. Minha
garganta seca não solta som.
Ele dá mais um passo, me encurralando contra a parede. Os
olhos rubros de ódio me dilaceram.
— Foi a porra do meu irmão que te engravidou, Helena? — a
voz dele explode, reverberando no quarto.
Irmão? Meu Deus… não! Não pode ser!
Dmitri… irmão de Viktor?
A mente gira em desespero, afogada em perguntas que me
dilaceram. Ele sabia quem eu era? Foi por isso que se aproximou de
mim?
O mundo roda, a visão embaça. Cada pensamento me
golpeando ainda mais.
Por que a vida insiste em me castigar? Por que ele tinha que
me encontrar justo aqui? Por que eu fui cega a ponto de não
perceber que Dmitri carregava no olhar a mesma sombra perigosa
que Viktor?
De repente, Viktor puxa a arma e aponta na minha direção.
— Responde, caralho! — grita, a arma firme apontada para
mim.
— Não! — berro, tomada pelo desespero. — Não foi ele! Não
foi!
— Então fala! — insiste, o dedo no gatilho. — Me dá o nome
do desgraçado que encostou em você. O filho da puta que ousou
tocar no que é meu!
Meu peito sobe e desce em soluços. Queria gritar que não
sou dele, mas eu não consigo, eu não estou conseguindo reagir. Eu
estou desesperada!
O choro de Nikolai explode ainda mais alto no berço,
sufocando o ar.
— Fala, caralho, fala! — Viktor urra, tão próximo que o calor
da respiração dele me queima a pele.
— Me deixa pegar ele, por favor! — imploro, desesperada,
tentando proteger meu filho.
— Não me faz perder a cabeça, Helena! — ele rosna,
encostando o cano gelado na minha têmpora. Meu corpo congela. —
Eu quero saber quem é o pai desse moleque!
As lágrimas borram minha visão e um grito arranca minha
alma.
— É você! — berro, em pedaços. — Você é o pai do meu
filho!
O silêncio despenca sobre nós. Nikolai parece sentir o peso da
tensão, porque até o choro dele se cala.
Viktor congela. O braço que segura a arma vacila. Os olhos se
arregalam, o choque toma o rosto dele. Posso ver raiva,
incredulidade e confusão o consumindo.
Ele me encara como se o chão tivesse sumido sob os pés. A
respiração sai pesada, os músculos travados. E, por um instante,
vejo algo diferente brilhar no fundo dos olhos dele, antes da fúria
voltar ainda mais forte.
O silêncio domina o quarto, até o choro do moleque some,
parecendo que o mundo inteiro se calou para esse momento.
Ainda seguro a arma, mas o peito aperta de um jeito
impossível de explicar. Um nó pesado. Não é medo. Não é fraqueza.
É outra coisa. Me irrita só de sentir.
Caminho até o berço devagar, cada passo ecoando dentro da
cabeça. Meus olhos grudam naquele pedaço de gente enrolado no
cobertor. Ele se mexe, o rosto vermelho de choro.
Fico parado, só olhando. Merda. Não tem como negar: o
olhar, os traços, o sangue não mente.
O maxilar trava e a respiração sai curta. A raiva cresce, mas
junto vem uma sensação que me derruba. Esse menino… esse
moleque é meu.
Aperto o punho até os dedos formigarem. O peito ferve. Uma
parte de mim quer quebrar tudo. Outra parte… não sei o que quer.
Estendo a mão por cima do berço e paro no ar. Não toco. Só
encaro, com os olhos pegando fogo.
— Filho da puta… — sussurro, sem saber se falo comigo, com
a Helena ou com o destino que me jogou nessa merda.
Atrás de mim, Helena soluça.
— Por favor, Viktor… não faz nada com ele… não machuca o
meu filho.
Viro devagar, a mão ainda no ar. Os olhos dela estão
inchados, vermelhos, abarrotados de medo.
Dou um passo na direção dela, o corpo tenso.
— Acha que eu faria alguma coisa com o meu próprio filho?
Ela cobre o rosto, tremendo, chorando mais alto.
— Então me deixa em paz, pelo amor de Deus… deixa a
gente viver…
Uma risada seca sai da minha garganta. Abaixo a cabeça,
balanço devagar e volto a encará-la.
— Paz? Paz é a única coisa que você não vai ter nunca mais.
— O que… o que você vai fazer agora, Viktor? — a voz dela
falha, fina.
Dou mais um passo até o berço e olho o moleque outra vez.
— Vou levar o Nikolai. Ele é meu sangue. Meu herdeiro.
— Não! — Helena grita, a voz rasgando o peito. — Você não
vai tirar meu filho de mim!
Viro devagar, os olhos ardendo.
— Seu filho? — solto um riso curto, debochado. — Ele não é
só seu, porra. É meu também. Você me roubou isso, Helena. Tirou
de mim o direito de ver meu filho nascer, de saber que ele existia.
Ela balança a cabeça, desesperada, as lágrimas escorrendo.
— Você não entende…
— Você errou ao fugir e ao esconder meu filho, bruxa. Agora
eu vou buscar o que é meu. Ninguém, nem você, vai me impedir.
Volto a olhar para o berço, incapaz de desviar. O peito sobe e
desce rápido, a raiva queima, mas aquela sensação estranha
continua ali.
Nikolai me encara. Pequeno, indefeso, olhos presos em mim.
Por um segundo, parece me reconhecer. Sangue chama sangue.
Dou mais um passo, e o grito de Helena me corta.
— Não!
Eu a olho e ela está tremendo, o rosto molhado de lágrimas,
e segura uma arma velha apontada para mim. Não sei de onde tirou
aquilo, mas as mãos dela mal a seguram.
— Ninguém vai tirar meu filho de mim! —grita, desesperada.
— Se quiser ele, vai ter que me matar primeiro!
Fico em silêncio um segundo, só observando. Uma
gargalhada rouca escapa.
— Você vai me impedir? — ergo a sobrancelha. — Você mal
sabe segurar essa porra de arma, Helena. — Dou um passo à frente,
sem recuar. — Solta isso antes que acabe se matando sozinha.
Os olhos dela se estreitam; a mão treme tanto que a arma
quase cai.
— Você não pode tirar ele de mim! — ela grita, fora de si. —
Nikolai é tudo o que eu tenho! Eu juro que te mato antes de deixar
isso acontecer!
— Baixa essa merda, Helena. — rosno, a voz dura. — Você
não tem coragem.
— Não duvida de mim! — ela grita, o dedo apertando o
gatilho.
O estampido rasga o quarto.
Meu corpo vibra com o impacto, o braço arde em fogo. O
cheiro de pólvora enche o ar. Olho de lado e vejo o sangue
escorrendo pela manga do paletó.
Por um segundo, o mundo para. Ela atirou em mim.
A porta se abre com violência. Um dos meus seguranças
entra armado, os olhos arregalados. Em segundos, arranca a arma
da mão dela. Helena se debate nos braços dele, chutando, socando,
berrando.
— Eu vou te matar, Viktor! — urra, ensandecida. — EU JURO
QUE VOU TE MATAR!
O segurança a prende firme, mas a fúria dela é incontrolável.
Fico parado, encarando a cena, a dor latejando no braço, o
sangue pingando no chão. Não é a ferida que me surpreende.
É a audácia.
A bruxa teve a coragem de atirar em mim.
Um sorriso lento e cruel se abre no canto da minha boca
enquanto não tiro os olhos dela.
— Você acabou de assinar sua sentença, Helena.
Ela não para de gritar.
— Eu vou te matar! Eu juro que vou te matar!
Rio, curto e ácido. A surpresa ainda corre pelo corpo.
Ninguém, inimigo, traidor, capanga nenhum, teve tanta ousadia.
Nem o mais atrevido apontaria uma arma e puxaria o gatilho contra
mim. E ela fez. Sozinha. Louca. Corajosa demais. Isso me cega de
ódio e, ao mesmo tempo, prende meu olhar.
— Leva ela pro carro — ordeno. — Com cuidado. Não deixa
ela se matar agora. Vou precisar dela inteira.
Helena se debate, arranha, cospe sangue e xingamentos. Os
seguranças a arrastam; ela não para de gritar.
— Nikolai! Nikolai! — o desespero na voz dela ecoa. — Meu
filho! Me devolve meu filho!
Sinto a mão molhada no braço. Puxo o lençol da cama, rasgo
um pedaço com os dentes e amarro o pano na ferida para estancar
o sangue.
Passou de raspão, nada profundo.
O choro do menino enche o quarto outra vez.
Me viro devagar. Ele está ali, pequenino e vermelho de tanto
berrar, punhos fechados, enrolado no cobertorzinho. O som bate no
peito de um jeito que nunca senti.
O berço range quando apoio as mãos. Olho pra baixo e vejo o
moleque me encarando entre as lágrimas. Um nó se forma na
garganta.
Estendo os braços e o pego. A fragilidade dele quase
incomoda, mas também me prende. O corpo quente se aninha no
meu peito. O choro continua, alto e desesperado, até eu encostar o
queixo na cabecinha e balançar devagar.
— Quieto, garoto… — minha voz sai rouca, mais bruta do que
eu queria. — Quieto…
Aos poucos, o grito vira soluço. Depois, só um resmungo. Ele
respira fundo e os olhinhos, ainda molhados, se fixam em mim.
O ar some por um instante. Aquele olhar atravessa camadas
da minha raiva. É o meu sangue olhando de volta. É parte de mim,
vivo, no meu colo.
O ódio que sinto por Helena se mistura com outra coisa que
não sei nomear. Estou com raiva por ela ter escondido isso, por ter
me roubado o momento de ver meu filho nascer, mas também sinto
o peito aquecer por saber que ela trouxe ao mundo o meu filho.
Já nem sei mais por que vim aqui. Helena devia ter sido só
uma testemunha a silenciar. Deveria ter ficado na minha cama,
controlada. Agora, além de tudo, é a mãe do meu filho.
Aperto o menino com força.
— Você é meu, moleque. — pronuncio devagar, provando
cada sílaba. — Nikolai… bom nome. Forte. Helena, nisso, não errou.
O menino se mexe e me encara. Sinto o aperto no peito
crescer.
— Vai ser rei, moleque. Vai crescer sabendo que carrega o
sangue Dragunov. Vai aprender cedo o que é poder, o que é respeito
e o que é medo.
Acaricio a cabeça pequena, os fios finos sob a palma. Inclino
o rosto, falo baixo, quase um juramento só nosso:
— Você vai reinar sobre tudo e todos. Ninguém vai ousar te
tocar, Nikolai. Ninguém.
E, pela primeira vez em muito tempo, algo cresce dentro de
mim que eu aceito: ele não é só um filho. É meu herdeiro. Meu
sucessor. O futuro rei.
Levanto num sobressalto. A cabeça lateja e um gosto amargo
gruda na minha boca. A imagem volta inteira: aquele brutamontes, a
mando de Viktor, me arrastando do motel, me jogando dentro do
carro. Lutei com tudo que tinha, gritei até a garganta rasgar, mas ele
era forte demais e minha resistência não serviu para nada.
Lembro de quando me puxava escada abaixo: dona Galina
apareceu no corredor, olhos arregalados, a mão tremendo enquanto
ameaçava chamar a polícia. Entrei em pânico ao ver o segurança
tocar na arma. Gritei para ela ir embora, para fingir que não tinha
visto nada. Não podia arriscar Viktor matá-la.
Ela hesitou um instante, mas leu no meu olhar apavorado que
aquilo era maior que qualquer denúncia, nem polícia resolveria.
Depois disso, um pano foi colocado no meu rosto, o cheiro
forte, e eu apaguei.
Não sei quantas horas se passaram. Só penso no meu filho.
Ele deve estar assustado, com medo, com fome.
Corro até a porta, que está trancada. Começo a bater com
força. Ninguém responde. Bato outra vez, primeiro com a palma,
depois com o punho fechado.
— Nikolai! Nikolai! Meu filho! Onde está meu filho!? — grito.
Bato sem parar, os nós dos dedos doem.
— Abre essa porta! — imploro. — Por favor! Me devolve meu
filho!
Silêncio. A raiva explode por cima do desespero.
— Eu quero meu filho agora! Onde ele está? Me devolve o
meu filho!
As lágrimas descem pesadas.
— Por favor! Tem alguém aí? Me ajuda!
O silêncio me engole, a garganta queima. Bato com toda a
força que me resta.
— Vou derrubar essa porta! — puxo os ombros e bato contra
ela. — Alguém me escuta? Me devolve o meu filho!
O calor das lágrimas queima meu rosto e minhas palavras
viram súplica:
— Viktor! — grito, porque não tenho mais para quem apelar.
— Viktor! Me diz onde está meu filho! Eu faço o que você quiser,
pelo amor de Deus!
Um barulho na fechadura me faz parar. Meu corpo congela.
Um fio de esperança atravessa meu peito. Dou um passo para trás,
tentando respirar.
A porta se abre e o alívio morre na mesma hora.
Ele está ali, parado no batente. Alto, largo, olhar frio,
desumano. A presença dele me corta a garganta. É o homem que
matou o presidente. O homem que causou a cena que destruiu a
minha vida.
— Oi, Helena — a voz dele é rouca, arranhada, arrepia minha
pele. — Me chamo Mikhail, sou irmão do Viktor.
As palavras escapam da minha boca antes de eu pensar:
— Eu não quero saber quem você é. — corto, chorando. —
Me diz onde está o meu filho. Eu só quero meu filho!
Mikhail balança a cabeça devagar e um sorriso frio aparece no
canto da boca. Me olha como quem olha um bicho acuado.
Tento passar por ele, mas ele estica o braço e me barra com
uma facilidade que me humilha. É alto e forte demais. Impossível
empurrar.
— Me solta! — arranho a manga do casaco dele. — Me deixa
ver meu filho!
Ele não se move. O olhar é de pedra, sem um pingo de pena.
— Você não vai ver ele agora. — diz, aumentando meu
desespero. — Trouxe isso para você tirar leite. O garoto está com
fome.
Dou um passo para trás, como se tivesse levado um soco.
— Tirar leite? Eu não vou poder ver meu filho? Ele é muito
pequeno, não pode ficar sem mim… — meu choro recomeça,
rasgando o peito. — Eu ia começar a dar mamadeira ainda, ele
nunca pegou, vocês nem sabem se vai pegar. Por favor… — suplico,
despedaçada.
— Não adianta pedir nada para mim, Helena. Eu só sigo
ordens.
— Chama o Viktor, por favor! — grito, as lágrimas escorrendo
sem parar. — Fala pra ele que eu faço o que ele quiser. Quer que eu
me ajoelhe e implore perdão? Eu faço! O que aquele maldito quer?
Eu só preciso do meu filho!
Mikhail não reage. Vira as costas, pega uma sacola do
segurança ao lado da porta e coloca no chão, na minha frente.
— Tira o leite. Quando terminar, avisa. Eu tô aqui fora.
E sai. Mais nada.
Eu desabo de joelhos no chão. As mãos tremem, o corpo
inteiro cede. O piso frio bate nos joelhos, mas nem sinto. Um nó me
fecha a garganta, sufocando cada palavra. As lágrimas descem
grossas, borrando meu rosto, grudando no cabelo.
— Por favor… — soluço, tentando respirar. — Eu faço qualquer
coisa… qualquer coisa… só me devolvam meu filho…
Meu peito sobe e desce rápido, um aperto rasga meu
estômago. Apoio as mãos no chão, curvada, sem forças, a saliva e
as lágrimas caindo juntas. Olho para a sacola com a bomba de leite
e meu coração sangra.
— Mikhail… pelo amor de Deus… — minha voz sai arranhada,
quase um sussurro. — Eu imploro, chama o Viktor… me deixa ver
ele, nem que seja por um segundo.
Nada. O silêncio me esmaga.
— Nikolai! — grito mais uma vez.
Minhas mãos batem no piso, descontroladas, procurando uma
saída que não existe. O desespero me rasga por dentro. O ar falta.
Estou perdendo tudo.
— Vocês não podem fazer isso comigo… — sussurro, a voz
embargada. — Não podem…
Meu corpo treme. Aperto os punhos, as unhas arranham o
chão. O choro sai alto, ecoando pelo quarto enorme e vazio. Cada
segundo longe do meu filho é uma eternidade.
Dormi vencida pelo cansaço e pelo choro; a cabeça latejava
como se fosse explodir. Não me deixaram ver meu filho e ainda me
fizeram tirar leite para alguém, sei lá quem, dar para ele.
Covardia e crueldade. Meu peito pesava porque Nikolai não
estava ali para mamar.
Um olhar pesado caiu sobre mim. Não precisei encarar o
homem sentado na poltrona, na penumbra do quarto, para saber
que era ele, o diabo em pessoa me observando dormir. Quis levantar
e socar a cara dele, quis matá-lo da forma mais cruel. Controlei a
raiva, sentei na cama e o encarei, escondendo o medo que
queimava por dentro.
Ficamos nos olhando, nenhum de nós desviou. O homem que
um dia me examinou com desejo agora me atravessava com ódio à
mostra. Meu olhar por ele não era muito diferente.
— Pode entrar — ordenou, sem tirar os olhos de mim.
O coração quase saltou pela boca quando a porta se abriu.
Um segurança entrou com meu bebê no colo.
— Nikolai... — sussurrei.
Corri até eles e tomei meu filho com pressa, como se fosse
sumir de novo se eu demorasse. O alívio invadiu o corpo assim que
senti o corpinho dele colado ao meu: o calor, o cheirinho doce, os
bracinhos que se mexiam. As lágrimas desceram sem controle,
borrando tudo ao redor.
— Meu amor, mamãe tá aqui... — murmurei entre soluços,
beijando a cabecinha dele várias vezes. — Eu tô aqui, meu filho, eu
tô aqui...
Passei os dedos pelo rostinho, senti a pele macia. O
desespero deu uma trégua quando vi que ele estava bem. Vivo,
cuidado e vestido com uma roupinha quentinha, meias nos pezinhos,
com cheiro de banho.
Os ombros relaxaram por um segundo e eu o apertei mais ao
peito. Fechei os olhos e inspirei aquele cheiro de bebê que devolveu
minha sanidade.
Nikolai mexeu o corpinho, o choro virou resmungo e eu
balancei devagar, sussurrando promessas que nem sei se cumprirei:
— Ninguém nunca mais vai te tirar de mim, a mamãe
promete.
Olhei para Viktor enquanto dizia isso e ele ficou parado, nos
observando. O olhar continuava frio, duro, cheio de raiva.
Sentei na cama e amamentei meu filho entre lágrimas.
Tirarem-me ele doeu de um jeito que não sei explicar, foi a dor mais
profunda que já senti na vida.
Bebo devagar, a vodka desce queimando a garganta, mas não
traz calma. Fico sentado na poltrona, só observando, quieto, do
mesmo jeito que fiquei vendo Helena dormir.
Ela amamenta o menino e, num instante, ele se aquieta. O
garoto que resistiu à mamadeira comigo agora dorme no peito dela.
Helena embala, canta num sussurro rouco, os olhos inchados de
tanto chorar.
A cena me atravessa. É ridículo admitir, mas mexe comigo. A
mulher que sempre teve a língua afiada, que fugiu, escondeu meu
filho e ainda teve a coragem de atirar em mim, agora segura nosso
moleque e vira pura doçura. Amor bruto de mãe. Não quero
entender, mas sinto um peso quente apertar o peito.
Levo o copo à boca de novo, tentando afogar esse
sentimento, transformar em raiva, controle, ordem. Não consigo.
Fico ali, parado, vendo ela fazer o que ninguém conseguiu:
transformar choro em silêncio, caos em calma.
Quando o menino finalmente dorme, ela suspira, encosta a
testa nele e o aperta no peito. Um sorriso pequeno escapa entre as
lágrimas. É uma cena que derrubaria qualquer homem comum.
Eu não sou homem comum, mas admito, em silêncio, que
essa imagem me atinge. Mesmo com ódio, mesmo com tudo que ela
fez, ver meu filho seguro nas mãos dela tem peso.
Levanto devagar, deixando o copo na mesa.
— Levanta. — ordeno. — Vem comigo.
Ela hesita, mas obedece. Aperta o menino contra o peito
como se eu fosse arrancar ele dali a qualquer segundo. Não a culpo.
Era exatamente isso que eu planejava.
Abro a porta ao lado do quarto em que ela estava e empurro
devagar. Helena para na entrada, os olhos dela correm por cada
detalhe, a boca se abre, surpresa estampada no rosto.
O quarto está impecável: paredes claras, cortinas grossas,
tapete limpo, móveis novos. O berço grande, coberto com lençóis
trazidos de Moscou. Um espaço digno do meu herdeiro.
Fiz Mikhail endoidar para deixar isso pronto em menos de
doze horas. Quero que meu filho tenha o melhor.
Ela pisca rápido, os olhos marejados. Não sei se é alívio ou
raiva. Fico parado na porta, bebendo a reação dela. Mesmo
despedaçada, continua bonita. O contraste me prende: o ódio
queimando nela e, ao mesmo tempo, aquele brilho no olhar ao
perceber que preparei um quarto digno para o nosso filho.
Nikolai. Meu herdeiro.
Ela olha para o quarto de novo, depois para mim.
— Como preparou isso tudo tão rápido? Ficou lindo. — Faço
um aceno curto, sem responder. Ela dá um sorriso sem humor. —
Claro… o todo poderoso.
Não revido.
— Deixe o Nikolai no berço e venha. Precisamos conversar.
Ela hesita em soltá-lo.
— E se ele chorar?
Aponto para a babá eletrônica na cômoda.
— Eu vou saber.
— Eu vou poder voltar para ficar com ele?
— Tudo vai depender de você.
— Por favor, não me tira ele. — suplica, os olhos cansados. —
Eu faço o que você quiser.
— Sua proposta é tentadora, Helena. — um sorriso frio nasce
no canto da boca. — Mas agora não tem nada que eu queira de
você. Coloque o Nikolai no berço e venha comigo.
Ela respira fundo, vendo que não tem saída, e faz o que
mandei. Me segue até meu escritório. Os passos dela descendo as
escadas são lentos, hesitantes.
Entro e deixo a porta aberta para que ela passe. Sento na
cadeira e aponto para a poltrona à minha frente, tratando aquilo
como mais um negócio.
— Vamos deixar algumas coisas claras de como tudo vai
funcionar daqui para frente. — Começo. — Vou permitir que você
seja a mãe do Nikolai, que cuide dele.
— Eu sou a mãe dele! Você não tem que permitir nada! — ela
revida, nervosa.
— Você já sabe quem eu sou e do que sou capaz. Então
sugiro que controle a língua. — Vejo ela engolir seco. — Você já me
causou problemas demais, Helena, e eu não vou permitir mais
nenhum. Você não deveria nem estar respirando depois do que
presenciou.
— E por que ainda estou?
— Porque eu quero. Porque você é minha. Eu decido tudo
sobre você, inclusive quando para de respirar.
Helena dá uma risada irônica e se recosta na cadeira.
— Então diga, meu dono, como as coisas vão funcionar daqui
pra frente? — debocha.
Ela fala “meu dono” em tom irônico, mas sinto o sangue
pulsar. Essa bruxa me tirou do eixo, me fez ficar meses sem
nenhuma outra mulher porque a única que eu queria era ela. Isso
me faz odiá-la ainda mais.
Helena causou todo tipo de tumulto desde que entrou na
minha vida. Me transformou num cão treinado, fazendo tudo
pensando nela. Agora estou cheio de problemas.
— Vai falar ou vai ficar aí perdido em pensamentos? — ela me
provoca.
— Você vai morar nessa casa exclusivamente para cuidar do
Nikolai. Se eu desconfiar que planeja fugir outra vez, tiro o menino
de você para sempre. — Ela se remexe na cadeira, desconfortável.
— Estamos de acordo?
— Sim.
— Tudo que precisar, fala comigo. Um dos meus homens
providencia. Você não vai sair dessa casa.
— Posso pelo menos ver a Anya? Uma vez só?
Rio sem humor.
— Acha que a Anya quer te ver, Helena, depois do que ela
teve que passar por você?
Ela estreita os olhos, confusa.
— O que você fez com ela? — Pergunta, desconfiada.
— Anya teve que pagar pelo seu erro. Você fugiu e ela perdeu
o restaurante junto com os pais. Sua amiga chegou a perder a
pouca dignidade que tinha, se vendendo para o Mikhail.
Ela arregala os olhos, levanta e anda pelo escritório de um
lado para o outro.
— O que está falando?
— Que, por sua causa, Anya pagou caro.
— O que você fez, seu maldito?! — a fúria toma conta dela.
Ela avança contra mim, os punhos cerrados.
Os olhos de Helena não mentem a vontade que ela tem de
me matar. Mexo o braço e sinto a pontada onde ela me deu um tiro.
Tenho certeza de que a intenção dela não foi errar.
— Eu não estou aqui para falar da vida ruim da sua amiga.
Estou aqui para deixar claro como as coisas vão funcionar. Tem uma
mulher morando nesta casa. — Helena estreita os olhos. — É a
minha noiva. Íamos nos casar ontem, mas eu não compareci ao
casamento porque fui atrás de você. Eu não quero briga entre vocês
duas, entendeu?
A porra do velho, o pai da minha então noiva, achou uma boa
hora para enfartar quando soube que o casamento tinha sido
cancelado. Agora ela estava aqui, dentro da minha casa, e eu sem
saber o que fazer com ela.
O casamento não vai acontecer. Só falei que era minha noiva
para irritar a Helena. Mas não posso jogar a mulher na rua sem
família. Preciso arrumar um marido para ela rápido.
Falei para o Mikhail casar com ela, mas ele está fissurado
demais na Anya para aceitar.
Helena solta uma risada alta, nervosa, descontrolada.
— Vai se foder, Viktor! Seu filho da puta desprezível! Eu não
vou dividir porra nenhuma de casa com a sua mulher! — grita e se
vira para sair do meu escritório.
Levanto num impulso, o sangue já fervendo de raiva. Antes
que ela alcance a porta, minha mão agarra seu braço com força e
puxo-a de volta. O corpo dela bate no meu, o choque arrancando o
ar dos dois por um segundo.
O cheiro dela me atinge, doce e maldito, o mesmo que me
persegue há quase um ano. Fico tão perto que meus olhos descem
para a boca dela antes de subir devagar para o olhar faiscante que
me encara. Ela respira rápido, o peito subindo e descendo
descompassado, tentando manter uma firmeza que já não existe.
— Me solta… — sussurra, a voz baixa, quase implorando.
Minha mão continua firme, os dedos cravados na pele
delicada do braço. Não afasto, pelo contrário, aproximo mais o rosto,
sentindo a respiração quente dela bater no meu queixo.
A tensão entre nós é tão densa que chega a doer. Ódio,
desejo, rancor, tudo misturado num veneno que me mantém preso
nela.
— Está com ciúmes, Helena? — provoco, o olhar caindo de
novo para os lábios dela. Meu corpo inteiro grita por essa bruxa.
Porra, que tipo de homem eu sou que não consigo controlar o
próprio pau quando essa mulher chega perto?
Estou desesperado por ela.
— Nem se você fosse o último homem da terra. Agora me
solta, Viktor!
E eu a solto. Porque se não soltar, vou jogar a razão para
longe e foder com ela até me dopar dela.
— Então não tem motivos para ficar nervosa com isso, certo?
Helena morde o canto da boca com força, quase arrancando
sangue.
— Era só isso, Viktor? Vou voltar a ficar com o Nikolai.
— Não. Providenciarei roupas para você. Até mais tarde
estará tudo no seu quarto. Há algo especial que deseja?
Ela abre um sorriso malicioso.
— Que você vá para o inferno.
Engulo uma risada.
— Estamos juntos nele, bruxa. Não percebeu ainda?
— Odeio você, Viktor!
— A fila é enorme. Mas antes que eu me esqueça, tem algo
para você.
Vou até a minha mesa e pego a caixa grande de veludo preta.
Ela olha para mim e, com as mãos trêmulas, pega.
Helena começa a rir de puro nervosismo quando vê o
conteúdo.
— Isso só pode ser piada. Eu jamais vou usar essa merda! —
cospe as palavras.
Dou de ombros, indiferente. Dentro da caixa, um colar
pesado, diamantes cravados, peça cara, feita sob medida para ela.
No centro, meu nome gravado em ouro: Viktor Dragunov.
— É usar ou ficar sem o Nikolai.
A respiração dela falha, mas ela tenta se manter erguida.
— Você é um monstro, Viktor! Um filho da puta que só sabe
destruir!
Inclino a cabeça, um sorriso frio surgindo no canto da boca.
Pego o colar e levo para o pescoço dela, deixando o metal frio tocar
a pele quente.
— Isso aqui não é joia, Helena. É marca. Só eu posso abrir.
Tem um dispositivo meu que destrava essa merda. Se você tentar
tirar, se alguém tentar cortar, eu vou saber.
Ela arregala os olhos, o peito subindo e descendo rápido.
— Eu não vou usar isso! — grita, tentando empurrar o colar
para longe.
— Vai usar. Porque aqui dentro você respira por causa do
Nikolai. Esse colar tem GPS. Se você der um passo fora desta casa
sem permissão, eu vou saber. Em minutos, você é trazida de volta e
eu vou castigá-la por isso.
Ela treme. Não sei se de medo, de raiva ou dos dois juntos.
Os dedos arranham os braços, tentando conter o impulso de me
atacar.
— Eu te odeio. — Repete, com o queixo erguido. — Odeio
você com tudo o que eu tenho.
— Não me importo com o seu ódio.
Por fim, ela fica quieta e eu coloco o colar no pescoço dela.
Fecho e fico na frente, observando.
Caralho. Ela ficou ainda mais deliciosa usando meu nome no
pescoço.
É uma visão que faz perder o ar. Meu pau quase rasga a
roupa de tão duro.
— Você me pertence. Cada passo seu está nas minhas mãos.
Estou tremendo de ódio do Viktor. Nunca senti tanto desejo e
desprezo por alguém ao mesmo tempo. Esse homem me enlouquece
de todas as maneiras possíveis.
Eu o odeio. Essa é a verdade. O odeio tanto quanto odeio
meu próprio corpo por desejar justamente o homem que me destrói.
Será que eu sou do tipo que gosta de ser maltratada?
Balanço a cabeça com força, tentando afastar esse
pensamento podre.
Sinto o peso do maldito cordão no meu pescoço. Ele não pesa
de verdade, mas o significado sufoca. Vou até o espelho e, por um
instante, tenho vontade de arrancar minha cabeça só para me livrar
disso.
Viktor não só quis me controlar, ele quis me humilhar.
Passo os dedos pelo colar, procurando uma trava. Não tem.
Não existe fecho. É liso, fechado ao redor do meu pescoço, preso
por dentro, feito para não sair. Só ele pode abrir. Puxo, forço,
arranho até a pele arder, mas não adianta. Essa merda não abre. É
uma coleira gritando que eu sou propriedade dele.
Os olhos ardem, mas engulo as lágrimas. O nó sobe pela
garganta, pesado.
— Filho da puta — sussurro para o reflexo. — Um dia você vai
pagar por isso.
Nikolai resmunga no berço, acordando. Vou pegá-lo, mas
antes escondo o cordão por dentro da blusa, tentando sumir com
aquela vergonha.
— Oi, meu amor — murmuro, pegando-o no colo. Ele me olha
e abre aquele sorriso banguela.
Meu filho é a coisa mais linda do mundo.
Infelizmente parece com o pai, mas é mais bonito.
Tudo bem que o pai não é feio.
Ahhh! Que raiva. Toda hora penso nesse monstro.
Sento na poltrona gigante e confortável do novo quarto dele.
Enquanto amamento, penso na senhora Galina, deve estar
desesperada. Penso em Anya. Será que o que Viktor disse é verdade
ou só mais uma maneira de me ferir?
Minha cabeça gira. Lembro de como minha vida mudou, de
como comecei a sofrer feito uma condenada desde aquele crime
maldito.
Nikolai é minha única alegria no meio desse caos. A única
coisa da qual não me arrependo.
Ah, mas como me arrependo de ter aberto as pernas para
esse maldito. De ter me entregado tão fácil. De ter gemido o nome
dele tantas vezes como se fosse uma oração. De ter deixado ele
dominar meu corpo e minha alma.
Só não me culpo mais porque dessa entrega nasceu meu
filho.
— Eu sei que ele não é o pai ideal — falo com Nikolai,
colocando-o para arrotar. — Mas acho que ele gostou de você, filho.
Viu como os olhos dele brilham quando te encaram? Mas também,
quem não ia gostar de uma criaturinha tão linda?
É
Beijo o pescoçinho dele com um sorriso bobo. É quando
escuto um pigarro vindo da porta. Seguro Nikolai mais forte quando
vejo Mikhail parado ali.
— Posso entrar? — ele pergunta.
Não respondo. Apenas encaro, desconfiada.
Ele se aproxima, senta no sofá ao lado, abre um botão do
casaco e se acomoda com calma, como se não carregasse nos
ombros o peso de ser um demônio.
— Posso? — estende os braços, pedindo para pegar meu
filho.
Continuo estática, apenas olhando.
— Não vou fazer mal a ele, Helena. É o meu sobrinho.
Engulo seco. Minha vontade é gritar que não. Que nem ele,
nem o irmão, nem ninguém dessa família podre pode chegar perto
do meu filho. Mas engulo tudo. Não dá para vencer essa guerra
irritando os Dragunov.
Estendo Nikolai para ele.
— O garoto é lindo — elogia, segurando o bebê todo duro,
sem jeito.
Mordo o canto da boca para não rir do jeito desastrado que
ele segura o menino.
— Sabia que Viktor daria o primeiro herdeiro para essa
família, mas não imaginava que fosse tão rápido e que o garoto
fosse tão lindo. Crianças são coisinhas fofas, não acha? — diz, com
um pequeno sorriso nos lábios e o olhar brilhando.
Eu continuo quieta, sem responder.
Nikolai resmunga no colo dele e eu reparo nos olhos do
homem, olhos que parecem não conhecer medo, se arregalarem. Ele
me encara como se segurasse uma dinamite acesa.
— Toma. — Entrego a naninha. — Coloca no ombro e deita
assim.
Levanto-me devagar, mostro com as mãos como ajeitar o
Nikolai.
O resmungo some em poucos instantes. O silêncio que cai
sobre o quarto é denso, pegajoso; dá nos nervos. Não existe
conforto nenhum quando ele está por perto.
— Acho que ele dormiu — diz Mikhail, os olhos seguindo cada
movimento do bebê. — Ele costuma dormir assim o tempo todo?
— É um bebê — respondo, breve. — Só mama, faz cocô e
dorme.
Mikhail solta um sorriso curto, por um segundo os olhos dele
se prendem em mim, avaliando.
— E eu pensei que o Viktor ia largar essa loucura — Inclina a
cabeça em direção ao cordão.
Sinto vergonha e me encolho.
— Não precisamos conversar, Mikhail. Não somos amigos. E
por sua causa minha vida tá uma merda.
Ele ergue os ombros, como se o mundo inteiro fosse uma
piada.
— Minha causa? Você que estava no lugar errado na hora
errada.
— Eu trabalhava lá. Voltei só pra buscar meu anel. Como eu
ia imaginar que iam ter psicopatas lá matando o presidente?
Ele sorri, um canto dos lábios leve, sem tremor, parecendo
até que um assassinato é um detalhe trivial de rotina.
— Ainda bem que você sabe sumir. Se eu tivesse te
encontrado, esse bebê não estaria aqui. E é bom ser tio. — A voz
dele tem gosto de ameaça disfarçada de ironia.
Pisco, confusão. Não sei se é provocação ou reconhecimento.
— Vou colocá-lo no berço — levanta-se e caminha até o
berço.
Fecha o casaco, pronto pra sair. Eu o chamo antes que ele
chegue na porta.
— O que você fez com a Anya?
Ele para, o rosto muda, os olhos escurecem e um sorriso torto
nasce num canto da boca.
— Não fiz nada que ela não quisesse.
Sinto o peito apertar.
— É verdade o que o Viktor me contou? — Minha voz falha.
— Não sei o que ele te contou, mas sim, o Viktor não mente.
As lágrimas me queimam por trás dos olhos. Levanto-me sem
pensar e ando até ele.
— Por que fizeram isso com ela? A Anya não tinha nada a ver
com o que aconteceu. — Aperto os dedos, tentando controlar o
tremor. — Por favor, Mikhail, deixa a Anya em paz.
Ele me encara, frio.
— Não posso fazer isso.
— Não pode ou não quer? — O nó no peito cresce ao
imaginar o que fizeram à minha amiga.
— Não quero. — Responde, simples, sem remorso.
A raiva sobe, quente.
— Meu Deus, vocês são monstros. A Anya não merece isso.
Deixa-a em paz!
Ele arqueia uma sobrancelha, divertido com meu desespero,
assistindo a um show particular.
— Senão o quê?
Chego mais perto, a respiração curta, o rosto perto.
— Eu vou arrancar esse sorrisinho idiota do rosto de vocês.
Errei o primeiro tiro que dei no seu irmão, mas juro, da próxima vez
que eu mirar em um de vocês, acerto no meio da testa, seu filho da
puta.
Passo por Mikhail com força, esbarrando nele. Não tenho nem
tempo de chegar a porta, Viktor surge, a presença dele enchendo o
espaço como uma sombra.
— O que está acontecendo aqui?
— Nada que te interesse — respondo, tentando passar por
ele, que segura meu braço com firmeza.
— Cuidado com essa boca atrevida, Helena. Já te avisei, ela
vai te meter em mais problemas.
Mikhail se adianta, teatral:
— Vim ver o Nikolai. A Helena só tava me ameaçando pra
deixar a Anya em paz. Avisou que da próxima não vai errar —
Aproxima-se, rindo, e faz o sinal de arma com os dedos. — Vai ser
no meio da testa. — Sai do quarto rindo alto, a gargalhada ecoando
pelo corredor.
Viktor observa, um canto da boca erguido.
— Gosto de mulheres corajosas, — comenta, como quem
saboreia um troféu.
Não há humor em mim; só fogo. Sinto o sangue bater nas
têmporas.
— Eu odeio homens psicopatas. — Falo com desprezo. — Se
eu fosse você, Pakhan, não levaria isso na brincadeira. No próximo
tiro eu não vou errar. E cuidado com as facas da cozinha porque se
eu tiver acesso a elas, o primeiro coração que vou arrancar é o seu.
— Puxo meu braço do aperto dele, soltando-me. — Se é que você
tem.
Não espero a resposta, viro as costas e sigo em passos largos
até o meu quarto. A porta bate com força atrás de mim, o batente
chega tremer. Meu peito arde.
Fico encostada na madeira da porta por um segundo, as
mãos tremendo. Não vou me curvar a esses monstros. Não vou
permitir que continuem machucando a Anya e a família dela, eles
não têm nada a ver com isso.
Preciso agir. Fazer algo que salve a minha amiga.
Um estalo acende na minha cabeça.
E se eu conquistar o Viktor? E se eu fizer com que ele goste
tanto de mim que passe a atender todas as minhas vontades?
Eu pediria que ele obrigasse o Mikhail a deixar a Anya em
paz, e ele faria, porque estaria completamente apaixonado por mim.
Mas a dúvida é: esse homem é capaz de se apaixonar por
alguém?
Se dentro daquele peito existe um coração que pulsa, eu vou
encontrá-lo. Vou me enfiar ali, morar naquele canto frio, e quando
isso acontecer, terei ele nas minhas mãos.
Helena vai me deixar de cabelos brancos. Puta merda, eu não
estou preparado pra isso.
Ainda não aprendi a lidar com uma mulher, muito menos com
uma tão bocuda quanto a mãe do meu filho.
Meu filho. Ainda é loucura pensar naquele garotinho como
meu.
— Oi.
Viro o corpo devagar e encaro a porta pra ver quem entrou.
Minha noiva. Ou melhor: ex-noiva.
— O que quer? — pergunto seco, olhando por cima do
ombro.
Vejo-a engolir em seco. O olhar dela busca cada canto do
quarto e, por fim, pousa no berço atrás de mim.
— Esse bebê é seu? — quis saber, com os olhos arregalados.
— O que você quer? — repito, ignorando a pergunta dela de
propósito.
— Conversar. Saber como as coisas vão ficar agora.
Engulo a vontade de dizer que as coisas vão ficar do meu
jeito e que iríamos conversar quando eu quisesse, mas os olhos dela
me fazem compadecer um pouco da sua dor, estão inchados de
tanto chorar por tudo que passou.
Amoleço um pouco no tom de voz.
— Vamos até o meu escritório. — Aponto com a cabeça,
pedindo que ela passe na frente.
Irina foi abandonada no altar e perdeu o pai no mesmo dia.
Não deve estar sendo nada fácil. Mesmo sem eu ser responsável por
tudo, não sou tão cruel a ponto de deixá-la sem explicação, ela
merece saber o que vai acontecer com a sua vida daqui para frente.
No escritório, sentamos, pego uma bebida e ofereço, ela
recusa com um gesto trêmulo.
— Não vamos nos casar. Acabei de descobrir que tenho um
filho e vou ficar com a mãe dele. — Falo direto, sem rodeios.
Irina engole seco e abaixa a cabeça.
— E o que vai acontecer comigo? — a voz sai falha.
— Vou providenciar um bom casamento pra você, pode ficar
tranquila.
Ela levanta o olhar, arqueando uma sobrancelha.
— Vai ser com um dos seus irmãos?
— Não. Mas vou arranjar alguém à sua altura.
— E onde eu vou ficar enquanto isso? — pergunta,
apavorada. — Não quero voltar pra casa do meu pai, não quero ficar
lá sozinha com as lembranças, tenho medo de morar sozinha.
— Você vai ficar aqui. — Começo a explicar como as coisas
vão funcionar. Cruzo os dedos no braço da poltrona, sem fazer
cerimônia. — Vai ter que se comportar e lembrar que é visita. Fica
na ala onde te acomodaram e não sobe pros quartos do andar de
cima. Entendeu?
Ela assente, hesitante.
É
Mikhail acomodou Irina na ala de baixo. É assim que eu
quero, não confio em qualquer um perto do meu filho, só eu, a
Helena e meus irmãos.
Não gostei de ver Irina na porta do quarto dele hoje, então
resolvo deixar as coisas claras.
— Pode se retirar. — Aponto pra porta.
Irina fica sentada por um instante, me encara com a
expressão ferida, e então se levanta e sai, devagar.
Irina não é feia, mas não me provoca nada. Antes da Helena,
tudo bem, eu era acostumado a me envolver com mulheres que não
me tiravam do lugar. Depois da Helena, mudou tudo. As outras
ficaram apenas… outras: sem graça, sem efeito.
Mas Helena não. Ela mexe comigo de todas as formas. Me
causa um nó de sentimentos que eu nem sabia que existia. Em
segundos eu a desejo, em segundos eu a odeio e em segundos eu a
quero com todas as forças.
Como pode existir uma mulher que mexe tanto comigo?
Ia beber só um copo, mas percebo que é pouco pra expulsar
a bruxa da minha cabeça. Preciso de mais, de toda a garrafa, se for
possível.
Levanto só pra pegar a garrafa e volto a sentar. Encaro a tela
da babá eletrônica: Nikolai ainda dorme, o peito subindo e descendo
tranquilo. Uma tela fica comigo, outra com a Helena. Vou contratar
alguém pra cuidar dele, mas antes preciso avaliar, jamais confiarei
meu filho a qualquer pessoa.
Meu celular vibra no bolso. No visor, o nome de Dmitri
aparece, a ligação que venho evitando desde ontem.
— Fala. — Atendo, sem rodeios.
— Pensei que você ia me ignorar por mais algum tempo. —
Ironiza.
— Se você não fosse tão chato e insistente, eu ia mesmo te
ignorar por mais tempo.
— Por que você está me ignorando, Viktor? E a Helena, o que
fez com ela? E o bebê?
— Quantas perguntas. — Dou um gole na bebida, os olhos
fixos no copo.
— Dá pra conversar comigo direito?
— Não. Eu nem sei direito o que rolou entre você e a Helena,
não sei se posso confiar em você quanto a isso.
— Não sabe se pode confiar em mim? Não fode, Viktor! Sou
seu irmão, porra! Nunca te dei motivo pra desconfiar de mim. Eu e a
Helena nunca tivemos nada, nos aproximamos por causa do bebê.
Esse menino é seu filho, Viktor?
— Sim.
— Porra! Sabia que achava aquela criança parecida com
alguém! O que rolou entre vocês?
— Minha história com a Helena é complicada, Dmitri, e não tô
afim de falar sobre isso. — Aperto a mandíbula.
— Só me diz se os dois estão bem?
— O bebê tá bem. Quanto à Helena, você não precisa saber.
Se vocês não tinham nada, não precisa se preocupar.
— Difícil conversar com você. — Ouço ele respirar fundo do
outro lado. — Tenho umas reuniões importantes essa semana, mas
tiro um dia pra ir aí ver o novo membro da família Dragunov.
— Ok. — Encerro a ligação e encosto a cabeça pra trás por
um segundo.
Quase digo pra ele não vir, mesmo me negando a admitir, eu
não confio nele com a Helena. Não quero aceitar que sinto ciúmes
dessa bruxa, mas é a real. Morro de ciúme só de imaginar o que ela
e o Dmitri fizeram nesse tempo que se conheceram. E ele viu meu
filho antes de mim. Isso me corta por dentro.
Eu devia ter sido o primeiro homem a ficar perto do meu
filho.
Esvazio uma garrafa enquanto assisto pela câmera Helena ir
ao quarto do Nikolai, amamenta-lo, dá banho e ficar com ele até
tarde. Chega a cochilar na poltrona, depois levanta e vai para o seu
quarto.
Tô na metade da outra garrafa quando a vontade de vê-la
vence a razão. Vou até o quarto dela, abro a porta devagar para não
acordá-la. Sento na poltrona e fico observando.
Helena dorme tranquila.
Ela é linda, de um jeito que me tira o fôlego. Linda de um
jeito que me desequilibra.
O corpo dela, onde tantas vezes me perdi, está meio coberto,
uma perna à mostra, a coxa mais cheia do que antes era,
aparecendo na penumbra.
Eu a devoro com o olhar. Não é só com o olhar que eu quero
devorá-la, eu quero consumi-la. Tocar, morder, transar com ela como
um animal, marca-la como minha.
O corpo mudou, o que é óbvio. Ela abrigou uma criança,
gerou o nosso filho.
E ficou ainda mais gostosa. Porra.
Levo o copo à boca, tomo devagar, me segurando pra não ir
lá e fazer o que meu corpo pede. Uma mão ajeita o pau na calça,
duro contra a cueca.
— Viktor? — Ela se remexe no colchão, abre os olhos devagar
e me encara na penumbra. — O que você tá fazendo aqui? É por
causa do Nikolai?
Ela se senta, puxa o lençol pra cobrir o corpo. Esse
movimento curto me irrita. O que essa bruxa quer esconder agora?
Já vi tanto nela.
— Não. — Respondo seco.
— Levantei agora pra amamentar.
— Eu vi.
— Então o que você faz aqui?
Não sei, porra! Não sei! Você me atrai. Uma maldita bruxa
que me atrai!
Fico em silêncio, bebendo, porque não tenho resposta pronta.
— Entendi. Você quer conversar ou só vai ficar aí me
observando? — Ela abre um pequeno sorriso, quase manso.
Estreito os olhos, desconfiado. O sorriso dela é leve demais, a
voz serena demais e horas atrás ela gritou para quem quisesse ouvir
que queria me matar.
Sem falar que me deu um tiro.
Essa calma dela é genuína ou uma armadilha?
Fico observando o rosto dela, não confio nessa serenidade.
O que esse maluco tá fazendo me observando dormir?
Viktor me deixa cada vez mais confusa. Às vezes parece
querer me irritar até eu perder o controle. Outras, me observa desse
jeito intenso e silencioso, como se quisesse me decifrar.
Respiro fundo, tentando controlar o coração que dispara.
Preciso entrar no personagem que quero criar pra sobreviver aqui.
Tenho que convencê-lo de que quero paz, que vou aceitar as regras
dele.
Mas ele é esperto e me encara com os olhos estreitos,
avaliando, como um caçador medindo a presa.
— Você invade meu quarto à noite e fica me encarando. Achei
que queria falar alguma coisa. — Explico, tentando soar natural,
mesmo com o estômago se contraindo de nervoso.
— Não vai gritar? Me mandar sair? Dizer que vai me matar?
— A voz dele é baixa, provocante. Ele observa cada movimento
meu.
Dou um riso curto, nervoso, coçando a nuca.
— Não. Tá tarde e eu tô cansada de gritar à toa. — Dou de
ombros, fingindo indiferença.
Ele acena e volta a beber.
— Não vou conseguir voltar a dormir com você me olhando
assim. — Aviso, a voz mais afetada do que pretendia. Viktor levanta
devagar. — Onde vai?
— Sair do quarto. Não quero atrapalhar seu sono.
— Espera. Já tô acordada mesmo, vamos conversar. —
Proponho e ele me encara, desconfiado, o maxilar travado, antes de
ceder e voltar a se sentar. — Olha, eu sei que estamos em guerra,
mas eu tô cansada de me desgastar à toa. Já entendi que não vou
conseguir sair daqui e nem tirar o meu filho daqui. Estou me
conformando com isso. Então fica, vamos conversar um pouco.
Ele se inclina para trás, ainda me estudando.
— Sobre o que você quer conversar?
Puxo o ar fundo. Nem acredito que o convenci a ficar.
— Quer saber sobre minha gravidez e o nascimento do
Nikolai? — começo, mirando no ponto que acredito ser o mais
sensível dele.
— Fala. — Ele mantém a expressão impassível e os olhos
frios. As duas únicas vezes que vi algo diferente ali foram raiva e
desejo, e, nas duas, era por minha causa.
— Quando fui embora, eu não sabia que tava grávida. —
Começo a contar.
— Você sempre soube quem eu era? — Ele me interrompe,
curioso.
— Claro que não. — Arqueio a sobrancelha, quase ofendida.
— Você acha que eu seria louca de me envolver, sabendo quem você
era?
Viktor levanta um canto da boca.
— Então por que fugiu?
— Vi seu irmão aqui na sua casa, reconheci ele na hora, o
homem que assassinou o presidente. Eu tava indo atrás de você pra
dizer que não aguentava mais, que a gente era demais. Mas aí ouvi
ele te chamar de Pakhan. No dia do ataque, ele usou essa palavra,
disse que o Pakhan ficaria satisfeito com o trabalho concluído. Fiquei
apavorada.
— Você achou que podia terminar comigo?
Reviro os olhos e me ergo. Sinto o olhar dele percorrer meu
corpo como uma faísca. O calor sobe pelo meu pescoço, tento
disfarçar e me sento perto dele, o mais natural que posso.
— Falei várias coisas e foi só nisso que você prestou atenção?
— Ele assente. — Eu não sabia quem você era, Viktor. Achei que
tinha direito de escolher a minha vida. — Por um instante, o silêncio
pesa entre nós. — Quando descobri que tava grávida, me desesperei
e cheguei a pensar... — engulo em seco, o peito apertando.
— A pensar? — Ele toma um gole longo e se inclina pra
frente, apoiando o cotovelo no joelho.
— Não é relevante. — Desvio os olhos, tentando fugir daquela
intensidade.
— Você pensou em tirar meu filho, Helena? — Sua voz é
quase um sussurro.
Dou uma risada amarga.
— Você fala “meu filho” com tanta naturalidade, não é,
Viktor? — me irrito, elevando o tom de voz. — Esquece que ele
também tem mãe, e que a mãe dele sou eu!
— Eu nunca me esqueci da mãe dele. — Diz, sem desviar o
olhar.
Engulo seco. O som da minha respiração parece alto demais.
Fico presa no olhar dele.
Viktor afasta o copo dos lábios devagar, sem pressa, como
quem saboreia a própria vantagem. O gesto é hipnótico. Vejo o
reflexo do meu rosto trêmulo na borda do vidro. Ele se inclina um
pouco mais, e a distância entre nós vira um fio elétrico estalando no
ar.
Sinto o calor subir pelas pernas, o estômago revirar, as mãos
suarem.
— O Nikolai nasceu bem, saudável. — Tento desviar o rumo
da conversa, remexendo-me na cadeira pra disfarçar o tremor nas
pernas. — Essa é a parte que importa.
— Você não o teve no hospital.
— Não, não podia arriscar você me encontrar. Nasceu no
quarto do motel onde eu tava. A dona Galina chamou um médico
que ela conhecia.
Já imagino a crítica vindo, o desdém, o julgamento, mas ele
me surpreende.
— Você é forte, Helena. Muito forte. — Fala devagar, o olhar
queimando o meu. — Fugiu por três anos depois de presenciar um
assassinato, viveu com medo, teve nosso filho sozinha e ainda
estava disposta a criá-lo do seu jeito, com o que tinha.
Pisco algumas vezes, passando a mão no cabelo pra disfarçar
o quanto aquilo me desmonta. A voz dele, quando quer, é capaz de
me desarmar inteira.
Viktor deve estar bêbado pra falar desse jeito.
— Obrigada. — sussurro, quase sem ar.
Fico alguns segundos imóvel, respirando devagar, tentando
desacelerar o coração que parece querer sair do peito.
— Vou resolver o quanto antes o registro dele.
— Eu quero que o Nikolai leve o meu sobrenome. — Peço,
mordendo o lábio com força, os olhos fixos nele enquanto espero a
reação.
— Certo.
Pisco, confusa, os olhos arregalados por um segundo.
— Certo? — Repito, descrente. — Você aceitou assim tão
fácil?
Viktor ergue uma sobrancelha e cruza os braços, os músculos
do antebraço esticando sob a camisa, o corpo inteiro relaxado como
um predador à espreita.
— Você disse que estamos em guerra, mas que não quer se
desgastar à toa. Isso vira trégua. Eu tô fazendo a minha parte.
Rio baixo, incrédula, reclino a cabeça na poltrona e tento
disfarçar o impacto, mexendo no cabelo para não mostrar o quanto
ele me atinge.
— Já que estamos em trégua, me conta do seu casamento.
Sua futura esposa — brinco, arqueando a sobrancelha, um sorriso
ácido nos lábios. — Tá feliz?
Um canto da boca dele se curva num meio sorriso que não
chega aos olhos.
— Felicidade não faz parte do pacote da minha vida.
— Que vida triste! — zombo, recostando-me na poltrona,
cruzando as pernas com calma calculada. — Tenho dó dessa mulher.
Viktor solta uma risada seca.
— Dó? Por quê? — ele inclina a cabeça, os olhos estreitando
de curiosidade pela minha resposta.
— Vai passar a vida com alguém que não conhece alegria e
que nem pretende — digo, gesticulando com as mãos, tentando não
parecer afetada.
Ele encolhe os ombros, objetivo.
— Negócios.
— Ela é só negócio pra você? — pergunto, sentindo um nó no
estômago. Aperto as unhas na palma da mão sem perceber,
aguardando sua resposta.
— Ciúmes, Helena? — provoca, o sorriso pequeno surgindo
no canto da boca, a voz grave arranhando minha pele.
Dou um riso curto, tentando estampar indiferença no rosto,
mas meus olhos vacilam.
— Ciúmes? Claro que não. Por que eu ia ter ciúmes de
alguém que nunca foi nada meu?
Levanto, disfarçando com passos calmos, ainda que por
dentro eu me corroa de frustração. Saber que ele seguiu a vida sem
mim e que vai se casar é uma faca me cortando por dentro.
Eu deveria pensar: “Que se dane, Viktor, tomara que ele case
e me esqueça”. Mas não penso.
Ele se ergue num movimento rápido, gira meu braço e me
puxa para perto. O rosto dele fica tão próximo que sinto o calor do
hálito, o cheiro da pele dele.
— Como pode dizer que nunca fomos nada?
— Porque nunca fomos nada, Viktor. Era só sexo. — respondo
tentando me manter firme, mas o coração está acelerado demais,
meu corpo traindo minha boca.
— Só? Fomos muito mais que “só sexo”. Fomos uma
explosão. Eu te devorei e você gostou de ser devorada.
A lembrança me invade como um sopro quente. Engulo seco,
respiro curto, as pernas inquietas e as mãos tremendo
discretamente.
— Não acho bom a gente revirar o passado. — puxo o braço
do aperto e recuo um passo, tentando criar distância, mas ele ainda
ocupa o espaço com o corpo. — Somos só pais do Nikolai. Só isso.
— Você está excitada, Helena?
A pergunta me pega desprevenida e desvio o olhar, mas sem
querer, encaro a calça dele. O volume é evidente, marcando
perfeitamente o tecido. Viktor está tão excitado quanto eu, e o pau
dele não deixa dúvidas quanto a isso.
Merda! O pior erro foi olhar para onde não devia.
Minha calcinha está ensopada e minha boceta pulsa de
desejo.
— Vou beber água. — tento passar por ele.
Ele bloqueia minha saída com o corpo, a proximidade é quase
sufocante.
— Vou pedir pra alguém trazer água pra você.
— Por que eu não posso pegar? — arqueio a sobrancelha.
Ele aproxima o rosto, inclina-se quase ao meu ouvido, o hálito
quente queimando minha pele.
— Você não terá acesso a cozinha. Lembra que disse que ia
me matar se tivesse acesso às facas? Prefiro evitar meu próprio
assassinato dentro da minha casa.
Mordo o canto da boca para não rir, mesmo sentindo o calor
subir.
— Ok. Pede e me dá licença, quero descansar.
Viktor pega o copo vazio, vira-se para sair, mas para na porta.
Olha por cima do ombro, o sorriso surgindo.
— Tome um banho gelado também, Helena. Só beber água
não vai ajudar baixar esse tesão que você está sentindo.
A porta se fecha e eu me jogo na cama, a mão no peito. O
coração bate tão forte que consigo sentir cada pancada. A
respiração vem curta, misturando raiva, desejo e confusão.
Preciso me controlar. Não posso deixar que o meu desejo fale
mais alto do que a minha razão.
Estou me aproximando de Viktor por um motivo: salvar Anya.
E eu não posso falhar com a minha amiga. Não outra vez.
Por que Viktor tem que mexer tanto comigo? E por que meu
corpo safado quer tanto ser fodido por ele?
O ódio me consome quando lembro de como ele fazia de mim
o que queria na cama. Me jogava de um lado para o outro como se
eu fosse uma boneca de pano em suas mãos.
E eu gostava.
Caramba, como eu gostava do jeito que ele me fodia com
tanto tesão que, no dia seguinte, eu mal conseguia andar.
Uma semana. É o tempo que a Helena tá morando dentro da
minha casa.
E eu me tornei a porra de um stalker.
Fico vigiando ela pelas câmeras e invado o quarto quase
todas as noites só pra vê-la dormir, igual a um viciado que precisa
da droga pra continuar respirando.
E o pior: virei um punheteiro de merda, desses que se aliviam
pensando na mulher que não podem ter.
A mulher que mais desejo no mundo tá dormindo a poucos
metros de mim, e eu não posso tocar.
Parece castigo.
Meus dedos já tão com calos de tanto que fico no cinco a um,
me aliviando e imaginando o gosto dela de novo na minha boca… a
boceta quente e apertada me esmagando, o som dos gemidos, a voz
melosa me chamando pelo nome.
Logo eu, um homem que nunca ligou pra nada nem pra
ninguém, agora perco o sono por causa de uma mulher.
Uma.
Uma que me tira do eixo só de andar pela casa com aquela
bunda enorme e a cara de quem nem faz ideia do que provoca.
Os dias têm sido longos, e as noites, maiores ainda. Sento no
escritório, olho as câmeras e me odeio por não conseguir desligar.
Digo pra mim mesmo que é pra manter o controle, pra garantir a
segurança dela e do moleque, mas é mentira.
Eu só quero ver ela.
À noite, entro no quarto e ela nem percebe. Dorme
profundamente, o corpo entregue ao cansaço. Nikolai exige muito,
acorda várias vezes. Agora que ela começou a tirar leite e deixar na
mamadeira, que ele passou a aceitar.
Pra não acordá-la, sou eu quem dá a mamadeira quando ele
chora.
É uma sensação indescritível olhar aqueles olhos, a única
coisa nele que não parece comigo. São claros, brilhantes, iguais aos
da mãe. Ele me encara com aqueles olhos pequenos, curiosos, e
parece entender que tá seguro nos meus braços. Como se soubesse
que, enquanto eu respirar, ninguém vai encostar um dedo nele ou na
mãe dele.
Depois que o garoto dorme, volto pra minha obsessão.
Às vezes ela suspira, vira pro outro lado, fala algo baixinho, e
eu fico ali, imóvel, feito um idiota, hipnotizado.
Irina continua na ala que mandei, e até agora não apareceu
do lado de cá da casa. O encontro dela com a Helena ainda não
aconteceu e, pra ser sincero, prefiro que continue assim.
Já comecei as negociações pro casamento dela com Oleg
Morózov, um velho conhecido. O pai dele é irmão da minha mãe.
Fizemos a iniciação na máfia juntos e, por causa disso, viramos
amigos naquela época.
Mas o Oleg sempre foi aquele tipo de cara que sorri fácil e
sabe enrolar qualquer um com duas palavras bem ditas.
Com o tempo, vi o que se escondia por trás daquele sorriso:
ganância. Oleg queria poder, status, dinheiro, mais do que devia.
Nunca me deu problema direto, sempre soube se manter útil.
Trabalha pra organização até hoje, traz lucro e mantém a imagem de
empresário respeitável.
Mas eu não confio em gente que quer demais. Esse tipo
sempre acaba vendendo a alma pra subir um degrau.
Há pouco tempo, ele comentou com o Mikhail que tava
procurando uma esposa. Disse que queria formar uma família, se
“estabelecer”. Soou falso, como tudo nele. Mesmo assim, achei que
podia ser uma jogada útil casar os dois. Ele é influente, tem dinheiro
e pode dar uma vida confortável pra Irina.
Hoje tenho uma reunião com ele pra acertar os detalhes do
casamento.
— Oi. — a voz da Helena me puxa de volta.
Ela aparece na porta do quarto do Nikolai.
Linda pra caralho.
O dia tá quente, e ela tá com um short curto demais pra o
tamanho da bunda e das pernas. A blusinha de alcinha realça os
seios redondos e empinados.
Porra… eu chego a salivar só de imaginar eles na minha boca.
— Viktor? — ela chama, franzindo o cenho.
Demorei tempo demais devorando ela com os olhos.
— Fala.
— Hoje à tarde a pediatra vem mesmo ver o Nikolai? —
pergunta, se aproximando do berço. O rosto dela suaviza ao olhar o
menino dormindo.
Dei mamadeira e fiz ele dormir.
— Sim. Ela vem às quatro.
— Você vai participar da consulta também?
— Não. Tenho uma reunião nesse horário. Precisa de mim?
— Não, só queria saber. — ela apoia as mãos no berço e
cruza uma perna sobre a outra, o quadril levemente inclinado. —
Conheci sua noiva.
Estalo a língua no céu da boca e ergo o olhar pra ela.
— É?
— Sim. Ela é muito bonita. — o sorrisinho que acompanha a
frase é forçado, quase um deboche.
— Que bom que aprovou. — respondo, observando o jeito
que ela tenta parecer calma, mas os dedos tocam o berço sem parar,
denunciando o nervosismo.
Ela dá de ombros e evita meu olhar.
— Não tenho nada pra aprovar, só comentei.
— Claro. Só um comentário inocente. Você não tá
incomodada porque eu tenho uma noiva, claro que não.
Revira os olhos.
— Você é livre pra casar com quem quiser, Viktor.
— Que bom saber que tenho sua autorização. — sorrio de
leve, só pra irritar.
Helena aperta os lábios, o maxilar tenso.
— Só achei curioso o tipo de mulher que combina com você.
— E que tipo seria esse? — pergunto, inclinando um pouco a
cabeça, já esperando a provocação.
— O tipo que não faz perguntas. Que obedece. Que aceita ser
mandada por você, igual um cachorrinho.
Dou uma risada.
— E você queria o quê, Helena? A única com coragem pra me
enfrentar é você. Boca atrevida, língua afiada... Mas pode confessar:
tá se ardendo por dentro, né? Morrendo de ciúme.
Ela ri.
— Eu não poderia me importar menos com quem você vai
casar, Viktor.
— Então se esforça pra mostrar isso. Porque o que eu vejo é
o contrário. Fez até questão de conhecer a mulher. O que foi? Quer
ser amiga dela?
— Não é nada disso. Eu não sei se você lembra, mas temos
um filho juntos, e eu preciso ao menos saber com quem o meu filho
vai conviver.
— Nikolai não vai conviver com ela.
Nem com ela, nem com nenhuma outra mulher além da
Helena. Mas isso, ela não precisa saber ainda.
— E vai fazer o quê? Aprisionar a esposa pra ela não ver o
seu filho? Ah, é… esqueci, você tem o costume de aprisionar as
pessoas mesmo.
Me levanto devagar, fecho o paletó e caminho até ela. Dois
passos. Lentos. Calculados. Ela descruza as pernas, o corpo inteiro
fica tenso, pronto pra qualquer movimento meu.
O ar entre nós pesa.
E é exatamente assim que eu gosto: ela tentando disfarçar o
desejo, e eu sabendo que por mais que lute contra, o corpo dela
ainda responde ao meu.
— As pessoas, não. Você. Só você.
Helena quase deixa escapar um sorriso, mas morde o canto
da boca e desvia o olhar, fingindo procurar qualquer coisa só pra não
me encarar.
— Ele mamou agora? — muda de assunto, como sempre faz.
— Meu peito tá cheio e dolorido, queria amamentar pra aliviar. Se
não, vou tirar na bomba.
Dou um passo à frente. O olhar cai direto no decote dela,
sem o menor disfarce.
— Estão cheios mesmo. Grandes e bonitos. Nikolai tem sorte.
Ela se vira bruscamente pra mim, cruza os braços e fecha a
cara.
— Você tá olhando pros meus peitos, Viktor? Toma vergonha!
— Não tem nada aí que eu não tenha visto antes, Helena. Por
que não posso olhar agora?
Ela arqueia as sobrancelhas, indignada.
— Porque antes a gente transava, e você não tinha
compromisso com ninguém!
— Podemos voltar a transar, se você quiser. — o sorriso vem
sozinho, provocando.
— Eu não quero! — tenta soar firme, mas a voz falha. — Vai
transar com a sua noiva.
— Não imaginava que você era tão ciumenta assim.
Observo o jeito que o peito dela sobe e desce rápido.
Os olhos de Helena estão puro fogo, as bochechas coradas.
— O que é meu, Viktor, é meu e de mais ninguém. Eu não
divido.
Dou mais um passo, devagar. Ela recua, encosta as costas no
berço, o corpo tenso.
O toque do celular corta o clima. Olho o visor: Mikhail.
Provavelmente enchendo o saco porque estou atrasado.
— Preciso ir.
— Viktor, espera. — ela segura meu braço. A mão dela tá
quente, suave, e porra, o arrepio sobe como se o corpo lembrasse
do que a mente tenta esquecer. — Quero te pedir uma coisa.
— Fala.
— Quero ver a Anya, por favor. Sei que você não vai me
deixar sair daqui, mas traz ela aqui. Preciso muito ver e falar com
ela. Por favor.
— Vou pensar se você tá merecendo.
Helena respira fundo. Os lábios tremem, como se ela se
segurasse pra não me mandar à merda.
— Por favor, Viktor. — insiste, mais baixo.
— Tô atrasado, Helena.
Puxo meu braço e saio andando. Ela resmunga um palavrão
atrás de mim.
Sorrio.
É a única mulher que me enfrenta, e, em vez de eu sentir
raiva, só fico com mais tesão.
Atendo o telefone.
— O que é, Mikhail? — pergunto, irritado. Ele já ligou três
vezes.
— Vamos perder a hora da reunião com o Oleg.
— Ele espera.
— O que você tava fazendo de tão importante pra se atrasar?
Ah, já sei… sendo pai e, nas horas vagas, dando em cima da mãe do
seu filho. Acertei? — o desgraçado ri do outro lado.
— Não enche meu saco, porra. E antes que eu esqueça, traz
a Anya aqui em casa.
— Anya? Pra quê? — a voz dele muda de tom na hora. O
idiota ainda não percebeu, mas tá caidinho pela garota.
— Porque a Helena quer ver ela.
— E você já deu um jeito de fazer a vontade dela, né? Tá
muito apaixonado, Viktor!
Ele ri mais alto.
— Vai se foder, Mikhail! — desligo na cara dele.
Apaixonado? Até parece.
Eu lá vou me apaixonar por alguém?
E eu nem faço todas as vontades da Helena. Essa é a única
coisa que ela me pediu até agora. Tem se comportado, não causou
problema desde que voltou.
Por que eu não traria a amiga pra ela ver?
Mikhail é um idiota.
Toda vez que encontro o Viktor, meu corpo inteiro reage com
sensações que eu não quero sentir.
Não por ele.
Conheci também a noiva dele, e não posso negar que a
mulher é bonita, mas tem algo nela que me deixou com um pé
atrás.
E não, não é ciúme!
Eu só não fui muito com a cara dela. Fala baixo demais, e
cada palavra parece ensaiada. Disse, sorrindo daquele jeito falso:
— Então você é a mãe do filho do Viktor.
Juro, ela sorria tentando parecer simpática, mas o que vi ali
foi um sorriso frio, cínico. O tipo de sorriso que não chega nos olhos.
Não gostei da forma como ela me olhou.
E não é implicância, eu juro!
Respondi:
— Sim, e você é a noiva dele, certo?
Ela ficou alguns segundos em silêncio, o sorriso ainda preso
no rosto, antes de abrir um maior, forçado e ensaiado, como se ser
noiva do Viktor fosse algum tipo de troféu.
Disse, cheia de orgulho, que sim, era ela.
Ah, coitada.
Se soubesse que não passa de um “negócio” pra ele, mas não
vai ser por mim que ela vai descobrir.
A pediatra veio no horário certo, examinou o Nikolai e disse
que ele estava ótimo. Trouxe o material, colheu sangue aqui mesmo
pra alguns exames e já deixou a próxima consulta marcada para o
mês que vem. Disse que vai vir todo mês.
Faz nem vinte minutos que ela foi embora. Nikolai tá
quietinho no meu colo, pesado de sono, a respiração curtinha e
calma.
Levanto o olhar pra porta e meu coração simplesmente para.
Anya.
Parada ali, me olhando.
Por um instante, o tempo congela. Meu peito aperta de um
jeito que chega a doer.
Deus… como eu senti falta dessa mulher.
Ela tá linda. Linda como sempre foi, mas diferente.
O rosto mais marcado, o corpo mais firme, e o olhar… Ah, o
olhar dela.
Antes era doce, leve, cheio de vida. Agora aparenta um brilho
frio, quase cansado, como se a inocência tivesse ficado pra trás, em
algum lugar onde ela nunca mais voltou.
Ela parece mais mulher, mais segura, mas também mais
distante.
Fico ali, parada, o coração batendo forte demais e uma
vontade louca de correr até ela, de abraçar, rir, chorar, dizer o
quanto pensei nela todos esses meses, mas minhas pernas não se
movem.
Anya não é mais a mesma. Acho que nenhuma de nós é.
— Você teve mesmo um bebê. — Ela diz, olhando de mim pro
Nikolai, um leve espanto nos olhos.
— Ei, Anya… — minha voz sai embargada, trêmula.
— Posso? — ela estende o braço pra dentro, pedindo
permissão pra entrar.
Eu só balanço a cabeça, sem conseguir falar.
Um nó enorme se forma na minha garganta. Tô feliz demais
por ver ela, mas arrasada por sentir essa distância entre nós, uma
distância que não dá pra explicar.
Levanto, as pernas tremendo, e coloco o Nikolai no berço. O
coração parece querer sair do peito.
— Anya, eu queria te dar um abraço. — Dou um passo
hesitante em sua direção.
Ela me encara por alguns segundos e por um momento, acho
que ela vai recuar, que vai dizer não, mas então respira fundo e dá
um pequeno passo à frente.
— Pode. — Murmura, a voz quase um sussurro.
Corro pra ela e a abraço com força, tentando apagar com
aquele toque todo o tempo perdido. Sinto o cheiro familiar do cabelo
dela, o calor, o leve tremor do corpo e desabo.
As lágrimas vêm com tudo, molham o ombro dela e a voz me
foge.
— Me perdoa, Anya… por favor… — Peço entre soluços. — Me
perdoa por tudo o que eu te fiz passar. Por ter sumido, por ter te
deixado sozinha, por ter causado tudo isso na sua vida.
Ela me aperta mais forte. O queixo encosta no topo da minha
cabeça e só então percebo que ela também tá chorando, os ombros
dela tremem.
— Shh… não fala isso. Você não tem culpa. Nada do que
aconteceu foi culpa sua.
Me afasto só o bastante pra olhar o rosto dela, os olhos estão
marejados, vermelhos, mas ainda lindos.
— Como não? — Soluço. — Se eu tivesse ficado, se tivesse
feito diferente, nada disso teria acontecido.
Ela balança a cabeça devagar, segurando meu rosto com as
duas mãos.
— A vida foi cruel, mas não só comigo, com nós duas. Eu
nunca senti raiva de você. Senti falta. Muita falta.
Um choro pesado me escapa, misto de alívio e
arrependimento. Abraço ela de novo, mais forte, querendo prendê-la
ali pra sempre.
— Eu achei que você me odiasse — Confesso, entre soluços.
— Que nunca mais fosse querer me ver.
— Eu esperei por isso, sabia? — Abre um sorriso triste. —
Esperei o dia em que ia te ver de novo. Só queria ter certeza de que
você ainda tava viva.
— Queria ter te ligado, contado sobre a gravidez, saber como
você tava, como sua mãe tava, como andava o restaurante… —
Minha voz falha. — Mas eu fiquei com medo. Medo de ele descobrir
onde eu tava e tomar o Nikolai de mim.
— Acho que temos muito o que conversar. — Anya solta um
pequeno sorriso e dá pra ver a tristeza escondida nele.
— Vem, senta comigo. — Puxo a mão dela. — O que
aconteceu, Anya? Por que você tá com o Mikhail? Eles me contaram
por cima, que você tá pagando por minha culpa.
Ela respira fundo, se ajeita na cadeira e baixa o olhar.
— Quando você foi embora, o Viktor e o Mikhail invadiram o
restaurante, queriam saber onde você tava. Eles não são burros,
sabiam que foi a gente que te ajudou. Então o Viktor cobrou uma
dívida alta, uma que eu e meu pai não tínhamos como pagar. A
gente sempre ficava devendo. O tratamento da minha mãe piorou, e
ela chegou à beira da morte.
Fecho os olhos, respirando fundo. Sinto o coração doer por
ter causado tudo isso.
— O Mikhail sabia que a gente não tinha como pagar, toda
vez que ele vinha cobrar e eu dava menos do que devia, ele sugeria
que eu ficasse com ele, e, em troca, ele pagaria a dívida.
— Desgraçado! — Sinto o sangue ferver. Raiva do Mikhail.
Ódio do Viktor.
— No fim, eu acabei cedendo. Tô com ele até hoje. E acho
que vou ficar o resto da vida, porque essa dívida parece que nunca
acaba. — Anya força um sorriso nervoso, mas os olhos entregam o
cansaço.
— Anya, meu Deus… Eu não acredito que causei isso na sua
vida!
Os olhos se enchem de lágrimas outra vez, mas agora é
arrependimento puro. Arrependimento por ter fugido e, sem querer,
destruído a vida da pessoa que me estendeu a mão sem pensar
duas vezes.
— Você não causou nada, Helena. Foi embora pra se
proteger. Quem fez isso foram os Dragunov, porque já percebi que
onde eles passam, arruínam a vida das pessoas. A prova disso
somos nós duas.
Balanço a cabeça concordando, com o peito apertando de um
jeito sufocante.
— Eu vou fazer alguma coisa pra te tirar disso, entendeu? —
Afirmo. — Não posso mudar o que já aconteceu, só posso pedir e
implorar pelo seu perdão. Juro que eu nunca imaginei que isso fosse
acontecer, que eles fossem capazes de tanto. Eu tô sentindo um ódio
tão grande deles, Anya... e de mim também.
— Helena, para com isso. — Ela se inclina pra frente e segura
minha mão. — No começo foi difícil, mas agora já passou. Você não
teve culpa, tira isso da cabeça.
Sinto a raiva e o desespero se misturarem dentro de mim.
— Claro que eu tenho culpa, Anya! Desde o dia em que
presenciei aquele maldito assassinato, minha vida virou um inferno.
Parece que peguei a coisa ruim dessa família desgraçada, porque
onde eu passo, deixo destruição. — Engulo seco, as mãos tremendo.
— Fico imaginando o que ele deve ter feito com a dona Galina por
ela ter me abrigado todo esse tempo.
Anya suspira pesado, o olhar perdido.
— Não duvido nada que tenha feito com ela o mesmo que fez
com a gente. Ou pior, matado ela.
Meu coração se despedaça só de imaginar.
Viktor seria capaz?
Céus... aquele homem é capaz de qualquer coisa.
— Vou falar com o Viktor. Quero saber o que ele fez com
aquelas pessoas e vou exigir que ele quite sua dívida.
Anya solta uma risada seca, amarga.
— Mikhail nunca vai aceitar.
— Se o Viktor mandar, ele não tem escolha. Vai ter que
aceitar.
Ela me olha com medo nos olhos, o corpo tenso.
— Helena, o Mikhail é completamente louco e obcecado por
mim. É capaz de me matar.
— Não vai! — Afirmo, me inclinando pra frente. — Mikhail vai
fazer o que o Viktor mandar. Ele é quem dá as ordens.
— E o que te faz pensar que o Viktor vai aceitar isso? —
Pergunta, franzindo a testa.
Conto para Anya o meu plano de me aproximar dele, tentar
reconquistá-lo.
Não que ele já tenha me amado, eu sei que não, mas se o
Viktor voltar a me desejar como antes, talvez eu consiga fazer ele
ceder.
É loucura?
Sim.
E perigoso.
Se ele descobrir o que estou tramando, é capaz de me jogar
num porão e me deixar lá até apodrecer.
Mas se der certo, eu salvo a Anya. E pago a dívida que criei.
Enquanto conversamos, uma mulher aparece na porta
carregando uma bandeja de prata com comida e bebidas geladas.
Aqui, eu nem preciso pedir nada, o Viktor já deixa tudo ordenado e
os funcionários seguem as ordens dele como leis.
Tudo é servido pra mim no meu quarto ou no do Nikolai. Não
tenho acesso à cozinha e me recuso a sentar naquela mesa pra
comer com ele e a noiva.
Anya pega o Nikolai no colo com cuidado e um sorriso
emocionado toma o rosto dela.
— Helena, ele é lindo. — Diz, balançando o bebê com
delicadeza. — Tem seus olhos e aposto que vai herdar sua alma
bondosa.
Sorrio fraco, observando os dois.
— Ai, amiga, é tudo que eu desejo, viu? Que loucura eu ter
um filho daquele homem. — Suspiro, rindo de nervoso.
Ela ri também, com ternura.
— Ele é um encanto! E o Viktor? Como tá lidando com essa
história de ser pai? O Mikhail vive falando do menino, diz que ele vai
ser o rei dessa casa.
— Ele vem às vezes ver o Nikolai, mas eu nem faço questão
de estar por perto. Quando vejo que tá aqui, eu saio. — Conto, me
referindo a Mikhail e ela ri, sussurrando um “faz bem”. — O Viktor é
daquele jeito frio, que parece não se importar com nada, mas acho
que o Nikolai tá quebrando um pouco disso. Ele gosta de vir ver o
filho e, quando tá em casa, passa um bom tempo aqui. Também tem
me ajudado de madrugada, revezando comigo, e assim consigo
dormir um pouco.
Anya arregala os olhos, surpresa.
— Quem diria, hein? Que um monstro se tornaria um bom
pai.
Dou uma risada sem graça.
— Pois é, espero que continue assim. Confesso pra você, que
achava que esse negócio de máfia e mafioso só existia em filme.
— Meu pai falava uma coisa ou outra disso, mas como a
gente morava numa das cidadezinhas mais pobres daqui, nem
imaginava quem eram. Ainda assim, sempre teve boato sobre os
Dragunov. As pessoas evitavam falar, parecia até maldição.
— E eu, burra, fui fugir deles na Espanha pra cair direto nas
mãos do chefe da máfia aqui na Rússia. — Balanço a cabeça, rindo
com amargura.
Anya ri, meneando o rosto.
— Ai, amiga, isso foi azar mesmo. Mas também, quem ia
imaginar? Embora a gente já desconfiasse daquele jeito possessivo e
doentio dele com você.
Continuamos conversando e cada palavra dela me pesa mais.
O riso vai sumindo e tudo o que fica é a dor do que ela passou.
Perdeu a virgindade com um monstro e ainda vive sendo
controlada, usada.
Apesar de tudo, por trás do olhar cansado, ainda consigo ver
um pedacinho da Anya que conheci, a menina doce, sonhadora, de
riso fácil, escondida sob a mulher ferida que a vida transformou.
Quando o fim da tarde chega, percebo que não perguntei
sobre a mãe dela. A gente falou tanto, chorou tanto, que o tempo
simplesmente passou.
Meu corpo congela quando ela conta que o restaurante
fechou, que a mãe tá internada numa das melhores clínicas da
Rússia e que o pai dela não fala mais com ela.
— Ele não quer uma filha que se vendeu. — Diz, com um
sorriso triste, os olhos marejados. — Mesmo eu tendo feito tudo pra
salvar eles. Ele não entende.
As lágrimas ardem nos meus olhos.
Ela ainda vai visitar a mãe, mas só quando o pai não está.
Sinto o ódio subir com força, um ódio quente, vivo,
queimando dentro do peito.
Esperei ela ir embora, dei banho no Nikolai, amamentei e
esperei ele dormir.
Mas minha cabeça fervia.
Viktor ia me ouvir.
Ah, ele ia.
Aquele desgraçado já tinha arruinado a minha vida, mas eu
não ia deixar ele acabar mais ainda com a da Anya.
A reunião com o Oleg foi um saco. O cara é um mala de tão
chato, só o Mikhail, com aquele jeito irônico, segurou o tranco. Oleg
não parava de repetir “porque somos primos” e blá-blá-blá.
Primo, caralho! Não suporto ele. O Oleg mudou muito desde a
infância, desde que entendeu o que era dinheiro e poder.
Mas o que tem me deixado de verdade irritado e com o
estresse no talo, é esse maldito tesão que sinto pela Helena. Não
aguento mais desejar essa mulher 24 horas por dia. Tô quase
enlouquecendo.
Depois da reunião, bebi com o Mikhail e recebi uma ligação: o
Dmitri vem aqui em casa amanhã. Só de pensar nele perto da
Helena já me deu ódio.
É meu irmão e quer ver o meu filho, não vou impedir isso.
A doutora já me passou o relatório da consulta do Nikolai.
Meu moleque é forte e saudável.
Segurar ele no colo é diferente. Parece que o mundo inteiro
silencia por um segundo. Os olhos do garoto me encaram com uma
calma que eu nunca conheci, e eu sinto algo que ainda não sei
nomear.
Tô aprendendo o que é amar alguém e isso me fode por
dentro.
Porque agora eu sei o que é ter medo de perder algo. Esse
garoto é a única coisa pura que eu tenho. E a partir de agora eu sei:
se alguém encostar um dedo nele, destruo o mundo inteiro, se for
preciso.
Alguém bate na porta e eu autorizo a entrada. Tô no
escritório bebendo desde que cheguei; antes, estava na bebida com
o Mikhail.
Porra, preciso de todo o álcool do mundo pra reduzir esse
tesão absurdo pela Helena ou então vou pirar.
— Boa noite! — a Irina entra no escritório; eu semicerro os
olhos. O que essa mulher quer? — Trouxe seu jantar. Vi que você
chegou e não saiu do escritório, imaginei que estava ocupado. — Ela
se aproxima e deixa a bandejinha sobre a mesa.
Irina seria uma ótima esposa, mas eu não sinto nem um
pingo de atração por ela.
Termino a vodka do copo e me ajeito pra pedir que ela sente,
quero falar sobre o casamento, quando a porta é escancarada com
violência e a Helena entra furiosa.
Caralho. O coração aperta na hora. É por essa mulher que eu
sinto tudo.
— Precisamos conversar! — ela fala, parada no vão da porta,
a raiva estampada nos olhos.
— Diga. — Respondo seco, sem tirar os olhos dela.
— Dá licença, Irina, é assunto particular. — Helena encara a
mulher, que não se mexe; em vez disso, olha pra mim querendo
aprovação. — Não adianta olhar pra ele, quem está mandando você
sair sou eu, e não ele! Sai! — Cresce na voz, mandona. — Tá surda?
Sai já! — Abre a porta com força e ela bate na parede, o barulho
ecoa. — Se não sair por conta própria, eu mesmo te tiro.
Irina faz um aceno leve e se retira.
— Não precisava ser tão rude com ela — Solto, só pra
provocar.
Helena estreita os olhos, o peito subindo e descendo.
— A boazinha, né? A SONSA! — explode. — Mas eu não vim
falar da sua noiva nem estragar o seu momento romântico — aponta
com a cabeça pra bandeja sobre a mesa, cheia de ironia.
— Pelo menos ela é uma boa futura esposa, trouxe até o meu
jantar.
— Se depender de mim pra isso, você vai morrer de fome! —
Dispara, afiada.
Contenho a risada. Vejo a mandíbula dela ranger, as unhas
marcando a palma da mão.
— O que te trouxe ao meu escritório a essa hora, toda
nervosa? — Quero saber, recostado na cadeira. — Aconteceu alguma
coisa com o Nikolai?
Ela caminha até a frente da minha mesa como se cada passo
fosse um insulto. O peito sobe e desce rápido, o rosto queimando de
raiva.
— Não seja tão cínico, Viktor. Esse papel não te cai bem. O
que você fez com a Anya foi desumano. Cruel, até pra um homem
sem escrúpulos como você.
Sorrio de canto, devagar, observando o tremor nas mãos dela.
— Quem causou isso à Anya foi você. Era só ter se
comportado.
Os olhos dela saltam.
— Não joga a culpa das suas atrocidades em mim! — Rosna,
a voz grossa.
— Tenho coisa mais importante a fazer do que ouvir suas
choradeiras, Helena. Pediu pra ver a amiga e agora vem me
infernizar. Sai do meu escritório.
Ela respira fundo, os dedos batendo no corpo como se
buscassem coragem.
— Eu quero te matar, Viktor. Muito. — Solta num sussurro,
quase inaudível. Depois, engolindo o orgulho, continua: — Mas não
vim pra brigar. Vim pedir.
Me inclino, apoiando os cotovelos.
— Você acha que está em condições de me pedir alguma
coisa? Não entendeu que aqui quem manda sou eu? Não esquece
que você tá respirando por causa do meu filho.
Ela olha pro chão por um segundo, mas ergue o olhar com
fogo.
— Eu não esqueci, Viktor. Nem um segundo. Você não me
deixa esquecer. E mesmo que diga que eu não posso pedir nada, eu
vou pedir! Quite a dívida da Anya, ela nunca devia nada a vocês.
Vocês destruíram a vida dela. Eu sou a culpada, então eu tenho que
pagar.
Um riso baixo sai da minha garganta.
— E você me pagaria como? Com que moeda pretende saldar
o que eu exijo?
— Com o que eu puder. Só… por favor. — A humilhação
transborda; ela vira o rosto, tenta esconder as lágrimas. Nessa
mistura de vergonha e despeito eu quase perco o controle.
Sinto vontade de esmurrar a mesa, mas me levanto devagar.
Me aproximo em passos lentos, sentindo o calor do corpo dela. A
respiração dela fica curta, audível. Encosto o dedo no seu queixo,
erguendo o rosto num gesto provocador.
— Você merece o inferno, mas já sabe disso. — Arqueio uma
sobrancelha. Ela engole em seco, como se mastigasse o próprio
ódio. — Não tenho dinheiro pra pagar a dívida, não tenho nada, mas
posso me oferecer no lugar da Anya. Se você quitar a dívida dela e a
liberar, faço o que quiser. Prometo que vou ser boazinha e obedecer
sem questionar. Não vou mais dizer que quero te matar, nem gritar
pra te aborrecer. Faço qualquer coisa que pedir, desde que isso não
inclua abandonar o meu filho.
— Continue. — Peço, gostando do que ouço.
Ela respira fundo.
— Mas pra tudo isso acontecer, a Anya precisa ficar livre de
vocês, e o Mikhail não pode tocá-la. A mãe dela depende do
tratamento que ele banca, eu peço que você garanta esse
tratamento.
— Não acha que está pedindo demais, Helena?
— Não. — Responde firme. — Eu tô entregando a minha vida
de bandeja pro diabo, pra sempre. Isso é o mínimo.
— Como pode dizer que faria tudo por mim se eu quitasse a
dívida, se há pouco você disse que, se eu dependesse de você pra
comer, morreria de fome? — Provoco, com um sorriso de canto.
— Eu estava nervosa, Viktor… falei sem pensar. — Murmura.
— Eu trago a comida pra você, se quiser. Trago o que quiser.
— Tudo o que eu quiser? — pergunto, o olhar descendo até a
boca dela.
Helena respira fundo.
— Tudo, Viktor. Faço o que você mandar.
Sorrio leve, torto e perigoso.
— Cuidado com o que promete, Helena. Eu cobro caro por
cada palavra.
Ela mantém o olhar preso em mim, o queixo tremendo, mas
não recua.
— Pode cobrar — Diz, quase num sussurro, o orgulho
morrendo na garganta. — Desde que a Anya fique livre.
— Então vamos recapitular suas palavras. Você tá me dizendo
que, se eu fizer tudo isso, você será minha? Totalmente obediente,
pra sempre?
— Até quando você quiser, Viktor. — Concorda, fechando os
olhos.
Fico olhando o rosto dela, vendo cada veia no pescoço pulsar.
Há medo, há vontade, há humilhação e um carinho pela amiga que
raramente vi alguém sentir.
— O que essa garota tem de tão importante, Helena? É só
mais uma mulher.
— Você pode não sentir por ninguém, Viktor, mas eu tenho
coração e ele pulsa. A Anya me estendeu a mão sem pensar, mesmo
eu sendo estrangeira, fugida de um inferno que não merecia. Eu não
vi aquele assassinato por escolha; só queria voltar no tempo e nunca
ter entrado naquele quarto pra pegar o anel que esqueci. Não dá pra
voltar. Então é isso, você aceita?
— Vai ser minha. Vai fazer o que eu mandar. Tem certeza do
que oferece? — Elevo a voz só o suficiente pra cortar a dúvida.
— Vou. — Fecha os olhos, segura o choro e respira fundo,
hipotecando a própria vida.
— A dívida da Anya está paga.
Os olhos dela se escancaram, incrédulos.
— Você jura?
— Não preciso jurar, Helena. Minha palavra não tem volta. Se
eu disse que está paga, então está.
Ela treme e vejo alívio transbordar em seus nos olhos.
— Agora você começa a pagar sua dívida. — Deixo claro, e
ela me encara confusa.
— Como?
— Tira a roupa pra mim e senta na mesa. Quero te chupar.
Os olhos de Helena quase saltam; a boca dela abre várias
vezes, sem som.
— O-o quê? E a sua noiva, Viktor?
— Você disse que seria minha e obediente, Helena. Não
quero perguntas, só faz o que eu mandei.
Viro-me e sento na minha cadeira de novo, enchendo meu
copo.
— Vamos, eu quero um show!
Helena fica parada, o peito subindo e descendo rápido
demais; juro que ouço o batimento do coração dela.
Tento disfarçar a ansiedade que cresce dentro de mim. Porra,
posso até ter bebido demais, mas nada vai me embriagar mais do
que o gosto dela.
O gosto que ansiei sentir há tanto tempo e agora terei de
volta na minha boca.
Vou iniciar uma guerra com o Mikhail? Obviamente, sim.
Mas pra ter a Helena, vale a pena pagar o preço.
Meu corpo inteiro treme. Já nem sei se é de raiva, de alívio
por ele ter concordado ou… aff, me recuso a aceitar que é tesão.
Será que eu sou tão doida quanto o Viktor?
— Tá demorando demais, Helena. — A voz dele vem
carregada de impaciência.
O jeito que ele fala meu nome me arrepia até a alma. Parece
que o som nasce no fundo do peito e me atravessa.
— Espera. — Engulo seco, a voz quase falhando. — Preciso
perguntar uma coisa antes. O que aconteceu com a dona Galina?
Viktor arqueia uma sobrancelha e inclina um pouco a cabeça,
os olhos semicerrados e frios, me analisam com aquele ar calculista.
— Como assim, o que aconteceu com a velha? — Pergunta,
jogando o corpo contra a poltrona com um estalo seco. — Nada.
— Você não matou ela? Não colocou uma dívida que custasse
a vida dela?
Ele solta um riso curto, sem humor.
— Aquela velha tem vida o bastante pra pagar alguma dívida,
Helena? Eu não fiz nada com ela. Ela cuidou de você e do meu filho.
—Inclina o corpo pra frente. — Agora, para de conversa e tira essa
roupa.
O ar escapa dos meus pulmões num suspiro trêmulo.
Viktor apoia os cotovelos na mesa, os dedos entrelaçados
diante do rosto. A luz amarelada da lâmpada desenha sombras duras
no maxilar, ressaltando o corte firme da mandíbula. As veias do
pescoço saltam, e os músculos se contraem, demonstrando que ele
está lutando para se conter.
Fico imóvel, o coração batendo fora do ritmo. Tento puxar o
ar, mas o peito aperta. Minhas mãos tremem quando começo a
desabotoar a blusa.
Um botão. Depois outro. Mais um.
O olhar dele me acompanha. Ele não pisca; me observa como
um predador prestes a atacar.
Tiro a blusa devagar e deixo cair no chão.
O calor sobe, queimando meu rosto. Viktor se ajeita na
cadeira, o ombro relaxa, mas o maxilar continua travado. A língua
passa pelos lábios num gesto rápido antes de ele inspirar fundo,
como quem tenta se segurar.
— Devagar — ordena.
Desço o zíper da calça. Viktor não desvia o olhar, os olhos
escuros me devoram, lentos, intensos.
Meu corpo ferve, o coração martela forte demais.
Empurro a calça pelas pernas até ela escorregar pelos
tornozelos e cair. Fico só de calcinha e sutiã.
Ele se levanta devagar. O som da cadeira arrastando pelo
chão é áspero e meu estômago revira.
Quando ele se aproxima, o cheiro chega primeiro: álcool,
poder e pecado.
— Quero te ver nua pra mim, Helena. — Ele está tão perto
que sinto a respiração quente roçar minha pele.
Minhas pernas amolecem. Tento respirar, mas o ar parece ter
sumido entre nós.
Céus… fazia tempo que eu não sentia esse turbilhão que só
esse homem é capaz de provocar.
Quando levo as mãos ao sutiã, ele levanta um dedo, me
impedindo. Dá um passo e se move pra trás de mim.
— Pode deixar que eu faço.
Os dedos dele tocam as alças finas do sutiã, o fecho cede e o
tecido escorrega, libertando meus seios. Ele não encosta, apenas
deixa o ar frio me envolver enquanto o calor do corpo dele, logo
atrás, me incendeia.
Mais um passo e o corpo dele encosta no meu. Sinto sua
ereção firme bater contra minha bunda. O ar prende na garganta.
Os dedos dele sobem pela lateral do meu braço num toque
lento e provocante.
— Tá sentindo isso, Helena? — a voz dele é quase um
rosnado. — Seu corpo sempre respondeu pra mim… sempre foi meu.
Mesmo quando tentou fugir, continuou sendo meu.
Seus lábios tocam meu pescoço e ele respira fundo. O ar
quente me arrepia. A barba áspera arranha minha pele e o quadril
pressiona o meu com força.
Fecho os olhos, o desejo bruto me consumindo.
A mão dele sobe até meu pescoço, apertando, me prendendo.
Viktor enfia o rosto no meu pescoço e me cheira fundo, como um
animal marcando território. Depois, a língua dele desliza devagar
pela minha pele, molhada, quente.
Minhas pernas tremem. Meu corpo pulsa, desesperado. A
respiração sai entrecortada e o prazer cresce até beirar o
insuportável.
— Você é minha, Helena. Todinha minha. — A voz dele vibra
contra minha pele, rouca e possessiva.
A outra mão agarra minha cintura e me vira bruscamente, me
colocando de frente pra ele. Nossos olhos se encontram. O olhar
dele é intenso, selvagem, um abismo.
Viktor abre um pequeno sorriso de canto antes de se inclinar.
A língua toca meus lábios, desliza devagar, e os dentes puxam o
lábio inferior, mordendo leve. Arfo.
A mão enorme agarra minha nuca e me puxa com força, a
boca dele tomando a minha com brutalidade.
O beijo não é calmo. É urgência, raiva, desejo, tudo
misturado. Os lábios dele esmagam os meus, exigentes, famintos.
Um som rouco escapa da garganta de Viktor. Seu corpo se cola ao
meu, dominante.
Minha mão sobe instintivamente pro peito dele, sentindo o
coração bater forte, acelerado e agarro sua camisa. O gosto de
vodka me invade, queimando. A barba raspa minha pele, me
arranhando.
Viktor volta a morder meu lábio inferior, puxa com mais força,
e um gemido me escapa. A língua dele, explora cada canto da minha
boca, me arrancando o ar e a razão.
Suas mãos descem pelas minhas costas, até minha bunda,
apertando com força. Meu corpo responde sem pensar, o quadril
busca o dele, o toque se encaixa, o calor explode.
Ele geme baixo, um som rouco, gutural, que vibra contra
minha boca.
— Um ano… — sopra contra meus lábios, ofegante. — Um
ano sem sentir isso, e você ainda me faz perder o controle, caralho.
A ponta do nariz dele roça o meu.
— Eu devia te odiar — Continua, o polegar deslizando
devagar pelo meu lábio inchado. — Mas olha pra mim, Helena… eu
só consigo querer mais de você. Sempre mais.
Viktor não me dá tempo de responder e volta a atacar minha
boca, me devorando. Não dá pra chamar isso de beijo, porque é
mais do que isso.
Suas mãos agarram minhas coxas e me tiram do chão, me
colocando no colo dele. Caminha até a mesa e me coloca sentada,
fazendo as coisas caírem no chão.
A bandeja que Irina trouxe se espalha, comida e bebida
voando, mas Viktor não parece se importar e, sinceramente, eu
também não.
Estou entorpecida de desejo.
A boca dele desce pelo meu pescoço, pelo colo, até chegar
nos meus seios pesados e inchados. Ele lambe, mordisca, suga
minha pele branca, deixando-a marcada, a assinatura dele, o aviso
silencioso de que sou dele.
Ele tem tesão em me deixar marcada.
E eu gosto. Gosto de ser marcada por ele.
Viktor passa a língua devagar pelos meus seios. Primeiro um,
depois o outro. Meu corpo inteiro estremece, é como se cada arrepio
tivesse vida própria.
— Por enquanto eles pertencem a Nikolai, mas logo voltam a
ser meus — murmura, roçando os lábios no bico.
Gemo baixo. Meus seios estão tão sensíveis por causa do leite
que até o ar parece me tocar.
Ele desce beijos e mordidas pela minha barriga, a boca
quente, as mãos firmes apertando minha bunda e minhas pernas.
Viktor puxa a cadeira e se senta bem diante de mim, abre
minhas pernas e enfia o rosto entre elas. Ele me cheira. Literalmente
me cheira.
Meu rosto queima.
— Tão excitada pra mim... tão cheirosa.
Gemo em resposta. É tudo o que consigo fazer.
Apoio as mãos na mesa, arqueando o corpo pra trás, a
cabeça tomba, entregue.
Viktor começa a dar leves mordidas por cima da calcinha.
Estou tão molhada, tão acesa, que o menor toque parece me
incendiar por dentro.
— Calma, Helena. — Ele sorri de canto, aquele sorriso torto e
maldito. — Tão desesperada assim por mim?
Quero dizer que não é por ele, que é só pelo prazer.
Mentira descarada, eu sei.
Mas dane-se.
O som do tecido se rasgando chega aos meus ouvidos,
seguido pelas alças da calcinha sendo arrancadas com força. Meus
olhos o encontram e quase perco o fôlego. Viktor segura o pedaço
rasgado, o olhar tomado de luxúria.
— Caralho, Helena... você é muito gostosa. E toda minha.
E é com essas palavras que ele segura minhas coxas e
mergulha entre elas, me chupando com fome. Viktor não tem
delicadeza. Ele me devora. Seu rosto se enterra entre minhas
pernas, a língua me lambe inteira, suga, saboreia cada gemido que
arranco.
Não demoro dez segundos pra gozar.
— Viktor! — grito o nome dele, tremendo.
Gozo tão forte que as lágrimas escorrem sem que eu perceba,
mas ele não para. Continua ali, me prendendo, me sugando, me
esgotando.
Tento fechar as pernas, mas ele me domina, me mantém
aberta, vulnerável.
Então a língua dele desce. Um arrepio elétrico percorre minha
espinha quando ele contorna o ânus com a ponta.
Que vergonha do caralho.
Que homem obsceno.
E absurdamente gostoso.
Mordo o lábio pra não gemer alto quando sinto o dedo dele
entrar fundo em minha boceta. A língua continua o trabalho sujo e
divino. É pecado. É puro inferno. E combina perfeitamente com ele.
Outro dedo. E, dessa vez, o grito vem antes que eu perceba.
A língua dele volta ao clitóris enquanto os dedos me fodem
com força, o ritmo acelerado. A outra mão me aperta, marcando
minha pele.
Estou completamente fodida, e não no sentido figurado.
Meu corpo ferve, estremecendo. O orgasmo vem em ondas,
uma maré que me arrasta inteira.
Grito, arqueio o corpo e agarro os cabelos de Viktor e gozo.
Gozo tanto que minha visão embaça, e por um segundo, acho que
meu coração vai parar.
Ele vai diminuindo as lambidas, até que o toque se torna
suave.
Respiro devagar, tentando lembrar como se faz isso.
O desgraçado se afasta só depois de sugar cada gota do meu
prazer. Limpa o canto da boca com os dedos que estavam dentro de
mim e, sem desviar o olhar, os leva à boca. Chupa devagar,
saboreando.
A cena é indecente.
E malditamente irresistível.
— O seu gosto é a melhor coisa que já provei na vida, bruxa
— diz com a voz rouca, arranhada de desejo.
Ele se levanta, empurra a cadeira pra trás e começa a
desabotoar a calça. Mas, de repente, o som da babá eletrônica
chama minha atenção, Nikolai começa a chorar.
Pulo da mesa e corro pra pegar a roupa.
— Onde você vai? — ele pergunta, o cenho franzido.
— Como assim, onde eu vou? — Visto a calça às pressas, sem
calcinha, já que o idiota rasgou. Ainda bem que é ele quem compra.
— Nikolai tá chorando.
— E eu tô à beira de explodir — Rosna, apontando pra calça
onde o pau dele marca o tecido.
Quase gemo só de olhar. Viktor é mesmo um maldito. Lindo,
gostoso e com um pau que parece uma ameaça.
Mas preciso lembrar que ele é o próprio diabo.
E que fui salva de foder loucamente com ele pelo meu filho.
— Você consegue se virar sozinho — digo, vestindo a blusa e
saindo do escritório.
Ainda ouço a voz dele:
— Maldita bruxa... você me paga!
Subo as escadas rindo, leve, o corpo ainda pulsando.
Pelo menos eu gozei duas vezes.
Ele que se vire agora.
Tô num nível de estresse que só queria sair na rua e achar
um imbecil pra torturar e matar.
Queria acender um cigarro. Não sou viciado a ponto de fumar
o dia inteiro, mas quando tô nervoso um cigarro e uma dose me
ajeitam. Agora não dá: tenho o Nikolai deitado no colo, dormindo.
O moleque deu trabalho a noite inteira. Chorou, resmungou
madrugada afora; a Helena já tava exausta. Dividimos o plantão e,
às seis da manhã, ela veio me entregar o menino e foi dormir, esse
cabeludo só quer colo.
Uma das minhas funcionárias, cujo nome eu nem sei, abre a
porta devagar, deixa na mesa a garrafa de café que pedi e sai.
Tenho um monte de gente trabalhando pra mim. Como vou
saber quem é quem? Contratação é coisa do Mikhail; eu não tenho
paciência pra isso.
Com cuidado, pra não acordar o meu filho e soltar o berreiro,
pego a xícara cheia e tomo um gole longo. Preferia álcool forte, mas
não vou beber com o menino no colo.
— Você não tem nada pra fazer, Viktor? — Mikhail entra no
escritório, espumando. — Se você não dorme, o problema não é
meu!
— Fala baixo, porra! — respondo, irritado. Balanço o Nikolai;
ele se mexe.
— Não sabia que você tava de babá — ele sussurra, rindo. —
Desculpa!
— Não tô de babá, seu imbecil. Tô sendo pai.
Mikhail senta, desabotoa o paletó, se ajeita.
— Ah, tinha esquecido — zoa. — Papai do ano, hein? —
Reviro os olhos, segurando o impulso de mandar ele se foder. — Me
diz uma coisa: por que esse garotão tá te acompanhando às seis da
manhã? Não devia estar no berço dele?
Ele olha pro café, faz careta e vai se servir de conhaque.
— Não quer ficar no berço. É só pôr que chora. Passou a
noite toda assim.
— Vou levar ele pra dormir na minha casa quando crescer —
diz Mikhail, voltando a sentar. — Deste tamanho é bonitinho, mas dá
um trabalho do caralho.
— A Helena nunca vai deixar o Nikolai naquele puteiro que
você chama de casa.
Sorrio de canto só de imaginar a cena.
— Sua mulher sabe que eu sou tio desse bebezinho? É bom
ela saber. Eu não abro mão do meu papel de tio. Pelo visto, nem o
Dmitri vai.
— Ele vem hoje.
— Ah é? Então por que não me chamaram pra um almoço em
família?
— Depois do que vamos conversar, duvido que você queira
almoçar em família.
Tomo mais um gole e ajeito o menino no colo.
— E o que é tão importante? Aquele carregamento pro Japão
deu problema? Porque se for isso, já resolvi.
— Não é isso, Mikhail. É sobre a Anya.
Ele estreita os olhos e me encara sem piscar.
Porra, além de a bruxa me deixar com um tesão que tive que
aliviar sozinho, ainda me arruma outra dor de cabeça. Mikhail
começa a ficar nervoso.
— Vamos, Viktor. Fala. O que tem a Anya?
— A dívida dela está paga.
Vejo a expressão dele mudar na hora.
— Do que você tá falando? — ele bate o copo na mesa com
força.
— Tô dizendo que a Anya não tem mais dívida com a gente.
Ela tá livre.
Ele ri nervoso, passando a mão no cabelo.
— A Helena te convenceu, né? — a voz sobe. — Por isso eu
disse que não era bom deixá-las se verem! A Anya não vai ficar livre
nunca, entendeu?
O tom alterado dele me irrita.
— Baixa a porra da voz, Mikhail. Vai acordar o meu filho.
Ouço-o respirar fundo, tentando se controlar.
— Eu sei da sua obsessão, mas te aviso: minha decisão tá
tomada. A Anya tá livre.
— A Anya é minha, Viktor. Mesmo com a dívida paga, ela vai
continuar comigo.
— Por quê?
— Porque ela precisa de mim. A mãe dela tá doente, precisa
de remédio, tratamento... você acha que ela vai se virar sozinha?
Sem mim ela não tem nada.
— A partir de hoje, isso não é problema seu.
— O que você tá dizendo, Viktor?
— Que você vai deixá-la em paz. — falo firme, olhando nos
olhos. — Vai ser escolha dela. Se ela quiser ficar com você, fica. Se
quiser ir embora... vai.
Mikhail balança a cabeça, ri, mas o riso é nervoso.
— Nunca. Ela não vai embora. Eu não vou deixar.
— Isso não é pedido, Mikhail. É ordem. Se ela escolher ir,
você aceita. Ou você vai ter que se entender comigo.
— Você só pode estar de brincadeira com a minha cara — ele
levanta de uma vez, nervoso, gritando alto demais. — Tô contigo a
vida inteira! E você vai ceder aos caprichos de uma mulher que
apareceu agora? Ela é só uma boceta, porra!
Levanto com o Nikolai nos braços, meu corpo ficando tenso.
— Olha como fala, Mikhail! Posso ser seu irmão, mas ainda
sou seu chefe e você está na minha casa! A Anya também é só uma
boceta? Qual é o problema? Acabou. Você tirou o que pôde dela;
acabou. Um dos meus soldados já tá na sua porta, avisando e dando
a ela o direito de escolha.
— Você não pode fazer isso comigo, caralho! — ele berra, os
olhos faiscando. — Se alguém chegar perto dela, eu mato! Ninguém
tira ela da minha casa! Ninguém!
Dou a volta na mesa e me aproximo mais.
— Você não tá ouvindo? Eu tô dando uma ordem, Mikhail!
Engole a porra da sua raiva, a sua frustração, paixão ou merda que
seja e cala a boca!
Ele me encara por longos segundos, até que, devagar,
assente.
— Eu tô fora, Viktor! — fala por fim. — Quer me matar? Vai lá
e pega sua arma e atira. Mas eu tô fora. Fui leal desde que nasci, e
é isso que eu ganho? Você cedendo aos caprichos da sua mulher?
Quando precisar de quem faça o trabalho sujo, pede a ela. Ou
manda o Dmitri levantar a bunda da cadeira e ir fazer por você.
Nikolai acorda e começa a chorar. Não tenho tempo de
rebater, Mikhail vira as costas e sai.
Claro que não vou matar meu irmão. Já sabia que o Mikhail ia
explodir, era óbvio o quanto ele é obcecado pela Anya. Vou dar um
tempo e a gente volta a falar nisso.
— Seu tio é um imbecil, viu? — balanço Nikolai; ele solta um
soluço baixo. — Que tal a gente ir dormir na cama do papai? Assim
você descansa melhor e o papai cochila do seu lado, que tal?
O moleque resmunga e eu esboço um sorriso. Quando foi que
me peguei conversando com um bebê? Só a bruxa pra me empurrar
essas situações que eu nunca imaginei viver nesta vida.
Tô me controlando pela câmera. O ódio lateja, e a única coisa
que consigo fazer é pegar cigarro atrás de cigarro, já foram uns
cinco, e amassar todos, de puro nervosismo.
Helena sorri demais pro Dmitri. O corpo dela relaxa perto
dele, e isso me deixa possesso.
Que inferno.
Tô com ciúmes da minha mulher com o meu próprio irmão.
A vontade que tenho é levantar, ir até aquele quarto, pegar o
Nikolai e arrastar a Helena pelos cabelos até trancá-la em algum
lugar. Que se dane se isso me faz parecer um animal. Que se dane.
Ainda dava um soco bem dado naqueles dentes bem alinhados de
Dmitri, que vive abrindo aquele sorriso de político pra ela.
Por que ele sorri tanto pra ela?
Tentei ligar pro Mikhail, mas o idiota não atende. Tá
emburrado, fazendo birra igual criança mimada.
Mas, pra ser justo, se mandassem eu abrir mão da Helena, eu
faria pior.
Conheço bem o Mikhail. Sei que ele não vai acatar minha
ordem numa boa. Anya que se cuide, ele é psicopata o bastante pra
não deixá-la em paz nunca.
E o Dmitri… o filho da puta me irrita. Fala bem, sorri bonito,
tem aquele charme natural que atrai qualquer mulher. E eu aqui,
com o maxilar travado, vendo a Helena relaxar do lado dele, coisa
que ela não faz nem dez por cento comigo.
Ouço um leve bater na porta.
Quem diabos vem me incomodar agora?
— Fala!
— Oi — Irina aparece na porta, hesitante. Já abro a boca pra
mandar ela sair quando continua: — Vi que o senhor tá com visitas,
a mesa do almoço tá até arrumada... então, pra não incomodar,
queria saber se posso ir até o centro, andar um pouco, me distrair.
Minha vontade é dizer que ela pode ir até o inferno e que eu
não tô nem aí pra vida dela.
— Tá. Precisa de dinheiro? — pergunto, seco. Ela assente. —
Um dos meus homens vai te entregar. Pode ir.
Não deixo espaço pra conversa.
Assim que a porta se fecha, volto a olhar as câmeras. Dmitri
tá com o Nikolai no colo. Vejo ele colocar o menino no berço, ajeitar
o cobertor e sair do quarto com a Helena. Troco o ângulo da câmera
e os vejo descendo as escadas, indo pra sala de jantar.
Mando uma mensagem rápida pra um dos meus homens:
leve Irina onde quiser e entregue o dinheiro.
— Posso entrar? — ouço a voz do Dmitri antes mesmo de ver
a porta se abrir.
— Entra.
Ele aparece com aquele ar tranquilo que me dá nos nervos.
— O Mikhail não apareceu. — Ele se encosta na porta. —
Nem atendeu minhas ligações.
— Tá de birra. Puto porque vai ter que deixar a Anya em paz.
Dmitri solta uma risada curta e se aproxima, puxando uma
cadeira.
— Deixa eu adivinhar... pedido da Helena? — Dou de ombros.
— Ele vai superar. Vamos almoçar?
— Não quero atrapalhar o momento de vocês. — Minha voz
sai carregada de ironia. Dmitri ri alto.
— Porra, Viktor, esse papel de ciumento apaixonado não
combina contigo.
— Não tô ciumento nem apaixonado, Dmitri.
— Jura? Porque parece. Já te falei que entre eu e a Helena
não existe nada. Já te contei tudo, do início ao fim. Vim ver o
Nikolai, meu sobrinho, e quero fazer parte da vida dele. Só não
quero te ver surtando toda vez que chego perto da mãe do menino.
— Ele aponta pra garrafa vazia e pros cigarros amassados na mesa.
Reviro os olhos, irritado.
— Para com isso, Dmitri. Você é bem-vindo na minha casa, e
sabe disso.
— Não, eu não sei, Viktor. — Ele cruza os braços. — E, pelo
que vejo, não sou tão bem-vindo assim.
— O problema não é você.
É
— É ela, eu sei. — Ele dá de ombros. — Mas o que falta pra
você admitir que quer ficar com a mãe do seu filho? — Abro a boca
pra responder, mas ele me corta. — Vai continuar fingindo ser o
durão, o mafioso sem coração, e abrir mão da mulher que ama?
Estreito os olhos, e ele ri.
— Tá bom, pode até não ser amor, mas você gosta dela. E
você nunca gostou de ninguém. Então por que não aproveita isso?
Já não tá velho demais pra brincar de “chefão mauzão”?
Reviro os olhos com tédio.
— E você tá velho demais pra dar sermão.
Ele gargalha.
— Se não for eu pra te botar juízo, quem vai? O Mikhail?
Aquele lunático só vê sangue e destruição.
— Olha quem fala...
— Eu sou um político honrado, Viktor. Me respeita.
Nós dois nos encaramos e rimos.
— Virou comediante agora, Dmitri?
Ele ergue as sobrancelhas, ainda rindo.
— Agora falando sério... vamos almoçar? Vim pra ver meu
sobrinho, que é a coisa mais linda do mundo, mas também vim pra
estar com o meu irmão.
— Eu não vou. — Encosto na cadeira. — Antes que comece
seu discurso de político, a Helena sempre come no quarto. Hoje é a
primeira vez que ela vai se sentar à mesa. Ela não se sente à
vontade comigo como se sente contigo. Então não, eu não vou. E
não é ciúme.
— Se já sabe disso, devia fazer algo pra mudar.
— Tarde demais, irmão. As coisas entre a gente... são
complicadas.
— Beleza. — Ele se levanta. — Então eu almoço, e depois a
gente bebe?
— Te espero aqui.
Dmitri já tá quase saindo quando o chamo:
— E se eu casasse com a Helena?
Ele para, se vira devagar e abre um sorriso pequeno.
— Ela não é do nosso mundo, irmão. Isso não vai te dar dor
de cabeça?
Cruzo as mãos sobre a mesa.
— Quem manda aqui sou eu, Dmitri. Este é o meu reino. E
quem se atrever a contestar minhas decisões... eu quero morto. A
Helena é a mãe do meu filho e vai ser minha esposa.
O sorriso dele cresce.
— Me avisa a data, preciso de um terno novo pra ser
padrinho. E, se até lá eu não arrumar uma madrinha, arruma uma
bem gostosa pra eu comer depois da cerimônia.
Balanço a cabeça, rindo de leve. Tá no sangue dessa família
ser podre.
Dmitri fala bonito, sorri daquele jeito doce que conquista
multidões, mas eu sei o sangue que corre nas veias dele. Sei bem do
que ele é capaz quando o Dragunov desperta.
Quando ele sai do escritório, fico em silêncio. Me recosto na
cadeira, os dedos tamborilando na mesa.
Minha decisão tá tomada.
Helena é minha.
Foi desde o momento em que coloquei meus olhos nela.
E foi até antes. Ela se tornou minha no instante em que
presenciou aquele assassinato, quando a vida dela passou a estar
nas minhas mãos.
Mas é mais que isso.
Ela é a mulher que eu quero ao meu lado, mesmo nessa
guerra que nós dois vivemos, regada de raiva, desejo e esse maldito
tesão que não ameniza.
Receber a visita do Dmitri foi um alívio.
Sim, eu poderia estar chateada com ele por fazer parte dessa
família horripilante e tudo mais. Mas ele não sabia quem eu era e
não me entregou de propósito, embora eu saiba, pelo olhar dele,
que se soubesse, teria me entregado do mesmo jeito.
Dmitri parece diferente dos outros irmãos, apesar de, às
vezes, eu ver o sangue Dragunov pulsando nas veias dele. Gosto da
forma como trata meu filho, do cuidado que teve desde o início.
Entre todos que conheci aqui, que nem foram muitos, nunca
ouvi ninguém mencionar mãe ou pai. É triste, porque meu filho
parece não ter avós de parte nenhuma. De todos eles, o que eu
mais gosto é o Dmitri.
Viktor não apareceu em momento algum, e Dmitri deixou
escapar, meio por alto, que ele sente ciúmes da gente. Ele não falou
com todas as letras, mas também não precisava. Eu entendi. E,
confesso, um sorrisinho acabou escapando.
Mas logo tratei de disfarçar.
Tô sorrindo por quê?
Viktor não é importante pra mim. Se ele tem ciúmes ou não,
o problema é dele.
Nikolai já dormiu, e eu continuo acordada, inquieta. Decido
andar pela casa, só pra me distrair um pouco. Estou trancada aqui
há tantos dias que já tô de saco cheio.
Pego a babá eletrônica e desço as escadas.
Sorrio ao ver a porta da cozinha fechada. Viktor realmente me
proibiu de entrar ali. Disse que não confia em mim, que eu poderia
matá-lo.
Bom... um tiro eu já dei. Errei? Errei. Mas pelo menos tentei.
Não me incomoda não ter acesso à cozinha. A comida é
servida no meu quarto o dia inteiro, e tem frigobar tanto no meu
quanto no do Nikolai.
Os nomes dos funcionários eu nem sei. Eles mal me olham.
Não sei se é assim com todo mundo ou se o Viktor proibiu que se
aproximassem de mim. Eles só dizem “bom dia”, “boa tarde” ou “boa
noite” e saem tão rápido que nem dá tempo de responder.
Os talheres chegam a ser engraçados. A faca que Viktor
mandou deixarem pra mim não corta nem carne de criança. Parece
de brinquedo.
Ele levou a sério a minha ameaça aquele dia.
E é bom que leve mesmo.
Eu teria coragem de matá-lo?
Não. Eu não sou assassina. Nunca matei nem uma formiga.
Mas... e se fosse pra viver livre com o meu filho?
Será que ele me perdoaria se soubesse que eu fiz isso com o
pai dele?
Ai, credo! Balanço a cabeça de um lado pro outro, tentando
espantar esses pensamentos idiotas. Por que diabos comecei a
pensar tanta besteira do nada?
A porta da entrada se abre de repente, e Irina surge, cheia de
sacolas e um sorrisão estampado no rosto.
Olho pro relógio da parede e franzo o cenho. Já é tarde. Ela
só chegou agora? Viktor deixou isso acontecer?
— Boa noite! — Ela se aproxima com aquele ar afetado. — O
que tem pro jantar hoje? Ah, esqueci... você não tem acesso a nada
nessa casa além do quartinho onde vive. — Ri, debochada.
— Você tá bêbada, garota? — Cruzo os braços, encarando-a
firme.
— Talvez eu tenha bebido um ou dois drinks, mas nada
demais.
— Viktor tá sendo bonzinho com você, né? — solto, com o
veneno escorrendo na voz. — Ou será que ele nem imagina a hora
que a noivinha dele resolveu aparecer? E ainda por cima alterada?
— Claro que ele sabe! — Irina abre um sorriso ainda maior,
exibido. — Ele mesmo pediu pra eu sair, fazer umas compras, me
distrair... disse que eu tava muito presa aqui dentro, sabe? — Ela
alonga a palavra “presa” de propósito. — Ah, claro que você sabe.
Você vive presa. — Ri alto, provocando.
— Qual é o seu problema, hein, garota? — estreito os olhos.
— Outro dia tava toda simpática, fingindo ser sonsa. Cansou de
esconder que é uma falsa metida a santa?
Irina não se abala. Ri mais alto, como se se divertisse com a
minha raiva.
— Ah, Helena, convenhamos, você não tem nada de boba
com essa carinha aí. Sei muito bem que tá tentando conquistar o
Viktor, mas esquece. Não vou deixar o caminho livre pra você.
Agora é a minha vez de rir.
— Quer o Viktor? Fica com ele, Irina. Daquele homem, eu não
quero nada.
— Jura? Tá tentando me enganar ou se enganar? — Ela dá
um passo mais perto, o sorriso venenoso crescendo. — Não esquece
que eu sou a noiva dele. E, quando for esposa, quem vai mandar
nessa casa sou eu. Nesse dia, você vai pra rua.
— Eu só saio daqui com o meu filho!
— Aí já não é problema meu. — Ela dá de ombros. — E, pra
ser sincera, nem quero que esse garoto faça parte das nossas vidas.
Até porque os filhos que vão importar nesse casamento são os meus
com o Viktor. — O tom dela é puro veneno. — Não sei se você
entende como funciona, mas filhos bastardos são tratados como o
Dmitri é nessa família... rejeitado.
Endireito a postura, o estômago revirando.
Nikolai seria tratado como bastardo? Meu filho, rejeitado?
Não. Não. Não. Viktor ama o Nikolai. Eu vejo isso nos olhos
dele. Ele não faria isso.
Mas... e quando nascerem os filhos dele com a Irina?
Irina parece saborear o meu desespero.
— Boa noite, Helena! — diz, satisfeita, e desaparece pelo
corredor como uma cobra deslizando.
Fico parada, olhando pra babá eletrônica. Nikolai dorme
tranquilo, e meu coração acelera.
Como será o futuro do meu filho?
Sem perceber, meus pés me levam até o escritório do Viktor.
Preciso tirar isso da cabeça. Preciso saber se ele teria coragem de
fazer isso com o próprio filho.
Mas, quando vejo a porta entreaberta e o silêncio absoluto,
paro.
Empurro devagar e espiando lá dentro. Viktor está recostado
na cadeira, o corpo relaxado, um copo pela metade sobre a mesa,
cigarros apagados e a arma ao lado.
Ele está dormindo.
Nunca o vi dormir antes.
Me aproximo devagar, os passos tão lentos que o som quase
não existe. A respiração dele é calma, o peito subindo e descendo
devagar.
E, nossa... preciso prender o ar.
Viktor está lindo. De um jeito indecente. A camisa branca está
aberta em três botões, revelando o peito forte e parcialmente
coberto por pelos finos. As mangas dobradas até os cotovelos, o
cinto afrouxado, o botão e o zíper da calça abertos.
Suspiro, sentindo a garganta secar.
Meu Deus... eu tô salivando por esse desgraçado.
Eu poderia pegar a arma da mesa e atirar. Poderia acabar
com tudo agora. Mas, em vez disso, fico parada, pensando se ele
deixou a calça aberta porque estava se aliviando... pensando em
mim.
Ou em Irina.
Não, Helena, não vamos por esse caminho. O Viktor pode até
estar de casamento marcado com aquela cobra, mas sou eu quem
ele deseja.
E por mais safada e sem-vergonha que isso me torne, preciso
admitir, eu também o quero.
Como eu quero!
E se, só por agora, eu esquecesse essa guerra que a gente
vive e todos os fantasmas que me assombram? Só por um instante…
aproveitar o momento, como era antes de eu saber quem ele
realmente é?
Não vai fazer mal se eu deixar a Helena racional descansar
um pouquinho, né?
Também não sou de ferro.
Sou humana, porra, com defeitos… e com tesão. Muito tesão!
Puta merda… Minhas pernas se apertam sozinhas, tentando
conter o formigamento que sobe por todo o meu corpo.
Meu peito arfa e a pele arrepia.
Quando dou por mim, já tô ajoelhada bem na frente dele, os
dedos deslizando por cima da calça.
O toque é leve, quase uma carícia curiosa, mas suficiente pra
ele despertar num sobressalto. Reflexo rápido e a mão vai direto pra
arma.
— Porra, Helena! Ficou maluca? — ele rosna, a voz grave, o
olhar ainda turvo de sono. Solta a arma, passa a mão no rosto e
respira fundo.
Eu apenas sorrio.
— O que você tá fazendo? — pergunta, e quando os olhos
dele realmente se fixam em mim, algo muda. Um brilho escuro,
quase animalesco, toma conta do olhar.
Não respondo. Só sorrio de canto, lenta, provocante, e
começo a puxar a calça dele pra baixo.
O ar entre nós esquenta.
O pau dele começa a endurecer por instinto, marcando o
tecido da boxer preta, grosso, pulsando, tão provocante que minha
boca seca.
Viktor sempre parece que vai me rasgar ao meio e eu gosto
disso. A dor misturada ao prazer, o controle que ele perde só por um
segundo e volta a tomar com força.
Passo os dedos pelo contorno dele e Viktor pisca algumas
vezes, confuso, como se tentasse entender se está sonhando.
Isso me faz rir baixinho, mordendo o lábio.
Eu podia brincar mais, provocar, mas o desejo me domina.
E Nikolai pode acordar a qualquer momento, então não posso
enrolar.
Puxo a boxer devagar, sentindo o elástico roçar meus dedos.
Ele salta, duro, quente, cheio de veias, a cabeça brilhando de
excitação.
Meus músculos se contraem e preciso apertar mais as pernas
pra me conter.
Viktor não se move, não me impede, só me observa, calado,
os olhos cada vez mais escuros, me devorando.
Aproximo o rosto, mas ainda não o toco com a boca. Deixo
que minha respiração quente o alcance e é o suficiente para ele
soltar gemido rouco, profundo, que arrepia até o último fio do meu
cabelo.
Delicioso.
A voz desse homem é uma arma.
Por que ele tem que ser gostoso em absolutamente tudo?
Não dava pra ser um mafioso velho, feio, barrigudo e
nojento?
Mas não… o infeliz parece um deus grego, daqueles que
sabem o poder que têm.
Passo a língua devagar pela glande e ele estremece. O gosto
invade minha boca, e eu gemo baixo, sem conseguir conter.
Viktor fecha os olhos, o maxilar travado, tentando se
controlar.
Cuspo um pouco de saliva na cabeça e espalho com a mão,
massageando, deixando-o molhado, escorregadio, brilhando sob a
luz suave do quarto.
Ele ruge:
— Porra, Helena... porra...
Sorrio, satisfeita.
Envolvo-o com a boca, devagar, enquanto a mão continua
deslizando pelo resto do comprimento. Ele é grande e grosso, me faz
abrir a boca até o limite, os cantinhos ardendo.
Não consigo levar tudo, mas tento. Relaxo a garganta e
respiro fundo, os dedos completam o que a boca não alcança.
Chupo e masturbo ao mesmo tempo, o som molhado
ecoando.
Viktor agarra meu cabelo com força, os dedos se enredando
nos fios.
— Porra, Helena... sua gostosa do caralho... bruxa safada —
rosna, empurrando minha cabeça pra baixo.
Subo, lambendo a ponta lisinha, e depois desço até onde
consigo, o barulho da minha baba preenchendo o ar.
Viktor mete fundo na minha garganta e eu engasgo, o
gemido dele misturando prazer e fúria contida.
— Não queria pau, bruxa? Então aguenta! — murmura entre
dentes, a voz carregada, prendendo firme minha cabeça e metendo
de novo, mais fundo.
Engasgo, os olhos marejam, lágrimas escorrendo pelos
cantos.
Minha boceta pulsa descontrolada. A calcinha tá encharcada.
Tenho a sensação de que vou gozar só de chupá-lo.
Viktor não tem dó, mete rápido, fundo, sem piedade. A
respiração dele fica pesada, o corpo tenso, os músculos saltando.
— Que boquinha deliciosa, bruxa... engolindo meu pau
todinho... deixando ele todo melado... — Geme, arfando. — Porra,
isso só pode ser um sonho.
Porra… acho que tô num sonho. Um sonho bem gostoso, por
sinal.
Acordei com Helena ajoelhada entre minhas pernas, o cabelo
desgrenhado caindo sobre o rosto e aquela carinha de safada
irresistível. A boca dela brilha, salivando no meu pau. Minha calça
está aberta.
Depois de beber todas com o Dmitri, não conseguia parar de
pensar nela. Acabei me masturbando de novo, imaginando a
maldita, mas o orgasmo não veio. Porque o que eu queria mesmo
era ela. Queria sentir ela.
E, como se tivesse me ouvido em pensamento, aqui está
Helena, chupando meu pau com tanta vontade que me deixa à beira
da loucura. A língua dela desliza quente, lenta, deixando tudo
babado, molhado, pulsante. Tô a ponto de explodir, de gozar fundo
na garganta dela.
Não costumo dormir assim, mas as noites em claro com o
Nikolai estão me matando. E ainda tem o peso da organização nas
minhas costas. Mas valeu a pena cochilar, porque, se toda vez que
eu dormir for pra acordar com uma mamada dessas, pode ter
certeza que vou dormir mais.
Ela tenta me levar até o fundo da garganta. Se engasga, os
olhos marejam e ela geme, geme com o meu pau na boca.
Porra! Essa mulher tá me destruindo. Essa cena vai me
perseguir pra sempre. Essa bruxa vai me matar do coração.
— Vou gozar, melhor tirar a boca — aviso, mesmo querendo
ver ela engolindo tudo.
Helena balança a cabeça em negação, o olhar provocante e
eu perco o controle.
— Ah, é? É porra que você quer, sua bruxa safada? — rosno.
A desgraçada ainda assente. Seguro firme o cabelo dela e
começo a foder a boca sem piedade. O som dela engasgando, a
saliva escorrendo, os gemidos abafados, tudo me enlouquece. Fodo
como um animal faminto. E tô faminto dela. Sempre dela.
— Caralho, Helena… porra, sua gostosa! — urro, gozando
fundo na garganta dela. O corpo inteiro treme, o suor escorre pela
testa.
Ela tenta engolir tudo sem engasgar. Quando termino, puxo o
cabelo dela com força, fazendo-a se levantar, e a sento sobre a
mesa. Helena sorri, ofegante. Passa os dedos pelos cantos da boca e
lambe devagar.
Maldita. Bruxa. Que visão do caralho.
Feito um desesperado, começo a arrancar a roupa dela. Ela tá
tão fora de si quanto eu, mãos por todos os lados, botões voando, o
fecho do sutiã quebra, a calcinha rasga e cai no chão.
— Vou ficar sem calcinha assim, Viktor! — resmunga,
arfando, toda aberta pra mim.
E eu quero lá saber de calcinha, com essa boceta molhada
bem na minha frente?
— Prefiro você sem — murmuro, rouco, os dedos enroscados
no pescoço dela.
Helena arfa, os olhos brilhando.
— Não posso ficar andando sem calcinha — sussurra, o
sorriso pequeno e malicioso nos lábios.
— Eu compro todas que você quiser — respondo, me
aproximando, a voz arrastada.
Lambo os lábios dela devagar, e ela fecha os olhos, entregue.
Mandei comprar tanta roupa pra essa mulher que o closet
dela já tá pequeno. Se eu rasgar uma calcinha por dia, duvido que
vá falta, mas mesmo que falte, eu compro mais.
O que eu não tenho é paciência pra tirar o pano que esconde
o que mais amo nesse mundo.
Lambo os lábios dela de novo, mas não a beijo. Helena fica
com a boca entreaberta, esperando. Em vez disso, desço mordendo
e chupando o pescoço dela. O cheiro dessa mulher é viciante.
A gargantilha que ela usa não é qualquer pingente: é uma tira
cravejada de diamantes com o meu nome gravado, que eu mesmo
coloquei nela; tem rastreador embutido e só eu posso tirar. Quando
a corrente roça a minha pele enquanto ela se mexe, ver “Viktor
Dragunov” colado ao pescoço dela me pega de jeito. Fica lindo nela,
dá a sensação clara de posse, e isso me excita como nada mais; ver
meu nome na pele dela me deixa ainda mais duro.
— Espera — ela segura meu rosto, os olhos turvos. — Por
mais que eu queira que você me chupe, não temos tempo. Nikolai
pode acordar. E entre ser chupada e fodida por você, agora… eu
preciso do seu pau.
Sorrio de canto. Essa é a minha garota. Safada. Gostosa. E
toda minha.
— Quer ser fodida pelo meu pau, Helena? — sussurro contra
a boca dela, apertando-lhe o pescoço.
Ela geme e assente, tremendo.
— Tá doida pra me dar desde que entrou nessa casa, não é?
— provoco.
Ela não responde, mas o olhar dela diz tudo.
Seguro meu pau e passo devagar na entrada dela, sentindo o
calor, o líquido quente escorrendo. O cheiro dela é uma perdição.
— Fala pra mim, sua cachorra… a quem você pertence, hein?
— aperto o pescoço dela, vendo o rosto ficar vermelho.
Empurro só a cabeça do pau, e ela choraminga, implorando
sem palavras.
— Diz que é minha putinha, Helena… que essa boceta pensou
em mim todos os dias — murmuro.
Solto o pescoço dela e aperto os seios. Ela solta um suspiro
manhoso.
Empurro só a ponta novamente, torturando, e ela geme mais
alto.
— Diz, Helena! — ordeno.
— Por favor, Viktor… — ela lamuria, tremendo.
— Por favor o quê, Helena? — sorrio, saboreando cada
segundo.
— Me fode!
— Eu vou te foder, bruxa. Vou te foder até acabar com essa
bocetinha gostosa — murmuro, com um sorriso sujo. — Mas
primeiro quero ouvir da sua boca que você é minha puta. Que essa
boceta pensou em mim todo esse tempo.
Empurro mais um pouco e paro, esperando.
— Seu desgraçado! — ela me xinga, o peito subindo e
descendo rápido.
Aperto um dos seios, e o leite pinga, quente. Helena geme
alto.
— Eu sou sua, porra! — grita, tomada de prazer. — Minha
boceta nunca te esqueceu! Eu sou o que você quiser! Agora me
fode, Viktor!
Sorrio. Acho que nunca sorri tão largo.
Empurro com tanta força que a mesa se move.
— Ah, Viktor! — ela grita, o corpo arqueando, a boceta se
contraindo ao redor do meu pau, me apertando até doer.
Caralho, que saudade de estar em casa.
Tiro e empurro de novo, mais forte, até o fundo. Outro grito.
A casa inteira deve ouvir. Nikolai, provavelmente, já acordou com os
gemidos dessa bruxa.
Aperto o peito dela, o leite jorrando quente.
— Que se foda, Helena! — urro, metendo mais forte, enfiando
a boca no seio.
Respeitei o suficiente por serem de Nikolai. Agora, foda-se.
Meto fundo, com raiva, com tesão, com tudo que guardei. Ela
grita, se contorce, geme como se o mundo fosse acabar. Eu mamo
os seios dela, sem me importar com o leite escorrendo pela boca.
Fodemos por horas intermináveis. Até a luz do dia invadir o
meu escritório, até a boceta dela inchar e meu pau arder.
E ainda assim não foi suficiente. Nunca é suficiente quando se
trata dela. Eu sempre quero mais. Sempre.
Nikolai foi bonzinho, a primeira noite em dias que ele não
acorda. Meu moleque é esperto até nisso.
Helena está deitada no meu peito, ofegante, tentando
encaixar a respiração. Tô na cadeira, ela em cima de mim, exausta
depois de cavalgar muito.
Beijei tanto essa mulher que a boca dela tá inchada. Chupei e
mordi cada pedaço do corpo, tudo marcado por mim. Dei tanta tapa
nessa bunda deliciosa que deve estar com o desenho certinho dos
meus dedos.
— Viktor… — ela sussurra, levantando a cabeça pra me olhar.
A cara dessa bruxa depois de ser fodida é de outro mundo.
Meu pau ainda pulsa dentro dela; ela estreita os olhos, meio zonza.
Dou de ombros. Não controlo isso.
— Posso te perguntar uma coisa? — fala baixinho. — Promete
ser sincero comigo?
— Pergunta.
Helena aproveita que eu tô calmo depois de tanto sexo.
— Quando você tiver filhos com a Irina… vai tratar o Nikolai
diferente? — a voz sai hesitante.
Estreito os olhos.
De onde ela tirou que eu vou ter filhos com a Irina?
Lembro que nunca desmenti o casamento.
— Claro que não, Helena. De onde você tirou isso? Nikolai é
meu filho, meu herdeiro, meu primogênito.
E é seu filho também.
Mas fico com essa parte engasgada na garganta.
— É porque… Nikolai vai ser um filho bastardo, né? — fala
baixinho. — Tenho medo de você rejeitar ele com o tempo.
Seguro o rosto dela entre as mãos, olho bem nos olhos, vejo
o pânico ali. Ela precisa acreditar no que eu vou dizer.
— Jamais faria isso com o nosso filho, bruxa.
Ela solta um sorriso pequeno.
— Você ama ele, Viktor?
A pergunta me pega desprevenido.
— Tô aprendendo — respondo. Ela pisca, confusa. — Não sei
direito o que é amar, Helena. Mas se amar for fazer qualquer coisa
por ele, então sim… eu amo.
Minha bruxa sorri tão bonito que dá uma pontada no peito.
Ela volta a deitar no meu tórax, ouvindo o meu coração bater rápido.
Passo os dedos pela espinha dela, numa carícia lenta.
Sei que Helena se aproximou querendo me dobrar, pra libertar
a amiga. Ouvi a conversa das duas no quarto. Mas a mulher que tá
aqui agora, nos meus braços, que fodeu comigo a madrugada
inteira, só quer saciar esse desejo insano que a gente tem.
Sorrio lembrando do meio do sexo, quando ela arregalou os
olhos e lembrou da camisinha:
— Viktor, a camisinha… — disse, assustada.
Franzi o cenho. Que porra de camisinha?
— Nem vem, que eu não vou engravidar de você de novo! —
fechou a cara.
— Não vou te foder com camisinha, Helena! — rosnei.
Já senti essa mulher inteira na pele, agora vem com essa
merda?
— É pegar ou largar — ela rebateu.
Arqueei a sobrancelha e empurrei meu pau de volta dentro
dela.
— Não, Viktor! — ela empurrou meu peito. — Não vai me
engravidar de novo.
A ideia de ver ela grávida acende alguma coisa em mim. Seria
bom pra caralho vê-la barriguda, carregando nosso filho. Não pude
ver isso com o Nikolai.
— Viktor! — ela grunhe, irritada.
Resmunguei, contrariado. Tudo que eu queria era fodê-la; por
isso cedi e fui pegar uma camisinha na gaveta.
— Ruim demais te foder com isso, bruxa — reclamei,
entrando outra vez.
— Concordo, mas é isso ou nada.
— E se eu gozar fora?
— Ainda tem risco, Viktor! Engravidei do Nikolai tomando
remédio. Tá, eu tomava errado, mas até pílula do dia seguinte eu
tomei.
Ignorei o sermão e enfiei o rosto no pescoço dela.
— Não vai engravidar. Vou gozar fora… vou te gozar todinha,
em cada pedaço desse corpo — rosnei, tirei o pau e a camisinha, e
meti de novo.
Ela gemeu alto.
— Se você me engravidar de novo, Viktor, eu te mato!
— Se você engravidar de novo, bruxa, eu vou ficar feliz pra
caralho.
E foi a maior verdade que falei naquela noite.
A ideia de ter um batalhão de filhos com ela me deixou…
feliz. Sim. Feliz.
Porra.
Quando foi a última vez que me senti assim?
Tô feliz agora?
Será que ser feliz é sentir esse calor estranho no peito?
Mais que merda.
Descobrir que a Helena me deixa feliz… é perturbador pra
caralho.
A cada passo que eu dou, parece que sinto o Viktor dentro de
mim.
Transamos feito dois loucos, de novo aquela loucura que nos
consumiu desde a primeira vez que nos encontramos.
Quando não é ele que invade o meu quarto no meio da noite,
me acordando com uma bela chupada, sou eu que vou até o
escritório dele atrás do prazer que só ele me dá.
Ainda o odeio? Com todas as minhas forças.
Mas o desejo por ele é da mesma intensidade.
Não conversamos sobre quase nada; no tempo que temos,
estamos transando. Nas raras vezes em que paramos, consegui
descobrir um pouco mais sobre o Viktor. Os pais morreram, e ele
não gosta de falar deles nem parece sentir saudade. Dmitri é
realmente meio-irmão, mas não rejeitado. Viktor fala dele com o
mesmo carinho com que fala do Mikhail.
Que, por sinal, sumiu.
Desde que Viktor mandou que ele deixasse minha amiga em
paz, passou a detestar o irmão.
A Anya está ótima! Vi ela esta semana. Está feliz, disse que
trabalha numa cafeteria, vai juntar dinheiro e quer viajar.
Fiquei tão feliz pela minha amiga, de verdade.
Ela falou que o pai ainda não quer saber dela, mas que está
bem com isso e em paz porque a mãe continua recebendo
tratamento.
Viktor cumpriu o que prometeu e, naquela noite, eu dei para
ele tão loucamente que, quase, vejamos bem, quase, deixei que ele
me comesse bem lá atrás.
Estava louca de desejo e agradecida.
Não transamos com camisinha, mas a ginecologista me
atendeu e estou tomando o remédio. Direitinho desta vez. Eu juro.
A Anya disse que queria viajar comigo, só nós duas, como
amigas, mas sabe que não tinha como. Eu ri, porque sabia que
Viktor jamais permitiria. Eu não vou à rua.
Agora comecei a ir ao jardim. Não que ele tenha me impedido
antes, mas eu não me sentia à vontade para andar pela casa. Sei lá,
estava em território inimigo.
E ainda estou.
Mas agora sei bem onde estou pisando.
Irina é uma chata: não pode me ver que vem com aquele
sorrisinho debochado. Aquela sonsa que me cumprimentou da
primeira vez ficou corajosa desde aquela noite.
E eu faço questão de debochar dela também.
Ridículo da minha parte zombar dela, sendo que a errada por
ser amante sou eu? Ridículo, com certeza.
Nunca cheguei a um nível tão baixo, mas aquela mulher me
tira do sério.
Viktor contratou uma senhora para me ajudar a cuidar do
Nikolai durante o dia, embora eu tenha dito que não precisava,
porque não faço mais nada além disso. Mas ele insistiu que seria
bom e eu aceitei. Faz uma semana que ela vem; a senhora Zhenya é
um amor de pessoa e eu adoro o sotaque forte dela, bem mais
carregado que o do Viktor.
Estou subindo do jardim, vim tomar um ar enquanto a Zhenya
ficou com o Nikolai, quando vejo a Irina saindo do escritório do
Viktor.
O que a vaca tava fazendo lá?
Ela é a futura esposa dele, Helena! minha cabeça lembra, em
tom de cobrança.
Mas foda-se.
Caminho com passos pesados até ela. Assim que me vê, Irina
abre um sorriso e ajeita a blusa com a mão, olhando pra mim com
aquela cara de quem já venceu.
— Você não larga o osso, hein, Helena? Já veio abrir as
pernas para o meu noivo.
Reviro os olhos. Ela sabe que transamos, porque eu faço
questão de gritar para a casa inteira ouvir que ele está me fodendo.
Não que eu queira que a casa inteira ouça, eu quero que ela
escute.
Já disse que me tornei baixa demais nas atitudes? Pois é.
— E você, o que estava fazendo? — pergunto, seca, sabendo
bem que não é da minha conta.
— O que você acha? — ela abre um sorriso enorme, limpa o
canto da boca com o dedo, e o gesto é tão calculado que me dá
nojo.
— Mentirosa — acuso, meu corpo já tremendo. — Viktor não
teria tanta disposição.
Mesmo sem querer, caio no joguinho daquela cadela raivosa.
Irina ri.
— Helena, Helena... oh, dó eu tenho de você. Acha que o
Viktor só transa com você? — Ri debochada. — Eu só não faço tanto
escândalo quanto você. Não preciso que você saiba o que faço com
o meu noivo.
Cada vez que ela diz “noivo” perto de mim, meu sangue
ferve.
Viktor não transaria com ela.
Como não, Helena? Sua idiota! Ela é a noiva dele! A outra é
você!
A raiva me consome, meu corpo treme e viro as costas pra
sair dali. Quando foi que eu me permiti entrar em tamanha
humilhação?
— Prepare-se para arrumar suas coisas e as do seu
bastardinho para sair desta casa, Helena.
Travo. Me viro devagar, estreitando os olhos como quem tenta
contar até dez e não consegue.
— O que foi que você disse? — minha voz sai baixa; o
coração batendo forte nas têmporas.
— Que você vai embora desta casa mais cedo ou mais tarde.
— Você falou do meu filho? — dou um passo largo na direção
dela, sem medo de encostar.
— Ah, para, Helena. Vai dizer que está nervosa porque
chamei seu filhinho de bastardo? Ou vai assumir que está assim
porque se corrói ao saber que Viktor me fode tanto quanto te fode.
— Ele não te fode, porra! — quando dou por mim já estou
berrando.
— Pensou que eu era a enganada, né, querida? Quando a
enganada sempre foi você — ri, e isso me corta. — Ele me fode,
Helena. Ele me fode tão gostoso que me deixa quente. Ele me bate
tanto que eu fico marcada. Ele te bate também?
— Cala a boca, sua puta! — cuspo, ardendo por dentro.
— A única puta aqui é você, que fica dando para homem
comprometido!
Perco a cabeça e faço algo que nunca imaginei que faria na
vida: brigar por homem. Avanço em Irina e dou um tapa forte na
cara dela. Nem dou tempo dela reagir; estou tão furiosa que agarro
os cabelos dela e a gente se enrosca.
Começamos a nos estapear no meio do corredor, ela gritando
igual uma cadela nojenta, os cabelos voando, as unhas tentando me
arranhar.
— Que porra tá acontecendo aqui?! — a voz de Viktor rasga o
ar como um trovão, furiosa, enchendo o corredor. O som faz o chão
parecer vibrar, mas eu não tô nem aí.
— Viktor! Me ajuda! — Irina grita, a voz fina, desesperada,
mas eu continuo batendo nela, puxando aqueles cabelos sebosos
com toda força, o ódio latejando no sangue.
— Que merda é essa, Helena?! — Viktor surge do nada, e
antes que eu consiga reagir, ele agarra Irina pelo braço e a arranca
do meu alcance.
Cambaleio pra trás, o peito subindo e descendo rápido. O
cabelo cai sobre o rosto, grudado de suor. Ela também tropeça, mas,
diferente de mim, tá com o rosto em chamas, a marca dos meus
dedos cravada ali.
Encaro Viktor. O olhar dele é frio. Ele parece pronto pra me
engolir viva.
— Que porra é essa, Helena?!
— Que porra é essa, Viktor? — rebato, arfando. — Pergunta
isso pra sua noiva... essa cadela!
Irina soluça, chorosa, ajeitando a roupa rasgada.
— Viktor, eu...
— Cala a boca. — Ele nem olha pra ela. Só fala, e ela fica em
silêncio.
— Isso! Cala a boca, sua vadia! — repito, com um sorriso
torto, saboreando o momento.
— Helena! — ele me corta, o maxilar travado.
— Helena, nada! — grito, fora de mim. — Você comeu ela,
Viktor? — Os olhos dele se arregalam, e eu avanço um passo, o
dedo em riste. — Responde! Você transou com ela? Você fode ela do
mesmo jeito que fode comigo?!
A cada palavra, o ar fica mais denso. Ele não responde, só me
encara, o rosto endurecendo, a veia no pescoço pulsando.
— Você bebeu? — pergunta enfim, a voz mais baixa, mas
ainda mais ameaçadora. Os olhos estreitados.
— Viktor, ela tá transtornada... — a cadela tenta se aproveitar,
a voz melosa, falsa.
— Você não viu nada, sua sonsa! — berro e avanço de novo,
mas Viktor me segura com força, me ergue como se eu fosse nada.
Eu esperneio, bato no peito dele, mas é inútil, é como bater numa
parede.
— Sai daqui, Irina! — ele ruge, sem tirar os olhos de mim.
Ela corre, tropeçando nos saltos.
Viktor me carrega no colo até o escritório. O corpo dele é
quente, o perfume misturado com raiva. Eu me debato, esmurrando
seu peito.
— Me solta! — grito, mas ele ignora, trancando a porta com
um estalo seco.
— Se acalma, Helena! — ordena, me colocando no chão.
— Me acalmar? — rio, sarcástica, o rosto molhado de suor e
raiva. — Eu não quero me acalmar, Viktor! Eu tô cansada de ser a
boazinha, a que cala a boca e aceita tudo! Você tá me fodendo e
fodendo a Irina também? Não era mais fácil chamar pra uma suruba,
caralho?!
Ele prende a respiração, os lábios se curvam de leve, o filho
da puta tá segurando o riso.
— Esquece essa merda de suruba — acrescento,
extremamente irritada. — Eu não participo desse tipo de nojeira.
Respiro fundo e dou meia-volta, pronta pra sair dali. Chega de
humilhação por hoje.
— Helena. — A voz dele me faz parar.
Viro devagar. Ele tá encostado na mesa, os olhos fixos em
mim, brincando com o isqueiro dourado entre os dedos.
— Helena o quê, Viktor? — cuspo, com o coração disparado.
— Vai dizer que eu tenho uma dívida com você, e por isso tenho que
aceitar ser a amante? Ficar quieta enquanto você fode duas
mulheres dentro da sua casa? Ah, me desculpa, Rei. Eu esqueço o
quão poderoso você é. Que pode tudo... até brincar comigo! — grito,
a voz falhando no fim, mas não desvio o olhar.
O silêncio que vem depois é pesado. Ele me encara como um
predador prestes a atacar, e por um instante acho que ele vai me
beijar ou me matar, talvez os dois.
Meu Deus... eu tô cansada. Esgotada.
Queria o colo do meu pai. Queria chorar e ouvir ele dizer que
vai ficar tudo bem.
Mas não vai.
Porque dói.
Dói imaginar Viktor e Irina juntos.
Eu devia ligar o foda-se e deixar ele enfiar esse pau dele onde
quisesse.
Menos em mim.
De onde a Helena tirou essa porra de ideia de suruba?
E por que ela tava se engalfinhando com a Irina, gritando que
queria saber se eu fodi aquela mulher?
Porra... é óbvio que não.
Quem em sã consciência comeria outra mulher tendo ela? Só
se eu tivesse perdido o juízo.
Já tenho problemas demais. Mikhail fez birra e sumiu. Dmitri
tá me ajudando a encontrar o filho da puta. Tive problema com os
carregamentos dos japoneses, e algo me diz que tem gente
tentando me sabotar.
Só preciso de um nome pra mandar direto pro inferno.
E, no meio disso tudo, ainda tenho que aturar briguinha
dentro da minha casa?
— Eu tô cheio de problema e sem paciência. Então me diz
logo que porra tava acontecendo lá fora?
Helena engole em seco. Os ombros tensos, o olhar vacilando.
Vejo as lágrimas subirem nos olhos dela, e porra... meu peito aperta.
— Não vou falar nada! Quero que você se foda, que ela se
foda, que vocês se fodam juntos! — ela berra, o rosto vermelho, o
corpo tremendo da cabeça aos pés.
Fecho os olhos por um segundo, respiro fundo, tentando não
perder a cabeça.
— Consegue parar de gritar pra gente conversar? — solto,
sem paciência. Nem eu acredito no que tô dizendo. — De onde você
tirou essa história de suruba, Helena? — pergunto, prendendo o riso
que quer escapar. — E de onde veio essa ideia idiota de que eu tô
fodendo a Irina?
— Eu vi ela saindo daqui, toda sorridente, ajeitando a roupa...
e a suruba, sei lá, falei porque tava nervosa! — ela dispara,
ofegante. — Eu não vou participar disso!
Solto o isqueiro sobre a mesa e passo a mão no rosto,
tentando conter o riso.
Só essa bruxa pra soltar uma dessas.
— Não vai ter suruba entre nós, Helena. Nunca. — Olho
direto pra ela. — Eu não divido o que é meu com ninguém.
— Ela é sua, Viktor? — a voz dela sai trêmula, quase num
sussurro.
Desencosto da mesa e caminho devagar até ela. Helena não
se move, os olhos grandes e azuis me encaram.
— Tô falando de você, Helena. Quantas vezes preciso repetir
que você é minha? — ela tenta baixar a cabeça, mas seguro o
queixo dela com firmeza, fazendo-a me encarar de novo. — Não sei
de onde tirou que eu tô com a Irina, mas não é verdade. Não toco
em ninguém além de você desde que entrou na minha vida.
Ela pisca, confusa, abrindo e fechando a boca, sem saber o
que dizer.
— Mas... mas... ela vai ser sua esposa.
Balanço a cabeça devagar, cansado. Já torturei essa mulher
demais com isso.
— Não vou me casar com ela, Helena. Inclusive, ela tava aqui
pra falarmos sobre o casamento dela com outro homem.
— O quê? — pisca, atordoada. — Espera... vocês não vão se
casar mesmo?
— Não vamos.
— Filha da puta! — ela solta uma risada nervosa, os olhos
marejados. — Filho da puta você também! — me xinga, apontando o
dedo. — Me deixou acreditar que ia se casar com ela!
— Achei que me odiasse o bastante pra não sentir ciúmes.
— E eu não sinto! — rebate rápido, mas engole seco em
seguida, se traindo.
— Não foi o que pareceu naquela briga.
— Espera — Ela passa as mãos pelos cabelos, bagunçando
tudo. — Se não vai se casar com aquela cadela, o que ela faz
morando aqui?
— É só até ela se casar. Ela perdeu o pai no dia que fui atrás
de você e cancelei o casamento. Ficou sozinha, e eu fiquei
responsável por arrumar outro marido pra ela. Enquanto isso, mora
aqui.
Helena dá uma risada debochada, balançando a cabeça.
— Ah, que engraçado! Você é bonzinho com todo mundo, né?
Menos comigo!
— Bruxa, eu não sou bonzinho com ninguém. E acredita em
mim: você é a única que já teve o melhor de mim.
— Ah, se esse é o melhor, eu nem quero ver o pior!
— E não queira mesmo. — Dou um passo à frente, o olhar
fixo nela.
Ela paralisa, mas não recua. O peito sobe e desce rápido, o
queixo erguido. Essa mulher me tira do eixo, me destrói e, mesmo
assim, ver ela desse jeito, raivosa, ciumenta, me enfrentando, me
deixa com um tesão do caralho.
— Nada disso — ela levanta a mão, me parando. — Se quiser
tocar em mim de novo, Viktor, vai ter que colocar aquela cadela pra
fora. Vai ser eu ou ela. Escolhe.
Fico em silêncio, observando.
Ela não sabe o que faz comigo quando me enfrenta assim.
Esse fogo, essa coragem... me acende. Tesão puro.
— Espero que esse seu silêncio não seja porque tá
escolhendo ela — provoca, com o canto da boca arqueado.
— O que te faz pensar que eu escolheria ela, se o que eu
quero tá bem aqui na minha frente? — aponto sem cerimônia pra
boceta dela.
Helena revira os olhos, mas deixa um sorriso escapar.
— Você é muito sujo, Viktor. Só pensa em sexo.
— E você não?
— Não.
— E pensa em quê, então, bruxa? — dou mais um passo,
quase colando meu corpo no dela.
Será que algum dia eu vou me cansar dessa mulher?
— Nada que seja relevante no momento. — Cruza os braços,
tentando manter a pose. — Mas então, vai lá colocar ela pra fora.
— Agora? — seguro o sorriso, arqueando a sobrancelha. —
Preciso arrumar um lugar pra garota ficar primeiro.
— Tão bonzinho — debocha, rindo de leve. — Eu não quero
mais ver a cara dela, Viktor. Então sim, agora. Coloca ela pra fora.
— E o que te faz pensar que tem tamanho controle sobre
mim pra mandar assim?
— O volume na sua calça. — Abre um sorriso de canto,
provocante. — E então, vai colocar ela pra fora?
Helena me desarma e o pior é que ela sabe. A safada tem
razão, meu desejo por ela me deixa mole, me faz ceder.
— Vou. — respondo, por fim.
— Ótimo! — ela sorri, vitoriosa, e se vira pra sair.
— Onde pensa que vai? — pergunto, ajeitando a calça,
tentando aliviar o aperto que ela mesma causou.
Porra... tô cedendo aos caprichos dela. O mínimo que podia
fazer era me deixar fodê-la.
— Vou ver o Nikolai, Viktor.
— Olha como eu tô, bruxa. — Puxo sua cintura, trazendo o
corpo dela contra o meu. — Deixa ele mais um pouco com a velha e
vem aproveitar.
Ela revira os olhos, mas eu sinto a respiração dela falhar.
— Ela tem nome, sabia? — rebate, tentando se soltar.
Dou de ombros, impassível.
— Não me importo.
— Não quero transar agora. Tô assada e preciso de um
banho.
— E se tomarmos banho juntos? — insisto, o olhar cravado
nela. Porra, tô me corroendo de tesão.
— Agora não, Viktor. — Ela ri. — Você não tem nada pra me
propor além de sexo?
Arqueio uma sobrancelha, o cenho franzido. O que ela quer
dizer com isso?
— Como assim?
— Sei lá... tô cansada de ficar presa nessa casa. Já que não
posso sair sem você, por que não me leva pra algum lugar?
— Um encontro? — pergunto, abrindo um sorriso debochado.
E eu lá sou homem de encontros, porra?
— Não, Viktor. Eu sei que você não tem esse tipo de
cavalheirismo. — Ela suspira, o tom entre ironia e frustração. — Mas
sei lá, podia ser um jantar... ou me levar ao centro da cidade pra
comprar umas coisinhas pro Nikolai.
— O moleque tem de tudo, Helena. Tem até moto elétrica
que não vai usar tão cedo.
Ela revira os olhos, bufando.
— Tá bom, Viktor. — Diz, cansada. — Agora me solta, vou
ficar com o Nikolai.
Eu a solto, mas antes que ela chegue na porta, uma ideia
atravessa minha cabeça. E, sinceramente, duvido que esteja saindo
da minha boca.
— Tenho uma reunião com o presidente da Espanha. Quer ir
comigo nessa viagem?
Helena para no meio do caminho. Vira devagar, os olhos
semicerrados, a expressão desconfiada.
— Vai matá-lo também?
— Não. Eu disse reunião, não assassinato. — Explico, o tom
impaciente.
— Você tá falando sério?
— Não vou matá-lo, porra. — Falo ríspido, cruzando os
braços.
— Não, Viktor... tá falando sério que vai me levar com você?
— Eu tenho cara de quem brinca, bruxa?
Ela ri, balançando a cabeça em negação, os olhos brilhando.
— Mas só vou se o Nikolai for junto.
Assinto sem pensar.
— Meu Deus, Viktor! — Ela solta um gritinho animado, dá
pulinhos de alegria e corre até mim, se pendurando no meu
pescoço.
Me enche de beijos, rindo feito criança.
Fico imóvel por um instante, surpreso com a reação dela.
E, por mais que eu odeie admitir, gosto de vê-la assim, feliz.
— Eu nunca mais voltei pra minha casa, Viktor. — Diz, ainda
sorrindo, o olhar marejado de emoção. — Tô tão feliz!
— A sua casa é aqui, Helena. — A corrijo, sério.
Ela sorri, balança a cabeça devagar.
— Você entendeu o que eu quis dizer. — Suspira,
emocionada. — Não tô acreditando! Vou poder ir na casa dos meus
pais? Tem umas coisas lá que eu queria pegar, umas lembranças.
— Pode.
— Hum... tão bonzinho. — Sorri de canto e desliza a mão
pelo meu peito, por cima da camisa, os dedos brincando com o
tecido. — O que vem agora? Um Viktor romântico? Vai me pedir em
casamento também? — gargalha.
Mas eu não rio.
— Nós vamos nos casar. — Informo, sério, a voz seca.
O riso dela morre na hora. Ela dá um passo pra trás, o sorriso
some, o olhar se perde em mim.
— O que você disse?
— Que vamos nos casar em breve. — Repito, sem desviar o
olhar.
Helena arregala os olhos e engole em seco. A respiração
falhando quando percebe que não tô brincando.
Ela sabe, eu nunca brinco.
— Esse é o seu jeito carinhoso de pedir em casamento,
Viktor? — tenta ironizar, mas a voz falha.
— Eu não tô pedindo, Helena. Tô te informando que vamos
nos casar em breve.
Ela bufa alto, irritada, jogando as mãos pro alto.
— Ah, Viktor, eu desisto! — reclama, rindo de nervoso. —
Você não vai tirar minha paz agora. Não depois de eu estar feliz
porque vou poder voltar pra casa. — Abre a porta e me encara por
um segundo. — Tchau!
A bruxa sai batendo a porta.
E eu, feito um idiota, percebo que tô sorrindo.
Fecho a expressão na hora, voltando ao normal.
Por que porra eu tô sorrindo?
Helena acabou de me arrumar outra dor de cabeça, agora
preciso encontrar um lugar pra Irina até o mês que vem, antes do
casamento dela.
Mas, mesmo com essa mulher me tirando do sério desde o
dia em que apareceu, eu me sinto bem vendo ela feliz.
Estou na Espanha.
Sim… eu estou na Espanha!
O vento toca meu rosto e o ar tem o mesmo cheiro que eu
lembrava. Fecho os olhos por um instante e deixo que a brisa me
envolva. Meu coração dispara e uma vontade louca de gritar toma
conta de mim.
Quero pular, rir, chorar… tudo ao mesmo tempo.
Depois de tantos anos, depois de tanto medo, de tanta fuga,
eu finalmente voltei.
Viemos no jato particular de Viktor. Eu, ele, Nikolai e a
senhora Zhenya, que veio junto pra cuidar do bebê. Viktor disse que
teria um jantar importante e precisava de alguém de confiança pra
ficar com o pequeno.
Olho pro lado e sorrio ao ver Viktor carregando nosso filho
com tanto cuidado no colo. Ele está impecável, terno preto, óculos
escuros, o rosto impassível. De longe, parece um homem de
negócios respeitável. Negócios limpos, não o tipo de negócio sujo
que ele realmente tem.
Irina deu adeus àquela casa, e eu assisti tudo de camarote.
Sim, fiz questão de ver ela indo embora de cabeça baixa.
Não sou santa. Nunca disse que era. Mas ao lado de Viktor,
me tornei alguém muito pior do que imaginei ser capaz.
E, caralho, isso me assusta.
Mas não sou tão ruim assim.
Eu poderia ter contado a ele que Irina ofendeu nosso filho, o
chamou de bastardo, e tenho certeza de que o fim dela seria bem
pior do que apenas ser expulsa daquela casa, mas não contei.
Deus me livre ser a causa de um assassinato.
Durante o trajeto de carro até o hotel, não consegui
desgrudar os olhos da janela. O peito apertava, o coração batia
rápido, como senti falta daqui.
Quando o carro para, meu coração erra uma batida.
O hotel.
O mesmo hotel onde trabalhei.
O mesmo lugar onde presenciei aquele crime, o dia que
mudou tudo.
— Viktor... — murmuro, meus olhos arregalados.
— Vamos, Helena. — É tudo o que ele diz, descendo do carro
com Nikolai no colo.
Os seguranças já estão posicionados, atentos.
— Tudo bem, Helena? — pergunta Zhenya, percebendo meu
espanto.
Pisco algumas vezes, tentando disfarçar o nervosismo, e só
balanço a cabeça em afirmação.
Descemos e seguimos até a suíte principal, minhas pernas
não pararam de tremer.
Zhenya vai ficar num andar abaixo do nosso, o que achei
desnecessário, já que aqui tem dois quartos, mas Viktor quis assim.
Ando de um lado pro outro na sala, inquieta, enquanto ele dá
mamadeira e coloca Nikolai pra dormir.
— Não começa, Helena — Resmunga assim que entra. Vai
direto pro bar, serve uísque e toma metade num gole só. — Nem
tudo é sobre você.
— Por que viemos justamente pra cá? — pergunto, cruzando
os braços.
— Eu gosto desse hotel. Você não? — Ele arqueia a
sobrancelha, levando o copo à boca de novo. — Estamos seguros
aqui, Helena. É por isso que estamos aqui.
— Esse hotel é seu?
— Não. — Dá um meio sorriso. — Mas o dono me deve
favores pro resto da vida. Então, sim, estamos seguros aqui.
Respiro fundo, tentando relaxar os ombros.
Claro que ele teria controle até sobre esse lugar. Foi assim
que conseguiram sumir com um corpo sem que ninguém soubesse.
— Não se sente bem aqui? — quer saber, se aproximando
devagar.
— É estranho. — Confesso. — Não gosto de lembrar daquela
noite. Tive pesadelos com ela por três anos seguidos.
— E os pesadelos passaram? — Coloca o copo sobre a mesa,
o olhar preso em mim.
Assinto.
— Sabe por quê? — ele dá mais um passo.
— Por quê? — minha voz sai fraca.
— Porque você se acostumou com a escuridão, Helena. —
Diz, com um meio sorriso satisfeito. — Ela não te assusta mais.
Bem-vinda ao meu mundo, bruxa.
O sorriso dele é o de um homem que gosta do poder que tem
e do medo que causa.
— Não sou igual a vocês. — murmuro, o coração disparado.
— Eu não disse que era.
— Mas tá insinuando.
Ele ri baixo.
— Sou um homem que faz insinuações, bruxa? — Chega mais
perto. O cheiro do uísque se misturando ao perfume dele. — Você
nunca seria igual a nós.
— Ah, é? — ergo o queixo, desafiando.
— Você não nasceu corrompida, Helena. — Sua voz é suave,
quase um sussurro. — Mas foi corrompida por mim e isso te torna
melhor.
Engulo seco, o coração parece bater na garganta e na minha
cabeça, passa um filme de tudo o que vivi desde que ele entrou na
minha vida. Tudo o que jurei nunca fazer. E agora sinto a estranha
sensação de que a escuridão dele me alcançou.
— Eu não sou uma pessoa ruim. — Sussurro, sem conseguir
encará-lo.
Viktor sorri.
— Você me deu um tiro, bruxa, tentou me matar. Isso te
parece coisa de uma pessoa boa?
— Eu só estava defendendo meu filho.
— Nosso filho. — Corrige, segurando minha cintura e me
puxando pra perto. Nossos corpos se chocam e minha respiração
falha. — Me diz, bruxa… o que sentiu ao voltar pra cá? Sentiu falta
da vida de antes?
— É claro que sinto falta da minha vida de antes, Viktor. Sinto
falta de ser livre.
Ele sustenta meu olhar por um longo instante.
— E se eu te soltasse agora, dissesse que está livre? — fala
calmo, o tom quase um desafio. — Ficaria pra morar aqui ou entraria
naquele avião comigo e voltaria pra Rússia, entendendo que lá é o
seu verdadeiro lar?
Fico muda e sinto minhas mãos suarem.
Eu ficaria aqui? Ou iria pra Rússia?
Deveria responder que aqui é o meu lar, que foi onde nasci,
cresci, vivi até o inferno começar.
Mas por que sinto que aqui já não é mais casa?
Por que só de pensar em não voltar pro frio da Rússia, me
incomoda?
Eu não gosto de lá, nunca gostei. Ou aprendi a gostar?
— Não precisa me responder agora, bruxa. — Viktor se
afasta, satisfeito em me ver confusa. O sorriso dele é o de quem
sempre vence. — Vem comigo. Quero te dar algo.
Sigo ele até o quarto e paro ao ver que sobre a cama há uma
caixa enorme, preta, envolta por uma fita de cetim dourada, com o
nome de uma marca que eu só via em revistas.
— Pode abrir. É pra você.
Viro o rosto devagar. Ele está encostado na parede, mãos nos
bolsos do terno e a mesma expressão fria de sempre, que por mais
irônico que possa parecer, o torna ainda mais bonito.
— O que é isso?
— Um vestido. Você vai precisar dele pro jantar.
Me aproximo da cama e desfaço o laço, quando levanto a
tampa, deixo escapar um “uau” involuntário.
Dentro da caixa, o vestido parece brilhar sozinho. O tecido, de
um vinho profundo, quase negro sob a luz do quarto, é perfeito.
É
— É lindo, Viktor. — murmuro, sorrindo.
Nunca usei nada parecido. Nunca fui a um jantar como o que
ele planeja.
Olho pro vestido, depois pra ele.
— Viktor, eu vou a esse jantar com isso aqui no pescoço? —
puxo o cordão pra fora da blusa.
Vai ficar visível com aquele decote e as alcinhas finas.
Que vergonha!
— Não gosta do cordão? — pergunta, com um meio sorriso
provocante. — Fica lindo em você.
— Viktor! — reviro os olhos, bufando.
Ele se descola da parede e caminha até a mesinha no canto
do quarto, pega uma pequena caixinha preta que eu nem tinha
notado e se aproxima de mim.
Abre o estojo, dentro dele um colar de diamantes finos, com
uma pedra rubi no centro, da cor exata do vestido.
— Isso vai combinar melhor com o vestido.
— Viktor... você vai mesmo tirar esse colar? — Toco o que
está no meu pescoço.
— É a sua chance de me mostrar que posso confiar em você,
bruxa. Não estrague as coisas.
Meu coração acelera.
Ele vem por trás de mim, afasta os fios do meu cabelo com
um toque leve e solta o fecho da gargantilha com uma facilidade
que me espanta.
Quantas vezes tentei arrancar isso e nunca consegui?
Viktor coloca o novo colar em mim e me vira, colocando-me
de frente para ele.
— Perfeita. — murmura, os lábios quase roçando nos meus.
Ele me puxa pela cintura e, antes que eu perceba, já estou na
ponta dos pés, agarrando o paletó dele com força.
Nossos lábios se encontram num beijo urgente, os dedos dele
sobem pra minha nuca, se enredam no meu cabelo e puxam de
leve, fazendo meu corpo se arquear contra o dele.
Como se o destino tivesse prazer em nos interromper, o choro
de Nikolai invade o quarto.
Viktor solta um suspiro irritado e fecha os olhos, frustrado. Eu
rio, sem conseguir evitar.
— Tem dias que esse moleque parece sentir quando você
chega perto de mim. — Resmunga. — Pode deixar que eu vou. —
Fala, se afastando e indo até a porta. — Descanse, quero você
pronta pra mais tarde.
Assim que ele sai, corro pro espelho. Minha mão vai direto
pro pescoço, livre, leve, sem a gargantilha que me prendia.
Sorrio feito boba.
Ele tirou aquilo de mim.
Viktor confiou em mim.
— Mikhail conseguiu me irritar com essa palhaçada de sumiço
— bufo, aceitando o copo que o Dmitri estende.
— Imaginei que ele gostasse da garota, mas, porra, não
pensei que fosse tanto assim. — Dmitri senta-se à minha frente.
Ele também veio pra Espanha e vai ao jantar de hoje,
acompanhado da noiva, a filha daquele político safado que agora
nos serve. Mais um pra nossa enorme lista.
— Isso é birra dele porque eu o obriguei a largar a garota.
Você sabe como o Mikhail sempre foi pirracento, sempre quis tudo
do jeito dele.
Dmitri ri, lembrando dos tempos de moleque.
— Vamos dar um tempo, logo ele volta.
— Porra, Dmitri, já passou tempo demais. Preciso que o
Mikhail volte pra resolver as coisas. Assim que voltarmos pra Rússia,
mando meus homens caçarem ele e trazê-lo, amarrado se for
preciso. Quando esse filho da puta voltar, vai estar frito, o trabalho
desses dias acumulou. O que o Mikhail pensa? Que tá de férias?
— Fico imaginando quantas vidas estão atrasadas pra serem
mandadas pro inferno — ele ri, recostando-se na poltrona.
Dou um sorriso curto e balanço a cabeça.
Vou dar um soco na cara do Mikhail quando o encontrar. Ele
conhece os compromissos, sabe que não pode sumir sem deixar
rastros, que tem obrigações e mesmo assim ficou putinho por ter
que largar aquela garota.
Mikhail nunca se importou com ninguém além dele. Isso me
faz crer que ele realmente tá apaixonado por ela.
— Viktor, ouviu o que eu perguntei? — Dmitri chama minha
atenção. Balanço a cabeça em negativo e ele repete a pergunta. —
Como está o Nikolai?
— Bem, crescendo rápido. — Sorrio ao pensar no meu
moleque saudável. — Deixei ele com a babá; a Helena está
descansando.
— E quando é o casamento? — Pergunta, com um sorriso
debochado no rosto.
— Ainda não sei, mas pelo menos me livrei de arrumar uma
madrinha pra você. — Ele arqueia a sobrancelha, fingindo dúvida. —
Sua noiva vai ser madrinha, não é óbvio?
— Não fode, Viktor! — Dmitri resmunga. — Eu não vou levar
essa garota por aí. Sabe muito bem que ela só tá aqui pra eu sair
com ela em algumas manchetes, senão ninguém vai acreditar nesse
amor repentino. — Faz uma careta.
— Acho que nem se você aparecesse em mil manchetes com
essa garota, alguém acreditaria. — Dou de ombros.
Dmitri bufa e se afunda no sofá.
— Ela é muito chata, Viktor. Juro, não sei como vou conviver
com essa mulher depois do casamento. Nas primeiras vezes que a
vi, pensei: vou me esforçar. A garota é bonita; poderíamos transar
de vez em quando e cada um viver sua vida numa boa, claro, sem
deixar a mídia descobrir essa merda. Mas, porra, nem foder com
essa mulher eu tenho vontade.
Solto uma risada curta da voz desesperada dele.
— Tá rindo? Porra, cara, você sabe que eu me importo com
poucas coisas, dinheiro entrando no bolso e poder nas minhas mãos.
Foda-se o resto. Mas não tem jeito, a garota é insuportável até o
último fio. Só fala de roupa, sapato e viagens.
— Ela vai se tornar sua esposa, tenha paciência, ela é jovem.
Ele franze o cenho e eu rio de novo.
— O rei da paciência falando, né? E ela não é tão jovem. Vou
mandar ela pra todas as viagens que quiser, pelo menos assim não
vai me encher o saco.
— Achei que você tinha dito que ela era mais nova.
— Não, ela é a irmã mais velha. Eles têm outra filha, parece
que acabou de fazer dezoito anos, mas eu nunca vi essa menina,
nunca sequer vi uma foto dela de família.
— E onde está essa irmã? — pergunto, só por curiosidade.
— Sei lá. Deve ter algum problema, por isso o desgraçado
nunca apareceu com ela. Lembro vagamente que comentou que a
menina morava com a avó em outro estado.
Conversa vai, conversa vem, e antes de eu ir embora, Dmitri
reforça:
— Lembra que esse jantar é fachada pra reunião que vamos
ter, tenta não ficar com essa cara de mau o tempo todo e finge que
tá a fim de estar lá. Ah, e não saia matando ninguém.
Reviro os olhos. Não entendo por que, porra, tudo com esses
políticos tem que ser assim: montar um circo pra fechar negócio.
Espero por Helena na sala.
Em menos de vinte minutos já estou pronto, terno alinhado,
relógio no pulso e uísque na mão.
Mulheres demoram mais para se arrumarem.
O som dos saltos dela vindo pelo corredor chama a minha
atenção.
Porra.
Quase me esqueço como respirar.
O vestido vinho abraça cada curva, as alças finas deixam os
ombros à mostra e o decote realça o colo de um jeito que faz o
sangue ferver.
Os cabelos soltos caem em ondas e o perfume dela invade o
ar, inconfundível.
Desde que ela virou mãe, ganhou algo que eu não sei
explicar. Um ar mais maduro, mais confiante, que me deixa
completamente louco.
O corpo dela está diferente: mais cheio, mais curvado, mais
gostoso.
Fico ali, parado, com o copo de uísque na mão, o peito
batendo num ritmo que eu odeio admitir.
Ela vem na minha direção e para bem diante de mim com
aquele sorriso leve e os olhos azuis brilhando.
— Está me olhando assim por quê? — pergunta, em tom
brincalhão.
Dou um passo à frente, o olhar cravado nela.
— Porque acabei de ver a mulher mais linda do mundo.
Ela arregala os olhos e solta uma risadinha descrente.
— Hum, então Viktor Dragunov sabe ser galante? — provoca.
— Mas não precisa exagerar.
Seguro o queixo dela com dois dedos, fazendo-a me encarar.
— Você é perfeita, bruxa. Perfeita pra mim. Quando eu digo
que você é a mulher mais linda do mundo, acredita. — Meu olhar
percorre o rosto, o pescoço, o decote e o desejo me consome.
Os olhos dela brilham e o rubor sobe nas bochechas. A ponta
dos meus dedos toca o colar e desliza devagar pelo tecido do
vestido.
— Eu devia cancelar esse jantar. — Murmuro perto do ouvido
dela. — Porque agora só quero te tirar desse vestido.
Ela engole em seco, os lábios entreabertos, tentando se
controlar.
— Viktor, esse jantar é importante, não é? — recua um passo.
Vejo o peito dela subir e descer rápido e o olhar tenta fugir do
meu
Ela me deseja tanto quanto eu a desejo.
Porra.
Essa mulher vai me deixar louco.
Chegamos na festa e Helena fica encantada com tudo: a
decoração luxuosa, as pessoas elegantes... Mal sabe ela que metade
desses vagabundos de terno está na minha folha de pagamento e a
outra metade vai entrar hoje.
Caminhamos com a minha mão na cintura dela, seguro-a de
forma possessiva. Detesto qualquer olhar dirigido a ela, mesmo que
seja discreto.
Vamos ao bar, pergunto o que ela quer beber e peço um
uísque puro pra mim.
Helena observa o salão, sorrindo, e eu a observo. Quando ela
se inclina de leve sobre o balcão, o vestido acompanha o movimento
e… porra.
Desvio o olhar por um segundo só pra respirar, senão o zíper
da calça não aguenta. Não consigo parar de imaginar como vai ser
arrancar esse vestido dela.
Minha atenção vai pra outra coisa quando sinto um olhar fixo
vindo do outro lado do bar. Um homem nos encara
— Quem é aquele homem? — pergunto, baixo, só pra ela
ouvir.
Helena franze o cenho, confusa.
— Que homem?
Inclino o queixo na direção dele.
— Aquele. O que não para de olhar pra você.
Ela segue meu olhar, cruza com o dele e volta a me encarar.
— Não faço ideia de quem seja.
O homem, não satisfeito em olhar de longe, começa a vir na
nossa direção. Vejo o exato momento em que Helena empina a
coluna, a mão treme segurando o drink.
— Helena? — o desgraçado chama, com um sorriso que acha
que tem direito.
Fecho os olhos e conto até dez pra me controlar.
Ele sabe o nome dela.
ELE SABE A PORRA DO NOME DA MINHA MULHER!
— Eu? — a voz dela sai hesitante.
— Não lembra de mim? — o imbecil ri. — Diego!
O corpo dela enrijece.
— Nossa, como você mudou — diz num fio de voz.
— E você tá mais bonita que antes — ele responde e já tenta
se aproximar, esticando o braço pra abraçá-la.
Eu avanço.
Helena tenta segurar meu braço, mas já é tarde. Estou com a
cara quase colada na do desgraçado, pronto pra dar uma cabeçada
e estourar sua testa.
— Não toca nela — rujo.
— Viktor, por favor — Helena solta o drink e tenta me deter.
— Ei, calma aí, cara — o inútil recua um passo, forçando um
sorriso nervoso. — Eu não vi nenhuma aliança no dedo dela, pensei
que ela estivesse sozinha. Não quis desrespeitar, foi mal.
Preciso providenciar a porra de uma aliança. Urgente!
Ele se afasta pedindo desculpas, meio tropeçando. Gravo o
rosto do filho da puta na memória. Só não arrebento a cara dele ali
porque a voz de Dmitri me faz lembrar do pedido dele para não
matar ninguém aqui.
— Viktor...
Nem deixo Helena terminar. Seguro o braço dela e a arrasto
pro jardim. As pessoas estão ocupadas demais com as próprias
conversas pra notar. Ela pede que eu me acalme, diz que pode cair,
mas eu não escuto nada.
Tô puto.
Ele encostou nela.
Quase a abraçou.
Entro num banheiro qualquer, tranco a porta e a pressiono
contra a parede.
Meu Deus.
Quais eram as chances de uma merda dessas acontecer?
Viktor está bufando, os olhos cerrados, o maxilar travado.
Cada respiração dele parece um rugido.
Estou encurralada entre a parede e o corpo dele, e quando
digo encurralada, é literal. O calor que emana de Viktor me atordoa,
e o cheiro do perfume dele se mistura com o meu medo.
— Quem é aquele homem, Helena?
Fecho os olhos, rezando para que ele não exploda.
Puta que pariu.
Do jeito que esse psicopata é, é capaz de sair daqui e matar o
pobre do Diego.
Eu não o reconheci de imediato. Ele mudou, deve ter feito
algumas cirurgias, deixou a barba crescer… parece outra pessoa. Se
eu tivesse percebido antes, teria inventado qualquer desculpa: uma
dor de barriga, um desmaio, qualquer coisa pra fugir antes que
Viktor notasse.
— Eu perguntei quem é aquele homem, Helena. — Abro os
olhos, e o olhar que me atinge é puro fogo. — E eu não quero
mentiras. Você sabe que, de qualquer jeito, eu vou descobrir.
É
— É um antigo conhecido, Viktor… só isso. Ninguém
importante. — Tento manter a voz firme, mas meu corpo inteiro
treme.
Ele solta uma risada seca, sem o menor traço de humor.
— Um “antigo conhecido”? — repete, como se saboreasse a
ironia. — Você transou com aquele babaca?
Engulo seco.
— Eu tive uma vida antes de você, sabia? — rebato, mesmo
tremendo por dentro. — Você sabia muito bem que eu não era
virgem.
— Então ele já te tocou? Ele já encostou em você?
— Eu tive um namorinho com ele, Viktor… nada sério. —
Sussurro, quase sem ar.
— Ele te tocou como eu te toco?
Pisco, confusa com a mudança repentina no tom de voz. O
olhar dele não é mais só raiva, é algo mais fundo, mais sombrio,
quase vulnerável.
Por um segundo, vejo algo raro em Viktor: dúvida. Medo?
— Ninguém nunca me tocou como você me toca, Viktor. — As
palavras escapam antes que eu possa contê-las. Não só por medo
do que pode acontecer com Diego, mas porque é a mais pura
verdade.
Ele me encara em silêncio, o peito subindo e descendo
rápido. A mão dele sobe até o meu rosto, os dedos ásperos roçando
a minha pele como se tentassem apagar qualquer vestígio de outro
homem.
— Odeio essa sensação. — Murmura. — Quero matar todos
que já te olharam, que te tocaram, que te fizeram sorrir. Você é
minha, bruxa. Só minha. — Sua testa encosta na minha, e sinto o ar
quente da respiração dele se misturando ao meu.
— Não pode fazer isso, Viktor. — Sussurro. — Agora eu sou
sua, mas antes… antes eu nem te conhecia.
Ele abre um pequeno sorriso.
— Você sempre foi minha, Helena. — Diz, a voz carregada de
convicção. — Você nasceu pra ser minha.
Um arrepio percorre meu corpo inteiro. Os dedos dele
apertam minha bochecha, erguendo meu queixo até nossos lábios se
encontrarem em um beijo duro, cheio de posse.
Viktor me beija com urgência. É um beijo que grita você é
minha, e eu me deixo levar, porque estranhamente, loucamente,
doentiamente, eu gosto de ser dele.
— Você gosta de ser minha, não é, Helena? — Ele murmura
contra minha boca. A mão deslizando por baixo do meu vestido,
subindo devagar até encontrar a minha calcinha. Mordo o lábio
inferior para não gemer alto quando ele puxa o tecido de lado e,
sem qualquer cerimônia, me penetra com dois dedos.
— Viktor… — ofego, sem conseguir pensar.
— Olha só como você está molhada pra mim. — Abre um
sorriso torto, os olhos fixos nos meus. — Saber que eu te desejo,
que eu sou louco o bastante pra matar qualquer filho da puta que
encostou ou pensou em encostar na minha mulher… te excita?
— N-não… — balanço a cabeça em negação, mesmo sentindo
o corpo me trair.
Ele acelera o movimento dos dedos.
Porra, não sou uma sádica ou qualquer merda desse tipo. Eu
não estou excitada por isso.
Eu não estou!
— Ah, bruxa… — ele ri baixo, sussurrando junto ao meu
ouvido. — Adoro como você nega descaradamente a parte obscura
que já tomou conta da sua vida.
E então enfia um terceiro dedo, arrancando de mim um
gemido que ecoa pelo banheiro enquanto minha cabeça tomba pra
trás, totalmente entregue.
O garçom passa, e eu pego mais uma bebida, tomando quase
de um gole só. Aproveito e pego outra, porque essa vai acabar
rápido.
A noiva de Dmitri, que eu nem lembro o nome, me olha com
as sobrancelhas arqueadas.
O que foi, querida? Assustada com tamanha loucura? Não
sabe onde está se metendo?
Balanço a cabeça de um lado para o outro.
A festa tá uma merda. Depois de uma foda dura com Viktor
no banheiro, ele até que se acalmou, mas sei lá… não confio. Tenho
medo que, a qualquer momento, ele saia de onde está, em reunião
com aqueles políticos corruptos, e venha pegar Diego pelo pescoço.
Minha vontade é levantar daqui, ir até aquele idiota que não
para de olhar na minha direção e perguntar se ele não tem amor à
vida.
Ah, qual é? Aquele cara nunca foi louco por mim. Tá fazendo
graça agora por quê?
Tivemos um namorinho bobo, coisa de jovens. Ele sequer se
esforçava pra me fazer gozar. Ok, não era tão péssimo quanto o
primeiro, mas ficou abaixo de zero depois que descobri o que é um
homem de verdade, um homem que deseja, que domina, que quer
satisfazer a mulher na cama.
A garota fala alguma coisa, que mal escuto, e eu abro um
sorriso, apenas concordando.
Ela é bonita, mas chata que dói.
Viktor e Dmitri aparecem, e os olhos dele vão direto na
direção do imbecil que tá me olhando. Vejo o maxilar endurecer, as
mãos se fechando em punhos.
Nem penso duas vezes, me levanto e caminho até ele,
praticamente corro, parando bem na sua frente. Dmitri sorri e segue
para a mesa.
— Dança comigo? — peço, a primeira coisa que vem à minha
cabeça pra distraí-lo.
Viktor não responde de imediato, desvia o olhar de mim para
o outro lado.
Deus, que aquele homem não esteja olhando pra cá.
— Por favor… esperei até agora. — Tento um sorriso nervoso,
levando as mãos até o paletó dele. — Estou louca pra dançar com
você.
— Está tentando me distrair, Helena? — pergunta,
desconfiado.
Aff, odeio que ele não seja nem 1% burro.
— Não, só queria uma dança com você, mas se não quer,
tudo bem, peço pro Dmitri. — Nem tenho tempo de me virar; ele
segura meu braço com força e meu corpo bate contra o dele.
— Não brinca comigo.
— Então dança comigo. — Viro a cabeça e aponto para a
pista, onde alguns casais dançam.
Ele segura minha cintura e me conduz até lá. A música que
começa a tocar é lenta, e quando me puxa, meu corpo se encaixa
no dele com facilidade. Minhas mãos ficam perdidas por um
segundo, até que ele as leva para o pescoço dele, e eu descanso a
cabeça em seu peito. Sinto o calor que vem do peito de Viktor, o
coração batendo firme.
Fecho os olhos e respiro fundo. É estranho como me sinto
segura e assustada ao mesmo tempo nos braços de um homem
como ele.
Levanto a cabeça devagar, e quando o encaro, Viktor está me
observando. Seus olhos escuros me prendem e eu deixo escapar um
sorriso bobo.
— Do que você está sorrindo?
— De nada… — sorrio de leve. — Só acho que você dança
muito bem.
Um canto da boca dele se curva, mas não chega a ser um
sorriso completo.
— Só estava pensando em como sou bom dançarino, Helena?
— provoca. — Vamos, sei que tem mais coisa passando por essa
cabecinha esperta.
Sorrio mais. Viktor é observador, esperto e já aprendeu a me
ler direitinho.
— Estava pensando que é a primeira vez que estamos
fazendo algo... — Pauso, tentando achar as palavras certas. — Algo
normal.
Viktor estreita os olhos.
— O que seria algo normal?
A primeira vez que estamos fazendo algo como um casal
normal, Viktor.
É isso que quero dizer, mas deixo as palavras morrerem na
garganta.
— Ah, algo normal... — olho ao redor, para os casais
dançando. — Igual essas pessoas.
— Entendi.
— Entendeu mesmo? — arqueio a sobrancelha.
Ele abre um pequeno sorriso e me puxa mais contra si, abaixa
a cabeça e sussurra no meu ouvido:
— Você está querendo dizer que é a primeira vez que
estamos fazendo algo normal como um casal, Helena. Estou certo?
Sorrio. Porra, esse cara é esperto demais.
— Fique tranquila — continua. — A segunda coisa vai ser
colocar uma aliança enorme no seu dedo, pra que nenhum babaca
ache que pode chegar perto de você.
— Você é tão romântico, Viktor. — Solto uma risada leve. —
Chego a ficar emocionada.
Ele também sorri.
Volto a deitar a cabeça em seu peito, ouvindo o som firme
das batidas do seu coração enquanto dançamos.
Sinto o corpo dele relaxar, e respiro aliviada.
Acho que consegui impedir um assassinato essa noite.
Tenho a impressão de que, aqui na Espanha, estou diante de
outro homem.
Ainda vejo nele os traços duros, o jeito frio e grosseiro
daquele Viktor da Rússia, mas de alguma forma, ele parece mais
leve.
E, por incrível que pareça, estou gostando disso, gostando de
aproveitar esses dias em família.
Sim, em família.
Viktor fez questão de que fossemos passear com Nikolai e
hoje, um dia antes de voltarmos, eles vieram me acompanhar à
minha antiga casa.
Quando a porta se abre, o ar que entra parece o mesmo de
quatro anos atrás. O meu cheiro, o que me faz lembrar do meu pai.
Sinto os olhos arderem e respiro fundo, tentando conter as lágrimas.
— Está tudo igual... — murmuro, caminhando devagar pela
sala, os dedos roçando o móvel da entrada. — Até o cheiro é o
mesmo.
Viktor me observa em silêncio, com Nikolai no colo. Seguimos
até o corredor e, quando abro a porta do meu antigo quarto, meu
peito aperta.
Tudo está como deixei. Entro devagar, sentindo um medo
estranho de quebrar o que restou das lembranças.
Viktor olha ao redor.
— É a sua cara esse quarto. — Olha para Nikolai e
acrescenta, com um meio sorriso: — É a cara da mamãe, não é,
filhão?
Nikolai balbucia, mexendo as mãozinhas, encantado com o
botão do paletó do pai, tentando agarrá-lo com os dedinhos
gordinhos. Viktor abre um pequeno sorriso, o olhar se suavizando, e
é impossível não se perder nessa cena.
Ele, como pai, é a versão mais linda que já vi.
Sento-me na beira da cama, os olhos percorrendo cada canto
do quarto. Passo a mão sobre o colchão, sentindo o tecido frio, e
abro a gaveta da mesinha que fica ao lado da cama. Lá está o meu
velho álbum de fotos. Abro na primeira página, e ali estão eles: meu
pai sorrindo, minha mãe com o cabelo preso e o olhar mais doce do
mundo.
As lágrimas voltam antes que eu consiga impedir.
— Eles ficariam felizes de ver você aqui de novo — Viktor fala,
me surpreendendo com o tom mais brando do que o habitual.
E, por um momento, tudo parece em paz.
Até o barulho da porta batendo com força chamar a nossa
atenção, seguido de passos apressados no piso.
— Que é isso? — pergunto, assustada, virando rápido na
direção de Viktor.
— Provavelmente algum dos meus homens que devia estar lá
fora. — Viktor responde, o olhar já em alerta.
— Viktor! — uma voz gritou.
— Mikhail? — Ele estreita os olhos e segue para a sala. Eu
vou atrás, o coração já disparando no peito.
Mikhail entra como uma tempestade.
— Que porra você tá fazendo aqui com essa cara, Mikhail? —
Viktor dispara, o maxilar travado. — E onde diabos você se meteu?
— Temos um problema. Tem gente atrás de nós, Viktor.
— Como assim, atrás de nós? — Viktor avança um passo.
— É uma emboscada. — Mikhail passa a mão pelos cabelos.
— O carro do Dmitri acabou de sofrer um atentado.
Meu sangue gela. Viktor me encara e me entrega Nikolai.
— Eu não sei se o Dmitri tá vivo. — Mikhail continua,
ofegante. — Ainda não tivemos notícias, mas estão indo atrás de
todos nós, os Dragunov.
— Quem seria louco o bastante pra ameaçar a minha família?
— Viktor pergunta. — Como você sabe disso?
— Eu vi a Irina no centro da cidade dias atrás, ela tava com o
Oleg. Mesmo sendo o noivo dela, algo ali parecia errado. Então segui
meu instinto e comecei a investigar.
— Vai direto ao ponto, Mikhail. — Viktor rosna, impaciente.
— Eu rastreei o celular dela. — Mikhail dispara as palavras. —
Irina tava passando informações de dentro da sua casa. Ela ouviu
sobre a viagem, sobre as reuniões… contou tudo pro Oleg.
O som dos dedos de Viktor estalando soa alto.
— Continua.
— Fui mais fundo. Descobri que Oleg se vendeu. Entregou a
cabeça dos Dragunov em troca de poder. E não tá sozinho nisso,
Irina me disse que o filho do ex-presidente tá com ele.
Um silêncio mortal toma a sala. Até Nikolai, no meu colo, fica
quietinho.
— Como assim o filho do ex-presidente? Porra, isso já
aconteceu há anos!
— Eles planejaram isso há quatro anos. Esperaram o
momento certo. Quando eu descobri, vim direto pra cá. Precisamos
sair daqui agora. Já começaram por Dmitri e não vão parar até
pegarem todos nós.
— Precisamos deixar a Helena e o Nikolai seguros. — Viktor
fala. — Tem como sair daqui em segurança?
— Não sei. — Mikhail respira rápido. — Irina não sabe de
muita coisa, a vagabunda tem pouca informação e eu extrai dela o
que pude. Ela disse que alguns dos nossos homens foram
comprados. Não dá pra confiar em ninguém.
Sinto o chão girar debaixo de mim.
Antes que alguém diga mais alguma coisa, a porta da frente
explode num estrondo. Um homem entra cambaleando, o rosto
coberto de sangue, o peito aberto em vermelho. Ele tropeça, cai aos
pés de Viktor.
— Estão… — tenta dizer, mas a voz morre. — Estão aqui…
eles…
O corpo dele desaba, inerte.
— Estão usando silenciador. — Mikhail sussurra, espiando pela
janela. — E são muitos.
O estômago revira, e sinto as pernas cederem.
Viktor puxa o corpo do homem pro canto, fecha a porta e
arrasta um móvel pesado pra bloquear.
— Abaixa, Helena! — ele ordena.
Eu me abaixo, encostando os joelhos no chão, abraçando
Nikolai com força. Meu filho começa a chorar e tento abafar o choro
com o corpo, mas minha respiração está fora de controle.
Mikhail espreita pela janela.
— Merda… — sussurra. — Estão cercando a casa.
Viktor tira a arma da cintura e engatilha. Ele se abaixa ao
meu lado, o olhar cravado no meu.
— Me olha, Helena. Você vai ficar abaixada. Não faz barulho,
não se mexe. Eu vou tirar vocês daqui, entendeu?
— Viktor… — minha voz falha.
— Segura nosso filho e não solta. — Segura minha nuca, me
obrigando a focar nele. — Se eu mandar correr, você corre.
Do lado de fora, mais tiros. Um vidro estilhaça.
— Eles vão invadir. — Mikhail diz, sem tirar o olho da janela.
— Estão posicionados.
A tensão é tanta que mal consigo respirar. O cheiro de pólvora
já invade o ar.
— São quantos? — Viktor pergunta, já de pé, a arma em
punho.
— Uns dez na frente, mas deve haver mais nos fundos.
— Eles sabem que você está aqui?
— Não. Me movi pelas sombras. Só a Irina sabe. Deixe-a viva
só para que você tenha o prazer de matá-la. Oleg ainda não deve ter
sentido falta dela.
Nikolai chora mais alto. Eu balanço-o, sussurrando entre
soluços:
— Meu Deus, meu filho... fica quietinho, por favor...
Viktor volta a olhar para mim.
— Helena, tem porta dos fundos?
— T-tem... — gaguejo.
— Então presta atenção. Mikhail vai tirar vocês daqui. Eles
estão atrás de mim. Eu fico e distraio.
— Tá louco? — Mikhail quase berra. — Vão te matar!
— Ninguém passa quatro anos preparando uma vingança
para matar rápido. — Viktor diz, seco, quase calmo. — Me resgata
depois. Agora preciso que você tire-os daqui.
Mikhail balança a cabeça.
— Não vou te deixar, caralho!
— Isso não é um pedido. É uma ordem do teu Pakhan.
— Porra, Viktor! — ele rosna.
— Helena, mostra a saída. — Viktor fala, a mão na minha
bochecha, o toque áspero e breve. — Mikhail, os proteja. Não deixa
nada acontecer, você tem a vida da minha mulher e do meu filho
nas mãos.
As lágrimas escorrem antes que eu consiga segurar.
— E você? O que vai acontecer com você? — a minha voz sai
baixa, quase sem ar.
— Bruxa, protege o nosso filho. — Ele limpa as minhas
lágrimas com o polegar. — E cuida de você também. — Um sorriso
triste atravessa o rosto dele. — Só eu posso te machucar, lembra
disso, ok? Não deixa ninguém te ferir.
Ele me beija, um selinho rápido que soa como despedida.
— Eles vão entrar! — Mikhail avisa.
— Eu não vou sem você! — choro, agarrando o paletó dele.
— Vai agora! — Viktor ordena. — Mikhail, tira eles daqui!
Outro vidro quebra; estilhaços voam. Mikhail puxa a minha
mão, obrigando-me a levantar, quase me arrastando.
— Viktor! — chamo, mas ele já está de pé, a arma em punho,
o olhar fixo na porta.
A última imagem que vejo é ele virando o rosto para mim, o
olhar escuro.
Ele vai ficar para que eu e Nikolai possamos sair.
Viktor vai se sacrificar por nós.
Seguro Nikolai com força e ando o mais rápido que consigo.
Assim que a porta se abre, vejo dois homens; Mikhail é mais rápido,
atirando. Ele se vira em um reflexo rápido para trás e dispara duas
vezes. Um dos homens que surgia na janela cai com um buraco no
meio da testa. O outro mal tem tempo de reagir.
— Anda, porra! — ele grita, me empurrando para a frente.
Tropeço; o coração bate tão rápido que sinto a garganta a
doer.
Nikolai chora.
Mais tiros. Muitos tiros!
— Meu Deus...
— Não olha, Helena! — Mikhail continua me puxando. — Só
corre!
Ele atira de novo; outro homem desaba a poucos metros. O
sangue espirra no chão. Corremos até ao fundo da casa.
O som das armas muda de direção, estão avançando para a
entrada, onde Viktor ficou.
Mikhail para por um segundo, o olhar preso entre a porta dos
fundos e o ruído vindo da entrada. Sei que quer correr lá e salvar o
irmão, mas está seguindo ordens.
Viramos e saímos para a rua de trás.
— Acelera, Helena! — grita, olhando para os dois lados. —
Anda, porra!
Mal consigo ver de tanto chorar. Mikhail corre até a esquina,
para diante de um carro parado.
— Aqui! — parte o vidro do motorista com o cabo da arma.
Nikolai se assusta ainda mais e grita. Eu abraço-o com mais
força, desesperada.
Mikhail abre a porta, afasta os estilhaços com o braço e me
empurra para dentro.
— Entra! — ordena.
— Mikhail, e o Viktor?! — pergunto entre soluços, o rosto
molhado de lágrimas. — Não podemos deixá-lo!
— Entra, Helena! — ele berra de volta. — O Viktor mandou
tirar vocês daqui, então é isso que eu vou fazer!
Ele dá a volta ao carro, entra pelo lado do motorista e mexe
rápido nos fios, dando partida. Olho pela janela, o coração saindo
pela boca, a casa fica para trás.
— Viktor... — choro, abraçando Nikolai com força. — Ele ficou,
Mikhail. Ele ficou... Vão matá-lo!
Mikhail parece indiferente. Não demonstra o mesmo
desespero que eu.
Ele parece controlado.
Por que, inferno, eu não consigo me controlar diante do que
acabou de acontecer?
Mikhail me trouxe para um esconderijo que eles têm aqui na
Espanha. Pelo pouco que falou, deu pra perceber que onde quer que
estejam, eles têm um refúgio. Em todo canto do mundo, um abrigo
para quando as coisas fogem do controle.
Nikolai mamou até cair no sono, vencido pelo choro e pelo
cansaço.
— Tem alguma notícia? — pergunto, entrando na sala.
Mikhail está colado no celular, os olhos frios, atentos à tela. Já
tinham se passado horas.
— Puseram fogo na sua casa — ele responde, sem olhar para
mim. — Não deixaram rastros. Encontraram a Zhenya morta no
hotel.
O ar some. Levo a mão à boca e me sento no sofá, como se o
corpo tivesse esquecido como ficar em pé.
— Meu Deus... — digo, a voz saindo fina. — Por que
matariam ela?
Mikhail encolhe os ombros.
— Fizeram parecer infarto, mas sei que foram os
desgraçados.
— Por que matar ela, que não tem nada a ver? — repito, sem
pensar.
— Ela era a mulher errada, no lugar errado. Estavam atrás de
vocês e encontraram ela no caminho. Talvez tenha sido aquela velha
que abriu o bico sobre onde vocês estavam.
Faz sentido, Zhenya sabia onde iríamos. Uma ponta de medo
gelado sobe pela minha espinha.
— Será que... — engulo seco e não termino.
— Se Viktor estivesse morto, já saberíamos — Mikhail diz,
como quem explica o óbvio.
— Por que diz isso?
— Vingança é um prato que se come frio, Helena. E é sempre
bem planejado. Se esse verme quer se vingar, primeiro tortura,
depois expõe. Vai fazer show, querendo pendurar a cabeça de Viktor
em praça pública. — Ele fala com calma clínica, como quem
descreve um serviço.
Fecho os olhos. A maldita cena se passando na minha cabeça.
— Por que você parece tão calmo? Eu tô em pânico!
Ele me encara.
— Preciso me manter calmo pra pensar com clareza. De nada
adianta eu ficar nervoso. Preciso resgatar meu irmão e, pra isso, agir
com frieza.
— E como pensa em fazer isso? — Quero saber. — Pelo que
entendi, os soldados de vocês estão corrompidos. Não dá pra
confiar.
— É por isso que estou contando com o fato de o Dmitri ter
sobrevivido e aparecer. Ele e os contatos que tem é nossa melhor
chance de encontrar o Viktor.
A porta se abre num estrondo. Levanto em sobressalto.
Mikhail não se mexe muito, só puxa um canto da boca num sorriso
contido, como se já esperasse.
Dmitri aparece cambaleando. A camisa branca, está marcada
de sangue.
— Até que enfim você apareceu — Mikhail solta, sem emoção.
— Que recepção calorosa, irmão — Dmitri resmunga e vai
direto pro sofá, se jogando nele e gemendo de dor.
Quando ergue a camisa, a lateral da barriga escancara o
corte. O sangue escorre devagar, pegando o tecido.
— Meu Deus, Dmitri! — corro até ele, o coração subindo à
garganta.
— Calma. Não é tão grave. A bala só raspou — ele diz,
apertando o ferimento.
— Você precisa de um hospital! — digo, em choque.
— Não temos tempo — ele responde, o olhar cravado em
mim. — Você vai ter que costurar.
— Eu? — recuo. — Eu nunca costurei ninguém!
Mikhail ri baixo, sem humor.
— Mikhail tem a mão pesada demais.
— Nem se tivesse a mão leve, eu ia te costurar, Dmitri.
Detesto sujar minha mão de sangue, você sabe disso.
Olho de um para o outro, completamente atordoada.
— Tem um kit no banheiro, pega lá, Helena. — Dmitri pede,
ignorando o irmão.
Como assim ele não gosta de sujar as mãos com sangue?
Não é isso o que eles fazem?
Corro, pego a mala e volto com o kit. Meu estômago revira.
— O que eu faço? — minha voz falha.
Dmitri abre o kit com calma.
— Esteriliza a agulha no álcool. Puxa o fio — ele orienta,
paciente. — Segura firme. Não treme.
— Fácil falar — respondo, as mãos já bambas.
Ele tenta sorrir.
— Passa o fio. Isso. Agora enfia a agulha aqui — aponta pro
corte. — Entra de um lado, sai do outro. Devagar.
Minha respiração acelera. Sinto o metal frio da agulha na
ponta dos dedos. Penso em soltar. Penso em gritar. Penso em
vomitar.
— Vou te machucar — digo, quase chorando.
— Já tô machucado — ele responde, com uma voz que tenta
ser leve. — Vai.
Empurro e a agulha atravessa a pele. O som me causa
arrepios, o fio cortando carne. Dmitri não parece sentir dor.
— Assim... puxa — orienta novamente. — Mais uma vez. Mais
firme.
Mikhail não olha pra nós. Continua sentado de braços
cruzados e começa a contar o que aconteceu.
— Viktor bancou o herói — Dmitri dá uma risadinha.
— Vamos trazê-lo de volta — Mikhail garante.
— Com toda certeza. Só preciso que me dê o celular seguro.
Vou ligar pra um cara de confiança, que vai rastrear e encontrar o
Viktor, nem que seja no inferno.
Termino o último ponto quase sem sentir as mãos.
— Viu? — ele murmura, dando um leve sorriso. — Disse que
você conseguiria.
Me afasto, as mãos ainda sujas de sangue, sentindo náuseas.
— Nunca mais quero fazer isso — digo, cuspindo as palavras.
Mikhail solta uma risada.
— Se o Viktor souber que ela mexeu na sua barriga, você tá
morto — zomba.
— Não duvido disso — Dmitri responde, também rindo. —
Achei que fosse apenas obsessão do Viktor por ela, mas é mais
profundo que isso.
Engulo seco. Eles trocam olhares, e a conversa muda de tom,
Eles passam a falar sobre táticas, mapas, nomes, rotas. Tudo que
pode ser feito para trazer Viktor de volta.
Levanto e vou ao banheiro, guardo tudo do kit e levo meus
braços para a água, lavando a pele com força. Me olho no espelho e
repito que eu preciso me controlar, que eles vão trazer Viktor de
volta, que vai ficar tudo bem.
Eu preciso que tudo fique bem.
Meu Deus! Eu odeio essa vida de correr perigo.
Quando saio, já consigo ouvir as vozes deles mais baixas.
— Viktor foi um idiota — Mikhail começa, com a voz irada. —
Se eu tivesse ficado lá nós teríamos uma chance, nem que fossem
mínimas, mas teríamos. O que passou na cabeça dele para fazer
uma merda dessas? Se entregou de bandeja para o filho da puta
que está nos caçando.
— É mulher e filho dele, Mikhail. Não tinha como ele não
fazer isso. Mas confesso que me surpreendi, não fazia ideia que o
que Viktor sentia por Helena era um amor tão grande assim.
Estremeço e fecho os olhos, derrubada por cada sílaba. A
sensação de ser reduzida a motivo de sacrifício me rói. No peito,
uma mistura de culpa e medo me consomem.
— Porra, nem fala — Mikhail resmunga. — Nós vamos
resgatar ele, Dmitri. Vamos trazer o Viktor de volta pra nós, pra
organização e pra família dele. Nikolai não pode crescer sem o pai,
caralho. Viktor ama aquele moleque demais. E aquele menino
merece um pai como o Viktor vai ser... diferente do que a gente
teve.
Meu peito se aperta ainda mais, seguro o choro.
— Claro que vamos trazê-lo de volta — Dmitri confirma. —
Nem que pra isso a gente tenha que explodir essa merda de cidade
infernal. Eu odeio a Espanha! — Ele bate a mão no braço do sofá.
— E a sua noivinha?
— Tá segura no hotel. Lá ninguém entra. Muitos seguranças,
políticos, gente grande. — A voz de Dmitri é extremamente fria. —
Mas seria bom se tivessem matado ela.
— Filho da puta — Mikhail ri.
— E a Anya?
A mudança é instantânea. O olhar de Mikhail se estreita, o
corpo fica rígido.
— O que tem a Anya? — ele pergunta.
— Como assim “o que tem a Anya”, Mikhail? — Dmitri rebate.
— Se eles estão caçando todo mundo, acha mesmo que não sabem
da sua ligação com ela? Que não vão atrás dela pra chegar até
você?
— Porra! — Mikhail explode, socando alguma coisa ao seu
lado, que não consigo ver o que é.
Meu corpo reage e entro na sala.
— Anya corre perigo? — pergunto a Dmitri, ofegante, o medo
aumentando.
Mikhail já está no canto, gritando no celular, completamente
fora de si.
É
— É provável — Dmitri diz, sem rodeios. — Se eles
perceberem que ela é importante pra ele, vão atrás, sim.
Fecho os olhos, tentando controlar a respiração, sento no
sofá, o coração batendo forte.
— Dmitri, é assim que vocês vivem? Nessa loucura constante?
Ele dá um meio sorriso sem humor, o olhar cansado.
— Helena, não lembro a última vez que alguém teve coragem
de nos enfrentar. Mas é isso. Nossa vida é um campo minado. A
gente pisa sabendo que pode explodir a qualquer momento.
— E vocês falam isso como se fosse normal! — balanço as
pernas, inquieta, o choro me queimando por dentro. — Vocês
parecem calmos demais, Dmitri! Eu estou me segurando pra não
surtar! — A voz falha, e as lágrimas finalmente descem. — A Anya
pode estar em perigo, o Viktor pode estar sendo torturado, e se não
o encontrarem logo... ele pode morrer! — Soluço, sem conseguir
terminar. — Eu não tô aguentando mais.
— Você precisa ser forte, Helena. Por você. Por Nikolai. E,
principalmente, por Viktor. Porque, quando ele voltar, ele vai precisar
de você inteira.
Um grito atravessa a casa.
— ANYA SUMIU, PORRA! A MINHA MULHER SUMIU!
Mikhail surge de volta na sala, o rosto vermelho, os olhos
furiosos. O celular quase voa da mão dele.
O mundo parece parar. O som do coração batendo toma
conta dos meus ouvidos.
— Como assim, sumiu?! — pergunto, o desespero tomando
conta de mim.
Mas Mikhail não responde. Ele anda de um lado pro outro,
respirando como um animal encurralado.
Sinto o chão sumir sob meus pés. A sensação é de assistir
tudo desmoronar e não poder fazer nada.
Abro os olhos devagar e reprimo um gemido de dor. A cabeça
lateja por tanta porrada que levei; o ombro e o quadril ardem por
causa dos tiros.
Fiquei para distrair os caras e dar tempo para a Helena fugir
com o nosso filho. Fiz isso porque é o que um homem honrado faz
e, nesse meio em que vivemos, a honra é a única coisa que ainda
nos resta.
Não suportaria a ideia de vê-los mortos na minha frente. Com
toda certeza, era isso que o filho da puta faria.
Meus pulsos queimam, apertados pelas correntes que me
penduram, elevando-me do chão.
Escuto um choro abafado e forço os olhos a se abrirem mais,
procurando quem chora.
— Anya? — chamo, surpreso por vê-la ali.
Olho para o lado e vejo a garota caída no chão, toda suja,
machucada, com as mãos e os pés amarrados.
— Viktor, você acordou — ela diz devagar; os olhos parecem
aliviados por me ver desperto.
— Por que te pegaram?
Ela se arrasta com dificuldade até ficar mais perto. Dá para
ver as marcas das pancadas que ela levou.
— Eles querem saber do Mikhail, Viktor. Eu não sei dele, eu
juro — chora. — Vão me machucar até encontrarem ele.
— Desgraçados! — rujo, cuspindo uma bola de sangue que se
acumulava na minha boca. — Tocaram em você? — pergunto,
porque se fizeram isso, juro que o Mikhail vai explodir este país.
— Não — ela soluça. — Mas me bateram, e vão bater muito
mais se o Mikhail não aparecer. Eu não sei onde está aquele maldito.
Ele só traz desgraça pra minha vida! — chora, indignada.
E eu nem a contradigo. Anya tem razão: não só o Mikhail,
mas todos da nossa família parecem amaldiçoados, levamos
destruição por onde passamos.
— Escuta, você precisa ser forte, ok? — digo. — Usa essa
raiva na frente deles. Mostra que você não é importante pro meu
irmão. Eles estão com você porque acham que você sabe onde ele
está.
— Já falei, já falei que não sei daquele maldito — diz ela,
desesperada. — Mas eles não acreditam. Vão me matar, Viktor! Vão
matar nós dois e depois vão atrás dos seus irmãos, da Helena e do
bebê. — Meu corpo endurece ao ouvir suas palavras. — Eu ouvi eles
falando.
Anya é puro desespero e eu preciso acalmá-la.
Um homem alto entra, sorrindo.
— A vadiazinha acordou — ele diz, caminhando rápido em
direção a Anya; agarra-a pelos cabelos e a arrasta.
Ela grita e se debate, dando ao sádico o prazer que ele quer.
Porra, conheço bem esse tipo de homem. Não que eu seja desse
nível, bater numa mulher indefesa não é coisa minha, mas sou
sádico o suficiente para reconhecer que o choro, a luta e o
desespero da presa o satisfazem.
Um tapa estalado chega no rosto dela e eu me debato de
raiva.
— Cadê o maldito do seu namoradinho, sua vadia?
— Eu não sei! Eu não sei! — Anya grita desesperada.
— Solta ela, porra! — grito. — Ela não sabe onde Mikhail
está!
— E se eu não soltar ela, o que você vai fazer? — o cara ri em
deboche.
— Se você fosse esperto o suficiente, sairia correndo daqui
antes que o Mikhail te encontre. Porque, se ele descobrir que você
encostou nela, vê-lo na sua frente vai ser a última coisa que você vai
querer, seu filho da puta!
O homem ri e solta Anya, fazendo-a cair no chão.
— Você não entendeu o que está acontecendo aqui, não é? —
aproxima-se de mim. — Você vai morrer, todos os seus vão morrer,
porra.
O soco vem seco, direto na barriga. O ar some e a dor me faz
curvar o corpo, as correntes puxam meus braços com força. Engulo
o gosto de sangue e deixo escapar um gemido baixo, fingindo mais
fraqueza do que realmente sinto.
Outro golpe atinge meu estômago, e o ar some de novo. Finjo
que estou quase apagando, deixo a cabeça cair, o corpo mole. Ele ri
e se aproxima mais, curvando o rosto pra me provocar.
— Quer falar alguma coisa? Não tô ouvindo, grandão —
debocha, rindo.
Aproveito o momento e jogo a cabeça pra frente com força,
acertando o supercílio dele; o corte abre na hora.
O desgraçado recua, surpreso. Passa a mão no rosto e vê o
sangue escorrer. O olhar dele muda, vira ódio puro.
— Filho da puta! — grita, avançando.
Os socos começam: um no queixo, outro na lateral da cabeça,
depois no peito. Cada golpe faz o corpo balançar nas correntes.
Sinto a pele queimar, o sangue escorrer pela boca. A dor é forte,
mas fico quieto, firme, respirando entre uma pancada e outra. Não
vou dar o show que ele quer.
Ele recua um passo, ofegante, pronto pra me atacar de novo.
Aproveito o momento e acerto um chute com toda a força que
tenho. Meu pé encontra o rosto dele e o impacto o joga pra trás,
tropeçando, cuspindo sangue.
Antes que o sujeito recupere o fôlego pra me acertar de novo,
a porta range e outro homem entra na sala.
— Para com essa brincadeira, seu idiota de merda! — ordena.
Olho pra ele com atenção. Terno impecável, camisa branca
esticada, cabelo todo lambido pra trás, aquele ar de quem nunca
suou na vida. Um engomadinho até o osso.
É ele. O filho do ex-presidente.
Ele não fala comigo. Ordena que o outro se afaste com um
gesto e o homem obedece, meio tonto, como uma marionete.
Arrasta uma cadeira e se senta, devagar, abrindo o paletó.
O olhar dele recai em Anya, que continua ali, encolhida,
chorando baixinho, soluçando. Os olhos dele percorrem o rosto dela
com desprezo.
— Cala essa merda de choro — ele diz, sem levantar muito a
voz. — Choro de mulher é irritante demais.
Anya estremece; vejo-a morder o lábio com força, engolindo
o choro, com medo do que pode acontecer se continuar.
— Viktor — o maldito parece saborear meu nome. — O
temido e impiedoso, Viktor. Ainda não nos conhecemos, meu
querido.
Reviro os olhos. Que cara chato da porra.
— Me chamo Luís, e é um prazer estar diante do homem que
matou o meu pai, principalmente quando esse homem está prestes
a morrer — ele sorri. — Que mal-educado da sua parte não me
cumprimentar, Viktor.
— Porra, você é chato pra caralho! — resmungo, irritado com
esse engomadinho. — Era melhor ter deixado o imbecil de antes;
pelo menos com ele estava mais divertido.
Luís gargalha.
— Gosto da maneira como você é corajoso, se mantém forte,
mesmo destruído desse jeito.
— Não tão corajoso como você.
— Eu? — arqueia a sobrancelha, abrindo um sorriso.
— Não sei se te denominaria corajoso ou muito burro por ir
atrás de um homem como eu, porque nem direito a enterro você vai
ter, seu merda. Vou te deixar de um jeito que nem a puta da sua
mãe vai te reconhecer!
Luís perde a postura de calmaria e se levanta, bufando, o
rosto ficando vermelho de raiva.
— Quem vai morrer é você, seu desgraçado! Assassino de
merda! — explode. — Eu planejei essa vingança por anos e, quando
encontrei um idiota ambicioso dentro da sua organização, não perdi
tempo em arquitetar tudo. Sonhei dia após dia com esse momento.
Para completar a minha felicidade só falta o maldito do Mikhail aqui,
porque você pode até ter mandado, mas quem puxou a porra
daquele gatilho foi ele!
— Quatro anos para arquitetar esse plano imbecil? Você é
burro demais. E esses homens aí, eles sabem quem eu sou? Sabem
que vão morrer?
Luís ri.
— São ex-militares, homens treinados pelo exército, que
sobreviveram à guerra. Eles não têm medo de uns merdas como
vocês.
Claro. Luís contratou mercenários. Tenho certeza de que foi o
Oleg que o orientou.
— Oleg que está pagando esses homens? Ou você está
destruindo toda a herança que te restou nessa vingança de merda,
que vai acabar com você morto? — provoco.
— Oleg tem umas boas informações, mas é um completo
imbecil. Tudo que ele quer é assumir a organização dos Dragunov e
por isso me ajudou — Luís responde, frio. — Para assumir ele
precisa tirar todos vocês do caminho, incluindo Dmitri e seu filhinho.
Meus dedos se fecham, cravando as unhas na palma da mão
quando ele fala do meu filho.
Luís não tem qualquer interesse em Dmitri, ele me quer
morto porque mandei matar o pai e quer Mikhail porque foi ele
quem atirou. Dmitri é só uma peça a ser retirada do cominho para
Oleg.
— Sabe por que eu não vou te matar agora, Viktor? — ele
avança um passo. — Porque vou fazer dos seus dias um inferno até
pegar sua mulher e seu filho. Primeiro eu mato eles na sua frente,
faço você sangrar por dentro e só depois te mando pro inferno.
— Eu vou te matar, seu filho da puta — rosno, o corpo todo
tremendo de raiva. — Vou te desmembrar todinho.
Luís ri, devagar, sem pressa. Chama alguém e dois homens
entram. Nos punhos, o brilho bruto do soco-inglês. Caminham como
quem já viu isso mil vezes.
— Comecem o show. Quero sangue, quero gritos. Ensinem
pro grandão quem é que manda aqui. Não poderei ficar para assistir
porque tenho alguns Dragunov para caçar.
Os caras trocam sorrisos bestas e se aproximam.
Eles começam. Primeiro, socos secos nas minhas costelas, no
estômago; golpes que me arrancam o fôlego. Respiro curto, seguro
o ódio, deixo a dor entrar para não perder o foco.
Enquanto isso, Anya grita e se debate.
O segundo volta para mim e desce uma sequência forte no
estômago. O ar some, a visão distorce, a cabeça bate para trás e a
corrente arranca a pele dos pulsos. Sinto o gosto metálico no fundo
da boca; o mundo escurece por um segundo. Tento não apagar e
agarro o fio de consciência que me resta.
Eles riem quando me veem ainda lúcido.
Anya grita meu nome e chora mais alto.
Tudo o que passa pela minha cabeça naquele instante é o
sorriso lindo da Helena. O sorriso banguela do nosso filho e os dedos
gordinhos que me tocam com carinho.
E é nesse momento que eu descubro que daria tudo para
voltar atrás e aproveitar mais com eles.
Passaram-se dois dias inteiros de algo que nem nome
merece. Dois dias de dor que se repetia como punição programada,
apanhava, desmaiava, acordava, apanhava de novo. Já perdi a conta
de quantas vezes apaguei. Cada vez que voltava, o corpo parecia
menor, a dor maior.
Queimaram minhas costas e braços com charutos mais de
uma vez.
Eles faziam intervalos apenas para fumar e rir do inferno que
criaram. Nessas pausas, a crueldade continuava. Bateram na Anya
algumas vezes, mas pouco, eu me certifiquei disso. Sempre que
alguém ia pra cima dela, eu dava um jeito de chamar atenção,
provocar, cuspir no chão, qualquer coisa pra puxar o ódio deles pra
mim. Funcionava. A raiva deles sempre acabava nas minhas costas.
Preferia mil vezes sentir a dor no meu corpo do que ver aquela
menina desabar.
Deixaram Anya com os pés livres para ir ao banheiro
minúsculo, sem porta, que tinha ali perto. E foi assim que ela
começou a me dar água. Sempre que traziam um pouco pra ela, ela
dividia comigo, e ainda tentava limpar, em vão, algumas das minhas
feridas.
— Você não vai aguentar mais, Viktor — ela murmurou,
fungando, enquanto me dava água na boca.
— Você não devia estar me dando da sua água, Anya. Eu te
fiz mal, lembra? — abro um pequeno sorriso. — A minha morte
deveria te alegrar.
— Mas não alegra — ela responde, chorando. — Eu sei tudo o
que fizeram comigo e com a minha família, mas eu não sou ruim
como vocês. E eu não quero ver a Helena chorar por sua morte.
— Acha mesmo que ela choraria por mim? — pergunto, rindo
fraco. — Eu acho que ela ficaria feliz. Finalmente estaria livre.
Anya balança a cabeça e se senta no chão, perto de mim.
— Ela gosta de você, Viktor.
Começo a tossir e solto um gemido baixo. O corpo está
moído.
— Por que eles estão demorando tanto pra nos encontrar,
Viktor? — ela pergunta, aflita. — Eu tô com medo daquele psicopata
desistir de procurá-los e decidir nos matar logo.
Luís apareceu aqui todos esses dias só pra rir, contar
vantagem, dizer que estava perto de encontrá-los. Mas já dá pra ver
que está ficando nervoso. A paciência dele está acabando, e Anya
sabe disso.
— Queria ver a Helena mais uma vez — confesso, sentindo o
corpo falhar um pouco mais a cada hora. — Quando começo a
perder a consciência, me apego à visão que tenho dela e do nosso
filho. Ela sempre está sorrindo e feliz quando fecho os olhos pra
encontrá-la.
— Acho que você tá começando a delirar — Anya levanta e
coloca a mão na minha testa. — Sua febre tá piorando.
— Mikhail vai vir te resgatar. Disso eu tenho certeza. Ele tá
perdidamente apaixonado por você.
— Você realmente tá delirando, Viktor! — ela tenta rir, mas a
voz sai trêmula.
Ouvimos passos se aproximando e risadas. O corpo de Anya
endurece.
— Escuta, Anya... — começo, com dificuldade para falar. — Eu
não vou durar muito tempo, você tá certa. Preciso que seja esperta,
ok? Fica quieta. Não chora, não grita, pra eles não te baterem.
— Você não pode provocá-los assim, Viktor. Vão te matar!
— Se eu não provocar, eles vão bater em você. — Ela começa
a chorar. — Preciso que me faça um favor.
— Que favor? — pergunta, soluçando.
— Quando você sair daqui e encontrar a Helena, diz pra ela
uma coisa.
— Que coisa, Viktor? — ela pergunta, a voz embargada. —
Para com isso… você não vai morrer.
— Diz pra ela que eu sinto muito — respiro com dificuldade.
— Que eu nunca soube ser diferente, mas que eu me arrependo.
Conta também que eu te falei… que eu nunca senti, em toda a
minha vida de merda, o que eu sinto quando ela tá por perto.
Anya chora, balançando a cabeça.
— Para, Viktor… por favor.
— Uma vez ela disse que eu não tinha coração — continuo, a
voz quase falhando. — Fala pra ela que ela tinha razão… eu não
tinha mesmo. Mas que por ela eu criei um. Um coração que bate
desesperado por ela.
— Viktor, deixa eles me baterem agora, por favor! — Anya
implora, entre soluços. — Se você apanhar de novo, vai morrer! Eu
não quero ficar sozinha, por favor, não me deixa aqui sozinha.
Fecho os olhos e sorrio fraco, um sorriso cansado.
— Diz pra ela, tá? Diz que eu sinto muito. E fala que eu me
entreguei pra esses miseráveis feliz… porque eu tive certeza de que
ela e o nosso filho estavam bem. — Engulo em seco. — Porque
nada… nada nessa vida importa mais pra mim do que eles dois.
A porta range e Anya solta um grito, assustada.
— Anya, fala com a Helena que eu fui feliz ao lado dela como
eu nunca tinha sido em toda a minha vida — consigo balbuciar, a
voz arranhada.
Eles se aproximam e jogam Anya longe, com brutalidade,
jogando-a contra a parede, e recomeçam a sequência.
As surras recomeçam. Sinto as costelas queimarem, a
respiração virar estilhaços. Tento agarrar o ar, mas o corpo não
responde.
Quando a mão dele acerta meu rosto pela enésima vez, algo
dentro de mim simplesmente desiste de lutar. A dor existe, é real,
mas começa a ficar distante, como se eu estivesse vendo tudo de
fora, dentro de uma bolha. Fecho os olhos porque não aguento mais
ver sangue, nem o rosto apavorado da Anya.
Eu não queria deixa-la aqui sozinha, mas eu não aguento
mais.
E então ela aparece. Não de verdade, mas inteira dentro de
mim. Helena, vindo na minha direção, vestida de branco. O mundo
ao redor some. Ela sorri, leve, bonita, com aquele sorriso que
sempre me desmontou. O vestido brilha, o cabelo balança devagar, e
quando ela chega perto, os olhos dela são o bastante pra fazer tudo
parar.
Sinto uma paz absurda. As mãos que me batem parecem
longe, o som da dor se apaga. Eu sorrio também, mesmo com a
boca rasgada, porque ver ela feliz é como voltar pra casa.
O cheiro do nosso filho, o riso banguela, os dedos gordinhos
tocando meu rosto… tudo vem junto, tudo se mistura.
E por um instante, só um, não há dor, nem medo.
Só ela.
E é o bastante.
Dois dias.
Dois infernais dias.
Os dias mais loucos e angustiantes de toda a minha vida.
Nem quando precisei viver fugindo senti um medo tão grande
quanto o que estou sentindo agora.
Está difícil me controlar. Sinto que, a qualquer momento, vou
explodir, mas o mais difícil tem sido controlar o Mikhail.
Ontem à noite, levantei assustada com os gritos. Ele e Dmitri
estavam brigando, quase se pegando de verdade. Mikhail cobrava
dele uma atitude, queria que adiantasse o plano para encontrar o
Viktor e a Anya logo.
Eu entendo que Mikhail esteja nervoso, eu também estou,
muito, mas sei que Dmitri está fazendo tudo o que pode.
O tal do filho do ex presidente ainda está atrás de nós, e não
é seguro sairmos do esconderijo. Dmitri está tendo que agir nas
sombras, com muito cuidado.
Com toda a influência que tem, conseguiu abafar o caso. Deu
uma entrevista rápida dizendo que sofreu um atentado, que
tentaram roubar o carro dele, mas que estava bem, sem um
arranhão sequer.
Assisti pela televisão um homem totalmente diferente do que
vejo aqui. Dmitri parecia outro. Se eu não soubesse da verdade,
jamais acreditaria que aquele homem elegante, de fala firme e
sorriso confiante, levou um tiro.
Ele sabia fingir. Fingir muito bem. Não era à toa que se tornou
um político tão querido.
Os eleitores o amam.
Se soubessem quem ele realmente é...
Hoje de manhã, enquanto eu tentava preparar um café,
porque precisava de algo forte pra não desabar de vez, Dmitri
entrou avisando Mikhail que finalmente tinha conseguido rastrear a
localização deles.
Ele explicou o plano com calma: iam me deixar em
segurança, no jatinho que conseguiu, junto com alguns homens de
confiança, enquanto ele e Mikhail partiam pra buscar Viktor e Anya.
Assim que os resgatassem, iriam direto pra lá e, dali, voltaríamos pra
Rússia, onde estaríamos seguros.
Fiquei com medo. Medo de ficar sozinha com meu filho. Eu
poderia mesmo confiar nesses homens?
Dmitri me garantiu que sim. Disse que o jatinho foi cedido
diretamente pelo presidente atual, pra que saíssemos do país sem
deixar rastros.
Mesmo assim, o medo ficou.
Eu me preocupo com Dmitri e Mikhail, os dois estão indo
sozinhos pra uma guerra, mas garantiram que voltariam, trazendo
eles. Disseram que não podiam confiar em mais ninguém pra isso,
então só iriam os dois.
Eles me deixaram aqui e foram.
Desde então, meu coração não desacelera, a respiração está
desregulada, o peito pesa, e cada minuto parece uma eternidade.
Dois dias de espera, dois dias de medo e silêncio.
Tudo o que consigo fazer é rezar pra que eles voltem vivos,
pra que eu possa ter o prazer de ver minha amiga novamente. Anya
não merecia passar por nada disso.
E não posso negar que anseio por ver Viktor também.
As horas passam lentas, arrastadas, o tempo decidindo me
torturar. Ando de um lado pro outro, Nikolai dormindo no colo, o
coração batendo num ritmo descompassado.
Não consigo comer. Não consigo sentar. A cada barulho lá
fora, meu corpo reage, fico imaginando o pior, e o pior me parece
cada vez mais real.
Até que a porta se abre e eu encaro, atenta. Mikhail surge no
vão da porta, e o grito que escapa da minha garganta é o mais puro
alívio que já senti na vida.
Ele está com Anya nos braços. Ela está suja, machucada, o
rosto cortado, mas está acordada, respirando e viva.
As lágrimas descem sem aviso, quentes, queimando o rosto, e
um soluço escapa.
— Meu Deus... — sussurro, quase sem voz. — Obrigada...
obrigada...
Mikhail a deita com cuidado na poltrona e, quando nossos
olhares se cruzam, choro ainda mais.
— Anya... eu sinto muito — é tudo o que consigo dizer.
Porque realmente sinto.
Sinto tanto.
Minha amiga não merecia isso.
Ela me abre um pequeno sorriso, parecendo dizer que está
tudo bem, mas nós duas sabemos que não está.
Olho para a porta novamente.
— Viktor? Onde ele está? — pergunto, a voz tremendo. — Por
favor, me diz que ele tá vivo...
Dmitri aparece na porta, com Viktor em seus braços.
Ou o que restou dele.
O corpo está destruído, a roupa rasgada, o rosto coberto de
sangue seco e hematomas escuros. Há tanto sangue que parece
impossível ele ainda estar vivo. A cabeça pende para o lado, os
lábios entreabertos e cortados.
— Meu Deus… — o grito sai do fundo da minha alma,
arranhando a garganta. — Viktor! — corro até Dmitri, tropeçando no
próprio desespero.
As pernas mal me obedecem, o chão gira, e quando chego
perto, meu corpo inteiro treme.
— Ele tá vivo? Me diz que ele tá vivo, Dmitri, por favor…
— Está, mas por pouco.
Solto o ar dos pulmões, sentindo alivio.
Outro homem entra apressado, carregando uma maleta
metálica. Dmitri o indica com um gesto rápido.
— Ele é o médico — explica. — Vai cuidar dele e da Anya
durante a viagem.
Dmitri deita Viktor numa poltrona larga, o corpo mole, sem
resistência. O médico se ajoelha ao lado dele, abrindo a maleta,
tirando seringas, gaze, frascos.
Eu fico ali, paralisada, vendo o médico cortar a camisa de
Viktor e expor o peito dele, roxo, coberto de hematomas, com
marcas de queimaduras espalhadas pelos ombros e braços.
É uma cena que eu jamais vou conseguir apagar da minha
cabeça.
O ar me falta.
Abraço meu filho com força, tentando me impedir de desabar
de vez.
— Meu Deus… o que fizeram com ele... — soluço, apertando
o bebê contra o peito. As lágrimas caem em cascata, quentes,
incontroláveis.
Mikhail está com Anya, e Dmitri se aproxima, encostando a
mão no meu ombro.
— Trouxemos eles de volta, Helena — tenta me dar algum
alívio.
— Ele sofreu muito, Dmitri... — digo, com a voz falhando. —
Ele tá muito machucado. Ele não devia ter ficado, não devia...
— Ele fez isso por vocês — Dmitri respondem o olhar também
perdido no irmão. — E tenho certeza de que não se arrependeu. Se
fosse preciso, faria de novo.
Não respondo.
Apenas encaro o médico, que trabalha rápido, com uma
expressão preocupada.
— Ele vai ficar bem... — Dmitri murmura, talvez pra me
acalmar, talvez pra se convencer.
Mas eu mal o escuto.
Não consigo olhar pra Viktor tão destruído, tão vulnerável,
entre a vida e a morte. Nem pra Anya, ferida, tentando se manter
acordada.
A cena toda parece um pesadelo e eu só quero acordar e ver
todos eles bem.
Eu não consegui parar de chorar um segundo durante toda a
viagem. Nikolai pareceu sentir a minha angústia e também chorou
bastante, nem o peito o acalmou.
Meu filho parecia sentir que o pai estava em um estado
crítico.
Porque sim, era assim que Viktor se encontrava.
Chegamos à Rússia e fomos levados para um dos
esconderijos deles, uma casa isolada, encravada no alto de um pico
coberto de neve.
Dmitri trouxe nossas coisas que haviam ficado no hotel, o
presidente mandou seus homens buscarem e foram os mesmos que
nos escoltaram até aqui.
Não soube mais nada da pobre da Zhenya. Dmitri disse que
resolveu tudo e eu me sinto péssima por isso, coitada.
Assim que chegamos, já havia um médico esperando, dois
enfermeiros e uma estrutura montada. Parecia um hospital de
verdade.
Mikhail não saiu de perto de Anya, e ninguém pôde entrar no
quarto onde cuidavam de Viktor.
Estou tão angustiada, mas tão angustiada… Choro, choro e
choro e a dor não diminui.
A angústia parece viva dentro do meu peito.
Que dor é essa? Que rasga a alma por dentro e não me deixa
respirar?
— Helena? — Mikhail aparece na porta do quarto onde estou
com Nikolai.
Passo as mãos no rosto, enxugando as lágrimas.
— Anya vai ficar feliz em te ver — diz ele. — Pode ir, eu fico
com o moleque.
É
Assinto em silêncio. Não consigo falar muito. É como se um
nó tivesse se formado na minha garganta, me impedindo até de
respirar direito.
Eu também quero muito ver Anya, mas não sei o que dizer.
Um simples “sinto muito” me parece pequeno demais diante de tudo
o que ela passou.
— Helena — a voz dele me faz parar no meio do quarto e
virar pra encará-lo. — Foi um prazer tirar você e Nikolai de lá, a
salvo.
Pisco, confusa, sem saber o que responder.
— Você é da família — ele continua, com um meio sorriso
discreto — e esse pequeno aqui... — aponta para o berço — é meu
sangue.
Acho que essa é a maneira de Mikhail dizer que não guarda
raiva de mim por eu ter tentado salvar minha amiga dele.
Abro um pequeno sorriso e apenas assinto.
— Viktor é forte, ele vai ficar bem — acrescenta.
Respiro fundo e, sem conseguir dizer mais nada, apenas
balanço a cabeça antes de sair do quarto.
Quero acreditar que ele vai ficar bem.
Preciso acreditar.
Empurro devagar a porta do quarto onde Anya está e o
coração se parte de novo.
Ela está deitada na cama e vira o rosto na minha direção.
Tem um corte profundo na sobrancelha, o lábio rachado e inchado, e
um roxo escuro cercando o olho esquerdo.
A pele pálida, marcada, parece mais frágil do que nunca.
O choro vem antes que eu consiga impedir, minhas pernas se
movem sozinhas, corro até ela e me ajoelho ao lado da cama,
pegando com cuidado a mão dela entre as minhas.
— Anya… me perdoa, por favor… — minha voz falha, trêmula.
Ela se mexe devagar, a voz fraca:
— Por quê, Helena?
— Por tudo… — soluço. — Por ter te colocado nessa vida, por
tudo o que te aconteceu. Por ter te arrastado pra esse inferno
comigo. Se eu pudesse voltar atrás, se eu pudesse mudar alguma
coisa… — respiro entrecortado. — Eu juro, Anya, eu faria qualquer
coisa pra te poupar disso.
Ela tenta sorrir, mas o corte na boca a faz estremecer. Mesmo
assim, me olha com ternura.
— Você não tem culpa, Helena… — murmura. — Não se culpe
por algo que não é sua culpa, minha amiga. Eu estou viva, estou
aqui. Viktor está vivo, e é isso que importa.
Quero me apegar a isso.
Quero acreditar que o importante é que eles estão bem, mas
a minha cabeça não me deixa.
Ela grita o tempo todo, me lembrando do quanto eles devem
ter sofrido, do inferno que enfrentaram.
E isso me destrói por dentro.
Anya se arrasta um pouco pro lado, com dificuldade, soltando
uma careta de dor e eu me deito ao seu lado, com cuidado pra não
encostar nas feridas, e a abraço devagar, o coração apertado.
Ela encosta a cabeça no meu ombro, e eu faço uma promessa
pra ela. Talvez a mais sincera da minha vida.
Prometo que nada de ruim vai acontecer com ela de novo. E
vou me esforçar com tudo o que tenho pra cumprir.
Acaricio seus cabelos, sentindo o tremor leve do corpo dela.
— Eu te amo, Anya — sussurro, a voz embargada. — De
verdade.
Digo isso com todo o meu coração, porque ela precisa saber.
Porque ela merece saber que é amada.
Choramos juntas.
Quero curar as feridas do coração dela. Quero sarar a dor da
sua alma.
Porque amigas servem pra isso, pra segurar a gente quando o
mundo desaba.
E Anya é mais do que uma amiga.
Ela é a irmã que a vida me deu no meio do caos.
Farei da dor dela a minha e juntas, vamos nos curar.
Porque quando o fardo é dividido, ele se torna mais leve e eu
quero que Anya saiba que nunca vai estar sozinha.
Porque, enquanto eu respirar, estarei aqui, por ela.
Os dias se arrastam, e a angústia só aumenta.
Anya está se recuperando bem.
Mikhail e Dmitri estão atrás do maldito que causou tudo isso.
Dmitri pediu licença do serviço, disse que depois do atentado
precisava passar um tempo com a família, mas a verdade é que ele
está atrás de vingança.
E eu não os julgo. Tudo em mim berra para que eles se
vinguem, que aquele homem pague.
Sei que ele também queria vingança, mas quando mexem
com o seu lado, o que sobra é vontade de ver o outro sangrar por
inteiro.
O meu verdadeiro tormento é Viktor, que continua
desacordado. Ele foi brutalmente torturado, teve um inchaço na
cabeça por causa das pancadas e está demorando demais pra
acordar.
Fazem exatamente sete dias desde que tudo aconteceu.
Anya passa o dia bem, mas durante a noite tem pesadelos e é
por isso que Mikhail tem dormido com ela. Cheguei a oferecer pra
ela ficar no quarto comigo, mas Nikolai acorda chorando toda hora,
e isso atrapalharia o sono dela. Além disso, ainda existe algo não
resolvido entre ela e Mikhail.
Resolvi não me meter.
É louco, mas eu entendo exatamente o que Anya está
sentindo. Por mais que a gente queira odiá-los… não consegue.
E isso é assustador.
Venho ao quarto de Viktor todos os dias, várias vezes ao dia.
Trago Nikolai comigo. Converso com Viktor, mesmo que ele não me
escute. Penteio seus cabelos, que estão grandes, e às vezes me
pego acariciando seu rosto. Sua barba também cresceu.
Os hematomas no corpo estão mais claros, quase sumindo,
mas ainda há muitas marcas do inferno que ele viveu.
Ah, também sou eu quem dá banho nele com um paninho
úmido. Nem morta eu deixaria outra pessoa vê-lo pelado.
Dmitri riu uma vez e disse que fiz certo, porque, quando
Viktor acordar, vai ficar furioso em saber que um dos irmãos, ou pior,
algum enfermeiro, limpou a bunda dele.
Na hora, eu ri.
A primeira vez que eu ri desde que tudo aconteceu.
Consegui até imaginar o jeito dele reagindo a isso.
E é disso que eu mais sinto falta: do jeito dele.
Da voz rouca e grossa, do olhar escuro e dominador, do toque
firme, possessivo. Sinto falta até da forma nada romântica com que
ele manda na minha vida, mas que, no fundo, eu sei que é o jeito
dele de demonstrar o que sente.
Porque sim… eu sei que Viktor sente algo por mim.
Assim como eu sinto por ele.
As noites têm sido difíceis. Nikolai está naquela fase, que
chamamos de salto de desenvolvimento, igual àquela época em que
não saía do colo.
Mas, naquela vez, eu tinha Viktor pra dividir isso comigo.
Agora, estou sozinha.
— Você tá muito folgado, sabia? — fungo, passando os dedos
pelos cabelos dele. — O médico disse que você está bem, que já
pode acordar. Então por que não acorda, Viktor?
Estou sentada na cadeira ao lado da cama, observando cada
detalhe dele.
— Eu vou pegar o Nikolai, sair por aquela porta e ir embora. E
aí? — minha voz embarga. — Não vai acordar pra me impedir? Pra
dizer que minha vida te pertence e que essa merda toda só acaba
quando você decidir?
As lágrimas caem silenciosas, uma atrás da outra.
— Eu tô cansada, Viktor… — minha voz falha. — Nikolai chora
todas as noites. Eu acho que ele sente sua falta. Você não vai
acordar? Seu filho quer você.
Faço uma pausa, respirando com dificuldade.
— E eu também…
Silêncio.
— Viktor, acorda logo! — o grito sai sem que eu perceba.
— Para de falar tanto… — a voz dele surge baixa, rouca,
arranhada.
Por um segundo, meu corpo congela.
— Ai, meu Deus! — exclamo, a voz trêmula, quase um grito.
— Você falou, não falou? Repete! — minhas mãos cobrem a boca, o
coração disparado. — Meu Deus… é real!
As lágrimas voltam com força. Eu choro sem controle, sem
saber o que fazer. Meu peito dói, o coração parece prestes a
explodir.
Eu ouvi direito… não ouvi?
Ele resmungou.
Como sempre faz, sempre resmungão.
Vejo, bem devagar, seus olhos se abrindo. Lentos e pesados,
como se cada piscada doesse.
E o tempo simplesmente para.
— Por que está chorando, bruxa? — a voz dele sai fraca, mas
inconfundível.
É dele.
É a voz dele.
É ele acordado.
Tudo dentro de mim se desfaz.
Um riso nervoso me escapa no meio do choro. Quase pulo da
cadeira, rindo e chorando ao mesmo tempo, incapaz de conter o
alívio que explode dentro de mim.
— Meu Deus… — sussurro, passando a mão no rosto. — Você
falou mesmo… Você tá aqui… você tá vivo…
Sorrio, com o rosto molhado de lágrimas e o coração batendo
como nunca.
É tanta felicidade que chega a doer.
— Tô vivo, bruxa. — Ele tenta sorrir. — Não foi dessa vez que
você ficou livre de mim.
Viktor levanta a mão devagar e passa o polegar pela minha
bochecha.
E, por Deus, sentir o toque dele depois de tantos dias é como
voltar a respirar.
Como se, todo esse tempo, eu estivesse prendendo o ar sem
perceber.
— Eu vou chamar o médico, não se mexe — tento me
levantar, mas ele segura o meu braço.
— Onde estamos? — pergunta, com o olhar confuso.
— Na Rússia, em um dos seus esconderijos. Dmitri e Mikhail
disseram que estamos seguros agora.
Ele aperta os olhos e depois os abre, mais focado.
— Eles foram me buscar — diz, mais pra si do que pra mim.
— Pegaram o filho da puta? Todos os desgraçados que estavam
naquele galpão?
— Eu não sei direito… — tento mantê-lo calmo. — Mas você
não precisa se preocupar com isso agora, tá bom? Eles estão
cuidando de tudo. Você precisa focar em se recuperar.
Viktor me ignora completamente e tenta se levantar, soltando
um gemido de dor.
— Para com isso! — seguro seus ombros, impedindo-o. —
Você precisa descansar!
— Preciso ir atrás daquele filho da puta, Helena! — ele ruge,
entre dentes, forçando o corpo fraco.
— Não! Agora, o que você precisa é se recuperar, ouviu?
Suas mãos apertam meus braços, me obrigando a encará-lo.
— Você não entende, Helena… aquele maldito quer me matar
em vida primeiro e só existe uma maneira de ele conseguir isso.
Silêncio.
Ele engole seco, o peito subindo e descendo com esforço.
— Pra me matar em vida… ele teria que tirar você e o Nikolai
de mim. — Fala com dificuldade e prendo a respiração. — E eu não
vou permitir isso. Ninguém vai encostar em vocês.
Ele tenta se levantar de novo, gemendo, teimoso.
E eu fico ali, sem conseguir dizer nada.
A mente girando.
Pra me matar em vida… só tirando você e Nikolai de mim.
Foi isso que ele disse.
Meu Deus… nós somos a vida dele?
Sinto o ar me faltar.
O médico entra apressado, tentando acalmá-lo junto comigo.
É uma confusão.
Viktor continua teimoso, insistindo em levantar, e o médico
pede pra eu ajudá-lo a contê-lo.
Mas, no meio de tudo isso, há outra confusão, a que se passa
dentro da minha cabeça.
E, principalmente, dentro do meu coração.
Estou sentado em frente ao espelho, sem camisa, fazendo a
barba que já está enorme.
Observo as marcas no meu corpo e sinto a raiva subir,
queimando por dentro. Estou a ponto de explodir.
Preciso pegar o desgraçado do Luís, o maldito que ousou
mexer comigo e ameaçar a minha família.
Ninguém ameaça a minha família e continua respirando.
Ele é um sádico, e não vai sossegar enquanto não me ver
sangrar, enquanto não arrancar o meu coração bem diante dos meus
olhos.
O meu coração: Helena e Nikolai.
Não vou permitir. Nunca.
Esses dois dias acordado foram o suficiente pra eu me
recuperar o bastante. Ainda sinto dores, mas nada dói mais do que
essa sede de vingança.
Dmitri e Mikhail estão rastreando o desgraçado, e logo iremos
encontrá-lo.
Não podemos voltar pra casa ainda, não sei em quem confiar.
Preciso pegar Luís primeiro e descobrir quem está na folha de
pagamento dele.
E eu juro: a morte de quem me traiu vai ser lenta e dolorosa.
Tenho todo o tempo do mundo pra torturar um por um.
Mas primeiro… vou começar por ele.
E ele vai se arrepender do dia em que nasceu.
O inferno vai parecer um paraíso diante do que eu vou fazer.
Anya está bem e ver isso me trouxe alívio. A garota é forte.
Agora entendo o fascínio de Mikhail por ela. Quando me viu, correu
pra me abraçar, agradecendo por eu tê-la protegido.
Mas eu não a protegi.
Não fiz nada pra tirá-la daquele inferno. Não mereço o olhar
de gratidão dela… nem aquele carinho que vi em seus olhos.
Mesmo assim, foi bom vê-la viva. Pelo menos fisicamente.
Porque sei que o trauma vai demorar a sair da mente dela.
Pegar Nikolai no colo foi um alívio pra minha alma. O
gorducho me presenteou com uma gargalhada, e porra, aquilo
quase me quebrou. Senti um nó na garganta e precisei piscar várias
vezes pra conter esse sentimento estranho que apertava o peito.
Mas nada, absolutamente nada, se compara ao momento em
que acordei e vi aqueles olhos azuis, cheios de lágrimas, me olhando
com medo e alívio.
A bruxa chorando por mim.
Eu mereço isso?
Mereço que ela me olhe assim, com tanto amor?
Porra nenhuma.
Só fiz mal pra ela.
Helena cuidou de mim. Ela ficou ao meu lado o tempo todo,
enquanto eu estava desacordado.
Dmitri e Mikhail me contaram tudo o que aconteceu.
E, caralho…
Eu não mereço essa mulher.
Mas eu quero ela.
Pra sempre.
Enquanto eu era torturado, tudo que eu conseguia pensar era
nela e no nosso filho. Na família que estávamos construindo.
Sim, estamos construindo uma família. De um jeito torto,
bagunçado e completamente fora do comum, mas é a nossa.
E eu quero ser diferente por ela.
Os olhos dela me davam força pra aguentar cada porrada,
cada queimadura, cada tortura. A voz dela ecoava dentro da minha
cabeça, dizendo que eu precisava ser forte, que eu tinha que voltar
pra ela e pro nosso filho.
Mesmo de longe, foi Helena quem me sustentou.
Desde o dia em que a conheci, tem sido ela.
Sempre ela.
— Por que não me chamou? Eu teria feito pra você. — A voz
dela me arranca dos pensamentos.
Ela está na porta, linda, sorrindo.
Eu a encaro pelo espelho.
— Tô bem, bruxa.
— Eu não disse que não estava — cruza os braços, com
aquele olhar que me desmonta. — Eu disse que faria pra você.
Arrasto a cadeira pra trás e bato duas vezes na perna,
chamando-a pro meu colo.
Helena vem sem resistência.
Senta, delicada, e toca meu rosto ainda coberto com o resto
de loção de barbear.
— Vou precisar ir — digo, olhando nos olhos dela. — Mas
você vai ficar segura aqui com Anya e Nikolai, tá bom?
Ela fecha os olhos, respirando fundo, tentando conter o
medo.
— Você precisa se recuperar primeiro, Viktor.
— Já me recuperei. Agora eu preciso pegar aquele filho da
puta.
Helena abre os olhos e passa os dedos pelos meus braços,
pelos ombros, pelo peito.
Estou sem camisa, e o toque dela faz minha pele arrepiar.
— Eles te machucaram muito, Viktor… — murmura, a voz
embargada. As lágrimas começam a cair.
Rapidamente, levo a mão ao rosto dela, secando-as com o
polegar.
— Não chora por mim, bruxa. Eu mereço sua raiva, seu
desprezo… e todo o seu tesão. Mas não mereço nenhum sentimento
bom vindo de você.
Ela deita a cabeça no meu ombro, a voz saindo num fio:
— Eu também não quero sentir… — funga. — Queria que as
coisas fossem diferentes entre nós, Viktor.
Porra… Eu também queria.
Queria não…
Eu quero.
— Olha pra mim, bruxa. — peço, tentando deixar a voz suave,
o que não me é natural.
Ela levanta a cabeça devagar. Os olhos vermelhos, o nariz
ainda brilhando por causa do choro.
E eu fico ali, observando cada detalhe, feito um bobo: o brilho
úmido nos cílios, o lábio trêmulo, o queixo vacilando enquanto ela
tenta se segurar.
O cheiro do cabelo dela, doce e familiar, me invade.
O peito dela sobe e desce, rápido.
Sinto o calor do corpo colado no meu, e o meu pau pulsa.
Aproximo o rosto; a respiração dela bate na minha boca. Os
lábios se entreabrem, ansiosos, mas eu não a beijo.
— Eu vou resolver tudo o que preciso resolver — digo baixo.
— E quando eu voltar, nós vamos conversar. Tudo bem?
Ela abre um pequeno sorriso.
— Você tá perguntando? Não ordenando? — provoca.
— Só me espera voltar pra conversarmos, tá? — insisto.
— Não vou a lugar algum. Você sabe disso. — Ela encosta a
testa na minha, os olhos fechando.
Nossos rostos ficam colados. Sinto o hálito quente dela, o ar
misturado ao meu. Ela se mexe no meu colo, e eu sei que ela sente
o quanto estou duro.
Helena é safada o bastante pra não disfarçar. Ela gosta
quando eu a tomo com força, quando marco o seu corpo, provando
que ele é meu.
Por mais que negue, eu vejo o quanto ela gosta.
Mas não agora. Não desse jeito.
— Agora não, Helena. Quando eu voltar. — Murmuro contra
seus lábios.
Ela suspira, resignada, e fecha os olhos.
E porra… eu quero fodê-la desesperadamente.
Mas quero ainda mais mudar as coisas entre nós.
Não vou conseguir cem por cento.
Mas vou tentar, todos os dias, ser um por cento melhor por
ela.
Já faz dias que estamos na caçada. Dias sem sono. Dias em
que o mundo se resumiu a rotas, nomes e migalhas de informação.
O meu corpo virou máquina: café, cigarro e ódio puro alimentam o
motor.
Eu, Dmitri e Mikhail virámos sombras. Dmitri pediu licença da
política para ficar conosco. Sempre soube que poderia contar com
ele, mesmo distante, mesmo focado em outra coisa, Dmitri jamais
viraria as costas para a sua família. Ele é nosso sangue.
Não sabemos em quem confiar, então fomos a caça nós três.
O presidente da Espanha fez o que pôde. Não por bondade:
por medo. Medo de que o meu fogo alcançasse o quintal dele.
Não farei nada com ele, ele não tem culpa do que aconteceu,
embora tenha se desculpado milhares de vezes pelo ocorrido ter
acontecido no seu país.
Eu só cobraria algo dele se me provasse que ele estava junto
com o filho da puta, ai sim, eu o mandaria para o inferno. Fora isso,
ele não tem nada a temer sobre esse assunto.
Oleg desapareceu, mas não por muito tempo. Primeiro vou
atrás de Luís e daqueles malditos mercenários, depois eu caço esse
rato.
Luís troca de cidade, de identidade, de esconderijo, tentando
se salvar, mas tudo isso deixa rastros, e é atrás desses rastros que
eu sigo para pegá-lo.
Montámos a caçada como se montasse uma máquina. Peças
de todos os lados: hackers que invadiram registros, contatos em
portos, informantes e tudo que preciso para pegá-lo com vida.
Os hackers cruzaram horários, contas, reservas; encontraram
padrões nos gastos que Luís achava invisíveis.
Dmitri abriu portas que só o poder abre. A política deu
cobertura e abriram portas para que continuássemos nossa busca. E
é só por isso, só por esses benefícios que eu mantenho esses
malditos na minha folha de pagamento.
Cada pista era um ponto de partida. Íamos, mas em todas as
vezes tudo que encontrávamos era alguns mercenários se
escondendo. Torturamos os desgraçados até eles morrerem por não
aguentar a dor. Os malditos resistiam e não falavam nada sobre Luís.
E os que abriam o bico, não tinham qualquer informação relevante.
Os dias empilharam-se. Noites sem fim. E uma saudade
doentia de Helena roendo por dentro.
Até que, num dia certo, a coordenada bateu. O desgraçado
estava ali, à minha frente: sentado numa mesa pequena, jantando
com calma, cercado pelos dois homens que mais me torturaram e
bateram em Anya.
Jamais esqueceria aqueles rostos.
— Que prazer enorme revê-los. — Abro um enorme sorriso.
Ele engasgou, os olhos abrindo de repente como se tivessem
visto o próprio inferno. Os outros tentaram alcançar suas armas,
com mãos trêmulas, mas não foi possível, Dmitri e Mikhail tinham as
coronhas coladas atrás da cabeça de cada um deles.
E o demônio dentro de mim se alimentou com o desespero
em cada olhar ali, começando a ficar satisfeito com o que iria
acontecer a partir de agora.
Meu sorriso ia de orelha a orelha, feliz demais.
Finalmente a minha festa ia começar e eu ia me divertir como
nunca antes.
ATENÇÃO: CENA DE TORTURA
Este capítulo descreve violência física, tortura e sofrimento. Priorize
seu bem-estar: se sentir desconforto, ansiedade ou angústia, pule
imediatamente este capítulo. Sua saúde mental é o mais importante.
A cara de desespero do Luís é a minha segunda parte
preferida nisso tudo. A primeira, com certeza, é vê-lo sofrer nas
minhas mãos.
O engomadinho é fraco, não aguenta nada.
O grandão, o que mais bateu na Anya, o que tanto queria ver
o Mikhail, está provando exatamente o que eu disse: ele não ia
querer ver Mikhail na frente dele depois do que fez com a garota.
O outro? Deixamos para o Dmitri se divertir também; afinal,
ele foi peça-chave pra conseguirmos pegar esses malditos.
Luís não sabe nada sobre o Oleg. Confessou que o último
contato que teve foi quando meus irmãos me resgataram.
Naquele dia alguns mercenários fugiram e outros que
estavam lá foram mortos por Mikhail e Dmitri.
O que importa agora é que os que restaram estão aqui.
Penduramos, do mesmo jeito que eu estive, surrados sem cessar.
É
É como se o sangue voltasse a correr nas minhas veias cada
vez que eu me alimento da dor do desgraçado.
Ele teve a cara de pau de ameaçar Helena e o meu filho.
Filho da puta.
Ameaçar as pessoas que são mais importantes para mim
nesse mundo foi o maior erro que ele cometeu.
Se ele só tivesse me ferido, eu não estaria assim. Claro que
eu o mataria, sem dúvida, mas talvez o poupasse de tanta dor.
Há 24 horas ele está aqui, sendo surrado sem parar. Toda vez
que lembro das palavras dele, o acordo e volto a espancá-lo até
desmaiar.
Os nós dos meus dedos estão machucados; pouco me
importa. O estrago na cara dele me deixa satisfeito.
Dessa vez, o infeliz desmaiou por bastante tempo e eu me
recuso a aceitar que ele morra assim, fácil demais.
Pego o balde com gelo e jogo sobre ele, que acorda
assustado, gritando. Acendo um cigarro e fumo bem na cara dele,
cuspindo a fumaça no seu desespero.
Ele chora, tenta implorar.
Implorar? O maldito quer implorar?
Solto uma gargalhada.
— Você não tem vergonha de implorar? Que humilhação. —
Estalo a língua no céu da boca. — Não devia implorar por nada pra
um homem como eu. Eu não ligo pro seu choro, pro seu desespero,
muito menos pra sua morte.
Aproximo o cigarro do pescoço dele e apago a brasa na pele.
O gemido rasga a garganta. Mas o corpo doentio dentro de mim
pede mais; quero que esses gemidos virem uma música inteira de
agonia, não só um acorde. Quero gritos que ecoem e me deem sono
tranquilo depois.
Pego um martelo na mesinha ao lado. Luís se debate, grita.
Quanto mais ele se mexe, mais as cordas cortam os pulsos e o
sangue jorra.
Primeiro, uma martelada no joelho direito, o som do osso
quebrando me faz respirar fundo, satisfeito. O grito que vem em
seguida é potente, recheado de dor. Repito no outro joelho. Os
tendões cedem, o sangue explode.
Sorrio. A satisfação me domina. Largo o martelo e volto a
socá-lo até que ele desmaie outra vez.
Foram dois dias assim: pura satisfação. Só parávamos pra
tomar banho, comer e beber com o Dmitri e o Mikhail, que estavam
tão empenhados quanto eu em fazer aqueles homens sofrerem.
Prometi a Luís que nem a mãe dele o reconheceria, que nem
direito a velório ele teria. Promessa é promessa, eu cumpro.
Arranquei cada unha dele com prazer. Ele sabia que seus
gritos me alimentavam; tentava se segurar, não conseguia.
Arranquei dentes até que desmaiava, e eu parava só pra que
acordasse de novo, porque eu jamais deixaria de sentir o prazer de
fazê-lo acordado para ouvi-lo gritando.
Eu o espanquei, o humilhei, e em todas as vezes deixei claro:
o erro dele foi ameaçar a minha família.
Levei aquele homem ao inferno com a mais pura satisfação.
Sabia que, quando eu morresse, o encontraria lá, e isso me dava
paz.
Diferente dele, eu sempre estive pronto pro inferno.
Luís chegou a implorar pra morrer. Dei-lhe o que queria. Não
porque pediu, mas porque eu sabia que não duraria muito mais.
Sentei-me, servi-me de uma bebida. Entreguei a arma na
mão dele, havia só uma bala, e deixei claro: atire na própria cabeça.
Se ele não se matasse, eu o torturaria ainda mais.
Não temi que virasse a arma pra mim; o homem já estava
praticamente morto, não aguentaria sequer fugir.
Queria ver ele tirar a própria vida. Queria saborear aquilo. E
eu saboreei.
Luís apertou o gatilho várias vezes; o som estalou e nenhum
tiro vinha. Tremia, chorava. Eu sorria. Até que o barulho veio. O
sangue jorrou. Os miolos se espalharam.
A certeza chegou: o meu monstro estava alimentado. Eu
poderia voltar a dormir.
Com isso, eu voltaria pra Helena.
Mas não pararia aí. O próximo passo é encontrar o Oleg.
Não há espaço neste mundo pra mim e pros meus inimigos.
Ou sou eu, ou são eles. Pode apostar que farei de tudo pra que o
meu lado vença.
Eu costumo caçá-los antes de virar caça. Ser caçador sempre
me pareceu, e sempre parecerá, muito mais divertido.
Voltei para casa no meio da noite. Mikhail já estava com o
nome de todos os vermes que ousaram me trair, os que se
venderam. E ele sabia muito bem o que fazer com eles.
Eu queria todos mortos. TODOS.
E queria que fosse na frente dos outros, que servissem de
lição.
Fiquei observando Helena dormir por um longo tempo. Não a
acordei. Tudo o que eu queria era só olhar. Gostava do que me
tornava perto dela, alguém diferente.
O monstro dentro de mim ficava em segundo plano quando
ela estava por perto.
Antes isso me assustava; agora, sinto que me liberta.
Levantei-me e fui ao quarto da Anya. Sabia que ela não
dormia. Mikhail ainda não tinha voltado e o que a assombrava não a
deixava sossegada.
Ao entrar, ela se sentou na cama e me encarou. Dei um leve
aceno, que a fez entender, sem precisar de palavras. Ela deixou
escapar um choro desesperado, vindo lá do fundo da alma. Anya
sabia que tinha acabado.
Ela se levantou, veio até mim com passos rápidos e me
abraçou.
— Acabou, Viktor — repetia, e eu apenas assentia. —
Obrigada. Obrigada por ter atraído a ira daqueles malditos para
você, todas as vezes, para evitar que fizessem algo comigo.
— Não me agradeça, Anya. Eu sabia que o Mikhail ficaria
louco se algo acontecesse com você.
Ela se afasta e sorri.
— Mesmo assim, obrigada. Agora me diz: o que veio fazer
aqui? Tenho certeza de que não foi só pra me contar.
Assenti, abrindo um sorriso pequeno. Anya é esperta. Mikhail
tem sorte; eles formam um casal e tanto. Embora eu ainda não
saiba bem como andam as coisas entre eles.
Nos sentamos no sofá. Ela enxuga as lágrimas, visivelmente
mais calma, e eu solto de vez:
— Preciso da sua ajuda para conquistar a Helena.
Anya arqueia as sobrancelhas.
— Como assim? — pergunta, um tanto confusa.
— Quero que a Helena seja minha porque ela quer, não
porque eu a obriguei a ficar do meu lado. Quero aprender a fazê-la
querer ficar. Preciso que você me ajude a entender um pouco as
mulheres — digo, me sentindo um completo idiota por isso. — Quero
saber o que realmente agrada. Porque quero aprender a agradar e a
conquistar a Helena.
Mikhail trouxe eu e Anya para um apartamento superluxuoso
no centro da cidade, onde simplesmente jogou a bomba de que aqui
seria nosso novo lar e que estaríamos seguras.
Eu não entendi porra nenhuma.
Como assim aqui seria o meu lar?
Cadê o Viktor?
Atormentei a cabeça da Anya com perguntas, mesmo que a
pobre coitada não soubesse de nada.
E sabe o que ela me respondeu?
— Amiga, não era isso que você queria? A sua liberdade? Por
que está surtando?
Sim, era isso que eu queria.
Na verdade, é isso que eu quero.
Mas não assim.
Pera lá. Cadê o Viktor pra me dar uma satisfação?
Aquele dia eu surtei como nunca, e Anya me acalmou com
pipoca e filme.
Ela realmente era uma amiga especial.
Não conversamos sobre ela e o Mikhail, embora eu saiba que
tem algo rolando ali. Quero perguntar, mas não quero ultrapassar os
limites, então espero ela se sentir confortável pra me contar.
No final da noite, Nikolai já dormia e eu tinha acabado de
deitar. Ouvi a porta do quarto sendo aberta e nem precisei me
assustar, meu corpo o reconheceu antes mesmo dele se mostrar.
O cheiro do Viktor era inconfundível.
— Resolveu aparecer pra resolvermos como vai ser a sua
paternidade daqui pra frente? Como pais separados? — zombei, e
ele deu uma risada curta.
— Tive algumas coisas pra resolver. — Ele se aproxima,
trazendo alguma coisa nas mãos.
Eu sabia que ele tinha se vingado, não por ele ter dito, mas
porque estávamos aqui. Isso me dizia que tudo tinha acabado.
O que eu não entendi é o que eu estava fazendo aqui, e não
na casa dele.
— Sentiu minha falta, bruxa? — Ele se senta na beirada da
cama, bem ao meu lado, e eu respiro fundo.
Porra… senti.
Que ódio, eu senti a falta dele!
— Passei no quarto e o Nikolai dormia tranquilo. — Comenta,
diante do meu silêncio, e eu olho pra babá eletrônica.
Como eu não o vi ali?
— E então? Vai pegar ele de quinze em quinze dias? —
continuo provocando, mas no fundo quero saber.
Quero saber como vai ser daqui pra frente.
— Pretendo vê-lo todos os dias.
Engulo seco.
— Entendi… Então eu vou morar aqui, e você vai morar lá. —
Viktor fica em silêncio, e isso me deixa nervosa.
Viro pro lado, pego o colar que guardei na gaveta da mesinha
e entrego pra ele.
— Acho que não vou precisar mais disso, já que não sou mais
sua prisioneira.
Ele abre um pequeno sorriso ao ver a gargantilha com o
nome dele.
— Talvez eu tenha exagerado em te obrigar a usar isso. —
Arqueio as sobrancelhas. Talvez? — Mas, em minha defesa, além de
linda, você ficava ainda mais sexy com meu nome cravado em
diamantes no pescoço.
Tento manter a pose séria, mas acabo rindo.
— Então eu estou livre?
— Está. — Ele nem pensa duas vezes antes de responder.
Meu coração acelera.
Ok. Eu não estava preparada pra ouvir isso.
Calma, Helena!
É tudo que você sempre quis, lembra?
Viktor é um psicopata. Um lunático. Um mafioso perigoso. Ele
te arrastou pro inferno. Por causa dele, você perdeu toda a sua vida.
Mas… por causa dele, eu tive o meu filho.
Por causa dele, estamos vivos.
Por causa dele, eu aprendi o que é me sentir mulher de
verdade. O que é me sentir desejada.
Por causa dele, meu coração bate tão loucamente.
Porra.
Eu estou apaixonada.
Eu me apaixonei pelo Viktor.
Isso só pode ser Síndrome de Estocolmo… não tem outra
explicação.
Um estalar de dedos na frente do meu rosto me faz voltar pra
realidade. Ele me encara, divertido.
— Não pensa demais, bruxa. — Abre um sorriso lindo, que faz
minha respiração falhar. — É pra você.
Ele estende o que estava segurando, uma espécie de
caderno. Na capa, escrito em letras vermelhas: Bruxa.
Sorrio.
— O que é isso?
— Abre.
Ao abrir a primeira página, meu coração erra uma batida.
"O homem perfeito para a bruxa é:"
— E aí, quero que você escreva como seria o homem perfeito
pra você.
— Viktor, o que é isso? — Rio, nervosa e confusa.
— Passa pra próxima. — Pede, e eu obedeço.
"Os sonhos que a bruxa quer realizar são:"
Outro sorriso nervoso se forma no meu rosto.
Ele pede que eu vire mais uma página.
"Os sonhos que a bruxa deixou de realizar foram:"
Meus olhos se enchem de lágrimas.
— Viktor… — sussurro, e ele pede pra eu continuar.
"As coisas de casais normais que a bruxa deseja viver são:"
Eu não consigo mais segurar o choro.
— Eu quero te conquistar, Helena. — A voz dele sai baixa,
sincera. — Não posso te manter presa a mim. Não é certo. Eu
queria, não vou negar — rio entre as lágrimas —, mas não é justo
com você… nem com o que sentimos. Quero começar de novo, se
você permitir. E quero fazer tudo do jeito que você sonha. Você está
morando aqui com a Anya porque é livre. Eu quis te dar um lugar
seguro, bom, pra viver com o nosso filho. E eu não vou te
desamparar, nem te prender de novo se você disser que não quer
mais nada comigo.
Ele faz uma pausa, escolhendo as palavras.
— A Anya me disse uma baboseira sobre mulher gostar de ser
amada em voz alta, ou algo assim. — Ele revira os olhos. — Não
gravei bem, porque é uma idiotice. — Rio mais ainda com o jeito
dele. — Mas eu quero viver todas as idiotices do mundo com você,
se você quiser, é claro. Então quero que anote aí tudo, porque eu
quero realizar os seus sonhos. Os atuais e os que você deixou pra
trás. Quero me tornar o homem ideal pra você.
Ele me encara com seriedade.
— Lembro que você disse uma vez sobre fazermos coisas de
casais normais. Então anota bem aí nesse tópico, porque eu vou
começar por ele, tá bom?
— Viktor, isso é…
— Não fala nada agora, Helena. — Me interrompe. — Deixa
eu tentar primeiro. Não vou te garantir que vou ser um príncipe,
porque eu tô bem longe disso, e você sabe. Mas eu quero tentar ser
melhor. Por você e pelo nosso filho.
Respiro fundo, concordando.
— A Anya me contou tudo que você disse pra ela naquele dia.
Viktor respira fundo e assente devagar.
Minha amiga me falou exatamente as palavras que foram
ditas por Viktor quando ele pensou que ia morrer. E Anya ainda
cogitou ele estar perdidamente apaixonado por mim.
E caramba... eu acho que ela tem razão.
Me emocionei demais com o que ela me contou e agora
isso... Como resistir a esse homem?
— Foram os seus olhos que me deram força pra continuar
vivo.
A confissão dele faz meu coração disparar.
Coloco o caderno de lado e me inclino um pouco mais pra
frente, aproximando-me dele.
— Está mesmo disposto a fazer tudo que eu escrever nesse
caderno?
— Sim. — Ele sorri de canto. — Todas as breguices e coisas
bobas que você colocar aí, bruxa.
Sorrio, emocionada.
Os dedos dele tocam a minha bochecha com um cuidado que
contrasta com o olhar bruto. Seu toque, ao mesmo tempo delicado e
firme, vem cheio de posse. Ele me encara com os olhos escuros,
intensos.
De repente, a mão dele desce pra minha nuca e, num
movimento fácil, me puxa pro colo, sem nenhum esforço.
— Senti sua falta, bruxa. — Murmura, a voz rouca, arranhada.
Os lábios dele encostam nos meus de um jeito lento no
começo, mas logo o beijo se torna mais intenso. Ele me prende com
uma das mãos na cintura, a outra segurando firme minha nuca, me
mantendo onde ele quer. A língua invade minha boca num
movimento seguro, sem pedir licença.
Ele morde meu lábio inferior, puxa e depois chupa devagar. Eu
solto um gemido baixo, sem conseguir evitar. Ele responde com um
grunhido rouco, apertando minha cintura mais contra o corpo dele.
O beijo fica mais urgente, cheio de saudade. Sinto o coração
descompassado, as mãos dele me guiando com firmeza e cada
toque me lembra do quanto senti falta disso.
Falta dele.
Daquele jeito bruto e intenso de me prender.
É um beijo que mistura raiva e carinho, saudade e promessa.
A boca dele domina a minha, e eu deixo.
Porque, por mais que eu tente lutar… é ali que eu me sinto
viva.
Nunca me senti tão feliz em toda a minha vida.
É estranho dizer isso depois de tudo o que vivi, mas é
verdade. É uma felicidade que vem simples, limpa, sem medo.
Viktor tem cumprido tudo o que prometeu e olha que eu
testei ele direitinho.
Naquela noite, escrevi meu primeiro desejo: queria dormir
junto com ele de conchinha.
Viktor arqueou a sobrancelha e achou meu pedido confuso.
Nós nunca dormíamos juntos, e já que ele queria ser o homem
perfeito pra mim, eu fazia questão desse pedido.
Viktor tirou o paletó, os sapatos, a camisa e se deitou comigo.
Não perdi a oportunidade de babar ao vê-lo se despindo.
— Deixa de ser safada, bruxa. Seu pedido foi dormir de
conchinha, e não fodermos de ladinho. — resmungou, puxando-me
pela cintura e se encaixando pra me abraçar.
— Mas pode ser os dois. — Falei, só pra provocá-lo e deu
certo.
Fodemos cheios de saudade e dormimos agarradinhos.
Foi uma delícia acordar nos braços dele.
Em segundo, escrevi: quero um café da manhã em paz, sem
pressa, como uma família.
E Viktor atendeu ao meu pedido. Ele simplesmente montou
um banquete. O que eu não esperava era que Mikhail e Dmitri
fossem aparecer nesse café da manhã também.
Ele me olhou, sorrindo, e sussurrou:
— Você disse “em família”. E eles também são família.
E eu ri, olhando pra Anya.
Porque ele tinha razão. Éramos uma família.
Outra coisa que escrevi foi: “Quero ver um filme bobo de
romance com você.”
Achei que ele fosse rir e jogar o caderno fora. Mas no sábado,
quando coloquei o Nikolai pra dormir, ele estava no sofá com um
balde de pipoca enorme, o cabelo molhado, uma camiseta cinza e
uma cara de poucos amigos.
— Escolhe logo o filme, bruxa.
— Você tá mesmo fazendo isso? — perguntei, rindo.
— Você mandou, eu obedeço. — Respondeu, seco, mas com
aquele brilho divertido no olhar.
No meio do filme, ele tentou fingir que não estava gostando.
Cruzava os braços, bufava… mas quando o casal finalmente se
beijou na chuva, ele me olhou e sorriu.
— Isso aí é bem a sua cara.
— E a sua?
— A minha é quando o carro explode no final. — Ele riu e me
puxou pra mais perto, me beijando no pescoço.
O filme me deu gatilho pra pedir outra coisa: “Quero dançar
na chuva com você, depois de um jantar romântico.”
Viktor, claro, resmungou. Disse que eu estava ficando louca,
que ele não era Deus pra fazer chover e que, se eu quisesse água,
era só ele ligar o chuveiro.
Mas na semana seguinte, a previsão era de chuva e ele me
levou pra jantar. O jantar foi tão leve, tão gostoso, que realmente
parecíamos um casal normal.
Na volta, o céu começou a escurecer. Grossas nuvens se
juntaram, o vento soprou forte e, em segundos, a chuva caiu
pesada. Viktor parou o carro no acostamento, olhando pra frente
com um sorriso desacreditado.
— Porra, bruxa… você não sabe o quanto eu pedi pra que
chovesse. — disse, rindo.
— Vem, Viktor! — sorri, abrindo a porta e puxando-o pelo
braço.
Ele hesitou por um segundo, mas logo saiu do carro, a chuva
batendo forte sobre nós. Eu comecei a girar no meio da estrada,
rindo, com o cabelo grudando no rosto e a roupa colada no corpo.
Ele me olhava, parecendo não acreditar na cena.
— Isso é uma idiotice. — Murmurou, andando devagar até
mim. — Mas é uma idiotice bonita.
Quando chegou perto, segurou meu rosto com as duas mãos
molhadas.
— Você é a mulher mais linda do mundo, mas também a mais
perversa. Olha só o que você me pede. — Sussurrou, com um meio
sorriso. — Se alguém me visse agora, eu perdia o respeito de meio
mundo.
— Então é bom que ninguém veja. — Respondi, rindo, e
coloquei minhas mãos nos ombros dele.
As mãos grandes deslizaram pela minha cintura, me puxando
pra perto, e começamos a nos mover sem música, só o barulho da
chuva e dos nossos corações acelerados.
— Tá feliz agora, bruxa? — perguntou, colando a testa na
minha.
— Muito. — Sussurrei, sincera.
E então ele me beijou.
Igualzinho a cena de filme mesmo.
Foi um beijo quente, molhado, faminto.
Ele me segurava firme, a boca dele tomando a minha com
fome e posse.
E foi um dos momentos mais lindos de nós dois.
Meus pedidos não pararam, e ele acatou um por um. Tudo
estava mais bonito, mais fácil, mais alegre.
Anya disse que nunca me viu tão radiante, e realmente, eu
estava.
Até cuidar do Nikolai ficou fácil. Os “titios” Anya, Mikhail e
Dmitri se revezavam pra ficar com meu gorducho enquanto eu e
Viktor aproveitávamos.
Meu próximo pedido estava na lista de sonhos a realizar.
Escrevi: “Uma viagem com a minha amiga Anya.”
Juro que, enquanto escrevia, já imaginava a resposta do
Viktor. Pensei que ele fosse dizer um “nunca” bem grosso, daqueles
que não abrem espaço pra discussão.
Mas, pra minha surpresa, ele apenas arqueou uma
sobrancelha e soltou:
— Arrumem as malas, bruxa.
Achei que ele estava brincando, mas não estava.
Dois dias depois, eu e Anya estávamos dentro de um avião,
com passagens, hotel reservado e um cartão dourado com o
sobrenome Dragunov gravado.
Eu e minha melhor amiga estávamos indo pra Santorini, na
Grécia.
Com tudo pago!
Isso era um sonho.
Eu e Anya brindamos com champanhe e sorrimos feito bobas
durante todo o voo.
Fomos a praias lindas, passeamos por lojas, tiramos fotos,
comemos besteiras e rimos até a barriga doer.
Anya, como sempre, foi a leveza que o mundo precisa. E eu,
pela primeira vez em muito tempo, me permiti ser só uma mulher
comum.
Nós sabíamos que não estávamos “sozinhas”, que havia
homens de Viktor nos vigiando, mas mesmo assim, nos sentimos
livres. E a sensação era boa.
Numa certa noite, enquanto observávamos o pôr do sol da
varanda do hotel, ela virou pra mim e disse:
— Você percebeu que está diferente?
— Diferente como?
— Feliz. De verdade.
Sorri, olhando o céu cor de fogo.
— Acho que é porque, pela primeira vez, não tô fugindo de
nada.
E quando eu digo de nada, estou incluindo os meus
sentimentos.
Nikolai ficou aos cuidados do pai, e confesso que foi a pior
parte da viagem, deixar meu filho e ficar longe dele partiu meu
coração. Eu sei que ele está em boas mãos, mas mãe é besta
mesmo.
Nos falamos todos os dias por chamada de vídeo e todas as
vezes eu choro.
Estávamos nos arrumando pra sair pra jantar quando olhei
meu reflexo no espelho e uma ideia atravessou minha cabeça.
Peguei o celular que Viktor me deu, afinal, eu não era mais
uma prisioneira, e ele confiava em mim o bastante pra saber que eu
podia ter contato com o mundo.
Mordi o lábio e sorri de canto.
Eu adorava provocá-lo e estava sentindo uma saudade
enorme de tê-lo, de sentir ele me tomando com posse, com desejo
puro.
Vesti uma lingerie branca, delicada, mas minúscula o bastante
pra tirar o autocontrole dele, e tirei uma foto rápida, apenas o
suficiente pra deixá-lo louco.
Escrevi embaixo:
“Prometo que vou vestir um vestido bem pequeno por cima.
Não precisa se preocupar, ninguém vai perceber.”
Mandei.
O “visualizado” veio em segundos.
Eu conseguia imaginar a expressão dele, a mandíbula
travada, os olhos estreitos e aquele resmungo rouco que sempre
escapava quando eu o tirava do sério.
Minutos depois, a resposta veio:
“Você está brincando com fogo, bruxa. E você vai se queimar.”
Não satisfeita, mandei outra:
“Vou me tocar pensando em você essa noite.”
Sorri, agora sim, satisfeita.
Desliguei o celular e saí com a Anya, tentando ignorar a voz
dele ecoando na minha cabeça e o arrepio delicioso que isso me
causava.
Helena decidiu me enlouquecer e me fazer pagar por tudo
que a fiz passar.
É justo.
Todo castigo para mim ainda é pouco.
Quando a Anya veio com todas aquelas dicas, aquelas
baboseiras de que mulher precisa ser amada em voz alta, que
mulher gosta quando demonstramos, eu fiquei totalmente perdido.
Porra... o que eu ia fazer por Helena?
Deixá-la livre para escolher se quer ou não ficar comigo foi o
mais difícil. Confesso: eu senti medo. Medo de que ela dissesse que
não, que não me queria nem se eu me transformasse. Nem quando
estive diante da morte tive tanto medo. Perder alguém em vida me
pareceu ainda mais assustador.
A ideia do caderno, onde ela anotaria as coisas, me pareceu a
melhor solução naquele momento. Assim eu teria tudo registrado e
seria mais fácil saber o que ela quer e como ela quer, em vez de ter
que adivinhar. Certo? Errado. Erradíssimo. Nunca estive tão
enganado.
Helena pediu coisas que eu jamais imaginei fazer. Como
dançar na chuva. Assistir filmes românticos. Dormir de conchinha,
confesso que isso virou uma das minhas coisas favoritas com ela.
Tenho sono extremamente leve, acostumei a dormir sentado
na poltrona, sempre em alerta. Mas desde a primeira vez que
experimentei dormir de conchinha com ela e tive a melhor noite da
minha vida, repetimos quase todo dia. Raramente deixo de ir ao
apartamento, gosto de estar lá só para dormir com ela.
Eu e o Mikhail tivemos a ideia do apartamento para que as
meninas tivessem um lugar só delas e estivessem seguras. Não
serviu para afastá-las de nós.
Não era a minha intenção fazer morada lá. Eu queria que
Helena tivesse tempo para pensar com clareza e eu ia me esforçar
para dar isso a ela, para me afastar, porém eu não consegui. Ficar
longe dela era difícil demais.
A Anya mora mais com o Mikhail do que no próprio
apartamento; o lugar virou ocupação nossa, eu, Helena e o Nikolai.
Mas eu não quero que meu filho cresça num apartamento.
Quero que o meu moleque tenha um quintal enorme para correr e
brincar livre. Por isso ainda não trouxe a Helena para a mansão. Ela
até comentou uma vez se estava proibida de vir ao meu “calabouço”
e eu só disse que gostava de estar com ela no apartamento e o
assunto morreu ali.
A verdade é que decidi reformar toda a mansão. Mandei
derrubar paredes, ampliar o quarto que será nosso, decorar com
cores mais claras e vivas. Mexi no quintal também: vai ter um
parquinho e um quarto de playground pro nosso filho, que cresce
rápido demais.
— Pá... pai — ele fala e ri.
E eu me derreto fácil.
Desde que o Nikolai disse “papai” pela primeira vez, não
parou mais; repete sem parar. Helena ficou indignada porque queria
que ele dissesse “mamãe” primeiro, mas agora ele já fala e sorri pra
ela de um jeito lindo. E eu entendo bem o meu filho: é impossível
não sorrir e se derreter por aquela mulher linda. Helena tem esse
poder, ilumina tudo à volta sem fazer esforço.
Me desmontou ouvi-lo me chamar de “pai”.
Porra… meu coração quase parou.
Já me sentia pai desde que bati os olhos nele, mas ouvi-lo
dizer assim, com aquela vozinha, foi diferente. Pareceu que o mundo
inteiro parou pra me mostrar o que é felicidade de verdade. A
confirmação que já morava dentro de mim se alargou, tomou o
peito, o corpo, a alma.
— Está com saudades da mamãe, filho? — pergunto,
enquanto ele brinca com o mordedor no meu colo. — Eu também
estou.
Helena foi viajar com a Anya e, embora eu viva me corroendo
de ciúme dia após dia, não a impedi de ir. Muito pelo contrário: eu
organizei a viagem em poucas horas pra que ela aproveitasse com a
amiga. Ela merece, passou por muita coisa nesses anos e tudo que
eu quero agora é fazê-la feliz. Uma luz estranha se acende dentro de
mim quando a vejo sorrir. Ver ela feliz me faz bem.
Estou com o caderno que dei à Helena. Ao reler o que ela
escreveu, percebo o quanto é humilde até nos sonhos. Não pediu
nada material. Pediu coisas simples: um aniversário de um ano
perfeito pro nosso filho, e, claro, eu vou dar o melhor primeiro
aniversário da vida dele.
Uma família feliz.
Ir ao túmulo dos meus pais.
Esses foram alguns desejos dela.
Estou me esforçando para me tornar o homem que ela listou
nas folhas: menos possessivo, mais carinho, pedir em vez de
mandar e continuar a fodê-la como se fosse a primeira vez. Essa
parte foi a mais fácil: o tesão que sinto por ela é imortal.
— Mensagem da mamãe, filho. — Converso, enquanto ele fica
alheio ao brinquedo na boca.
Meu coração salta quando vejo que a safada mandou uma
foto de lingerie.
Puta que pariu! Que mulher gostosa do caralho. E minha.
Toda minha.
Helena vai mais longe na provocação e escreve que vai se
tocar pensando em mim.
— Filho, você tem que se comportar com o seu titio, beleza?
Papai tem um voo urgente.
Ligo pro Dmitri. Ele vai ser o bom tio e cuidar do sobrinho.
O jato decolou antes mesmo de eu ter tempo pra pensar.
Decisão de última hora, mas quando se trata de Helena, nada é
planejado, estou sempre agindo por impulso.
Deixei Nikolai com o Dmitri, dei meia dúzia de ordens e parti.
Mikhail entrou no jato logo depois, com a expressão debochada de
sempre.
— Tá falando sério que vai viajar atrás dela? — perguntou,
jogando-se na poltrona à minha frente.
— Você veio junto, então cala a boca.
— Eu vim pra garantir que você não faça uma besteira. —
Mente, descaradamente.
— Ah, claro... você não veio porque a Anya está lá, né?
Ele deu de ombros, e o silêncio tomou conta da cabine.
Mikhail estava tão fodido da cabeça quanto eu. A prova disso era
simples: bastou eu dizer que estava indo pra Grécia atrás de Helena,
e ele veio correndo.
A bruxa sabia exatamente o que fazia comigo.
“Vou me tocar pensando em você.”
Porra.
Meu corpo reage só de lembrar.
Mikhail me observava calado, mexendo no celular, até soltar,
depois de alguns minutos:
— A gente virou dois idiotas, não é?
— Fala por você.
— Eu tô falando pelos dois. — Ele se inclinou pra frente. —
Olha só o que estamos fazendo.
— Estamos enlouquecendo — concluo, com um meio sorriso.
É exatamente assim que me sinto.
Porra... eu mal me reconheço.
— Nos amolecemos, Viktor. — Ele apontou pra mim. — Olha
pra gente: indo pra Grécia, de última hora, sem planejamento,
deixando tudo pra trás, só pra ir atrás de duas mulheres. E tudo por
quê? Porque não aguentamos ficar longe.
— Cala a boca, Mikhail.
Ele riu alto, balançando a cabeça.
— Eu só tô dizendo a verdade... viramos uns bundas-moles.
Cachorrinhos bem treinados.
Não pude evitar o riso, e por mais que eu não fosse admitir,
ele tinha razão.
Aterrissamos em Santorini pouco mais de três horas depois de
sair da Rússia. O céu ainda estava escuro, mas já começava a
clarear. Mikhail foi atrás de Anya, e eu atrás da minha bruxa.
O quarto dela era o último à esquerda. Abri com a chave que
peguei na recepção. O ambiente estava iluminado apenas pela luz
suave que entrava pela varanda.
E lá estava ela, dormindo.
Helena estava deitada de barriga para cima, os lençóis caídos,
revelando o corpo coberto apenas pela lingerie branca da foto.
Porra...
Ela estava linda. Linda de um jeito que doía de olhar.
O cabelo espalhado pelo travesseiro, a pele dourada pela
viagem, o rosto sereno.
Dei alguns passos, devagar, como quem teme acordar um
sonho.
Parei ao lado da cama e fiquei ali, apenas observando: a
respiração calma, o leve movimento dos lábios, o cheiro doce que
dominava o quarto.
Toquei lentamente seus cabelos, com cuidado pra não
acordá-la.
Porra... a bruxa dormia como se o mundo fosse dela.
E, de certo modo, era.
Porque eu faria de tudo pra dar ele a ela.
Meu corpo inteiro reagia, mas não era só desejo.
Era paz.
Era casa.
Helena me traz essa sensação boa de lar.
Sento-me na beirada da cama e passo os dedos pelo rosto
dela, contornando o maxilar, o canto da boca.
Ela suspira baixo, os cílios tremem... e então os olhos se
abrem, lentos, preguiçosos e incrivelmente azuis.
Por um instante, ela apenas me encara, como se tentasse
entender se estou mesmo ali e um pequeno sorriso surge nos lábios.
— Viktor...? — a voz sai rouca de sono. — Isso é um sonho?
— Não. — Respondo baixo, a ponta dos meus dedos ainda
tocando o rosto dela. — Mas você parece vinda de um.
Ela respira fundo, o sorriso crescendo.
— O que você tá fazendo aqui?
— Você me chamou.
— Eu? — franze o cenho, confusa.
— Quando mandou aquela foto e a mensagem. Você me faz
cometer loucuras, bruxa.
Ela ri, ainda sonolenta, cobrindo o rosto com as mãos.
— Onde tá o Nikolai?
— Com o Dmitri. Tá em boas mãos. Eu vim cuidar da minha
mulher. Da mulher que me enlouquece.
Helena apoia o cotovelo no colchão, me encara fixamente, o
peito subindo e descendo devagar.
— Cuidar de mim?
Dou um meio sorriso.
— Você disse que ia se tocar pensando em mim. Vim garantir
que cumprisse a promessa... e depois vou te dar todo o prazer que
eu sei que você quer sentir, e que, assim como eu, tá morrendo de
saudades.
Ela engole em seco, o ar preso na garganta.
— Viktor...
— Você se tocou, bruxa? — meus dedos agora acariciam sua
barriga, e os pelos do corpo dela se arrepiam. — Gozou gostoso
chamando o meu nome, enquanto seus dedos ficavam melados
dentro dessa boceta gostosa?
O rosto dela fica corado, o olhar vacila. Engole em seco de
novo e balança a cabeça em negação.
— Não se tocou, bruxa?
Ela balança a cabeça outra vez, os lábios entreabertos.
Levanto-me devagar e caminho até a poltrona do outro lado
do quarto, de onde tenho uma visão privilegiada do corpo dela.
— Então se toca — peço, sentando-me e abrindo os botões
do meu paletó. — Quero ver você fazer o que disse que faria.
— Viktor... eu... — a súplica dela sai num gemido delicioso,
que envia ondas direto pro meu pau.
— Quero assistir você se masturbando pra mim, Helena.
Comece acariciando esses seios lindos que você tem... devagar,
apertando suavemente o bico.
A respiração dela está acelerada, os dedos trêmulos, mas ela
faz exatamente o que pedi.
Meu pau pulsa desesperado, e eu lambo os lábios,
saboreando cada segundo desse show delicioso.
O silêncio era quebrado apenas pela minha respiração e pelo
som baixo do tecido roçando na pele.
Eu sentia o olhar dele em mim, pesado, possessivo, quase
físico. Cada movimento que eu fazia parecia guiado por ele.
Meus dedos se moviam devagar. Era impossível não
estremecer.
O modo como ele me observava fazia tudo dentro de mim vibrar.
A respiração dele parecia tão acelerada quanto a minha, o
maxilar tenso, as mãos apoiadas nos joelhos, o corpo inclinado pra
frente, pronto pra me devorar a qualquer instante.
Fechei os olhos, tentando conter o tremor que me subia pelas
pernas.
— Continua, bruxa... vai descendo.
Abri os olhos. O olhar dele era puro fogo, e eu sabia que, se
parasse, ele viria até mim.
E talvez fosse exatamente isso que eu queria.
Desci a mão, como ele mandou, e abri bem as pernas,
passando os dedos por cima do tecido fino da calcinha.
Gemi alto.
Que sensação deliciosa... me tocar sob o olhar faminto de
Viktor.
Cada vez que eu respirava, era como se inspirasse ele.
Empurrei a calcinha para o lado e enfiei dois dedos dentro de mim,
gemendo alto.
— Ah... Viktor!
Pude ouvir um rosnado saindo da boca dele e, quando o fitei,
sua mão estava acariciando o próprio pau por cima da calça.
Que delícia.
— Mete esses dedos nessa boceta gostosa, Helena. Quero ver
eles fodendo essa boceta.
E eu faço, gemendo muito e sentindo meu corpo inteiro
estremecer. Tombo a cabeça pra trás, completamente entregue ao
prazer.
Será que eu tô sonhando?
Porque, se for, não quero acordar.
Sou pega de surpresa quando as mãos dele puxam meus pés
de repente, colocando-me na beira da cama.
— Chega de me provocar, Helena. Agora é a minha vez.
Viktor segura meus dedos, leva-os até a boca e chupa.
Que cena excitante, porra.
Que tesão.
Estou a ponto de explodir.
Depois de chupar meus dedos, ele rasga minha calcinha.
Mais uma... entre tantas.
Enfia a cabeça entre minhas pernas e me cheira. Viktor
respira fundo a minha excitação e toda vez que ele faz isso, sinto-me
à beira de gozar.
Em seguida, sua boca desce até o meio das minhas pernas.
Sinto seus dedos abrirem meus lábios, e sua língua me invade,
fazendo-me cravar os dedos nos lençóis.
— Viktor! Ai... — me contorço, gemendo.
Que boca maravilhosa.
Que língua habilidosa.
Definitivamente, isso não é um sonho.
Agora as mãos dele agarram minha bunda com firmeza,
cravando as unhas na pele. Ele me devora, chupando-me sem parar,
passando a língua por toda a minha carne e sugando meu clitóris
com precisão.
Eu grito, me debato e chamo o nome dele, descontrolada.
Sinto-o soprar meu clitóris e eu não aguento mais segurar. Me
desmancho.
Viktor não me solta. Continua me chupando, mais lento
agora, deixando que eu sinta todas as nuances do meu prazer.
Ele deixa um beijo demorado e sobe, deixando lambidas,
mordidas e chupadas pelo meu corpo, parando no meu peito, onde
suga meu bico sensível.
— Você é gostosa demais, bruxa... me deixa enfeitiçado —
murmura.
Seus dedos abrem o fecho do meu sutiã, jogando-o pro lado.
Então ele mama gostoso, sugando um e depois o outro.
— Sempre quero mais e mais de você, bruxa. Sempre. Eu vim
correndo só pra poder foder essa boceta gostosa. Sou viciado em
você.
Sua boca abandona meus seios pra esmagar meus lábios,
beijando-me deliciosamente. Sua língua invade a minha boca e os
dedos se enroscam nos meus cabelos, puxando-os, e um arrepio
percorre toda a minha espinha.
— Vou te devorar todinha... mas agora eu preciso muito estar
dentro de você. Muito mesmo.
Viktor está desesperado por mim.
E eu, por ele.
Rapidamente, ele abre a calça, enquanto eu me encarrego de
tirar o paletó e abrir os botões da camisa. Ele me ajuda, porque sou
uma confusão de tremor e tesão tão grande que mal consigo abrir
os botões.
Seu pau salta pra fora, a cabeça brilhando de excitação.
Salivo.
— Bruxa, bruxa... deixa de ser safada. Tá desejando meu pau
nessa sua boquinha gostosa, não tá? — Assinto, abrindo um
pequeno sorriso. — Depois eu deixo você chupar até eu gozar fundo
na sua garganta, mas agora eu preciso estar dentro dessa boceta.
Viktor vem pra cima de mim, roçando o pau na minha entrada
encharcada e segurando firme na minha nuca.
Aproxima o rosto e me encara, fixamente.
Vai me penetrando devagar... centímetro por centímetro.
Meu corpo inteiro se arrepia, meu coração dispara e a minha
respiração falha.
Viktor não me beija. Ele me encara. E, dessa vez... sei lá. As
coisas parecem diferentes.
Por que ele tá indo tão devagar?
Por que me olha desse jeito enquanto entra em mim?
Por que meu coração tá tão acelerado?
E por que, maldição, eu tô sentindo esse nó na garganta?
O que tem de diferente aqui e agora?
Viktor parece ler todas as perguntas que passam pela minha
cabeça e abre um pequeno sorriso ao entrar até o fundo, dentro de
mim.
— Viktor... — sussurro o nome dele, incapaz de dizer qualquer
outra coisa.
— Eu vou te foder, bruxa, do jeitinho que a gente gosta...
mas agora eu tô tendo a minha primeira vez.
Arqueio a sobrancelha.
— Primeira vez? — pergunto, confusa.
— É a primeira vez que tô fazendo amor, bruxa... então
aproveita o momento comigo.
Meu coração para.
O quarto parece girar ao meu redor.
Amor?
O que isso quer dizer?
Meu Deus... Meu Deus!
Ele está fazendo amor comigo.
Estamos fazendo amor.
Meus olhos queimam, minha garganta trava.
Viktor entra e sai de mim devagar, os olhos cravados nos
meus e mesmo que seja um sexo totalmente diferente do que
estamos acostumados... é delicioso.
É diferente.
É amor.
Estamos em um restaurante à beira mar, coisa mais linda.
Viktor estava de frente pra mim, de camisa branca aberta no
peito e as mangas dobradas até os cotovelos. O tecido fino deixava
à mostra o contorno dos músculos; a calça de linho bege caía
perfeitamente, o cinto marrom marcava a cintura, e os pés descalços
afundavam na areia branca.
Nunca pensei que ver Viktor sem um terno me deixaria tão...
excitada.
Ainda irresistível, mas de um jeito mais leve, mais real. Como
se o homem por trás do império finalmente tivesse permitido que o
garoto que existia antes dele respirasse.
Ele me estendeu a mão, um meio sorriso brincando nos
lábios.
— Dança comigo, bruxa?
— Danço.
Viktor me puxa, e suas mãos vão parar na minha cintura,
colando nossos corpos.
Eu o encaro e sorrio, feita uma boba apaixonada.
— Eu deveria ter incluído nos meus pedidos isso, sabia?
— Isso o quê?
— Nós dois dançando juntos, numa praia da Grécia, com esse
céu lindo.
— Certas coisas você não vai precisar pedir, bruxa. Eu vou
fazer questão de te surpreender.
Volto a sorrir e encosto a cabeça no peito dele, tentando
esconder o quanto estou boba com aquele momento. O som das
ondas parece se misturar ao coração dele.
— Tá ouvindo isso, bruxa? — ele pergunta, a voz rouca.
Levanto o rosto, confusa.
— Isso o quê?
Viktor segura minha mão e a leva até o lado esquerdo do
peito.
— As batidas. É o que você faz comigo, Helena. Esse coração
é todo seu. Ele bate por você.
As palavras dele me fazem perder o ar. Sinto um nó se formar
na garganta e meus olhos se enchem d’água antes mesmo que eu
perceba.
Meu peito aperta e, por um instante, o mundo some, tudo
que resta é ele.
Esse homem que já me destruiu e me reconstruiu mil vezes.
Viktor passa o polegar pelo meu rosto, secando uma lágrima
que escapou. Sorri de canto e se afasta um passo, respirando fundo.
— Viktor? — chamo baixinho, sem entender.
Ele leva a mão ao bolso da calça e o tempo parece
desacelerar. Por um segundo, tudo que ouço é o som do mar e do
meu coração martelando no peito.
Quando ele puxa uma pequena caixinha preta, o ar foge dos
meus pulmões e meu corpo inteiro congela.
Viktor se ajoelha na minha frente, o olhar preso ao meu.
— Eu lembro — ele começa — de quando te avisei que a
gente ia casar.
Um sorriso nervoso escapa de mim. Ele também sorri, um
daqueles sorrisos pequenos que fazem meu coração desabar.
— E eu fiquei te devendo duas coisas — continua, abrindo a
caixinha. — Um pedido de casamento à sua altura e um anel.
O anel brilha, com uma pequena pedra de diamante no topo.
É simples, mas lindo. O anel mais bonito que eu já vi em toda a
minha vida.
— Pra nenhuma babaca mais achar que pode se aproximar da
minha mulher. — Ele ergue o olhar, com aquele tom possessivo que
me desmonta. — Porque é isso que você é, Helena. Minha mulher.
Levo as mãos à boca, tentando conter o choro. O riso e o
soluço se misturam.
Não acredito no que estou vendo.
— Viktor... — sussurro, as emoções me engolindo.
— Casa comigo, bruxa. Deixa eu mostrar pro mundo que você
é minha.
— Eu caso, Viktor, eu caso. — A resposta sai tão fácil.
Ele pega minha mão e desliza o anel no meu dedo com
cuidado. Em seguida, se levanta, me puxa e esmaga os lábios nos
meus.
O gosto salgado das lágrimas se mistura ao calor da boca
dele. Meus dedos se perdem nos cabelos de Viktor, e o beijo se
aprofunda, intenso, urgente. É um beijo que diz tudo o que nunca
conseguimos colocar em palavras, as promessas, o perdão, o amor
que sempre esteve ali, escondido entre brigas e ego.
Ele me segura pela cintura, me levantando e eu me encaixo
nele como se aquele fosse o meu lugar desde sempre.
— Isso não estava no meu caderno — brinco, soprando
contra seus lábios.
— Resolvi acrescentar uma coisinha a mais. — Sorri,
provocante. — Espero que não se importe, porque você já disse
“sim”. Não tem mais volta.
Tombo a cabeça pra trás, rindo, e ele aproveita pra beijar
meu pescoço.
— Quero dormir todos os dias de conchinha com você.
— Ah, sério? Olha o que temos aqui... um mafioso malvadão,
que não gostava nem de dormir, agora quer dormir de conchinha
comigo todos os dias?
— É seu feitiço, bruxa. Você me transformou nesse homem
bobo aqui, diante de você.
Rio, deslizando os dedos pelos cabelos dele.
— Um homem bobo nada. Um homem gostoso. Gostoso e
meu.
Ele ergue o rosto e me encara com aquele olhar quente.
— Todo seu, bruxa — murmura, antes de enterrar a cabeça
no meu pescoço.
O mar segue batendo ao fundo, as estrelas testemunhando
aquele momento que parece ter sido feito pra durar pra sempre.
O toque da respiração dele na minha pele faz meu corpo
inteiro reagir. As mãos grandes de Viktor exploram minhas costas,
firmes e lentas, e eu fecho os olhos, tentando conter o turbilhão que
me invade.
— Eu te amo, Helena. — As palavras saem baixas, roucas, e
me roubam o ar. — E não tem volta. Me escuta bem... não importa o
que aconteça, você é minha. E eu sou seu. Até o fim.
Fico sem ar.
Não esperava ouvir aquilo.
Meu corpo congela.
— Viktor... eu... eu... — tento sair desse torpor que me
tomou, mas não consigo.
Meu cérebro repete o tempo todo: “eu te amo, Helena”.
Ele me ama.
Viktor disse que me ama.
— Ei... — ele arqueia uma sobrancelha, um meio sorriso
surgindo no canto da boca. — Não precisa falar nada, bruxa. Só
porque eu falei, não quer dizer que você tem que repetir.
Dou uma risadinha nervosa, o peito ainda apertado.
— Ah, Viktor... acha mesmo que eu vou dizer que te amo só
porque você falou?
Ele franze o cenho. Seguro o rosto dele entre as mãos e rio,
balançando a cabeça.
— É claro que eu te amo, seu bobo. Acha que dá pra
aguentar um louco como você sem amor?
O olhar dele se suaviza, e o sorriso aparece, um sorriso de
verdade, raro, desses que fazem o mundo parar.
Ele encosta a testa na minha, respirando fundo.
— Eu não sei o que fiz pra te merecer, bruxa.
— Nem eu — sussurro, sorrindo. — Mas ainda bem que
aconteceu.
Viktor volta a me beijar.
E eu entendo que estou onde sempre quis estar: nos braços
dele. Aprisionada a ele.
Porque Viktor tomou pra si o meu coração e não tem mais
volta.
— Ah, espera. Quero te mostrar uma coisa que comprei.
Ele rompe o beijo com um sorriso torto.
— Outra surpresa? — brinco, tentando recuperar o fôlego. —
Não sei se meu coração vai aguentar tanta emoção assim em um só
dia.
Viktor ri baixo, leva a mão ao bolso da calça e tira de lá um
cordão masculino, grosso e elegante, de prata escura. O pingente é
retangular, simples, mas sofisticado, cravejado com o nome Helena
gravado em letras pequenas e finas no centro.
— Viktor... o que é isso? — pergunto, sem acreditar.
— Estava querendo um cordão pra usar e gostei desse. — Ele
dá um leve sorriso. — Quero levar você comigo pra onde eu for.
Meu coração simplesmente para.
— Você... vai usar isso? — consigo balbuciar, os olhos
marejados.
Ele apenas sorri e coloca a corrente ao redor do pescoço,
deixando o pingente repousar sobre o peito nu, entre as duas
primeiras aberturas da camisa.
O metal reluz sobre a pele dourada, e a visão me arranca o ar
de novo.
— Agora não importa onde eu esteja — ele continua,
passando o dedo sobre o nome. — Você vai estar comigo. Sempre.
Fico em silêncio, olhando pra ele, desacreditada do que vejo
diante de mim. Sinto o peito apertar, as lágrimas ameaçando cair
outra vez.
— Viktor... — minha voz sai fraca, quase um sussurro. — Isso
é...
— É o que você tá pensando. — Ele me interrompe com um
meio sorriso. — Uma vez eu te obriguei a usar o meu nome... agora
é a minha vez. É justo. — Dá de ombros, divertido. — E também é
só um homem apaixonado, usando o nome da mulher no peito.
Ridículo, eu sei.
Dou uma risada, mesmo com os olhos marejados.
— Ridículo nada... é a coisa mais linda que alguém já fez por
mim.
Ele me encara em silêncio, os lábios se curvando devagar,
antes de encostar a testa na minha.
— Eu te amo, bruxa.
— Eu te amo muito mais, Viktor. — Dou vários beijinhos na
boca dele. — E quero o meu cordão de volta também. Se você vai
usar meu nome no pescoço, eu quero usar o seu.
Viktor franze o cenho.
— Tá falando sério?
— Nunca falei tão sério na vida.
Ele solta uma gargalhada gostosa.
— Não poderia existir mulher mais perfeita pra mim nesse
mundo, bruxa. Porra... sou louco por você.
Eu rio, sentindo o calor subir pelo corpo e o coração bater
feito louco.
E, naquele instante, tenho certeza: amar Viktor é o tipo de
loucura da qual eu nunca vou querer me curar.
Hoje é o aniversário de dois anos de Nikolai.
Dois anos desde que aquele pequeno furacão entrou na
minha vida e bagunçou tudo do melhor jeito possível.
Ele corre pelo gramado com os cabelos bagunçados pelo
vento, a camiseta suja de glacê e o sorriso mais bonito que já vi.
E, toda vez que o vejo rir, sinto que finalmente estou onde
sempre deveria estar.
Helena está sentada na varanda, conversando com Anya e a
esposa de Dmitri.
A admiro, como sempre acontece quando meus olhos estão
nela.
Lembro exatamente do dia em que minha bruxa veio pra
mim, linda em um vestido branco, sorrindo, pronta pra dizer “sim”.
Foi um momento que ficou marcado pra sempre na minha memória.
A visão era tão linda que me arrancou o ar.
Nos casamos logo depois que voltamos da Grécia. Eu tinha
pressa, muita pressa pra que Helena finalmente fosse minha esposa.
Não me importei com quem fosse questionar a minha escolha por
ela não ser da nossa organização. Ninguém ousaria falar uma
palavra sequer sobre isso.
Minha mulher seria respeitada em qualquer lugar que pisasse,
e quem ousasse olhar torto pra ela, eu mataria sem pensar duas
vezes.
Minha bruxa falou o “sim” mais lindo do mundo, em meio às
lágrimas. Aqueles olhos azuis que me trazem paz brilhavam, se
entregando pra mim, pro resto da vida.
Helena ficou eufórica quando viu todas as mudanças que fiz
na mansão pra morarmos juntos. Disse que parecia até outra casa.
Ficou emocionada quando viu o parquinho e o playground que
montei.
Coisas simples, mas que a fazem feliz e me deixam feliz
também.
E é aqui que estamos vivendo a nossa vida.
Não me tornei um homem perfeito, nem teria como, mas
estou cumprindo, dia após dia, o que prometi a Helena: farei de
tudo pra ser o melhor pra ela.
Minha esposa quis voltar à faculdade. Optou por estudar a
distância, e eu fiquei feliz pela decisão. Seja o que for que Helena
quiser fazer, estarei ao lado dela, apoiando.
Aprendi com ela que amar é apoiar.
Se Helena me pedir a lua, darei um jeito de ir ao céu e roubar
pra ela. Mesmo que eu saiba que nem perto do céu eu possa
chegar... farei qualquer coisa por ela.
Volto o olhar pra minha mulher e sorrio ao vê-la sorrir de
volta. O vestido branco balança com o vento. Parece até que minha
esposa foi pintada à mão, de tão linda que é.
Por Deus... como eu amo essa mulher.
Acho que nunca vou me cansar de olhar pra ela e tentar
entender como um homem como eu teve tanta sorte.
Todo ano faço questão de renovar aquele caderno pra que ela
continue anotando os desejos. Quero realizar todos. Todas as
vontades dela. Farei de tudo, sempre, só pra vê-la sorrir.
Nunca pensei que a minha felicidade pudesse depender da
felicidade de outra pessoa.
Meu filho vem correndo, me chamando, e eu me abaixo pra
pegá-lo.
— Olha, papai! Olha o que o tio Dmitri fez! — Nikolai me
mostra a espada de balão que ganhou.
— Uau, que legal! — digo, bagunçando os cabelos dele.
Nikolai ri alto e pede para descer do meu colo, saindo
correndo de novo, balançando a espada de um lado pro outro.
Não consigo evitar o sorriso.
Eu amo demais o meu filho.
Amo demais tudo o que Helena trouxe pra minha vida e o
homem que ela me fez ser.
Ainda sou cheio de erros. Possessivo demais, mas tento me
controlar pra não sufocá-la.
Às vezes, é inevitável.
Quase estraguei o Natal do ano passado quando Mikhail fez
uma piadinha sobre Helena ter costurado a barriga de Dmitri.
Eu não sabia dessa informação.
Meu sangue ferveu só de imaginar a minha mulher tocando
aquele desgraçado.
Foi uma confusão e tanto, mas Helena, como sempre, deu um
jeito de resolver. Ficou furiosa comigo, disse que eu quase estraguei
o nosso primeiro Natal em família com, segundo ela, “minhas
idiotices”, e me deu castigo.
Sim.
Eu, um mafioso velho, sendo castigado pela minha esposa.
A bruxa me deixou sem sexo.
Quando ela ameaçou, pensei que estava blefando, mas não.
Helena ficou uma semana sem me deixar tocá-la e foi o
suficiente pra eu entender o recado.
E eu aprendi.
Juro que aprendi.
Sempre me controlo, porque não quero ficar sem a boceta
quente, gostosa e apertada da minha esposa nunca mais.
Foi o pior castigo da minha vida.
Nenhuma tortura chegou aos pés dessa.
O vento traz o perfume doce dela e, quando levanto o olhar, a
vejo se aproximar.
— O que você tanto pensa, hein? — ela pergunta, com aquele
tom brincalhão. — Dá pra ver as fumacinhas saindo da sua cabeça
daqui.
Helena para na minha frente, com uma das mãos apoiadas na
barriga redondinha.
Grávida.
De novo.
O vestido leve marca o corpo de um jeito que me deixa
completamente sem ar.
— Pensando em você, bruxa. — Respondo, abrindo um
sorriso preguiçoso. — E em como eu dei sorte.
Ela sorri.
— Sorte?
É
— É. — Dou um passo à frente, parando perto o bastante pra
sentir a respiração dela. — Sorte por ter te encontrado. Por ter esse
pequeno correndo pela casa... — aponto pra Nikolai, que grita de
alegria no jardim — ... e por estar prestes a conhecer outro.
Helena passa a mão pela barriga, o olhar cheio de ternura.
— Outro menino. — Ela sorri. — Mal posso esperar pra ver os
dois juntos.
Aproximo-me e passo a mão sobre o ventre dela com
cuidado.
— Mal posso esperar pra ensinar o pequeno Alexei a dar
trabalho igual ao irmão.
Ela ri alto, e o som é o mais bonito que já ouvi.
— Sabe, bruxa... — continuo, num tom mais baixo — a vida
me deu muita coisa. Poder, dinheiro, medo... Mas nada,
absolutamente nada, chega perto disso aqui. — Passo a mão pela
barriga dela de novo e depois encosto a palma no coração dela. —
De vocês.
Helena funga, rindo.
— Sou uma mulher grávida, Viktor. Não pode falar essas
coisas bonitas, vou chorar na frente de todo mundo.
Sorrio de canto e me aproximo mais, murmurando junto ao
ouvido dela:
— Mais tarde eu vou te fazer chorar do jeito que você gosta,
bruxa.
Sinto o corpo dela ficar tenso, e o sorriso safado surge nos
lábios.
Minha esposa continua a mesma: fogosa, deliciosa,
impossível.
Nada mudou entre nós.
— Hoje, além disso, eu quero uma boa massagem nos meus
pés. Tô cansadíssima. — Ela faz um biquinho irresistível.
— O que você pedir, bruxa, eu faço.
Puxo-a pela cintura e ela ri.
Viramos o olhar na direção da nossa família e os idiotas dos
meus irmãos, além de babarem por suas esposas, estão falando
alguma merda olhando pra gente.
— Eles estão falando de nós. — Helena ri.
— Eles são uns idiotas. — Resmungo, virando o rosto dela na
minha direção e a beijando.
Mikhail e Dmitri adoram me zoar por causa do homem que
me tornei por Helena. Quando viram o cordão que uso com o nome
dela, foi uma zoação sem fim.
Aguentei quieto, mas quando chegou a minha vez de zoar
eles, não tive piedade.
Agora olha só pra nós: todos os Dragunov amarrados e, como
diz Mikhail, “uns cachorrinhos adestrados por suas mulheres”.
E quer saber?
Nunca tive tanto orgulho de fazer parte de uma matilha
assim.
Estamos deitados na cama.
Minhas mãos acariciam a barriga dela enquanto Helena
repousa a cabeça sobre o meu peito, fazendo pequenos círculos com
os dedos.
O silêncio entre nós é leve, confortável.
— Não vi nada nessa última semana no seu caderno de
desejos, bruxa.
— Já finalizamos mais um, Viktor. — Meu peito vibra com o
riso suave dela.
Me inclino de lado, abro a gaveta da mesinha e tiro mais um
caderno novo.
— Toma.
Estendo o caderno na direção dela, e Helena levanta a
cabeça, rindo.
— Amor, eu já realizei tudo. — Ela fala sorrindo, e, por Deus,
eu amo quando ela me chama de amor. — O que mais posso pedir?
Eu não sei. Já viajamos, já voltei a estudar, já tenho uma família, já
sou feliz. Você realizou todos os meus sonhos e meus desejos.
Cruzo os braços, um sorriso contido surgindo no canto da
boca.
— Abre, bruxa.
Ela faz um bico, ainda rindo, e obedece.
As pontas dos dedos delicadas deslizam pela capa até abrirem
o caderno. O riso dela morre nos lábios quando lê o que está escrito
na primeira página.
“A mulher perfeita pro homem imperfeito é aquela que o
ensina a sentir. Obrigado por ser a minha.”
Helena leva a mão à boca, e vejo os olhos se encherem
d’água.
— Viktor... — ela sussurra, a voz embargada.
Mas eu só sorrio e deixo que ela vire a página. Ela o faz
devagar, e o quarto se enche de silêncio e lembranças.
Nas páginas seguintes, fotos, colagens, bilhetes, pedaços da
nossa história impressos em papel.
Há registros das viagens, dos jantares simples em casa, das
manhãs preguiçosas em que eu tirava fotos dela. Do dia do nosso
casamento. Dos aniversários de Nikolai. Das comemorações aqui em
casa, das risadas, dos abraços, dos olhares.
Cada página carrega uma risada, uma lembrança, um
pedacinho da mulher que me ensinou a ser alguém melhor.
Helena passa os dedos sobre as fotos, devagar, como se
pudesse sentir tudo de novo.
— Você guardou tudo isso... — diz, a voz falhando.
Ela me olha com os olhos marejados, o sorriso pequeno e
doce se formando nos lábios.
— Você é o homem mais impossível e mais lindo que existe,
Viktor.
Dou de ombros e roubo um beijo rápido.
— E você é a minha luz, bruxa.
Helena me abraça, e ficamos assim, em silêncio por um
tempo.
— Eu te amo, Viktor. Do fundo da minha alma.
— Eu te amo, Helena. Com tudo o que sou.
Eu, um homem que já viveu no inferno, encontro o paraíso
todos os dias, nos olhos dela.
FIM.
O vilão Oleg terá seu desfecho em outro livro dos Dragunov.
AGRADECIMENTOS
Primeiro, quero agradecer a Deus, por nunca me desamparar,
por ser minha força nos dias difíceis e minha calma em meio ao
caos.
Agradeço à minha família, que é o meu alicerce, e
especialmente à minha filha, minha luz, minha razão, o motivo pelo
qual eu luto e sigo em frente todos os dias.
Aos meus amigos, que estão sempre ao meu lado, me
sustentando, me apoiando e acreditando em mim mesmo quando eu
duvido.
E, por fim, um agradecimento mais que especial a todas as
minhas leitoras, as que estão comigo desde o início e as que estão
chegando agora.
Obrigada por darem uma chance às minhas histórias, por
cada mensagem, cada palavra de carinho e por fazerem parte desse
sonho comigo.
Nos vemos no próximo livro dos Dragunov’s.
Ah, e não se esqueçam de avaliar o livro! A opinião de vocês
é muito importante e faz toda a diferença.
Me sigam lá no Instagram (MEU INSTAGRAM) pra
acompanharem tudo e, claro, pra virem surtar comigo no privado. Eu
adoro cada uma dessas conversas!
Com amor,
Ane Le.