DIREITO CIVIL
Didatismo e Conhecimento 1
DIREITO CIVIL
LEI DE INTRODUÇÃO ÀS NORMAS DO
DIREITO BRASILEIRO (ANTIGA LEI DE
INTRODUÇÃO AO CÓDIGO CIVIL).
A Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro, instituída
pelo Decreto-Lei nº 4.657/1942, estabelece os alicerces de nosso
sistema jurídico, e é considerada pela doutrina, como norma
de interpretação de todo o ordenamento jurídico, apresentando
institutos e regras que abrangem todos os ramos do Direito, e não
apenas ao Direito Civil.
Antes tal decreto era intitulado como “Lei de Introdução ao
Código Civil” (LICC), mas após a edição da Lei nº 12.376/2010,
passou a vigorar com a seguinte denominação: “Lei de Introdução
às normas do Direito Brasileiro” (LINDB).
EsteDecreto-Lei,cujanaturezajurídicaédeleiordinária,uma
vez que foi criada sob a forma de decreto-lei, espécie legislativa
que nos termos das Constituições que a admitiam, tinham força
de lei ordinária, não sofreu nenhuma alteração ou revogação em
qualquer de seus dispositivos, com a entrada em vigor do Novo
Código Civil (Lei n. 10.406/2001). Isto porque, conforme afirmado
acima, o objeto tratado por este Decreto-Lei é distinto do objeto
do Direito Civil.
Prevaleceu então a tese de ser uma lei autônoma, pela maior
facilidade de se fazer uma mudança, se necessário. Portanto, não
é parte integrante do Código Civil, trata-se de uma lei geral, que
se aplica a todos os ramos do Direito. Assim, é uma norma de
sobredireito ou de apoio, porque busca disciplinar a aplicação de
todas as normas.
Caracteriza-se por ser um metadireito ou supradireito, na me-
dida em que dispõe sobre a própria estrutura e funcionamento das
normas, coordenando, assim, a aplicação de toda e qualquer lei, e
não apenas dos preceitos de ordem civil.
Neste Decreto-Lei pode-se encontrar vários objetos, sendo os
principais:
- tratar da obrigatoriedade das leis, discorrendo sobre a vi-
gência, a validade e a eficácia destas;
- estabelecer o início e o fim da produção dos efeitos das nor-
mas, a aplicação, a revogação, bem como delimitar alguns concei-
tos como o ato jurídico perfeito, a coisa julgada e o direito adqui-
rido. Consagrando a irretroatividade como regra no ordenamento
jurídico e ao mesmo tempo definir as condições para a ocorrência
do efeito repristinatório.
- Apresentar todas as fontes do direito conferindo ao intérpre-
te princípios hermenêuticos de interpretação e integração.
- solucionar o conflito das leis no tempo;
- resolver o conflito das leis no espaço;
Em seus seis primeiros artigos, a LINDB cuida da eficácia, da
interpretação e do conflito de leis no tempo. A seguir e, até o final,
trata do conflito de leis no espaço, delineando a maneira como
os juízes devem agir para resolverem controvérsias internacionais
de Direito Privado, como, por exemplo, julgar caso oriundo de
contrato entre brasileiro e francês, ou seja, que Lei aplicar, a
brasileira ou a francesa.
Segue abaixo os critérios abordados por este Decreto-Lei.
LEI
Pode-se definir Lei como uma regra geral imposta
coativamente à obediência de todos. Trata-se, portanto, de
uma norma vinda de autoridade competente e dirigida a todos,
indistintamente, por razão de sua força coercitiva.
Essencial se faz a distinção entre lei e norma.
Norma é comando, regra de conduta, expressa a vontade do
Estado, por intermédio do legislador. Esta vontade é materializada
na lei, que é, portanto, o meio de expressão da norma, ou seja, Lei
é a norma escrita. Pode-se assim dizer, que a norma está contida
nas leis. Mas, não só nas leis, também está contida nas outras
fontes do Direito.
A palavra “lei” pode ser escrita com letra minúscula ou
maiúscula. Geralmente, emprega-se com letra minúscula quando
se utiliza a palavra no sentido de norma ou conjunto de normas,
e, emprega-se maiúscula enquanto sinônimo de Direito. Pode-se
citar como exemplo os escritos: “a Lei deve ser respeitada”, e “tal
matéria não se encontra regulamentada em lei”.
A palavra lei pode ser usada também como sinônimo de
norma quando se refere à classificação ou interpretação das leis,
ou seja, o que se está interpretando ou classificando são as normas
jurídicas contidas nas leis.
EFICÁCIA DAS LEIS
A)	 VIGÊNCIA DAS LEIS
Vigência da Lei é um critério puramente temporal. Uma
norma está em vigência até que ocorra sua revogação. Vigência
é diferente de vigor. Vigor é a força vinculante da norma. Uma
norma pode estar em vigor mesmo tendo sido revogada conforme
previsto no artigo 2.038 do Código Civil.
A vigência é a existência social e jurídica da norma. Entrou
em vigor, deve ser obedecida ou aplicada.
A vigência é o que vincula todos a lei, ela não só existe for-
malmente como deve ser aplicada a todo caso concreto que se
enquadre na situação ali tratada.
Dizer que uma determinada lei está em vigência ou entrou
em vigor significa dizer que essa lei deve, obrigatoriamente, ser
respeitada. Significa que aqueles que não a observarem estarão
sujeitos às penalidades previstas.
A vigência, portanto, está relacionada com o tempo. Na
publicação, verificamos quando aquela lei será considerada
obrigatória ou quando aquela lei entrará em vigor. Vale aqui
a observação de que, em geral, a data em que passará a viger
coincide com a data de sua publicação, no entanto, se a lei não
dispuser de prazo para a sua entrada em vigor, o prazo será de
45 dias contados de sua publicação, uma vez que toda lei deve
ser publicada pela Imprensa Oficial. A LINDB adota o sistema do
prazo de vigência único ou sincrônico, ou simultâneo, pelo qual a
lei entra em vigor de uma só vez em todo o país.
No exterior, a obrigatoriedade da lei brasileira, quando
admitida, se inicia 3 (três) meses depois de oficialmente publicada.
Uma observação é de que uma norma pode ser eficaz e não
ser efetiva, como no caso do casamento pelo regime dotal. É
uma norma eficaz, considerando que ainda não foi revogada, no
entanto, não é efetiva, pois caiu em desuso. Assim, o desuso não
implica na perda da vigência da norma, e sim, na perda de sua
efetividade.
Didatismo e Conhecimento 2
DIREITO CIVIL
Portanto a eficácia da Lei esta relacionada a produção de
seus efeitos. Uma questão interessante é se a norma produz efeitos
a partir de sua vigência? A resposta é depende, se a lei entrar em
vigor a partir de sua publicação, sim, porém, há leis que possuem
vacatio legis que falaremos a seguir.
B)	 VACÂNCIA DA LEI ou “VACATIO LEGIS”
b.1) Conceito
Denomina-se vacatio legis o período de tempo que se
estabelece entre a publicação e a entrada em vigor da lei. A lei
não produzirá efeitos durante a vacatio legis (artigo 1.º da Lei de
Introdução às normas do Direito Brasileiro). Existem dois motivos
para sua existência:
b.1.1) cognitivo: para que a lei seja levada ao conhecimento
do destinatário antes de sua vigência e com ela se familiarizem
para bem cumpri-la;
b.1.2) instrumental: para que os órgãos da administração se
aparelhem, para que a norma ganhe efetividade.
b.2) Sistemas de “vacatio legis”
Existem três sistemas distintos de vacatio legis, quais sejam:
b.2.1) Sistema simultâneo ou sincrônico: de acordo com esse
sistema, que é o sistema brasileiro, a lei sempre entra em vigor
na mesma data em todo o território nacional. Há, portanto, uma
sincronia na entrada em vigor da lei.
b.2.2) Sistema progressivo: era o sistema da Lei de Introdução
ao Código Civil anterior, no qual a vigência era distinta para
locais distintos do território nacional. Substituído por gerar
insegurança jurídica.
b.2.3) Sistema omisso: segundo esse sistema, não existe
vacatio legis e toda lei entra em vigor na data de sua publicação.
b.3) Espécies de “vacatio legis”
Há três espécies de leis referentes à vacatio legis:
b.3.1) Lei com “vacatio legis” expressa: é a lei de grande
repercussão, que, de acordo com o artigo 8º da Lei Complementar
n. 95/98, tem a expressa disposição do período de vacatio legis.
Temos, como exemplo, a expressão contida em lei determinando
“entra em vigor um ano depois de publicada”.
b.3.2) Lei com “vacatio legis” tácita: é aquela que continua
em consonância com o artigo 1º da LINDB, ou seja, no silêncio da
lei entra em vigor 45 dias depois de oficialmente publicada.
b.3.3) Lei sem “vacatio legis”: é aquela que, por ser de
pequena repercussão, entra em vigor na data de publicação,
devendo esta estar expressa ao final do texto legal.
b.4) Contagem
A Lei Complementar n. 107/01 estabelece em seu artigo 8º, §
1.º, o seguinte: “A contagem do prazo para entrada em vigor das
leis que estabeleçam período de vacância far-se-á com a inclusão
da data de publicação e do último dia do prazo, entrando em vigor
no dia subsequente a sua consumação integral”.
b.5) Errata
Os erros encontrados na lei podem ser de duas espécies:
b.5.1) erro irrelevante: não influi na interpretação da norma,
não havendo necessidade de correção. É erro material, pode ser
corrigido de ofício pelo juiz.
b.5.2) erro substancial: implica divergência de interpretação
e poderá ocorrer em três fases distintas do processo legislativo:
b.5.2.1) antes da publicação: a norma poderá ser corrigida
sem maiores problemas;
b.5.2.2) no período de “vacatio legis”: Caso a lei tenha
sido publicada, porém não tenha ainda entrado em vigor e tenha
sido detectado algum erro material ou incorreção, poderá ela
ser corrigida, sem necessidade de uma nova lei. Haverá nova
publicação da lei e reiniciar-se-á o prazo da vacatio legis.
Essa possibilidade de republicação da lei só é admitida para as
hipóteses de imperfeições ortográficas ou gramaticais. Em caso
de mudança de conteúdo da lei, não é possível se prescindir de
nova lei.
b.5.2.3) após a entrada em vigor: a norma poderá ser
corrigida mediante uma nova norma de igual conteúdo, ainda
que a correção se volte apenas para erros materiais, mostra-se
imprescindível a elaboração de uma nova lei – a lei corretiva -
que será publicada e entrará em vigor posteriormente.
C)	 PRINCÍPIOS INFORMADORES DA EFICÁCIA DAS
LEIS:
Os princípios informadores da eficácia das leis orientam a
aplicação da norma, e informam o jurista sobre o que deve ser
feito, sempre que se deparar com alguma dúvida. São eles:
c.1) Princípio da obrigatoriedade (art. 3º, LINDB), segundo
esse princípio, somente a norma jurídica publicada é obrigatória
a todos os seus destinatários e ninguém poderá descumpri-la, ale-
gando ignorância, alegando o seu desconhecimento. É lógico que
não somos obrigados a conhecer toda a legislação vigente. Isso
seria humanamente impossível. A questão é que, se nos fosse dado
alegar que desconhecemos a lei, para justificar o fato de a termos
descumprida, a sociedade se transformaria em verdadeira balbúr-
dia, e ninguém respeitaria o direito de ninguém. Assim, o princípio
da obrigatoriedade das leis veio por ordem nas relações sociais. É
princípio de segurança jurídica.
c.2) Princípio da continuidade (art. 2º, LINDB), tal postula-
do estabelece que uma norma permanente só perderá a eficácia
se outra, de mesma ou superior hierarquia, vier modificá-la ou
revogá-la. Portanto, não é possível a revogação da lei por deci-
são judicial ou ato administrativo. No caso do desuso da lei, não
faz com que esta perca sua eficácia formal. Em outras palavras,
formalmente, a lei existe e vige, apesar de na realidade não ser
observada por ninguém. Pode-se dizer que tal lei tem eficácia for-
mal, mas não eficácia real ou material. Exceção é feita no que diz
respeito à lei temporária, ou seja, aquela lei que já traz em seu
texto o prazo de sua vigência. Findo este, automaticamente a lei já
estará revogada, não sendo necessário, neste caso, outra lei que
a revogue.
c.3) Princípio da irretroatividade (art. 6º, LINDB), a lei nova
não pode retroagir para abarcar situações consolidadas por lei
anterior. Visa estabelecer a segurança jurídica do sistema, por in-
termédio do direito adquirido, do ato jurídico perfeito e da coisa
julgada.
c.4) Princípio do Iura Novit Curia: estabelece que o juiz é
conhecedor do Direito. Assim, não se faz necessário à parte in-
teressada provar a existência de determinada lei. As exceções a
esse princípio são: o direito estrangeiro, estadual, municipal, e
consuetudinário.
Didatismo e Conhecimento 3
DIREITO CIVIL
D)	 REVOGAÇÃO DA LEI
É a hipótese em que a norma jurídica perde a vigência porque
outra Lei veio modificá-la ou revogá-la, uma vez que a norma
jurídica é permanente e só poderá deixar de surtir efeitos se à ela
sobrevier outra norma que a revogue.
d.1) As espécies de revogação da Lei são:
d.1.1) revogação expressa: um novo comando normativo dis-
põe expressamente a respeito da perda da eficácia da lei anterior
ou os seus dispositivos que estão sendo revogados;
d.1.2) revogação tácita: é aquela que ocorre quando a lei re-
vogadora, embora não exponha expressamente quais são as lei
ou os seus dispositivos que estão sendo revogados, o seu texto se
mostra incompatível com o texto da lei anterior, ou então, regula
inteiramente matéria tratada por outra lei.
d.2) Essas duas espécies de revogação citadas acima podem
acontecer de duas formas:
d.2.1) ab-rogação: é a revogação total da norma, ou seja, a
norma antiga perde sua eficácia na totalidade;
d.2.2) derrogação: é a revogação parcial da norma, ou seja,
a norma antiga continua vigorando com alguns dispositivos revo-
gados pela nova lei.
d.3) Para a verificação de revogação das normas, três
critérios devem ser utilizados:
d.3.1) hierárquico: verificar qual das normas é superior, in-
dependentemente da data de vigência das duas normas (exemplo:
um regulamento não poderá revogar uma lei ainda que entre em
vigor após esta);
d.3.2) cronológico: a norma que entrar em vigor posterior-
mente irá revogar a norma anterior que estava em vigor;
d.3.3) especialidade: as normas gerais não podem revogar
ou derrogar preceito ou regra disposta e instituída em norma es-
pecial.
d.4) Repristinação da Lei
Repristinação da Lei é a restauração da vigência da uma lei
anteriormente revogada, em razão da revogação da lei anterior. A
repristinação só é admitida expressamente, pois a repristinação
tácita não é admitida. Assim, uma Lei nova que faça expressamente
remissão à norma revogada poderá restituir-lhe a vigência, desde
que em sua totalidade.
Assim, a não repristinação ou não restauração da norma é a
impossibilidade que uma norma jurídica tem de, uma vez revogada,
voltar a vigorar no sistema jurídico novamente, pela simples
revogação de sua norma revogadora, ou seja, o “aniquilamento”
da norma revogadora não restaura a norma revogada.
Para um melhor entendimento, suponhamos a Lei A em vigor.
Posteriormente é promulgada Lei B que trata do mesmo assunto
da Lei A de forma exaustiva e revoga a Lei A. Passado um tempo
surge a Lei C que simplesmente revoga a Lei B sem regular o
assunto tratado por esta. Como ficaria a questão, a Lei A estaria
automaticamente revigorada pela Lei C?
A resposta será não. Para que a Lei C ressuscite a Lei A, ou
seja, para que fosse lei repristinadora, seria necessário disposição
expressa neste sentido. Por exemplo:
Lei C
Art. 1º Fica revogada a Lei B.
Art. 2º Volta a vigorar a Lei A.
No caso em análise, tal não ocorreu. Portanto, simplesmente
deixaria de se ter lei regulando a matéria. Em outras palavras, a
repristinação jamais será tácita.
O motivo dessa não restauração de normas é o controle do
sistema legal para que se saiba exatamente qual norma está em
vigor.
E)	 APLICAÇÃO DA LEI
Para resolver os casos que lhe são apresentados, o juiz
procura, dentro da sistemática do direito, a lei que se deve aplicar
à hipótese sub judice.
Tal operação consiste em transferir para um caso particular
e concreto a decisão que se encontra na regra abstrata. Esta é a
premissa maior de um silogismo, e, partindo dela, o juiz aplicará
a lei ao caso concreto.
Por vezes, entretanto, o juiz não encontra na legislação
escrita uma norma a aplicar ao caso concreto. Poderá ele
recusar-se a decidir sob tal pretexto? Evidentemente não, sob
pena de conturbar-se a ordem social. Compete ao Estado, através
do Poder judiciário, solucionar os conflitos entre particulares, e a
esse mister não poderá fugir.
Quando a lei é omissa sobre algum problema, ou sobre a
solução de alguma relação jurídica, diz-se que há uma lacuna da
lei. Esta é inevitável em qualquer ordenamento jurídico, porque
o legislador, por mais sagaz que seja, não pode prever todos os
casos capazes de aparecer nas relações entre os indivíduos. E,
mesmo que antevisse todas as relações jurídicas presentes, não
teria o dom de prever casos que o progresso trará.
Então como proceder? O artigo 4º da Lei da Introdução às
Normas do Direito Brasileiro determina que quando a lei for
omissa, o juiz deve decidir o caso concreto de acordo com a
analogia, os costumes e os princípios gerais do direito.
Tais institutos serão descritos a seguir ao tratar da
Interpretação e Integração das leis.
F)	 INTERPRETAÇÃO DAS LEIS
Hermenêutica jurídica é a ciência, a arte da interpretação
da linguagem jurídica, é buscar a sua real intenção e significado.
Serve para trazer os princípios e as regras que são as ferramentas
do intérprete através de métodos para o alcance da justiça na
aplicação adequada ao caso concreto. A aplicação, a prática das
regras hermenêuticas, é chamada exegese.
Assim, para que a Lei vigore plenamente, para que seja
aplicada com Justiça, é preciso decifrá-la. É fundamental que
fique claro que, por Lei, deve entender-se não só a norma escrita,
mas toda e qualquer norma jurídica, seja qual for sua fonte: a lei
escrita, os costumes, os princípios gerais não escritos, os valores,
a doutrina, a jurisprudência, a dogmática.
A interpretação admite quatro classes: quanto à origem,
quanto aos métodos, quanto ao resultado, e quanto à natureza.
Vejamos:
a)	 Quanto à origem:
I)	 Autêntica: é aquela que é exercida pelo próprio órgão
que editou a norma. Geralmente, quando uma lei é interpretada
por outra lei. Por exemplo, o art. 327 do CP, que traz o conceito de
funcionário público para a caracterização dos crimes praticados
por este, ou seja, é aquela feita pelo próprio legislador por inter-
médio de lei interpretativa. É muito comum leis virem seguidas de
decretos, com o objetivo de interpretá-las e regulamentá-las.
Didatismo e Conhecimento 4
DIREITO CIVIL
II)	 Doutrinária: é a interpretação dada pelos estudiosos do
Direito em livros, textos, pareceres etc.
III)	 Judicial: é a interpretação fornecida pelos juízes e tri-
bunais diante do caso concreto que lhes foi posto à apreciação.
A interpretação judicial será, de regra, casuística, ou seja, o juiz
interpretará a Lei em cada caso concreto. Já a autêntica e a dou-
trinária serão, habitualmente, genéricas, não se referindo a caso
concreto em especial, e quando adotam casos concretos, é, nor-
malmente, para exemplificar. A interpretação judicial é, talvez, a
mais importante de todas, uma vez que é o juiz, em última análise
que aplica a norma ao caso concreto.
b) Quanto aos métodos:
I) gramatical ou linguística: decorre da análise sintática, se-
mântica ou ortográfica das palavras que constam do texto da lei;
II) lógica: a interpretação se dá por meios de critérios lógi-
cos, raciocinando-se no plano das ideias manifestado pelo legislador;
III) sistemática: é como um quebra-cabeças. O intérprete
simplesmente encontrará lugar para a lei interpretada no sistema
legal. Ora, não podemos interpretar o Código do Consumidor sem
o Código Penal, sem o Código Civil, sem a Constituição e tantas
outras leis. Todas elas, em conjunto, formam sistema que interage,
uma complementando a outra;
IV) ontológica: a interpretação quando se buscar a essência
da Lei, sua razão de ser, a chamada ratio legis, ou razão da Lei;
V) teleológica: é aquela que busca a finalidade da Lei, seus
objetivos. Nesse ponto, devemos salientar que o art. 5º da LINDB
menciona a finalidade a ser perseguida pelo juiz quando da
aplicação da lei: “Na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins
sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum.”;
VI) Analógica: o intérprete deve manusear o método
comparativo, aplicando ao fato concreto preceitos que regulam
situações similares;
VII) histórica: perquirem-se os dados históricos que
subsidiam a criação da norma para aclarar o sentido da lei atual;
VIII) sociológica: deve o intérprete conjugar a norma legal
com elementos extraídos do meio social à época de elaboração da
lei para alcançar a exata conjuntura que implicou a edição da lei.
c) Quanto ao resultado:
I) restritiva: deve ser aplicada quando a norma diz mais do
que deveria, implicando, em razão disso, a diminuição do alcance
de sua interpretação;
II) extensiva: deve ser aplicada quando a norma diz menos
do que deveria, induzindo à ampliação de sua interpretação;
III) declarativa: quando a norma não carece de ser ampliada
ou diminuída, posto que na medida certa o seu conteúdo foi
expresso.
d) Quanto à natureza:
I) Concreta: quando se estiver resolvendo um caso particular,
real. A interpretação judicial, como vimos, é, como regra, concreta.
II) Abstrata: é a que não leva em conta esse ou aquele caso
real. Procura analisar a lei de forma não casuística. É o que,
normalmente, faz a doutrina.
Há de ser esclarecido, contudo, que a interpretação será,
como regra, fenômeno empírico, o que vale dizer que a Lei,
habitualmente, é interpretada, não de modo abstrato, mas diante
de um ou mais casos concretos. Pela interpretação, o hermeneuta
deverá subsumir a Lei ao caso concreto, conjugando os distintos
métodos de exegese. Daí ser possível interpretar uma mesma
norma de várias maneiras distintas, dependendo dos vários casos
concretos que se tenha em vista.
Deve-se dizer que o Direito Civil, especificamente,
segundo a concepção mais atual, deve ser interpretado à luz da
Constituição. Isso porque é na Constituição que iremos encontrar
as bases do ordenamento jurídico. Consequentemente, será com
fundamento nos valores por ela adotados que todas as normas
infraconstitucionais deverão ser interpretadas.
G)	 INTEGRAÇÃO DO ORDENAMENTO JURÍDICO
Ocorre por razões de lacuna na lei (e não no direito), e de-
corre da indeclinabilidade da jurisdição. Com efeito, diante da
hipótese de anomia (ausência de normas), o ordenamento jurídico
de um Estado deve adotar um entre os três sistemas conhecidos
para solução da ausência de norma para o caso concreto, a saber:
* Non liquet: sistema pelo qual o magistrado decide pela
não solução da relação jurídica, por não haver respaldo legal.
Esse sistema é criticado por não atender aos fins primordiais da
jurisdição (realização da justiça, pacificação social e resolução
da lide).
* Suspensivo: por este, o intérprete suspende o andamento
do feito, e consequentemente suspende a decisão para a relação
jurídica, comunicando o legislativo da ausência de norma
regulamentadora, para fins de edição.
* Integrativo: sistema pelo qual, ante a ausência de lei
aplicável à relação jurídica sob decisão, o intérprete não pode se
furtar à sentença, devendo fazer uso da analogia, dos costumes e
dos princípios gerais de Direito. É o sistema adotado por nossa
Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro. O artigo 4º
fez questão de estabelecer uma hierarquia entre as fontes, pois
só autorizou o juiz a valer-se de outras fontes quando houvesse
omissão na lei e impossibilidade de aplicação da analogia,
buscando resoluções legais para casos semelhantes.
Assim, temos o seguinte quadro: fonte principal: Lei; fontes
secundárias ou acessórias: analogia, costumes e princípios gerais
do Direito, e mais: doutrina, jurisprudência e brocardos jurídicos.
A doutrina diverge quanto às fontes secundárias. Alguns
autores entendem que apenas a analogia, os costumes e os
princípios gerais de Direito são fontes secundárias, não admitindo
a doutrina, a jurisprudência e os brocardos jurídicos. A maioria,
porém, entende que estas últimas, fontes secundárias, também
estão presentes no sistema jurídico.
I) Analogia
Analogia é fonte formal mediata do direito, utilizada com a
finalidade de integração da lei, ou seja, a aplicação de dispositivos
legais relativos a casos análogos, ante a ausência de normas
que regulem o caso concretamente apresentado à apreciação
jurisdicional (a que se denomina anomia).
Na analogia usa-se uma lei que trata de um caso semelhante,
ao caso concreto, para o qual não há lei específica. É a analo-
gia legis (analogia legal). Pode haver a analogia iúris (analogia
jurídica), em que se busca a solução não em outra lei, pois esta
não existe, mas nas outras fontes do direito, no sistema do ordena-
mento jurídico como um todo. Se o texto não é claro, mas existe,
busca-se interpretá-lo com base em outro texto. A analogia ocorre
na lacuna da lei (quando não existe lei).
Didatismo e Conhecimento 5
DIREITO CIVIL
Amatériaétratadanoartigo4ºdaLeideIntroduçãoàsnormas
do Direito Brasileiro que estabelece: “Quando a lei for omissa, o
juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os
princípios gerais de direito”. É sabido que o intérprete é obrigado
a integrar o sistema jurídico, ou seja, diante da lacuna (ausência
de norma para o caso concreto) ele deve sempre encontrar uma
solução adequada. Aliás, basta verificarmos o verbo “decidirá”
para entendermos que o sistema jurídico ordena a decisão do caso
concreto.
II) Costumes
O direito consuetudinário ou costumeiro pode ser conceituado
como a norma aceita como obrigatória pela consciência do
povo, sem que o Poder Público a tenha estabelecido, ou seja,
é a reiteração constante de um comportamento em virtude da
convicção de sua obrigatoriedade. O direito costumeiro apresenta
os seguintes requisitos:
•	 subjetivo (“opinio necessitatis”): é a crença na obriga-
toriedade, isto é, a crença que, em caso de descumprimento, incide
sanção;
•	 objetivo (“diuturnidade”): constância na realização do ato.
A diferença existente entre o costume e o hábito está no
elemento subjetivo, que inexiste neste último. Isso significa que
no hábito existe a prática constante, porém, sem a crença da sua
obrigatoriedade.
Os costumes classificam-se em:
1)	 “Contra legem”: é aquele contra a lei. O costume não
respeita as normas constantes do sistema jurídico. É a desobedi-
ência reiterada do comando legal com a crença na inefetividade
da lei. Temos como exemplo, o costume de não respeitar o sinal
vermelho, por questão de segurança, após um determinado horá-
rio.
2)	 “Praeter legem”: é aquele que amplia o preceito da lei.
É previsão de uma conduta paralela, não prevista pela lei; po-
rém, não proibida por esta, podendo-se citar, como exemplo, o
cheque que, apesar de ser uma ordem de pagamento à vista, fun-
ciona como uma garantia de pagamento, respeitando-se sua dupla
condição. O cheque pós-datado deve respeitar a data consignada
para apresentação junto ao sacado, embora a apresentação à vis-
ta garanta o pagamento.
3)	 “Secundum legem”: é o costume segundo o qual, o pró-
prio texto da lei delega ao costume a solução do caso concreto.
Esse caso é exemplificado pelo artigo 569, inciso II, do Código
Civil, que determina ao locatário pagar pontualmente o aluguel
segundo o costume do lugar, quando não houver ajuste expresso.
Outros exemplos podemos encontrar nos artigos 596, 597, 615,
todos do CC.
III) Princípios gerais do Direito
São postulados que estão implícito ou explicitamente expostos
no sistema jurídico, contendo um conjunto de regras. Os princípios
gerais de Direito são a última salvaguarda do intérprete, pois
este precisa se socorrer deles para integrar o fato ao sistema.
De acordo com as lições de Celso Antônio Bandeira de Mello,
princípios são vetores de interpretação, que, por sua generalidade
e amplitude, informam as demais regras, constituindo a base de
todo o ramo do Direito ao qual se aplica. Em outras palavras,
são as vigas mestras do ordenamento jurídico, as suas pilastras
fundamentais.
IV) Doutrina
Chamada de Direito Científico é o conjunto de indagações,
pesquisas e pareceres dos cientistas do Direito. Há incidência
da doutrina em matérias não codificadas, como no Direito
Administrativo e em matérias de Direito estrangeiro, não previstas
na legislação pátria. Há duas orientações:
1)	 formalista: o doutrinador é o doutor em Direito. Até a
década de 60, essa orientação era pacífica;
2)	 informal: não precisa ser escrita por doutor, bastando
que seu autor consiga imprimir ao trabalho coerente conteúdo
científico.
V) Jurisprudência
A jurisprudência é uma função atípica da jurisdição. São
decisões reiteradas, constantes e pacíficas do Poder Judiciário
sobre determinada matéria num determinado sentido. Não há
necessidade de a jurisprudência ser sumulada para ser fonte.
Aqui, cabe ressaltar que a jurisprudência não pode ser confundida
com a orientação jurisprudencial, que é qualquer decisão do
Poder Judiciário que esclareça a norma legal. A orientação
jurisprudencial é apenas um método de interpretação da lei e não
precisa de uniformidade, sendo rara a adoção da jurisprudência
como fonte. Existem três posições quanto à jurisprudência:
1)	 corrente negativista: para essa corrente, a jurisprudên-
cia não é fonte de Direito;
2)	 corrente jurisprudencialista: tudo se resolve pela juris-
prudência;
3)	 corrente eclética (realista): a jurisprudência pode ser
usada desde que tenha conteúdo científico.
Em relação à súmula vinculante podemos dizer que há pontos
favoráveis e desfavoráveis. Os pontos favoráveis fazem com
que haja uma igualdade sistêmica entre as decisões, limitando
o número de recursos para matérias amplamente discutidas,
desafogando o Judiciário. Já os pontos desfavoráveis são porque
torna o Direito estático e neste sentido há a necessidade de uma
melhor sistematização dos métodos de criação sumular atualmente
existentes.
VI) Brocardos jurídicos
Brocardos jurídicos são frases, sentenças concisas e de fácil
memorização, que encerram uma verdade jurídica (exemplo: ne
procedat judex ex officio – princípio da inércia da jurisdição).
Funcionam como meio integrativo, estando configurada
hipótese de anomia. Aplicam-se a todo o sistema jurídico, sendo
muitas vezes traduzidos como normas do ordenamento positivo.
Exemplo: Exceptio non adimpleti contractus, que vem devidamente
previsto no artigo 1.092 do Código Civil.
Passos para a Interpretação e Integração da lei
São cinco os passos utilizados na interpretação da lei:
1) primeiro passo: interpretação literal (gramatical);
2) segundo passo: verificação dos outros métodos (lógica +
sistemática + ontológica + teleológica + analógica + histórica +
sociológica);
3) terceiro passo: utilização da analogia, e no tocante a esta
aplicação, cumpre informar a existência de regra básica de her-
menêutica apta a informar a aplicação do meio integrativo analó-
gico, traduzida na expressão latina ubi idem ratio, ibi eadem dis-
positio (onde há a mesma razão, aplica-se a mesma disposição);
4) quarto passo: uso das fontes secundárias (costumes + dou-
trina + jurisprudência + brocardos jurídicos);
5) quinto passo: utilização dos princípios gerais do Direito.
Didatismo e Conhecimento 6
DIREITO CIVIL
EQUIDADE
Em brevíssimas linhas, a equidade poderá ser reduzida a
um raciocínio análogo ao de justiça. Aplicando-se a equidade,
busca-se, basicamente, um ideal daquilo que é justo. Embora
não mencionada no art. 4º da LINDB, a equidade vem como
viés inolvidável quando se trata da integração do ordenamento
jurídico.
É certo que o ordenamento jurídico não dispõe da equidade
para aplicação indistinta e desordenada, tanto é que o art. 127
do CPC desponta: “O juiz só decidirá por equidade nos casos
previstos em lei.”
Mas, de igual modo, a equidade é recurso fornecido ao
julgador no exercício de sua atividade judicante. A equidade nos
induz a um raciocínio análogo ao de justiça.
H)	 CONFLITO DE LEIS NO TEMPO
O conflito de leis ocorre quando há dúvidas em relação à qual
lei que deverá ser aplicada em determinada situação em virtude
do tempo. Vale dizer que a parte do Direito que trata da questão
temporal denomina-se Direito Intertemporal.
Em outras palavras, a dúvida se instaura pois o fato jurídico
ocorreu na data X, quando uma determinada lei tinha vigência.
Mas ocorre que, posteriormente, essa lei fora revogada, surgindo
uma nova lei que disciplina o assunto em questão. Nesse caso
haverá conflito entre qual a lei que deverá ser aplicada sobre os
efeitos de um fato que ocorreu na vigência de uma lei passada,
mas que está sendo discutido sob a égide da lei atual?
Estamos diante de um caso típico de conflito de leis no tempo.
Acerca do problema, a LINDB forneceu algumas instruções em
seu artigo 6º, que apresenta a seguinte redação: “A lei em vigor
terá efeito imediato e geral, respeitados o ato jurídico perfeito, o
direito adquirido e coisa julgada.” Em estreita sintonia com este
artigo da LINDB, a CF/88 estabeleceu em seu artigo 5º, XXXVI,
que “a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico
perfeito e a coisa julgada”.
O caput do art. 6º traz o Princípio da Irretroatividade das
Leis, pelo qual uma lei presente ou futura não deverá atingir fatos
passados. Ressalta-se a importância desse princípio uma vez que
assegura a ordem e a Segurança Jurídica necessária a um Estado
de Direito.
Salienta-se que, se uma lei presente ou futura, atingir fatos
passados, estaria seriamente maculada a segurança dos indivídu-
os, pois, o que antes era permitido, futuramente pode ser proibido,
e o indivíduo, que efetuou determinada relação com outro, sob o
respaldo da lei, na época, ficaria prejudicado, se, futuramente a
lei condenasse essa relação e seus efeitos.
Dessa forma, a regra geral é que as leis não retroagem, ou
seja, não atingem fatos que ocorreram antes de sua vigência. Urge
então compreender o alcance das exceções, uma vez que não exis-
te uma proibição direta em relação a existência de leis retroativas,
o que existe é um limite ou critério que, obrigatoriamente, deve
ser observado.
Assim, uma nova lei poderá retroagir desde que respeite:
• Direito adquirido - são aqueles cujos titulares possam exer-
cer desde já;
• Ato jurídico perfeito - é o que já produziu efeitos segundo a
lei vigente ao tempo em que se efetuou;
• Coisa julgada (caso julgado) - decisão judicial sob o qual
não cabe mais recurso;
Cabe, neste momento, o entendimento dessas três figuras ju-
rídicas, que são as responsáveis pela nossa segurança social e
econômica.
a) Direito adquirido
O direito adquirido é conceituado como aquele que já se
incorporou definitivamente ao patrimônio e à personalidade de
seu titular, ainda que de efeitos latentes, de modo que nem a lei e
nem fato posterior possa alterar tal situação jurídica.
Não se pode confundir o direito adquirido com a expectativa
de direito. Por esse último, o que há é uma esperança de que algo
venha a se concretizar, mas ainda não se concretizou efetivamente,
resultando um fato aquisitivo incompleto e, por isso, não integrante
do patrimônio de seu titular, sendo atingido portanto pela nova lei.
O direito adquirido apresenta os seguintes limites:
1) não prevalece contra normas constitucionais, exceto, para
alguns doutrinadores, se e quando decorrentes de emenda consti-
tucional, pois o Direito adquirido é cláusula pétrea, por ser direito
previsto no artigo 5º da Constituição Federal.
2) retroage normas administrativas e processuais;
3) retroage normas penais benéficas ao réu;
4) retroage normas que dizem respeito ao estado e à capaci-
dade das pessoas.
Dentro do conceito de Direito adquirido, existem dois que são
espécies do gênero, quais sejam:
a.1) Ato jurídico perfeito
É o ato que tem aptidão para produzir efeitos. Alguns
doutrinadores entendem que o ato jurídico não difere do negócio
jurídico; no entanto, outros entendem que a diferença reside
nos efeitos de um e de outro, tendo em vista que no ato jurídico
os efeitos ocorrem independentemente da vontade das partes
(exemplo: poder familiar), enquanto no negócio jurídico os efeitos
são perseguidos pelas partes (exemplo: contratos em geral). No
entanto, por ato jurídico perfeito deve ser aplicada a interpretação
mais ampla, a englobar tanto o ato jurídico em sentido estrito,
como o negócio jurídico. Ou seja, a palavra perfeito significa que
o ato jurídico já completou seu ciclo de formação, já está pronto
para produzir seus efeitos, de acordo com a lei vigente quando de
sua conclusão.
O ato jurídico pode ser:
1) instantâneo: aquele que, no momento de seu nascimento,
já produz efeitos e, neste caso, não existe conflito de leis (exemplo:
compra e venda à vista de um imóvel);
2) diferido: é o ato que produz efeito em momento único;
todavia, a concretizar-se em momento posterior à sua prática
(exemplo: compra e venda, com entrega e pagamento a prazo);
3) de trato sucessivo, ou execução continuada: ato que pro-
duz efeitos periodicamente, enquanto a relação jurídica se protrai
no tempo (exemplo: contrato de locação com pagamento de par-
celas periódicas).
O ato jurídico perfeito divide-se em duas espécies:
1) condicional: há manifestação de vontade; porém, os efeitos
dependem de evento futuro e incerto, diferente de mera expectativa
de direito;
2) termo: há manifestação de vontade; porém, os efeitos
dependem de evento futuro e certo.
Didatismo e Conhecimento 7
DIREITO CIVIL
a.2) Coisa julgada
De acordo com a doutrina de vanguarda, coisa julgada é
a qualidade dos efeitos da sentença, no sentido de lhes traduzir
imutabilidade. Somente o dispositivo da sentença, cuja função é
analisar o pedido, fará coisa julgada, não podendo haver coisa
julgada quanto à fundamentação, em que se analisa a causa de
pedir. A coisa julgada é soberana, ou seja, não pode ser alterada
por ação rescisória, se decorrido o prazo legal para propositura
desta (após o período de dois anos de trânsito em julgado, a
questão ficará inquestionável).
I)	 CONFLITO DE LEIS NO ESPAÇO
Outra problemática é saber se a lei de um país pode ter
eficácia, ou seja, surtir efeitos fora de seu território.
Do artigo 7º até o último, a Lei de Introdução trata do conflito
de leis no espaço, fixando regras para que o juiz brasileiro saiba
qual Lei aplicar em conflitos internacionais, se a Lei brasileira ou
a estrangeira.
O Estado politicamente organizado tem, sobre o seu território
e sobre os seus habitantes, um poder que não conhece outro maior,
chamado soberania.
Vale aqui lembrar a definição tradicional de Estado: reunião
dos elementos: povo, governo e território.
A soberania traduz-se, dentre vários aspectos, pela não
eficácia de norma de outro Estado em seu território e pela
obrigatoriedade de suas normas no seu território. A simples
limitação física do território é insuficiente para abranger todas as
relações jurídicas possíveis em um mundo em constante interação.
A mobilidade dos homens foram fatores determinantes para
que os Estados adotassem posição menos rígida; em outras pala-
vras, surgiu a conveniência de se permitir em certas circunstân-
cias que a lei de um Estado soberano fosse aplicada no território
de outro Estado também soberano.
Esta transigência não diminui ou ofende a soberania desses
Estados, por se tratar de transigência recíproca e por se efetuar
com base em critérios estabelecidos pelos próprios Estados envol-
vidos, com aplicação de princípios e de convenções internacio-
nais. Os critérios para aplicação são:
a) questões envolvendo direitos da personalidade e direitos
de família, são aquelas que tratam de direitos que toda pessoa
possui, pelo simples e indiscutível fato de ser pessoa humana. São
aqueles direitos que não se separam da pessoa, são inerentes à
pessoa humana, ligados a ela perpétua e permanentemente.
São eles, os direitos: à vida; à liberdade física ou intelectual;
ao nome; ao corpo; à imagem; à honra.
São questões de direitos de família as que se ocupam de
regras para realização de casamento, dissolução do casamento,
restauração do casamento, guarda de filhos, arbitramento de
pensão, etc.
Para estes “direitos”, o critério adotado é o do domicílio da
pessoa envolvida. Ou seja, busca-se resolver os conflitos com a
aplicação da norma do país onde a pessoa fixou-se, onde está vi-
vendo e tem como referência.
b) questões envolvendo Bens e Patrimônio, é possível que
surja quando um conflito envolva um bem e pessoas que estejam
em diferentes Estados. Todos os conflitos que tenham como centro
um bem ou um patrimônio serão resolvidos com a aplicação da lei
do país onde está localizado o bem.
c) questões envolvendo obrigações, são aquelas que surgem
quando a mobilidade das pessoas permite que travem relações,
não somente no plano pessoal, mas naturalmente também no plano
obrigacional. Contratos podem ser firmados para cumprimento de
obrigação em mais de um território.
Nestas situações, para administrar essas obrigações e solu-
cionar conflitos que possam advir, deverá ser aplicada a lei do
país onde foi constituída a obrigação. Vale dizer que, em relação
às obrigações que foram celebradas no estrangeiro, não será apli-
cada a lei brasileira e sim a do país onde foi celebrado o contrato.
Deve-se ainda observar que será considerado local de cele-
bração para aplicação deste critério o local em que reside o pro-
ponente, aquele que figura como oferecedor da proposta.
DECRETO-LEI Nº 4.657, DE 4 DE SETEMBRO DE 1942.
Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro. (Redação
dada pela Lei nº 12.376, de 2010)
O PRESIDENTE DA REPÚBLICA, usando da atribuição
que lhe confere o artigo 180 da Constituição, decreta:
Art. 1o
 Salvo disposição contrária, a lei começa a vigorar
em todo o país quarenta e cinco dias depois de oficialmente
publicada.
§ 1o
 Nos Estados, estrangeiros, a obrigatoriedade da lei
brasileira, quando admitida, se inicia três meses depois de ofi-
cialmente publicada. (Vide Lei 2.145, de 1953)  (Vide Lei nº
2.410, de 1955)  (Vide Lei nº 3.244, de 1957)  (Vide Lei nº 4.966,
de 1966)  (Vide Decreto-Lei nº 333, de 1967)
§ 2o
 (Revogado pela Lei nº 12.036, de 2009).
§ 3o
 Se, antes de entrar a lei em vigor, ocorrer nova publi-
cação de seu texto, destinada a correção, o prazo deste artigo e
dos parágrafos anteriores começará a correr da nova publicação.
§ 4o
 As correções a texto de lei já em vigor consideram-se
lei nova.
Art. 2o
 Não se destinando à vigência temporária, a lei terá
vigor até que outra a modifique ou revogue. (Vide Lei nº 3.991,
de 1961)
§ 1o
 A lei posterior revoga a anterior quando expressa-
mente o declare, quando seja com ela incompatível ou quando
regule inteiramente a matéria de que tratava a lei anterior.
§ 2o
 A lei nova, que estabeleça disposições gerais ou es-
peciais a par das já existentes, não revoga nem modifica a lei
anterior.
§ 3o
 Salvo disposição em contrário, a lei revogada não se
restaura por ter a lei revogadora perdido a vigência.
Art. 3o
 Ninguém se escusa de cumprir a lei, alegando que
não a conhece.
Art. 4o
 Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de
acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de
direito.
Art. 5o
 Na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais
a que ela se dirige e às exigências do bem comum.
Art. 6º A Lei em vigor terá efeito imediato e geral, res-
peitados o ato jurídico perfeito, o direito adquirido e a coisa
julgada.
§ 1º Reputa-se ato jurídico perfeito o já consumado segundo a
lei vigente ao tempo em que se efetuou.
§ 2º Consideram-se adquiridos assim os direitos que o seu
titular, ou alguém por ele, possa exercer, como aqueles cujo começo
do exercício tenha termo pré-fixo, ou condição pré-estabelecida
inalterável, a arbítrio de outrem.
Didatismo e Conhecimento 8
DIREITO CIVIL
§ 3º Chama-se coisa julgada ou caso julgado a decisão judicial
de que já não caiba recurso.
Art. 7o
 A lei do país em que domiciliada a pessoa determi-
na as regras sobre o começo e o fim da personalidade, o nome,
a capacidade e os direitos de família.
§ 1o
 Realizando-se o casamento no Brasil, será aplicada a
lei brasileira quanto aos impedimentos dirimentes e às forma-
lidades da celebração.
§ 2o
O casamento de estrangeiros poderá celebrar-se pe-
rante autoridades diplomáticas ou consulares do país de am-
bos os nubentes.
§ 3o
 Tendo os nubentes domicílio diverso, regerá os casos
de invalidade do matrimônio a lei do primeiro domicílio con-
jugal.
§ 4o
 O regime de bens, legal ou convencional, obedece à
lei do país em que tiverem os nubentes domicílio, e, se este for
diverso, a do primeiro domicílio conjugal.
§ 5º - O estrangeiro casado, que se naturalizar brasileiro, pode,
mediante expressa anuência de seu cônjuge, requerer ao juiz, no
ato de entrega do decreto de naturalização, se apostile ao mesmo
a adoção do regime de comunhão parcial de bens, respeitados os
direitos de terceiros e dada esta adoção ao competente registro.
§ 6º  O divórcio realizado no estrangeiro, se um ou ambos os
cônjuges forem brasileiros, só será reconhecido no Brasil depois
de 1 (um) ano da data da sentença, salvo se houver sido antecedida
de separação judicial por igual prazo, caso em que a homologação
produzirá efeito imediato, obedecidas as condições estabelecidas
para a eficácia das sentenças estrangeiras no país. O Superior
Tribunal de Justiça, na forma de seu regimento interno, poderá
reexaminar, a requerimento do interessado, decisões já proferidas
em pedidos de homologação de sentenças estrangeiras de divórcio
de brasileiros, a fim de que passem a produzir todos os efeitos
legais.
§ 7o
 Salvo o caso de abandono, o domicílio do chefe da
família estende-se ao outro cônjuge e aos filhos não emanci-
pados, e o do tutor ou curador aos incapazes sob sua guarda.
§ 8o
 Quando a pessoa não tiver domicílio, considerar-se-á
domiciliada no lugar de sua residência ou naquele em que se
encontre.
Art. 8o
 Para qualificar os bens e regular as relações a eles
concernentes, aplicar-se-á a lei do país em que estiverem situ-
ados.
§ 1o
 Aplicar-se-á a lei do país em que for domiciliado o
proprietário, quanto aos bens moveis que ele trouxer ou se des-
tinarem a transporte para outros lugares.
§ 2o
 O penhor regula-se pela lei do domicílio que tiver a
pessoa, em cuja posse se encontre a coisa apenhada.
Art. 9o
 Para qualificar e reger as obrigações, aplicar-se-á
a lei do país em que se constituírem.
§ 1o
 Destinando-se a obrigação a ser executada no Brasil
e dependendo de forma essencial, será esta observada, admiti-
das as peculiaridades da lei estrangeira quanto aos requisitos
extrínsecos do ato.
§ 2o
 A obrigação resultante do contrato reputa-se constitu-
ída no lugar em que residir o proponente.
Art.  10.  A sucessão por morte ou por ausência obedece
à lei do país em que domiciliado o defunto ou o desaparecido,
qualquer que seja a natureza e a situação dos bens.
§ 1º A sucessão de bens de estrangeiros, situados no País, será
regulada pela lei brasileira em benefício do cônjuge ou dos filhos
brasileiros, ou de quem os represente, sempre que não lhes seja
mais favorável a lei pessoal do de cujus.
§ 2o
 A lei do domicílio do herdeiro ou legatário regula a
capacidade para suceder.
Art. 11.  As organizações destinadas a fins de interesse co-
letivo, como as sociedades e as fundações, obedecem à lei do
Estado em que se constituírem.
§ 1o
 Não poderão, entretanto ter no Brasil filiais, agências
ou estabelecimentos antes de serem os atos constitutivos apro-
vados pelo Governo brasileiro, ficando sujeitas à lei brasileira.
§ 2o
 Os Governos estrangeiros, bem como as organizações
de qualquer natureza, que eles tenham constituído, dirijam ou
hajam investido de funções públicas, não poderão adquirir no
Brasil bens imóveis ou susceptíveis de desapropriação.
§ 3o
 Os Governos estrangeiros podem adquirir a proprie-
dade dos prédios necessários à sede dos representantes diplo-
máticos ou dos agentes consulares.
Art. 12.  É competente a autoridade judiciária brasileira,
quando for o réu domiciliado no Brasil ou aqui tiver de ser
cumprida a obrigação.
§ 1o
 Só à autoridade judiciária brasileira compete conhe-
cer das ações relativas a imóveis situados no Brasil.
§ 2o
A autoridade judiciária brasileira cumprirá, conce-
dido o exequatur e segundo a forma estabelecida pele lei bra-
sileira, as diligências deprecadas por autoridade estrangeira
competente, observando a lei desta, quanto ao objeto das di-
ligências.
Art.  13.  A prova dos fatos ocorridos em país estrangeiro
rege-se pela lei que nele vigorar, quanto ao ônus e aos meios de
produzir-se, não admitindo os tribunais brasileiros provas que
a lei brasileira desconheça.
Art. 14.  Não conhecendo a lei estrangeira, poderá o juiz
exigir de quem a invoca prova do texto e da vigência.
Art. 15.  Será executada no Brasil a sentença proferida no
estrangeiro, que reuna os seguintes requisitos:
a) haver sido proferida por juiz competente;
b) terem sido as partes citadas ou haver-se legalmente ve-
rificado à revelia;
c) ter passado em julgado e estar revestida das formalida-
des necessárias para a execução no lugar em que foi proferida;
d) estar traduzida por intérprete autorizado;
e) ter sido homologada pelo Supremo Tribunal Federal.
(Vide art.105, I, i da Constituição Federal).
Parágrafo único.   (Revogado pela Lei nº 12.036, de 2009).
Art. 16.  Quando, nos termos dos artigos precedentes, se
houver de aplicar a lei estrangeira, ter-se-á em vista a dispo-
sição desta, sem considerar-se qualquer remissão por ela feita
a outra lei.
Art. 17.  As leis, atos e sentenças de outro país, bem como
quaisquer declarações de vontade, não terão eficácia no Brasil,
quando ofenderem a soberania nacional, a ordem pública e os
bons costumes.
Art. 18. Tratando-se de brasileiros, são competentes as au-
toridades consulares brasileiras para lhes celebrar o casamen-
to e os mais atos de Registro Civil e de tabelionato, inclusive
o registro de nascimento e de óbito dos filhos de brasileiro ou
brasileira nascido no país da sede do Consulado.
Art. 19. Reputam-se válidos todos os atos indicados no ar-
tigo anterior e celebrados pelos cônsules brasileiros na vigên-
cia do Decreto-lei nº 4.657, de 4 de setembro de 1942, desde que
satisfaçam todos os requisitos legais.
Parágrafo único. No caso em que a celebração desses atos
tiver sido recusada pelas autoridades consulares, com funda-
mento no artigo 18 do mesmo Decreto-lei, ao interessado é fa-
cultado renovar o pedido dentro em 90 (noventa) dias contados
da data da publicação desta lei.
Didatismo e Conhecimento 9
DIREITO CIVIL
DAS PESSOAS. DAS PESSOAS
NATURAIS: DA RESPONSABILIDADE
E DA CAPACIDADE, DOS DIREITOS DA
PERSONALIDADE.
Podemos definir como pessoa natural o ser humano livre de
qualquer adjetivação, ou seja, o ser humano independentemente
de sexo, crença, idade, religião, etc.
Portanto, para ser considerado pessoa natural basta que esse
ser humano exista, é o ser humano considerado como sujeito de
direitos e deveres.
A pessoa natural no CC/1916 era conhecida como sinônimo
de pessoa física, mas, com a nova normatização do CC/2002, da
qual esta deva ser interpretada dentro dos parâmetros da CF/1988,
deve-se evitar usar como sinônimo de pessoa natural o termo
pessoa física, porque chamar o ser humano de pessoa física é
patrimonializá-lo demais, é materializá-lo demais, e o direito civil
atual caminha exatamente no sentido da despratimonialização.
Não podemos, portanto, deixar de mencionar a proteção
constitucional da pessoa natural que pode ser verificada no art.
1º, III da CF, porque afinal de contas este dispositivo prevê ex-
pressamente que um dos fundamentos da República Federativa do
Brasil é a proteção da pessoa humana.
Justamente por isso muitos autores de direito civil falam e
utilizam a expressão personalização do direito civil, pois com essa
idéia de personalização do direito civil, a pessoa esta no centro do
ordenamento jurídico brasileiro, ou seja, a personalidade jurídica
concedida à pessoa natural é a aptidão para que se possa ser ti-
tular de relações jurídicas e fazer jus a toda uma rede de proteção
que é destinada aos direitos da personalidade. Assim, as pessoas,
naturais ou jurídicas, são sujeitos dos direitos subjetivos, entes
dotados de personalidade. É, principalmente, em função dessas
pessoas, que existe a ordem jurídica.
Na realidade, há duas acepções para o termo personalidade.
Na primeira acepção, é atributo jurídico conferido ao ser humano
e a outros entes (pessoas jurídicas), em virtude do qual se tornam
capazes, podendo ser titulares de direitos e deveres nas relações
jurídicas. A pessoa, por ser dotada de personalidade, é o elemento
subjetivo da estrutura das relações jurídicas.
Numa segunda acepção, a personalidade é um valor, “o
valor fundamental do ordenamento jurídico e está na base de uma
série aberta de situações existenciais, nas quais se traduz sua
incessantemente mutável exigência de tutela”. Daí se falar em
direitos da personalidade, que estudaremos no próximo capítulo.
De qualquer forma, num primeiro momento a personalidade é
invenção do Direito. Por isso dizemos que personalidade é atributo
ou valor jurídico. A personalidade, em tese, não é natural. Tanto
não é natural, que se atribui personalidade a entes não humanos,
as pessoas jurídicas, que podem ser meros patrimônios, como
as fundações. Sem sombra de dúvida, antigamente havia seres
humanos aos quais o Direito não atribuía personalidade. Eram
os escravos, considerados coisas perante o ordenamento jurídico.
Hoje em dia, porém, o Direito não reconhece a escravidão e,
com base nisso, podemos afirmar que todo ser humano é pessoa
pela simples condição humana. Sendo assim, se a personalidade
humana se adquire pela simples condição humana, podemos dizer
que é atributo natural, inato.
1.	 INÍCIO DA PERSONALIDADE JURÍDICA DA PES-
SOA NATURAL.
A personalidade civil da pessoa natural inicia-se a partir do
nascimento com vida, conforme disposto no art. 2º do CC, mas a
lei protege desde a concepção, os direitos do nascituro, entretanto,
estes direitos estão condicionados ao nascimento com vida, ou
seja, se nascer morto, os direitos eventuais que viria a ter estarão
frustrados.
Assim, no instante em que principia o funcionamento do
aparelho cárdio-respiratório, clinicamente aferível pelo exame
de docimasia hidrostática de Galeno, o recém-nascido adquire
personalidade jurídica, tornando-se sujeito de direito, mesmo que
venha a falecer minutos depois.
Na mesma linha, a Res. nº 1/88 do Conselho Nacional
de Saúde dispõe que o nascimento com vida é a: “expulsão ou
extração completa do produto da concepção quando, após a
separação, respire e tenha batimentos cardíacos, tendo sido ou
não cortado o cordão, esteja ou não desprendida a placenta”.
Em uma perspectiva constitucional de respeito à dignidade
da pessoa, não importa que o feto tenha forma humana ou
tempo mínimo de sobrevida. Se o recém-nascido, cujo pai tenha
morrido deixando esposa grávida, falece minutos após o parto,
terá adquirido, por exemplo, todos os direitos sucessórios do seu
genitor, transferindo-os para a sua mãe, uma vez que se tornou,
ainda que por breves instantes, sujeito de direito. Portanto,
a importância de se constatar se a criança respirou ou não,
adquirindo ou não personalidade, é neste exemplo, em casos
de herança, visto que, se a criança adquiriu personalidade, ela
estará na qualidade de herdeiro.
São três as teorias para explicação do início da personalidade
jurídica:
a)	 Teoria Natalista: a personalidade do ser humano se ini-
cia do nascimento com vida, não se exigindo mais nenhuma carac-
terística como a forma humana, viabilidade de vida ou tempo de
nascido. Ademais, o subsequente registro no Cartório de Registro
Civil das Pessoas Naturais possui natureza meramente declarató-
ria, e não constitutiva.
Não se pode confundir o neomorto com o natimorto. Nati-
morto é aquele que nasceu morto, não adquirindo, portanto, per-
sonalidade. O registro do natimorto é feito no cartório de Regis-
tro Civil das Pessoas Naturais em livro próprio denominado “C
Auxiliar” (art. 53, § 1º, Lei nº 6.015/73). Neomorto é aquele que
nasceu com vida, ou seja, nasceu, respirou, porém, logo em se-
guida veio a falecer. Nessa situação, diferentemente do natimorto,
procede-se primeiro a um registro de nascimento e, posteriormen-
te, a um registro de óbito, uma vez que chegou a ser, ainda que por
breve instante, titular de personalidade, herdando e transmitindo
os seus direito sucessórios. O CC/2002 adota a teoria natalista
na primeira metade do art. 2º: “A personalidade civil da pessoa
começa do nascimento com vida; mas a lei põe a salvo, desde a
concepção, os direitos do nascituro”.
b)	 Teoria da Personalidade Condicional: entende que a
personalidade tem início a partir da concepção, porém, condicio-
na-se ao nascimento com vida. Em outras palavras, os adeptos
dessa teoria dizem que antes de nascer o que existe é uma perso-
nalidade jurídica formal a justificar o resguardo dos direitos de
personalidade do nascituro, e depois do nascimento é que surge a
personalidade jurídica material, que alcançará os direitos patri-
Didatismo e Conhecimento 10
DIREITO CIVIL
moniais. Mas, a crítica a esta teoria é de que os direitos não patri-
moniais, incluindo os direitos da personalidade, não dependem do
nascimento com vida para a sua aplicação.
c)	 Teoria concepcionista: a personalidade se adquire des-
de a concepção, e o nascituro já possui personalidade jurídica.
Tanto é assim que os concepcionistas sugerem uma releitura do
art. 2º do CC, entendendo que, na realidade, o que se adquire com
o nascimento com vida é a capacidade e não a personalidade, de
modo que os direitos de personalidade já estariam salvaguarda-
dos desde a concepção.
Para fins práticos, muito se confunde em se tratando das
teorias da personalidade condicional e concepcionista. É possível
vislumbrar a diferença que existe entre elas se compreendermos
que a teoria da personalidade condicional, embora reconheça
direitos ao nascituro, aponta que a personalidade jurídica estaria
sujeita a uma condição, qual seja, o nascimento com vida. Já os
concepcionistas, além de reconhecerem direitos ao nascituro,
admitem a personalidade jurídica desde a concepção, sem
submetê-la a qualquer condição.
A grande polêmica em torno do nascituro é se é pessoa ou se
não é.
Para os adeptos da teoria concepcionista, afirmam estes
que atribuir direitos e deveres significa afirmar personalidade.
Tanto a segunda parte do art. 2º, que é exemplificativo, como
outras normas do Código reconhecem expressamente ao nascituro
direitos e status (como o de filho, por exemplo), e não expectativas
de direitos. O nascituro pode ser reconhecido ainda no ventre
materno (art. 1.609, p. ú., do CC, e art. 26, p. ú., da Lei nº 8.069,
de 13.07.1990), está sujeito à curatela (arts. 1.778 e 1.779) e
pode ser adotado (art. 1.621). Além de direitos consagrados
de modo expresso, a redação exemplificativa do art. 2º permite
reconhecer o direito a alimentos ao nascituro e investigar-lhe a
paternidade. É beneficiário de doação (art. 542) e herança (art.
1.799), direitos patrimoniais materiais, podendo o representante
legal entrar na posse de bens doados ou herdados, provando-se
a gravidez, por meio da posse em nome do nascituro (arts. 877 e
878 do CPC). O nascimento com vida apenas consolida o direito
patrimonial, aperfeiçoando-o. O nascimento sem vida atua, para
a doação e herança, como condição resolutiva, problema que não
se apresenta em se tratando dos direitos não patrimoniais. Ora,
é despiciendo dizer que, segundo a lógica tradicional de nosso
sistema jurídico, direitos detem apenas as pessoas. Sendo assim,
muito embora, a primeira parte do art. 2º se refira ao nascimento
com vida, o Direito Brasileiro, considerado em seu todo, adota a
posição concepcionista.
São de grande relevância os direitos da personalidade do
nascituro, entre os quais os direitos à vida, à integridade física,
à honra e à imagem, assim como também o direito à proteção do
pré-natal e a tipificação de crime em casos de aborto.
O próprio Enunciado nº 1, do CJF afirma que: “A proteção
que o Código defere ao nascituro alcança o natimorto no que
concerne aos direitos de personalidade, tais como o nome, imagem
e sepultura.” Esse enunciado demonstra a aguda tendência da
doutrina à teoria concepcionista.
Vale lembrar que a Lei de Alimentos Gravídicos (Lei nº
11.804/2008) encontra respaldo na proteção destinada ao
nascituro e a sua base repousa na teoria concepcionista, sendo
considerado como conceito de alimentos gravídicos o previsto
em seu art. 2º que assim é expresso: “os alimentos de que trata
esta Lei compreenderão os valores suficientes para cobrir as
despesas adicionais do período de gravidez e que sejam dela
decorrentes, da concepção ao parto, inclusive as referentes a
alimentação especial, assistência médica e psicológica, exames
complementares, internações, parto, medicamentos e demais
prescrições preventivas e terapêuticas indispensáveis, a juízo do
médico, além de outras que o juiz considere pertinentes”.  
Uma questão bastante interessante a ser enfrentada neste
terceiro milênio, é se a quarta era dos direitos, caracterizados pelos
avanços da biomedicina, da genética e das telecomunicações, é se,
o conceito de nascituro pode se estender ao nascituro concebido in
vitro, isto é, fora do ventre materno?
Para a doutrina moderna, o conceito de nascituro abrange
tanto o que está no ventre materno, como o embrião pré-
implantatório, in vitro ou crioconservado. A reprodução assistida
é tratada de modo geral, sem pormenores, no art. 1.597, incisos
III, IV, V, CC.
2.	 DA CAPACIDADE
A personalidade possui certos atributos, certos elementos que
a caracterizam. São eles, dentre muitos outros, a capacidade, o
nome e o estado.
O artigo 1º do CC/2002 prevê que toda pessoa é capaz de
direitos e deveres na ordem civil.
Devemos fazer algumas observações a respeito deste artigo,
como:
1ª observação: o novo código civil não utiliza mais a expres-
são homem e sim a expressão pessoa, uma vez que o código de
1916 utilizava em seu artigo 2º a expressão homem. Assim a ex-
pressão pessoa é melhor adaptada a CF/88 que utiliza a expressão
pessoa humana.
2ª observação: o dispositivo não fala mais em direitos e obri-
gações e sim em direitos e deveres, isso porque existem deveres
que não são obrigacionais em um sentido patrimonial, como por
exemplo, o dever de fidelidade.
3ª observação: o dispositivo fala ordem civil, porque afinal
de contas traz a pessoa enquadrada na socialidade, traz a pessoa
dentro de uma idéia de função social.
Continuando o estudo do art. 1º do CC quando o dispositivo
fala que toda pessoa é capaz de direitos e deveres na ordem civil,
temos neste dispositivo a chamada capacidade de direito. Essa
capacidade de direito é a capacidade para ser sujeito de direitos
e deveres, e todas as pessoas sem distinção tem essa capacidade
de direito, também conceituada como capacidade de gozo. Existe
também uma outra capacidade que é a de fato ou de exercício que
algumas pessoas não tem.
A personalidade, aptidão para ser titular de direitos e de-
veres, é ínsita à pessoa, enquanto a capacidade é a medida da
personalidade. Diz-se que a personalidade é um quid (substância,
essência) e a capacidade, um quantum.
Há duas espécies de capacidade:
a)	 de direito ou de gozo: é a capacidade de aquisição de
direitos, não importando a idade da pessoa;
b)	 de fato ou de exercício: é a capacidade de exercício de
direitos, de exercer, por si só, os atos da vida civil.
As pessoas que possuem os dois tipos de capacidade têm
a chamada capacidade plena, e aqueles que não possuem a
capacidade de fato são chamados incapazes, tendo a chamada
capacidade limitada. No Brasil não poderá existir incapacidade
de direito.
Didatismo e Conhecimento 11
DIREITO CIVIL
Portanto, todas as pessoas tem capacidade de direito ou de
gozo, mas só a algumas a lei confere a capacidade de exercê-los
pessoalmente. As que não tem a de exercício necessitam de outra
pessoa que as representará ou as assistirá, conforme se trate de
incapacidade absoluta ou de incapacidade relativa.
Assim, se todos possuímos capacidade de direito, isso não
quer dizer que todos possamos, de fato, exercer atos da vida
civil. É evidente que o recém-nascido, o deficiente mental ou a
pessoa esclerosada não podem. Desse modo, vemos que, além da
capacidade de direito, ou seja, desse mero potencial, é necessário
para o exercício da vida civil poder efetivo, real, que nos é dado
pela capacidade de fato.
Não confundir Capacidade com Legitimação, uma vez que
esta última é a idoneidade para o exercício dos direitos, ou seja,
há situações em que a pessoa mesmo sendo capaz, a lei impede
que faca. Ex: Uma pessoa que tenha a capacidade de direito e de
fato pode se casar, porém, se já é casado, não pode mais; outro
ex: um homem (capacidade de direito), com 30 anos (capacidade
de fato) querendo se casar, porém, se a esposa fosse sua irmã, o
Código Civil impediria o casamento, por falta de legitimação.
Assim, capacidade é diferente de legitimação, ou seja, a
capacidade de fato é genérica, enquanto que a legitimação surge
para um caso específico.
3.	 PREMISSAS PARA O ESTUDO DAS INCAPACIDA-
DES:
a)	 a regra é a capacidade, e a incapacidade, exceção. Se
considerarmos que a incapacidade é a exceção e o legislador tem
por ímpeto dispor na lei acerca das exceções, por evidente que
estará previsto na lei civil o rol dos incapazes (arts. 3º e 4º, CC) e
não dos capazes.
b)	 Conceito de incapacidade: é a restrição legal para a
prática, por si só, de atos na vida civil. Por meio desse conceito,
extraímos que somente o legislador poderá apontar quem são os
incapazes, não sendo admissível a incapacidade negocial ou con-
tratual.
c)	 O instituto da incapacidade existe para a proteção dos
incapazes, repudiando qualquer manifestação que os avilte, humi-
lhe ou rebaixe.
d)	 Não se pode confundir incapacidade com falta de legiti-
mação. O incapaz não pode praticar sozinho nenhum ato da vida
jurídica. A falta de legitimação impede apenas a prática de um
determinado ato da vida jurídica.
e)	 Existem dois graus de incapacidade: total e parcial.
4.	 DA INCAPACIDADE ABSOLUTA (TOTAL):
A incapacidade absoluta acarreta a proibição total da prática
dos atos da vida civil, sob pena de nulidade (art. 166, I, do CC),
e é suprida pela representação que agirá em nome e por conta
do representado. A representação pode ser por força de lei ou
outorga do interessado (art. 115 do CC).
O incapaz é proibido de praticar sozinho qualquer ato da vida
civil, sob pena de ser nulo todo ato praticado por ele. No entanto,
pode haver exceções. Ex: Uma pessoa de dez anos comprando um
picolé seria nulo. Mas, preserva-se a estabilidade jurídica.
A incapacidade absoluta tem como conseqüência o simples
fato de a pessoa não ter sua vontade levada em consideração.
É como se não tivesse vontade própria. Tem assim, que ser
representada por responsável legal em tudo o que for fazer. É a
vontade desse representante que conta. Logicamente os poderes
do representante são limitados. Dessa forma, necessita ele de
autorização do juiz e do Ministério Público para realizar qualquer
ato que importe perda patrimonial para o incapaz. Ficam, pois,
proibidos de, sem autorização, vender, doar ou trocar bens do
incapaz, fazer acordos em nome do incapaz, renunciar a direitos
do incapaz etc.
Os absolutamente incapazes são aqueles estabelecidos no art.
3º do CC. São eles:
I) os menores de dezesseis anos;
Também conhecidos por menores impúberes. Os pais são
representantes legais dos filhos menores de 16 anos, dos quais
detem o poder familiar (antigo pátrio poder), conforme o artigo
1.634, V, CC.
II) os que, por enfermidade ou deficiência mental, não
tiverem o necessário discernimento para a prática desses atos;
Aqui há total falta de discernimento para a prática dos atos
da vida civil em virtude de algum sofrimento mental. Apresenta-se
como imprescindível a sentença que se manifeste pela interdição
do alienado.
O Código se preocupa com as aptidões para manifestar
a vontade e ter discernimento que podem estar obstadas por
causas várias, originadas da idade, e de ordem física ou mental.
Suprimiram-se a expressão imprópria “loucos de todo o gênero”
do Código revogado e a referência a surdos-mudos, pois eles não
estão impedidos de manifestar a vontade e, em regra, podem fazê-
lo de modo adequado para os fins visados pela lei.
O Decreto-lei n. 24.559/34 trata minuciosamente da situação
dos loucos. Autoriza ao juiz, na sentença de interdição, fixar
limites à curatela.
O Decreto-lei n. 891/38 regulou a interdição dos toxicômanos,
que são aqueles que, em virtude do uso de tóxicos, perdem sua
capacidade mental.
Como nem sempre a dependência de tóxicos torna o
toxicômano absolutamente incapaz, o Decreto-lei permitiu a
fixação de limites para a curatela em caso de interdição, ou seja,
o Juiz pode considerar o toxicômano relativamente incapaz,
entendendo que ele poderá praticar alguns atos jurídicos.
Com base nesse Decreto-lei, podem-se interditar, também, os
alcoólatras. As duas hipóteses hoje são tratadas pelo Código
Civil como de incapacidade relativa (art. 4º, II, CC), porém,
podem gerar incapacidade absoluta quando a cognição da pessoa
inexistir para a prática de atos jurídicos.
A vontade do absolutamente incapaz é, em regra,
desconsiderada pelo Direito. No Estatuto da Criança e do
Adolescente, em caso de adoção, se a criança tiver 12 anos,
deverá concordar com a adoção.
O ordenamento jurídico cível brasileiro não admite a teoria
dos lúcidos intervalos adotada em outros países. A referida teoria
se presta a validade o ato praticado pelo absolutamente incapaz
sob o argumento de que, no instante em que o praticou, o incapaz
estava lúcido.
III) os que, mesmo por causa transitória, não puderem
exprimir sua vontade.
O que temos aqui é a chamada incapacidade acidental. Na
verdade, a pessoa não sofre de nenhuma patologia mental, mas,
no momento da prática do ato, encontra-se impossibilitada
de manifestar a sua vontade de maneira sadia. Não se exige,
portanto, que a pessoa esteja interditada. Ocorre em situações de
embriaguez, hipnose, perda de memória, estado de coma etc.
Didatismo e Conhecimento 12
DIREITO CIVIL
Enquanto perdurar a causa que transitoriamente impede
a manifestação de vontade, a pessoa é absolutamente incapaz.
Desaparecendo a causa, restabelece-se a capacidade.
5.	 DA INCAPACIDADE RELATIVA (PARCIAL):
Na incapacidade relativa é permitida a prática dos atos civis,
desde que o incapaz seja assistido por seu representante, sob pena
de anulabilidade (art. 171, I, do CC), e é suprida pela assistência.
Assim os relativamente incapazes deverão praticar os atos da
vida civil devidamente assistidos por terceira pessoa, isto é, o ato
deverá ser praticado em conjunto por ambos. Isso porque na inca-
pacidade relativa, não se despreza de todo a vontade do incapaz.
Por vezes, a lei protege de modo igual os absolutamente e os
relativamente incapazes, como no art. 934, do CC, segundo o qual
aquele que ressarciu o dano causado por outrem não pode reaver
daquele por quem pagou, se o causador do dano for descendente
seu.
Tratando-se de prescrição, ela só ocorre contra os
absolutamente incapazes (art. 198, I do CC).
Outras vezes, a lei sanciona o menor, seja absolutamente, seja
relativamente incapaz, como ocorre em caso de ocultação dolosa
da idade, conforme dispõe o art. 180 do CC.
O Código Civil está permeado de institutos que protegem os
incapazes.
Por tal motivo, o legislador destinou uma pessoa capaz
para representar o absolutamente incapaz e para assistir o
relativamente incapaz, suprindo assim a incapacidade. Institui-se,
por conseguinte, a ação declaratória de nulidade do ato jurídico,
ou ação anulatória.
Os relativamente incapazes são aqueles estabelecidos no art.
4º do CC. São eles:
I) os maiores de dezesseis e menores de dezoito anos;
Também conhecidos como menores púberes.
Considerando que a maioridade civil foi antecipada de 21
anos para 18, a incapacidade relativa, começa aos 16 e termina
aos 18.
Embora o menor (homem ou mulher) com 16 anos possa se
casar, conforme disposto o art. 1.517, ele necessita da autorização
dos pais ou dos representantes legais.
Existe algumas exceções em que os relativamente incapazes
podem praticar atos sozinhos, como fazer um testamento (art.
1860, § único, do CC), aceitar mandato para negócios (art. 666
do CC), ser testemunha (art. 228, I do CC), exercer o direito de
voto (art. 14, CF/88) e ajuizar ação popular (basta ser eleitor, Lei
nº 4.717/65). Ademais, se o menor púbere tiver sido emancipado
também não necessitará de assistência.
Afora as exceções observadas acima, a regra é que o maior
de 16 anos e menor de 18 anos só poderá praticar os atos da vida
civil devidamente assistido. E, ratifique-se, caso pratique um ato
da vida civil sem a assistência necessária, esse ato será anulável.
Entretanto, se o menor púbere, ao praticar o ato, dolosamente
oculta sua idade se inquirido sobre ela ou se, deliberadamente, se
declarou maior, este ato praticado nessa circunstância será válido
e plenamente exigível (art. 180, CC). Isso ocorre em decorrência
da aplicação do princípio que impõe a impossibilidade de se tirar
proveito da própria malícia (Teoria do tu quoque).
II) os ébrios habituais, os viciados em tóxicos, e os que, por
deficiência mental, tenham o discernimento reduzido;
Inova o Código Civil ao introduzir no rol dos relativamente
incapazes os ébrios habituais – não os eventuais – os viciados
em tóxicos, bem como os deficientes mentais que tenham
o discernimento reduzido. Estes antes incluíam-se como
absolutamente incapazes na expressão ampla “loucos de todo
gênero”, do Código revogado.
Foi a ciência médico-psiquiátrica que ampliou as hipóteses de
incapacidaderelativa,comonocasodealcoólatrasoudipsômanos,
toxicômanos, entre outros que tenham sua capacidade cognitiva
alterada. Todos esses precisarão da assistência de um curador
(art. 1767, III, do CC).
Esses incapazes são conhecidos por “fronteiriços”. Não
se pode prescindir, nesta hipótese, da sentença de interdição.
Os alcoólatras e toxicômanos são pessoas que não possuem a
manifestação de vontade absolutamente livre, uma vez que seus
atos são sempre norteados pela necessidade de obtenção da
substância química que lhes satisfaça o vício. Em relação àqueles
que sofrem de deficiência mental, deve ser observado o grau da
doença e seus reflexos na manifestação da vontade. Assim, se a
deficiência mental conduzir a um discernimento “reduzido” da
pessoa, estaremos diante de um relativamente incapaz.
III) os excepcionais, sem desenvolvimento mental completo;
Além de diferenciar os deficientes mentais que não possam
manifestar a vontade – considerados absolutamente incapazes – e
os que o possam fazer, ainda que de modo insuficiente, o Código
distingue deficiente mental e excepcional sem desenvolvimento
mental completo, considerando-os em categorias diversas.
A hipótese dá grande discricionariedade ao julgador, pois
abarca todos os “fracos dementes”, portadores de anomalias
psíquicas, comprovados e declarados em sentença de interdição,
que os tornam incapazes de praticar atos da vida civil, sem
assistência de um curador (art. 1767, IV, do CC).
Como exemplo, os portadores de Síndrome de Down e aqueles
que tenham o QI reduzido.
Estas pessoas estão sujeitas a ter decretada pelo juiz sua
incapacidade absoluta ou relativa, conforme restar apurado em
perícia médica realizada na correspondente ação de interdição.
IV) os pródigos.
Pródigo é aquele que gasta ou destrói desordenadamente
o seu patrimônio. O pródigo não é considerado louco, apenas
possui um desvio de personalidade. Para estar sob a proteção da
lei deverá estar interditado.
A interdição do pródigo tem três características:
•	 se ele tiver família para a proteção da família, poderá
ser interditado, cujo conceito de família aqui é restrito ao cônjuge,
aos descendentes e aos ascendentes. A jurisprudência acoplou a
companheira no rol da família para requerer a interdição do pró-
digo. O Ministério Público poderá requerer a interdição se houver
somente filhos menores caso não exista qualquer pessoa da famí-
lia que tenha capacidade para requerer a interdição;
•	 se ele não tiver família, não poderá ser interditado, ten-
do em vista não haver a quem proteger;
•	 a restrição que ele sofre é muito pequena, só se limitan-
do à prática de atos que acarretam a redução de seu patrimônio
(transigir, alienação de bens, doação, dar quitação, inserir ônus
real, etc – art. 1.782, CC).
Assim, o pródigo poderá praticar sozinho os atos de mera
administração, bem como os atos que não tenham repercussão na
esfera patrimonial, como o casamento.
Didatismo e Conhecimento 13
DIREITO CIVIL
No que diz respeito ao casamento, o pródigo pode livremente
casar-se sem autorização de seu curador, e o regime de bens será
o da comunhão parcial. Não é correto dizer que o regime de bens
imposto por lei ao pródigo seja o da separação obrigatória. As
pessoas sujeitas a esse regime estão no art. 1.641, do CC que
deve ser interpretado restritivamente, e o pródigo por lá não se
encontra. Porém, se o pródigo manifestar desejo de realizar pacto
antenupcial, deverá fazê-lo conjuntamente com o seu curador.
6.	 SILVÍCOLAS
É vulgarmente chamado de índio e sujeito a regime tutelar
estabelecido em leis e regulamentos especiais, o qual cessará à
medida que se adaptar a civilização do país. O artigo 4º, parágrafo
único, do Código Civil, estabelece: «A capacidade dos índios será
regulada por legislação especial». A incapacidade estabelecida por
lei especial não é uma restrição e sim uma proteção, ou seja, não
serão aplicáveis as regras do Código Civil aos índios.
A Lei Federal nº 6.001/73, conhecida como Estatuto do Índio,
regulamenta a proteção dos silvícolas que ficam sob a tutela
da União (tutela estatal). Foi criado um órgão para tutelar os
silvícolas em nome do Estado: a FUNAI. Há também a proteção
Constitucional prevista nos arts. 231 e 232, da CF/88.
Os silvícolas não possuem registro de nascimento civil, sendo
que seu registro é feito na própria FUNAI.
Se um silvícola se adaptar à civilização, poderá requerer
sua emancipação, tornando-se, assim, pessoa capaz. Para a
emancipação, os silvícolas devem comprovar que já completaram
21 anos de idade, que já conhecem a língua portuguesa e que já
estão adaptados à civilização, podendo exercer uma atividade útil.
O Estatuto do Índio dispõe que todo ato praticado por
silvícola, sem a assistência da FUNAI, é nulo. O próprio Estatuto,
no entanto, dispõe que o juiz poderá considerar válido o ato se
constatar que o silvícola tinha plena consciência do que estava
fazendo e que o ato não foi prejudicial a ele.
7.	 Observações importantes sobre algumas pessoas:
a)	 O idoso não é incapaz, isso porque a velhice, por si só,
não induz à incapacidade. Porém, não nos olvidemos das situações
em que, acompanhando a idade avançada, precipita-se alguma de-
bilidade psicológica, como a esclerose ou mal de Alzheimer. Nesse
caso, em havendo a devida interdição, o idoso poderá ser posto
em moldura de absoluta ou relativa incapacidade, a depender do
grau de sua doença.
b)	 Os surdos-mudos poderão se enquadrar na qualificação
de absolutamente incapazes, relativamente incapazes, ou até mes-
mo de plenamente capazes, tudo a depender do que a surdo-mudez
cause àquela pessoa.
c)	 O ausente é considerado capaz, pois, aonde quer que se
encontre, essa pessoa não apresenta problema nenhum.
8.	 INTERDIÇÃO
É processo judicial pelo qual pessoa capaz é declarada incapaz.
Como vimos, em algumas hipóteses o reconhecimento judicial
da incapacidade de determinada pessoa se mostra essencial para
a sua proteção. Tal reconhecimento judicial se dará por meio de
uma ação designada de interdição, cujo procedimento é especial
de jurisdição voluntária a seguir a orientação prevista nos
arts. 1.177 e ss. do CPC. A sentença, basicamente, reconhecerá
uma situação jurídica que culminará na incapacidade jurídica.
Ademais, caberá ao juiz a gradação do grau de incapacidade, por
meio de especialistas, e a conseguinte designação de um curador
para a devida representação ou assistência do incapaz.
Ressalte-se que aqueles que possuem menos de 18 anos
são incapazes (absoluta ou relativamente), independentemente
de interdição. A proteção é automaticamente imposta por lei,
por meio de critério objetivo: a reduzida idade que induz á
presunção absoluta de imaturidade da pessoa. Entretanto, não
podemos afastar a possibilidade de haver interesse na interdição
de um menor, entre 16 e 18 anos, a fim de se reconhecer a sua
incapacidade absoluta.
Natureza jurídica da sentença de interdição. A doutrina não
chega a um consenso sobre a natureza jurídica da sentença de
interdição: se constitutiva ou se declaratória. Para os adeptos
do primeiro posicionamento (sentença constitutiva positiva),
a sentença cria um novo estado jurídico – o de interdito – para
uma pessoa que, até então, apenas padecia de um sofrimento
mental, por exemplo. Entretanto, tem prevalecido na doutrina
o posicionamento de que a sentença da ação de interdição é
meramente declaratória, já que o juiz apenas reconhece e declara
um estado de incapacidade pré-existente, sobretudo em virtude da
dicção do art. 1.773 do CC: “A sentença que declara a interdição
produz efeitos desde logo, embora sujeita a recurso”.
Atos praticados pelo incapaz antes de sua interdição. Embora
partindo da posição prevalente de que a interdição apenas declara
um estado de incapacidade pré-existente, temos para nós que tal
sentença não retroagira atingindo ato anteriormente praticado
pelo portador da causa justificadora de incapacidade. Assim, tal
sentença possui efeitos ex nunc, isto é, a partir de sua prolação.
Portanto, os atos praticados pelo incapaz antes de usa interdição
permanecerão intactos. A explicação para isso é simples: busca-se
proteger o terceiro de boa-fé e atender à segurança nas relações
negociais. Se o terceiro demonstrar que o negócio foi feito em
condições normais (sem abuso) e que a deficiência não era notória
(aparentemente o deficiente parecia normal e a deficiência não era
de conhecimento de todos), pode-se validar o ato jurídico. Nessa
linha de intelecção, não podemos esquecer que se torna possível
a invalidação do ato praticado antes da sentença de interdição,
por meio da uma ação própria ajuizada pelo curador, em hipótese
de notoriedade da causa justificadora da incapacidade, pois
configurada estaria a má-fé do outro contratante, concluindo, o
que se persegue é a proteção do terceiro que, de boa-fé, negociou
com o interditado antes de sua interdição.
Para garantir que não haja interdições de pessoas capazes,
o interditando deverá ser citado no processo para que exerça sua
defesa. Havendo sentença de interdição, esta deverá ser publicada,
pelo menos, três vezes no jornal local.
Sempre que um louco já interditado praticar qualquer ato
jurídico sozinho, este será nulo, ainda que a terceira pessoa não
soubesse da existência da sentença de interdição, tendo em vista a
presunção da publicidade.
Atualmente, o louco é civilmente irresponsável. Quem respon-
de é o curador e, se este não possui bens, a vítima permanecerá
irressarcida. Pelo novo Código Civil, de acordo com o artigo 928,
o curador responde pelos atos de seu curatelado. Todavia, há a
possibilidade de responsabilização subsidiária do deficiente men-
tal, caso este possua bens e fique demonstrada a ausência de culpa
de seu curador, atendendo ao princípio da vedação do enriqueci-
mento sem causa. Por este artigo, a vítima foi beneficiada.
Didatismo e Conhecimento 14
DIREITO CIVIL
9.	 CESSAÇÃO DA INCAPACIDADE (formas de obten-
ção de capacidade):
Adquire-se a capacidade quando a causa geradora da
incapacidade cessar. Exs.: o sofrimento mental se cure ou a
prodigalidade deixe de existir. Evidentemente que a interdição
deverá ser levantada quando cessar a causa que a determinou
(art. 1.186, CPC).
Ocorre que, se o motivo da incapacidade for a imaturidade,
ou seja, a pessoa é incapaz por ser menor de idade, obter-se-á a
capacidade quando completados 18 anos de idade (art. 5º, caput,
CC). Entretanto, é possível que o menor de 18 anos obtenha
capacidade plena para a prática de atos na vida civil, mediante a
emancipação que, em qualquer das espécies que se manifeste, não
admite a sua revogação.
Portanto, vimos que há dois tipos de capacidade, a de direito,
que todos possuem, e a de fato, que só os maiores de 18 anos e os
emancipados possuem que veremos a seguir.
9.1 EMANCIPAÇÃO
Pela emancipação uma pessoa incapaz torna-se capaz.
Emancipação é, assim, a cessação da incapacidade e opera-se
por concessão dos pais, por determinação legal, ou por sentença
judicial.
A emancipação pode ser de três espécies (artigo 5.º, parágrafo
único, do Código Civil): voluntária ou negocial, judicial e legal.
a) Emancipação voluntária ou negocial (art. 5º, p.ú., I, 1ª
parte, CC):
Aquela decorrente da vontade dos pais, que mediante
instrumento público, emancipam o filho que apresente no mínimo
16 anos.
A concessão da emancipação é feita pelos pais, ou de qualquer
deles na falta do outro, como já era previsto pela própria Lei de
Registros Públicos.
Em caso de não haver o consentimento do pai ou da mãe,
aquele que possuir interesse poderá requerer o suprimento
judicial, ouvindo-se o tutor.
A emancipação só pode ocorrer por escritura pública,
através de um ato unilateral dos pais reconhecendo que o filho
tem maturidade necessária para reger sua vida e seus bens. O
atual sistema é mais rígido que o anterior que autorizava a
emancipação por escritura particular. O inciso I, do parágrafo
único, do artigo 5º foi expresso ao exigir o instrumento público. A
escritura é irretratável e irrevogável para não gerar insegurança
jurídica.
Hoje a jurisprudência é tranquila no sentido de que os pais
que emancipam os filhos por sua vontade não se eximem da
responsabilidade por eles, ou seja, não há exoneração dos pais
em caso de responsabilidade civil pelos danos causados pelo filho
menor.
No caso de leis especiais, como o Estatuto da Criança e do
Adolescente, o Código de Transito Brasileiro etc., elas sempre
irão se sobrepor ao Código Civil em relação à emancipação de
menores, ou seja, ainda que sejam emancipados, os menores não
poderão praticar atos não permitidos pelas leis especiais (exem-
plo: um rapaz emancipado com 17 anos não pode adquirir habili-
tação, pois esta é somente com 18 anos).
b) Emancipação judicial:
É aquela decretada pelo juiz. O menor sob tutela só poderá
ser emancipado por ordem judicial, tendo em vista que o tutor não
pode emancipar o tutelado.
A emancipação judicial é operada pelo juiz, mediante
sentença em relação ao menor que apresente no mínimo 16 anos e
não tenha pais, estando, pois, sob tutela.
O tutor, simplesmente, será ouvido pelo juiz para dar a sua
opinião acerca do cabimento da emancipação.
O procedimento é regido pelos arts. 1.103 e seguintes do
CPC, com participação do Ministério Público em todas as fases.
A sentença que conceder a emancipação será devidamente
registrada (artigo 89 da Lei 6.015/73).
c) Emancipação legal (art. 5º, p.ú., II, III, IV, e V, CC):
É aquela que é decorrente de lei, automaticamente, sem que
se tenha de tomar qualquer providência. No caso das hipóteses
previstas nos incisos III, IV, e V indicam maturidade do interes-
sado, tornando-o apto à emancipação. Ocorre nas seguintes si-
tuações:
II)	 pelo casamento: um dos efeitos pessoais do casamento
é a emancipação. A lei não exige idade mínima para essa hipó-
tese de emancipação porque, embora a idade núbil, tanto para
o homem quanto para a mulher, seja de 16 anos, é possível que
haja casamento abaixo dessa idade, excepcionalmente, em caso
de gravidez (art. 1.520, CC), caso em que também haverá a eman-
cipação. Se houver o fim do casamento por divórcio ou morte de
um dos cônjuges, a emancipação continuará a produzir efeitos e
segundo a maioria da doutrina, a anulação do casamento também
não se reflete na plena capacidade adquirida. O casamento nulo
putativo para o cônjuge de boa-fé também produz uma emancipa-
ção válida.
III)	 pelo exercício de emprego público efetivo: há orienta-
ção da doutrina no sentido de que a emancipação também ocor-
rerá em se tratando de cargo público e função pública, embora
o inciso não mencione tais hipóteses. As situações de emprego
temporário ou cargo comissionado não estariam abarcadas nesse
quadrante, poderiam, entretanto se enquadrar nas situações do
inciso V do parágrafo único do art. 5° do CC. Ademais, exige-se o
efetivo exercício, não bastando a simples aprovação em concurso
ou mesmo a posse.
IV)	 pela colação de grau em curso de ensino superior: O
legislador considera que quem o conclui, ainda que antes dos 18
anos, tem maturidade e discernimento suficientes para ser consi-
derado absolutamente capaz. Não há exigência que seja em uni-
versidade pública.
V)	 pelo estabelecimento civil ou comercial, ou pela exis-
tência de relação de emprego, desde que, em função deles, o
menor com dezesseis anos completos tenha economia própria: é
o caso do menor que possui independência financeira em decor-
rência do estabelecimento civil ou comercial, ou então, relação de
emprego. Importante atentar para o fato de que há exigência de
mínimo de idade, isto é, 16 anos.
10.	 DOS DIREITOS DA PERSONALIDADE
Uma das mudanças da parte geral do novo Código Civil
Brasileiro consiste na inserção de um capítulo próprio, a tratar
dos direitos da personalidade (arts. 11 a 21). Na realidade, não se
trata bem de uma novidade, tendo em vista a Constituição Federal
trazer uma proteção até mais abrangente, principalmente em seu
art. 5º, caput, que consagra alguns dos direitos fundamentais da
pessoa natural.
Os direitos da personalidade podem ser conceituados como
sendo aqueles direitos inerentes à pessoa e à sua dignidade.
São os direitos que o ser humano possui sobre os seus atributos
Didatismo e Conhecimento 15
DIREITO CIVIL
fundamentais sejam eles físicos, intelectuais, psíquicos e morais,
surgindo assim, cinco ícones principais: vida/integridade física,
honra, imagem, nome e intimidade. Essas cinco expressões-chave
demonstram muito bem a concepção desses direitos.
Segundo Rubens Limongi França, a classificação fundamental
é: direito à integridade física (à vida, ao corpo vivo e morto, a
partes separadas do corpo); à integridade intelectual (liberdade
de pensamento, direito de autor, de inventor, de esportista); à
integridade moral (liberdade civil, política e religiosa, honra,
honorificência, recato, imagem, segredo, identidade pessoal/
nome, familiar e social).
O nascituro também possui tais direitos, devendo ser
enquadrado como pessoa. Aquele que foi concebido, mas, ainda
não nasceu, possui personalidade jurídica formal: tem direito à
vida, à integridade física, a alimentos, ao nome, à imagem como
já visto anteriormente.
Assim, personalidade é atributo jurídico que dá a um ser
status de pessoa.
Na realidade, há duas acepções para o termo personalidade.
Na primeira acepção, é atributo jurídico conferido ao ser humano
e a outros entes (pessoas jurídicas), em virtude do qual se tornam
capazes, podendo ser titulares de direitos e deveres nas relações
jurídicas. A pessoa, por ser dotada de personalidade, é o elemento
subjetivo da estrutura das relações jurídicas.
Numa segunda acepção, a personalidade é um valor. O valor
fundamental do ordenamento jurídico está na base de uma série
aberta de situações existenciais, nas quais se traduz na incessante
mutabilidade exigência de tutela. Daí se falar em direitos da
personalidade.
De qualquer forma, num primeiro momento a personalidade
é invenção do Direito. Por isso dizemos que personalidade é
atributo ou valor jurídico. A personalidade, em tese, não é natural.
Tanto não é natural, que se atribui personalidade a entes não
humanos, as pessoas jurídicas, que podem ser meros patrimônios,
como as fundações. Quanto à personalidade humana, a questão
é um pouco mais complexa. Sem sombra de dúvida, antigamente
havia seres considerados coisas perante o ordenamento jurídico.
Hoje em dia, porém o Direito não reconhece a escravidão, e,
com base nisso, podemos afirmar que todo ser humano é pessoa
pela simples condição humana. Sendo assim, se a personalidade
humana se adquire pela simples condição humana, podemos dizer
que é atributo natural, inato.
De acordo com Luciano Dalvi, citando Maria Helena Diniz:
“A personalidade consiste no conjunto de caracteres próprios da
pessoa, não sendo um direito. Na realidade, ela é que apóia os
direitos e deveres que dela irradiam, é objeto de direito, sendo
o primeiro bem da pessoa, pertencendo-lhe como primeira
utilidade, para que ela possa ser o que é, para sobreviver e se
adaptar às condições do ambiente em que se encontra, servindo
de critério para aferir, adquirir e ordenar outros bens. Assim,
são direitos subjetivos da pessoa de defender o que lhe é próprio,
ou seja, a sua integridade física (vida, alimentos, próprio corpo
vivo ou morto, corpo alheio, partes separadas do corpo); a
sua integridade intelectual (liberdade de pensamento, autoria
científica, artística, literária) e sua integridade moral (honra,
segredo pessoal, profissional, doméstico, imagem, identidade
pessoal, social e familiar).”
Assim, para concluir, de acordo com Luciano Dalvi, “os
direitos da personalidade transcendem à positivação, pois
são direitos inerentes e indissociáveis à condição humana e,
obrigatoriamente, não podem ser tachados de forma a limitá-
los. É notório que a evolução da sociedade seja mais rápida do
que as leis, surgindo novas formas de agressão à personalidade
humana que reclamam novas formas de proteção pela legislação
vigente. Desta forma, os direitos da personalidade é restringir o
direito à vida, já que, ambos são inseparáveis, gerando flagrante
inconstitucionalidade. Não vemos a possibilidade desta limitação
nem se for feita pelo Poder Constituinte Originário, pois o Direito
à Vida é o único atemporal e ilimitado. Caso admitíssemos
limitação do Direito à vida, que é cláusula pétrea de nosso
ordenamento jurídico, estaríamos afirmando que a Constituição
é letra morta e que a declaração dos Direitos Humanos é apenas
efetiva, mas não eficaz. Neste sentido, para aprofundarmos esta
temática vamos consignar o art. 6º do CC: “A existência da
pessoa natural termina com a morte.” Quer dizer, fica clara então
a ligação inexorável da personalidade com a vida, pois, enquanto
esta existir, vai perdurar a personalidade.”
Continuando com os ensinamentos de Luciano Dalvi,
citando Ricardo Luiz Lorenzetti, “a doutrina tem admitido, do
ponto de vista da evolução histórica, a classificação dos direitos
fundamentais (entre os quais os direitos da personalidade) em
quatro gerações de direitos” vejamos cada uma dessas gerações
(ou dimensões):
a)	 Primeira Geração: seria a liberdade negativa, consa-
grada a partir da Declaração dos Direitos do Homem (1789), em
que se colocariam limites à atividade do Estado, quando importar
esta, em uma intromissão na vida dos indivíduos. Tem caracterís-
ticas negativas justamente por impor obrigações de não fazer por
parte do Estado em benefício da liberdade individual. Exemplos
de direitos humanos de primeira geração são: os direitos indivi-
duais, como o direito de liberdade política, de livre iniciativa eco-
nômica, de manifestação da vontade, de liberdade de pensamento,
de ir e vir, entre outros.
b)	 Segunda Geração: são os denominados direitos
sociais: direito ao trabalho, a uma habitação digna, à saúde etc.,
foram incorporados através da constituição e de leis esparsas em
meados do século passado. Estes direitos estão relacionados com
os anteriores por serem a base de sua efetivação, visto que, para
sermos livres, necessitamos de ter um nível de vida digna e um
mínimo de educação, do contrário não haverá a possibilidade de se
optar. Sua característica é que traduzem obrigações de fazer ou de
dar por parte do Estado. Note: diferentes dos primeiros, que pedem
que o Estado se abstenha, estes requerem que intervenha. Estes
direitos começam a transcender ao indivíduo no que concerne a
titularidade, desencadeando um fenômeno que se consagrará nos
direitos de terceira geração, onde o legislador tem em vista grupos,
tais como idosos, trabalhadores, jovens, crianças e outros
c)	 Terceira geração: são os direitos dos povos ou direitos
da solidariedade, frutos das lutas sociais e das transformações
sócio-político-econômicas ocorridas nesses últimos três séculos
de História da Humanidade e que resultaram em conquistas sociais
e democráticas, que envolvem temas de interesse geral, como a
biodiversidade e o meio-ambiente, entre outros, e surgem como
resposta ao problema da contaminação da liberdade, fenômeno
que demonstra a degradação das liberdades, devido aos avanços
tecnológicos, ameaçando a qualidade de vida, o meio ambiente, o
consumo, a liberdade à informática etc.Aqui se incluem os direitos
que protegem bens como o patrimônio histórico e cultural da
humanidade, o direito à autodeterminação, à defesa do patrimônio
genético da espécie humana, entre outros. Tratam-se de direitos
difusos, que interessam à comunidade como um todo, sem que
exista uma titularidade individual determinada.
Didatismo e Conhecimento 16
DIREITO CIVIL
d)	 Quarta geração: pro fim, temos a quarta geração ou
dimensão (como preferem alguns autores) que está diretamente
relacionada à comunicação, democratização da informação e in-
ternet, entre outros temas.
Características dos Direitos da Personalidade.
Os direitos da personalidade são:
a) Absolutos: por serem exigíveis e oponíveis a toda a socie-
dade, sendo, portanto, oponíveis erga omnes;
b) Vitalícios: por serem intransmissíveis por via sucessória,
embora a proteção de alguns direitos da personalidade manter-se
em uma projeção post mortem;
c) Indisponíveis: por não admitirem a alienação (art. 11,
CC). Entretanto, excepcionalmente, alguns dos direitos da per-
sonalidade, como, por exemplo, o direito à imagem, podem ter
o seu exercício cedido temporariamente, bem como se impõe a
obrigatoriedade de exposição de foto em documento de identidade
por interesse social e admite-se a doação de órgãos dentro das li-
mitações legais. Diante dessas exceções, alguns os denominam re-
lativamente disponíveis. É evidente que essa disposição encontra
limites no princípio da dignidade da pessoa humana. Enunciado
nº 4, CJF: “O exercício dos direitos da personalidade pode sofrer
limitação voluntária, desde que não seja permanente nem geral.”
Enunciado nº 139: “Os direitos .da personalidade podem sofrer
limitações, ainda que não especificamente previstas em lei, não
podendo ser exercidos com abuso de direito de seu titular, contra-
riamente à boa-fé objetiva e aos bons costumes.”
d) Extrapatrimoniais: por não se circunscreverem à esfera
econômico-patrimonial, sendo possível, somente em caso de lesão
ou ameaça, a estimação para uma eventual compensação.
e) Impenhoráveis: os direitos da personalidade não podem
sofrer qualquer constrição judicial para a satisfação de dívidas.
f) Ilimitados: uma vez que não podem ser reduzidos a um rol
taxativo de direitos:
g) Imprescritíveis ou Perpétuos: o exercício de um direito da
personalidade não está adstrito a prazos de qualquer espécie. A
tutela deferida para a hipótese de violação de um direito da per-
sonalidade está sujeita a um prazo (art. 206, § 3º, V, CC), mas o
exercício de um direito da personalidade não.
A Cláusula Geral de Tutela dos direitos da Personalidade
Humana encontra-se estampada no art. 12 do CC, com o seguinte
teor: “Pode-se exigir que cesse a ameaça, ou a lesão, a direito da
personalidade, e reclamar perdas e danos, sem prejuízo de outras
sanções previstas em lei.” Por esse artigo, vislumbra-se a possibi-
lidade de manejar tanto preventivamente a tutela aos direitos da
personalidade, quanto repressivamente, podendo o lesado socor-
rer-se das medidas processuais cabíveis: medida cautelar nomi-
nada e inominada, tutela antecipada, mandado de segurança com
pedido de liminar (considerando-se a qualidade do lesante), para
a ameaça de direitos, bem como ação constitutiva ou declaratória
para a lesão consumada.
Em caso de morte, terá legitimação para requerer as tute-
las preventiva ou repressiva o cônjuge sobrevivente, ou qualquer
parente em linha reta, ou na colateral até o quarto grau (art. 12,
p.ú., CC), são os denominados lesados indiretos, que sofrem mui-
tas vezes um dano reflexo, indireto, comumente denominado dano
em ricochete. Estende-se a legitimidade também ao companheiro,
conforme Enunciado n° 175, CJF: “O rol dos legitimados de que
tratam os arts. 12, parágrafo único, e 20, parágrafo único, do Có-
digo Civil também compreende o companheiro.”
Assim, o art. 12 do novo Código Civil traz o princípio da
prevenção e da reparação integral nos casos de lesão a direitos
da personalidade. Continua a merecer aplicação a Súmula 37 do
Superior Tribunal de Justiça, pela qual é possível cumulação de
pedido de reparação material e moral, numa mesma ação. Aliás, o
próprio Superior Tribunal de Justiça tem dado uma nova leitura a
essa ementa, pela possibilidade de cumulação de danos materiais,
morais e estéticos, como também pela fixação de multa diária
(astreintes), para fazer cessar a lesão a direitos da personalidade.
Além da tutela geral, há sanções específicas previstas em leis
especiais, como a Lei de Direitos Autorais (arts. 102 a 110 da Lei
nº 9.610/98).
O art. 13 do CC trata da integridade física e veda a
disposição de parte do corpo, a não ser em casos de exigência
médica e desde que tal disposição não traga inutilidade do órgão
ou contrarie os bons costumes. O que se quer dizer é que a pessoa
natural não pode dispor de seu corpo como senhor absoluto de
sua vida, de modo a se mutilar ou diminuir sua integridade física.
Somente excepcionalmente e por exigência médica é que se admite
a intervenção cirúrgica que interfira na integridade física.
O artigo deve ser interpretado em harmonia com a Lei nº
9.434/97, que dispõe sobre a remoção de órgãos, tecidos e partes
do corpo humano para fins de transplante, regulamentada pelo
Decreto nº 2.268/97. O art. 9º, § 3º, da lei permite doação quando
se tratar de órgãos duplos, como os rins, ou de partes de órgãos,
tecidos ou partes do próprio corpo, quando isto não acarrete
risco de vida ao doador ou grave comprometimento de suas
aptidões vitais e saúde mental e quando não cause mutilação ou
deformação inaceitável.
A doação, que é revogável, será feita por documento escrito,
devendo atender a necessidade terapêutica comprovadamente
indispensável ao receptor. Esses e outros requisitos foram previstos
no art. 14 do Decreto nº 2.268/97.
Tratando-se de direito da personalidade, a autorização para
a retirada de órgãos e tecidos depois da morte não deveria ser
presumida, mas para facilitar a doação, e por razões de políticas
legislativa, esse artigo do decreto estabelece que o não-doador
deve fazer constar essa circunstância na Carteira de Identidade
Civil e na Carteira Nacional de Habilitação, por meio da
expressão “não-doador de órgãos e tecidos”.
Em relação ao transexual, pessoa que tem a forma de um
sexo (masculino), mas a mentalidade de outro (feminino), muito
já evoluiu a jurisprudência. Hoje é comum que seja deferida
a realização da cirurgia de mudança de sexo em nosso País,
havendo julgados determinando a mudança de nome e registro
do transexual, entendimento esse que merece aplausos. Diante da
dignidade da pessoa humana, não se pode defender qualquer tipo
de discriminação quanto à opção sexual. Assim por interpretação
literal, o transexual não poderia se submeter à cirurgia de
transgenitalização. Porém, admite-se tal possibilidade, diante do
Enunciado n° 6, CJF: “A expressão ‘exigência médica’ contida
no art. 13 refere-se tanto ao bem-estar físico quanto ao bem-estar
psíquico do disponente.” E também o Enunciado n° 276, CJF: “O
art. 13 do Código Civil, ao permitir a disposição do próprio corpo
por exigência médica, autoriza as cirurgias de transgenitalização,
em conformidade com os procedimentos estabelecidos pelo
Conselho Federal de Medicina, e a consequente alteração do
prenome e do sexo no Registro Civil.” Vide REsp 1.008.398/SP, j.
15/10/2009; REsp 737.993/MG, j. 10/11/2009.
Didatismo e Conhecimento 17
DIREITO CIVIL
Além da ressalva de se admitir o ato de disposição do próprio
corpo por exigência médica, o parágrafo único do art. 13 abre
outra ressalva para a possibilidade de transplante de órgãos, por
ato inter vivos, isto é, o transplante de órgãos do corpo vivo, ob-
servada a forma estabelecida pela Lei n° 9.434/97 e do Decreto nº
2.268/97, como já explanado.
O art. 14 do CC da atual codificação veda qualquer disposição
de parte do corpo a título oneroso, sendo apenas possível aquela
que assuma a forma gratuita, com objetivo altruístico ou científico
no que diz respeito ao transplante para depois da morte, sendo
possível, por evidente, a revogação do ato de disposição a qualquer
tempo, desde que não iniciados os procedimentos médicos a que
a disposição se refere. A questão é ainda regulamentada pela
legislação específica, particularmente pela Lei nº 9.437/97, que
trata da doação de órgãos para fins de transplante e pelo Decreto
nº 2.268/97. A gratuidade já era prevista pelo art. 1º da lei e se
harmoniza com o disposto no § 4º do art. 199 da CF.
Os direitos do paciente encontram-se consagrados no art. 15
do CC, bem como o princípio da beneficência. Ninguém pode ser,
assim, constrangido a tratamento médico ou intervenção cirúrgica
que implique em risco de vida, uma vez que se admitido constranger
alguém a submeter-se a tratamento médico ou cirúrgico, com risco
de vida, haveria violação ao caput do art. 5º da CF, que assegura
a inviolabilidade do direito à vida. Logicamente, se a pessoa está
necessitando de uma cirurgia, à beira da morte, deve ocorrer
a intervenção, sob pena de responsabilização do profissional de
saúde, nos termos do art. 951 do mesmo diploma civil em vigor.
Em relação ao paciente que por convicções religiosas, nega-
se à intervenção, deve o médico efetuar a operação ou não? A
maioria dos doutrinadores tem entendido que sim, em casos de
emergência, deverá ocorrer a intervenção cirúrgica, eis que o
direito à vida merece maior proteção do que o direito à liberdade,
inclusive quanto àquele relacionado com a opção religiosa, com
este exemplo demonstramos que um direito da personalidade pode
ser relativizado, principalmente se entrar em conflito com outro
direito da personalidade. No caso em questão, foram confrontados
o direito à vida e o direito à liberdade.
Os arts. 16 a 19 do CC confirmam a proteção do nome da
pessoa natural, sinal que representa a mesma no meio social, bem
como do pseudônimo, nome atrás do qual esconde-se o autor de
uma obra cultural ou artística. Isso, em sintonia com as previsões
anteriores da Lei de Registros Públicos (Lei nº 6.015/73) e da Lei
de Direito Autoral (Lei nº 9.610/98). O nome, com todos os seus
elementos, merece o alento legal, indeclinável, por ser direito
inerente à pessoa.
O art. 20 do CC consagra expressamente a proteção da
imagem, sub-classificada em imagem retrato (aspecto físico da
imagem, a fisionomia de alguém) e imagem atributo (repercussão
social da imagem). Esse dispositivo tem redação que merece ser
esclarecida, com o devido cuidado.
Assim, a divulgação de escritos, a transmissão da palavra ou
a publicação, a exposição ou utilização da imagem de uma pessoa
estão protegidas do uso não autorizado, podendo ser proibidas, a
seu requerimento e sem prejuízo da indenização que couber, se lhe
atingirem a honra, a boa fama ou a respeitabilidade, ou caso se
destinem a fins comerciais, salvo se necessárias à administração
da justiça ou à manutenção da ordem pública (art. 20, CC).
O Enunciado n° 279, CJF prevê que: “A proteção à imagem
deve ser ponderada com outros interesses constitucionalmente tu-
telados, especialmente em face do direito de amplo acesso à infor-
mação e da liberdade de imprensa. Em caso de colisão, levar-se-á
em conta a notoriedade do retratado e dos fatos abordados, bem
como a veracidade destes e, ainda, as características de sua utili-
zação (comercial, informativa, biográfica), privilegiando-se medi-
das que não restrinjam a divulgação de informações.”
Portanto, a utilização de imagem retrato alheia somente é
possível mediante autorização do seu legítimo detentor. Mas como
o comando legal prevê duas situações de exceção sendo a primeira
nos casos envolvendo a administração da justiça e a segunda nos
casos envolvendo a ordem pública, aqui, cabe a discussão se a
pessoa investigada ou que teve imagem exposta sem autorização
interessa ou não à sociedade como um todo. Logicamente, caberá
análise casuística pelo magistrado, que deverá utilizar-se da
equidade, em ações em que se pleiteia indenização por uso
indevido de imagem alheia ou exposição pública de determinada
pessoa.
Mas não é só! Em se tratando de morto que sofreu lesão à
imagem, terão legitimidade para promover a ação indenizatória
os descendentes, ascendentes e o cônjuge, inserido aqui também o
convivente. Curioso é que, diferentemente do art. 12, no caso de
lesão à imagem, a lei não reconhece legitimidade aos colaterais
até quarto grau.
De qualquer forma, foi essa a opção do legislador: nos
casos de lesão a direitos da personalidade – exceto de lesão à
imagem - os colaterais até quarto grau devem ser considerados
como lesados indiretos. O Projeto de Lei 6.960/2002 visa igualar
tais dispositivos, incluindo também a legitimação do companheiro
e convivente, o que é plenamente justificável, pela previsão
constante do art. 226 da CF/88.
Finalizando o tratamento quando aos direitos da
personalidade, confirma o art. 21 do CC o direito à inviolabilidade
da vida privada, já reconhecido no art. 5º, X, CF/88, ao lado da
intimidade, da honra e da imagem das pessoas. Sendo, portanto,
inviolável a vida privada da pessoa natural e cabendo sempre
medidas visando proteger essa inviolabilidade. A intimidade
não deve ser concebida somente no plano físico, mas também
no plano virtual, do ambiente da internet, sendo inviolável o
domicílio eletrônico de uma determinada pessoa.
Cabe uma observação de que vida privada e intimidade não
são sinônimos. Aquela tem âmbito maior, que contem a intimidade,
ou seja, vida privada e intimidade podem ser consideradas
círculos concêntricos. O Código foi omisso quanto ao segredo,
círculo menor contido dentro do relativo à intimidade.
Quem esta autorizado a ter acesso à vida privada de alguém
não esta, automaticamente, autorizado a tê-lo quanto à intimidade
do mesmo titular. O mesmo se afirme quanto à intimidade e ao
segredo.
PESSOAS NATURAIS:
CAPÍTULO I
DA PERSONALIDADE E DA CAPACIDADE
Art. 1o
Toda pessoa é capaz de direitos e deveres na ordem
civil.
Art. 2o
A personalidade civil da pessoa começa do nasci-
mento com vida; mas a lei põe a salvo, desde a concepção, os
direitos do nascituro.
Art. 3o
São absolutamente incapazes de exercer pessoalmente
os atos da vida civil:
I - os menores de dezesseis anos;
Didatismo e Conhecimento 18
DIREITO CIVIL
II - os que, por enfermidade ou deficiência mental, não ti-
verem o necessário discernimento para a prática desses atos;
III - os que, mesmo por causa transitória, não puderem
exprimir sua vontade.
Art. 4o
São incapazes, relativamente a certos atos, ou à
maneira de os exercer:
I - os maiores de dezesseis e menores de dezoito anos;
II - os ébrios habituais, os viciados em tóxicos, e os que,
por deficiência mental, tenham o discernimento reduzido;
III - os excepcionais, sem desenvolvimento mental completo;
IV - os pródigos.
Parágrafo único. A capacidade dos índios será regulada
por legislação especial.
Art. 5o
A menoridade cessa aos dezoito anos completos,
quando a pessoa fica habilitada à prática de todos os atos da
vida civil.
Parágrafo único. Cessará, para os menores, a incapacidade:
I - pela concessão dos pais, ou de um deles na falta do ou-
tro, mediante instrumento público, independentemente de ho-
mologação judicial, ou por sentença do juiz, ouvido o tutor, se
o menor tiver dezesseis anos completos;
II - pelo casamento;
III - pelo exercício de emprego público efetivo;
IV - pela colação de grau em curso de ensino superior;
V - pelo estabelecimento civil ou comercial, ou pela exis-
tência de relação de emprego, desde que, em função deles, o
menor com dezesseis anos completos tenha economia própria.
Art. 6o
A existência da pessoa natural termina com a mor-
te; presume-se esta, quanto aos ausentes, nos casos em que a lei
autoriza a abertura de sucessão definitiva.
Art. 7o
Pode ser declarada a morte presumida, sem decre-
tação de ausência:
I - se for extremamente provável a morte de quem estava
em perigo de vida;
II - se alguém, desaparecido em campanha ou feito pri-
sioneiro, não for encontrado até dois anos após o término da
guerra.
Parágrafo único. A declaração da morte presumida, nes-
ses casos, somente poderá ser requerida depois de esgotadas as
buscas e averiguações, devendo a sentença fixar a data prová-
vel do falecimento.
Art. 8o
Se dois ou mais indivíduos falecerem na mesma
ocasião, não se podendo averiguar se algum dos comorientes
precedeu aos outros, presumir-se-ão simultaneamente mortos.
Art. 9o
Serão registrados em registro público:
I - os nascimentos, casamentos e óbitos;
II - a emancipação por outorga dos pais ou por sentença
do juiz;
III - a interdição por incapacidade absoluta ou relativa;
IV - a sentença declaratória de ausência e de morte pre-
sumida.
Art. 10. Far-se-á averbação em registro público:
I - das sentenças que decretarem a nulidade ou anulação
do casamento, o divórcio, a separação judicial e o restabeleci-
mento da sociedade conjugal;
II - dos atos judiciais ou extrajudiciais que declararem ou
reconhecerem a filiação;
III - (Revogado pela Lei nº 12.010, de 2009)
CAPÍTULO II
DOS DIREITOS DA PERSONALIDADE
Art. 11. Com exceção dos casos previstos em lei, os direi-
tos da personalidade são intransmissíveis e irrenunciáveis, não
podendo o seu exercício sofrer limitação voluntária.
Art. 12. Pode-se exigir que cesse a ameaça, ou a lesão, a
direito da personalidade, e reclamar perdas e danos, sem pre-
juízo de outras sanções previstas em lei.
Parágrafo único. Em se tratando de morto, terá legitima-
ção para requerer a medida prevista neste artigo o cônjuge
sobrevivente, ou qualquer parente em linha reta, ou colateral
até o quarto grau.
Art. 13. Salvo por exigência médica, é defeso o ato de dis-
posição do próprio corpo, quando importar diminuição per-
manente da integridade física, ou contrariar os bons costumes.
Parágrafo único. O ato previsto neste artigo será admitido
para fins de transplante, na forma estabelecida em lei especial.
Art. 14. É válida, com objetivo científico, ou altruístico,
a disposição gratuita do próprio corpo, no todo ou em parte,
para depois da morte.
Parágrafo único. O ato de disposição pode ser livremente
revogado a qualquer tempo.
Art. 15. Ninguém pode ser constrangido a submeter-se,
com risco de vida, a tratamento médico ou a intervenção ci-
rúrgica.
Art. 16. Toda pessoa tem direito ao nome, nele compreen-
didos o prenome e o sobrenome.
Art. 17. O nome da pessoa não pode ser empregado por
outrem em publicações ou representações que a exponham ao
desprezo público, ainda quando não haja intenção difamató-
ria.
Art. 18. Sem autorização, não se pode usar o nome alheio
em propaganda comercial.
Art. 19. O pseudônimo adotado para atividades lícitas
goza da proteção que se dá ao nome.
Art. 20. Salvo se autorizadas, ou se necessárias à adminis-
tração da justiça ou à manutenção da ordem pública, a divul-
gação de escritos, a transmissão da palavra, ou a publicação,
a exposição ou a utilização da imagem de uma pessoa poderão
ser proibidas, a seu requerimento e sem prejuízo da indeni-
zação que couber, se lhe atingirem a honra, a boa fama ou a
respeitabilidade, ou se se destinarem a fins comerciais.
Parágrafo único. Em se tratando de morto ou de ausente,
são partes legítimas para requerer essa proteção o cônjuge, os
ascendentes ou os descendentes.
Art. 21. A vida privada da pessoa natural é inviolável, e o
juiz, a requerimento do interessado, adotará as providências
necessárias para impedir ou fazer cessar ato contrário a esta
norma.
DAS PESSOAS JURÍDICAS: DISPOSIÇÕES
GERAIS.
1.	 Definição
As pessoas jurídicas são entes abstratos criados por coletivi-
dade de pessoas naturais para obtenção de fins comuns, nascendo
da necessidade de elas se associarem. Têm patrimônio e finalida-
Didatismo e Conhecimento 19
DIREITO CIVIL
de próprios, distinguem-se das pessoas naturais que as compõem,
gozando de personalidade jurídica também própria. É portanto é
um ente moral, uma entidade criada pelo ser humano ao qual o
ordenamento jurídico atribui personalidade.
2.	 Função Social
A pessoa jurídica deverá atender à função social, o que sig-
nifica atribuir a ela responsabilidade social e conteúdo ético aos
seus atos. Enunciado nº 53, CJF: “Deve-se levar em consideração
o princípio da função social na interpretação das normas relativas
à empresa, a despeito da falta de referência expressa.”
3.	 Requisitos caracterizadores da pessoa jurídica:
a)	 Vontade humana criadora;
b)	 Licitude de seus fins;
c)	 Um agrupamento de pessoas ou a destinação de um pa-
trimônio afetado a um fim específico;
d)	 O atendimento às formalidades legais.
4.	 Características das Pessoas Jurídicas
César Fiuza, elenca as principais características da pessoa
jurídica dizendo que: “As pessoas jurídicas possuem algumas ca-
racterísticas que não poderíamos deixar sem a devida atenção.
Enumerando-as, temos:
1ª) Personalidade própria, que não se confunde com a de seus
criadores. Como exemplo, temos que as dívidas e créditos do Ban-
co do Brasil são suas, e não de seus acionistas. Se credor do Ban-
co quiser receber seu crédito, deverá acionar na Justiça o Banco
do Brasil, e não seus acionistas.
2a
) Nome próprio, que pode ser firma (razão) ou denominação.
3a
) Patrimônio próprio, que tampouco se confunde com o
patrimônio de seus criadores. Assim, o patrimônio do Banco do
Brasil não pertence a seus acionistas, mas sim à pessoa jurídica
“Banco do Brasil S.A”.
4a
) Existência própria, que independe da vida de seus cria-
dores. Ou seja, se os acionistas do Banco do Brasil morrerem, o
Banco continua a existir.
5ª) Poderem exercer todos os atos que não sejam privativos
das pessoas naturais, seja por natureza ou por força de lei. As
pessoas jurídicas não podem se casar, visto que, por sua própria
natureza, este é ato privativo das pessoas naturais. Também não
podem ser sócias de sociedade jornalística, por proibição legal.
Por outro lado, existem atos que são privativos das pessoas jurídi-
cas, como emitir ações, fundir-se com outra etc.
6a
) Poderem ser sujeito ativo ou passivo de delitos. Logica-
mente, serão sujeito ativo somente dos delitos compatíveis com a
personalidade jurídica, como sonegação fiscal, por exemplo. As
penas também hão de ser compatíveis, como multa ou mesmo ex-
tinção. Evidentemente, as privativas de liberdade não o são”.
De qualquer forma, sempre que pessoas naturais usarem pes-
soas jurídicas para cometer qualquer tipo de ilícito, exatamente
por saberem que punida será somente a pessoa jurídica, a perso-
nalidade jurídica será desconsiderada, e a pessoa natural, punida
em seu lugar. É a teoria da desconsideração da personalidade
jurídica, criada pelo Direito Anglo-Saxão e Germânico, conheci-
da como disregard of legal entity. A seu respeito falaremos mais
adiante.
5.	 Classificação das Pessoas Jurídicas
Para classificar as Pessoas Jurídicas, César Fiúza faz as
seguintes ponderações: “Duas questões importantes devem ser
resolvidas antes de prosseguirmos com a classificação. Primeira-
mente, qual a importância de classificarmos uma pessoa jurídica?
Bem, ao considerarmos, a título de ilustração, empresa pú-
blica como pessoa jurídica de Direito Privado, estaremos dando
a ela todo um tratamento legal específico para pessoas de Direito
Privado. Seus empregados, por exemplo, serão tratados como em-
pregados privados, e não como servidores públicos, como aconte-
ce com os empregados das pessoas jurídicas de Direito Público.
Esta é apenas uma das consequências, só para demonstrar como
é importante esta classificação. Não é nem preciso falar que o
regime jurídico das pessoas jurídicas nacionais era totalmente di-
ferente do regime das estrangeiras.
A segunda questão importante diz respeito à diferença entre
os termos sociedade, associação, companhia, corporação, incor-
poração, empresa e firma. São palavras que, vulgarmente, se em-
pregam como sinônimas, mas que tecnicamente possuem signifi-
cado diverso.
Sociedade é todo grupo de pessoas que se reúnem, conjugan-
do esforços e recursos para lograr fins comuns. São pessoas jurí-
dicas.
Associação é o mesmo que sociedade, só que sem fins lucra-
tivos.
Companhia é o mesmo que sociedade anônima. É aquela
sociedade cujo capital é dividido em ações, que são distribuídas
entre os sócios, chamados de acionistas. A palavra companhia
pode também ser empregada como sinônimo de pessoa jurídica,
principalmente as colegiadas. É também utilizada como parte do
nome de certas sociedades, como, por exemplo, “Silva, Souza e
Companhia Limitada (Cia. Ltda.)”.
Corporação é palavra genérica, sinônima de pessoa jurídica
colegiada. Pode ser empregada também no sentido de grupo de
sociedades: corporação empresarial.
Incorporação é também palavra polissêmica, ou seja, tem vá-
rios sentidos. No Direito Americano é sinônima de pessoa jurídica
e de sociedade anônima. Aliás, a palavra faz parte do nome das
sociedades anônimas americanas: “General Motors Incorpora-
tion”. Também em nossa linguagem encontramo-la nesses dois
sentidos, mormente no segundo. Além disso, incorporação é termo
empregado para significar o ato de uma sociedade incorporar ou-
tra. Fala-se, então, em incorporação empresarial.
Empresa é, no sentido mais técnico, sinônimo de atividade.
Será, assim, substituível pela palavra atividade ou empreendimen-
to. Na prática, porém, tem natureza polissêmica, ora sendo usada
no sentido de atividade, ora como sinônimo de empresário, ora
como estabelecimento empresarial. Dessarte, quando se diz que
tal pessoa dirige empresa, utiliza-se a palavra no sentido de ativi-
dade. Quando se diz que tal empresa demitirá alguns empregados,
está-se a empregá-la no sentido de empresário, pessoa física ou
jurídica. Quando alguém diz que vai à sua empresa, está usando o
termo como sinônimo de estabelecimento empresarial.
Firma é sinônimo de nome. Tanto as pessoas naturais quanto
as pessoas jurídicas possuem firma, ou seja, nome. Daí a expres-
são “reconhecer firma”.”
Assim, as pessoas jurídicas podem ser agrupadas em várias
classes, dependendo do ponto de referência que utilizemos. Des-
sarte, haverá:
Didatismo e Conhecimento 20
DIREITO CIVIL
a)	 Quanto à estrutura:
I) pessoas jurídicas colegiadas (Corporações – universitas
personarum): são as entidades constituídas por um agrupamento
de pessoas, unidas por um affectio societatis, objetivando um fim
em comum. Podem ser: associações ou sociedades, sendo que
as sociedades podem se simples ou empresariais. As sociedades
simples e as sociedades empresariais são tratadas no CC/2002 no
Livro II da Parte especial, sob a denominação Direito de Empresa
(arts. 966 e ss.). Além das associações e das sociedades, consoante
a nova redação fornecida pela Lei nº 10.825/03, os doutrinadores
tem considerado como corporação também as entidades religiosas
e os partidos políticos.
A União, os Estados-Membros, o Distrito Federal e os Muni-
cípios são grupamentos de pessoas, em dado território, daí serem
consideradas pessoas colegiadas. O mesmo acontece com a maio-
ria quase que absoluta das pessoas jurídicas de Direito Público
externo.
II) pessoas jurídicas não colegiadas (Fundações – universi-
tas bonorum): que não são grupos de pessoas, mas acervos pa-
trimoniais aos quais a lei atribui personalidade como fundações e
autarquias. Assim, são entidades decorrentes da personificação de
um patrimônio, que perseguem um fim lícito.
Obs.: as empresas públicas têm natureza peculiar, porque po-
dem ser tanto colegiadas quanto não colegiadas, dependendo da
forma como se organizam. Se, se organizarem sob forma de so-
ciedade entre pessoas de Direito Público, serão colegiadas; caso
contrário, serão não colegiadas. Fato é, contudo, que, apesar do
nome, são pessoas jurídicas de Direito Privado.
b)	 Quanto à nacionalidade:
I)	 pessoas jurídicas nacionais: trata-se de pessoa jurídica
cuja personalidade foi concebida pela ordem jurídica brasileira.
II)	 pessoas jurídicas estrangeiras: trata-se de pessoa ju-
rídica cuja personalidade advém de outro ordenamento jurídico,
que não o brasileiro. Essas pessoas jurídicas obedecerão às leis
de seu país de origem, entretanto, suas agências e filiais no Brasil
devem atender à legislação brasileira, inclusive as regras atinen-
tes à autorização para funcionamento.
c)	 Quanto ao regime (função):
I) pessoas jurídicas de Direito Público interno (art. 41, CC),
que são a União, os Estados-Membros, o Distrito Federal, os Mu-
nicípios, além de outras entidades de caráter público criadas por
lei, como as fundações públicas e as autarquias, nestas incluídas
as associações públicas;
II) pessoas jurídicas de Direito Público externo (art. 42,
CC), quais sejam, os Estados soberanos e todas as pessoas re-
gidas pelo Direito Internacional Público, como, por exemplo, a
ONU, a OTAN, o Mercosul, a União Européia, a Comunidade de
Estados Independentes etc. Vale lembrar que a União é pessoa
jurídica de Direito Público Interno, porém, é a República federa-
tiva do Brasil que deve ser considerada pessoa jurídica de Direito
Público Externo;
III)	 pessoas jurídicas de Direito Privado (art. 44, CC). São
criadas para atender aos interesses particulares das pessoas que
a criaram. São elas: as sociedades, as associações, as fundações
privadas e as empresas públicas. Enunciado nº 144, CJF: “A re-
lação das pessoas jurídicas de Direito Privado, constante do art.
44, incs. I a V, do Código Civil, não é exaustiva.” O art. 44, alte-
rado pela Lei 10.825 de 2003, foi acrescido dos incisos IV e V, que
dispõem serem também pessoas jurídicas de Direito Privado as
organizações religiosas e os partidos políticos, respectivamente.
Na verdade, não seria necessária a inserção, uma vez que am-
bos, partidos políticos e organizações religiosas, continuam sen-
do associações por natureza, ainda que tenham regime próprio.
Enunciado nº 142, CJF: “Os partidos políticos, os sindicatos e as
associações religiosas possuem natureza associativa, aplicando-
-se-lhes o Código Civil.”
6.	 Responsabilidade Civil da Pessoa Jurídica
Na vigente Constituição Federal, a responsabilidade objetiva
do estado está prevista no art. 37, § 6º. Segundo ela, as pessoas
jurídicas de direito público e as de direito privado que prestem
serviços públicos respondem pelos danos que seus agentes, nessa
qualidade, causarem a terceiros. Assim, o art. 43, CC prevê que as
pessoas jurídicas de direito público interno são civilmente respon-
sáveis por atos dos seus agentes que nessa qualidade causarem
danos a terceiros, ressalvado direito regressivo contra os causado-
res do dano, se houver, por parte destes, culpa ou dolo.
Não há nenhuma menção a dolo ou a culpa em sentido amplo
(negligência, imprudência, imperícia). Dolo ou culpa só interes-
sam ao próprio Estado para exercer o direito regressivo contra o
responsável pelo dano causado ao particular.
A regra geral é a de que as pessoas jurídicas respondem
pelos atos dos seus prepostos e empregados (artigo 930 do Código
Civil). Com efeito, o comando do artigo 932, inciso III, do Código
Civil dispõe que também as pessoas jurídicas de Direito Privado
respondem pelos atos de seus empregados.
Art. 930. No caso do inciso II do art. 188, se o perigo ocorrer
por culpa de terceiro, contra este terá o autor do dano ação re-
gressiva para haver a importância que tiver ressarcido ao lesado.
Art. 188. Não constituem atos ilícitos:
(...)
II - a deterioração ou destruição da coisa alheia, ou a lesão a
pessoa, a fim de remover perigo iminente.
Art. 932. São também responsáveis pela reparação civil:
(...)
III - o empregador ou comitente, por seus empregados, ser-
viçais e prepostos, no exercício do trabalho que lhes competir, ou
em razão dele;
O entendimento hoje da doutrina e da jurisprudência é, no
entanto, no sentido de que todas as pessoas jurídicas respondem
pelos atos praticados por meio de seus prepostos e empregados,
independentemente de terem ou não fins lucrativos.
Desta forma, em relação a Responsabilidade extracontratual
das Pessoas Jurídicas de Direito Público e as de direito privado
prestadoras de serviços públicos, estas responderão pelos danos
que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros (qualquer
dano, usando-se do nome da Pessoa Jurídica para a prática do ato,
durante ou não o expediente), assegurado o direito de regresso da
Pessoa Jurídica, contra o responsável nos casos de culpa ou dolo.
Ou seja, estas pessoas jurídicas respondem igualmente de forma
objetiva perante o terceiro lesado.
Para a configuração da responsabilidade extracontratual
objetiva, dispensa-se a aferição de culpa latu sensu (culpa strictu
sensu ou dolo), sendo suficiente a conduta administrativa, o dano
sofrido e o nexo de causalidade entre esses elementos. Dessa
forma, cumpre ao lesado comprovar somente esses pontos, não
sendo necessária a análise da culpa do agente causador do dano.
Didatismo e Conhecimento 21
DIREITO CIVIL
Ressalte-se, entretanto, que a responsabilidade objetiva
fundada na teoria do risco administrativo não se confunde
com aquela baseada na teoria do risco integral, de modo que
a responsabilidade do Estado pode ser afastada quando não
haja nexo de causalidade entre a conduta administrativa e o
dano sofrido. São as hipóteses de exclusão da responsabilidade,
como quando se verifica a culpa exclusiva da vítima ou fatos
imprevisíveis.
Apesar de a responsabilidade das prestadoras de serviço
público ser objetiva, essas somente poderão exercer o direito de
regresso se comprovada a culpa ou o dolo do agente causador do
dano, que tem responsabilidade subjetiva.
Em relação a Responsabilidade extracontratual das pessoas
jurídicas de direito privado, estas devem reparar o dano causado
pelo seu representante que procedeu contra o direito (qualquer
dano, usando-se do nome da Pessoa Jurídica para a prática do
ato, durante ou não o expediente); respondem pelos atos ilícitos
praticados pelos seus representantes, desde que haja presunção
juris tantum de culpa in ligendo ou in vigilando, que provoca a
reversão do ônus da prova, fazendo com que a pessoa jurídica
tenha de comprovar que não teve culpa nenhuma (STF, Súmula 341);
Assim, resumidamente, a responsabilidade civil da pessoa
jurídica se divide em: Objetiva; subjetiva e; “quase” objetiva, ou seja:
a)	 Subjetiva (arts. 186, 927 CC): estas não têm finalidade
lucrativa; são as associações, fundações particulares, organiza-
ções ou partidos. O ônus probatório é da vítima, ou seja, a vítima
é que precisa provar a culpa (in eligendo ou in vigilando).
b)	 Objetiva: são as pessoas jurídicas de direito público
(art. 43 CC) ou pessoas jurídicas de direito privado prestadoras
de serviços públicos (art 63, inciso LXIX CF). Nestes casos, há
exclusão da responsabilidade por força maior ou culpa exclusiva
da vítima.
c) “Quase” Objetiva: são as pessoas jurídicas de direito
privado com finalidade lucrativa, por exemplo as sociedades
(art. 932, III CC). Nesse caso há exclusão da responsabilidade
por: força maior; culpa exclusiva da vítima e; ausência de culpa
«in vigilando» ou «in eligendo». O ônus probatório é da pessoa
jurídica.
Significando:
Culpa in eligendo: é a culpa do Estado quando escolhe mal
os seus contratados.
Culpa in vigilando: é a culpa do Estado quando este não
fiscaliza os seus contratados. 
Juris tantum: Trata-se de expressão em latim cujo significado
literal é “apenas de direito”. Normalmente a expressão em
questão vem associada a palavra presunção, ou seja, presunção
“juris tantum”, que consiste na presunção relativa, válida até
prova em contrário.
Por fim, em relação à Responsabilidade contratual: a pessoa
jurídica de direito público e privado, no que se refere à realização
de um negócio jurídico dentro do poder autorizado pela lei ou
pelo estatuto, deliberado pelo órgão competente, é responsável,
devendo cumprir o disposto no contrato, respondendo com seus
bens pelo inadimplemento contratual (CC, art. 1.056); terá
responsabilidade objetiva por fato e por vício do produto e do
serviço.
7.	 Teoria da desconsideração da personalidade jurídica
Sobre a desconsideração da personalidade jurídica, de forma
bastante esclarecedora, César Fiuza diz que: “A inteligência hu-
mana criadora e produtiva também tem seu reverso. Logo se per-
cebeu que a segurança atribuída pela personalidade jurídica, no
que tange à separação patrimonial e à limitação da responsabili-
dade de seus membros, poderia ser utilizada para fins diversos dos
sociais. A partir daí, surge uma teoria que visa considerar ineficaz
a estrutura da pessoa jurídica quando utilizada desvirtuadamente.
A primeira sistematização dogmática da teoria da desconsi-
deração da personalidade jurídica foi elaborada por Rolf Serick,
enquanto as primeiras referências ao assunto foram encontradas,
antes, em 1912, nos estudos do jurista norte-americano Maurice
Wormser.
A teoria da desconsideração da personalidade jurídica con-
solidou-se nos tribunais norte-americanos, denominando-se dis-
regard doctrine.
Registros doutrinários informam que o primeiro julgado em
que foi aplicada a teoria da desconsideração da personalidade
jurídica foi o conhecido episódio de Salomon v. Salomon & Co.
Ltd., ocorrido na Inglaterra, no final do século XIX.
O comerciante Aaron Salomon detinha 2.001 das 2.007 ações
da empresa Salomon & Co. Ltd., enquanto as outras seis ações
pertenciam a sua esposa e a seus cinco filhos. Como forma de in-
tegralizar o capital correspondente a sua participação acionária,
Aaron Salomon cedeu seu fundo de comércio particular à socie-
dade, por valor superfaturado. Desta forma, passou a ser credor
da sociedade pela diferença, instituindo, ainda, uma garantia real
em seu favor.
Na falência da referida sociedade, essa manobra permitiu ao
sócio majoritário, Aaron Salomon, primeiramente, o direito de
não honrar os débitos sociais, já que dispunha da prerrogativa
legal da limitação de sua responsabilidade, e, posteriormente, de
executar seu crédito preferencialmente aos demais credores sociais.
Tal estratagema gerou um litígio entre Aaron Salomon e a
massa falida de Salomon & Co. Ltd.
Primeiramente, a High Court aplicou a teoria da desconsi-
deração, condenando o comerciante a pagar os débitos sociais
inadimplidos, ao fundamento de que teria havido inequívoca con-
fusão do patrimônio societário com o patrimônio pertencente a
Aaron Salomon, já que, de fato, a companhia nada mais era que
uma representante deste.
Diante da análise da Courtof Appeal, com fundamento na
existência de uma característica relação fiduciária entre a pessoa
jurídica e o sócio majoritário, a decisão foi mantida.
Não obstante, atendo-se aos princípios ortodoxos da separa-
ção patrimonial existente entre a pessoa jurídica e seus sócios, em
1897 a House of Lords, reformou as decisões proferidas, enten-
dendo que, embora as ações da Salomon & Co. Ltd. estivessem
concentradas nas mãos de um único sócio, não haveria qualquer
ilicitude na constituição da companhia.
Há quem afirme, porém, que o leading case (primeiro caso)
da teoria da desconsideração ocorreu nos Estados Unidos, ainda
em 1809. Trata-se do caso do Bank 01 the United States v. Deve-
aux. O Juiz Marshall, lifting the corporate veil, isto é, alçando
o véu protetor da personalidade jurídica da sociedade, no caso
um banco, considerou características pessoais dos sócios, para
fixar como competente para julgar o caso a Federal Court, diante
do fato de serem estrangeiros os administradores da instituição
financeira.
Didatismo e Conhecimento 22
DIREITO CIVIL
A teoria da desconsideração da personalidade jurídica, ao
contrário do que pode parecer, é uma ratificação do instituto da
personalização da pessoa jurídica, na medida em que não a anu-
la; apenas não a considera para certos atos praticados com desvio
de finalidade. Parte de dois pressupostos: a pessoa jurídica tem
personalidade distinta da dos sócios, e a responsabilidade destes
é limitada. Caso se trate de sócios com responsabilidade ilimita-
da, não há falar em desconsideração da personalidade jurídica,
simplesmente por não ser necessário, uma vez que o patrimônio
pessoal dos sócios responde mesmo pelas dívidas da sociedade.
No Brasil, até bem pouco tempo, diversos tribunais aplicavam
a teoria aos casos de abuso de direito e fraude, perpetrados pela
má utilização da personalidade jurídica. Buscavam o fundamento
na doutrina estrangeira e no art. 20 do Código Civil de 1916, que
reconhecia a distinção entre a personalidade da sociedade e dos
sócios.
A positivação do instituto só ocorreu com o advento do Có-
digo de Defesa do Consumidor, em 1990, de forma dissociada de
suas verdadeiras raízes.
Foi o Código Civil de 2002 que tratou da teoria em moldes
mais adequados.
Na verdade, a doutrina da desconsideração só deverá ser
aplicada, quando não for possível responsabilizar os sócios pes-
soalmente, por outros meios já previstos em lei.
Como ressaltado, a primeira tentativa de positivação do insti-
tuto ocorreu no art. 28 do Código de Defesa do Consumidor.
Art. 28. O juiz poderá desconsiderar a personalidade jurídica
da sociedade quando, em detrimento do consumidor, houver abuso
de direito, excesso de poder, infração da lei, fato ou ato ilícito ou
violação dos estatutos ou contrato social. A desconsideração tam-
bém será efetivada quando houver falência, estado de insolvência,
encerramento ou inatividade da pessoa jurídica provocados por
má administração.
§ 1º (Vetado).
§ 2° As sociedades integrantes dos grupos societários e as
sociedades controladas, são subsidiariamente responsáveis pelas
obrigações decorrentes deste código.
§ 3° As sociedades consorciadas são solidariamente
responsáveis pelas obrigações decorrentes deste código.
§ 4° As sociedades coligadas só responderão por culpa.
§ 5° Também poderá ser desconsiderada a pessoa jurídica
sempre que sua personalidade for, de alguma forma, obstáculo ao
ressarcimento de prejuízos causados aos consumidores.
Este artigo possui dois problemas sérios. Em primeiro lugar,
mistura casos de genuína aplicação da teoria a casos em que não
se a aplicaria, por terem outra solução legal, em que os sócios já
são penalizados pessoalmente. Em segundo lugar, há um gran-
de exagero no último período do caput, que impõe aos sócios as
penalidades do insucesso gerado pela má administração. Ocorre
que foi exatamente para proteger os sócios de eventuais problemas
externos e mesmo de uma eventual má administração, que surgiu a
responsabilidade limitada. É também exatamente por isso, que se
faz a distinção entre a pessoa jurídica e a pessoa dos sócios.” O
Código do Consumidor, em sua ânsia protetiva, se olvidou de tudo
isso. Não se deve confundir má administração com má-fé.
A mesma tentativa equivocada ocorreu no art. 18 da Lei
8.884/94 (Lei Antitruste).
Art. 18. A personalidade jurídica do responsável por infração
da ordem econômica poderá ser desconsiderada quando houver
da parte deste abuso de direito, excesso de poder, infração da lei,
fato ou ato ilícito ou violação dos estatutos ou contrato social. A
desconsideração também será efetivada quando houver falência,
estado de insolvência, encerramento ou inatividade da pessoa ju-
rídica provocados por má administração.
Novamente, o texto legal aplica a teoria da desconsideração a
situações para as quais já há solução na Lei. O caso acima, da Lei
Antitruste, poderia ser resolvido com o art. 1.016 do Código Civil
ou pelos arts. 117 e 158 da Lei 6.404/76 (sociedades anônimas).
Art. 1.016. Os administradores respondem solidariamente pe-
rante a sociedade e os terceiros prejudicados, por culpa no desem-
penho de suas funções.
Art. 117. O acionista controlador responde pelos danos cau-
sados por atos praticados com abuso de poder.
Art. 158. O administrador não é pessoalmente responsável
pelas obrigações que contrair em nome da sociedade e em virtude
de ato regular de gestão; responde, porém, civilmente, pelos pre-
juízos que causar, quando proceder:
I - dentro de suas atribuições ou poderes, com culpa ou dolo;
II - com violação da lei ou do estatuto.
Nos casos dos artigos citados, como se pode perceber, não é
necessário se aplicar a doutrina, por já haver responsabilização
pessoal dos sócios e/ou administradores.
Ademais, a Lei Antitruste incorre no mesmo erro do Código
do Consumidor, ao impor aos sócios as penalidades do insucesso
gerado pela má administração.
No entendimento de alguns, a CLT também admitiu a possibi-
lidade de desconsideração no § 2° do art. 2°:
Art. 2° [ ... ]
§ 2° Sempre que uma ou mais empresas, tendo embora, cada
uma delas, personalidade jurídica própria, estiverem sob a dire-
ção, controle ou administração de outra, constituindo grupo in-
dustrial, comercial ou de qualquer outra atividade econômica,
serão, para os efeitos da relação de emprego, solidariamente res-
ponsáveis a empresa principal e cada uma das subordinadas.
Conforme se vê, trata-se de simples caso de responsabilidade
solidária pelo pagamento dos débitos trabalhistas. Não é, defini-
tivamente, uma hipótese típica de desconsideração da personali-
dade jurídica.
Também pode parecer que os arts. 134, VII, e 135, III, do
Código Tributário Nacional sejam casos de superação da perso-
nalidade jurídica.
Eis o teor dos dispositivos:
Art. l34. Nos casos de impossibilidade de exigência do cum-
primento da obrigação principal pelo contribuinte, respondem so-
lidariamente com este nos atos em que intervierem ou pelas omis-
sões de que forem responsáveis:
[ ... ]
VII – os sócios, no caso de liquidação de sociedade de pessoas.
Art. 135. São pessoalmente responsáveis pelos créditos cor-
respondentes a obrigações tributárias resultantes de atos pratica-
dos com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou
estatutos:
[ ... ]
Didatismo e Conhecimento 23
DIREITO CIVIL
III - os diretores, gerentes ou representantes de pessoas jurí-
dicas de direito privado.
Como fica claro da leitura dos artigos, os dispositivos signi-
ficam apenas que, em determinadas circunstâncias, os sócios são
responsáveis por dívida alheia - no caso, dívidas da sociedade.
Não envolvem qualquer quebra ao princípio da separação entre o
ser da pessoa jurídica e o ser da pessoa membro.
O Código Civil de 2002 trouxe, em seu art. 50, o que pode ser
entendido como o verdadeiro “espírito” da teoria:
Art. 50. Em caso de abuso da personalidade jurídica, carac-
terizado pelo desvio de finalidade, ou pela confusão patrimonial,
pode o juiz decidir, a requerimento da parte, ou do Ministério Pú-
blico quando lhe couber intervir no processo, que os efeitos de
certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos
aos bens particulares dos administradores ou sócios da pessoa
jurídica.
As manifestações doutrinárias mais recentes apontam no sen-
tido de que a redação do art. 50 do Código Civil reflete, com maior
fidelidade, os princípios basilares da teoria da desconsideração.
O abuso da personalidade ganhou tipificação aberta, ficando
as hipóteses concretas subsumidas às espécies concebidas como
“desvio de finalidade da pessoa jurídica” e “confusão patrimo-
nial” entre os bens da pessoa jurídica e seus membros.
Ocorrerá desvio de finalidade, sempre que a pessoa jurídica
não cumprir a finalidade a que se destina, causando, com isso
prejuízos a terceiros. Além disso, é também desvio de finalidade,
ou melhor, de função, o desrespeito ao princípio da função social
da empresa.
A confusão patrimonial ocorrerá quando não for possível es-
tabelecer claramente o que é da sociedade e o que é dos sócios.
Destaque-se que a confusão patrimonial também ocorre nos casos
de dissolução irregular da pessoa jurídica, quando desaparecem
os sócios e os bens, e remanescem débitos a ser pagos.
Caberá ao juiz aplicar fundamentadamente o instituto, diante
das regras genéricas estabelecidas pelo Código.
Mas quando se faria uso da teoria da desconsideração da
personalidade jurídica?
Tal questionamento é bastante pertinente, pois, como vis-
to, existem no ordenamento jurídico dezenas de hipóteses de
responsabilização pessoal e direta dos sócios, bem como ou-
tras diversas hipóteses de anulabilidade dos negócios jurídicos
praticados.
Em primeiro lugar, devemos ter em mente que a desconsi-
deração da personalidade jurídica é medida anômala e excep-
cional, cujas hipóteses mostram-se corretamente dispostas no
art. 50 do Código Civil. Tendo isto em mente, há de se partir
dos dois requisitos independentes para a aplicação da teoria:
desvio de finalidade ou confusão patrimonial, perpetrados
através do abuso da estrutura da personificação.
Para a correta aplicação do instituto devem ser mesclados
os seguintes objetivos: coibir a fraude, o desvio de finalidade
da pessoa jurídica, a confusão patrimonial, garantir o direito
de receber dos credores e proteger o instituto da pessoa jurí-
dica.
Além disso, deve o intérprete ficar atento para o fato de
não haver nenhuma outra norma que resolva o caso, responsa-
bilizando os sócios pessoalmente.
Um exemplo seria o do administrador de uma sociedade
mineradora, que, para desvalorizar certo terreno, empreende
atividades de mineração, de modo a arruinar o ambiente local.
Além de ser a sociedade responsável pelos danos ambientais,
poderá ser o caso de se desconsiderar a personalidade jurídi-
ca, a fim de se atingir a pessoa do sócio administrador.
A correta compreensão do instituto da desconsideração da
personalidade jurídica permitirá sua boa aplicação, realçan-
do-lhe a utilidade.”
“A desconsideração inversa da personalidade jurídica.
Vimos até aqui que se desconsidera a personalidade da pes-
soa jurídica para alcançar o patrimônio de seus membros. O
contrário também é possível de se aceitar segundo Mônica
Queiroz, senão vejamos um exemplo: uma pessoa casada que
adquire bens e coloca-os em nome da empresa, para evitar em
um futuro divórcio a divisão de tais bens com o seu cônjuge.
Nessa situação, torna-se possível desconsiderar a personalida-
de da empresa para se alcançar tais bens e proceder à devida
partilha. Isto é, busca-se a via inversa para se alcançar na jus-
tiça. Enunciado nº 283, CJF: “É cabível a desconsideração da
personalidade jurídica denominada “inversa” para alcançar
bens de sócio que se valeu da pessoa jurídica para ocultar ou
desviar bens pessoais, com prejuízo a terceiros.” Nesse senti-
do: REsp 948.117/MS, j. 22/06/2010.”
Ou seja: “A desconsideração pode ser aplicada, ainda, no
direito de família e das sucessões, em hipóteses como desvio de
finalidade, fraude, nas quais o patrimônio do casal foi indevi-
damente incorporado ao da pessoa jurídica. Decretada a des-
consideração, no caso concreto, os bens impugnados retornam
ao patrimônio do casal com a finalidade de partilha inter vivos
ou mortis causa.” Segundo Silmara Chinellato.
8.	 A Pessoa Jurídica e os Direitos da Personalidade.
A normatização do artigo 52 segundo Regina Sahm, “poderia
fazer parte das que compõem os direitos da personalidade, nas
quais estaria mais adequada. Há muito a doutrina, com reflexos
na jurisprudência, sustenta a possibilidade de a pessoa jurídica
ser titular de direitos da personalidade. Reconhece-se, por exem-
plo, que a pessoa jurídica é titular de honra objetiva, a projetada
externamente, no âmbito da sociedade. Assim, inúmeros acórdãos
estabelecem indenização por dano moral à pessoa jurídica, em
caso de protesto indevido que lhe ofenderia a honra objetiva, o
conceito de que goza no âmbito profissional, empresarial. Cite-se,
ainda, a Súmula nº 227 do STJ, segundo a qual “a pessoa jurídi-
ca pode sofrer dano moral”. O Código Civil harmoniza-se com
o direito contemporâneo, no qual se sustenta, ainda, a responsa-
bilidade penal da pessoa jurídica, exemplificando-se que causa
dano ambiental, com suporte no art. 225, § 3º, da Constituição
Federal.”
Conclui Mônica Queiroz que, “O art. 52 do CC estende às
pessoas jurídicas, naquilo que couber, a proteção dos direitos da
personalidade da pessoa natural. A ressalva por meio da expres-
são “no que couber”, contida no artigo, é óbvia diante da própria
estrutura biopsicológica que diferencia a pessoa natural da pes-
soa jurídica. Assim, seja recorrendo à tutela preventiva ou à tutela
repressiva, pode a pessoa jurídica perquirir proteção ao seu nome
comercial, à sua reputação e credibilidade no meio social etc. Não
podemos nos esquecer, também, de que, bem antes do Código Civil
de 2002, já se admitia o pleito de reparação por dano moral pela
pessoa jurídica, sobretudo com base na Súmula 227 do STJ: “A
pessoa jurídica pode sofrer dano moral.”
Didatismo e Conhecimento 24
DIREITO CIVIL
Porém, a doutrina mais moderna critica o art. 52 do CC e
a Súmula 227 do 5TJ, em virtude de significarem a banalização
da dignidade e dos direitos da personalidade, o que culminou na
aprovação do Enunciado n° 286, com o seguinte teor: “Os direi-
tos da personalidade são direitos inerentes e essenciais à pessoa
humana, decorrentes de sua dignidade, não sendo as pessoas jurí-
dicas titulares de tais direitos.”.”
TÍTULO II
DAS PESSOAS JURÍDICAS
CAPITULO I
DISPOSIÇÕES GERAIS
Art. 40. As pessoas jurídicas são de direito público, interno
ou externo, e de direito privado.
Art. 41. São pessoas jurídicas de direito público interno:
I - a União;
II - os Estados, o Distrito Federal e os Territórios;
III - os Municípios;
IV - as autarquias, inclusive as associações públicas;
V - as demais entidades de caráter público criadas por lei.
Parágrafo único. Salvo disposição em contrário, as pesso-
as jurídicas de direito público, a que se tenha dado estrutura
de direito privado, regem-se, no que couber, quanto ao seu fun-
cionamento, pelas normas deste Código.
Art. 42. São pessoas jurídicas de direito público externo os
Estados estrangeiros e todas as pessoas que forem regidas pelo
direito internacional público.
Art. 43. As pessoas jurídicas de direito público interno são
civilmente responsáveis por atos dos seus agentes que nessa
qualidade causem danos a terceiros, ressalvado direito regres-
sivo contra os causadores do dano, se houver, por parte destes,
culpa ou dolo.
Art. 44. São pessoas jurídicas de direito privado:
I - as associações;
II - as sociedades;
III - as fundações.
IV - as organizações religiosas;
V - os partidos políticos.
VI - as empresas individuais de responsabilidade limitada.
(Incluído pela Lei nº 12.441, de 2011)
§ 1o
São livres a criação, a organização, a estruturação interna
e o funcionamento das organizações religiosas, sendo vedado ao
poder público negar-lhes reconhecimento ou registro dos atos
constitutivos e necessários ao seu funcionamento.
§ 2o
As disposições concernentes às associações aplicam-se
subsidiariamente às sociedades que são objeto do Livro II da
Parte Especial deste Código.
§ 3o
Os partidos políticos serão organizados e funcionarão
conforme o disposto em lei específica.
Art. 45. Começa a existência legal das pessoas jurídicas de
direito privado com a inscrição do ato constitutivo no respec-
tivo registro, precedida, quando necessário, de autorização ou
aprovação do Poder Executivo, averbando-se no registro todas
as alterações por que passar o ato constitutivo.
Parágrafo único. Decai em três anos o direito de anular a
constituição das pessoas jurídicas de direito privado, por de-
feito do ato respectivo, contado o prazo da publicação de sua
inscrição no registro.
Art. 46. O registro declarará:
I - a denominação, os fins, a sede, o tempo de duração e o
fundo social, quando houver;
II - o nome e a individualização dos fundadores ou institui-
dores, e dos diretores;
III - o modo por que se administra e representa, ativa e
passivamente, judicial e extrajudicialmente;
IV - se o ato constitutivo é reformável no tocante à admi-
nistração, e de que modo;
V - se os membros respondem, ou não, subsidiariamente,
pelas obrigações sociais;
VI - as condições de extinção da pessoa jurídica e o destino
do seu patrimônio, nesse caso.
Art. 47. Obrigam a pessoa jurídica os atos dos administra-
dores, exercidos nos limites de seus poderes definidos no ato
constitutivo.
Art. 48. Se a pessoa jurídica tiver administração coletiva,
as decisões se tomarão pela maioria de votos dos presentes, sal-
vo se o ato constitutivo dispuser de modo diverso.
Parágrafo único. Decai em três anos o direito de anular as
decisões a que se refere este artigo, quando violarem a lei ou
estatuto, ou forem eivadas de erro, dolo, simulação ou fraude.
Art. 49. Se a administração da pessoa jurídica vier a faltar,
o juiz, a requerimento de qualquer interessado, nomear-lhe-á
administrador provisório.
Art. 50. Em caso de abuso da personalidade jurídica, ca-
racterizado pelo desvio de finalidade, ou pela confusão patri-
monial, pode o juiz decidir, a requerimento da parte, ou do Mi-
nistério Público quando lhe couber intervir no processo, que os
efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam
estendidos aos bens particulares dos administradores ou sócios
da pessoa jurídica.
Art. 51. Nos casos de dissolução da pessoa jurídica ou cas-
sada a autorização para seu funcionamento, ela subsistirá para
os fins de liquidação, até que esta se conclua.
§ 1o
Far-se-á, no registro onde a pessoa jurídica estiver ins-
crita, a averbação de sua dissolução.
§ 2o
As disposições para a liquidação das sociedades apli-
cam-se, no que couber, às demais pessoas jurídicas de direito
privado.
§ 3o
Encerrada a liquidação, promover-se-á o cancelamen-
to da inscrição da pessoa jurídica.
Art. 52. Aplica-se às pessoas jurídicas, no que couber, a
proteção dos direitos da personalidade.
DO DOMICÍLIO.
Reservou-se o Título III do CC/02 para tratar do domicílio
da pessoa física e da pessoa jurídica. Explicaremos aqui sobre
o domicílio da pessoa física. Quanto ao domicílio da pessoa
jurídica este será já foi estudado no tópico anterior “Das Pessoas
Jurídicas”.
“A saúde física e mental das pessoas, a capacidade, a
legitimidade, a personalidade, o tempo, o estado familiar, o estado
individual e o estado político, assim como o espaço ocupado por
elas, a denominada sede jurídica, constituem os atributos da
personalidade. De acordo com Limongi França, atributo é toda
característica, situação ou condição suscetível de ser assumida
pela personalidade e que seja capaz de ocasionar uma repercussão
jurídica. Ao espaço político ocupado pelas pessoas dá-se o nome
de domicílio, lugar onde elas estabelecem sua residência com
ânimo definitivo. É, em síntese, o lugar onde se presume que elas
estejam presentes para efeitos de direito (San Tiago Dantas).
Didatismo e Conhecimento 25
DIREITO CIVIL
(...)
Na conceituação do Instituto, deve-se afastar a noção de
acidentabilidade, ocasionalidade, anormalidade e dar ênfase
à habitualidade. Inúmeros são os efeitos da caracterização do
domicílio: é um dos critérios para determinação da lei pessoal, o
lugarondesepraticamdireitosedeveresnaordemprivada(negócio
jurídico), local onde a pessoa exercita seus direitos políticos como
votar e ser votado (lei eleitoral), foro competente para propositura
de ação (processo civil) e ainda o local da abertura da sucessão
do falecido (direito das sucessões). A existência de domicilio é
importante para que se efetue a declaração da ausência (arts. 22
a 39 do CC) e para que se instaure o processo de habilitação para
o casamento (arts. 1.525 a 1.532 do CC).
A LINDB contém vários dispositivos de relevância para
matéria. “A lei do país em que domiciliada a pessoa determina
as regras sobre o começo e o fim da personalidade, o nome, a
capacidade e os direitos de família” (art. 7º, caput). “A sucessão
por morte ou por ausência obedece à lei do país em que domiciliado
o defunto ou o desaparecido, qualquer que seja a natureza e a
situação dos bens” (art. 10, caput). “A lei do domicílio do herdeiro
ou legatário regula a capacidade para suceder” (art. 10, §2º).
O primeiro domicílio da pessoa, relativo ao seu nascimento, é
denominado de origem e corresponde ao dos seus pais”, segundo
Regina Sahm.
A noção de domicílio pertence ao direito material onde é
devidamente disciplinada e sistematizada, a Lei de Introdução às
Normas do Direito Brasileiro adota o sistema de territorialidade
moderada e dispõe em seu art. 7º toda a relevância do conceito de
domicílio e seus efeitos.
No direito das obrigações serve o domicílio para firmar a
regra geral de que o pagamento deve ser efetuado no domicílio do
devedor (é a chamada dívida quesível ou querable), se o contrário
não resultar do contrato, das circunstâncias ou da natureza da
obrigação, bem como da própria lei.
Referente ao domicílio político este é relevante para o
Direito Constitucional e ao Direito Eleitoral. Mesmo na seara
processual penal, desconhecido o local onde se consumou o crime,
a competência para julgar o réu poderá ser determinada por seu
domicílio ou residência (art. 72 do CPC).
Domicílio civil é o lugar onde a pessoa natural estabelece
residência com ânimo definitivo, convertendo-o, em regra, em
centro principal de seus negócios jurídicos ou de sua atividade
profissional. É o local onde reside sozinho ou com seus familiares.
É o lugar onde se fixa o centro de seus negócios jurídicos ou de
suas ocupações habituais. O Código Civil Brasileiro de 2002
abarcou todas as hipóteses de domicílios nos arts. 70 a 72 e em
seu parágrafo único.
Necessário então se faz a distinção entre: Morada, Residência
e Domicílio
•	 Morada é o lugar onde a pessoa natural se estabelece
provisoriamente, onde a pessoa se encontra em um determinado
momento (hotel, pousada).
•	 Residência pressupõe maior estabilidade. É o lugar
onde a pessoa natural se estabelece habitualmente. O conceito de
residência é um conceito fático. É o lugar onde a pessoa se encon-
tra, ainda que por um longo espaço de tempo.
•	 Domicílio abrange o conceito de residência, e, por con-
sequência, o conceito de morada, uma vez que o conceito de do-
micílio é um conceito jurídico. É o lugar onde a pessoa reside com
caráter de permanência.
De acordo com o artigo 70 do Código Civil: “O domicílio da
pessoa natural é o lugar onde ela estabelece a sua residência com
ânimo definitivo.”
Domicílio civil, portanto, da pessoa natural é o lugar onde
estabelece residência com ânimo definitivo, convertendo-o, em
regra, em centro principal de seus negócios jurídicos ou de sua
atividade profissional, ou seja, ao falarmos de domicílio, cabe
esclarecer que nos interessa a cidade em que a pessoa é residente
e domiciliada. A cidade nos leva à comarca, de importância vital
para o Processo Civil. A rua já é informação secundária.
Para que se configure o domicílio da pessoa natural, dois ele-
mentos são exigidos:
a) elemento objetivo ou material: a residência, o local de
trabalho;
b) elemento subjetivo ou psíquico: a intenção de
permanecer (animus manendi), é o ânimo definitivo da pessoa
ou o seu propósito de permanecer naquele lugar e de ter ali a
sede de suas atividades. Importante destacar que o concurso dos
dois elementos deve ser simultâneo. Da conjunção desses dois
elementos que nasce o conceito de domicílio civil.
Pluralidade de domicílios: é possível que a pessoa natural
possua mais de um domicílio, e aí estaremos diante de uma plura-
lidade de domicílios ou do chamado domicílio plúrimo. Ocorrerá
quando a pessoa natural tiver diversas residências, onde, alter-
nadamente, viva. Além disso, se considerarmos como domicílio
da pessoa natural, no que diz respeito às relações profissionais,
o lugar onde esta é exercida, se essa pessoa exercitar profissão
em lugares diversos, cada um deles constituirá domicílio para as
relações que lhe corresponderem (art. 71, CC).
Domicílio Aparente ou Ocasional: a lei civil não se esque-
ceu daqueles que não preencham os requisitos para configuração
do domicílio, posto encontrados cada época em um lugar dife-
rente, como, por exemplo, os ciganos, caixeiros-viajantes, artistas
de circo e andarilhos. Assim, a lei solucionou estabelecendo que,
para essas pessoas que não possuam residência habitual, o domi-
cílio a ser considerado será o lugar onde forem encontradas (art.
73, CC).
Trata-se, portanto, de imposição legal, pois o direito não
pode ignorar os negócios jurídicos entabulados em suas várias
fases (conclusão, execução e pós-execução) e muito menos a boa-
-fé e a lealdade que os fundamentam (art. 113 do CC); sendo des-
necessário para que se configure que as pessoas em tais condições
considerem sua necessidade pela profissão ou pelo modo de vida
exercido.
Classificação de domicílio:
a) Domicílio voluntário: é aquele escolhido livremente pela
pessoa maior e capaz. Poderá ser alterado livremente também.
Para tanto, basta a transferência da residência, com a intenção
manifesta de mudá-lo, uma vez que o animus é sempre levado em
consideração (art. 74, CC), desde que respeitadas as limitações do
art. 76, CC.
b) Domicílio necessário ou legal: é aquele imposto pela lei
para determinadas pessoas em razão de seus caracteres pessoais
(art. 76, CC). Possuem domicílio necessário:
I) o incapaz (será o do representante ou assistente);
Didatismo e Conhecimento 26
DIREITO CIVIL
II) o servidor público (será o lugar em que exercer permanen-
temente suas funções);
III) o militar (se for do Exército será onde servir, e sendo da
Marinha ou da Aeronáutica a sede do comando a que estiver ime-
diatamente subordinado);
IV) o marítimo (onde o navio estiver matriculado);
V) o preso (o lugar em que cumprir a sentença ou pena).
c) Domicílio de eleição ou contratual ou voluntário espe-
cial: é aquele estabelecido pelas partes em contrato escrito, que
se presta a fixar onde serão cumpridos os direitos e deveres de-
correntes da convenção e possíveis litígios decorrentes da avença
(art. 78, CC).
Em relação aos contratos de consumo que fixa domicílio em
favor do próprio fornecedor, segundo a doutrina majoritária, é
considerada ilegal a cláusula contratual que estabelece o foro de
eleição em benefício do fornecedor do produto ou serviço, em pre-
juízo do consumidor, por violar o disposto no art. 51, IV do CDC
(considera-se nula de pleno direito a cláusula de obrigação
iníqua, abusiva, que coloque o consumidor em desvantagem exa-
gerada, ou sejam incompatíveis com a boa fé e a equidade).
Mesmo que seja dada prévia ciência da cláusula ao consu-
midor, o sistema protetivo inaugurado pelo Código, moldado por
superior interesse público, proíbe que o fornecedor se beneficie
de tal prerrogativa, especialmente em se considerando que nos
contratos de adesão a liberdade negocial do consumidor é extre-
mamente restrita.
Tem-se admitido, inclusive, que o juiz possa declinar de ofício
da sua competência.
Também adverte Amauri Mascaro Nascimento que também
não é admitido nos contratos de trabalho em face da notória
hipossuficiência do trabalhador (art. 9 da CLT), quando importar
em prejuízo ao contratante aderente.
TÍTULO III
DO DOMICÍLIO
Art. 70. O domicílio da pessoa natural é o lugar onde ela
estabelece a sua residência com ânimo definitivo.
Art. 71. Se, porém, a pessoa natural tiver diversas residên-
cias, onde, alternadamente, viva, considerar-se-á domicílio seu
qualquer delas.
Art. 72. É também domicílio da pessoa natural, quanto às
relações concernentes à profissão, o lugar onde esta é exercida.
Parágrafo único. Se a pessoa exercitar profissão em luga-
res diversos, cada um deles constituirá domicílio para as rela-
ções que lhe corresponderem.
Art. 73. Ter-se-á por domicílio da pessoa natural, que não
tenha residência habitual, o lugar onde for encontrada.
Art. 74. Muda-se o domicílio, transferindo a residência,
com a intenção manifesta de o mudar.
Parágrafo único. A prova da intenção resultará do que
declarar a pessoa às municipalidades dos lugares, que deixa,
e para onde vai, ou, se tais declarações não fizer, da própria
mudança, com as circunstâncias que a acompanharem.
Art. 75. Quanto às pessoas jurídicas, o domicílio é:
I - da União, o Distrito Federal;
II - dos Estados e Territórios, as respectivas capitais;
III - do Município, o lugar onde funcione a administração
municipal;
IV - das demais pessoas jurídicas, o lugar onde funciona-
rem as respectivas diretorias e administrações, ou onde elege-
rem domicílio especial no seu estatuto ou atos constitutivos.
§ 1o
Tendo a pessoa jurídica diversos estabelecimentos em
lugares diferentes, cada um deles será considerado domicílio
para os atos nele praticados.
§ 2o
Se a administração, ou diretoria, tiver a sede no estran-
geiro, haver-se-á por domicílio da pessoa jurídica, no tocante
às obrigações contraídas por cada uma das suas agências, o lu-
gar do estabelecimento, sito no Brasil, a que ela corresponder.
Art. 76. Têm domicílio necessário o incapaz, o servidor pú-
blico, o militar, o marítimo e o preso.
Parágrafo único. O domicílio do incapaz é o do seu re-
presentante ou assistente; o do servidor público, o lugar em
que exercer permanentemente suas funções; o do militar, onde
servir, e, sendo da Marinha ou da Aeronáutica, a sede do co-
mando a que se encontrar imediatamente subordinado; o do
marítimo, onde o navio estiver matriculado; e o do preso, o
lugar em que cumprir a sentença.
Art. 77. O agente diplomático do Brasil, que, citado no es-
trangeiro, alegar extraterritorialidade sem designar onde tem,
no país, o seu domicílio, poderá ser demandado no Distrito Fe-
deral ou no último ponto do território brasileiro onde o teve.
Art. 78. Nos contratos escritos, poderão os contratantes
especificar domicílio onde se exercitem e cumpram os direitos
e obrigações deles resultantes.
DOS BENS. DOS BENS CONSIDERADOS
EM SI MESMOS: DOS BENS MÓVEIS E
IMÓVEIS. DOS BENS PÚBLICOS.
1.	 Conceito
Considera-se bem tudo aquilo que existe no universo e que
é útil ao homem. Mônica Queiroz define bem afirmando que: “é
tudo aquilo que, ao existir fora do ser humano, material ou não,
possuindo valoração econômica ou não, esteja sob o domínio e
poder de seu titular.”
Há uma distinção entre bem e coisa. Bem é gênero e coisa é
espécie. Somente são chamados de coisa aqueles bens que podem
ser apreendidos pelo homem (bens corpóreos) e que têm valor
econômico.
César Fiuza, conclui que: “...coisa, neste sentido, é sinônimo
de bem. Mas nem todo bem será coisa. Assim, não são coisas os
bens chamados jurídicos, como a vida, a liberdade, a saúde etc.
para que um bem seja coisa, são necessários três requisitos:
1)	 Interesse econômico: o bem deve representar interesse
de ordem econômica. Uma folha seca não será bem nem coisa
para o Direito;
2)	 Gestão econômica: deve ser possível individualizar e va-
lorar o bem. A luz do sol, por exemplo, não possui gestão econô-
mica. Portanto, não será coisa para o Direito;
3)	 Subordinação jurídica: o bem deve ser passível de su-
bordinação a uma pessoa. Tampouco deste ângulo a luz do sol
seria coisa.
Mas um carro possui as três características. É, portanto,
bem, por ser útil às pessoas, e coisa, por possuir aqueles três
elementos.”
O Código Civil na sua parte geral, relativa aos elementos da
redação jurídica, segundo Regina Sahm, “após cuidar no Livro I
do sujeito de direitos e deveres, dos seus atributos e dos direitos
Didatismo e Conhecimento 27
DIREITO CIVIL
subjetivos de personalidade da pessoa física e da jurídica, passa a
cuidar no Livro II do direito denominado, nesta parte, unicamente
de bem (filosoficamente, “bem” é tudo que nos agrada, satisfaz
melhoramentos e aformoseamento). Entretanto, o legislador
utiliza igualmente o vocábulo “coisa” para designar o objeto dos
direitos, e também no Livro III, ao tratar dos direitos das coisas
e dos direitos reais (arts. 1.196 e segs. E 1.225 e segs. do CC).
O termo “objeto” provém de objectum, que designa coisa que
está colocada fora, que foi projetada diante quem a conhece. A
qualificação de objeto se impõe necessariamente porque um
outro elemento existe que não é objeto, mas sujeito. Pode-se
dizer que sob o ponto de vista comum, objetos são as coisas que
têm existência material. Sob o ponto de vista técnico-jurídico,
objeto da relação jurídica ou do direito subjetivo são as ações,
o comportamento humano (Francisco Amaral). Há divergência
doutrinária quanto à distinção entre bens e coisas (...). Há quem
considere, (...), que “bem” é todo objeto que interessa ao direito e
que a palavra “coisa” conserva o sentido vastíssimo de entidade
material ou imaterial. José Carlos Moreira Alves esclarece que, na
redação do Livro II, foi utilizada somente a palavra “bens”, pois
o Código Civil de 1916 recebeu críticas pelo uso indiscriminado
de “coisa” e “bem”, conceitos que não se identificam. Objeto da
relação jurídica, em sentido amplo, é tudo o que se pode submeter
ao poder dos sujeitos de direitos (imediato, ius in re), direitos reais
assim como o comportamento, a atividade, a ação ou omissão
(dar, fazer, não fazer) dos sujeitos indiretos, direito dependente
do adimplemento do crédito. Esse se consubstancia no direito
obrigacional (ius ad rem). Os direitos podem ainda ser objetos de
outros direitos (arts. 286, 1.393, 1.451 e 1.473, III, do CC).”
2. Bens corpóreos e bens incorpóreos.
Há uma classificação que não consta do Código Civil, mas
que é adotada pela doutrina, porque é trazida desde o Direito
Romano: bens corpóreos e bens incorpóreos.
Bens corpóreos são os que têm existência material, a exemplo
de uma cadeira, de um livro etc.
Bens incorpóreos são os que têm existência abstrata somente,
a exemplo de créditos, direitos de autor, direito à sucessão aberta
etc. Chamamos a atenção para que não se confunda a materialidade
do título que comprova o crédito, por exemplo, com o próprio
crédito, que em si é incorpóreo.
Existem algumas expressões sobre os bens que eram utilizadas
no Direito Romano e são utilizadas até hoje:
•	 res nullis (é a coisa de ninguém, que existe no universo,
mas não pertence a ninguém, como peixes e animais selvagens);
•	 res derelicta (é a coisa abandonada, que já pertenceu a
alguém e foi abandonada).
O patrimônio das pessoas é formado por bens corpóreos e bens
incorpóreos. A classificação do Código Civil é uma classificação
científica que agrupa os bens por sua natureza.
3.	 Classificação dos Bens adotada pelo CC/2002
3.1	 Dos bens considerados em si mesmos
O código classifica os bens, em primeiro lugar por si mesmos,
não os comparando ou ligando com nenhum outro, assim classifica
os bens considerados em relação à própria natureza. Obedece o
legislador não apenas a uma diversidade natural, mas igualmente
social.
Na classificação de bens móveis e bens imóveis, a intenção do
homem deve ser considerada. Exemplo: se o indivíduo planta uma
árvore para corte, esta é chamada de bem móvel por antecipação.
3.1.1 Bens imóveis
Os bens imóveis, também conhecidos como bens de raiz, são
os que não podem ser transportados, sem destruição, de um lugar
para outro, conforme o art. 79 do CC, serão “o solo e tudo quanto
se lhe incorporar natural ou artificialmente”.
Nos artigos 79 e 80, o Código Civil classifica os bens imóveis em:
3.1.1.1 Bens imóveis por natureza: consideram-se bens imó-
veis por natureza o solo e seus acessórios e adjacências, ou seja,
tudo aquilo que adere ao solo naturalmente, a exemplo das ár-
vores, frutos e subsolo. Alguns autores entendem que deveria ser
bem imóvel por natureza somente o solo; acessórios e adjacências
deveriam ser chamados bens imóveis por acessão natural.
3.1.1.2 Bens imóveis por acessão industrial (artificial): a
palavra acessão vem de acesso ou ingresso, assim bens imóveis
por acessão industrial é definido como tudo aquilo que resulta do
trabalho do homem, tornando-se permanentemente incorporado
ao solo. São as construções e as plantações.
3.1.1.3 Bens imóveis por acessão intelectual (por destinação
do proprietário): a lei considera bem imóvel por acessão intelec-
tual aqueles bens móveis que aderem a um bem imóvel pela vonta-
de do dono, para dar maior utilidade ao imóvel ou até mesmo para
o seu embelezamento, aformoseamento, a exemplo de um trator
comprado para melhor utilização em uma fazenda, pois, enquanto
o trator estiver a serviço da fazenda, será considerado como bem
imóvel por acessão intelectual. São aqueles bens móveis incorpo-
rados ao bem imóvel pela vontade do dono. Assim como o pro-
prietário imobilizou o bem móvel, ele poderá, consequentemente,
mobilizá-lo novamente quando não for utilizá-lo mais para aquilo
a que se destinava.
3.1.1.4 Bens imóveis por determinação legal: são
determinados bens que somente são imóveis porque o legislador
resolveu enquadrá-los como tal, para que se possibilite, em regra,
maior segurança jurídica nas relações que os envolvam, embora
a priori não pudéssemos enquadrá-los na classe de imóveis ou
móveis, posto que incorpóreos. De acordo com o art. 80 do CC,
são bens imóveis para os efeitos legais: I- os direitos reais sobre
imóveis e as ações que os asseguram (exemplos: a propriedade, a
hipoteca, a ação reivindicatória); II- o direito à sucessão aberta,
ainda que os bens deixados pelo de cujus sejam composto única e
exclusivamente de bens móveis, o direito à sucessão aberta, ainda
assim, será considerado como bem imóvel.
“Obs.: para afastar discussões o CC dispõe, ainda, que
não perdem o caráter de imóveis as edificações que, separadas
do solo, mas conservando a sua unidade, forem removidas para
outro local (ex.: casas de madeira pré-fabricadas). E também
os materiais provisoriamente separados de um prédio, para
nele se reempregarem (art. 81, CC). Desse modo, um azulejo
que no depósito de construção pronto para ser vendido, é bem
móvel, imobiliza-se, isto é, torna-se imóvel, uma vez acedido á
construção. E mais, caso a construção entre em reforma e tais
azulejos sejam cuidadosamente separados, para depois serem
reempregados, não perderão eles o seu caráter de imóveis,
adquirido por ocasião da acessão. Isso tudo se justifica porque
o aspecto levado em consideração é a finalidade da separação.”
Segundo Mônica Queiroz.
Didatismo e Conhecimento 28
DIREITO CIVIL
1.1.2	 Bens móveis
Determina o artigo 82 do Código serem bens móveis os bens
suscetíveis de movimento próprio, ou de remoção por força alheia,
sem alteração da substância ou da destinação econômico-social.
Podem ser classificados da seguinte maneira:
3.1.2.1 Bens móveis por natureza: são bens móveis por
natureza não só aqueles que têm movimento próprio, como tam-
bém aqueles que não têm movimento próprio, ou seja, subdivi-
dem-se em bens móveis propriamente ditos (aqueles que não têm
movimento próprio) e bens semoventes (aqueles que têm movi-
mento próprio, como por exemplo um cavalo).
3.1.2.2 Bens móveis por antecipação: aqueles bens imóveis
que têm uma finalidade última como móvel. Assim, mesmo tempo-
rariamente imóveis não perdem o caráter de bem móvel, em razão
de sua finalidade, a exemplo das árvores plantadas para corte, ou,
uma safra pendente. Ou seja, já recebem de antemão o tratamento
de bens móveis, para facilitar a sua negociação.
3.1.2.3 Bens móveis por determinação legal: o CC dispõe
em seu art. 83 que, embora incorpóreo, são alguns bens que a
lei considera móveis por determinação legal, e consequentemente,
aplicando as disposições sobre bens móveis nas relações que
os envolvam. São eles: Os direitos reais sobre objetos móveis e
respectivas ações (exemplos: o penhor e a hipoteca); os direitos
de obrigação, direitos pessoais de caráter patrimonial e suas
respectivas ações; além dos direitos do autor.
O desenvolvimento técnico e o progresso trouxeram a
indagação quanto à caracterização das energias que tenham
valor econômico (gás, corrente elétrica, etc) reconhecidas como
passíveis de furto. Assim no direito contemporâneo, qualquer
energia natural que tenha valor econômico é bem móvel (v.
Código Penal).
A lei permite, por exceção, que navios e aviões, que são
bens móveis, sejam dados em hipoteca, todavia, sem perder a
característica de bens móveis, ou seja, os navios e aviões são
bens móveis, ocorre que segundo César Fiuza “...são tratados em
dois momentos, como se fossem imóveis. Num primeiro momento,
devem ser registrados em órgão próprio, e, num segundo, podem
ser hipotecados. Ora, o registro e a hipoteca, em nosso sistema
jurídico, são institutos típicos de bens imóveis, daí a confusão.
“Obs.: Atenção: segundo Mônica Queiroz, os materiais
destinados a alguma construção, enquanto não forem empregados,
conservam sua qualidade de móveis e readquirem essa qualidade
os provenientes da demolição de algum prédio. Isso é o que dispõe
o art. 84 do CC em plena sintonia com o já comentado art. 81, II
do CC.”
1.1.3	 Bens fungíveis e bens infungíveis (art. 85, CC)
O artigo 85 do Código Civil aplica essa classificação apenas
aos bens móveis. São bens fungíveis aqueles bens móveis que
podem ser substituídos por outros da mesma espécie, natureza
e qualidade, como o dinheiro por exemplo. Com efeito, em uma
interpretaçãoacontrariosensudoartigo85doCC,quenosinforma
o conceito dos bens fungíveis, chegamos aos bens infungíveis, que
são aqueles bens móveis ou imóveis que possuem características
especiais que os tornam distintos de outros da mesma espécie e
qualidade, não permitindo, destarte, a sua substituição, como por
exemplo, um quadro de um pintor famoso.
Importante perceber que a infungibilidade pode decorrer
não da natureza do bem, mas também da vontade das partes, a
exemplo de bens fungíveis emprestados para ornamentação e
posterior devolução deste mesmo bem, a que a doutrina dá o nome
de comodato ad pompae vel ostentationes causa.
Ainda na categoria dos bens infungíveis por convenção,
podem destacar-se os infungíveis por convenção social. São bens
por natureza fungíveis, mas na prática, de difícil substituição. É o
caso dos automóveis. Em relação a bens desta natureza, há uma
espécie de pacto social, no sentido de considerá-los infungíveis.
1.1.4	Bens consumíveis e bens inconsumíveis (art. 86, CC)
O artigo 86 considera consumíveis os bens móveis cuja
utilização acarreta a destruição da sua substância, a exemplo dos
alimentos, e os destinados à alienação, como um livro, um disco,
ou demais bens expostos para venda. Assim, há bens consumíveis
de fato, ou materialmente consumíveis, como os alimentos em
geral, e há bens consumíveis de direito, juridicamente consumíveis,
como veículos, aparelhos elétricos colocados à venda etc. Dessa
forma, uma roupa, enquanto estiver na loja para ser vendida, será
consumível. No momento em que alguém a compra, volta a ser
apenas inconsumível.
Os bens inconsumíveis são aqueles que, em uma interpretação
às avessas do art. 86 CC, a sua utilização não importa destruição
imediata da sua própria substância e não estão destinados à
alienação. Podem também ser inconsumíveis por natureza ou por
convenção.
Conforme ensinamentos de César Fiuza: “Por natureza
são aqueles que não terminam com o uso, como uma casa, um
carro etc. Por convenção teremos aqueles que por sua natureza
são consumíveis, mas foram convencionados inconsumíveis pelos
interessados. Suponhamos que um fazendeiro empreste a outro
saca de café, com grãos especiais, a fim de que este a exponha
em mostra agropecuária, devendo, em seguida, restituir a mesma
saca, com os mesmos grãos de café. Vemos, neste exemplo, grãos
de café inconsumíveis por convenção.”
O usufruto somente recai sobre os bens inconsumíveis,
entretanto o artigo 1392, § 1º, do Código Civil admite que o
usufruto recaia sobre bens consumíveis, recebendo a denominação
“usufruto impróprio”, ou “quase usufruto”.
1.1.5	 “Bens duráveis e bens não duráveis – A cate-
goria dos bens duráveis e não duráveis diz respeito, como regra,
aos bens móveis. Não obstante, o Código do consumidor se refere
aos bens não duráveis, dentre eles incluindo os bens imóveis, en-
quanto produtos. De todo modo, bens duráveis e bens não duráveis
são aqueles que duram mais ou menos no tempo. Um automóvel,
um livro, um apartamento seriam exemplos de bens duráveis. Um
saco de arroz, uma caneta descartável, um bloco de notas seriam
bens não duráveis.
Os bens duráveis podem sê-lo por natureza, como um livro,
ou por convenção. Estes, os por convenção, são bens não duráveis
por natureza, mas que se convencionaram duráveis. Uma garrafa
de vinho de colecionador, que não se destina ao consumo, seria
um bom exemplo.
Como regra, os bens duráveis são inconsumíveis, e os não
duráveis, consumíveis. Mas pode ocorrer que as categorias não
coincidam. Exemplo seria um bem consumível por força de lei,
que por natureza fosse durável: um relógio de pulso posto à venda
no comércio. É durável e, enquanto destinado à alienação, consu-
mível.” Segundo César Fiuza.
Didatismo e Conhecimento 29
DIREITO CIVIL
1.1.6	 “Bens perecíveis e bens imperecíveis – perecí-
veis são os bens que perecem rapidamente no tempo, se não forem
observadas condições especiais de armazenamento, embalagem
etc. exemplos seriam peças de carne, leite e outros. Imperecíveis
são aqueles bens que não perecem rapidamente no tempo, inde-
pendentemente de condições especiais de acondicionamento, ar-
mazenagem etc. Como exemplo, poderíamos citar uma caneta, um
livro, um sabonete, dentre outros.
Não há confundir a categoria dos bens perecíveis e imperecí-
veis com a dos bens consumíveis e inconsumíveis e duráveis e não
duráveis. Enquanto a dos bens consumíveis e inconsumíveis diz
respeito ao fato de os bens de consumirem ou não com o uso, a dos
bens duráveis e não duráveis leva em conta o fato de o bem durar
mais ou menos no tempo, e a dos bens perecíveis ou não perecíveis
leva em conta o fato de o bem perecer ou não com o passar do
tempo. São três critérios ontologicamente distintos um do outro.
Há bens imperecíveis que são consumíveis e não duráveis,
como um sabonete, uma garrafa de whisky ou uma caneta descar-
tável.” Segundo César Fiuza.
1.1.7	 Bens divisíveis e bens indivisíveis (art. 87, CC)
São divisíveis as coisas que podem ser partidas em porções
distintas, formando, cada porção, um todo perfeito. Assim, o bem
é divisível quando cada porção continua com as características
do todo, ou seja, são os que: “...podem fracionar sem alteração
na sua substância, diminuição considerável de valor, ou prejuízo
do uso a que se destinam.” Assim, indivisível o bem seria se
considerássemos o contrário disposto no referido artigo. A
indivisibilidade pode resultar da natureza, da lei e da vontade das
partes:
a)	 Bem indivisível por natureza (fisicamente): é aquele
que, se for dividido, perde a característica do todo, quando ma-
terialmente o bem não pode ser dividido (ex: um animal vivo, um
automóvel etc);
b)	 Bem indivisível por lei (legalmente): existem alguns
bens que por natureza talvez fossem considerados divisíveis, en-
tretanto a lei os torna indivisíveis. Como exemplo, podemos citar
a Lei nº 6.766/79 que dispõe que o lote urbano não poderá ser
inferior a 125 metros quadrados;
c)	 Bem indivisível por vontade das partes (convencional-
mente): há a possibilidade, nos casos de condomínio, de as partes
convencionarem a indivisibilidade do bem. Essa indivisibilidade
poderá valer por cinco anos no máximo (artigo 1.320, § 2.º, do
Código Civil), podendo ser prorrogada por mais cinco. Nos casos
de testamento e doação, não se pode, se o bem for considerado
indivisível por vontade do doador ou testador, entende-se que o
foi somente por cinco anos, sem possibilidade de prorrogação do
prazo.
d)	 Bem indivisível por valor econômico (Economicamen-
te): quando a divisão do bem importar em redução considerável de
seu valor econômico (ex.: se imaginarmos uma pedra de diamante
grande, esta terá um valor, sem dúvida, muito maior, do que se a
considerássemos fracionada em inúmeros pequeninos diamantes).
De acordo com Mônica Queiroz, “Importante salientar
que, diante dessa subclassificação de indivisibilidade, aquele
determinado bem que de início é fisicamente suscetível à divisão,
por vezes, uma lei, ou a vontade das partes, ou mesmo motivos
econômicos se mostrem como fatores impedientes de sua divisão.”
1.1.8	 Bens singulares e bens coletivos (art. 89, CC)
Os bens são singulares ou coletivos conforme a maneira
como são analisados. Desse modo, se analisarmos uma árvore
isoladamente, ela será um bem singular, se analisarmos várias
árvores numa floresta, será um bem coletivo.
O Código Civil chama as coletividades de universalidades,
que podem ser de fato ou de direito.
A universalidade de fato ocorre quando há uma pluralidade
de bens singulares que, pertinentes à mesma pessoa, tenham
destinação unitária (por exemplo: uma floresta, uma biblioteca).
Por universalidade de direito, menciona como exemplos a
herança, o patrimônio e a massa falida, mesmo se constituídas
somente de direitos e obrigações, sem demais bens materiais, ou
seja, deve-se entender o complexo de relações jurídicas de uma
pessoa, dotadas de valor econômico.
1.1	 Dos bens reciprocamente considerados
Após o estudo dos bens considerados em si mesmos, passamos
ao estudo dos bens, quando reciprocamente considerados.
O direito é uma ciência que se fundamenta nas relações
em sociedade. Ocorrendo um fato relevante para o direito, esse
o considera jurídico. Ao disciplinar a matéria, a lei aprecia,
sob os planos de utilidade, economia e justiça, considerando a
funcionalidade dos bens que acrescem e que são acrescidos, a
reversibilidade e o efeito econômico visando ao equilíbrio das
relações sociais. Nessa ótica, dividem-se os bens em principais e
acessórios. Bem principal é aquele que existe por si, ou seja, não
depende da existência de nenhum outro bem, possuindo existência
própria (ex.: o solo). Por sua vez, ao revés, bem acessório é aquele
que depende da existência do bem principal (por exemplo: a árvore
que depende do solo para existir).
O artigo 92 do Códex dispõe que a coisa acessória segue
a principal, salvo disposição especial em contrário (art. 93 do
CC). Essa regra, que atende ao conteúdo disposto no brocardo
jurídico accessorium sequitur suum principale, causa várias
consequências:
a)	 presume-se que o dono do principal também é dono do
acessório;
b)	 determina ter o acessório a mesma natureza jurídica do
principal;
c)	 extinto o principal, extingue-se também o acessório, mas
a recíproca não se mostra verdadeira.
O caráter acessório pode existir entre coisas e entre direitos
obrigacionais ou reais: a) fiança e cláusula penal são acessórios
do contrato de compra e venda; b) a posse do imóvel faz presumir,
até prova em contrário, a dos móveis e objetos que nele estiverem
(art. 1.209 do CC); c) a obrigação de dar coisa certa abrange
os acessórios, ainda que não mencionados, salvo se o contrário
resultar do título ou das circunstâncias do caso (art. 233 do CC);
d) na acessão de crédito se incluem todos os seus acessórios, salvo
disposição em contrário (art. 287 do CC).
1.1.1	 Categoria dos bens acessórios
3.2.1.1 Frutos:
“São as utilidades que nascem e renascem, ou seja, se reno-
vam a cada período, sem diminuir a substância do bem principal,
ou seja, a separação do fruto não altera a sustância da coisa prin-
cipal. Os frutos se classificam em:
Didatismo e Conhecimento 30
DIREITO CIVIL
a.1) Quanto à origem, os frutos podem ser: naturais, indus-
triais ou civis. Naturais são os frutos que decorrem da própria
natureza (ex.: os frutos das árvores, as crias dos animais). Indus-
triais são os frutos resultantes da intervenção humana (ex.: a lã de
uma ovelha que se transforma em casaco). Civis ou rendimentos
são os frutos que representam a remuneração que deverá ser paga
a uma pessoa por ter concedido a posse a outrem (ex.: os juros e
os aluguéis).
a.2) Quanto ao estado, os frutos podem ser: colhidos, colhi-
dos por antecipação, pendentes, percipiendos e estantes. Colhidos
são os frutos que já foram percebidos, isto é, retirados da coisa
principal. Colhidos por antecipação são os frutos que foram sepa-
rados da coisa principal de maneira prematura. Pendentes são os
frutos que ainda estão unidos à coisa que os produziu. Percipien-
dos são aqueles frutos que deveriam ter sido colhidos, mas não o
foram. Estantes são frutos que já foram separados e armazenados.
Obs: em matéria de usufruto, só há o direito aos frutos, não
aos produtos (art. 1.394 do CC).
1.1.1.2	 Produtos:
São as utilidades que são retiradas da coisa principal e não
se renovam, isto é, não reproduzem periodicamente, e tem como
consequência a progressiva diminuição do bem principal (exs.:
pedras, metais, petróleo, retirados de determinada pedreira, mina
ou poço).
1.1.1.3	 Pertenças:
São os bens acessórios que, não constituindo partes
integrantes do bem principal, destinam-se de modo duradouro
ao uso, ao serviço ou ao aformoseamento do outro (art. 93,
CC). Alcançaremos a pertença se excluirmos tudo o que seja
parte integrante do bem principal. Posto isso, o aparelho de ar
condicionado que se encontra no interior de uma casa pode ser
considerado pertença, já a porta dessa mesma casa, não, uma vez
que se trata de parte integrante da casa. O art. 94, CC impõe que
“os negócios jurídicos que dizem respeito ao bem principal não
abrangem as pertenças, salvo se o contrário resultar da lei, da
manifestação de vontade, ou das circunstâncias do caso.” Com a
leitura deste dispositivo chegamos a uma importante conclusão:
a regra de que o acessório segue a sorte do principal em caso de
alienação do bem principal, se aplica às partes integrantes, não
atingindo as pertenças. Então, embora a pertença seja também
um bem acessório, a ela não se aplica o princípio da gravitação
jurídica.” Conforme Mônica Queiroz.
Assim, o artigo 93 do Código Civil, estabelece: “São pertenças
os bens que, não constituindo partes integrantes, se destinam,
de modo duradouro, ao uso, ao serviço ou ao aformoseamento
de outro”. Apesar de acessória, a pertença conserva sua
individualidade e autonomia, tendo apenas com a principal uma
subordinação econômico-jurídica, pois, sem haver qualquer
incorporação, vincula-se à principal para que esta atinja suas
finalidades. Temos como exemplo a turbina de um avião, o órgão
de uma igreja ou o motor de um automóvel.
1.1.1.4	 Benfeitorias (necessárias, úteis e voluptuárias):
Acrescenta o diploma civil que também são acessórios da
coisa as benfeitorias (artigo 96 do Código Civil), salvo a pintura
em relação à tela, a escultura em relação à matéria-prima e
qualquer trabalho gráfico em relação ao papel utilizado. Essas
exceções foram criadas para valorizar o trabalho artístico. Assim,
os acessórios dos trabalhos artísticos serão, nesses casos, a tela,
a matéria prima e os papéis.
Benfeitoria é todo melhoramento ou acréscimo feito em coisa
já existente. São as obras ou despesas realizadas na coisa com
finalidade de conservação, melhoramento ou embelezamento.
Há uma diferença entre benfeitoria e acessão industrial
(construções e plantações), uma vez que esta representa toda
construção ou plantação nova.
O art. 96 do CC apresenta e conceitua três espécies de
benfeitorias. Estas podem ser:
a) Necessárias (art. 96, § 3º, CC): são aquelas benfeitorias
destinadas a conservar a coisa, indispensáveis; são aquelas
que, se não forem feitas, a coisa pode perecer, ou seu uso
ser impossibilitado. São entendidas de forma ampla, como o
pagamento de impostos, medidas judiciais de conservação da coisa,
reforma de um telhado etc. O direito de retenção é assegurado até
o reembolso ao possuidor de boa-fé, mas a indenização independe
da boa ou má-fé.
b) Úteis (art. 96, § 2º, CC): são as benfeitorias que aumentam
ou facilitam o uso da coisa; não são indispensáveis, mas, se forem
feitas, darão mais aproveitamento à coisa, a exemplo da construção
de mais um cômodo em uma casa. Devem ser indenizadas ao
possuidor de boa-fé com direito de retenção.
c) Voluptuárias ou suntuárias (art. 96, § 1º, CC): são as
benfeitorias de mero deleite ou recreio, que vem a aformosear
o bem, aumentar-lhe o valor, embora não interfiram na normal
utilização da coisa, como exemplo, a construção de uma piscina
com cascata, ao redor de jardins, em uma casa. É possível ao
possuidor de boa-fé levantá-las somente (ius tollendi).
Por fim, relativamente às benfeitorias, salienta-se que a
classificação acima não tem caráter absoluto, devendo ser
analisada de acordo com o caso concreto, a exemplo de uma
piscina, que em regra é conceituada como benfeitoria voluptuária,
mas que, para alguém que necessita fazer hidroterapia, ou ainda
para uma escola de natação, mostra-se como benfeitoria útil.
Obs: o art. 97 do CC, segundo Regina Sahm, “dispõe que
as acessões naturais que aumentam o valor do bem não são
benfeitorias, uma vez que nessas não ocorre qualquer interferência
do proprietário, possuidor e detentor. O mesmo se aplica quando
há atuação por parte do Estado com obras de melhoria, utilidade
ou embelezamento em áreas próprias ou sobre o próprio bem
principal, tornando-o valioso. (...). Os efeitos do dispositivo
se refletem nos direitos de retenção e indenização que são
reconhecidos in casu para que não se configure o enriquecimento
ilícito.”
3.3 Dos bens quanto aos titulares do domínio
Sob esse aspecto, os bens se dividem em públicos e
particulares. O artigo 98 do Código Civil considera públicos os
bens que pertencem à União, aos Estados, ao Distrito Federal e
aos Municípios; todos os demais são considerados particulares.
Tem-se, no caso, verdadeira definição por exclusão.
Ampliando o entendimento do art. 98, do CC, temos o
Enunciado nº 287 que dispõe: “O critério da classificação dos
bens públicos indicado no art. 98 do Código Civil não exaure a
enumeração dos bens públicos, podendo ainda ser classificado
como tal o bem pertencente a pessoa jurídica de direito privado
que esteja afetado à prestação de serviços públicos.”
Didatismo e Conhecimento 31
DIREITO CIVIL
Os bens públicos, por sua vez, dividem-se em três espécies:
1.1.1	 Bens públicos de uso comum do povo: são
todos aqueles de utilização comum, sem maiores ônus, pela
coletividade, a exemplo das estradas, ruas, mares, praças. Ainda
que a Administração Pública imponha alguma restrição por meio
de cobrança para o uso, esse bem não se desnatura enquanto bem
público (ex.: imposição de pedágio em trecho de rodovia). O art.
103 do CC nos informa que “o uso comum dos bens públicos pode
ser gratuito ou retribuído, conforme for estabelecido legalmente
pela entidade a cuja administração pertencerem”.
1.1.2	 Bens públicos de uso especial: bens destinados
ao funcionamento e aprimoramento dos serviços prestados pela
máquina estatal, de utilização, por vezes, concedida aos particu-
lares, em regra mediante contraprestação. Temos como exemplo
os edifícios ou terrenos destinados a serviço ou estabelecimento
onde funcionam os serviços públicos, como repartição pública, um
hospital público ou uma escola pública;
1.1.3	 Bens públicos ou dominicais: aqueles que
pertencem ao domínio privado do poder público. São bens que
constituem patrimônio das pessoas jurídicas de direito público, e,
desde que desafetados de qualquer utilização pública, podem ser
alienados, de acordo com as regras previstas para alienação de
bens da administração, a exemplo da licitação.
Os bens públicos têm características especiais, seguindo
regras próprias, não sendo tratados no Direito Civil.
A característica principal dos bens públicos é a
inalienabilidade. Entretanto, são inalienáveis somente os bens
públicos de uso comum e os de uso especial. Já os dominicais,
como correspondem a patrimônio livre de determinada pessoa
jurídica de direito público, poderão ser alienados.
Desta forma, os bens dominicais, ainda que sejam bens
públicos, seguem as regras dos bens particulares, com algumas
modificações operadas em sede de legislação especial, como a Lei
de Licitações (Lei n. 8.666/93).
Osartigos100e101doCódigodispõemqueainalienabilidade,
que é peculiar dos bens públicos, somente poderá ser afastada por
lei, que por sua vez retira do bem a função pública à qual este se
liga. A tal procedimento dá-se o nome de desafetação. Quando
um bem dominical for utilizado para uma finalidade pública, ele
será tratado como bem público, portanto, inalienável, em razão
de sua afetação a uma função eminentemente pública. A afetação
não depende de lei.
Os bens públicos, desde a vigência do Código Civil de 1916,
não podem ser objetos de usucapião, visto serem inalienáveis. Tal
entendimento também é expresso na Constituição Federal e na
Súmula nº 340 do Supremo Tribunal Federal.
Em síntese: ocorre a desafetação quando a lei autoriza a
venda de um bem público, desligando-o da função pública a que
ele serve. Ocorre a afetação quando o bem dominical passa a ser
utilizado como bem público.
No que diz respeito à imprescritibilidade, essa característica
atinge às três espécies de bens públicos, de modo que nenhum bem
público estará sujeito à usucapião (art. 102, CC e arts. 183, § 3º
e 191, p.ú., CF/88).
4.	 Do Bem de Família
A respeito do Bem de Família, Mônica Queiroz classifica-o
afirmando que: “Dois são os sistemas que coexistem em nosso
ordenamento jurídico acerca do bem de família: o convencional e
o legal. O convencional é o sistema estatuído no CC nos arts. 1.711
a 1.722. O sistema legal é regulamentado pela Lei nº 8.009/90.
4.1 Bem de Família Convencional:
a)	 Regramento Legal: o bem de família convencional é tra-
tado no CC/2002 nos arts. 1.711 a 1.722.
b)	 Natureza Jurídica: a natureza jurídica do bem de famí-
lia convencional se reduz a uma forma de afetação de bens com o
fito de salvaguardar a dignidade humana dos membros da família.
c)	 Formação: para se constituir bem da família convencio-
nal é necessário que os cônjuges ou a entidade familiar, mediante
escritura pública ou testamento, destinem parte de seu patrimônio
para instituir o bem de família. E ainda, o terceiro poderá também
instituir bem de família por meio de testamento ou doação.
d)	 Eficácia: para que a instituição de um bem de família
convencional possa produzir seus efeitos é necessário que haja
o registro de seu título no Registro de Imóveis, quer tenha sido
instituído pelos cônjuges ou por terceiro (art. 1.714, CC). Nessa
última hipótese, a eficácia do ato, além da exigência do registro,
submete-se também à aceitação expressa de ambos os cônjuges ou
da entidade familiar beneficiada (art. 1.711, p.ú., CC).
e)	 Objeto: o bem de família consistirá em prédio residen-
cial urbano ou rural, com os seus acessórios. No CC/2002 poderá
abranger valores mobiliários (exs.: créditos, ações, debêntures,
títulos negociáveis) além do prédio residencial, cuja renda será
aplicada na conservação do imóvel e no sustento da família, ob-
servadas as regras estabelecidas no art. 1.713 do CC.
f)	 Limite: o patrimônio reservado a título de bem de famí-
lia não poderá exceder a um terço do patrimônio líquido da famí-
lia, existente à época de sua instituição. Caso exceda a esse limite,
a instituição não produzirá efeitos. Em se tratando de o bem de
família abarcar também valores mobiliários, esses não poderão
exceder o valor do prédio instituído em bem de família.
g)	 Consequências ou Efeitos: a grande consequência da
instituição de um bem de família é que este ficará isento de execu-
ção por dívidas posteriores à sua instituição. Assim, a imunidade
existirá somente em relação às dívidas surgidas posteriormente ao
bem de família, de modo que a proteção não incidirá às dividas
anteriores. Insta salientar que existem duas exceções trazidas pela
lei que, mesmo se tratando de dívidas posteriores à instituição do
bem de família, o patrimônio reservado não estará protegido e,
portanto, poderá ser alvo de execução. As duas exceções são: os
tributos relativos ao prédio (exs.: IPTU, ITR, contribuições de
melhoria, taxas) e as despesas do condomínio. Havendo a exe-
cução por uma dessas duas hipóteses, o saldo remanescente será
aplicado em outro prédio como bem de família, ou em títulos da
dívida pública, para sustento familiar, salvo se motivos relevantes
aconselharem outra solução, a critério do juiz (art. 1.715, p.ú.,
CC). Então, a primeira consequência da instituição do bem de
família convencional, nós podemos reduzir a uma palavra: impe-
nhorabilidade. Salvo em se tratando de dívidas anteriores ao bem
de família e das duas exceções retro mencionadas, aquele bem
se torna impenhorável. Outra também importante consequência
é a inalienabilidade. O bem de família, portanto, não poderá ser
alienado. Para que haja a alienação do bem tornar-se-á necessá-
rio o consentimento dos interessados e seus representantes legais,
sendo ouvido o Ministério Público (art. 1.717, CC).
Didatismo e Conhecimento 32
DIREITO CIVIL
h)	 Duração temporal: a instituição do bem de família se
prolonga enquanto viver um dos cônjuges ou, na falta destes,
até que os filhos completem a maioridade, desde que não sejam
maiores incapazes e sujeitos à curatela (art. 1.716 c/c art. 1.722,
ambos do CC). Caso espontaneamente os interessados pretendam
colocar fim ao bem de família instituído, deverão requerer ao juiz
da Vara de Família, que, após ouvir o Ministério Público, apre-
ciará a justificativa apresentada. Insta lembrar que a dissolução
da sociedade conjugal não é capaz de extinguir o bem de família.
Se a dissolução da sociedade conjugal se der por falecimento de
um dos cônjuges, o sobrevivente poderá requerer a desafetação
daquele bem, e, por conseguinte, a extinção do bem de família, se
for o único bem do casal (art. 1.721, CC).
4.2 Bem de Família Legal (Lei nº 8.009/90)
a) Regramento Legal: o bem de família legal – ou a
impenhorabilidade do imóvel residencial – está previsto e
disciplinado na Lei nº 8.009/90.
b) Natureza Jurídica: a natureza jurídica do bem de família
legal se reduz a uma forma de afetação de bens com o fito de
salvaguardar a dignidade humana dos membros da família.
c) Formação e Eficácia: o bem de família legal existe
independentemente de formalidades legais, e produz seus efeitos
sem necessidade de qualquer registro.
d) Objeto e Limite: de acordo com o art. 1º da lei nº 8.009/90:
“O imóvel residencial próprio do casal, ou da entidade familiar, é
impenhorável e não responderá por qualquer tipo de dívida civil,
comercial, fiscal, previdenciária ou de outra natureza, contraída
pelos cônjuges ou pelos pais ou filhos que sejam seus proprietários
e nele residam, salvo nas hipóteses previstas nesta lei.” Não
apenas o casal ou a entidade familiar se encontram protegidos
pela impenhorabilidade da lei, o STJ entende que aquele que
reside solitariamente em um imóvel também tem direito à proteção
(Súmula 364, STJ): “O conceito de impenhorabilidade de bem de
família abrange também o imóvel pertencente a pessoa solteiras,
separadas e viúvas”. O objeto, portanto, é o imóvel que tenha por
finalidade se prestar à residência de alguém. Não há limitações
exigidas em lei, basta que o imóvel seja residencial. Além disso,
conforme o parágrafo único do art. 1º: “A impenhorabilidade
compreende o imóvel sobre o qual se assentam a construção,
as plantações, as benfeitorias de qualquer natureza e todos os
equipamentos, inclusive os de uso profissional, ou móveis que
guarnecem a casa, desde que quitados.” A regra é que o imóvel
que tenha por finalidade se prestar à residência de alguém é
que merece proteção e, por conseguinte, os bens móveis que o
guarnecem. Por fim, lembramos que caso os interessados possuam
mais de um imóvel, será considerado como bem de família o de
menor valor, ainda que estejam residindo em outro, exceto caso
tenha havido instituição de bem de família convencional pelas
regras do Código Civil sobre o imóvel de maior valor (art. 5º, p.ú.,
Lei nº 8.009/90).
e) Consequência ou Efeito: haverá a impenhorabilidade
do imóvel residencial. Destarte, o imóvel residencial, inclusive
os móveis que o guarnecem serão protegidos contra eventual
penhora. Vale lembrar que, aquele que, sabendo-se insolvente,
adquire de má-fé imóvel mais valioso para transferir a residência
familiar, independentemente de ter se desfeito ou não do imóvel
anterior, não será protegido pela impenhorabilidade trazida pela
lei (art. 4º, Lei nº 8.009/90). Nessa situação, poderá o juiz, na
própria ação do credor, devolver a impenhorabilidade para a
residência anterior, ou anular-lhe a venda, caso ela tenha sido
vendida e liberar a mais valiosa para a penhora.
f) Bens excluídos da impenhorabilidade: embora o imóvel
residencial e os móveis que o guarnecem estejam protegidos pela
lei, é expressa a possibilidade de haver penhora incidente sobre
veículos de transporte, obras de arte e adornos suntuosos (art. 2º,
Lei nº 8.009/90). Em se tratando de veículos de transporte, deve-se
observar que se está diante de um instrumento de trabalho, caso
em que não poderá haver penhora por proibição expressa prevista
no CPC, art. 649, V.
g) Exceções da Lei nº 8.009/90: o art. 3º dispõe, em rol
taxativo, as obrigações que não estão protegidas sob o manto da
impenhorabilidade. In verbis, as exceções da lei:
I) Em razão de créditos de trabalhadores da própria
residência e das respectivas contribuições previdenciárias. Aqui
se encontram os trabalhadores da residência exclusivamente. Em
se tratando de crédito de empregado de um condomínio edilício
não há possibilidade de penhora do imóvel residencial, posto que
a dívida é pertencente ao condomínio.
II) Pelo titular do crédito decorrente do financiamento
destinado a construção ou à aquisição do imóvel, no limite dos
créditoseacréscimosconstituídosemfunçãodorespectivocontato.
Essa hipótese se justifica como meio de evitar o enriquecimento
ilícito daquele que construiu o imóvel utilizando-se de recurso
alheiros.
III) Pelo credor de pensão alimentícia. Quando o crédito
alimentício decorrer de relações familiares, indiscutível se mostra
a possibilidade de penhora do imóvel residencial do devedor.
Porém, em se tratando de alimentos indenizatórios fixados por
ocasião de reparação civil, a questão não se mostra pacífica na
doutrina.
IV) Para cobrança de imposto, predial ou territorial, taxas e
contribuições devidas em função do imóvel familiar. Em relação às
despesas condominiais, a lei foi omissa. Assim, a conclusão mais
acertada, em se tratando de rol taxativo e que deva ser interpretado
restritivamente, é de que a despesa condominial não é exceção que
submete à penhora o imóvel residencial. Entretanto, não é isso
que o STJ vem entendendo de maneira pacífica, sobretudo após
a entrada em vigor do CC/2002, que admite a possibilidade de
penhora do bem de família convencional para o pagamento de
dívida condominial (REsp. 1.100.087/MG, DJ 03/06/2009).
V) Para execução de hipoteca sobre o imóvel oferecido como
garantia real pelo casal ou pela entidade familiar. Nessa hipótese,
o bem foi dado voluntariamente em garantia pelos seus titulares
para aquela dívida. A instituição da garantia real só libera o bem
para a execução daquela dívida a qual o bem garantia, e não
qualquer outra.
VI) Por ter sido adquirido com produto de crime ou para
a execução de sentença penal condenatória a ressarcimento,
indenização ou perdimento de bens. Neste ponto, a lei quer
ressaltar que o patrimônio lícito é que é alvo de proteção pela lei.
VII)Porobrigaçãodecorrentedefiançaconcedidaemcontrato
de locação. Esse item foi acrescentado pela Lei nº 8.245/91 e, na
nossa opinião, se apresenta de todo inconstitucional por ferir
o princípio da isonomia. Porém o STF tem se manifestado pela
constitucionalidade do referido inciso: (...).”
César Fiuza esclarece que para a Lei 8.245/91 (Lei do
Inquilinato), “se o inquilino não pagar os aluguéis ou demais
encargos, e não tiver como pagar, o fiador será responsabilizado,
e seu imóvel residencial poderá ser penhorado. A regra é absurda
e, a nosso ver, ilegítima e inconstitucional. O imóvel do próprio
inquilino, caso tenha um, é impenhorável, enquanto o do fiador
responderá pela dívida, que, diga-se de passagem, não lhe é
própria. Vê-se, aqui, atentado contra os princípios da justiça
material e da isonomia, corolários de nossa Constituição e, via de
consequência, de nosso ordenamento jurídico.”
Didatismo e Conhecimento 33
DIREITO CIVIL
LIVRO II
DOS BENS
TÍTULO ÚNICO
Das Diferentes Classes de Bens
CAPÍTULO I
Dos Bens Considerados em Si Mesmos
Seção I
Dos Bens Imóveis
Art. 79. São bens imóveis o solo e tudo quanto se lhe incor-
porar natural ou artificialmente.
Art. 80. Consideram-se imóveis para os efeitos legais:
I - os direitos reais sobre imóveis e as ações que os asse-
guram;
II - o direito à sucessão aberta.
Art. 81. Não perdem o caráter de imóveis:
I - as edificações que, separadas do solo, mas conservando
a sua unidade, forem removidas para outro local;
II - os materiais provisoriamente separados de um prédio,
para nele se reempregarem.
Seção II
Dos Bens Móveis
Art. 82. São móveis os bens suscetíveis de movimento pró-
prio, ou de remoção por força alheia, sem alteração da subs-
tância ou da destinação econômico-social.
Art. 83. Consideram-se móveis para os efeitos legais:
I - as energias que tenham valor econômico;
II - os direitos reais sobre objetos móveis e as ações cor-
respondentes;
III - os direitos pessoais de caráter patrimonial e respec-
tivas ações.
Art. 84. Os materiais destinados a alguma construção, en-
quanto não forem empregados, conservam sua qualidade de
móveis; readquirem essa qualidade os provenientes da demo-
lição de algum prédio.
Seção III
Dos Bens Fungíveis e Consumíveis
Art. 85. São fungíveis os móveis que podem substituir-se
por outros da mesma espécie, qualidade e quantidade.
Art. 86. São consumíveis os bens móveis cujo uso impor-
ta destruição imediata da própria substância, sendo também
considerados tais os destinados à alienação.
Seção IV
Dos Bens Divisíveis
Art. 87. Bens divisíveis são os que se podem fracionar sem
alteração na sua substância, diminuição considerável de valor,
ou prejuízo do uso a que se destinam.
Art. 88. Os bens naturalmente divisíveis podem tornar-se
indivisíveis por determinação da lei ou por vontade das partes.
Seção V
Dos Bens Singulares e Coletivos
Art. 89. São singulares os bens que, embora reunidos, se
consideram de per si, independentemente dos demais.
Art. 90. Constitui universalidade de fato a pluralidade de
bens singulares que, pertinentes à mesma pessoa, tenham des-
tinação unitária.
Parágrafo único. Os bens que formam essa universalidade
podem ser objeto de relações jurídicas próprias.
Art. 91. Constitui universalidade de direito o complexo de
relações jurídicas, de uma pessoa, dotadas de valor econômico.
CAPÍTULO II
Dos Bens Reciprocamente Considerados
Art. 92. Principal é o bem que existe sobre si, abstrata ou
concretamente; acessório, aquele cuja existência supõe a do
principal.
Art. 93. São pertenças os bens que, não constituindo partes
integrantes, se destinam, de modo duradouro, ao uso, ao servi-
ço ou ao aformoseamento de outro.
Art. 94. Os negócios jurídicos que dizem respeito ao bem
principal não abrangem as pertenças, salvo se o contrário re-
sultar da lei, da manifestação de vontade, ou das circunstân-
cias do caso.
Art. 95. Apesar de ainda não separados do bem principal,
os frutos e produtos podem ser objeto de negócio jurídico.
Art. 96. As benfeitorias podem ser voluptuárias, úteis ou
necessárias.
§ 1o
São voluptuárias as de mero deleite ou recreio, que
não aumentam o uso habitual do bem, ainda que o tornem mais
agradável ou sejam de elevado valor.
§ 2o
São úteis as que aumentam ou facilitam o uso do bem.
§ 3o
São necessárias as que têm por fim conservar o bem ou
evitar que se deteriore.
Art. 97. Não se consideram benfeitorias os melhoramentos
ou acréscimos sobrevindos ao bem sem a intervenção do pro-
prietário, possuidor ou detentor.
CAPÍTULO III
Dos Bens Públicos
Art. 98. São públicos os bens do domínio nacional perten-
centes às pessoas jurídicas de direito público interno; todos os
outros são particulares, seja qual for a pessoa a que pertencerem.
Art. 99. São bens públicos:
I - os de uso comum do povo, tais como rios, mares, estra-
das, ruas e praças;
II - os de uso especial, tais como edifícios ou terrenos des-
tinados a serviço ou estabelecimento da administração federal,
estadual, territorial ou municipal, inclusive os de suas autar-
quias;
III - os dominicais, que constituem o patrimônio das pesso-
as jurídicas de direito público, como objeto de direito pessoal,
ou real, de cada uma dessas entidades.
Parágrafo único. Não dispondo a lei em contrário, consi-
deram-se dominicais os bens pertencentes às pessoas jurídicas
de direito público a que se tenha dado estrutura de direito pri-
vado.
Art. 100. Os bens públicos de uso comum do povo e os
de uso especial são inalienáveis, enquanto conservarem a sua
qualificação, na forma que a lei determinar.
Art. 101. Os bens públicos dominicais podem ser aliena-
dos, observadas as exigências da lei.
Art. 102. Os bens públicos não estão sujeitos a usucapião.
Didatismo e Conhecimento 34
DIREITO CIVIL
Art. 103. O uso comum dos bens públicos pode ser gratuito
ou retribuído, conforme for estabelecido legalmente pela enti-
dade a cuja administração pertencerem.
FATOS E ATOS JURÍDICOS
(MODALIDADES, VALIDADE E DEFEITOS).
DOS FATOS JURÍDICOS
1.1	 Considerações Iniciais
Em primeiro lugar, segundo Maria Amália F. P. Alvarenga,
“cumpre consignar que a denominação “Dos Fatos Jurídicos” foi
mantida pelo Código Civil de 2002, pois representa, justamente,
a correspondência entre o fato e a norma. Os acontecimentos que
rodeiam a vida humana precisam “tocar” o direito para que se
qualifiquem como jurídicos. Esses acontecimentos, que repercu-
tem no direito ainda que de forma negativa, são considerados fa-
tos jurídicos.
O Direito valora os fatos e, por meio das normas jurídicas,
erige à categoria de fato jurídico aqueles que têm relevância para
as relações intersubjetivas humanas, uma vez que, não são todos
os fatos que têm relevância para o mundo jurídico. Em outras pa-
lavras, para que um fato seja considerado um fato jurídico é mis-
ter que haja uma norma pertencente a um determinado sistema
jurídico que atribua um efeito jurídico a esse fato.
“A importância dos fatos jurídicos sobreleva-se exatamente
porque são eles os fatos relevantes no mundo jurídico e os seus
efeitos se traduzem na aquisição, conservação, transferência, mo-
dificação e extinção de direitos”, segundo Mônica Queiroz.
Assim, a norma jurídica, ao atuar sobre os fatos que com-
põem o mundo, atribui-lhes consequências específicas, denomina-
das efeitos jurídicos, em relação aos homens (pela causalidade
normativa).
Em síntese, pode-se afirmar que o mundo jurídico seleciona
fatos da vida, que passam a integrá-lo, a constituí-lo, em virtude
da incidência da norma jurídica sobre esses fatos. É nesse fio de
raciocínio que Lourival Vilanova pondera: “O direito é um pro-
cesso dinâmico de juridicização e desjuridicização de fatos, con-
soante as valorações que o sistema imponha, ou recolha, como
dado social (as valorações efetivas da comunidade que o legisla-
dor acolhe e as objetiva como normas impositivas).”
Alguns fatos do mundo entram duas ou mais vezes no mun-
do jurídico, ou seja, há fatos do mundo que correspondem a dois
ou mais fatos jurídicos. A explicação disso está em que o fato do
mundo continua a integrar esse conjunto (conjunto dos fatos que
compõem o mundo) e é determinado no espaço e no tempo, em que
pese haver adentrado uma ou mais vezes no mundo jurídico, ou
seja, como exemplo podemos citar: “a morte de A abre a sucessão
de A, dissolve a comunhão de bens entre A e B, dissolve a socie-
dade A & Companhia, exclui A da lista de sócios do Jockey Club
e de professor do Instituto de Biologia ou de membro do corpo
diplomático.
1.2	 Classificação dos Fatos Jurídicos.
Os fatos jurídicos podem decorrer da natureza ou da atuação
do homem. Os fatos jurídicos que decorrem da simples manifesta-
ção da natureza, e acabam por repercutir no mundo jurídico, são
conhecidos por fatos jurídicos em sentido estrito (stricto sensu)
ou fatos naturais. Estes, por sua vez, poderão se dividir em ordi-
nários e extraordinários.
Os fatos jurídicos em sentido estrito ordinários são aqueles
que ocorrem previsível e corriqueiramente (fato independente da
vontade humana) que suscita efeitos jurídicos, como, por exemplo:
a morte, a maioridade, o nascimento, decurso do tempo, entre
outros.
Os fatos jurídicos em sentido estrito extraordinários, que são
acontecimentos inesperados, são os fatos que se vinculam ao caso
fortuito e à força maior, como, por exemplo, um terremoto, uma
enchente, um furacão etc.
Porém, como vimos, o evento poderá decorrer da atuação do
homem. Todos sabem que o homem ao agir poderá perpetrar uma
ação lícita ou ilícita, das quais ambas as ações humanas criam,
transferem, modificam, ou extinguem direitos e obrigações.
Às ações lícitas praticadas pelo homem dá-se o nome de ato
jurídico em sentido amplo (lato sensu), que, por sua vez, poderá
ser um ato jurídico em sentido estrito, ato-fato jurídico ou um
negócio jurídico. Já às ações ilícitas praticadas pelo homem dá-se
o nome de atos ilícitos.
Os Atos Jurídicos em sentido estrito: representam uma mera
submissão do agente ao ordenamento jurídico, ou seja, é a prá-
tica de um ato por manifestação de uma simples intenção, cujo
efeito está predeterminado na lei. Como exemplos de ato jurídico
em sentido estrito podemos citar o reconhecimento de um filho, a
adoção etc. Em todas essas hipóteses, os efeitos não decorrem da
vontade do manifestante, mas da lei.
O ato-fato jurídico: é um fato resultante de um ato, sem levar
em consideração a vontade de praticá-lo. Ressalta-se a conse-
quência do ato. Muitas vezes o efeito não é buscado nem imagi-
nado pelo agente, mas é sancionado pela lei em virtude de uma
conduta, independentemente de sua vontade. Cite-se o exemplo da
pessoa que acha casualmente um tesouro (art. 1.264 do CC), e
fica com a metade dele, independentemente de ter ou não querido
achá-lo.
Os Negócios Jurídicos: o CC/2002 dedica-se, nos arts. 104 a
184, a trabalhar o negócio jurídico. Trata-se, pois, da manifesta-
ção da vontade que busca a produção de efeitos jurídicos. Esses
efeitos jurídicos, ao revés dos efeitos dos atos jurídicos em sentido
estrito, são também aqueles pretendidos pelas partes, e não so-
mente os decorrentes da lei. Aqui, percebe-se o negócio jurídico
como decorrente da autonomia privada. O exemplo comumente
lembrado de negócio jurídico é o próprio contrato, em que as par-
tes deixam transparecer as suas vontades e os efeitos surgem dali,
da própria vontade das partes.
Assim, pode-se dizer que o negócio jurídico se realiza me-
diante a manifestação de uma vontade qualificada, que expressa
intuito e finalidade negocial entre as partes. Ou seja, precisa ha-
ver entre as partes a pretensão de adquirir, conservar, modificar,
ou extinguir direitos com a realização do negócio. No negócio ju-
rídico há uma composição de interesses, um regramento bilateral
de condutas, como ocorre na celebração de contratos.
Em suma, fato jurídico é todo acontecimento da vida que o
ordenamento jurídico considera relevante no campo do Direito,
que cria direitos e obrigações, possíveis de serem exigidos nas
relações humanas, e que pode ser decorrente de fatos naturais ou
Didatismo e Conhecimento 35
DIREITO CIVIL
humanos. Os fatos naturais são classificados em ordinários e ex-
traordinários, sendo mera manifestação da natureza. Os fatos hu-
manos se subdividem em ilícitos e lícitos. Os atos lícitos compor-
tam três divisões: negócio jurídico, ato jurídico em sentido estrito
e ato-fato jurídico.
Do exposto acima, têm-se o esquema a seguir para melhor
compreensão:
1.3	 Do Suporte Fático
O suporte fático é elemento essencial no estudo da juridicida-
de, considerando que é a previsão, pela norma jurídica, da hipó-
tese fática condicionante da existência do fato jurídico. Assim, o
suporte fático é um fato, seja evento ou conduta, que poderá ocor-
rer no mundo e que, por ter sido considerado relevante, tornou-se
objeto da normatividade jurídica.
Do exposto, torna-se evidente que suporte fático é um con-
ceito do mundo dos fatos e não do mundo jurídico, uma vez que
somente depois da concretização dos seus elementos (ocorrência
no mundo dos fatos) é que, pela incidência da norma, surgirá o
fato jurídico, a partir de quando será possível falar-se em concei-
tos jurídicos.
Importante ressaltar que há duas conotações a serem consi-
deradas quando se fala em suporte fático:
a) enquanto considerado apenas como enunciado lógico da
norma jurídica, dá-se o nome de suporte fático hipotético ou abs-
trato, uma vez que existe, somente, como hipótese prevista pela
norma sobre a qual, se ocorrer, dar-se-á a sua incidência;
b) quando já materializado, isto é, quando o fato previsto
como hipótese concretiza-se no mundo fático, denomina-se supor-
te fático concreto.
Assim, as palavras fato (real), suporte fático e fato jurídico
representam diferentes conceitos. Como elemento diferenciador,
entre o fato em si mesmo considerado e o suporte fático, há o ele-
mento valorativo. Nesse sentido, merece ser trazida à colação a li-
ção de Marcos Bernardes, consubstanciada no seguinte exemplo:
“A morte, por exemplo, somente compõe suporte fático quando
conhecida, porque a sua prova constitui elemento que se integra
ao fato real para constituí-lo em suporte fático. Só a morte conhe-
cida interessa à comunidade e a juridicidade só existe em razão da
intersubjetividade. Se alguém desaparece de seu domicílio e dele
não se tem notícia, é considerado ausente, abrindo-se a sucessão
provisória de seus bens, decorrido um certo tempo. Pode ocorrer
que, de fato, aquela pessoa esteja morta. Mas, se da morte não se
tem conhecimento, ela é considerada apenas ausente, para os fins
do direito, e não morta, até que se faça a prova de sua morte, ou
seja, considerada presuntivamente morta. Tudo se passa em sua
esfera jurídica como se viva estivesse. Assim, a morte é fato e a
morte conhecida é suporte fático.”
1.4	 Da Eficácia dos Fatos Jurídicos
É a ordem jurídica que diz quais os efeitos a serem conferidos
aos fatos. E, neste sentido, pode-se falar de eficácia dos fatos. Em
outras palavras, constata-se, na realidade fática, que se um certo
e determinado fato ocorrido no mundo real é capaz de produzir
dados efeitos que interessam à esfera jurídica, tal fato é dotado
de eficácia. Ou seja, existe aí a eficácia do fato. Assim, pode-se
afirmar que o fato é jurídico quando contém em si razão suficiente
para ser eficaz.
Por outro lado, como uma recíproca indissolúvel, só o fato
passível de ser conotado eficaz acarreta efeitos jurídicos. E tais
efeitos apresentam-se como sendo certos direitos, certos poderes.
São direitos de receber uma coisa, objeto de um contrato de com-
pra e venda; são poderes de estabelecer certos atos, de instituir
determinadas relações, entre outros.
A eficácia jurídica é o que se produz no mundo do Direito
como decorrência dos fatos jurídicos. Porém, é de se observar que
não é ao suporte fático que corresponde a eficácia. “Os elementos
do suporte fático são pressupostos do fato jurídico; o fato jurídico
é o que entra, do suporte fático, no mundo jurídico, mediante a
incidência da regra jurídica sobre o suporte.
A relação que se estabelece entre o fato e o efeito é imediata,
instantânea. Ocorrido o fato no mundo real, o efeito de pronto se
configura. Todavia, não se pode olvidar que há inúmeros exemplos
em que o fato ocorre e o efeito esperado não lhe é imediato. É o
caso daquelas hipóteses em que um dos elementos necessários à
constituição do ato não se verificou, não se fez presente.
Quando isso ocorre, diz-se que o fato está incompleto. Por
outro lado, casos há em que certo requisito de eficácia não se pro-
duziu. Em tais casos, os fatos podem ser denominados de imper-
feitos.
Contudo, seguindo a ordem normal das coisas, o fato jurídico
visa a desenvolver eficácia.
Apesar de distintos os conceitos de fato e eficácia, ambos pos-
suem pontos de semelhança.
A partir da observação da realidade fática, observa-se que
inexiste conduta de natureza jurídica que não tenha sido ditada
em face de uma certa circunstância, de uma ocorrência do mundo
exterior. Dito de outra forma, o mundo do ser indica-nos que não
há Direito sem uma subjacente realidade fática cuja existência é
verificada no dia a dia.
Como corolário, pode-se afirmar que, mesmo os denominados
direitos absolutos, ou seja, os direitos relativos à personalidade
humana, o direito à vida, ao nome, à nacionalidade, entre outros,
mesmo esses, não têm existência dissociada dos fatos. Ou seja,
ainda em tais hipóteses, o fato condiciona o Direito.
Os direitos absolutos existem porque a realidade social, fá-
tica, valorou-os como indispensáveis à vida da coletividade. Eles
não são fruto, pura e simplesmente, de idéias. Eles existem e são
reputados vitais, porque a sociedade sentiu, no cotidiano, a neces-
sidade de valorá-los.
1.5	 Da Incidência da Norma Jurídica
A incidência é o efeito da norma jurídica de transformar em
fato jurídico a parte do seu suporte fático que o Direito considerou
relevante para ingressar no mundo jurídico. Só após o surgimento
do fato jurídico, em decorrência da incidência, é que se poderá
falar de situações jurídicas e de todas as demais espécies de efei-
tos jurídicos.
Didatismo e Conhecimento 36
DIREITO CIVIL
Diante do exposto, é possível chegar-se à seguinte conclu-
são: nem à norma jurídica sozinha, nem ao fato sem a incidência,
pode-se atribuir qualquer efeito jurídico.
Assim, o fato, enquanto apenas fato, e a norma jurídica, en-
quanto não se realizarem seus pressupostos de incidência (suporte
fático), não tem qualquer efeito vinculante relativamente aos ho-
mens. Sobre tal aspecto, é oportuno destacar-se a lição de Emílio
Betti quanto ao significado da parêmia latina ex facto oritur ius (o
direito nasce do fato): “Quer dizer-se com ela que a lei, só por si,
não dá nunca vida a novas situações jurídicas, se não se verifica-
rem alguns fatos por ela previstos: não porque o fato se trans-
forme em direito, mas porque é uma situação jurídica preexistente
que se converte, com o sobrevir de um dado fato, numa situação
jurídica nova. A nova situação jurídica estabelecida pela norma
não se produz enquanto não se verificar, inteiramente, a hipótese
de fato, a fattispecie, que é o seu pressuposto.”
DO ATO JURÍDICO EM SENTIDO AMPLO (lato sensu)
Se alguma norma jurídica incidir sobre os atos humanos, essa
incidência torná-los-ão atos jurídicos. Só assim passam a ter efi-
cácia jurídica. Nesse passo, pode-se afirmar que o ato humano
cuja importância restrinja-se às relações de cortesia, ou que só é
objeto de apreciação moral, não é ato jurídico. No entanto, merece
ressalva o seguinte aspecto: é mister que a norma jurídica incida
sobre o ato humano e não sobre a consequência de tal ato. Nesse
sentido, destaca-se a lição de Pontes de Miranda: “Se destruo o
objeto, não pratico ato jurídico, de que resulte o perecimento do
objeto: sou causa de fato, que é o perecimento, e o perecimento é
que é fato jurídico, acontecimento, e não ato jurídico.”
Assim, por ato jurídico entenda-se o fato jurídico cujo suporte
fático tenha como cerne uma exteriorização consciente da vonta-
de, dirigida a obter um resultado juridicamente protegido ou não
proibido e possível. A partir desse conceito, é possível destacar os
seguintes elementos que o integram:
a) o ato humano volitivo, correspondendo a uma conduta que
representa uma exteriorização da vontade, mediante declaração
ou manifestação, conforme a espécie, que constitua uma conduta
juridicamente relevante e, por isso, prevista como suporte fático
da norma jurídica;
b) a necessidade de que essa exteriorização seja consciente,
ou seja, que o sujeito que manifesta ou declara a vontade o faça
com o intuito de realizar aquela conduta juridicamente relevante;
c) que esse ato tenha por finalidade a obtenção de um resul-
tado possível e protegido, ou pelo menos não proibido (permitido)
pelo Direito.
Do exposto, resulta evidente que, para o Direito, apenas a
vontade exteriorizada é considerada hábil para compor o suporte
fático do ato jurídico. A vontade não externada, que permanece
como reserva mental, não comporá o suporte fático do ato jurí-
dico. Porém, há situações, como no dolo, na ignorância, no erro,
em que os elementos volitivos internos constituem elementos do
suporte fático de norma jurídica (não de ato jurídico).
Quanto ao aspecto formal da exteriorização da vontade, em
outras palavras, no que pertine à forma como a vontade é exte-
riorizada, distinguem-se manifestação de vontade e declaração
de vontade. Nesse diapasão, a manifestação de vontade revela-se
por meio do mero comportamento do indivíduo, em que pese esse
comportamento ser concludente. Já as declarações de vontade são
manifestações explícitas da vontade.
Para ilustrar essa distinção, pode-se lançar mão do seguinte
exemplo: Se alguém lança ao lixo determinado objeto, manifesta
sua vontade de abandoná-lo; se, de forma diversa, comunica às
pessoas de seu convívio que vai lançar o objeto no lixo, declarou a
sua vontade de abandoná-lo, não somente manifestou sua vontade.
O ato jurídico tem por objeto uma atribuição de cunho práti-
co que a ordem jurídica alberga e protege. Essa atribuição cons-
titui o objeto do ato jurídico e se caracteriza pela eficácia que as
normas jurídicas lhe imputam. Por outros símbolos, o ato jurídico
é aquele do qual decorra, ou haja a possibilidade de decorrer, uma
atribuição jurídica caracterizada pela possibilidade de alteração
da esfera jurídica daqueles que figuram no ato jurídico. Ou seja, o
ato jurídico, via de regra, é eficaz. No entanto, caso o ato jurídico
dependa de uma condição suspensiva, ele só será eficaz, isto é, só
produzirá efeitos se a condição vier a se concretizar.
DOS NEGÓCIOS JURÍDICOS
1.1	 Definição
Como definição do Negócio Jurídico, Silvio Rodrigues aponta
que: “No título I do Livro III, trata o legislador do Negócio Jurí-
dico, isto é, daquele ato lícito da vontade humana, capaz de gerar
efeitos na órbita do direito.
O ordenamento jurídico representa uma prerrogativa que o
ordenamento jurídico confere ao indivíduo capaz de, por sua von-
tade, criar relações a que o direito empresta validade, uma vez
que se conformem com a ordem social. A vontade procura um fim
que não destoa da lei e que, por esse motivo, obtém dela a eficácia
necessária.
O fim da declaração é produzir efeitos jurídicos imediatos, e,
dada a liceidade do propósito, tais efeitos são efetivamente gera-
dos. A esse princípio se chama autonomia da vontade. Representa
a medida na qual o direito positivo reconhece aos indivíduos a
possibilidade de praticar atos jurídicos, produzindo seus efeitos.
Uma vez estabelecida uma relação jurídica, por convenção
entre os particulares, legalmente constituída, a lei lhe empresta
sua força coercitiva e ela se torna obrigatória. Alguns códigos
dizem que tal convenção tem força de lei. É o princípio do pacta
sunt servanda, o qual, embora muito atacado nos últimos tempos,
e a despeito das exceções que nele se insinuam, continua a reger
as relações privadas, pois, efetivamente e como ponto de partida,
as convenções ente os particulares são válidas e geram efeitos,
sempre que não colidirem com a lei de ordem pública. Verdade
que, como aponta Julliot de La Morandière, os preceitos de ordem
pública se multiplicam, limitando, cada vez mais, o âmbito da au-
tonomia da vontade.”
Continuando, César Fiuza define Negócio Jurídico como: “...
toda ação humana combinada com o ordenamento jurídico, volta-
da a criar, modificar ou extinguir relações ou situações jurídicas,
cujos efeitos vem mais da atuação individual do que da lei.
(...)
A vontade, condicionada à satisfação de necessidades ou de-
sejos, é a principal fonte de efeitos. Trocando em palavras mais
claras, negócios jurídicos são atos destinados à produção de efei-
tos jurídicos, desejados pelo agente e tutelados pela Lei. (...)
(...). Daí se dizer que os negócios jurídicos se baseiam em
vontade de resultado (...). Por exemplo, em contrato de locação, as
partes, locador e locatários, se reúnem e celebram o negócio, pac-
tuando todas as cláusulas e efeitos do contrato. A lei nada mais faz
do que estabelecer algumas regras, procurando aparar possíveis
arestas e proteger a vontade manifesta no contrato. Os efeitos des-
te contrato não são produto inteiro da Lei, mas, principalmente,
da vontade das partes contratantes.
Didatismo e Conhecimento 37
DIREITO CIVIL
Dessarte, negócio jurídico é toda ação humana, voluntária
e lícita que, condicionada por necessidades ou desejos, acha-se
voltada para a obtenção de efeitos desejados pelo agente, quais
sejam, criar, modificar ou extinguir relações ou situações jurídi-
cas, dentro de uma perspectiva de autonomia privada, ou seja,
de autorregulação dos próprios interesses. Segundo César Fiuza.
1.2	 Da Interpretação dos negócios Jurídicos
A parte geral do Código Civil trata da interpretação do negó-
cio jurídico nos arts. 111 a 114.
Segundo Mônica Queiroz e Maria Amália F. P. Alvarenga: “O
vetor a nos orientar, em se tratando da interpretação do negócio
jurídico, é a boa-fé objetiva, que impõe a lealdade das partes,
sem nos esquecermos do atendimento aos usos do local em que o
negócio jurídico foi celebrado.
Preleciona o art. 113, ao impor que “os negócios jurídicos
devem ser interpretados conforme a boa-fé e os usos do lugar de
sua celebração”. A boa-fé aqui mencionada é a boa-fé objetiva,
que nos remete à probidade ínsita ao negócio celebrado, como
princípio basilar da vida dos negócios, é dever de cada parte con-
tratante agir de forma a não defraudar a confiança da outra parte,
para que ambos possam alcançar os objetivos previstos e intencio-
nados por cada um.
Duas são as teorias mais importantes que versam sobre a in-
terpretação do ato negocial:
a)	 Teoria da Vontade Subjetiva ou Voluntarística: impõe
que a intenção das partes deve prevalecer sobre a vontade mani-
festada no acordo celebrado.
b)	 Teoria Objetiva ou da Declaração: impõe a prevalência
das palavras expostas no negócio, desprezando a real vontade in-
terna dos declarantes.
O código Civil de 2002 em seu art. 112 estabelece: “Nas
declarações de vontade se atenderá mais à intenção nelas
consubstanciada do que o sentido literal da linguagem.” A parte
essencial do negócio jurídico é a manifestação de vontade, e essa
vontade precisa ser esclarecida, interpretada, pra que possa fixar
o real conteúdo do negócio. O dispositivo deste artigo vem afirmar
que quando o intérprete do ato negocial for analisá-lo, deverá
ater-se não ao exame literal ou restritamente a seus termos, mas
sim fixar-se na vontade, procurar suas conseqüências jurídicas,
indagando a intenção dos contratantes, sem se prender ao sentido
lingüístico do ato negocial. Então, caberá ao intérprete investigar
a real intenção dos contratantes, já que a declaração de vontade
somente terá significado se realmente a vontade existe, pois o que
importa é a vontade real e não a declarada.
O art. 111 do CC preconiza que “o silêncio importa anuência,
quando as circunstâncias ou os usos o autorizarem, e não for
necessária a declaração de vontade expressa”. O silêncio aqui
consignado não pode ser confundido com a declaração de vontade
tácita, uma vez que essa não se traduz necessariamente em um
silêncio, podendo se dar de maneira grafada ou verbalizada. O
silêncio, então, se reduziria á inércia propriamente dita do agente.
Exemplo típico ocorre na doação pura e simples; em observando
as peculiaridades do caso concreto, podemos entender pela
aceitação com o simples silêncio do donatário. O silencio poderá
importar em manifestação de vontade se não for necessária a
declaração de vontade expressa, ou seja, a declaração mediante
o silêncio existe sempre que a lei não haja prescrito outra forma
ou quando não exigir por lei ou por contrato uma declaração
explícita.
Portanto, o dito popular “quem cala consente” não tem força
jurídica, salvo quando a lei o autoriza. Dessa forma, noutras
palavras, em geral, “quem cala nada diz”, a não ser que o silêncio
possa gerar outro efeito, legalmente previsto.
A última regra da parte geral acerca da interpretação do
negócio jurídico encontra-se presente no art. 114, que estabelece
que “os negócios jurídicos benéficos e a renúncia interpretam-
se estritamente”. Sendo, negócios benéficos aqueles que se
caracterizam por uma obrigação unilateral em um negócio
bilateral, ou seja, somente uma das partes desenvolverá a
atividade determinada no negócio jurídico. E, tradicionalmente,
uma das partes se sacrificará onerosamente em benefício de outra.
É o caso da doação, em que há uma vantagem para o donatário
(acréscimo patrimonial), em detrimento do doador (decréscimo
patrimonial). Os sacrifícios onerarão apenas uma das partes e
beneficiarão a outra. Em relação à renúncia, esta é de caráter
subjetivo, é uma figura jurídica especial. Por esses motivos, o
negócio jurídico benéfico e a renuncia deverão ser interpretados
restritivamente, isso significa que não se admite a interpretação
ampliativa, diversa do que esta estabelecido no negócio; deve-
se limitar somente as cláusulas traçadas pelos contratantes no
negócio jurídico.”
1.3 Os planos do Negócio Jurídico: Existência, Validade e
Eficácia.
Para a explicação dos planos do negócio jurídico nos
prenderemos aos ensinamentos de Mônica Queiroz e M. Amália
F. P. Alvarenga, que os fazem com maestria:
a)	 O Plano da Existência: aqui estão os elementos funda-
mentais do negócio jurídico, sem os quais o negócio inexistiria.
Havendo tais substantivos, sem que se exija qualquer adjetivação,
já podemos concluir pela existência de um negócio jurídico. Esses
elementos são: o agente, a vontade, o objeto e a forma.
b)	 O Plano da Validade: O plano da validade se expressa
no CC por meio do art. 104, que traz os elementos essenciais da
validade do negócio jurídico. Aqui os substantivos mencionados
no plano da existência deverão ser adjetivados. Portanto:
b.1) o agente capaz: para que um contrato seja válido,
o agente deverá ser capaz, e tal capacidade deve ser aferida
no momento do ato. No caso de incapacidade, esta deverá ser
suprida pelos meios legais. A incapacidade absoluta será suprida
pela representação e a incapacidade relativa será suprida pela
assistência. A capacidade superveniente à prática do ato não é
suficiente para sanar a nulidade. Por outro lado, a incapacidade
que sobrevém ao ato não o invalida nem o vicia. Essa capacidade
é conhecida como geral, e existe também a capacidade especial
ou legitimação, porquanto certos negócios jurídicos exigem, além
da capacidade do agente, que ele também seja legítimo, isto é,
que tenha competência para praticá-lo. A falta de legitimação
pode tornar o negócio jurídico nulo ou anulável. É o caso do
marido que vende uma residência sem o consentimento da mulher,
alienação passível de anulação (arts. 1.649 e 1.650 do CC), exceto
se o regime de bens for o de separação absoluta (art. 1.648 do CC).
b.2) a vontade livre: embora não prevista expressamente, a
vontade livre será do agente capaz e deve ser manifestada, ainda
que de forma tácita ou presumida, para compor o suporte fáti-
co do negócio jurídico. Esta manifestação de vontade, para que
o negócio jurídico exista, necessita estar direcionada para uma
finalidade negocial, ou seja, o propósito de adquirir, modificar,
conservar ou extinguir direitos e obrigações.
Didatismo e Conhecimento 38
DIREITO CIVIL
b.3) o objeto lícito, possível, determinado ou determinável:
O objeto deve ser lícito, possível, determinado ou determinável
conforme redação do artigo 104, inciso II, do Código Civil. O
artigo 166, inciso II, do Código Civil, diz que é nulo o negócio
jurídico, quando o objeto for ilícito, impossível ou indeterminável,
ou seja, no caso do objeto, deve-se observar se é lícito, de acordo
com os bons costumes, com a ordem pública e a moral, pois sendo
o objeto ilícito, nulo será o negócio jurídico. A impossibilidade do
objeto pode ser física ou jurídica. Impossibilidade física ocorre
quando a prestação não pode ser cumprida por nenhum humano,
como por exemplo um contrato que obriga uma pessoa a reunir
todo o sal do litoral brasileiro em um pote, é nulo. Impossibilidade
jurídica ocorre quando a prestação esbarra numa proibição
expressa da lei (exemplo: o artigo 426 do Código Civil, que proíbe
herança de pessoa viva). Determinado é o objeto previamente
descrito, qualificado e individualizado no início do negócio.
Às partes só caberá seu cumprimento da forma combinada no
momento da execução (por exemplo, a compra de um carro na
concessionária). Determinável é quando a individualização da
prestação é futura, suscetível de determinação até o momento
da execução (por exemplo, a compra e venda de soja a ser
plantada, que no momento da celebração do contrato não pode
ser individualizada).
b.4) e a forma prescrita ou não defesa em lei: forma é a de-
claração de vontade. É adotada, em princípio, a forma livre, que
pode se manifestar por todos os meios. Mas há negócios jurídicos
que deverão seguir determinada forma de manifestação de vonta-
de ao se praticar o ato, hipótese das formas especiais, situação em
que a lei exige certas formalidades para revestir o negócio jurídi-
co. A inobservância dessas formas especiais acarretará a ineficá-
cia do negócio jurídico. Portanto o principio geral é manifestação
de vontade de forma livre, independente de alguma formalidade,
sendo relevante somente a intenção do declarante, mas dentro dos
limites em que seus direitos podem ser exercidos. A forma especial
ou solene é a exigida pela lei, como requisito de validade de deter-
minados negócios jurídicos. Isso para assegurar a autenticidade
dos negócios, garantir a livre manifestação da vontade, demons-
trar a seriedade do ato e facilitar a sua prova.
c)	 O Plano da Eficácia: aqui se verifica a possibilidade de
produção de efeitos do negócio jurídico de imediato ou a submis-
são a determinados elementos acidentais que podem implicar a
perpetração dos efeitos ou a sua contenção, como é o caso da
condição e do termo.
A escada Ponteana: a essa disposição dos referidos planos,
criada por Pontes de Miranda, deu-se a designação de “Escada
Ponteana”, o que nos induz ao raciocínio de que o negócio deve
existir, e após a sua existência, poderá se considerado válido.
E, mais, em sendo existente e válido, produziria os seus
regulares efeitos. Todavia, não devemos crer em tal premissa de
maneira peremptória. O que se quer demonstrar é que os planos
são independentes, podendo haver sim a manifestação de um, sem
a manifestação de outro. Por exemplo, é perfeitamente possível
que o negócio seja existente, inválido e, ao mesmo tempo, eficaz. É
o caso, por exemplo, do casamento putativo em relação ao cônjuge
de boa-fé. Trata-se de um negócio nulo ou anulável que, porem,
gera os seus efeitos em relação ao cônjuge de boa-fé.
Lembremos também que é possível que o negocio exista, seja
válido, porém ineficaz, como , por exemplo, o contrato celebrado
sob condição suspensiva, sem que se tenha havido ainda o
implemento da condição.
1.4 Classificação dos Negócios Jurídicos
Costumam os doutrinadores, ao tratar dessa matéria,
proceder à classificação dos negócios jurídicos. Apresentamos
aqui a classificação de Mônica Queiroz, de forma sucinta, porém
bastante esclarecedora:
a)	 Quanto à manifestação de vontade das partes:
I)	 Unilaterais: a manifestação de vontade decorre de uma
só pessoa. Ex.: o testamento, a promessa de recompensa, a emis-
são de um cheque.
II)	 Bilaterais: torna-se necessária a manifestação de mais
de uma pessoa para que o ato se aperfeiçoe. Ex.: o contrato.
III)	 Plurilaterais: decorrem da manifestação de vontade de
mais de uma pessoa. Porém, essas manifestações de vontade de-
vem se orientar no mesmo sentido. Ex.: o contrato de sociedade e
o contrato de consórcio.
b)	 Quanto às vantagens oferecidas pelo negócio:
I)	 Gratuitos: são atos de liberalidade em que apenas uma
das partes sofre sacrifício patrimonial. Ex.: o contrato de doação.
II)	 Onerosos: ambas as partes sofrerão sacrifícios patrimo-
niais e, ao mesmo tempo, se beneficiarão com o negócio. Ex.: o
contrato de locação e o contrato de compra e venda.
III)	 Neutros: são aqueles que, por não haver uma atribui-
ção patrimonial predeterminada, não podem se enquadrar como
gratuitos ou onerosos. Ex.: instituição de um bem de família vo-
luntário.
IV)	 Bifrontes: são aqueles que podem ser gratuitos ou onero-
sos, a depender do que intencionam as partes. Ex.: o contrato de
depósito em que, em princípio, é gratuito, nada impedindo que se
convencione uma remuneração ao depositário.
c)	 Quanto aos efeitos:
I)	 Inter vivos: produzem efeitos desde logo, isto é, em vida
dos interessados. Ex.: a compra e venda.
II)	 Causa mortis: reservam seus efeitos para depois da mor-
te de determinada pessoa. Ex.: o testamento.
d)	 Quanto à existência do negócio:
I)	 Principais: subsistem por si próprios, independentemen-
te de qualquer outro negócio. Ex.: o contrato de locação.
II)	 Acessórios: são aqueles que dependem de outro para
existir. Ex.: o contrato de fiança.
e)	 Quanto à forma do negócio:
I)	 Formais: são aqueles em que a lei predetermina uma
formalidade a ser seguida, sem a qual faltará ao negócio regu-
laridade. Ex.: o testamento, o casamento, e a compra e venda de
imóvel.
II)	 Informais: admitem a forma livre e representam a regra
geral no Código Civil, conforme o art. 107. Ex.: a compra e venda
de um bem móvel.
f)	 Quanto às características pessoais das partes:
I)	 Personalíssimos ou Intuitu personae: levam em conside-
ração as características pessoais de um dos agentes. Ex.: o con-
trato de fiança.
II)	 Impessoais: desconsideram as características pessoais
de determinada pessoa, podendo ser cumprido por qualquer um.
Ex.: o contrato de compra e venda.
Didatismo e Conhecimento 39
DIREITO CIVIL
g)	 Quanto ao momento do aperfeiçoamento:
I)	 Consensuais: consideram-se formados e, portanto, ge-
ram seus efeitos simplesmente quando se dá o acordo de vontade
entre as partes. Ex.: o contrato de compra e venda.
II)	 Reais: consideram-se aperfeiçoados apenas após a en-
trega da coisa. Ex.: os contratos de depósito, comodato e mútuo.
2. Da Representação
Inovou o Código Civil de 2002 ao introduzir um Capítulo
exclusivamente para tratar da representação que se traduz no
poder de agir em nome de um terceiro.
As pessoas naturais e jurídicas nem sempre estão aptas
a praticar negócios jurídicos, seja por impedimento legal
(incapazes) ou pessoal (capazes com indisponibilidade de tempo,
momentaneamente ausentes, acometidos de alguma doença etc).
O instituto da representação surge para tutelar tais situações,
constituindo um instrumento jurídico em que o representante
pratica atos em nome do representado.
De acordo com o artigo 115 do Código Civil, temos uma
representação legal e outra representação convencional, sendo:
a representação legal a que é imposta por lei e atine aos incapazes,
manifestando-se nos poderes que os pais, tutor ou curador possuem
para realizar atos e negócios jurídicos em nome e no interesse
dos filhos menores, do pupilo e do curatelado respectivamente;
e, a outra, representação convencional (ou voluntária), é que
decorre da declaração de vontade do representado e, via de
regra, é instituída por mandato conferido pelo representado
ao representante, através do qual são definidos o objeto da
representação, a maneira de atuação do representante e a
extensão dos seus poderes, tudo conforme preceituado no art. 653
e seguintes do CC, impondo-se realçar que, em face do disposto
no art. 166, II, do CC, sob pena de nulidade, a representação não
pode ter objeto ilícito.
O limite da representação é exatamente o limite de poderes
que vincula o representante com o representado (artigo 116 do
Código Civil). Em havendo a manifestação do representante dentro
dos poderes que lhe foram outorgados, os efeitos serão produzidos
em relação ao representado. Uma vez realizado o negócio jurídico
pelo representante, o representado deverá cumprir as obrigações
e gozar os direitos decorrentes de tal negócio.
O artigo 118, do CC, estabelece que cabe ao representante
a prova de sua qualidade e a extensão de seus poderes de
representação, podendo até mesmo ser responsabilizado
civilmente ou penalmente pelos atos que excederem aos poderes
que lhe forma concedidos ou por ter agido de má-fé.
Hoje o artigo 117 do Código Civil autoriza o contrato consigo
mesmo, é o chamado negócio consigo mesmo, isto é, a convenção
em que um só sujeito de direito, está revestido de duas qualidades
jurídicas diferentes, atuando simultaneamente em seu próprio
nome, bem como no nome de outrem. Temos como exemplo, a
possibilidade da pessoa vender um bem a si mesmo, através de
um contrato de mandato. O Código Civil de 1916 rechaçava a
hipótese (artigo 1.133).
O parágrafo único do artigo 117 do CC, prevê a hipótese do
substabelecimento, em que os atos do substabelecido (mandatário
substituto) serão tidos com praticados pelo representante, que pode
delegar funções, porém continua responsável pelos atos praticados
por seu substituto (art. 667 do CC). Já os poderes decorrentes da
representação legal não podem ser substabelecidos.
Conflito de Interesses. O representante que pratica um
negócio jurídico contra o interesse do representado, na hipótese
do fato ser do conhecimento do terceiro ou no fato do mesmo ter
a obrigação de ter a ciência gera anulabilidade (artigo 119 do
Código Civil), não se podendo, portanto, desconsiderar a boa-fé
do outro contratante que acaba por validar o ato e a pendência
será resolvida entre representante e representado, mediante
aplicação das normas de responsabilidade civil. Caso o outro
contratante soubesse ou devesse saber do conflito de interesses,
será possível a anulação do negócio jurídico, mediante a iniciativa
do representado, no prazo decadencial de 180 dias a contar, na
hipótese de representação legal, da cessação da incapacidade,
ou a contar da conclusão do negócio jurídico, em se tratando de
representação convencional.
Por fim, insta lembrar que na hipótese de conflito de interesses
entre o representante e o representado, para que os negócios
sejam considerados válidos, deverão ser realizados por meio de
um curador especial.
3. Elementos Acidentais do Negócio Jurídico: Condição,
Termo e Encargo.
Ao tratarmos das modalidades do negócio jurídico,
cuidaremos de seus elementos acidentais, isto é, daqueles que,
não sendo indispensáveis para a sua constituição, podem existir
para alterar as consequências que dele, ordinariamente, resultam.
São maneiras que podem afetar o negócio jurídico, quando
apostas pela vontade das partes, ou seja, os elementos acidentais
do negócio jurídico são assim chamados porque podem existir
ou não, isto é, podem acidentalmente estar presentes ou não no
negócio jurídico.
Para que um elemento acidental se caracterize, é mister que
se possa conceber a eficácia do ato jurídico independente dele,
pois, caso contrário, tratar-se-ia de um elemento essencial. Assim,
a condição, o termo e o encargo provêm do ajuste entre as partes,
mas sua presença não é indispensável para a existência do negócio.
Modificam-lhe as consequências, modelam diferentemente a
avença, mas a inexistência de uma cláusula que os consigne não
impossibilita que se conceba o contrato.
Portanto, os elementos acidentais atingem todo o negócio ou
parte dele. São autolimitações da vontade, pois têm a finalidade
de modificar os efeitos do negócio jurídico, restringindo-o no
tempo ou retardando o seu nascimento ou exigibilidade. Pode
ainda limitar o alcance de um ato de liberalidade (uma doação,
por exemplo).
Assim, os atos jurídicos se dividem em três modalidades,
segundo contenham apenas elementos essenciais e naturais ou
se, além deles, contenham elementos acidentais. Assim teremos
atos jurídicos puros e simples, atos jurídicos condicionais, atos
jurídicos a termo e atos jurídicos modais ou com encargo.
3.1 Atos jurídicos puro e simples
Segundo César Fiuza, “O ato jurídico será puro e simples
quando contiver apenas elementos essenciais e naturais, sem
qualquer elemento acidental, ou seja, condição, termo ou
encargo. Se vou a uma lanchonete e compro um salgado, pagando
e comendo na hora, estarei diante de um ato jurídico puro e
simples. Nele só se encontram elementos essenciais e naturais. Os
essenciais são as duas partes, uma querendo comprar e a outra
querendo vender, o preço em dinheiro e a coisa, objeto do contrato
de compra e venda, qual seja, um salgado. O elemento natural é a
entrega, ou seja, a tradição do salgado. Não está presente nenhum
dos elementos acidentais.”
Didatismo e Conhecimento 40
DIREITO CIVIL
Por isso, dizemos também, por exemplo, que se trata de uma
doação pura. É dizer que a referida doação não está submetida a
nenhuma condição, termo ou encargo.
3.2 Condição (arts. 121 a 130, CC):
3.2.1. Conceito
É a cláusula acessória, que subordina a eficácia do negócio
jurídico a um evento futuro e incerto. Prescreve o artigo 121 do
Código Civil: «Considera-se condição a cláusula que, derivando
exclusivamente da vontade das partes, subordina o efeito do
negócio jurídico a evento futuro e incerto». Desse conceito
depreendemos as três características da condição: voluntariedade,
futuridade e incerteza.
A condição afeta sempre a eficácia do negócio, nunca a
sua existência, uma vez que a vontade foi legítima. A condição
imprópria é aquela em que o evento não é futuro, é apenas
ignorado. Exemplo: Faço doação do carro se o Brasil ganhar
a Copa 94. Ou a declaração é ineficaz, se não ganhou; ou é
obrigação pura e simples, se ganhou.
3.2.2 Características da Condição:
a)	 Voluntariedade: a condição deve derivar exclusivamen-
te da vontade das partes, o que significa que não existe condição
proveniente de lei. Desse modo, equivocado utilizar a expressão
“condição legal”.
b)	 Futuridade: a condição é necessariamente futura, proje-
tando-se no tempo a possibilidade de vir a perpetrar-se.
c)	 Incerteza: a condição é sempre incerta, o que significa
dizer que o evento poderá ocorrer ou não.
Temos as seguintes variações da incerteza:
1ª Incertus An Incertus quando - Não se sabe nem se
acontecerá e nem quando - Ex. Comprarei um hotel se o EUA se
desmilitarizarem.
2ª Incertus An Certus quando - Não se sabe se acontecerá
mas se sabe quando. Ex. Faço doação de minhas jóias, se meu
filho passar no concurso até o final do ano.
3ª Certus An Incertus quando - Sabe-se que o fato ocorrerá,
porém não quando. Ex. Compro um apartamento quando minha
sogra morrer.
4ª Certus An Certus quando - Sabe-se que o fato ocorrerá e
quando. Exemplo: Doarei meu carro com o término da Copa do
Mundo de 98.
O artigo 129 do CC estabelece que “reputa-se verificada,
quanto aos efeitos jurídicos, a condição cujo implemento
for maliciosamente obstado pela parte a quem desfavorecer,
considerando-se, ao contrário, não verificada a condição
maliciosamente levada a efeito por aquele a quem aproveita o
seu implemento.” Não é permitido que ocorra a interferência de
qualquer interessado para que se dê o implemento ou se impeça
o implemento da condição, resultando, aos olhos do legislador,
como se o contrário tivesse ocorrido.
3.2.3 Espécies de Condição:
a)	 Quanto ao início ou término da produção de efeitos do
negócio:
I)	 Condição Suspensiva (art. 125, CC): é aquela que de-
libera a própria falta de efeitos da vontade manifestada inicial-
mente. Desse modo, quando há uma manifestação de vontade sub-
metida a uma condição suspensiva, essa vontade não produz os
seus efeitos, que só passarão a perpetrar-se com o implemento da
condição. O que importa é que, enquanto a condição não se ve-
rificar, o beneficiário não terá adquirido direito algum, tampouco
poderá exercê-lo, possuindo apenas um direito eventual. Por isso,
se diz que a condição suspensiva impede a aquisição do direito.
Por exemplo, doarei a João um carro se Maria se casar. Significa
que, por enquanto, João possui apenas um direito eventual, que
passará a ser um direito adquirido somente com o casamento de
Maria, que é um evento futuro que poderá ocorrer ou não.
Obs.: Ressalve-se que de acordo com o art. 126 do CC: “Se
alguém dispuser de uma coisa sob condição suspensiva, e, pen-
dente esta, fizer quanto àquela novas disposições, estas não te-
rão valor, realizada a condição, se com ela forem incompatíveis.”
Trata-se da hipótese em que, por exemplo, uma pessoa doa algo a
outra sob condição suspensiva, porém, antes mesmo do implemen-
to da condição, vende o bem a um terceiro. Pelo referido artigo,
esse segundo negócio – a compra e venda – não terá valor.
II)	 Condição Resolutiva (art. 127, CC): sob essa condição,
já há a produção de efeitos da vontade desde quando manifestada,
porém se a condição resolutiva se implementar implicará o fim
daqueles efeitos. Então, ao revés da suspensiva, o implemento da
condição resolutiva significará a “morte” daquele negócio jurídi-
co. Para sermos mais precisos, poderíamos dizer que a condição
resolutiva subordina a ineficácia da vontade manifestada a evento
futuro e incerto. Por exemplo, João poderá ficar utilizando o meu
carro até que Maria se case. Nesse exemplo, a vontade manifes-
tada inicialmente produziu seus efeitos normalmente, porém, se
Joana se casar, cessará a produção de efeitos daquela vontade, de
modo que o carro terá que ser devolvido.
Obs. 1: pela dicção do art. 128 do CC: “Sobrevindo a
condição resolutiva, extingue-se, para todos os efeitos, o direito
a que ela se opõe; mas, se aposta a um negócio de execução
continuada ou periódica, a sua realização, salvo disposição em
contrário, não tem eficácia quanto aos atos já praticados, desde
que compatíveis com a natureza da condição pendente e conforme
aos ditames de boa-fé.”
Obs. 2: como dito anteriormente, o implemento da condição
resolutiva colocará fim aos efeitos produzidos pelo negócio.
Porém, se estivermos diante de um negócio de execução
continuada ou periódica, o implemento da condição resolutiva
não atingirá os efeitos já produzidos como, por exemplo, permito
que João utilize o meu apartamento da maneira que bem lhe
aprouver, isto é, residindo ou alugando-o, enquanto Maria não
se case. Suponhamos que João optasse por alugar o apartamento
e auferisse aquela renda por alguns anos. Com o posterior
casamento de Maria, Paulo teria que devolver o apartamento,
pois ocorreu o implemento da condição. Entretanto, os aluguéis
por ele já percebidos não teriam que ser devolvidos. Patente está
o princípio da irretroatividade da condição resolutiva.
Didatismo e Conhecimento 41
DIREITO CIVIL
b)	 Quanto à licitude:
I)	 Condição lícita (art. 122, 1ª parte, CC): aquela que não
é contrária à lei, á ordem pública ou aos bons costumes.
II)	 Condição ilícita, proibida ou defesa (art. 122, 2ª parte,
CC): poderá ser de duas espécies: perplexas ou potestativas pu-
ras. Perplexas são aquelas que privam o negócio jurídico da pro-
dução de seus efeitos normais. Por exemplo, vendo a você o meu
carro se você não utilizá-lo. É claro que o efeito lógico buscado
por uma pessoa que adquire algo é a sua utilização, que não será
possível diante de tal condição. As potestativas puras são aquelas
que se restringem, exclusivamente, ao alvedrio de uma das partes.
Por exemplo, doarei a você o meu carro se amanhã eu sair de
camisa branca. É claro que dependerá só de mim a escolha da cor
da camisa que sairei amanhã, por isso, essa condição é proibida.
Saliente-se que, se a condição for meramente ou simplesmente po-
testativa, não haverá qualquer ilicitude em seu emprego, sendo
tal condição permitida. Isso porque na condição meramente ou
simplesmente potestativa não há a subordinação exclusiva ao al-
vedrio de uma das partes. Há sim dependência da vontade de uma
das partes, mas não exclusivamente dessa parte. Por exemplo, se
digo que se eu passar no vestibular que farei no domingo, dar-te-ei
um carro, trata-se de uma condição perfeitamente permitida por
seu uma condição simplesmente ou meramente potestativa. Isso
porque dependerá de mim a aprovação no vestibular, mas não
apenas de mim, também do mau aproveitamento nas provas dos
demais candidatos. A ilicitude da condição resulta na própria invali-
dação do negócio jurídico, conforme disposto no art. 123, II, CC.
c)	 Quanto à fonte de onde deriva:
I)	 Condição causal: é aquela que depende exclusivamente
do acaso, de evento fortuito. Por exemplo, dar-te-ei um carro se
eu ganhar na loteria.
II)	 Condição potestativa: trata-se da condição que, para
que haja o seu implemento, depende-se de uma das partes. Lem-
bre-se como dito na classificação anterior, somente a condição
simplesmente ou meramente potestativa é admitida, já a condição
puramente potestativa é ilícita.
III)	 Condição mista: trata-se da condição vinculada con-
comitantemente a um ato de vontade e a um evento da natureza.
Por exemplo, “dar-te-ei R$ 20.000,00, se cantares amanhã sob um
belo arco-íris”.
d)	 Quanto à possibilidade de seu implemento:
I)	 Condições possíveis: são aquelas cujo implemento é
plenamente viável.
II)	 Condições impossíveis: podem ser física ou juridica-
mente impossíveis. Condição fisicamente impossível é aquela que
não é concretizável materialmente, como, por exemplo, “doarei
a você um carro se você varrer toda a areia da praia ou se você
tocar o céu com as mãos”. Por condição juridicamente impossí-
vel, deve-se compreender como sendo aquela que colide com o
ordenamento jurídico, ou seja, fere a lei, a moral e os bons costu-
mes, como por exemplo, “doarei a você um carro se você matar
determinada pessoa”.
3.2.4 Condições que invalidam o negócio jurídico. O art. 123
do CC traz um elenco de condições que, se apostas ao negócio
jurídico, resultarão em sua invalidade. São as seguintes condições:
a)	 As condições física ou juridicamente impossíveis, quan-
do suspensivas. O exemplo seria: dar-te-ei um carro se tocares o
céu com as mãos. Percebemos que nesse caso o negócio restará
inválido, já que nunca será possível se concretizar a condição.
Importante salientar que se a condição de “tocar o céu com as
mãos” fosse, ao invés de suspensiva, resolutiva, não induziria à
invalidade do negócio jurídico, mas sim à inexistência da própria
condição, sendo, pois, o negócio válido (art. 124, CC);
b)	 As condições ilícitas ou de fazer coisa ilícita. Se admi-
tíssemos o negócio válido mesmo com uma condição lícita ou de
fazer coisa ilícita, tal fato traduzir-se-ia em forma indireta de au-
torizar o descumprimento da lei;
c)	 As condições incompreensíveis ou contraditórias. Exem-
plo: dar-te-ei este carro, se eu vendê-lo a José.
3.2.5 Condições tidas por inexistentes. O art. 124 do CC
apresenta as condições que, se apostas ao negócio jurídico,
não induzirão a sua invalidação, sendo, pois, considerado
válido. Porém, a consequência será a consideração da própria
inexistência da condição. O negócio jurídico valerá, portanto,
como incondicionado, sendo o negócio puro ou simples. As
condições tidas por inexistentes são:
a)	 As condições impossíveis, quando resolutivas. Por exem-
plo, “você pode ficar utilizando o carro arte conseguir tocar o céu
com as mãos.” Nesse caso, a condição impossível se apresenta
como resolutiva, assim o negócio será válido, porém, a condição
deverá ser tida por inexistente.
b)	 As condições de não fazer coisa impossível. Em virtude
da obviedade de não se poder cumprir aquilo que é impossível é
que uma condição que assim preveja deve ser tida por inexistente,
com o negócio jurídico sendo considerado válido e produzindo os
seus regulares efeitos.
3.2.6 Prerrogativas do titular do direito eventual (art. 130,
CC): é reservado ao titular de um direito eventual, ou seja, aque-
le que aguarda o pretenso implemento da condição, a prática de
atos destinados à conservação de seu direito. Pode, por exemplo,
requerer inventário, pedir caução, repudiar atos de esbulho ou
turbação etc.
3.2.7 Negócios jurídicos que não admitem condição: São
os negócios que depende de norma cogente. Estão presentes no
Direito de Família e Sucessão. Traria incerteza aos institutos
públicos. Exemplo: Ninguém pode se casar sob condição; ninguém
pode aceitar ou renunciar a herança sob condição (artigo 1808 do
Código Civil).
3.3 Termo (arts. 131/135, CC)
3.3.1 Conceito
É a cláusula acessória que subordina os efeitos(a eficácia)ou
fim dos efeitos (a ineficácia) do negócio jurídico a evento futuro
e certo. Ao revés da condição, o termo não suspende a aquisição
do direito, mas tão somente o seu exercício (art. 131, CC). Do
conceito expresso acima depreendemos as duas características
do termo: a futuridade e a certeza, a seguir analisadas.
Didatismo e Conhecimento 42
DIREITO CIVIL
3.3.2 Características do termo:
a) futuridade: o termo é necessariamente futuro, projetando-
-se no tempo o seu implemento.
b) certeza: o termo é sempre certo, o que significa dizer que o
evento necessariamente ocorrerá.
3.3.3 Espécies de termo:
a)	 Quanto ao início ou término da produção de efeitos do
negócio:
I)	 Inicial / Suspensivo / Dies a quo: referente ao termo que
suspende o início da eficácia do negócio.
II)	 Final / Resolutivo / Dies ad quem: referente ao termo
que faz findar a eficácia do negócio.
b)	 Quanto à determinação:
I) Certo ou Determinado: ocorre quando a data já estiver
preestabelecida, ainda que não numericamente. Por exemplo, o
veículo será entregue dia 27 de fevereiro, no dia do seu aniversá-
rio do próximo ano, daqui a duas semanas.
II) Incerto ou Indeterminado: ocorre quando a data não
está preestabelecida, porém há a certeza do acontecimento. As-
sim, sabe-se que haverá o evento, entretanto, não se sabe quando.
Por exemplo, o veículo será entregue quando da morte de Pedro.
É evidente que Pedro morrerá um dia, pois ínsita à vida está a
morte. Entretanto, não se sabe previamente o dia em que tal fato
ocorrerá.
Obs.: note que, se a ocorrência do evento morte for delimita-
da no tempo, se transformará em condição. Assim, por exemplo,
dar-te-ei um veículo se Pedro morrer este ano. Embora a morte de
Pedro seja certa, é incerto que ocorrerá este ano. Ainda é possível
vislumbrar a morte como condição no seguinte caso: dar-te-ei um
veículo se Pedro morrer antes de José.
Devido à similitude dos institutos condição e termo, o art. 135
do CC impõe que “ao termo inicial e final aplicam-se, no que cou-
ber, as disposições relativas à condição suspensiva e resolutiva”.
Assim, as disposições previstas nos arts. 126 e 130 do CC referen-
tes às condições, já analisadas anteriormente, se aplicam, de igual
modo, ao elemento acidental termo.
3.4 Prazo
3.4.1 Conceito
É o lapso de tempo entre a manifestação válida de vontade e a
superveniência do tempo. É o lapso de tempo entre dois termos, o
inicial e o final. Isso porque a manifestação de vontade pode estar
subordinada a uma condição.
3.4.2 Regras importantes acerca da contagem dos prazos:
a) computam-se os prazos excluindo-se o dia do início e
incluindo-se o do fim, salvo disposição legal e convencional em
contrário, assim, esse princípio é adotado em todos os ramos do
direito, afora o Direito Penal, pois o tempo de pena inclui o dia
do começo.
b) terminado o prazo em feriado prorroga-se para o dia útil
subsequente.
c) Meado, considera-se em qualquer mês, o 15º dia;
d) os prazos em meses ou ano vencem no dia de igual número
ao início, ou no imediato, se faltar a exata correspondência;
e) os prazos fixados em horas contam-se minuto a minuto;
f) em se tratando de testamento, presume-se o prazo em favor
do herdeiro. Assim, se houver prazo para a entrega de um legado
ou o cumprimento de um encargo, há a presunção legal de que o
prazo foi fixado em favor do herdeiro obrigado a pagar o legado
e não em favor do legatário, o mesmo se dizendo do encargo.
Portanto, não haverá qualquer problema caso o herdeiro queira
pagar o legado ou cumprir o encargo antes do vencimento do
prazo estabelecido no negócio.
g) em se tratando de contato, presume-se o prazo em favor do
devedor. Assim, se o devedor quiser pagar antes do vencimento,
não há óbice para tanto. Salvo se o contrário foi estabelecido no
contrato ou das circunstâncias se puder extrair que o prazo foi
estabelecido em favor do credor ou de ambos os contratantes.
Se em favor do credor, este poderá exigir o pagamento antes do
vencimento. Se em favor de ambos os contratantes, somente por
mútuo acordo, haverá o vencimento antecipado (art. 133, CC).
h) a regra é a de que os negócios são instantâneos, somente
admitindo a forma continuada se houver previsão em contrário,
ou pela própria natureza do negócio, ou se tiver que ser cumprido
em outra localidade (art. 134, CC).
3.5 Encargo ou Modo (arts. 136 e 137, CC):
É a restrição que se impõe à vantagem à vantagem obtida pelo
beneficiário que estabelece uma obrigação para com o próprio
instituidor, ou terceiro ou a coletividade. Por exemplo, “doarei ao
Município um terreno para que se construa um hospital”. Trata-
se de uma doação com encargo, também conhecida como doação
modal. O encargo só ocorre nos negócios jurídicos gratuitos, isso
porque nos onerosos, o que existe é uma contraprestação.
O encargo não se confunde com a contraprestação,
porém, também não se trata de um mero conselho. Aqui se
vislumbra o caráter coercitivo do encargo. Tanto é que em caso
de descumprimento do encargo duas opões são deferidas ao
instituidor: revogar o negócio jurídico ou obrigar a outra parte
ao cumprimento da prestação, se possível.
O encargo distingue-se da condição porque não suspende a
aquisição do direito, e se distingue do termo, porque não suspende
o seu exercício (art. 136, CC). Todavia, poderá o encargo vir no
negócio jurídico expressamente como condição suspensiva. Nessa
hipótese, a aquisição e o exercício do direito somente ocorrerão
após o implemento do encargo.
Por fim, considera-se não escrito o encargo ilícito ou
impossível (seja física ou juridicamente), salvo se constituir o
motivo determinante da liberalidade, caso em que se invalida
o próprio negócio (art. 137, CC). Exemplo de encargo ilícito:
“Dar-te-ei a minha casa a fim de que você assassine determinada
pessoa.” Tal encargo deve ser tido como não escrito. Diferente
solução se apresentaria se o encargo ilícito se apresentasse como
o motivo que determinou a liberalidade, caso em que o negócio
deve ser invalidado. O exemplo é: “Dar-te-ei a minha casa para
que você a utilize como cativeiro para aquele sequestro.”
4. Dos Defeitos do Negócio Jurídico.
São aqueles defeitos que decorrem, em geral, da manifestação
de vontade. São seis as hipóteses de vícios, se subdividindo em
vícios do consentimento (erro, dolo, coação, estado de perigo e
lesão) e os vícios sociais (fraude contra credores e simulação).
Didatismo e Conhecimento 43
DIREITO CIVIL
Nos vícios do consentimento (vícios da vontade), há uma
contradição entre aquilo que a pessoa deseja e o que ela faz, ou
seja, o que a pessoa manifesta não é o que ela realmente desejaria
fazer. A vontade declarada não corresponde com a intenção do
agente. Nos vícios sociais, a vontade declarada corresponde
exatamente à intenção do agente, entretanto uma intenção de
prejudicar terceiros ou fraudar a lei.
Tanto os vícios do consentimento, quanto o vício social a
fraude contra credores conduzem a possibilidade de anulação do
negócio jurídico (art. 171, II, CC), havendo um prazo decadência
de 4 (quatro) anos para requerer a anulação a contar da celebração
do negócio, exceto na hipótese de coação em que o prazo se conta
de quando cessar a coação (art. 178, I e II, CC). Caso não seja
respeitado esse prazo, o contrato não poderá mais ser anulado. O
decurso do prazo decadencial vem a sanar o defeito do negócio
jurídico (art. 178, I e II, CC).
De outro lado, o vício social da simulação é causa de nulidade
do negócio jurídico. Noutras palavras, neste caso, o ato é nulo,
nos demais antes citados, anulável.
4.1 Vícios do Consentimento
a)	 Erro ou ignorância
Erro é a percepção psíquica distorcida, em poucas palavras, o
equívoco espontâneo. Já a ignorância é a total falta de percepção.
Embora o erro e a ignorância não possuam o mesmo significado,
o CC entendeu por destinar a ambos o mesmo tratamento nos arts.
138 a 144.
No erro, a pessoa se engana sozinha a respeito de uma
circunstância importante que, se ela conhecesse, não faria o
negócio. O erro é de difícil prova, tendo em vista o que se passa
na mente da pessoa; existe um elemento subjetivo. O fato de o
legislador estabelecer algumas exigências (art. 138, CC), torna as
ações baseadas no erro muito raras.
O erro deverá ser substancial, escusável e real para que o
contrato seja anulável, ou seja, o erro será substancial quando for
sobre aspectos relevantes do negócio que caso a pessoa soubesse,
jamais faria o negócio; será escusável, aceitável, desculpável,
quando for um erro que a maioria das pessoas cometeria; e, será
real quando o erro causar um efetivo prejuízo.
Há dois critérios para saber se um erro é escusável ou não:
1) Homo medius: toma-se por base a média das pessoas.
Se um homem médio também cometeria o engano, o erro seria
escusável. Não foi esse, entretanto, o critério aplicado pelos
tribunais.
2) Caso concreto: é o critério aplicado pelos tribunais. É
aplicado, por analogia, a cada caso concreto o critério do art.
152 do CC (que trata da coação), que determina que o juiz leve
em conta as condições pessoais da vítima, como: idade, saúde,
sexo, temperamento, e outras condições, para saber se ela seria
levada ao erro (exemplo: uma pessoa semi-analfabeta seria
mais facilmente levada ao erro do que alguém que possui curso
superior).
Erro Substancial. Assim, por substancial, entende-se o erro
que, acaso inexistente, levaria à não realização do negócio, isto é,
o negócio só se realizou porque o agente agiu em erro.
O CC dispõe no art. 139 quando haverá erro substancial e
dividiu em cinco espécies:
a)	 Erro in negotti: trata-se do erro que diz respeito à na-
tureza do negócio (a pessoa se engana a respeito da espécie do
contrato que celebrou). Ex.: o intento do agente era realizar um
contrato de compra e venda, que por faltar-lhe o preço acabou por
transmudar-se em um contrato de doação;
b)	 Erro in corpore: trata-se do erro relativo ao objeto prin-
cipal da declaração (a pessoa adquire coisa diferente daquela que
imaginava estar adquirindo). Ex.: intencionava-se adquirir um re-
lógio de ouro, porém adquire-se um relógio inteiramente de latão
amarelo;
c)	 Erro in substantia: trata-se do erro relativo a alguma
das qualidades essenciais do objeto (a pessoa adquire o objeto
que imaginava, mas engana-se quanto às suas qualidades). Ex.:
a pessoa adquire um quadro com determinada gravura, somente
porque julgava ser de um renomado pintor, depois vem a descobrir
que era de uma pessoa desconhecida;
d)	 Erro in persona: trata-se do erro relativo à indentida-
de ou qualiddae essencial da pessoa (nos casos de contratos per-
sonalíssimos ou no caso de se contratar um profissional que se
acreditava ser bom e não era). Ex.: contrata-se alguém para fazer
determinado serviço e depois se descobre que havia negociado
com um homônimo; e
e)	 Erro de direito: trata-se do erro decorrente de má inter-
pretação da norma, sem, é claro, implicar recusa à aplicação da
lei, devendo ser o único e principal motivo do negócio, conforme
previsto no art. 139, III, do CC. Portanto, o erro de direito po-
derá ser alegado para justificar a boa-fé (ex.: firma-se um con-
trato de importação de uma mercadoria e logo após descobre-se
que existia uma lei que proibia a importação de tal mercadoria.
Poder-se-á alegar ignorância da lei para anular o contrato). As-
sim, a ignorância da lei, só não poderá ser alegada em caso de
descumprimento da lei (artigo 3º da Lei de Introdução às normas
do Direito Brasileiro).
Atenção: não confundir erro substancial com vício redibitório,
pois, vício redibitório é o defeito oculto (não aparece facilmente)
que torna a coisa imprestável ao uso a que se destina. É de
natureza objetiva. As ações cabíveis são chamadas de Edilícias e
são de duas espécies: ação redibitória (para rescindir contrato);
e ação quanti minoris (pedido de abatimento no preço). O prazo
dessa ação é decadencial de trinta (30) dias para bem móvel e um
(1) ano para bem imóvel (art. 445, CC). No Código de Defesa do
Consumidor o prazo é de 30 dias para bem não durável e 90 dias
para bem durável. Já o erro substancial é de natureza subjetiva
e a ação cabível é a anulatória com prazo decadencial de quatro
(4) anos.
O art. 140 do CC dispõe sobre o falso motivo (falsa causa)
como razão determinante do contrato. Se a causa do contrato,
desde que seja colocada expressamente como razão determinante
do negócio, for declarada falsa, o contrato poderá ser anulado
(exemplo: uma pessoa fica sabendo por terceiros que tem um filho;
tentando ajudar, faz uma doação, mas dispõe expressamente na
escritura que está fazendo a doação porque foi informada que o
donatário é seu filho; caso seja comprovado que o donatário não
é filho, a doação poderá ser anulada). Assim, o falso motivo por
si só não é suficiente para anular um negócio, sendo admitida tal
possibilidade de anulação apenas quando esse motivo falso for
expresso como razão determinante do negócio jurídico celebrado.
Didatismo e Conhecimento 44
DIREITO CIVIL
Erro Acidental. Se há um engano a respeito de um aspecto
irrelevante, não será considerado um erro substancial, mas sim
erro acidental, que não vicia a vontade. Erro acidental, portanto, é
aquele que diz respeito a elementos ou características secundárias
do negócio jurídico.
O CC traz, exemplificativamente, duas hipóteses que não
conduziriam á anulação do negócio jurídico por serem erros
acidentais. A primeira é a situação do erro de indicação de pessoa
ou de coisa a que se referir a declaração de vontade, se pelo
contexto se puder identificar a coisa ou pessoa cogitada (art. 142).
Essa hipótese é reproduzida no âmbito do direito das sucessões
no art. 1.903 do CC. A outra situação, que não induz á anulação
do negócio jurídico, mas apenas à retificação da declaração de
vontade é o erro de cálculo (art. 143, CC).
O art. 141 do CC fala do erro em caso de mensagem
“truncada”, ou seja, pode haver erro no negócio quando há
algum defeito na mensagem devido ao instrumento ou à pessoa
intermediária. Assim, quando a vontade for transmitida por meios
interpostos (internet, fax, televisão, rádio) e houver incorreções,
na transmissão, procedentes do veículo utilizado, poderá haver a
anulação do negócio como se este tivesse sido realizado por meio
de declaração direta das partes, exatamente porque a vontade do
emitente não chegou corretamente ao seu destinatário.
Princípio da Conservação do Negócio Jurídico: está
consagrado no art. 144 do CC ao estabelecer que o negócio será
válido, se a pessoa a quem a vontade se dirige se oferecer para
executá-la na conformidade da vontade real do manifestante. É o
caso da pessoa que somente adquire aquele relógio por entender
que era de ouro, porém leva para casa um relógio de latão amarelo.
Se, posteriormente, aquele que vendeu se manifestar no sentido da
entrega de um verdadeiro relógio de outro para o prejudicado,
será mantido o negócio, pois houve, assim, a conformação da
vontade manifestada com a vontade real do declarante.
b)	 Dolo
Existe um elemento objetivo de induzimento, sendo mais
fácil a sua prova, tendo visto poder haver testemunhas. Dolo é o
induzimento malicioso à prática de um ato que é prejudicial ao
agente, ou seja, se traduz na obtenção da vontade equivocada de
alguém, por meio do emprego de manobras maliciosas ou ardis.
Assim, diferentemente do erro onde o equívoco é espontâneo, no
dolo há também um equívoco, porém este é induzido, provocado.
Por exemplo, a pessoa compra um relógio, paga um preço bem
alto porque a pessoa que vendeu garantiu tratar-se de um relógio
de ouro, sendo que não era.
O dolo pode ser:
* Principal: aquele que é a causa do negócio, ou seja, é
o dolo que foi responsável pelo negócio. Se não houvesse o
induzimento, a pessoa não faria o negócio (art. 145, CC). Isto é,
o negócio somente foi realizado, porque alguém por meio de um
processo malicioso, obteve a vontade equivocada de outrem. Sem
o processo malicioso empregado, o negócio não se teria realizado.
Assim, o comprador somente adquiriu aquele relógio dourado e
por ele pagou quantia elevada, pois o vendedor lhe informou que
era de ouro. Sem a informação deturpada (o dolo) o interessado
em adquirir um relógio de ouro não teria comprado aquele de
material diverso. O dolo principal é o dolo que induz à anulação
do negócio jurídico.
* Acidental: aquele que a seu despeito o negócio teria sido
realizado, mas em condições melhores para a vítima. Como não é
a causa do negócio, o dolo acidental não anula o mesmo, mas dá
direito a perdas e danos. Nessa hipótese também houve o emprego
de manobras, ardis, porém, ainda que não tivesse havido o dolo,
o negócio se teria celebrado também, embora por outro modo. É
a hipótese em que uma pessoa já decidida a comprar determinado
automóvel que lhe agradara desde o início indaga do vendedor
qual seria o ano daquele veículo. O vendedor informa que o
veículo é ano 2010, sendo que, na verdade, tratava-se de veículo
ano de fabricação 2009, modelo 2010. Nesse caso, o vendedor
também se utilizou de um ardil, porém, ainda que não tivesse
utilizado, o negócio seria realizado, é claro que por um valor um
pouco reduzido para o comprador, mas se teria realizado. Em se
tratando de dolo acidental (art. 146, CC), não caberá anulação
do negócio, procedendo tão somente o direito a perdas e danos.
O dolo poderá ser também:
* Dolus bonus (dolo bom): é o dolo tolerável nos negócios
em geral, ou seja, as pessoas não se sentem enganadas porque já
esperam esse tipo de dolo; é normal, fazendo parte do comércio, e
não causa nulidade do negócio. Ex.: quando o vendedor se refere
ao veículo que está vendendo como o “melhor da cidade”. O que
não poderá haver, pois extrapolaria aos limites do tolerável, é a
publicidade enganosa, prática abusiva vedada CDC (art. 7, § 1º).
* Dolus malus (dolo mau): é aquele exercido com a intenção
de prejudicar e, se for provado, causa nulidade do negócio ou pleito
de indenização da parte lesada, pois se manifesta na utilização de
artifícios maliciosos para obter a vontade equivocada de outrem.
A distinção do dolus bonus e do dolus malus deverá ser
feita à luz do caso concreto, sendo observadas todas as nuances
do negócio celebrado, inclusive as condições pessoais dos
celebrantes.
O dolo poderá ser ativo ou passivo (ação ou omissão).
Geralmente o dolo é praticado por ação.
O dolo ativo se traduz em um processo malicioso mais fácil
de se visualizar, uma vez que decorre de uma atuação positiva por
parte de quem age dolosamente. Isto é, o agente fez algo ou disse
algo, por exemplo, ao dizer que o objeto possuía determinada
característica que não correspondia à realidade.
O art. 147, CC, prevê o dolo por omissão (passivo), situação
em que um dos contratantes omite uma circunstância relevante que,
se fosse conhecida pelo outro contratante, não haveria o negócio,
como, por exemplo, na hipótese em que alguém, ao realizar
um contrato de seguro de vida, omite uma doença preexistente
gravíssima ou então, quando da realização da compra e venda
de um apartamento, o vendedor omite a inexistência de vaga
na garagem. O legislador quis, com isso, proteger a boa-fé nos
negócios. Essa omissão dolosa pode ser chamada de reticência.
Não apenas o dolo ativo induz à anulação do negócio
jurídico, mas de igual modo o dolo passivo, se este for principal;
se o dolo passivo for acidental, caberá tão somente o direito a
perdas e danos.
O dolo pode ser da parte ou de terceiro, ou seja, é possível
que a atuação dolosa decorra de um terceiro que não o próprio
beneficiário, chamamos de dolo de terceiro. Caso típico é a
situação em que uma pessoa, pretendendo vender um apartamento
que lhe é próprio, contrata os serviços de um corretor de imóveis
para que este faça todo o serviço de anúncio do bem. Após um
tempo, o corretor de imóvel capta um comprador para o imóvel,
Didatismo e Conhecimento 45
DIREITO CIVIL
porém este comprador somente se interessou pela compra em
razão do emprego de artifícios maliciosos utilizados pelo corretor
de imóveis. Realizado o negócio, o que temos é um comprador
que foi ludibriado, não pela atuação do dono do imóvel (o
beneficiário), mas sim pela atuação dolosa do corretor de imóveis
(o terceiro).
O que importa indagar é se esse negócio celebrado em virtude
do dolo de terceiro é anulável ou não. O Código Civil tem duas
regras a esse respeito sobre o dolo de terceiro: 1ª o negócio será
anulado se o beneficiário sabia, ou pelo menos, tinha como saber
dos artifícios utilizados pelo corretor de imóveis; e 2ª o negócio
será mantido no caso de o terceiro agir por si só, não tendo o
beneficiário conhecimento do dolo. Neste caso caberá à vítima
ação de perdas e danos contra o terceiro que agiu de má-fé,
conforme dispõe o art. 148, CC: “Pode também ser anulado o
negócio jurídico por dolo de terceiro, se a parte a quem aproveite
dele tivesse ou devesse ter conhecimento; em caso contrário,
ainda que subsista o negócio jurídico, o terceiro responderá por
todas as perdas e danos da parte a quem ludibriou”.
Ainda, o dolo pode ser recíproco ou torpeza bilateral. O dolo
bilateral é quando os dois contratantes tentam enganar-se um ao
outro, ou seja, há dolo de ambas as partes. Neste caso, não há
ação cabível para nenhuma das partes, visto terem ambas agido
de má-fé. Isto é, se em um negócio, ambas as partes utilizaram
cada qual a sua quota de malícia indevida, nenhuma delas poderá
requerer a anulação, nem pleitear indenização por perdas e danos
(art. 150, CC). Aqui tem guarida o brocardo de que ninguém pode
alegar a torpeza do outro em cima de sua própria torpeza (Nemo
proprium turpitudinem allegans).
Dolo do representante: por fim, é possível que o dolo tenha
sido perpetrado pelo representante do beneficiário. Cumpre, em
primeiro plano, saber que o representante poderá ser legal ou
convencional (art. 115, CC). Representante legal é aquele cuja
representação decorre de imposição legal como, por exemplo, os
pais, tutores ou curadores. A representação convencional, por
sua vez, ocorre quando o representante for escolhido por livre
ato do representado. Se o dolo for praticado pelo representante
legal de uma das partes, o representado tem sua responsabilidade
pelas perdas e danos limitada pelo proveito que teve com o
negócio jurídico, exatamente porque não houve escolha livre de
seu representante. Entretanto, se o dolo tiver sido praticado pelo
representante convencional, ou seja, aquela pessoa escolhida
livremente pelo representado, a responsabilidade pelas perdas e
danos deste torna-se solidária com a de seu representante, então,
voltando ao exemplo do dolo praticado pelo corretor de imóveis
(dolo de terceiro), vimos que, se o beneficiário sabia ou tinha
como saber do dolo do terceiro, o negócio será anulado. Além da
anulação, o prejudicado poderá pleitear indenização por perdas
e danos. Caso a indenização seja devida, uma vez que se trata
de representação convencional, arcarão com as perdas e danos o
beneficiário e o terceiro solidariamente.
c)	 Coação
Ocorre quando alguém força uma pessoa para que ela faça ou
deixe de fazer alguma coisa. Está prevista no CC nos arts. 151 ao
155. Todavia, vale lembrar que a coação prevista nesses artigos se
trata da chamada coação moral. É que, em verdade, existem duas
espécies de coação: a física e a moral.
Assim, a coação pode ser:
a) Coação física (vis absoluta): implica violência física
e a vítima não chega a manifestar a sua vontade, agindo
como instrumento para o coator, uma vez que foi suprida sua
possibilidade de escolha. Neste caso, o ato é inexistente, visto que
não houve um dos requisitos de existência do negócio jurídico, que
é a manifestação de vontade. Não é um vício do consentimento,
visto que sequer houve o consentimento. Ex.: a pessoa assina
o contrato simplesmente porque o coator segura-lhe a mão,
obrigando-o;
b) Coação moral ou psicológica (vis compulsiva): também
conhecida como coação relativa. Ocorre quando o coator faz uma
grave ameaça à vítima, que terá a opção de ceder ou de resistir à
ela. Não há o emprego de violência física, mas sim o temor de um
mal injusto que o coator incute na vítima. Neste caso, existe um
vício do consentimento, visto que houve a manifestação da vontade,
embora sob pressão. Por exemplo, quando o coator fala à vitima
que, se esta não assinar o contrato, terá o filho agredido. Assim,
no caso de coação moral, o negócio existe, pois manifestação
de vontade houve, porém esse negócio será anulável, porque a
manifestação da vontade se deu de maneira diversa da vontade
real do coagido.
Nos casos de negócio jurídico, o art. 151 do CC faz uma série
de exigências para que se caracterize a coação moral que vicie o
negócio. Assim são requisitos da coação:
a) a coação deve ser a causa do negócio, ou seja, se não
houvesse a coação não haveria o negócio;
b) a coação deve ser grave, ou seja, quando causa um fundado
temor, um receio na vítima. O art. 153 do CC não considera
coação o simples temor reverencial que se traduz no receio de
desagradar à pessoa que naturalmente se respeita, visto que não
tem gravidade suficiente. Por exemplo, o respeito que se tem pelos
pais, pelos mais velhos, pelo padre, pelo pastor, pelo empregador
etc. Assim, a esposa não pode requerer a anulação do contrato de
compra e venda da casa, alegando que o assinara apenas movida
pelo receio de desagradar ao marido;
c) a coação deve ser injusta, ou seja, coação ilegal. O art.
153, 2ª parte, não considera coação o exercício normal de um
direito, ou seja, não configura coação exatamente porque o mal
temido pelo coagido é justo. Assim, o temor de um mal justo não
poderia configurar a coação. Ex.: quando um credor diz ao seu
devedor “se você não me pagar até amanhã, protestarei este
título”;
d) a coação deve ser proporcional, ou seja, o legislador
exige que haja uma certa proporção entre os prováveis prejuízos
que a vítima possa ter. Deve-se levar em consideração que essa
proporcionalidade é relativa, visto que existem coisas que possuem
grande valor estimativo;
e) a coação deve recair sobre a pessoa do contratante, alguém
de sua família ou seus bens. A doutrina entende que a palavra
“família” descrita na lei deve ser entendida no seu mais amplo
sentido, devendo ser incluídas todas as pessoas que possuem uma
relação de intimidade com o contratante que está sendo coagido.
Embora o referido artigo não mencione, tem-se que, se a coação
for dirigida contra o próprio coator, por exemplo, na hipótese em
que alguém para obter a vontade de outrem diz “se não fizeres isso
para mim, mato-me”, há também a possibilidade de se requerer a
anulação do negócio por coação.
Didatismo e Conhecimento 46
DIREITO CIVIL
Importante regra de solidariedade social foi inserta no
parágrafo único do art. 151 do CC, que abre a possibilidade de se
requerer a anulação do negócio, se este foi realizado para evitar
uma ofensa a um terceiro.
Apreciação da coação. O art. 152 do CC dispõe que, ao
apreciar a gravidade da coação, o Juiz deve levar em conta
as condições pessoais da vítima, ou seja, a idade, a saúde, o
temperamento, o sexo e outras circunstâncias que possam influir
na gravidade da coação, uma vez que a tolerância humana varia
de pessoa para pessoa. Isso significa que, ao se apreciar a coação,
deverá ser observado o critério do caso concreto, afastando-se do
critério do homem médio. Conclui-se que, se a vítima não receia
a ameaça, não se trata de hipótese de coação, sendo válido o
negócio.
Efeitos da coação. Como defeito do negócio jurídico que é, a
coação moral enseja a anulação do negócio jurídico (art. 171, II,
CC). Além disso, o coator terá que indenizar em perdas e danos o
coagido. Na esfera criminal, a coação poderá configurar o crime
de extorsão (art. 158, CP) ou constrangimento ilegal (art. 146, CP).
Coação de terceiro. É possível que o negócio se tenha
celebrado somente porque um terceiro estranho à relação tenha
ameaçado um dos celebrantes. Assim, nesta hipótese caberá
anulação do negócio jurídico se o terceiro coator agia de maneira
que o beneficiário sabia ou tivesse meios de saber. Além disso, o
beneficiário arcará solidariamente com o terceiro com as perdas
e danos. Ao revés, o negócio não será anulado, não obstante a
ameaça perpetrada por terceiro, se o beneficiário não sabia ou
não tivesse como saber da atuação do terceiro. Ressalva-se ao
coagido o direito de pleitear perdas e danos do terceiro coator
(arts. 154 e 155, CC).
d)	 Estado de Perigo
É a assunção de uma obrigação excessivamente onerosa por
uma razão humanitária, ou seja, para salvar uma vida. A vida a ser
salva poderá ser tanto a da pessoa que se obriga ou a de alguém
de sua família.
Em outras palavras, é a hipótese de alguém, ameaçado por
perigo iminente, anui em pagar preço desproporcional para o
seu livramento. Temos o exemplo do náufrago que oferece ao seu
salvador recompensa exagerada ou o caso do doente que se dispõe
a pagar alta cifra para obter a cura pelo médico.
Nas hipóteses acima mencionadas não é nem justo que
o salvador fique sem remuneração e nem justo que o obrigado
empobreça. O ato calamitoso não foi provocado por ninguém,
apenas o contrato foi efetuado de maneira desvantajosa. O perigo
não é provocado por qualquer contratante, por isso o problema
não é simples.
Diante da contraposição de interesses, em que ambas as
partes obram de boa-fé, a mera anulação do negócio jurídico,
exonerando o declarante de cumprir sua obrigação conduz a
um resultado injusto. O autor da promessa anulada enriqueceu
indevidamente. Nesses casos, o juiz deve apenas invalidar o
negócio jurídico no que exorbite.
Em se tratando de pessoa não pertencente à família do
declarante, o juiz decidirá segundo as circunstâncias do caso, art.
156, p. ú., CC.
Dolo de aproveitamento: para que se configure o estado
de perigo é imprescindível o dolo de aproveitamento que se
traduz na má-fé da parte que se beneficia do negócio ao saber
da necessidade do declarante em salvar-se ou a alguém de sua
família. Encontra-se expresso o dolo de aproveitamento no art.
156 do CC, onde inserimos negrito: “Configura-se estado de
perigo quando alguém, premido da necessidade de salvar-se, ou a
pessoa de sua família, de grave dano conhecido pela outra parte,
assume obrigação excessivamente onerosa.”
e)	 Lesão
Disciplina o artigo 157 do Código Civil: “Ocorre a
lesão quando uma pessoa, sob premente necessidade, ou
por inexperiência, se obriga a prestação manifestamente
desproporcional ao valor da prestação oposta.”
Do artigo citado, extraímos os dois requisitos para que
ocorra a lesão prevista no CC:
a)	 Requisito objetivo: desarrazoada desproporção nas
prestações, isto é, a prestação não se justifica de forma razoável.
A quantificação da desproporção não foi preestabelecida pela lei,
devendo o magistrado, no caso concreto, perquiri-la. Importa lem-
brar que a desproporção das prestações será apreciada segundo
os valores vigentes ao tempo em foi celebrado o negócio jurídico
(art. 157, § 1º). Assim, imaginemos a seguinte hipótese: um imóvel
foi vendido no ano de 2004 pelo valor de R$ 200 mil; porém, a
essa época o valor real do imóvel era de R$ 400 mil. No ano se-
guinte, foi construída um penitenciária ao lado do imóvel, o que
levou à sua desvalorização para o valor de R$ 200 mil. Em 2006,
o anterior proprietário do imóvel, o qual foi ofendido pela lesão,
resolver ajuizar ação para anulação do negócio. O pleito da anu-
lação se mostra perfeitamente possível, e a parte que comprou o
imóvel não poderá alegar a referida desvalorização, uma vez que
a desproporção será avaliada segundo o valor do imóvel à época
em que o negócio foi celebrado.
b)	 Requisito subjetivo: o estado de premente necessidade
ou inexperiência da parte lesada. A premente necessidade se tra-
duz na inevitabilidade que incide sobre o espírito do contratante,
da importância de se contratar naquele momento, por exemplo,
quando se dá ensejo à venda de algo para obtenção de determi-
nada quantia em dinheiro para impedir o protesto de um título ou
um pedido de falência. Já a inexperiência deve ser entendida em
sentido amplo, não incidente apenas sobre o “matuto” ou aquele
que é inculto, mas sobre qualquer pessoa, isto é, trata-se da falta
de habilidade ou fragilidade de conhecimentos para o ato da con-
tratação em si.
Somente os dois requisitos dispostos acima são exigidos
para que se configure a lesão do CC. Não é necessário o dolo
de aproveitamento nesta espécie de lesão, e tal entendimento foi
corroborado pelo Enunciado nº 150, CJF: “A lesão de que trata o
art. 157 do CC não exige o dolo de aproveitamento.”
Assim, havendo a premente necessidade ou inexperiência
do contratante associado a prestações desproporcionais, poderá
haver o requerimento da anulação do contrato (art. 171, II, CC).
Entretanto, caso seja oferecido suplemento suficiente, ou se
a parte favorecida concordar com a redução do proveito, não se
decretará a anulação do negócio. Essa regra tem por supedâneo
o princípio da conservação ou preservação dos contratos. É
interessante para a sociedade que os contratos sejam mantidos,
Didatismo e Conhecimento 47
DIREITO CIVIL
haja vista a circulação de riqueza, a geração de empregos e a
distribuição de renda gerados pelo contrato. Nessa senda, o
Enunciado nº 149: “Em atenção ao princípio da conservação
dos contratos, a verificação da lesão deverá conduzir, sempre
que possível, à revisão judicial do negócio jurídico e não à sua
anulação, sendo dever do magistrado incitar os contratantes
a seguir as regras do art. 157, § 2º, do CC.” Ademais, pode o
lesionado pleitear direitamente a revisão judicial do negócio.
Entendimento este firme no enunciado nº 291: “Nas hipóteses de
lesão previstas no art. 157 do CC, pode o lesionado optar por não
pleitear a anulação do negócio jurídico, deduzindo, desde logo,
pretensão com vista à revisão judicial do negócio por meio da
redução do proveito do lesionador ou do complemento do preço.”
Traços distintivos entre a lesão e o estado de perigo:
a)	 Quanto à necessidade de celebrar o negócio: na lesão
é para solucionar um problema econômico; no estado de perigo,
para salvar a uma vida.
b)	 Quanto à exigência do dolo de aproveitamento: na le-
são é dispensável; no estado de perigo, imprescindível.
c)	 Quanto ao objeto da obrigação: na lesão é um dar; no
estado de perigo, poderá ser um dar ou um fazer.
4.2 Vícios Sociais
No vício social embora a vontade se manifeste de acordo com
o desejo dos contratantes, a intenção é sempre de prejudicar um
terceiro.
a)	 Fraude contra credores
Baseia-se no princípio da responsabilidade patrimonial: “é
o patrimônio do devedor que responde por suas obrigações”.
Ocorre a fraude contra credores quando um devedor pratica
negócios que o torne insolvente. Ainda que o devedor venda algum
bem, se restarem bens suficientes para pagar as dívidas, não será
considerado insolvente.
O Código Civil dispõe quatro situações em que podem ocorrer
fraudes contra credores, as quais passamos a analisar:
a) Alienações onerosas (artigo 159 do Código Civil)
É a situação mais comum de fraude contra credores. Se o
devedor vende seus bens, tornando-se insolvente, caracteriza-
se fraude contra credores. O terceiro adquirente poderá estar de
boa-fé (quando não sabe da situação real do devedor) ou de má-
fé (quando sabe da situação real do devedor). Havendo boa-fé
do terceiro adquirente, os bens não retornam ao devedor para o
pagamento dos credores.
São dois os requisitos exigidos para que os credores tenham
sucesso na ação contra o devedor que vende seus bens para
fraudar os credores:
* eventus damni: o credor deve provar que, com a venda, o
devedor se tornou insolvente, não mais possuindo bens suficientes
para o pagamento de suas dívidas;
* consilium fraudis (má-fé do terceiro adquirente): não
há necessidade de se provar que o terceiro adquirente estava
combinado com o devedor, bastando a prova de que ele estava
ciente da situação financeira do devedor.
O artigo 159 do Código Civil prevê duas presunções de má-fé
do terceiro adquirente:
* quando era notória a insolvência do devedor;
* quando o terceiro adquirente tinha motivos para conhecer
a má situação financeira do devedor. Os tribunais estabeleceram
quando o terceiro teria motivos (parentes próximos, amizade
íntima, negócios feitos anteriormente etc.). Essa presunção não
é absoluta, visto que o legislador deixou meio vago quanto aos
motivos.
b) Alienações a título gratuito e remissões de dívidas (artigo
158 do Código Civil)
Quando o devedor faz doações de seus bens. Quando se trata
de doações, o único requisito que os credores devem provar é a
insolvência do devedor. Não há necessidade de prova da má-fé
do terceiro adquirente. Ocorre também fraude quando o devedor
procede à remissão de dívidas, ou seja, quando o devedor é credor
de terceiro e deixa de cobrar o seu crédito, perdoando o terceiro
devedor, uma vez que o crédito sendo passível de penhora, o
devedor prefere então prejudicar o seu credor perdoando a dívida
de seu devedor.
c) Pagamento de dívida ainda não vencida, estando o
devedor insolvente (artigo 162 do Código Civil)
Quando o devedor insolvente tendo dívidas já vencidas, opta,
exatamente, por pagar aquela ainda não vencida. Se isso ocorrer,
os outros devedores poderão ingressar com uma ação contra o
credor que recebeu. Havendo o pagamento de dívida não vencida,
a presunção de fraude se torna absoluta.
Importante perceber que, em caso contrário, se o devedor
proceder ao pagamento da dívida já vencida, não há problema
algum.
d) Concessão de garantia real a um credor quirografário,
estando o devedor insolvente (artigo 163 do Código Civil)
Quando o devedor, já insolvente, resolve privilegiar um dos
credores quirografários, dando-lhe uma garantia real (hipoteca,
penhor ou anticrese). Tal ato será considerado em fraude contra
os demais credores, uma vez que o devedor que concedeu a
garantia, desse modo beneficiou a um dos credores em detrimento
dos demais. Neste caso, os outros credores podem ingressar com
uma ação para anular essa garantia.
Conforme ressalva do art. 164 do CC, não se configura a
fraude contra credores quando o negócio jurídico praticado
pelo devedor for indispensável à manutenção de estabelecimento
mercantil, rural ou industrial, ou à sua subsistência e de sua
família. Por exemplo, a disposição de estoque rotativo de pequeno
comércio do devedor. Fundamenta-se tal dispositivo na teoria do
patrimônio mínimo, que propugna pela razoabilidade de tal ato de
disposição patrimonial, tendo em vista a necessidade do devedor,
que precisa ter, antes de tudo, a sua dignidade preservada, uma
vez que esta se encontra acima dos interesses dos credores.
Assim, muitas vezes, o ato de disposição do patrimônio se mostra
inevitável para garantir ao devedor um mínimo de sustento de sua
pessoa e de seus familiares. Não podemos esquecer, entretanto,
que a presunção de boa-fé estampada no art. 164 do CC é iuris
tantum, admitindo, portanto, prova em contrário.
Requisitos para a configuração da fraude contra credores:
a)	 Insolvência do devedor ou iminência de se tornar insol-
vente com o ato praticado: a insolvência ocorre quando o patri-
mônio passivo é superior ao patrimônio ativo (volume de dívidas
superior ao de bens). Neste ponto, não se pode confundir insolvên-
Didatismo e Conhecimento 48
DIREITO CIVIL
cia com inadimplência, uma vez que esta última se manifesta pelo
não cumprimento de uma obrigação. Assim, é bem possível uma
pessoa insolvente e adimplente, ou então, solvente e inadimplente.
b)	 Eventus damni (elemento objetivo): trata-se do dano ou
prejuízo sofridos pelo credor diante do ato praticado pelo devedor.
c)	 Consilium fraudis ou scientia fraudis (elemento subje-
tivo): manifesta-se no conluio fraudulento ente aquele que dispõe
do bem e aquele que o adquire. A prova desse requisito é dispen-
sada em se tratando de fraude a título gratuito, pagamento de dí-
vida não vendida e concessão de garantias reais, vez que nessas
hipóteses há uma presunção iure et de iure de conluio entre as
partes. Ao revés, o consilium fraudis se apresenta indispensável e
deve ser provado diante da fraude a título oneroso. Assim se extrai
do art. 159, no qual grifamos: “Serão igualmente anuláveis os
contratos onerosos do devedor insolvente, quando a insolvência
for notória, ou houver motivo para ser conhecida do outro con-
tratante.” A insolvência será notória quando conhecida de todos,
por exemplo, em havendo títulos protestados ou publicações pela
imprensa. Será, porém, presumida a insolvência quando houver
motivos para ser conhecida pelo outro contratante, por exemplo,
amizade íntima ou parentesco próximo entre o disponente do bem
(o devedor) e o adquirente.
Ação Pauliana ou Revogatória
A ação pauliana somente é utilizada nos casos de fraude
contra credores. Não se confunde esta com a ação revocatória da
Lei de Falências.
A ação pauliana foi tratada no Código Civil como uma ação
anulatória, portanto de natureza desconstitutiva. Ou seja, busca-
se a demonstração e o reconhecimento da fraude contra credores.
Se o juiz julga procedente a ação, ele anulará a venda ou
a doação do bem. Hoje, a jurisprudência passou a considerar a
ação pauliana como ação declaratória de ineficácia do negócio
jurídico em face dos credores que a ajuizaram. Então, havendo
anulação, o Juiz autorizará os credores a penhorarem os bens
alienados pelo devedor.
Legitimidade Ativa
O art. 158 do CC dispõe que somente o credor quirografário
está legitimado para propor ação pauliana, ou seja, aquele que não
possui nenhuma garantia real, e desde que já fosse credor na data
da alienação (§ 2º, art. 158, CC), visto que o credor quirografário
depende dos bens do devedor para a quitação da dívida. É lógica
a conclusão, haja vista que o credor titular de uma garantia
real não tem interesse de agir no que tange à referida ação. Isso
porque, sendo titular de uma garantia, possui o direito de seqüela
sobre o bem que foi dado em garantia, podendo, simplesmente
pleitear a sua penhora mesmo que em mãos de terceiro. Porém, o
§ 1º do art. 158, CC, admite que o credor titular de uma garantia
real poderá ajuizar a ação pauliana se o bem dado em garantia
se tornar insuficiente para o pagamento da dívida. O Enunciado
nº 151, CJF dispõe que: “O ajuizamento da ação pauliana pelo
credor com garantia real prescinde de prévio reconhecimento
judicial da insuficiência da garantia.”
Legitimidade Passiva
O artigo 161 dispõe que a ação pauliana poderá ser proposta
contra o devedor e os terceiros adquirentes de má-fé. Assim, a
ação deverá ser ajuizada contra o devedor insolvente, a pessoa
que com ele celebrou a estipulação considerada fraudulenta e
o terceiro subadquirente que haja procedido de má-fé. Se esse
último tiver adquirido de boa-fé, o negócio não será atingido, de
modo que o de má-fé deverá repor o equivalente em dinheiro.
O direito de se pleitear a anulação do negócio por meio da
ação pauliana ou revocatória decai em 04 (quatro) anos a contar
da celebração do negócio (art. 178, II, CC). Indispensável se
torna o ajuizamento da ação pauliana para atingir o ato praticado
em fraude, confirmado isso pela Súmula 195 do STJ, que dispõe:
“Em embargos de terceiro, não se anula ato jurídico, por fraude
contra credores.” Assim, se o bem tivesse sido alienado, poderia
tão somente o credor requerer a penhora desse bem em poder de
terceiro. Esse, por sua vez, apresentaria embargos de terceiro, e
aqui se discutiria a fraude. Porém, a súmula retro citada afasta
totalmente essa possibilidade, não restando ao credor outra
possibilidade que não o ajuizamento da ação pauliana.
Efeitos da ação pauliana: como defeito do negócio jurídico
que é, a fraude contra credores comprovada em ação pauliana
induz à anulação daquele negócio jurídico, conforme estabelece
o art. 171, II, CC. Assim, tendo em vista um negócio praticado
em fraude contra credores, o regime a ser aplicado é o da
anulabilidade.
O artigo 164 do Código Civil dispõe que são válidos os
negócios ordinários indispensáveis à manutenção de seu comércio,
indústria e agricultura.
O artigo 160 do Código Civil trata de uma situação que a
doutrina chama de “fraude não consumada”. Há a permissão de
que o terceiro adquirente de boa-fé – que dá um sinal e fica de
pagar o preço, descobrindo a situação do devedor – para evitar
a consumação da fraude, pode depositar o restante do preço em
juízo, requerendo a citação dos credores para, eventualmente,
levantarem o dinheiro depositado.
b)	 Simulação
Inovou o Código Civil ao determinar que a simulação é uma
hipótese de negócio jurídico nulo (artigo 167). A simulação é uma
declaração enganosa da vontade que visa produzir efeito diferente
do ostensivamente indicado. Oferece uma aparência diferente do
efetivo querer das partes. As partes fingem o negócio que de forma
alguma querem ou desejam. É uma burla intencional, um conluio
das partes que almejam disfarçar a realidade enganando terceiro.
O artigo 167 do CC dispõe que: “É nulo o negócio jurídico
simulado, mas subsistirá o que se dissimulou, se válido for na
substância e na forma”. Esse dispositivo, para ser compreendido,
deverá ser repartido em duas partes: a primeira, que nos informa
que o negócio simulado é sempre nulo; e a segunda, que impõe a
subsistência do negócio dissimulado se válido em sua substancia
e forma.
Para alcançarmos o real sentido da disposição, precisamos
aceitar que um negócio simulado é, na verdade, formado por dois
negócios:
a)	 Negócio dissimulado ou real: trata-se do negócio ver-
dadeiramente desejado pelas partes, aquilo que elas realmente
intencionavam, mas que por um motivo ou outro não puderam ou
quiseram fazê-lo.
Didatismo e Conhecimento 49
DIREITO CIVIL
b)	 Negócio simulado: é o negócio apresentado à socieda-
de. Representa, então, a máscara ou o véu utilizado pelas partes
que não puderam apresentar à sociedade o seu real intento, por
isso apresentam o simulado.
Assim, o negócio simulado esconde o negócio dissimulado, ou
seja, aquilo que as partes realmente queriam. Por isso, dizemos
que o negócio simulado é composto por dois negócios: um por fora
(negócio simulado) e um por dentro, oculto (negócio dissimulado).
Ex.: o nosso ordenamento jurídico não admite que um homem
casado doe bens à sua concubina (art. 550, CC). Daí que esse
homem casado, procurando contornar a proibição, delibera por
fazer então um contrato de compra e venda com a sua concubina.
Nessa hipótese temos uma simulação. Dissecando o ato simulado,
encontramos dois negócios: o negócio simulado, que foi o que ele
apresentou a toda a sociedade, a compra e venda; e um negócio
dissimulado, que era o que o homem realmente queria: a doação.
Tendo em vista o art. 167 do CC, podemos dizer que a compra e
venda será nula e que a doação, exatamente porque não é válida
em sua substância, não subsistirá. Por outro lado, podemos
vislumbrar uma situação em que o negócio simulado será nulo
(mesmo porque o negócio simulado sempre será nulo), porém
o negócio dissimulado poderá subsistir. Para tanto, esse último
deverá ser válido em sua substância e em sua forma.
Hipóteses de simulação (art. 167, § 1º, CC):
a)	 Quando o negócio aparentar conferir ou transmitir di-
reitos a pessoas diversas daquelas às quais realmente conferem
ou transmitem;
b)	 Quando o negócio contiver declaração, confissão, con-
dição ou cláusula não verdadeira;
c)	 Quando os instrumentos particulares forem antedatados,
ou pós-datados.
Espécies de simulação:
a)	 Simulação Absoluta: ocorre quando aquele que pratica
o ato fraudulento, não busca de sua atuação os efeitos normais
do ato. Pode-se dizer que, na verdade, as partes não realizam
nenhum negócio. Por exemplo, o homem casado que antevendo
o fim de seu casamento, emite títulos de crédito em favor de um
amigo, para diminuir o futuro monte partível. Nesse ato, não são
perseguidos pelo homem casado que o pratica os seus efeitos na-
turais, quais sejam, constituição de um credor e de um devedor,
mas sim, tão somente prejudicar a esposa quando da separação do
casal. Outro exemplo: quando o proprietário de um imóvel, para
motivar uma ação de despejo contra o inquilino, finge vender o
imóvel a terceiro, temos aqui uma simulação absoluta, pois não
existe venda alguma por trás do ato fraudulento.
b)	 Simulação relativa: busca-se a produção e efeitos no
negócio praticado. É nesta espécie de simulação que encontramos
os dois negócios tratados anteriormente: o negócio simulado (que
é sempre nulo) e o negócio dissimulado (que poderá subsistir se
válido for na sua substância e em sua forma). A simulação relativa
divide-se em:
I)	 Subjetiva: é aquela que ocorre por interposição de al-
guém, assim, transferem-se direitos a pessoa diversa daquela à
qual realmente se transmite. Aqui encontramos a figura do “la-
ranja”, “testa de ferro”, “homem-de-palha”, que apenas aparen-
temente receberá o direito. Ex.: um tutor, não podendo adquirir
bens de seu tutelado, convoca um amigo para que o faça por ele.
II)	 Objetiva: aqui se pratica um negócio para encobrir ou-
tro, ou então, contém uma condição, declaração ou cláusula não
verdadeira, ou mesmo quando os instrumentos particulares forem
antedatados ou pós-datados. Ex: o homem que pretendendo doar
bens à sua amante, não podendo por encontrar óbice legal, cele-
bra um contrato de compra e venda. Ou então, o sujeito que na
escritura de compra e venda faz constar valor inferior ao real do
imóvel para diminuir o imposto de transmissão incidente, temos
uma simulação relativa objetiva, pois temos um negócio real e um
negócio aparente.
Simulação inocente: é aquela que não objetiva violar a lei ou
prejudicar a terceiro. Ex: o homem solteiro que, ao esconder uma
doação à sua amante, faz um contrato de compra e venda.
Simulação maliciosa ou fraudulenta: é aquela que objetiva
fraudar a lei ou prejudicar a terceiro.
O CC de 1916 trazia dispositivo tratando da simulação ino-
cente e reputando o negócio válido. Porém, o CC de 2002 não re-
petiu esse dispositivo. Assim, não faz mais sentido, a distinção ora
comentada, de modo que a doutrina tende a apontar pela nulida-
de em uma ou outra hipótese. Reiterando esse posicionamento, o
Enunciado nº 152, do CJF, esclarece: “Toda simulação, inclusive
a inocente, é invalidante.”
Terceiro de boa-fé: o CC protege o terceiro de boa-fé que
celebra um negócio com um dos simuladores. Imagine, por exem-
plo, no caso do homem casado que, não podendo doar bens à sua
amante, faz com ela um contrato de compra e venda de um veículo
e, posteriormente, essa aliena o veículo a um terceiro que nada
sabe acerca da simulação. Os interesses desse último deverão ser
protegidos, pois se trata de um terceiro de boa-fé. Portanto, há a
inoponibilidade do negócio simulado perante terceiros de boa-fé.
Assim, estabelece o § 2º do art. 167 do CC: “Ressalvam-se os
direitos do terceiro de boa-fé em face dos contraentes do negócio
jurídico simulado.”
Reserva mental: ocorre quando o declarante manifesta sua
vontade com o intuito deliberado de não cumpri-la, ocultando esse
propósito mentalmente. É obvio que o negócio praticado em re-
serva mental subsiste. A grande característica da reserva mental é
que ela é sempre unilateral, ou seja, o outro declarante não toma
conhecimento do real propósito da declaração de uma das par-
tes. E é exatamente por isso que o negócio praticado em reserva
mental é irrelevante e subsistirá. Porém, os contornos da situação
mudam se o declarante faz com que o declaratário tome conheci-
mento e consinta no propósito enganoso, porque nesse momento
o que era unilateral torna-se bilateral, adquirindo relevância ju-
rídica. Daí que, se há consenso entre as partes, estamos diante de
um ato simulado que é sempre nulo de pleno direito, como vimos
anteriormente. Confira, a propósito, o art. 110, CC: “A manifesta-
ção de vontade subsiste ainda que o seu autor haja feito a reserva
mental de não querer o que manifestou, salvo se dela o destinatá-
rio tinha conhecimento.” Ex.: um estrangeiro em situação irregu-
lar no país, para evitar a sua expulsão, casa-se com uma mulher
brasileira. Se esta não sabe do real motivo do casamento, este será
válido. Porém, se a mulher sabe das reais razões e a elas anui, o
casamento será nulo, em virtude da simulação operada.
Didatismo e Conhecimento 50
DIREITO CIVIL
5. Da Invalidade dos Negócios Jurídicos (Nulidades e
Anulabilidades).
A invalidade do negócio jurídico é gênero que engloba duas
espécies: a nulidade e a anulabilidade. É dizer que o negócio
poderá ser invalido porque é nulo ou porque é anulável.
Nulidade (nulidade absoluta): é a sanção que se impõe ao
negócio jurídico por conter um defeito grave. Assim, diz-se que
o negócio contém um defeito grave exataemnte por atingir a
inteeresse público e ferir a pacificação social.
Hipóteses de nulidade absoluta (art. 166, CC):
a)	 Celebrado por pessoa absolutamente incapaz (art. 3º, CC);
b)	 O seu objeto for ilícito, impossível ou indeterminável;
c)	 O motivo determinante, comum a ambas as partes, for
ilícito;
d)	 Não revestir a forma prescrita em lei;
e)	 Alguma solenidade que a lei considere essencial para a
sua validade for preterida;
f)	 Tiver por objetivo fraudar lei imperativa; e
g)	 A lei taxativamente o declarar nulo, ou proibir-lhe a prá-
tica, sem cominar sanção.
Além das hipóteses trazidas pelo art. 166 do CC, será
também fulminado por nulidade absoluta o negócio praticado em
simulação, conforme o art. 167 do CC.
Peculiaridades do regime das nulidades
a)	 Quanto aos efeitos: o negócio nulo não produz os efeitos
que lhe são próprios. Isso em razão de que a sentença que declara
a nulidade possui efeitos ex tunc, o que significa que ela retroage e
fulmina tudo o que ficou para trás. Assim o negócio nulo não che-
ga a produzir efeitos nem mesmo entre a celebração do negócio e
a prolação da sentença que declarou a nulidade.
b)	 Quem poderá alegar: a nulidade, por ofender a interesse
público, poderá ser alegada, conforme o art. 168 e seu parágrafo
único, do CC, por qualquer interessado ou pelo Ministério Públi-
co, quando lhe couber intervir. Ademais, deverá o juiz pronunciá-
-la de ofício quando detectá-la no negócio jurídico.
c)	 Possibilidade de confirmação: o negócio nulo não pode-
rá ser confirmado pelos interessados, assim dispõe expressamente
a primeira parte do art. 169 do CC.
d)	 Prazo decadencial para pleitear a declaração de nulida-
de: não há prazo para se alegar a nulidade absoluta, o que significa
que a todo tempo poderá ser alegada. Conclui-se, portanto, que
a alegação de nulidade absoluta é perpétua, ou como preferem
alguns, o ato nulo é “imprescritível”. Portanto, quando a segunda
metade do art. 169 preceitua que “(...) nem convalesce com o
decurso do tempo”	, isso significa dizer que, ainda que se passem
muitos anos, o ato nulo não se restabelece, não se cura com o
transcurso do tempo.
e)	 Conversão do nulo ou conversão substancial dos ne-
gócios jurídicos (art. 170, CC): como dito anteriormente, o ato
nulo não pode ser confirmado pelas partes, porém é como se uma
tábua de socorro fosse lançada em favor dos celebrantes do negó-
cio nulo, quando estamos diante da possibilidade de conversão do
nulo. A conversão do nulo significa o aproveitamento dos elemen-
tos materiais do negócio nulo, para transposição e adequação em
outro negócio que seja válido. O princípio que inspira a conversão
é o princípio da conversão ou preservação do negócio jurídico.
Por exemplo, a conversão de um contrato de compra e venda de
imóvel realizado por instrumento particular (negócio nulo) em
uma promessa de compra e venda por instrumento particular (ne-
gócio válido).
Anulabilidade (nulidade relativa): é a sanção que se impõe
ao negócio jurídico por conter defeito leve ou menos grave. A
ofensa, nesse caso, não atinge a interesses públicos, a proteção
volta-se aos interesses privados.
Hipóteses de nulidade relativa (art. 171, CC).
a)	 Celebrado por relativamente incapaz (art. 4º, CC);
b)	 Celebrado por vício resultante de erro, dolo, coação, es-
tado de perigo, lesão ou fraude contra credores.
Peculiaridades do regime das anulabilidades:
a)	 Quanto aos efeitos: o negócio jurídico anulável, para a
doutrina tradicional, produz efeitos desde a sua celebração até a
prolatação da sentença que decretou a anulação. Assim, se diz que
essa sentença que decreta a anulação produz efeitos ex nunc. Esse
posicionamento é justificado pelo art. 177 do CC, onde marcamos
em negrito: “A anulabilidade não tem efeito antes de julgada por
sentença, nem se pronuncia de ofício; só os interessados a po-
dem alegar, e aproveita exclusivamente aos que a alegarem, salvo
o caso de solidariedade ou indivisibilidade.” Entretanto, não há
pacificidade na doutrina e na jurisprudência nesse ponto. É forte
a corrente que entende o contrário, que a sentença da ação anu-
latória possui efeitos ex tunc, bem como a já citada sentença que
declara a nulidade absoluta. Esse entendimento encontra guarida
no art. 182 do CC: “anulado o negócio jurídico, restituir-se-ão
as partes ao estado em que antes dele se achavam, e, não sendo
possível restituí-las, serão indenizadas com o equivalente.”
b)	 Quem pode alegar: conforme o art. 177 do CC, somente
os interessados podem alegar a anulabilidade e aproveita exclusi-
vamente aos que a alegarem, salvo o caso de solidariedade e indi-
visibilidade. Assim, o juiz de ofício não poderá pronunciá-la, nem
o representante do Ministério Público poderá suscitá-la quando
tiver de intervir no processo.
c)	 Possibilidade de confirmação: o negócio anulável ad-
mite a confirmação pelas partes. É o que dispõe o art. 172 do CC,
ressalvado o direito de terceiro. A confirmação poderá ser de três
espécies:
I)	 Expressa: quando o ato de confirmação deve conter a
substância de negócio celebrado e a vontade expressa de mantê-lo
(art. 173, CC);
II)	 Tácita: quando o negócio já foi cumprido em parte pelo
devedor (art. 174, CC);
III)	 Presumida: quando o interessado deixa transcorrer in
albis o prazo decadencial (arts. 178 e 179, ambos do CC) para
reclamar a anulação.
d)	 Convalescimento do negócio por meio da obtenção de
autorização: é admitido quando o motivo da anulabilidade decor-
rer da falta de autorização de um terceiro, caso esta seja obtida
posteriormente (art. 176, CC).
e)	 Prazo decadencial para pleitear a anulação: o prazo
decadencial para alegação da anulabilidade do negócio jurídico
será de quatro anos, com o início do prazo a depender do fato
gerador da anulabilidade (art. 178, CC). Em se tratando de coa-
ção, o prazo se inicia quando cessar a coação. Isso se apresenta
como óbvio, uma vez que a vítima, enquanto coagida, não possui
liberdade para pleitear a anulação do ato. Se a causa geradora da
Didatismo e Conhecimento 51
DIREITO CIVIL
anulação for o erro, o dolo, a fraude contra credores, o estado de
perigo ou a lesão, a contagem se inicia do dia em que se realizou o
negócio jurídico. E na hipótese de ato de relativamente incapazes,
a contagem se inicia do dia em que cessar a incapacidade. Isso
porque o incapaz não pode postular pessoalmente a anulação do
negócio jurídico.
Obs.: além das hipóteses descritas no art. 171 do CC,
admite-se a anulação do negócio em outras situações, desde
que expressamente declaradas em lei. Nesse caso, o art. 179 do
CC dispõe que: “Quando a lei dispuser que determinado ato é
anulável, sem estabelecer prazo para pleitear-se a anulação, será
este de dois anos, a contar da data da conclusão do ato.”
Observações importantes:
a)	 Teoria do Tu Quoque: o art. 180 dispõe: “O menor,
entre dezesseis e dezoito anos, não pode, para eximir-se de uma
obrigação, invocar a sua idade se dolosamente a ocultou quando
inquirido pela outra parte, ou se, no ato de obrigar-se declarou-se
maior.” O que o referido artigo quer dizer é que diante da malí-
cia empregada pelo menor, o negócio será perfeitamente válido
e exigível, não podendo o menor entre dezesseis anos e dezoito
anos, depois de realizado o negócio, buscar a proteção da lei, se
de início agiu esperta e maliciosamente enganando a outra parte
acerca de sua idade. O que há neste dispositivo é a aplicação da
teoria do tu quoque. A expressão “tu quoque” deriva, em verda-
de, da famosa indagação de Júlio césar, em 44 a.C., quando ao
detectar dentre os seus assassinos, seu filho Marco Júnio Bruto,
questiona: “Tu quoque, Brutus, tu quoque, fili mili?” que em tra-
dução significa: “Até tu, Brutus, até tu, meu filho?” Doravante, a
indagação consagrou-se universalmente como sinônimo de espan-
to e decepção.
b)	 Impossibilidade de se reclamar a devolução da impor-
tância paga a um incapaz: como bem sabemos, em não havendo
a malícia empregada pelo incapaz, estaremos diante da nulidade
do ato (para os absolutamente incapazes) ou de sua anulabilidade
(para os relativamente incapazes). No caso de nulidade, qualquer
interessado poderá pleitear a nulidade e o juiz de ofício poderá
pronunciá-la também. No caso de anulabilidade, somente o in-
capaz poderá pleiteá-la, e não aquele que com ele contratou (art.
105, CC). Posto isso, o absoluta ou relativamente incapaz, diante
da declaração de invalidade de seu ato, não terá a obrigação de
restituir o que recebeu. A outra parte, para obter a restituição do
que foi pago, deverá demonstrar que reverteu em proveito do in-
capaz a importância paga (art. 181, CC).
c)	 Princípio da incomunicabilidade das nulidades: a nu-
lidade poderá ser total ou parcial. A nulidade total importará o
alcance de seus efeitos em todo o negócio jurídico, é dizer, será
todo ele atingido pelos efeitos fulminantes da nulidade. Entretan-
to, é possível que a nulidade seja parcial; de tal modo, apenas a
parte do negócio maculada será atingida pela nulidade. Em sendo
possível a cindibilidade da parte viciada do negócio de sua parte
válida, devemos crer que a parte viciada não contaminará o ne-
gócio como um todo. Ex.: em se anulando um testamento por ter
se invadido a legítima de herdeiros necessários, perdurará como
válida a parte do negócio atinente ao reconhecimento do filho.
Nesse sentido, dispôs o legislador do CC, na primeira parte do ar-
tigo 184: “Respeitada a intenção das partes, a invalidade parcial
de um negócio jurídico não o prejudicará na parte válida, se esta
for separável; (...). “A invalidade da obrigação principal induz à
das obrigações acessórias, em razão da prevalência do princípio
da gravitação jurídica (“o acessório segue o principal”). Por isso
dispôs o CC, na segunda parte do art. 184: “(...) a invalidade da
obrigação principal implica a das obrigações acessórias, mas a
destas não induz a da obrigação principal”. Ex.: a nulidade da lo-
cação (contrato principal) atingirá a fiança (contrato acessório).
d)	 A invalidade do instrumento: nos negócios jurídicos pe-
los quais a lei impõe determinada forma – os negócios formais
– em havendo a sua inobservância, a consequencia é a nulidade
do ato (art. 166, IV, CC). Isso porque o instrumento funciona, em
alguns casos, como requisito de validade. Assim, a invalidade do
instrumento contamina o conteúdo do ato. Porém, existem negó-
cios em que a forma se mostra desnecessária – os negócios infor-
mais – e se esses negócios se manifestarem por meio de um deter-
minado instrumento, nessas hipóteses, o instrumento se apresenta
apenas como meio de prova. São os negócios ad probationem
tantum, isto é, que podem ser realizados pela forma livre, porém
as partes resolvem celebrá-lo por escrito. Para esses negócios,
a conclusão é a de que, se desnecessária determinada forma, na
hipótese de sua doação e de sua eventual invalidade, incólume
permanecerá o ato que poderá ser provado por outro meio. Por
isso, dispõe o art. 183 do CC: “A invalidade do instrumento não
induz a do negócio jurídico sempre que este puder provar-se por
outro meio.”
LIVRO III
Dos Fatos Jurídicos
TÍTULO I
Do Negócio Jurídico
CAPÍTULO I
Disposições Gerais
Art. 104. A validade do negócio jurídico requer:
I - agente capaz;
II - objeto lícito, possível, determinado ou determinável;
III - forma prescrita ou não defesa em lei.
Art. 105. A incapacidade relativa de uma das partes
não pode ser invocada pela outra em benefício próprio, nem
aproveita aos co-interessados capazes, salvo se, neste caso, for
indivisível o objeto do direito ou da obrigação comum.
Art. 106. A impossibilidade inicial do objeto não invalida o
negócio jurídico se for relativa, ou se cessar antes de realizada
a condição a que ele estiver subordinado.
Art. 107. A validade da declaração de vontade não
dependerá de forma especial, senão quando a lei expressamente
a exigir.
Art. 108. Não dispondo a lei em contrário, a escritura
pública é essencial à validade dos negócios jurídicos que visem
à constituição, transferência, modificação ou renúncia de
direitos reais sobre imóveis de valor superior a trinta vezes o
maior salário mínimo vigente no País.
Art. 109. No negócio jurídico celebrado com a cláusula de
não valer sem instrumento público, este é da substância do ato.
Art. 110. A manifestação de vontade subsiste ainda que
o seu autor haja feito a reserva mental de não querer o que
manifestou, salvo se dela o destinatário tinha conhecimento.
Art. 111. O silêncio importa anuência, quando as
circunstâncias ou os usos o autorizarem, e não for necessária a
declaração de vontade expressa.
Art. 112. Nas declarações de vontade se atenderá mais à
intenção nelas consubstanciada do que ao sentido literal da
linguagem.
Didatismo e Conhecimento 52
DIREITO CIVIL
Art. 113. Os negócios jurídicos devem ser interpretados
conforme a boa-fé e os usos do lugar de sua celebração.
Art. 114. Os negócios jurídicos benéficos e a renúncia
interpretam-se estritamente.
CAPÍTULO II
Da Representação
Art. 115. Os poderes de representação conferem-se por lei
ou pelo interessado.
Art. 116. A manifestação de vontade pelo representante,
nos limites de seus poderes, produz efeitos em relação ao
representado.
Art. 117. Salvo se o permitir a lei ou o representado,
é anulável o negócio jurídico que o representante, no seu
interesse ou por conta de outrem, celebrar consigo mesmo.
Parágrafo único. Para esse efeito, tem-se como celebrado
pelo representante o negócio realizado por aquele em quem os
poderes houverem sido subestabelecidos.
Art. 118. O representante é obrigado a provar às pessoas,
com quem tratar em nome do representado, a sua qualidade
e a extensão de seus poderes, sob pena de, não o fazendo,
responder pelos atos que a estes excederem.
Art. 119. É anulável o negócio concluído pelo representante
em conflito de interesses com o representado, se tal fato era ou
devia ser do conhecimento de quem com aquele tratou.
Parágrafo único. É de cento e oitenta dias, a contar da
conclusão do negócio ou da cessação da incapacidade, o prazo
de decadência para pleitear-se a anulação prevista neste artigo.
Art.120.Osrequisitoseosefeitosdarepresentaçãolegalsão
os estabelecidos nas normas respectivas; os da representação
voluntária são os da Parte Especial deste Código.
CAPÍTULO III
Da Condição, do Termo e do Encargo
Art. 121. Considera-se condição a cláusula que, derivando
exclusivamente da vontade das partes, subordina o efeito do
negócio jurídico a evento futuro e incerto.
Art. 122. São lícitas, em geral, todas as condições não
contrárias à lei, à ordem pública ou aos bons costumes; entre
as condições defesas se incluem as que privarem de todo efeito
o negócio jurídico, ou o sujeitarem ao puro arbítrio de uma
das partes.
Art. 123. Invalidam os negócios jurídicos que lhes são
subordinados:
I - as condições física ou juridicamente impossíveis,
quando suspensivas;
II - as condições ilícitas, ou de fazer coisa ilícita;
III - as condições incompreensíveis ou contraditórias.
Art. 124. Têm-se por inexistentes as condições impossíveis,
quando resolutivas, e as de não fazer coisa impossível.
Art. 125. Subordinando-se a eficácia do negócio jurídico à
condição suspensiva, enquanto esta se não verificar, não se terá
adquirido o direito, a que ele visa.
Art. 126. Se alguém dispuser de uma coisa sob condição
suspensiva, e, pendente esta, fizer quanto àquela novas
disposições, estas não terão valor, realizada a condição, se com
ela forem incompatíveis.
Art. 127. Se for resolutiva a condição, enquanto esta se não
realizar, vigorará o negócio jurídico, podendo exercer-se desde
a conclusão deste o direito por ele estabelecido.
Art. 128. Sobrevindo a condição resolutiva, extingue-
se, para todos os efeitos, o direito a que ela se opõe; mas, se
aposta a um negócio de execução continuada ou periódica, a
sua realização, salvo disposição em contrário, não tem eficácia
quanto aos atos já praticados, desde que compatíveis com a
natureza da condição pendente e conforme aos ditames de boa-fé.
Art. 129. Reputa-se verificada, quanto aos efeitos jurídicos,
a condição cujo implemento for maliciosamente obstado pela
parte a quem desfavorecer, considerando-se, ao contrário,
não verificada a condição maliciosamente levada a efeito por
aquele a quem aproveita o seu implemento.
Art. 130. Ao titular do direito eventual, nos casos de
condição suspensiva ou resolutiva, é permitido praticar os atos
destinados a conservá-lo.
Art. 131. O termo inicial suspende o exercício, mas não a
aquisição do direito.
Art. 132. Salvo disposição legal ou convencional em
contrário, computam-se os prazos, excluído o dia do começo, e
incluído o do vencimento.
§ 1o
Se o dia do vencimento cair em feriado, considerar-
se-á prorrogado o prazo até o seguinte dia útil.
§ 2o
Meado considera-se, em qualquer mês, o seu décimo
quinto dia.
§ 3o
Os prazos de meses e anos expiram no dia de
igual número do de início, ou no imediato, se faltar exata
correspondência.
§ 4o
Os prazos fixados por hora contar-se-ão de minuto a
minuto.
Art. 133. Nos testamentos, presume-se o prazo em favor
do herdeiro, e, nos contratos, em proveito do devedor, salvo,
quanto a esses, se do teordo instrumento, ou das circunstâncias,
resultar que se estabeleceu a benefício do credor, ou de ambos
os contratantes.
Art. 134. Os negócios jurídicos entre vivos, sem prazo, são
exeqüíveis desde logo, salvo se a execução tiver de ser feita em
lugar diverso ou depender de tempo.
Art. 135.Ao termo inicial e final aplicam-se, no que couber,
as disposições relativas à condição suspensiva e resolutiva.
Art. 136. O encargo não suspende a aquisição nem o
exercício do direito, salvo quando expressamente imposto no
negócio jurídico, pelo disponente, como condição suspensiva.
Art. 137. Considera-se não escrito o encargo ilícito ou
impossível, salvo se constituir o motivo determinante da
liberalidade, caso em que se invalida o negócio jurídico.
CAPÍTULO IV
Dos Defeitos do Negócio Jurídico
Seção I
Do Erro ou Ignorância
Art. 138. São anuláveis os negócios jurídicos, quando as
declarações de vontade emanarem de erro substancial que
poderia ser percebido por pessoa de diligência normal, em face
das circunstâncias do negócio.
Art. 139. O erro é substancial quando:
I - interessa à natureza do negócio, ao objeto principal da
declaração, ou a alguma das qualidades a ele essenciais;
II - concerne à identidade ou à qualidade essencial da
pessoa a quem se refira a declaração de vontade, desde que
tenha influído nesta de modo relevante;
III - sendo de direito e não implicando recusa à aplicação
da lei, for o motivo único ou principal do negócio jurídico.
Didatismo e Conhecimento 53
DIREITO CIVIL
Art. 140. O falso motivo só vicia a declaração de vontade
quando expresso como razão determinante.
Art. 141. A transmissão errônea da vontade por meios
interpostos é anulável nos mesmos casos em que o é a
declaração direta.
Art. 142. O erro de indicação da pessoa ou da coisa, a que se
referir a declaração de vontade, não viciará o negócio quando,
por seu contexto e pelas circunstâncias, se puder identificar a
coisa ou pessoa cogitada.
Art. 143. O erro de cálculo apenas autoriza a retificação da
declaração de vontade.
Art. 144. O erro não prejudica a validade do negócio
jurídico quando a pessoa, a quem a manifestação de vontade se
dirige, se oferecer para executá-la na conformidade da vontade
real do manifestante.
Seção II
Do Dolo
Art. 145. São os negócios jurídicos anuláveis por dolo,
quando este for a sua causa.
Art. 146. O dolo acidental só obriga à satisfação das perdas
e danos, e é acidental quando, a seu despeito, o negócio seria
realizado, embora por outro modo.
Art. 147. Nos negócios jurídicos bilaterais, o silêncio
intencional de uma das partes a respeito de fato ou qualidade
que a outra parte haja ignorado, constitui omissão dolosa,
provando-se que sem ela o negócio não se teria celebrado.
Art. 148. Pode também ser anulado o negócio jurídico
por dolo de terceiro, se a parte a quem aproveite dele tivesse
ou devesse ter conhecimento; em caso contrário, ainda que
subsista o negócio jurídico, o terceiro responderá por todas as
perdas e danos da parte a quem ludibriou.
Art. 149. O dolo do representante legal de uma das
partes só obriga o representado a responder civilmente até
a importância do proveito que teve; se, porém, o dolo for
do representante convencional, o representado responderá
solidariamente com ele por perdas e danos.
Art. 150. Se ambas as partes procederem com dolo,
nenhuma pode alegá-lo para anular o negócio, ou reclamar
indenização.
Seção III
Da Coação
Art. 151. A coação, para viciar a declaração da vontade,
há de ser tal que incuta ao paciente fundado temor de dano
iminente e considerável à sua pessoa, à sua família, ou aos seus
bens.
Parágrafoúnico.Sedisserrespeitoapessoanãopertencente
à família do paciente, o juiz, com base nas circunstâncias,
decidirá se houve coação.
Art. 152. No apreciar a coação, ter-se-ão em conta o sexo, a
idade, a condição, a saúde, o temperamento do paciente e todas
as demais circunstâncias que possam influir na gravidade dela.
Art. 153. Não se considera coação a ameaça do exercício
normal de um direito, nem o simples temor reverencial.
Art. 154. Vicia o negócio jurídico a coação exercida por
terceiro, se dela tivesse ou devesse ter conhecimento a parte
a que aproveite, e esta responderá solidariamente com aquele
por perdas e danos.
Art. 155. Subsistirá o negócio jurídico, se a coação decorrer
de terceiro, sem que a parte a que aproveite dela tivesse ou
devesse ter conhecimento; mas o autor da coação responderá
por todas as perdas e danos que houver causado ao coacto.
Seção IV
Do Estado de Perigo
Art. 156. Configura-se o estado de perigo quando alguém,
premido da necessidade de salvar-se, ou a pessoa de sua família,
de grave dano conhecido pela outra parte, assume obrigação
excessivamente onerosa.
Parágrafo único. Tratando-se de pessoa não pertencente à
família do declarante, o juiz decidirá segundo as circunstâncias.
Seção V
Da Lesão
Art. 157. Ocorre a lesão quando uma pessoa, sob premente
necessidade, ou por inexperiência, se obriga a prestação
manifestamente desproporcional ao valor da prestação oposta.
§ 1o
Aprecia-se a desproporção das prestações segundo
os valores vigentes ao tempo em que foi celebrado o negócio
jurídico.
§ 2o
Não se decretará a anulação do negócio, se for oferecido
suplemento suficiente, ou se a parte favorecida concordar com a
redução do proveito.
Seção VI
Da Fraude Contra Credores
Art. 158. Os negócios de transmissão gratuita de bens
ou remissão de dívida, se os praticar o devedor já insolvente,
ou por eles reduzido à insolvência, ainda quando o ignore,
poderão ser anulados pelos credores quirografários, como
lesivos dos seus direitos.
§ 1o
Igual direito assiste aos credores cuja garantia se
tornar insuficiente.
§ 2o
Só os credores que já o eram ao tempo daqueles atos
podem pleitear a anulação deles.
Art. 159. Serão igualmente anuláveis os contratos onerosos
do devedor insolvente, quando a insolvência for notória, ou
houver motivo para ser conhecida do outro contratante.
Art. 160. Se o adquirente dos bens do devedor insolvente
ainda não tiver pago o preço e este for, aproximadamente,
o corrente, desobrigar-se-á depositando-o em juízo, com a
citação de todos os interessados.
Parágrafo único. Se inferior, o adquirente, para conservar
os bens, poderá depositar o preço que lhes corresponda ao
valor real.
Art. 161. A ação, nos casos dos arts. 158 e 159, poderá ser
intentada contra o devedor insolvente, a pessoa que com ele
celebrou a estipulação considerada fraudulenta, ou terceiros
adquirentes que hajam procedido de má-fé.
Art. 162. O credor quirografário, que receber do devedor
insolvente o pagamento da dívida ainda não vencida, ficará
obrigado a repor, em proveito do acervo sobre que se tenha de
efetuar o concurso de credores, aquilo que recebeu.
Art. 163. Presumem-se fraudatórias dos direitos dos outros
credores as garantias de dívidas que o devedor insolvente tiver
dado a algum credor.
Didatismo e Conhecimento 54
DIREITO CIVIL
Art.164.Presumem-se,porém,deboa-féevalemosnegócios
ordinários indispensáveis à manutenção de estabelecimento
mercantil, rural, ou industrial, ou à subsistência do devedor e
de sua família.
Art. 165. Anulados os negócios fraudulentos, a vantagem
resultante reverterá em proveito do acervo sobre que se tenha
de efetuar o concurso de credores.
Parágrafo único. Se esses negócios tinham por único objeto
atribuir direitos preferenciais, mediante hipoteca, penhor ou
anticrese, sua invalidade importará somente na anulação da
preferência ajustada.
CAPÍTULO V
Da Invalidade do Negócio Jurídico
Art. 166. É nulo o negócio jurídico quando:
I - celebrado por pessoa absolutamente incapaz;
II - for ilícito, impossível ou indeterminável o seu objeto;
III - o motivo determinante, comum a ambas as partes,
for ilícito;
IV - não revestir a forma prescrita em lei;
V - for preterida alguma solenidade que a lei considere
essencial para a sua validade;
VI - tiver por objetivo fraudar lei imperativa;
VII - a lei taxativamente o declarar nulo, ou proibir-lhe a
prática, sem cominar sanção.
Art. 167. É nulo o negócio jurídico simulado, mas subsisti-
rá o que se dissimulou, se válido for na substância e na forma.
§ 1o
Haverá simulação nos negócios jurídicos quando:
I - aparentarem conferir ou transmitir direitos a pessoas
diversas daquelas às quais realmente se conferem, ou trans-
mitem;
II - contiverem declaração, confissão, condição ou cláusula
não verdadeira;
III - os instrumentos particulares forem antedatados, ou
pós-datados.
§ 2o
Ressalvam-se os direitos de terceiros de boa-fé em face
dos contraentes do negócio jurídico simulado.
Art. 168. As nulidades dos artigos antecedentes podem ser
alegadas por qualquer interessado, ou pelo Ministério Público,
quando lhe couber intervir.
Parágrafo único. As nulidades devem ser pronunciadas
pelo juiz, quando conhecer do negócio jurídico ou dos seus
efeitos e as encontrar provadas, não lhe sendo permitido supri-
-las, ainda que a requerimento das partes.
Art. 169. O negócio jurídico nulo não é suscetível de con-
firmação, nem convalesce pelo decurso do tempo.
Art. 170. Se, porém, o negócio jurídico nulo contiver os
requisitos de outro, subsistirá este quando o fim a que visavam
as partes permitir supor que o teriam querido, se houvessem
previsto a nulidade.
Art. 171. Além dos casos expressamente declarados na lei,
é anulável o negócio jurídico:
I - por incapacidade relativa do agente;
II - por vício resultante de erro, dolo, coação, estado de
perigo, lesão ou fraude contra credores.
Art. 172. O negócio anulável pode ser confirmado pelas
partes, salvo direito de terceiro.
Art. 173. O ato de confirmação deve conter a substância do
negócio celebrado e a vontade expressa de mantê-lo.
Art. 174. É escusada a confirmação expressa, quando o
negócio já foi cumprido em parte pelo devedor, ciente do vício
que o inquinava.
Art. 175. A confirmação expressa, ou a execução voluntá-
ria de negócio anulável, nos termos dos arts. 172 a 174, impor-
ta a extinção de todas as ações, ou exceções, de que contra ele
dispusesse o devedor.
Art. 176. Quando a anulabilidade do ato resultar da falta
de autorização de terceiro, será validado se este a der poste-
riormente.
Art. 177. A anulabilidade não tem efeito antes de julgada
por sentença, nem se pronuncia de ofício; só os interessados a
podem alegar, e aproveita exclusivamente aos que a alegarem,
salvo o caso de solidariedade ou indivisibilidade.
Art. 178. É de quatro anos o prazo de decadência para
pleitear-se a anulação do negócio jurídico, contado:
I - no caso de coação, do dia em que ela cessar;
II - no de erro, dolo, fraude contra credores, estado de pe-
rigo ou lesão, do dia em que se realizou o negócio jurídico;
III - no de atos de incapazes, do dia em que cessar a inca-
pacidade.
Art. 179. Quando a lei dispuser que determinado ato é
anulável, sem estabelecer prazo para pleitear-se a anulação,
será este de dois anos, a contar da data da conclusão do ato.
Art. 180. O menor, entre dezesseis e dezoito anos, não
pode, para eximir-se de uma obrigação, invocar a sua idade se
dolosamente a ocultou quando inquirido pela outra parte, ou
se, no ato de obrigar-se, declarou-se maior.
Art. 181. Ninguém pode reclamar o que, por uma obriga-
ção anulada, pagou a um incapaz, se não provar que reverteu
em proveito dele a importância paga.
Art. 182. Anulado o negócio jurídico, restituir-se-ão as
partes ao estado em que antes dele se achavam, e, não sendo
possível restituí-las, serão indenizadas com o equivalente.
Art. 183. A invalidade do instrumento não induz a do ne-
gócio jurídico sempre que este puder provar-se por outro meio.
Art. 184. Respeitada a intenção das partes, a invalidade
parcial de um negócio jurídico não o prejudicará na parte
válida, se esta for separável; a invalidade da obrigação
principal implica a das obrigações acessórias, mas a destas não
induz a da obrigação principal.
DOS ATOS ILÍCITOS.
1	 DOS ATOS JURÍDICOS LÍCITOS
O legislador destina o art. 185 do CC ao ato jurídico em sen-
tido estrito.
Cuida o presente artigo do ato jurídico stricto sensu, ou seja,
o que tem por escopo a mera realização da vontade exclusiva do
único agente, pois não há partes; por exemplo, derrelição, trans-
ferência de domicílio, reconhecimento voluntário de paternidade,
adoção etc. Diferencia-se do negócio jurídico na medida em que
é produto da conduta voluntária, mas sem conteúdo negocial, vin-
culando-se a conduta a um dever jurídico preexistente, em que a
vontade atua, mas sem autonomia para condicionar ou definir os
respectivos efeitos. Em todas essas hipóteses, os efeitos não decor-
rem da vontade do manifestante, mas da lei, aliás, pouco importa
que o agente deseje os efeitos, uma vez que derivam da lei, a von-
tade é de simples manifestação.
Didatismo e Conhecimento 55
DIREITO CIVIL
Para um melhor entendimento, segundo César Fiuza, “ pode-
mos citar como exemplo os atos de registro civil, ou seja, quando
um pai registra o seu filho, pratica ato de emissão de vontade com-
binado com o ordenamento jurídico. Ao registrar o filho, o pai não
tem em mente nenhum objetivo específico, como criar, modificar
ou extinguir relação ou situação jurídica. Faz o registro por mero
respeito à lei e por questão de segurança. Os efeitos do registro,
porém, quais sejam, segurança, publicidade, autenticidade etc.,
não nascem dessa emissão de vontade, mas da própria lei.”
2 DOS ATOS ILÍCITOS
2.1 Conceito
Ato ilícito é aquele que colide com a lei, com a moral, ou
com os bons costumes e, por isso, gera outros efeitos que não os
queridos pelo seu autor, ou seja, é aquele ato humano que não se
acomoda com a lei, provocando um resultado que se não afaz à
vocação do ordenamento jurídico.
Ato ilícito é, portanto, a infração ao dever de não lesar
outrem.
As disposições sobre os atos ilícitos, no Código Civil, são
encontradas nos artigos 186 a 188. Dispõe o artigo 186 do diploma
civil que aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência
ou imprudência, violar direito ou causar dano a outrem, ainda
que exclusivamente moral, comete ato ilícito. A verificação da
culpa e a avaliação da responsabilidade regulam-se pelo disposto
nesse código, nos artigos 927 ao 954. A lesão abarcada pelos
dispositivos legais trata-se daquela que cause dano, tanto de
natureza patrimonial quanto de natureza moral.
Assim, de acordo com Gilbert R. L. Florêncio, “reputa-se
ato ilícito o que, estando em desacordo com a ordem jurídica,
viola direito subjetivo e causa dano, material ou moral, a alguém,
constituindo-se a inclusão deste numa das grandes inovações do
CC, que na esteira da CF (art. 5º, V e X), reafirmou a existência do
dano moral, pondo termo aos debates e às resistências porventura
ainda remanescentes dos tribunais. Frise-se que neste artigo se
vê a consagração da responsabilidade civil fundada na culpa, ou
seja, subjetiva, nascida da exegese conjunta dos artigos 186 e 927
do CC, donde se tem que é necessário provar-se a culpa do agente
para que a ilicitude seja reconhecida.”
1.2	 Atos ilícitos: subjetivo (art. 186, CC) e objetivo (art.
187, CC)
2.2.1 Teoria Subjetiva. O art. 186, do CC impõe a todas as
pessoas o dever de não lesar outrem (neminen laedere). Todo
aquele que causa um dano deve repará-lo, desde que a vítima
prove que o causador do dano agiu com culpa. Assim, o diploma
civil pátrio adotou, como regra, a teoria subjetiva, segundo a qual
deve-se proceder na análise da existência de culpa do agente.
A “culpa” pelos atos ilícitos, a que se refere o artigo 186, tem
sentido amplo, abrangendo tanto o dolo ao utilizar a expressão
“voluntária” quanto a culpa em sentido estrito ao expressar
“imprudência (ação involuntária) ou negligência (omissão
involuntária)”, situações nas quais o agente concorre para o dano,
sem que tenha intenção de causá-lo, e, recebe a denominação de
culpa aquiliana, em decorrência de sua origem (Lex Aquilia).
Ademais, o ato ilícito poderá decorrer da ação ou omissão do
agente, sem prescindir da existência de um dano.
Isto posto, conclui-se que os elementos essenciais para
evidenciar-se a ilicitude são: 1) conduta (comissiva ou omissiva);
2) culpa, em sentido lato, englobando tanto o dolo quanto a culpa
stricto sensu; 3) dano, seja patrimonial ou moral; 4) nexo de
causalidade entre a conduta e o dano.
Sendo: age com dolo aquele que, intencionalmente, procura
causar dano a outrem; ou ainda aquele que, consciente das
consequências funestas de seu ato, assume o risco de provocar o
evento danoso. E, atua culposamente aquele que causa prejuízo a
terceiro em virtude de sua imprudência, imperícia ou negligência.
Obs.: Em alguns casos, o ato poderá ser ilícito tanto na esfera
civil quanto na penal, podendo, ainda, ser somente um ilícito
penal. Entretanto, deve-se salientar que, na maioria das vezes,
o ilícito penal é também ilícito civil, pois este sempre, ou quase
sempre, gera um prejuízo à vítima.
As implicações decorrentes de um ilícito civil são diferentes
daquelas que decorrem de um ilícito penal, uma vez que aquele
tem como consequência tornar o agente responsável pela
reparação do dano, a teor do que dispõe o artigo 186 do Código
Civil (responsabilidade civil) sendo tal responsabilidade de
cunho patrimonial. Com relação aos ilícitos penais, ao agente é
imputado castigo corporal ou multa, sendo a responsabilidade de
cunho pessoal, não se transferindo a terceiros como é possível de
ocorrer na responsabilidade civil. A título de exemplo, temos a
responsabilidade civil por ato de terceiro, a do pai que responde
pelo ato do filho, do patrão que responde por ato de seu empregado,
do Estado que responde pelos atos do servidor.
2.2.1.1 Dano
É a lesão ou diminuição sofrida pelo bem jurídico. O bem
jurídico, por sua vez, poderá ser patrimonial ou moral. Em
se tratando do bem jurídico patrimonial ofendido, estaremos
diante do chamado dano material. Essa espécie de dano poderá
compreender os danos emergentes (danos positivos) e os lucros
cessantes (danos negativos).
Se o bem jurídico ofendido for moral, estaremos diante do
chamado dano moral.
No que respeita ao dano material, conforme o art. 402 do
CC, os danos emergentes se manifestam naquilo que a vítima
efetivamente perdeu, como, por exemplo, os gastos com o conserto
do veículo e as despesas hospitalares e com medicamentos. Porém,
é possível que o prejuízo experimentado pela vítima vá além disso,
e aí estaremos diante dos lucros cessantes que se traduzem naquilo
que a vítima razoavelmente deixou de lucrar, como, por exemplo,
o período em que o taxista deixou de trabalhar, pois seu carro
estava na oficina consertando-se.
O dano também poderá ser moral, como se disse, e este se
manifesta na ofensa aos direitos da personalidade da vítima. A
possibilidade do pleito de reparação pelo dano moral, consolidou-
se com CF/88, embora a jurisprudência já o considerasse. O
CC/16 não o havia contemplado. Já o CC/02, na esteira da CF/88,
estabeleceu-o expressamente em seu art. 186.
Súmula 37, STJ: “São cumuláveis as indenizações por dano
material e dano moral oriundos do mesmo fato.”
Súmula 387, STJ: “É lícita a cumulação das indenizações de
dano estético e dano moral.”
Didatismo e Conhecimento 56
DIREITO CIVIL
Entre a ação ou omissão do agente e o dano sobrevindo, que
como vimos, poderá ser material ou moral, torna-se necessária a
existência do nexo causal. Nexo causal é o liame que interliga a
conduta do agente ao dano.
A guisa de conclusão, o art. 186 do CC, estabelece que
são necessários os seguintes elementos concomitantemente,
novamente citando:
1)	 Conduta humana antijurídica: comissiva ou omissiva;
2)	 Culpa, em sentido lato, englobando tanto o dolo quanto
a culpa stricto sensu;
3)	 Nexo causal entre a conduta e o dano; e
4)	 Dano: material e/ ou moral.
Ou seja, que haja uma ação ou omissão por parte do agente;
que a mesma seja causa do prejuízo experimentado pela vítima;
que haja ocorrido efetivamente um prejuízo; e que o agente tenha
agido com dolo ou com culpa.
1.1.2	 Abuso de Direito: subjetivo e objetivo. Já o
art. 187, do CC, segundo Gilbert R. L. Florêncio, “diz respeito
à figura do abuso de direito, situando-o no rol dos atos ilícitos.
O direito há de ser exercido por seu titular de forma equilibrada,
norteando sempre pela boa-fé e pelos bons costumes. Além disso,
nasce o direito da necessidade da convivência pacífica entre os
homens, ser social e éticos impostos à atividade individual na vida
em sociedade. Ocorrerá, pois, abuso de direito sempre que o agen-
te invocar autorização legal para atingir objetivo não tolerado
pelo consenso social.
Há duas teorias acerca da configuração do abuso de direito.
A primeira é a concepção subjetiva, também denominada
teoria da emulação, que tem por requisito fundamental para
averiguação da responsabilidade civil a intenção do agente em
lesar injustamente a outrem; a segunda é a concepção objetiva,
que entende ser possível responsabilizar o agente que cause dano,
independentemente de sua vontade. Não obstante o entendimento
predominante defenda a concepção subjetiva, o Conselho da
Justiça Federal emitiu o Enunciado n. 37, que ampara a concepção
objetiva ao dispor que “A responsabilidade civil decorrente do
abuso do direito independe de culpa, e fundamenta-se somente
no critério objetivo-finalístico”. O exercício de um direito, para
que não haja abuso, deve harmonizar-se com os valores sociais,
éticos e econômicos. Fica claro, pela exegese deste artigo, que
o legislador buscou neste código a valorização da eticidade nas
condutas, que devem pautar-se pela lealdade e pela honestidade,
primando pelo reto proceder objetivo, em que propósito de não
lesar direitos alheios traduz-se em atitudes concernentes com a
ordem social vigente.” Segundo Gilbert R. L. Florêncio.
Assim, a compreensão dessa espécie de ato ilícito parte
da idéia de que todas as pessoas possuem direitos subjetivos e
é dever de cada um exercitá-los dentro de determinados limites.
Quais seriam esses limites? A finalidade econômica e social do
direito subjetivo, a boa-fé objetiva e os bons costumes. Assim,
caso o titular de um direito subjetivo, ao exercê-lo, extrapole esses
limites, estará a praticar um ato ilícito, pois a conotação que se
dá hoje a isso não é mais a do simples exercício de um direito, mas
sim a de um abuso de direito, o que, para CC/2002, é ato ilícito.
A consequência da prática de um ato ilícito é a imposição de
indenização, seja um ato ilícito subjetivo (art. 186, CC), seja um
ato ilícito objetivo ou por abuso de direito (art. 187, CC). Isso é o
que impõe o caput do art. 927 do CC: “Aquele que, por ato ilícito
(arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-
lo.” É claro que não é intenção do presente estudo trabalhar a
responsabilidade civil estabelecida nos arts. 927 ao 954 do CC.
Portanto, restringir-nos-emos à análise do ato ilícito que é tema
tratado dentro da parte geral do CC.
2.3 As excludentes de ilicitude
Não constituem atos ilícitos os atos elencados nos incisos I
e II do art. 188 do CC, embora lesivos, ou seja, causem dano,
retratam circunstâncias especiais que afastam a ilicitude, mas
que, ainda assim, geram sanção, qual seja, o dever de reparar
o dano, diante da denominada responsabilidade civil objetiva ou
mesmo na responsabilidade civil pelo risco. São elas:
2.3.1 A legítima defesa: ocorre a legítima defesa sempre que
alguém, moderadamente, para defender direito seu ou de outrem,
vale-se de meios necessários para repelir injusta agressão atual
ou iminente, sendo injusta agressão a qual não deu causa.
1.1.2	 O estado de necessidade: que consiste na ofen-
sa a direito alheio para remover perigo iminente, não provocado
por vontade e impossível de outro modo evitar, quando as circuns-
tâncias o tornarem absolutamente necessário e não exceder os li-
mites do indispensável para remoção do perigo.
1.1.3	 O exercício regular de um direito: este só
acarretará dever de indenizar se for praticado com abuso ou de
forma irregular, em manifesto excesso aos limites impostos por
seu fim econômico ou social, ferindo a boa-fé ou os bons costumes
(v. art. 187).
1.1.4	 O estrito cumprimento de um dever legal.
O que este artigo pretende estabelecer é que, causado um
dano sob o pálio de umas dessas excludentes, não se terá cometido
ato ilícito. Porém, não se deve esquecer que, embora não se tenha
praticado ato ilícito é possível que seja devida indenização, uma
vez que sobreveio algum dano, conforme propugna o art. 929 do
CC: “Se a pessoa lesada, ou o dono da coisa, no caso do inciso II
do art. 188, não forem culpados do perigo, assistir-lhes-á direito à
indenização do prejuízo que sofreram.”
ATOS JURÍDICOS
TÍTULO II
Dos Atos Jurídicos Lícitos
Art. 185. Aos atos jurídicos lícitos, que não sejam negócios
jurídicos, aplicam-se, no que couber, as disposições do Título
anterior.
TÍTULO III
Dos Atos Ilícitos
Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, ne-
gligência ou imprudência, violar direito e causar dano a ou-
trem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.
Art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito
que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos
pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons
costumes.
Art. 188. Não constituem atos ilícitos:
I - os praticados em legítima defesa ou no exercício regular
de um direito reconhecido;
II - a deterioração ou destruição da coisa alheia, ou a lesão
a pessoa, a fim de remover perigo iminente.
Parágrafo único. No caso do inciso II, o ato será legítimo
somente quando as circunstâncias o tornarem absolutamente
necessário, não excedendo os limites do indispensável para a
remoção do perigo.
Didatismo e Conhecimento 57
DIREITO CIVIL
DA PRESCRIÇÃO E DECADÊNCIA.
1.	 BREVES NOÇÕES ACERCA DO FATO JURÍDICO E
O FATOR TEMPO
Fato jurídico lato sensu corresponde a todo acontecimento
ao qual o Direito atribui eficácia. O saudoso Orlando Gomes
explicita que “no sentido lato, o fato jurídico apresenta-se como
a força de propulsão da relação jurídica, por efeito da qual se
movimentam as normas jurídicas adequadas. Da lei não surgem
diretamente direitos subjetivos; é preciso uma causa e essa causa
se chama fato jurídico”. Stricto sensu, cuida-se de evento natural,
independente da vontade humana, que produz efeitos constitutivos,
modificativos ou extintivos de direitos e obrigações.
Os fatos jurídicos em sentido estrito classificam-se em
ordinários – de usual ocorrência, tal qual a morte e o nascimento
- e extraordinários – que, consoante o magistério de Maria Helena
Diniz, caracterizam-se pela presença de requisitos objetivo,
consistente na inevitabilidade do evento, e subjetivo, “que é
a ausência de culpa na produção do acontecimento”. Nessa
categoria enquadram-se o caso fortuito e a força maior.
Dentre os acontecimentos naturais ordinários (fatos jurídicos
em sentido estrito), destaca-se o decurso do tempo, que exerce
função de relevo em alguns institutos do direito civil, tais quais
a usucapião ou prescrição aquisitiva, a prescrição extintiva e a
decadência.
2.	 FUNDAMENTO E NATUREZA
O fundamento para os institutos em estudo é esclarecido
nas palavras de Silvio Rodrigues, quando salienta: “Mister que
as relações jurídicas se consolidem no tempo. Há um interesse
social em que a situação de fato que o tempo consagrou
adquira juridicidade, para que sobre a comunidade não paire,
indefinidamente, a ameaça de desequilíbrio representada pela
demanda. Que esta seja proposta enquanto os contendores contam
com elementos de defesa, pois é de interesse da ordem e da paz
social liquidar o passado e evitar litígios sobre atos cujos títulos
se perderam e cuja lembrança se foi.”
O Código Civil de 2002, em consonância com os dizeres
do Prof. Dr. Miguel Reale, foi inspirado em três princípios
fundamentais: socialidade, eticidade e operabilidade.
Lastreado nestes princípios, o Código Civil regulou a
prescrição e a decadência, estabelecendo que são de prescrição
os prazos previstos, apenas e tão-somente na Parte Geral, nos
arts. 205 (regra geral) e 206 (regras especiais). Todos os demais
prazos, estabelecidos na Parte Geral ou Especial do Código Civil,
são de decadência.
Observa-se que o Código de 2002 adota, quanto a esses
institutos, a tese de Agnelo Amorim Filho, que, em artigo
impecável tecnicamente, associou os prazos de prescrição às ações
condenatórias (critério científico para distinguir a prescrição da
decadência e para identificar as ações imprescritíveis, RT 300/7
e 744/725). De fato, os prazos especiais apresentados no art. 206
dizem respeito a ações condenatórias, particularmente aquelas que
visam à cobrança de valores ou à reparação de danos, mantendo
uma relação com direitos subjetivos. Para ações dessa natureza,
nas quais não houver previsão de prazo específico, aplica-se a
regra geral de dez anos, conforme o art. 205 do CC de 2002.
O CC passou então a adotar a tese de que a prescrição é
a perda ou a extinção da pretensão, por relacionar-se com um
direito subjetivo. Dessa forma, com a nova codificação, não se
pode mais admitir o conceito de prescrição extintiva relacionado
à perda da ação ou do direito de ação.
Cumpre destacar existirem debates doutrinários quanto à
natureza jurídica da prescrição extintiva, havendo quem entenda
tratar-se de um fato jurídico stricto sensu (fato natural) e outros
que entendem ser a prescrição um ato jurídico stricto sensu. Para
Flávio Tartuce, o primeiro posicionamento é o correto, pois na
prescrição há perda da pretensão justamente por uma ausência
de vontade: seu titular não a exerce em um prazo fixado pela lei.
Além disso, a extinção da pretensão decorre do tempo, que é um
fato natural, sem a interferência humana.
De fato, no art. 189 fica consignado que a prescrição extingue
a pretensão, que, por seu turno, nasce com a violação do direito.
Ora, conforme visto, apenas os direitos subjetivos em sentido
estrito comportam violação, e portanto, o instituto da prescrição
com eles se relaciona. Com a lesão ao direito material, surge a
pretensão, que é deduzida em juízo através da ação. Deste modo,
ao extinguir a pretensão, a prescrição termina por atingir também
a ação.
Tratamento diverso deve ser dado à prescrição aquisitiva, por
usucapião, prevista na parte especial da codificação privada, que
realmente não se confunde com a figura legal aqui estudada, pois,
o legislador pátrio atribui ao sujeito que possui uma coisa com
animo domini, de modo pacífico e contínuo, durante determinado
lapso temporal, a possibilidade de incorporá-la ao seu
patrimônio, convertendo, destarte, a posse em propriedade. Há,
neste caso, prescrição aquisitiva, também denominada usucapião,
regulamentada na Parte Especial do Código Civil, dentro do
Direito das Coisas. Cuida-se de modo originário de aquisição da
propriedade, móvel ou imóvel, e de outros direitos reais passíveis
de exercício continuado. Insta realçar, todavia, a diversidade dos
institutos, justificadora de sua abordagem em capítulos distintos
da Lei Civil. Vale transcrever, neste sentido, as lições do mestre
Orlando Gomes: “Por fim, enquanto a idéia central da prescrição
é a inércia do titular do direito, o elemento básico da usucapião é
a posse. Tão notáveis são as diferenças entre os dois institutos, que
tem sido condenada a unidade do conceito da prescrição.”
Finalizando, é o teor do Enunciado n. 14, aprovado na
I Jornada de Direito Civil, realizada em setembro de 2002 e
idealizada pelo Conselho da Justiça Federal: “Art. 189: 1) o início
do prazo prescricional ocorre com o surgimento da pretensão, que
decorre da exigibilidade do direito subjetivo; 2) o art. 189 diz
respeito a casos em que a pretensão nasce imediatamente após a
violação do direito absoluto ou da obrigação de não fazer”.
3.	 DAS ESPÉCIES DE DIREITOS E SUAS AÇÕES
CORRESPONDENTES
Segundo a clássica divisão de Giuseppe Chiovenda, três são
as ações existentes, cada qual se prestando a finalidades distintas:
a)	 Ação condenatória: meio de proteção de um direito a
uma prestação; ou seja, espécie de direito que corresponde aos
direitos de se obter um bem na vida. Assim, há um sujeito passivo
obrigado a uma prestação de dar, fazer ou não fazer. Por exemplo:
o direito de se receber uma determinada quantia em dinheiro.
b)	 Ação constitutiva: meio de exercício de um direito po-
testativo; ou seja, espécie de direito que se traduz na possibilidade
que tem uma das partes de invadir a esfera jurídica alheia impon-
Didatismo e Conhecimento 58
DIREITO CIVIL
do um estado de sujeição. Reduzem-se a direitos sem prestação.
Existem alguns direitos potestativos que só podem ser exercitados
mediante ação. Exemplo: o direito de se anular um contrato cele-
brado sob coação e o direito de se colocar fim ao vínculo conjugal.
c)	 Ação declaratória: meio de obtenção de uma certeza ju-
rídica. Vale lembrar o art. 4º do CPC: “O interesse do autor pode
limitar-se à declaração: I – da existência ou inexistência de rela-
ção jurídica; II – da autenticidade ou falsidade de documento.”
Ao atentarmos para os direitos a uma prestação, é importante
lembrar que esses direitos comportam a ideia de violação, de
lesão. Assim, em havendo a violação a um direito a uma prestação,
nascerá uma pretensão. A ação cabível para se proteger o direito a
uma prestação, como vimos, é a ação condenatória. O interessado,
porém, deverá ajuizar a ação dentro de um determinado prazo,
pois um instituto chamado prescrição extinguirá a pretensão.
Exemplo: João deve a Paulo a quantia de R$ 1.000,00 com
vencimento previsto para o dia 10/09/2012. Chegado o dia do
vencimento, se João não proceder ao pagamento, isto é, se João
violar o direito a uma prestação de Paulo de receber a quantia,
surgirá para Paulo uma pretensão que se extinguirá por meio da
prescrição.
Quando tratamos dos direitos potestativos, devemos
esclarecer que essa categoria de direitos não comporta a ideia
de violação, por isso trata-se de direitos sem pretensão. Assim,
para que surja o direito potestativo de alguém, não é necessário
que outrem o tenha violado. Portanto, basta que nasça o direito
potestativo, para que o titular do direito possa manejar um ação
constitutiva, posto ser essa ação pela qual se exercita um direito
potestativo. Ocorre que a ação potestativa deverá ser manejada
dentro de um determinado lapso temporal, pois um instituto
denominado decadência ou caducidade colocará fim ao direito.
Exemplo: João assinou um contrato porque Pedro incutiu-lhe
o temor de um mal injusto. O contrato assinado sob o vício do
consentimento designado coação, como nós sabemos, está sujeito
à anulação. Simplesmente, surge para João o direito potestativo
de anular o contrato. Ocorre que deverá fazê-lo dentro do prazo
de 4 (quatro) anos (art. 178, I, CC), pois, transcorrido o prazo in
albis, o direito potestativo de anular o contrato restará fulminado
pela decadência.
Assim, podemos concluir que:
a)	 Estão sujeitas à prescrição: as ações condenatórias;
b)	 Estão sujeitas à decadência: as ações constitutivas com
prazo. Nesse ponto, urge salientarmos que as ações constitutivas
– aquelas pelas quais se exerce um direito potestativo – poderão
ser com prazo ou sem prazo. Exemplo de ação constitutiva com
prazo: a ação anulatória (art. 178, CC). Exemplo de ação consti-
tutiva sem prazo: a ação de divórcio. Por isso, dizemos que estão
sujeitas à decadência as ações constitutivas com prazo.
c)	 Ações Imprescritíveis ou Ações Perpétuas: (isto é, não
estão sujeitas a nenhum prazo prescricional ou decadencial): as
ações constitutivas sem prazo, já expostas anteriormente e as
ações declaratórias, uma vez que essa modalidade de ação não
causa intranquilidade social ou insegurança jurídica, pois objeti-
va tão somente a obtenção de uma certeza jurídica, não implican-
do em modificação no mundo exterior. Em outras palavras, não
há, aqui, razão a justificar a estipulação legal de prazo extintivo.
Convém realçar que, a princípio, todas as ações são prescritíveis,
sendo a perpetuidade exceção à regra.
4.	 REGRAS SOBRE A PRESCRIÇÃO
Em conformidade com o art.189 do novo Diploma Civil,
consagrador da teoria actio nata, é possível concluir que o
prazo prescricional começa a correr no instante em que o direito
subjetivo é violado. Na hipótese de direito obrigacional, esta lesão
ocorre no momento em que, no dia do vencimento, o devedor não
cumpre a prestação que lhe é imposta. Em se tratando de direito
real, a violação resta configurada quando terceiro perturba seu
exercício.
O cômputo do prazo prescricional é feito excluindo-se o dia
do começo (dies a quo non computatur in termine) e incluindo-se
o dia final (dies ad quem computatur in termine). Deste modo, a
prescrição consuma-se no derradeiro dia do lapso temporal, que,
se for feriado, prorroga-se para o primeiro dia útil subsequente.
A prescrição da exceção (art. 190, CC). A exceção prescreve
no mesmo prazo em que a pretensão. Desse modo, se não se
pode mais exigir aquela pretensão, também não se poderá
alegá-la como defesa. Exemplo: João é credor de Maria. Com
o vencimento da dívida, nasce para João a pretensão que será
extinta pela prescrição com decurso de um prazo predeterminado.
Se imaginarmos que, posteriormente, Maria se torne credora de
João, por outra razão qualquer, temos que, chegado o vencimento
da dívida, João não arca com a sua obrigação. Por óbvio, nasce
para Maria uma pretensão. Maria, diligentemente, ajuíza a ação
condenatória cabível dentro do prazo prescricional. Diante desse
quadro,seriapossívelaJoãoalegaremsua defesa,operando-seem
seu favor uma possível compensação, levando-se em consideração
a anterior dívida já prescrita? Pelo CC 2002, decerto que não,
uma vez que a defesa prescreve no mesmo prazo que a pretensão,
isto é, a pretensão não poderá ser alegada em matéria de defesa.
Impossibilidade de alteração dos prazos prescricionais pela
vontade das partes. As normas sobre prescrição são de ordem
pública, não podendo ser afastadas pela vontade das partes,
diferentemente da decadência que pode ter origem convencional,
conforme veremos oportunamente. Conforme disposto no artigo
192 os prazos prescricionais não podem ser alterados por
vontade das partes. Esse raciocínio se amolda perfeitamente à
impossibilidade de se renunciar previamente à prescrição, como
demonstraremos a seguir.
Renúncia a Prescrição. O art.191 estatui que a prescrição é
renunciável apenas após a consumação do prazo prescricional,
ainda assim, desde que feita sem prejuízo a terceiro, ou seja,
passa a ser admitida a renúncia à prescrição por parte do que
dela se beneficia: o devedor. Está superada portanto a admissão
da renúncia prévia, pois a renúncia somente é possível após a
consumação da prescrição.
Ou seja, para atentarmos à possibilidade de renúncia da
prescrição, devemos visualizar primeiro a quem o implemento da
prescrição favorece. Quando se extingue a pretensão, diante da
inércia do credor, o devedor encontra-se desonerado da dívida.
Assim, fica claro que a prescrição beneficia o devedor. Pois bem.
Imaginemos que, não obstante o devedor se encontre desonerado
da dívida, ele resolva honrar a obrigação e pagá-la. Isso se mostra
plenamente possível e viável. Na verdade, o que está ocorrendo
nessa hipótese é a renúncia à prescrição. Portanto, só poderá
renunciar à prescrição quem se beneficia dela, e já sabemos
que quem se beneficia dela é a figura do devedor. Porém, releva
notar que, para que se admita a renúncia à prescrição torna-se
necessário o preenchimento de dois requisitos:
Didatismo e Conhecimento 59
DIREITO CIVIL
a)	 Que o prazo prescricional já esteja consumado. É dizer
que não se admite a renúncia prévia da prescrição, a renúncia de
um prazo prescricional ainda em curso. Se a prescrição se apre-
senta como matéria de ordem pública, pois interessa a toda a so-
ciedade, é claro que, antes de consumado o prazo prescricional,
não poderá, por exemplo, o credor entabular um contrato com o
devedor pelo qual municiando o credor contra si próprio ad infi-
nitum. Agora, após ter se efetivado a prescrição, óbice nenhum há
para que o devedor queira pagar o seu credor.
b)	 Que a renúncia não prejudique a terceiro. Desse modo,
não pode o devedor renunciar à prescrição, ainda que o prazo já
esteja consumado, porém, em razão de sua insolvência, prejudi-
cando a outros credores que eventualmente possua. Nesse caso,
prevalecerá o interesse dos credores cuja dívida não esteja pres-
crita, de modo que a renúncia poderá ser anulada por estes, por
meio de ação pauliana.
A renúncia é ato de vontade unilateral e não receptício -
dispensando, deste modo, a aceitação do beneficiado para operar
- que implica na abdicação do direito de invocar a prescrição
como matéria de defesa. O artigo 191 retro aludido estabelece que
ela pode ser expressa, ou seja, manifestada de qualquer forma,
inclusive verbal; ou tácita, quando, de acordo com as lições de
Miguel Maria de Serpa Lopes, “resulta de um fato incompatível
com a vontade de se valer da prescrição”. Podendo ainda ser
admitida a renúncia judicial da prescrição.
Suprimento de ofício pelo Juiz. O artigo 194 do CC de 2002
foi revogado pela recente Lei n. 11.280/2006, que regia que o juiz
não podia suprir de ofício a alegação de prescrição, salvo se fosse
para favorecer absolutamente incapaz. Além da revogação, a
referida lei alterou o art. 219, § 5º, do CPC, que passou a prever
que o juiz deve conhecer de ofício a prescrição.
Momento de alegação da prescrição. Ressalte-se, outrossim,
que, a prescrição pode ser invocada pela parte interessada
(logicamente pelo devedor) em qualquer grau de jurisdição.
Neste sentido são as lições do artigo 193 do CC. Insta esclarecer,
todavia, que, a prescrição não será conhecida pelo STF e STJ
se alegada originariamente em grau de recurso extraordinário
e especial, em face da exigência de pré-questionamento da
matéria nas instâncias inferiores. Registre-se, ademais, que, em
conformidade com o art. 741, VI do CPC, não é possível invocar
a prescrição em embargos à execução fundada em título judicial,
salvo se superveniente à sentença.
Responsabilização do representante da pessoa jurídica e
do assistente do relativamente incapaz. Por força do art. 195
do CC, “os relativamente incapazes e a pessoas jurídicas têm
ação contra seus assistentes ou representantes legais que derem
causa à prescrição ou não a alegarem oportunamente”. Note-se
que o dispositivo não abrange os absolutamente incapazes. Isto
porque contra eles há causa impeditiva a obstar o transcurso
do prazo prescricional. Este artigo deverá ser interpretado
conjuntamente com o art. 186 do CC, isto é, para se demandar
contra o representante é necessário que este tenha agido com dolo
ou culpa.
Continuação da prescrição. Demais disso, urge atentar para
o art. 196 do CC, consoante o qual “a prescrição iniciada contra
uma pessoa continua a correr contra o seu sucessor”. Cuida-
se da denominada acessio praescriptionis. A codificação novel
substitui a expressão herdeiro pelo termo sucessor. Dessa forma,
o texto é mais uma vez ampliativo, diante da possibilidade de
continuidade da prescrição, tanto em decorrência de ato mortis
causa (testamento ou legado) quanto inter vivos (compra ou
sucessão de empresas).
Por fim, os estimados professores baianos, Pablo Stolze
e Rodolfo Pamplona, chegam à seguinte conclusão: “para a
consumação da prescrição e, no que couber, da decadência, faz-se
mister, em síntese, a conjugação de quatro fatores bem nítidos:
a) Existência de um direito exercitável;
b) Inércia do titular pelo não-exercício;
c) Continuidade da inércia por certo tempo;
d) Ausência de fato ou ato impeditivo, suspensivo ou
interruptivo do curso da prescrição, requisito aplicável à
decadência excepcionalmente, somente por previsão legal
específica.”
4.1	 DAS CAUSAS QUE IMPEDEM OU SUSPENDEM A
PRESCRIÇÃO
O prazo prescricional pode ser impedido, suspenso ou
interrompido por causas diversas, elencadas no Código Civil.
O impedimento constitui-se em fato que não permite o início
do transcurso do lapso temporal prescricional. Na suspensão, ao
revés, o prazo começa a correr, mas é momentaneamente cessado,
aproveitando-se, todavia, o período já transcorrido. Extinguindo-
se a causa ensejadora da suspensão, o prazo retoma seu curso,
não se perdendo o tempo já decorrido.
Neste diapasão, vale ressaltar as dicções de Francisco
Amaral, verbo ad verbum: “Suspensa a prescrição, o direito
subjetivo permanece inextinguível pelo decurso de tempo, embora
inerte seu titular. O devedor fica também impossibilitado de
invocar a prescrição contra o credor”.
Saliente-se que as causas impeditivas e suspensivas da
prescrição são as mesmas, estando relacionadas no arts. 197,
198 e 199 do CC, já que, conforme salientado por Pablo Stolze
e Rodolfo Pamplona “a priori não há diferença ontológica entre
impedimento e suspensão da prescrição, pois ambas são formas
de paralisação do prazo prescricional. A sua diferença fática é
quanto ao termo inicial...”
No art. 197, CC, são causas impeditivas ou suspensivas de
caráter subjetivo bilateral (porque o fator que impede ou suspende
a prescrição de correr é atinente às condições pessoais de ambas
as partes):
a) Entre cônjuges, na constância da sociedade conjugal.
Vide Enunciado nº 296, CJF: “Não corre a prescrição entre
os companheiros, na constância da união estável.” Justifica-
se este inciso, de acordo com Miguel Maria de Serpa Lopes,
pela necessidade de preservar a paz na família. Deste modo, a
prescrição de qualquer pretensão tocante a direitos patrimoniais
pode ser invocada pelos cônjuges entre si, tendo, o prazo
respectivo, início ou continuidade com a dissolução da sociedade
conjugal.
b) Entre ascendentes e descendentes, durante o poder
familiar. Disposição igualmente embasada na paz e tranquilidade
da família.
c) Entre tutelados e curatelados e seu tutores ou curadores,
durante a tutela ou curatela.
Já no art. 198, CC encontramos as causas subjetivas
unilaterais. Recebem essa designação porque o fator impeditivo
ou suspensivo diz respeito à condições pessoais de uma das
partes, que inviabiliza o transcurso da prescrição. Por isso, corre
a prescrição:
Didatismo e Conhecimento 60
DIREITO CIVIL
a)	 Contra os absolutamente incapazes;
b)	 Contra os ausentes do País em serviço público da União,
dos Estados ou dos Municípios;
c)	 Contra os que se acharem servindo nas Forças Armadas,
em tempo de guerra.
Cumpre atentar para o fato de que o lapso prescricional não
correrá contra tais pessoas, correndo, entretanto, em prol delas.
O art. 199 do CC traz as chamadas causas objetivas ou
materiais. Na realidade, desnecessária a referência que o
legislador faz a essa hipóteses, pois como, perceberemos, são
situações em que, na verdade, nem pretensão há. Assim, é possível
enumerar as seguintes causas impeditivas ou suspensivas de
caráter objetivo, isto é, referentes à relação jurídica:
a) Pendência de condição suspensiva.
De acordo com o art. 125 do CC, enquanto tal condição não
se verificar, “não se terá adquirido o direito a que ela visa”. Ora,
não se pode vislumbrar prescrição de uma pretensão relativa a
direito que ainda não se adquiriu.
a) Não vencimento do prazo. Tal ocorre porque, enquanto não
vencido o prazo, o direito não se configura.
b) Pendência de ação de evicção. Miguel Maria de Serpa
Lopes pontifica que “a razão de ser desse preceito assenta em que
só depois de ganha a demanda pelo evictor é que o comprador
evicto tem ação contra o vendedor para obrigá-lo a responder
pela evicção (Ac. Do 2º Grupo de câmaras Cívil do TJSP, de
16/5/1946, RT, 157, p.682)”.
Consoante salienta Pablo Stolze e Rodolfo Pamplona, em
todas as situações aventadas no art. 199 (causas interruptivas e
suspensivas de caráter objetivo) a pretensão ainda não surgiu,
não sendo possível, pois, cogitar-se em prescrição. Tal observação
evidencia ser, tal cânone, desnecessário.
Convém destacar, neste tópico, a redação do art. 200, CC,
em conformidade com o qual, “quando a ação se originar de fato
que deva ser apurado no juízo criminal, não correrá a prescrição
antes da respectiva sentença definitiva”.
Por fim, ressalte-se que o art. 201, CC estatui que a suspensão
da prescrição em favor de um dos credores solidários só aproveita
os outros se a obrigação for indivisível.
Francisco Amaral lembra outras causas impeditivas e
suspensivas do lapso prescricional presentes em leis extravagantes.
Assim, exempli gratia, a Lei de Falências dispõe, no art.47, que
fica suspenso o curso da prescrição relativa a obrigações do
falido; o Decreto-lei 9228/46 determina que não corre a prescrição
durante o processo de liquidação extrajudicial de Bancos e Casas
Bancárias.
4.2	 DAS CAUSAS QUE INTERROMPEM APRESCRIÇÃO
A interrupção da prescrição implica na cessação da fluência
do prazo respectivo, inutilizando-se o tempo já transcorrido.
Desaparecida a causa interruptiva, inicia-se a contagem de novo
lapso temporal prescricional. Em regra, a interrupção depende de
um ato de vontade do titular do direito subjetivo lesado, tendente
à proteção ou exercício desse direito.
A respeito das diferenças entre as causas impeditivas,
suspensivas e interruptivas do prazo prescricional, Miguel Maria
deSerpaLopesexplicita: “Oscasosdeimpedimentoedesuspensão
da prescrição irmanam-se com os da interrupção num determinado
ponto: todos convergem para um efeito comum: atingir o curso de
uma prescrição. Diferem, porém, estruturalmente, na intensidade
e na forma da produção desse efeito. Nas causas de impedimento
e nas de suspensão, que ocorrem quando há um motivo legal para
empecer o início de um lapso prescricional ou para deter o já
iniciado, a prescrição se detém e dorme, para recomeçar a partir
do momento em que tais causas venham a desaparecer; nas causas
de interrupção, o lapso se interrompe para de súbito recomeçar;
nas primeiras (causas suspensivas), o lapso anterior à suspensão
não se reputa perdido, mas se soma ao tempo que sobrevier após a
cessão da suspensão, de modo que o lapso prescricional se perfaz
com a adição do tempo posterior à suspensão ao que lhe correu,
anteriormente, ao passo que na interrupção, mui ao contrário, e
esta é a principal diferença, a prescrição recomeça a correr da
data do ato que a interrompeu, ou do último processo para a
interromper, e recomeçar significa novamente iniciar-se”.
Convém destacar a louvável inovação do novo código,
presente no caput do art. 202, consistente no fato de que a
interrupção, a partir do diploma civil de 2002, somente poderá
ocorrer uma única vez.
Em conformidade com o dispositivo retro citado, são causas
interruptivas da prescrição:
a) O despacho do juiz, mesmo incompetente, que ordenar a
citação, se o interessado a promover no prazo e na forma da lei
processual.
Salta aos olhos a modificação constante do inc. I do art.
202. Com efeito, o código de 1916, no art.172, estabelecia
que a citação pessoal –e não o despacho- interrompia o prazo
prescricional. Esse dispositivo, todavia, era interpretado em
conformidade com os parágrafos 1º e 2º do art. 219 do Livro
Adjetivo que determinavam a retroatividade da interrupção à data
da propositura da ação, desde que a parte promovesse a citação
do réu nos dez dias subsequentes à decisão que a ordenasse. Era
forçoso concluir, assim, que a data de ajuizamento da actio é que
interrompia o prazo prescricional.
A melhor doutrina entende que os dispositivos retro invocados
do Livro dos Ritos não foram revogados. Assim, o despacho
ordenando a citação interromperia o prazo, mas a aludida
interrupção retroagiria ao dia em que a ação fora proposta.
b) O protesto.
Cuida-se da medida cautelar de protesto, regulada pela
lei processual, destinada a prevenir responsabilidade, prover
a conservação e ressalva de direito, feito por petição dirigida
ao juiz, com requerimento de intimação a quem de direito (vide
art.866, CPC).
Por força da ressalva feita ao final do inciso II, art. 202 do
NCC, aplica-se, na hipótese presente, as mesmas regras do inciso
anterior, referentes ao despacho de citação.
c) O protesto cambial.
Há, aqui, inovação em relação ao codex anterior, que previa
apenas o protesto judicial como causa interruptiva do prazo
prescricional. Com tal inciso, resta superada a súmula 153 do STF,
em cujos termos: “simples protesto cambiário não interrompe a
prescrição”.
d) A apresentação do título de crédito em juízo de inventário
ou em concurso de credores. Trata-se da habilitação de crédito,
que revela preocupação e diligência do sujeito ativo, equiparando-
se, para efeitos interruptivos, à propositura de uma ação.
e) Qualquer ato judicial que constitua em mora o devedor.
f) Qualquer ato inequívoco, ainda que extrajudicial, que
importe reconhecimento do direito pelo devedor.
Didatismo e Conhecimento 61
DIREITO CIVIL
Neste caso, diferentemente do ocorrente nas outras hipóteses
arroladas, a interrupção opera-se por ato do devedor, e não do
credor. Para tanto, é necessário que o ato seja inequívoco, ou
seja, fora de dúvidas. Ademais, exige-se a manifestação do sujeito
passivo no sentido de reconhecer o direito pertencente ao sujeito
ativo.
Em conformidade com a redação do art. 203, CC, a prescrição
pode ser interrompida por qualquer interessado.
Quanto aos efeitos da interrupção do prazo prescricional, de
acordo com as lições de Miguel Maria de Serpa Lopes, vige o
princípio do non datur interruptio de persona ad personam active
et passive, ou seja, a interrupção da prescrição aproveita apenas
a quem a promove e prejudica somente aquele contra quem ela se
processa. Neste sentido reza o caput do art. 204, do CC.
Observe-se, porém, que, em se tratando de obrigações
solidárias, a interrupção da prescrição beneficiará todos os
credores ou prejudicará todos os devedores, conforme o caso
(parágrafo 1º).
Demais disso, a interrupção contra o devedor principal
prejudica o fiador (parágrafo 3º).
4.3	 DOS PRAZOS DA PRESCRIÇÃO
Na sistemática do Código Civil, são prescricionais apenas
e tão-somente os prazos fixados, em numerus clausus, nos arts.
205 e 206 do CC. Tal fato, todavia, não impede que a legislação
especial estabeleça outros interstícios temporais para o exercício
de pretensões atinentes a direitos que regulem.
É o caso, por exemplo, do Decreto 20.910/1932, que regula
a prescrição de pretensões contra a Fazenda federal, estadual e
municipal, nos seguintes e precisos termos: “art. 1º. As dívidas
passivas da União, dos Estados e dos Municípios, bem assim todo
e qualquer direito ou ação contra a Fazenda federal, estadual ou
municipal, seja qual for a sua natureza, prescrevem em 5 (cinco)
anos, contados da data do ato ou fato do qual se originarem”.
Não obstante o dispositivo supra transcrito fixe o prazo
prescricional em cinco anos, seja qual for a natureza da “ação”, a
jurisprudência, à época do código de 1916, assentou entendimento
de que tal artigo alcançaria apenas aquelas de cunho pessoal, não
assim, as reais (não se olvide, entretanto, que, diante do novo
codex, torna-se mais adequado substituir o vocábulo ação por
pretensão). Isto porque, se assim não o fosse, abrir-se-ia ao Estado
o direito de usucapir em cinco anos. Ora, não havendo lei alguma
estabelecendo tal direito, como não há, deve-se entender que ele
se submete às condições normais para a aquisição da propriedade,
fixadas nos artigos 550 e 551 do código antigo, hodiernamente
constantes nos cânones 1238 e 1242.
Isto posto, voltemos aos prazos prescricionais estabelecidos
no novo código.
A doutrina, com lastro na lei antiga, costumava classificar
tais lapsos temporais em ordinários e especiais. Adaptando-se
tal classificação à nova lei, podemos asseverar que os primeiros
compreendem a regra geral, incidente sobre toda e qualquer
pretensão não submetida a prazo legal específico. Frise-se,
portanto, que toda pretensão prescreve. Tal norma geral é
estabelecida no art. 205, nos termos que se seguem: “A prescrição
ocorre em 10(dez) anos, quando a lei não lhe haja fixado prazo
menor”.
Cumpre observar que o prazo aludido foi reduzido. Com
efeito, o art. 177 do CC/1916 fixava em vinte anos o prazo para
a prescrição das “ações” pessoais e em dez (entre presentes) ou
quinze anos (entre ausentes), para as “ações” reais.
Os prazos prescricionais especiais, por seu turno,
compreendem as pretensões submetidas à disposição legal
especial, que afasta a incidência da norma geral. Assim sendo,
são especiais os prazos fixados no art. 206 do CC.
5.	 REGRAS SOBRE O INSTITUTO DA DECADÊNCIA
Insta realçar, a priori, que o prazo decadencial tem termo a
quo distinto do prescricional. A respeito do tema, convém destacar
o magistério de J. M. Leoni Lopes de Oliveira: “Na decadência,
seu início (do prazo) é diverso do da prescrição. Na prescrição,
o prazo começa a correr a partir da lesão, isto é, no momento em
que nasce a pretensão de direito material. Na decadência, o seu
início se dá com o nascimento do direito potestativo”.
Saliente-se, ademais, que, ao contrário da prescrição, fixada
apenas em lei, a decadência pode ser legal ou convencional.
Suprimento de Ofício. Em se tratando de decadência legal,
deve ser reconhecida de ofício pelo magistrado (vide art. 210 do
CC). Por isso, o Juiz deve pronunciar a decadência legal de ofício,
julgando o pedido improcedente com a resolução do mérito (art.
269, IV, CPC). Na segunda hipótese, em que o instituto é fruto
da autonomia de vontade dos negociantes, o reconhecimento da
decadência pelo juiz subordina-se à alegação da parte a quem
aproveita.
Momento de Alegação. O artigo 211 do CC dispõe que em
se tratando de decadência convencional, a parte a quem aproveita
pode alegá-la em qualquer grau de jurisdição. Cabe também tal
regra a decadência legal por envolver a ordem pública e interesses
da coletividade. Vale, aqui, a mesma restrição atinente à exigência
de pré-questionamento para a invocação da matéria em recursos
especial e extraordinário.
Causas Impeditivas, Suspensivas e Interruptivas. Em
princípio, os prazos decadenciais são fatais e peremptórios,
não comportando suspensão nem interrupção. Esta regra,
consubstanciada no art. 207 do CC, todavia, admite exceções
legais. A propósito, convém registrar as lições de Carlos Roberto
Gonçalves: “A inserção da expressão ‘salvo disposição legal em
contrário’ no aludido dispositivo (art. 207, CC) tem a finalidade
de definir que tal regra não é absoluta, bem como de esclarecer
que não são revogados os casos em que um dispositivo legal,
atualmente em vigor (como o art. 26, parágrafo 2º, do CDC, p. ex),
determine, para atender a hipótese especialíssima, a interrupção
ou suspensão de prazo de decadência. Tal ressalva tem também o
condão de acentuar que a regra do art. 207 é de caráter geral, só
admitindo exceções por lei, e não pela simples vontade das partes
quando a lei não lhes dá tal faculdade”.
Renúncia à Decadência. O art. 209 prescreve a nulidade
da renúncia à decadência fixada em lei (decadência legal). Tal
ocorre devido à natureza pública do instituto, conforme realçado
em tópico anterior. Note-se que tal dispositivo não abrange a
decadência convencional, que, diversamente, possui natureza
privada, admitindo, por conseguinte, a renúncia.
Por força do art. 208, o prazo decadencial não corre contra
os absolutamente incapazes. Demais disso, em virtude do mesmo
preceito, os relativamente incapazes e as pessoas jurídicas têm
ação contra os seus assistentes ou representantes legais que derem
causa à decadência ou não a alegarem oportunamente.
Didatismo e Conhecimento 62
DIREITO CIVIL
Prazos Decadenciais. De acordo com a nova disciplina
conferida à matéria, todos os prazos previstos no Código Civil,
em sua parte geral ou especial, que não estejam incluídos nos arts.
205 e 206 do CC, são decadenciais.
Ao revés dos prazos prescricionais, os prazos decadenciais
não se encontram concentrados na parte geral do CC, como os
de prescrição. Encontramos sim, prazos de decadência na parte
geral, nos arts. 178, 179 e no parágrafo único do artigo 119. Os
demais estão espalhados pela parte especial do CC.
Por fim, registre-se que os direitos potestativos para os quais
a lei não estabelece prazo de exercício de modo específico são
“imprescritíveis” ou, nas palavras de Agnelo Amorim Filho,
perpétuos, já que em relação a eles não há norma geral semelhante
àquela estabelecida para a prescrição, constante do art. 205 do CC.
6.	 OS PRAZOS E O DIREITO INTERTEMPORAL
A questão que se coloca no presente tópico diz respeito às
situações jurídicas pendentes, ou seja, aos prazos extintivos que
estavam em andamento quando da entrada em vigor do novo
Código Civil, que fixou, conforme visto acima, lapsos temporais
diferentes daqueles previstos na Lei Substantiva anterior. Nessa
perspectiva, como conciliar a lei antiga com a nova?
Procurando solucionar o problema, o art. 2028 do NCC
estabeleceu o seguinte: “Art. 2028. Serão os da lei anterior os
prazos, quando reduzidos por este Código, e se, na data de sua
entrada em vigor, já houver transcorrido mais da metade de tempo
estabelecido na lei revogada”.
Assim, o prazo da lei antiga incidirá desde que o prazo tenha
sido diminuído pela lex nova, bem assim, que na data de entrada
em vigor do novel codex, tenha transcorrido mais da metade do
tempo.
Note-se, entretanto, que o dispositivo em tela não abraça
todas as hipóteses passíveis de ocorrência no mundo dos fatos.
Deste modo, para as situações por ela não regulamentadas, é de
se aplicar as seguintes regras, propostas por Wilson de Souza
Campos Batalha, citadas por Pablo Stolze e Rodolfo Pamplona:
“I- Se a lei nova aumenta o prazo de prescrição ou de
decadência, aplica-se o novo prazo, computando-se o tempo
decorrido na vigência da lei antiga;
II- Se a lei nova reduz o prazo de prescrição ou decadência,
há que se distinguir:
a) se o prazo maior da lei antiga se escoar antes de findar o
prazo menor estabelecido pela lei nova, adota-se o prazo da lei
anterior;
b) se o prazo menor da lei nova se consumar antes de
terminado o prazo maior previsto pela lei anterior, aplica-se o
prazo da lei nova, contando-se o prazo a partir da vigência desta”.
Quadro explicativo:
PRESCRIÇÃO DECADÊNCIA
Perde a pretensão Perde o direito
Ação condenatória Ações Constitutivas com prazo
Ação Anulatória Desconstitutiva.
Prevista somente em lei Prevista em lei ou contrato (conven-
cional).
Não pode ser renunciada
previamente
Decadência Legal – Irrenunciável;
Decadência Convencional – Renun-
ciável
Pode ser declarada de
ofício (mudança em
2006)
Decadência legal, deve ser reconhe-
cida de ofício pelo magistrado.
Decadência convencional o reco-
nhecimento da decadência pelo juiz
subordina-se à alegação da parte a
quem aproveita.
Pode ser o prazo suspen-
so (art. 197, 198 e 199,
Código Civil), ou
interrompido (art. 202 –
uma única vez).
Não se suspende ou não se inter-
rompe
Prazos
•	 Gerais (art.
205) – 10 anos
•	 Especiais – 206
– 1,2,3,4 ou 5 anos
Em regra não há prazo geral – art.
179.
Prazo especial – em dias, meses,
ano e dia.. espalhados pelo Código
Civil.
PRESCRIÇÃO E DECADÊNCIA.
CAPÍTULO I
Da Prescrição
Seção I
Disposições Gerais
Art. 189. Violado o direito, nasce para o titular a preten-
são, a qual se extingue, pela prescrição, nos prazos a que alu-
dem os arts. 205 e 206.
Art. 190. A exceção prescreve no mesmo prazo em que a
pretensão.
Art. 191. A renúncia da prescrição pode ser expressa ou
tácita, e só valerá, sendo feita, sem prejuízo de terceiro, depois
que a prescrição se consumar; tácita é a renúncia quando se
presume de fatos do interessado, incompatíveis com a prescri-
ção.
Art. 192. Os prazos de prescrição não podem ser alterados
por acordo das partes.
Art. 193. A prescrição pode ser alegada em qualquer grau
de jurisdição, pela parte a quem aproveita.
Art. 194. (Revogado pela Lei nº 11.280, de 2006)
Art. 195. Os relativamente incapazes e as pessoas jurídicas
têm ação contra os seus assistentes ou representantes legais,
que derem causa à prescrição, ou não a alegarem oportuna-
mente.
Art. 196. A prescrição iniciada contra uma pessoa conti-
nua a correr contra o seu sucessor.
Seção II
Das Causas que Impedem ou Suspendem a Prescrição
Art. 197. Não corre a prescrição:
I - entre os cônjuges, na constância da sociedade conjugal;
II - entre ascendentes e descendentes, durante o poder fa-
miliar;
III - entre tutelados ou curatelados e seus tutores ou cura-
dores, durante a tutela ou curatela.
Art. 198. Também não corre a prescrição:
I - contra os incapazes de que trata o art. 3o
;
Didatismo e Conhecimento 63
DIREITO CIVIL
II - contra os ausentes do País em serviço público da União,
dos Estados ou dos Municípios;
III - contra os que se acharem servindo nas Forças Arma-
das, em tempo de guerra.
Art. 199. Não corre igualmente a prescrição:
I - pendendo condição suspensiva;
II - não estando vencido o prazo;
III - pendendo ação de evicção.
Art. 200. Quando a ação se originar de fato que deva ser
apurado no juízo criminal, não correrá a prescrição antes da
respectiva sentença definitiva.
Art. 201. Suspensa a prescrição em favor de um dos cre-
dores solidários, só aproveitam os outros se a obrigação for
indivisível.
Seção III
Das Causas que Interrompem a Prescrição
Art. 202. A interrupção da prescrição, que somente poderá
ocorrer uma vez, dar-se-á:
I - por despacho do juiz, mesmo incompetente, que orde-
nar a citação, se o interessado a promover no prazo e na forma
da lei processual;
II - por protesto, nas condições do inciso antecedente;
III - por protesto cambial;
IV - pela apresentação do título de crédito em juízo de in-
ventário ou em concurso de credores;
V - por qualquer ato judicial que constitua em mora o de-
vedor;
VI - por qualquer ato inequívoco, ainda que extrajudicial,
que importe reconhecimento do direito pelo devedor.
Parágrafo único. A prescrição interrompida recomeça a
correr da data do ato que a interrompeu, ou do último ato do
processo para a interromper.
Art. 203. A prescrição pode ser interrompida por qualquer
interessado.
Art. 204. A interrupção da prescrição por um credor não
aproveita aos outros; semelhantemente, a interrupção operada
contra o co-devedor, ou seu herdeiro, não prejudica aos demais
coobrigados.
§ 1o
A interrupção por um dos credores solidários apro-
veita aos outros; assim como a interrupção efetuada contra o
devedor solidário envolve os demais e seus herdeiros.
§ 2o
A interrupção operada contra um dos herdeiros do de-
vedor solidário não prejudica os outros herdeiros ou devedo-
res, senão quando se trate de obrigações e direitos indivisíveis.
§ 3o
A interrupção produzida contra o principal devedor
prejudica o fiador.
Seção IV
Dos Prazos da Prescrição
Art. 205. A prescrição ocorre em dez anos, quando a lei
não lhe haja fixado prazo menor.
Art. 206. Prescreve:
§ 1o
Em um ano:
I - a pretensão dos hospedeiros ou fornecedores de víveres
destinados a consumo no próprio estabelecimento, para o pa-
gamento da hospedagem ou dos alimentos;
II - a pretensão do segurado contra o segurador, ou a deste
contra aquele, contado o prazo:
a) para o segurado, no caso de seguro de responsabilidade
civil, da data em que é citado para responder à ação de indeni-
zação proposta pelo terceiro prejudicado, ou da data que a este
indeniza, com a anuência do segurador;
b) quanto aos demais seguros, da ciência do fato gerador
da pretensão;
III - a pretensão dos tabeliães, auxiliares da justiça, ser-
ventuários judiciais, árbitros e peritos, pela percepção de emo-
lumentos, custas e honorários;
IV - a pretensão contra os peritos, pela avaliação dos bens
que entraram para a formação do capital de sociedade anôni-
ma, contado da publicação da ata da assembléia que aprovar
o laudo;
V - a pretensão dos credores não pagos contra os sócios ou
acionistas e os liquidantes, contado o prazo da publicação da
ata de encerramento da liquidação da sociedade.
§ 2o
Em dois anos, a pretensão para haver prestações ali-
mentares, a partir da data em que se vencerem.
§ 3o
Em três anos:
I - a pretensão relativa a aluguéis de prédios urbanos ou
rústicos;
II - a pretensão para receber prestações vencidas de ren-
das temporárias ou vitalícias;
III - a pretensão para haver juros, dividendos ou quais-
quer prestações acessórias, pagáveis, em períodos não maiores
de um ano, com capitalização ou sem ela;
IV - a pretensão de ressarcimento de enriquecimento sem
causa;
V - a pretensão de reparação civil;
VI - a pretensão de restituição dos lucros ou dividendos
recebidos de má-fé, correndo o prazo da data em que foi deli-
berada a distribuição;
VII - a pretensão contra as pessoas em seguida indicadas
por violação da lei ou do estatuto, contado o prazo:
a) para os fundadores, da publicação dos atos constitutivos
da sociedade anônima;
b) para os administradores, ou fiscais, da apresentação,
aos sócios, do balanço referente ao exercício em que a violação
tenha sido praticada, ou da reunião ou assembléia geral que
dela deva tomar conhecimento;
c) para os liquidantes, da primeira assembléia semestral
posterior à violação;
VIII - a pretensão para haver o pagamento de título de
crédito, a contar do vencimento, ressalvadas as disposições de
lei especial;
IX - a pretensão do beneficiário contra o segurador, e a
do terceiro prejudicado, no caso de seguro de responsabilidade
civil obrigatório.
§ 4o
Em quatro anos, a pretensão relativa à tutela, a contar
da data da aprovação das contas.
§ 5o
Em cinco anos:
I - a pretensão de cobrança de dívidas líquidas constantes
de instrumento público ou particular;
II - a pretensão dos profissionais liberais em geral, procu-
radores judiciais, curadores e professores pelos seus honorá-
rios, contado o prazo da conclusão dos serviços, da cessação
dos respectivos contratos ou mandato;
III - a pretensão do vencedor para haver do vencido o que
despendeu em juízo.
Didatismo e Conhecimento 64
DIREITO CIVIL
CAPÍTULO II
Da Decadência
Art. 207. Salvo disposição legal em contrário, não se apli-
cam à decadência as normas que impedem, suspendem ou in-
terrompem a prescrição.
Art. 208. Aplica-se à decadência o disposto nos arts. 195 e
198, inciso I.
Art. 209. É nula a renúncia à decadência fixada em lei.
Art. 210. Deve o juiz, de ofício, conhecer da decadência,
quando estabelecida por lei.
Art. 211. Se a decadência for convencional, a parte a quem
aproveita pode alegá-la em qualquer grau de jurisdição, mas o
juiz não pode suprir a alegação.
EXERCÍCIOS
1- (TÉCNICO JUDICIÁRIO – TJ/MT – 2008 – VUNESP)
Sobre o fenômeno da repristinação, pode-se dizer que:
(A) somente será admitido em nosso ordenamento jurídico
para modificar a coisa julgada material.
(B) somente será admitido em nosso ordenamento jurídico
para modificar a coisa julgada formal.
(C) não será admitido em nosso ordenamento jurídico.
(D) poderá ser admitido em nosso ordenamento jurídico so-
mente para fins de cumprimento de sentença estrangeira.
(E) poderá ser aplicado por convenção das partes.
2- (ADVOGADO ESPECIALISTA EM PROCESSO CIVIL –
CESP – 2009 – VUNESP)
É correto afirmar que:
(A) as correções a texto de lei já em vigor não são conside-
radas lei nova.
(B) a lei revogada se restaura por ter a lei revogadora perdido
a vigência.
(C) a lei nova, que estabeleça disposições gerais ou especiais
a par das já existentes, não revoga nem modifica a anterior.
(D) mesmo que se destine à vigência temporária, a lei terá
vigor até que outra a modifique ou revogue.
(E) salvo disposição contrária, a lei começa a vigorar em
todo o País 3 meses depois de oficialmente publicada.
3- (EXAME OAB/SP N. 137 – 2009 – CESPE)
A Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, contém
princípios gerais sobre as normas sem qualquer discriminação,
indicando como aplicá-las, determinando-lhes a vigência e efi-
cácia, suas projeções nas situações conflitivas, evidenciando os
respectivos elementos de conexão determinantes das normas subs-
tantivas aplicáveis no caso de haver conflito de leis no tempo e
no espaço (Maria Helena Diniz. Curso de direito civil brasileiro.
Teoria geral do direito civil. Vol. 1, 24.ª ed., São Paulo, Saraiva,
2007). Considerando as ideias do texto acima e os dispositivos da
LICC, assinale a opção correta.
(A) Em caso de lacunas, a LICC estabelece mecanismos de
integração de normas, tais como a analogia, os costumes e os
princípios gerais de direito.
(B) Na interpretação sociológica da norma, o aplicador exa-
mina cada termo do texto normativo, isolada ou sintaticamente,
atendendo à pontuação, colocação de vocábulos e origem etimo-
lógica das palavras.
(C) Na aplicação da norma, observa-se a existência do crité-
rio de subsunção quando, ao aplicar a norma ao caso, o juiz não
encontra norma que lhe seja aplicável.
(D) A obrigação torna sem efeito uma parte da lei.
4- (TJ/DFT_2003)
A pretensão de reparação civil, de acordo com o vigente
Código Civil, prescreve:
(A) em vinte anos;
(B) em cinco anos;
(C) em três anos;
(D) em dez anos.
5- (25º Concurso MP/DFT)
Julgue os itens abaixo.
I) Tanto no Código Civil em vigor como no novo, a doação
pode ser revogada por ingratidão do donatário ou inexecução do
encargo.
II) Em tema de responsabilidade civil, o novo Código Civil
prevê a obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa,
quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano
implicar, por sua natureza, riscos para o direito de outrem.
III) De acordo com o novo Código Civil, a indenização
decorrente de ato ilícito mede-se pela extensão do dano, não
podendo o juiz reduzir o valor indenizatório ainda que haja
desproporção entre a gravidade da culpa e o dano.
IV) O novo Código Civil exige os mesmos pressupostos que o
Código de Defesa do Consumidor para que seja operada a revisão
do contrato de trato sucessivo, em face de onerosidade excessiva
para o comprador de determinado bem.
Estão certos apenas os itens
(A) I e II.
(B) I e III.
(C) II e IV.
(D) III e IV.
6- (26º Concurso MP/DFT)
Julgue os itens abaixo, conforme disciplina constante no
Código Civil (Lei 10.406/02).
I) O estado de perigo configura-se independentemente do
conhecimento do grave dano pela outra parte.
II) A resolução por onerosidade excessiva não se aplica aos
contratos de execução instantânea.
III) É acidental o dolo que, a seu despeito, o negócio seria
realizado, embora por outro modo.
IV) A lesão, embora não seja classificada como defeito do
negócio jurídico, enseja a invalidação do contrato, bem como a
restituição das partes ao estado anterior.
Estão corretos apenas os itens
(A) - I e II
(B) - I e III
(C) - II e III.
(D) - III e IV.
(E) - I e IV.
7- (XI Concurso TRF 1ª Região_2005)
Acerca da Responsabilidade Civil, julgue os itens:
I) No Código Civil de 2002 tem-se como regra geral a
responsabilidade subjetiva, embora alguns autores admitam que,
com o novo texto, a regra geral é a da responsabilidade objetiva.
Didatismo e Conhecimento 65
DIREITO CIVIL
II) A admissão do dano moral, embora não possa ser
cumulado com o dano patrimonial, fundamenta-se, unicamente,
no Código Civil.
III) Para a fixação da indenização por dano patrimonial e
do dano moral é irrelevante o binômio possibilidade-necessidade.
IV) A pedagogia da pena é elemento caracterizador e
imprescindível para a admissão da indenização por danos
patrimoniais e morais.
(A) I e II são verdadeiros;
(B) somente o I é verdadeiro;
(C) II e III são verdadeiros;
(D) I, II e IV são falsos.
8- (XI Concurso TRF 1ª Região_2005)
A responsabilidade civil ambiental foi introduzida no
ordenamento positivo brasileiro com a:
(A) Constituição de 1988;
(B) Lei nº 9.605, de 12.2.98;
(C) Lei nº 7.913, de 07.12.89;
(D) Lei nº 6.938, de 31.8.81.
9- (XLIV Concurso MP/RS)
Considerando o novo Código Civil e as seguintes assertivas:
I) - Incorre em nulidade o negócio jurídico quando apresente
objeto indeterminável.
II) - Nulifica o negócio jurídico ofensa cometida contra lei
imperativa, que tanto pode dar-se por ofensa frontal ou direta,
convencionando-se o que a lei proíbe (“agere contra legem”),
como a partir de negócio jurídico lícito e válido que, por via
reflexa, atinge o resultado proibido (“agere in fraudem legis”).
III) - É nulo o contrato de compra e venda se a fixação do
preço resta com o exclusivo arbítrio de uma das partes.
IV) - É nulo o negócio jurídico praticado direta e pessoalmente
por quem, em razão de causa transitória, não possa exprimir a sua
vontade.
V) - É nulo o negócio jurídico por vício resultante de dolo.
Assinale a alternativa correta:
(A) Somente as assertivas I, II, III e IV estão corretas.
(B) Somente as assertivas I, III e V estão corretas.
(C) Somente as assertivas II, III e V estão corretas.
(D) Somente as assertivas I, II, e IV estão corretas.
(E) Todas as assertivas estão corretas.
10- (XLII Concurso MP/RS)
Uma empresa de vendas de eletrodomésticos publicou em
jornal de grande circulação local um anúncio contendo oferta
de fornos microondas por preço proporcional e convidativo, sem,
contudo, indicar o número de unidades disponíveis. Inúmeros
consumidores acorreram a loja, mas o estabelecimento comercial,
alegando que a publicidade foi veiculada com erro no preço e que
não dispunha de aparelhos para atender à demanda, recusou-
se à venda pelo preço anunciado. Cedendo aos pedidos dos
consumidores e do Procon, a empresa vendeu os aparelhos pelo
preço da oferta, mas, posteriormente, propôs ação de anulação
das vendas. Isso posto, é correto afirmar-se que:
(A) o negócio jurídico é anulável, porque houve erro-
obstáculo.
(B) o negócio jurídico é anulável, porque houve erro-vício.
(C) aplica-se à publicidade a disciplina própria dos atos
jurídicos, inclusive a do erro, porque o fato publicitário depende
da vontade para produzir efeitos, sendo relevantes os vícios que
possam afetar a vontade de sua produção.
(D) o negócio jurídico é válido e eficaz, porque a publicidade,
contato social de consumo, produziu vinculação jurídica negocial
e obrigações, mesmo antes de celebrado contrato de compra e
venda dos eletrodomésticos.
(E) lícita a recusa da empresa a vender os eletrodomésticos
anunciados, porque não há falar em responsabilidade pré-
negocial no direito brasileiro.
11- (83º Concurso MP/SP_2002)
A personalidade civil inicia-se com o nascimento com vida,
colocando-se a salvo os direitos do nascituro, sendo necessário,
todavia, que a criança
(A) se livre totalmente do ventre materno mantendo-se ligada
ao cordão umbilical, mesmo que não apresentando de imediato
sinais de respiração ou viabilidade de sobreviver, ostente forma
humana.
(B) consiga separar-se por inteiro ou parcialmente do ventre
materno respirando, mediante parto natural ou intervenção
cirúrgica, pouco importando que o cordão umbilical não seja
rompido, que seja viável ou não, e que não tenha necessariamente
forma humana.
(C) se separe por inteiro, ou mesmo que parcialmente do
ventre materno, e desligada necessariamente do cordão umbilical,
o parto seja efetuado normalmente, ou por meio de cesariana, e
que respire e tenha forma humana.
(D) venha à luz, ainda que se mantendo ligada ao cordão
umbilical, mesmo que o parto se concretize através de cesariana
ou pelo meio natural, e evidencie possibilidade de poder vir a
respirar.
(E) necessariamente venha à luz, com o rompimento do
cordão umbilical, por meio de parto cesariano ou natural, e que
apresente aptidão vital.
12- (OAB/DF_2004)
Assinale a alternativa correta.
(A) O direito à integridade física compreende a proteção
jurídica ao corpo humano, quer em sua totalidade, quer em
relação a tecidos, órgãos e partes do corpo humano suscetíveis de
separação e individualização;
(B) O indivíduo é livre para deliberar sobre a concessão ou
não de material para fins de exame de DNA. A negativa, entretanto,
gerará presunção absoluta da veracidade do fato que se pretendia
provar;
(C) Não basta o adultério da mulher, ainda que confessado,
para elidir a presunção legal de paternidade;
(D) Cabe ao marido o direito de contestar a paternidade dos
filhos nascidos de sua mulher, sendo tal ação imprescritível.
13- (OAB/PR_2004)
Assinale a alternativa INCORRETA.
(A) Ante o caráter personalíssimo dos direitos de
personalidade, as normas que regem essa ordem de direitos
são dispositivas e supletivas, de modo a preservar a liberdade
individual expressa por meio da autonomia privada.
(B) A agressão aos direitos da personalidade poderá ensejar
a reparação do dano tanto material quanto moral.
(C) A divulgação de escritos, gravações de voz, ou outras
manifestações que a tecnologia permite esbarram na proteção aos
direitos da personalidade e podem gerar direito à indenização,
salvo se autorizadas ou se necessárias à administração da justiça
ou à manutenção da ordem pública.
Didatismo e Conhecimento 66
DIREITO CIVIL
(D) A pessoa não pode dispor de seu próprio corpo, quando
estadisposiçãoimportaremdiminuiçãopermanentedaintegridade
física, ou contrariar os bons costumes, salvo se por exigência
médica, ou para fins de transplante, na forma estabelecida em lei
especial.
14- (MP/RN_2004)
Importantes inovações foram introduzidas no novo Código
Civil, destacando-se da parte geral, pela relevância, a maioridade
civil, os direitos da personalidade, nestes incluídos o direito à
integridade do próprio corpo, ao nome, à privacidade, à imagem,
entre outros. Em vista dos preceitos normativos contidos na citada
parte geral, julgue as assertivas abaixo, assinalando a alternativa
correta:
I) – A personalidade inicia-se no momento do nascimento,
que, em qualquer caso, torna possível a aquisição e perda de
direitos subjetivos pelo indivíduo, ressaltando a nossa lei, também,
os direitos do nascituro;
II) – Os direitos da personalidade não podem ser transferidos
à esfera jurídica de outrem, nem ultrapassar a esfera de seu titular,
com exceção dos casos previstos em lei;
III) – É permitida a doação em vida de órgãos ou tecidos do
próprio corpo, para fins terapêuticos e de transplante, quando
não venha a diminuir permanentemente a integridade física do
doador;
IV) – Em qualquer caso, o Código Civil oferece tutela jurídica
ao pseudônimo adotado contra atentados de terceiros, por gozar
da mesma proteção que se dá ao nome;
V) – Na tutela ao direito à imagem do morto ou do ausente, na
qualidade de lesados indiretos, são partes legítimas para requerer
reparação: o cônjuge, os ascendentes, os descendentes ou os
colaterais até o quarto grau.
(A) I e II estão corretas;
(B) III e IV estão corretas;
(C) IV e V estão corretas;
(D) II e III estão corretas;
(E) I e V estão corretas.
15- (Polícia Civil_ GO 2003)
O novo Código Civil preceitua no seu art. 12, que “se pode
exigir que cesse a ameaça ou a lesão, a direito da personalidade, e
reclamar perdas e danos, sem prejuízo de outras sanções previstas
em lei”. Em caso de morte, tem legitimação para requerer a
medida prevista no artigo citado
(A) o cônjuge sobrevivente e os demais descendentes.
(B) o cônjuge sobrevivente, qualquer parente em linha reta e
colateral até o terceiro grau.
(C) o cônjuge sobrevivente, qualquer parente em linha reta e
colateral até quarto grau.
(D) o cônjuge sobrevivente, qualquer parente em linha reta e
o colateral em segundo grau.
16- (Procuradoria/BA 2002)
Considere as seguintes afirmações:
I). A lei perde a eficácia desde que comprovado o seu desuso
por um período de tempo superior a 10 anos.
II). Denomina-se repristinação o fenômeno pelo qual a lei
revogada é restaurada quando a lei que revogou perdeu a vigência.
III). A lei ordinária só pode ser revogada, de modo parcial
(derrogação) ou total (ab-rogação), por outra lei de natureza e
hierarquia superiores.
IV). Quando um preceito de uma lei contraria uma nova ordem
constitucional falta-lhe fundamento de existência e validade e, por
isso, diz-se que ele não foi recepcionado.
V). Na aplicação da lei sempre será possível a utilização da
equidade.
APENAS está correto o que se afirma em
(A) II e IV.
(B) III e IV.
(C) I e III.
(D) I e V.
(E) II e V.
17- (174º Concurso TJ/SP)
O art. 4º, da Lei de Introdução às Normas do Direito
Brasileiro, ao dispor que, ante a omissão da lei, o Juiz decidirá de
acordo com a analogia e os costumes, é norma
(A) dirigida exclusivamente ao campo do Direito Privado.
(B) dirigida a todos os campos do Direito Positivo.
(C) que se aplica ao campo do Direito Privado, mas não a
todos os campos do Direito Positivo.
(D) que se aplica a todos os campos do Direito Positivo, com
exceção do Direito Penal.
18- (Defensoria Pública/MA_2003)
Comete ato ilícito, ficando civilmente responsável pela
reparação do dano
(A) o causador de qualquer dano, exceto se provar culpa
exclusiva da vítima.
(B) o agente que pratica o ato em legítima defesa de direito de
outrem, cabendo contra este ação regressiva.
(C) aquele que age no exercício regular de um direito
reconhecido, causando dano a outrem, salvo se for servidor
público.
(D) o que age em estado de necessidade, mesmo que o perigo
tenha sido ocasionado pela pessoa lesada ou dono da coisa
destruída.
(E) o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede
manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou
social.
19 - (175º Concurso TJ/SP)
Considere as seguintes afirmações sobre prescrição e
decadência:
I). a prescrição ocorre em 15 (quinze) anos, quando a lei não
lhe haja fixado prazo menor;
II). em nenhuma hipótese o juiz pode suprir, de ofício, a
alegação de prescrição;
III). deve o juiz conhecer, de ofício, da decadência, tanto a
convencional, quanto a estabelecida por lei;
IV). entre as causas que interrompem a prescrição, inclui-se o
protesto, salvo o cambial.
Pode-se afirmar que não são integralmente corretas as
afirmações
(A) I e II, somente.
(B) III e IV, somente.
(C) I, II, III, somente.
(D) I, II, III e IV.
Didatismo e Conhecimento 67
DIREITO CIVIL
20 - (83º Concurso MP/SP)
O novo Código Civil estabeleceu prazos de prescrição e prazos
de decadência em diversos artigos. Os prazos prescricionais estão
previstos na Parte Geral, Título IV, Capítulo I. Os decadenciais
são aqueles não previstos no Título IV, Capítulo I, da Parte Geral,
podendo também ser disciplinados por normas legais específicas.
Diante de tais afirmativas, será correto afirmar que
(A) não está sujeita a prazo de decadência, e sim prescricional,
a pretensão de acionar os incapazes de que trata o art. 3o do
Código Civil, isto é, os menores de dezesseis anos, os que, por
enfermidade ou deficiência mental, não tiverem o necessário
discernimento para a prática dos atos da vida civil, e os que,
mesmo por causa transitória, não puderem exprimir sua vontade.
(B) deve obrigatoriamente sujeitar-se a prazo prescricional,
a pretensão dos credores não pagos contra os sócios ou acionistas
e os liquidantes, contado o prazo da publicação da ata de
encerramento da liquidação da sociedade.
(C) a pretensão para reaver o pagamento de título de crédito,
a contar do vencimento, ressalvadas as hipóteses de lei especial,
está sujeita a prazo decadencial.
(D) está também sujeita a prazo decadencial, e não de
prescrição, a pretensão do beneficiário contra o segurador, e a do
terceiro prejudicado, no caso de seguro de responsabilidade civil
obrigatório.
(E) se sujeita a prazo prescricional de quatro anos, a parte que
esteja legitimada ao exercício do direito de demandar a exclusão
do herdeiro ou legatário, contando-se esse lapso da abertura da
sucessão.
21- (OFICIAL DE JUSTIÇA E AVALIADOR – TJ/SC – 2010
– TJ/SC)
Nos termos do Código Civil, NÃO constitui um pessoa jurídi-
ca de direito privado:
(A) Autarquia.
(B) Partido político.
(C) Fundação.
(D) Associação.
(E) Sociedade.
22- (ADVOGADO ESPECIALISTA EM PROCESSO CIVIL –
CESP – 2009 – VUNESP)
A desconsideração da personalidade jurídica tem como pres-
supostos legais para caracterizar o abuso de personalidade:
(A) desvio de finalidade ou confusão patrimonial.
(B) desvio de finalidade ou previsão legal específica.
(C) previsão legal específica ou confusão patrimonial.
(D) responsabilidade ilimitada da pessoa jurídica cumulada
com o desvio de finalidade.
(E) responsabilidade ilimitada da pessoa jurídica cumulada
com a confusão patrimonial.
23- (OFICIAL DE JUSTIÇA E AVALIADOR – TJ/SC – 2010
– TJ/SC)
Desaparecendo a pessoa de seu domicílio e declarando-se a
sua ausência, deve lhe ser nomeado:
(A) Um provedor.
(B) Um tutor.
(C) Um assistente.
(D) Um curador.
(E) Um administrador provisório.
24- (ESCREVENTE JUDICIÁRIO I – TJ/GO – 2008 – TJ/GO)
Assinale a alternativa correta:
A) consideram-se bens móveis as energias que tenham valor
econômico.
B) consideram-se bens fungíveis aqueles que não podem subs-
tituir-se por outros da mesma espécie, qualidade ou quantidade.
C) bens divisíveis são aqueles que não podem ser fracionados
sem alteração de sua substância.
D) consideram-se bens móveis para efeitos legais o direito à
sucessão aberta.
25- (OFICIAL DE JUSTIÇA E AVALIADOR – TJ/SC – 2010
– TJ/SC)
De acordo com o Código Civil, a aptidão da pessoa natural
para ser sujeito de direitos começa:
(A) Do nascimento com vida.
(B) Da concepção.
(C) Aos 18 anos completos.
(D) Aos 16 anos completos.
(E) Do registro de nascimento da pessoa no registro público.
26- (ESCREVENTE JUDICIÁRIO I – TJ/GO – 2008 – TJ/GO)
Álvaro possui uma casa na cidade de Goiânia onde permanece
durante todas as semanas por força da atividade profissional que
desempenha na Capital. Aos finais de semana, Álvaro viaja para a
cidade de Acreúna onde o aguardam sua esposa e filhas em uma
casa de propriedade da família. Nos termos das regras previstas
no artigo 70 e seguintes do Código Civil, pode-se dizer que o
domicílio civil de Álvaro situa-se:
(A) apenas na cidade de Goiânia.
(B) apenas na cidade de Acreúna.
(C) no local onde for encontrado.
(D) tanto na cidade de Acréuna, como na cidade de Goiânia.
27- (ESCREVENTE JUDICIÁRIO I – TJ/GO – 2008 – TJ/GO)
Cessará, para os menores, a incapacidade:
(A) pelo exercício de emprego público efetivo ou cargo na ini-
ciativa privada.
(B) pela concessão dos pais, ou de um deles na falta do outro,
mediante instrumento particular, dependente de homologação ju-
dicial, ou por sentença do juízo, ouvido o tutor, se o menor tiver 16
(dezesseis) anos completos.
(C) pelo casamento.
(D) pelo estabelecimento no comércio informal.
28- (DELEGADO DE POLICIA – POLICIA CIVIL/DF –
2009 – FUNIVERSA)
Acerca dos fatos jurídicos, assinale a alternativa correta.
(A) Os fatos jurídicos voluntários independem da vontade do
homem, porém, não são a ele estranhos, uma vez que atingem as
relações jurídicas, e, como é o homem o seu sujeito a ele interessa.
(B) O ato-fato decorre da ação ou conduta humana lícita que
gera consequência jurídica ainda que a pessoa não tenha vontade
que o efeito se verifique.
(C) O fato ilícito, para produzir efeitos, submete-se ao plano
da validade jurídica.
(D) O decurso do tempo constitui ato jurídico em sentido es-
trito.
(E) O dever que tem o pai de cuidar do filho que acabou de
nascer configura exemplo de fato jurídico dispositivo.
Didatismo e Conhecimento 68
DIREITO CIVIL
29- (ESCREVENTE JUDICIÁRIO I – TJ/GO – 2008 – TJ/GO)
São absolutamente incapazes de exercer pessoalmente os atos
da vida civil:
(A) os maiores de 16 (dezesseis) e menores de 18 (dezoito)
anos.
(B) os menores de 16 (dezesseis) anos.
(C) aqueles que, por deficiência mental, tenham o discerni-
mento reduzido.
(D) os excepcionais, sem desenvolvimento mental completo.
30- (DELEGADO DE POLICIA – POLICIA CIVIL/DF –
2009 – FUNIVERSA)
A respeito do negócio jurídico, assinale a alternativa correta.
(A) A declaração judicial de nulidade do negócio jurídico
produz efeitos ex nunc.
(B) O ato negocial que deixar de revestir a forma especial
determinada por lei será anulável.
(C) A derrelição tipifica exemplo de negócio jurídico lícito.
(D) É causa de nulidade do negócio jurídico a impossibilida-
de absoluta superveniente do seu objeto.
(E) A vontade do agente tipifica a existência de elemento aci-
dental do negócio jurídico.
31. (ANALISTA DE PROMOTORIA I – MP/SP – 2010 – VU-
NESP)
A interdição é medida judicial:
(A) de proteção ao incapaz, maior ou menor, por meio da qual
se lhe nomeia curador com o fito de administrar-lhe os bens e
acompanhá-lo na prática dos atos da vida civil.
(B) de proteção ao menor incapaz por meio da qual se lhe no-
meia tutor com o fito de administrar-lhe os bens e acompanhá-lo
na prática dos atos da vida civil.
(C) de proteção ao maior incapaz por meio da qual se lhe no-
meia curador com o fito de administrar-lhe os bens e acompanhá-
-lo na prática dos atos da vida civil.
(D) destinada a agilizar a confirmação da morte presumida,
garantindo aos cônjuges a disponibilidade de convolarem novas
núpcias.
(E) destinada a agilizar a confirmação da ausência, garantin-
do aos cônjuges a disponibilidade de convolarem novas núpcias.
32. (JUIZ DE DIREITO – TJ/MG – 2009 – FUNDEP)
No que tange ao negócio jurídico anulável, marque a afirma-
tiva CORRETA.
(A) A anulabilidade não tem efeito antes de julgada, mas pode
se pronunciada, de ofício, a favor terceiros prejudicados.
(B) O negócio jurídico anulável, assim como o negócio jurídi-
co nulo, não pode ser confirmado pelas partes.
(C) A anulação do negócio jurídico somente pode ser alegada
pelas pessoas afetadas pelo negócio jurídico e em benefício de
quem se anula o ato.
(D) Na hipótese de negócio jurídico praticado por agente re-
lativamente incapaz, a sanção é destinada a proteger o interesse
público.
33- (ANALISTA JUDICIÁRIO – EXECUÇÃO DE MANDA-
DOS – TRF4 – 2010 – FCC)
O dolo do representante legal de uma das partes:
(A) obriga o representado a responder civilmente até a impor-
tância do proveito que teve, bem como responderá solidariamente
com ele por perdas e danos.
(B) só obriga o representado a responder civilmente até a im-
portância do proveito que teve.
(C) obriga o representado a responder civilmente até a im-
portância do proveito que teve, bem como responderá subsidiaria-
mente ao representante legal por perdas e danos.
(D) não obriga o representado a responder civilmente por
qualquer quantia em dinheiro nem determina qualquer obrigação
legal.
(E) obriga o representado a responder civilmente até a impor-
tância do proveito que teve, bem como a responder até o limite de
vinte vezes o valor do negócio jurídico por perdas e danos.
34- (ASSESSOR JURÍDICO DE GABINETE DE JUIZ DE
ENTRÂNCIA FINAL – TJ/PI – 2010 – FCC)
Considere as seguintes assertivas a respeito da prescrição:
I. Prescreve em dois anos, a pretensão para haver prestações
alimentares, a partir da data em que se vencerem.
II. Prescreve em cinco anos a pretensão do vencedor para
haver do vencido o que despendeu em juízo.
III. A prescrição iniciada contra uma pessoa extingue-se com
a sua morte, não continuando a correr contra o seu sucessor.
IV. A prescrição ocorre em dez anos, quando a lei não lhe haja
fixado prazo menor.
De acordo com o Código Civil brasileiro está correto o que se
afirma APENAS em:
(A) I, II e IV.
(B) I, II e III.
(C) III e IV.
(D) II e IV.
(E) I e II.
35- (ASSESSOR JURÍDICO DE GABINETE DE JUIZ DE
ENTRÂNCIA FINAL – TJ/PI – 2010 – FCC)
Determinado negócio jurídico foi celebrado com a presença
de dolo acidental de uma das partes. De acordo com o Código
Civil brasileiro, o dolo acidental:
(A) anula o negócio jurídico e obriga a satisfação das perdas
e danos.
(B) só anula o negócio jurídico.
(C) só obriga à satisfação das perdas e danos.
(D) não anula o negócio jurídico e nem obriga a satisfação
das perdas e danos.
(E) torna o negócio jurídico anulável.
36- (ASSESSOR JURÍDICO DE GABINETE DE JUIZ DE
ENTRÂNCIA FINAL – TJ/PI – 2010 – FCC)
Considere as seguintes assertivas a respeito do Domicílio:
I. O agente diplomático do Brasil, que, citado no estrangeiro,
alegar extraterritorialidade sem designar onde tem, no país, o seu
domicílio, poderá ser demandado no Distrito Federal ou no último
ponto do território brasileiro onde o teve.
II. Ter-se-á por domicílio da pessoa natural, que não tenha
residência habitual, o lugar onde for encontrada.
III. O domicílio do militar da Marinha ou da Aeronáutica é a
sede do comando a que se encontrar imediatamente subordinado.
IV. O domicílio do preso é o lugar onde o cônjuge ou, na falta
dele, descendente ou ascendente estabelecer residência com âni-
mo definitivo.
De acordo com o Código Civil brasileiro, está correto o que
se afirma APENAS em:
Didatismo e Conhecimento 69
DIREITO CIVIL
(A) I e II.
(B) I e III.
(C) I e IV.
(D) I, II e III.
(E) II, III e IV.
37- (ASSESSOR JURÍDICO DE GABINETE DE JUIZ DE
ENTRÂNCIA FINAL – TJ/PI – 2010 – FCC)
Quanto à classificação dos bens, segundo as normas preconi-
zadas pelo Código Civil brasileiro é correto afirmar:
(A) Consideram-se móvel para os efeitos legais os direitos re-
ais sobre imóveis e as ações que os asseguram.
(B) São singulares os bens que, embora reunidos, se conside-
ram de per si, independentemente dos demais.
(C) Consideram-se imóveis para os efeitos legais as energias
que tenham valor econômico.
(D) Os negócios jurídicos que dizem respeito ao bem princi-
pal, em regra, abrangem as pertenças.
(E) São consumíveis os bens móveis ou imóveis que podem
substituir-se por outros da mesma espécie, qualidade e quantida-
de.
38- (JUIZ DE DIREITO – TJ/MG – 2009 – FUNDEP)
Relativamente aos Direitos da Personalidade, o art. 12 do
Código Civil, sem indicar o sujeito da ação, textualmente dispõe
que se pode exigir “que cesse a ameaça, ou lesão, a direito da
personalidade, e reclamar perdas e danos, sem prejuízos de ou-
tras sanções previstas em lei”. No contexto do mencionado artigo,
marque a opção CORRETA.
(A) A indeterminação do sujeito na oração do art. 12 do Códi-
go Civil tem por intuito não confundir o sujeito do direito da per-
sonalidade com o objeto do direito protegido, mas,objetivamente,
o que se protege é somente direito da personalidade avaliável eco-
nomicamente.
(B) Quando o mencionado artigo dispõe sobre a cessação de
ameaça ou lesão aos direitos da personalidade, está a referir-se
aos direitos da personalidade objetivados no Código Civil, possi-
bilitando a reparação material da lesão.
(C) O Código Civil não especifica de modo taxativo os direi-
tos da personalidade. Não havendo tipificação, tem-se que o art.
12 do Código Civil elege praticamente uma cláusula genérica de
proteção dos direitos da personalidade, que será integrada com
os dispositivos constitucionais de proteção à honra, à imagem, ao
direito à privacidade, ao nome, à integridade e à dignidade da
pessoa humana, sem prejuízo da aplicação de leis especiais.
(D) Sendo considerados os direitos da personalidade direitos
subjetivos, que decorrem de previsão legal, somente serão consi-
derados como objeto de ameaça ou de lesão direitos tipificados
em lei.
39- (JUIZ DE DIREITO – TJ/MG – 2009 – FUNDEP)
O domicílio é um dos atributos da personalidade. É a loca-
lização da pessoa no espaço. O lugar onde ela estabelece sua re-
sidência com ânimo definitivo (art. 70 do Código Civil).Tendo di-
versas residências, onde alternadamente viva, o seu domicílio será
considerado o lugar de qualquer uma delas (art. 71 do Código
Civil). Não tendo residência, o domicílio da pessoa natural será o
do local em que for encontrada (art. 73 do Código Civil). Diante
das hipóteses acima elencadas, aponte a afirmação CORRETA.
(A) Quando fixado pela lei, o domicílio é um fato jurídico.
Quando não fixado por lei, é um ato jurídico em senso estrito, por
expressar uma manifestação voluntária do sujeito, relativamente
ao local onde estabelece sua residência com caráter definitivo.
(B) A fixação do domicilio é sempre um ato jurídico stricto
sensu, decorrendo, em todas as hipóteses elencadas no enunciado,
sempre, do ânimo da pessoa relativamente ao lugar onde estabe-
leceu a sua residência.
(C) O domicílio decorre sempre de uma relação de fato entre
a pessoa e o lugar. Então, domicílio e residência devem sempre
coincidir.
(D) O direito brasileiro não admite a pluralidade de domi-
cílio.
40- (JUIZ DE DIREITO – TJ/MG – 2009 – FUNDEP)
Principal é o bem que existe sobre si, abstrata ou concreta-
mente; acessório, aquele cuja existência supõe a do principal.
(art. 92 do Código Civil). A lei estabelece um vínculo entre o bem
principal e o acessório. Relativamente a este último, o bem aces-
sório, é CORRETO afirmar que:
(A) A relação de acessoriedade só existe entre coisas.
(B) A relação de acessoriedade existe entre coisas e direitos.
(C) Apenas os bens móveis podem ser acessórios.
(D) As relações obrigacionais não podem ser acessórias.
GABARITO:
1 - C 11 - B 21 - A 31 - C
2 - C 12 - B 22 - A 32 - C
3 - A 13 - A 23 - D 33 - B
4 - C 14 - D 24 - A 34 - A
5 - A 15 - C 25 - A 35 - C
6 - C 16 - A 26 - D 36 - D
7 - B 17 - C 27 - C 37 - B
8 - D 18 - E 28 - B 38 - C
9 - A 19 - D 29 - B 39 - A
10 - D 20 - B 30- D 40 - B
ANOTAÇÕES
—————————————————————————
—————————————————————————
—————————————————————————
—————————————————————————
—————————————————————————
—————————————————————————
—————————————————————————
Didatismo e Conhecimento 70
DIREITO CIVIL
ANOTAÇÕES
————————————————————————————————————————————————————
————————————————————————————————————————————————————
————————————————————————————————————————————————————
————————————————————————————————————————————————————
————————————————————————————————————————————————————
————————————————————————————————————————————————————
————————————————————————————————————————————————————
————————————————————————————————————————————————————
————————————————————————————————————————————————————
————————————————————————————————————————————————————
————————————————————————————————————————————————————
————————————————————————————————————————————————————
————————————————————————————————————————————————————
————————————————————————————————————————————————————
————————————————————————————————————————————————————
————————————————————————————————————————————————————
————————————————————————————————————————————————————
————————————————————————————————————————————————————
————————————————————————————————————————————————————
————————————————————————————————————————————————————
————————————————————————————————————————————————————
————————————————————————————————————————————————————
————————————————————————————————————————————————————
————————————————————————————————————————————————————
———————————————————————————————————————————————————
———————————————————————————————————————————————————
————————————————————————————————————————————————————
————————————————————————————————————————————————————
————————————————————————————————————————————————————
————————————————————————————————————————————————————
————————————————————————————————————————————————————

6 -direito_civil_2

  • 1.
  • 3.
    Didatismo e Conhecimento1 DIREITO CIVIL LEI DE INTRODUÇÃO ÀS NORMAS DO DIREITO BRASILEIRO (ANTIGA LEI DE INTRODUÇÃO AO CÓDIGO CIVIL). A Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro, instituída pelo Decreto-Lei nº 4.657/1942, estabelece os alicerces de nosso sistema jurídico, e é considerada pela doutrina, como norma de interpretação de todo o ordenamento jurídico, apresentando institutos e regras que abrangem todos os ramos do Direito, e não apenas ao Direito Civil. Antes tal decreto era intitulado como “Lei de Introdução ao Código Civil” (LICC), mas após a edição da Lei nº 12.376/2010, passou a vigorar com a seguinte denominação: “Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro” (LINDB). EsteDecreto-Lei,cujanaturezajurídicaédeleiordinária,uma vez que foi criada sob a forma de decreto-lei, espécie legislativa que nos termos das Constituições que a admitiam, tinham força de lei ordinária, não sofreu nenhuma alteração ou revogação em qualquer de seus dispositivos, com a entrada em vigor do Novo Código Civil (Lei n. 10.406/2001). Isto porque, conforme afirmado acima, o objeto tratado por este Decreto-Lei é distinto do objeto do Direito Civil. Prevaleceu então a tese de ser uma lei autônoma, pela maior facilidade de se fazer uma mudança, se necessário. Portanto, não é parte integrante do Código Civil, trata-se de uma lei geral, que se aplica a todos os ramos do Direito. Assim, é uma norma de sobredireito ou de apoio, porque busca disciplinar a aplicação de todas as normas. Caracteriza-se por ser um metadireito ou supradireito, na me- dida em que dispõe sobre a própria estrutura e funcionamento das normas, coordenando, assim, a aplicação de toda e qualquer lei, e não apenas dos preceitos de ordem civil. Neste Decreto-Lei pode-se encontrar vários objetos, sendo os principais: - tratar da obrigatoriedade das leis, discorrendo sobre a vi- gência, a validade e a eficácia destas; - estabelecer o início e o fim da produção dos efeitos das nor- mas, a aplicação, a revogação, bem como delimitar alguns concei- tos como o ato jurídico perfeito, a coisa julgada e o direito adqui- rido. Consagrando a irretroatividade como regra no ordenamento jurídico e ao mesmo tempo definir as condições para a ocorrência do efeito repristinatório. - Apresentar todas as fontes do direito conferindo ao intérpre- te princípios hermenêuticos de interpretação e integração. - solucionar o conflito das leis no tempo; - resolver o conflito das leis no espaço; Em seus seis primeiros artigos, a LINDB cuida da eficácia, da interpretação e do conflito de leis no tempo. A seguir e, até o final, trata do conflito de leis no espaço, delineando a maneira como os juízes devem agir para resolverem controvérsias internacionais de Direito Privado, como, por exemplo, julgar caso oriundo de contrato entre brasileiro e francês, ou seja, que Lei aplicar, a brasileira ou a francesa. Segue abaixo os critérios abordados por este Decreto-Lei. LEI Pode-se definir Lei como uma regra geral imposta coativamente à obediência de todos. Trata-se, portanto, de uma norma vinda de autoridade competente e dirigida a todos, indistintamente, por razão de sua força coercitiva. Essencial se faz a distinção entre lei e norma. Norma é comando, regra de conduta, expressa a vontade do Estado, por intermédio do legislador. Esta vontade é materializada na lei, que é, portanto, o meio de expressão da norma, ou seja, Lei é a norma escrita. Pode-se assim dizer, que a norma está contida nas leis. Mas, não só nas leis, também está contida nas outras fontes do Direito. A palavra “lei” pode ser escrita com letra minúscula ou maiúscula. Geralmente, emprega-se com letra minúscula quando se utiliza a palavra no sentido de norma ou conjunto de normas, e, emprega-se maiúscula enquanto sinônimo de Direito. Pode-se citar como exemplo os escritos: “a Lei deve ser respeitada”, e “tal matéria não se encontra regulamentada em lei”. A palavra lei pode ser usada também como sinônimo de norma quando se refere à classificação ou interpretação das leis, ou seja, o que se está interpretando ou classificando são as normas jurídicas contidas nas leis. EFICÁCIA DAS LEIS A) VIGÊNCIA DAS LEIS Vigência da Lei é um critério puramente temporal. Uma norma está em vigência até que ocorra sua revogação. Vigência é diferente de vigor. Vigor é a força vinculante da norma. Uma norma pode estar em vigor mesmo tendo sido revogada conforme previsto no artigo 2.038 do Código Civil. A vigência é a existência social e jurídica da norma. Entrou em vigor, deve ser obedecida ou aplicada. A vigência é o que vincula todos a lei, ela não só existe for- malmente como deve ser aplicada a todo caso concreto que se enquadre na situação ali tratada. Dizer que uma determinada lei está em vigência ou entrou em vigor significa dizer que essa lei deve, obrigatoriamente, ser respeitada. Significa que aqueles que não a observarem estarão sujeitos às penalidades previstas. A vigência, portanto, está relacionada com o tempo. Na publicação, verificamos quando aquela lei será considerada obrigatória ou quando aquela lei entrará em vigor. Vale aqui a observação de que, em geral, a data em que passará a viger coincide com a data de sua publicação, no entanto, se a lei não dispuser de prazo para a sua entrada em vigor, o prazo será de 45 dias contados de sua publicação, uma vez que toda lei deve ser publicada pela Imprensa Oficial. A LINDB adota o sistema do prazo de vigência único ou sincrônico, ou simultâneo, pelo qual a lei entra em vigor de uma só vez em todo o país. No exterior, a obrigatoriedade da lei brasileira, quando admitida, se inicia 3 (três) meses depois de oficialmente publicada. Uma observação é de que uma norma pode ser eficaz e não ser efetiva, como no caso do casamento pelo regime dotal. É uma norma eficaz, considerando que ainda não foi revogada, no entanto, não é efetiva, pois caiu em desuso. Assim, o desuso não implica na perda da vigência da norma, e sim, na perda de sua efetividade.
  • 4.
    Didatismo e Conhecimento2 DIREITO CIVIL Portanto a eficácia da Lei esta relacionada a produção de seus efeitos. Uma questão interessante é se a norma produz efeitos a partir de sua vigência? A resposta é depende, se a lei entrar em vigor a partir de sua publicação, sim, porém, há leis que possuem vacatio legis que falaremos a seguir. B) VACÂNCIA DA LEI ou “VACATIO LEGIS” b.1) Conceito Denomina-se vacatio legis o período de tempo que se estabelece entre a publicação e a entrada em vigor da lei. A lei não produzirá efeitos durante a vacatio legis (artigo 1.º da Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro). Existem dois motivos para sua existência: b.1.1) cognitivo: para que a lei seja levada ao conhecimento do destinatário antes de sua vigência e com ela se familiarizem para bem cumpri-la; b.1.2) instrumental: para que os órgãos da administração se aparelhem, para que a norma ganhe efetividade. b.2) Sistemas de “vacatio legis” Existem três sistemas distintos de vacatio legis, quais sejam: b.2.1) Sistema simultâneo ou sincrônico: de acordo com esse sistema, que é o sistema brasileiro, a lei sempre entra em vigor na mesma data em todo o território nacional. Há, portanto, uma sincronia na entrada em vigor da lei. b.2.2) Sistema progressivo: era o sistema da Lei de Introdução ao Código Civil anterior, no qual a vigência era distinta para locais distintos do território nacional. Substituído por gerar insegurança jurídica. b.2.3) Sistema omisso: segundo esse sistema, não existe vacatio legis e toda lei entra em vigor na data de sua publicação. b.3) Espécies de “vacatio legis” Há três espécies de leis referentes à vacatio legis: b.3.1) Lei com “vacatio legis” expressa: é a lei de grande repercussão, que, de acordo com o artigo 8º da Lei Complementar n. 95/98, tem a expressa disposição do período de vacatio legis. Temos, como exemplo, a expressão contida em lei determinando “entra em vigor um ano depois de publicada”. b.3.2) Lei com “vacatio legis” tácita: é aquela que continua em consonância com o artigo 1º da LINDB, ou seja, no silêncio da lei entra em vigor 45 dias depois de oficialmente publicada. b.3.3) Lei sem “vacatio legis”: é aquela que, por ser de pequena repercussão, entra em vigor na data de publicação, devendo esta estar expressa ao final do texto legal. b.4) Contagem A Lei Complementar n. 107/01 estabelece em seu artigo 8º, § 1.º, o seguinte: “A contagem do prazo para entrada em vigor das leis que estabeleçam período de vacância far-se-á com a inclusão da data de publicação e do último dia do prazo, entrando em vigor no dia subsequente a sua consumação integral”. b.5) Errata Os erros encontrados na lei podem ser de duas espécies: b.5.1) erro irrelevante: não influi na interpretação da norma, não havendo necessidade de correção. É erro material, pode ser corrigido de ofício pelo juiz. b.5.2) erro substancial: implica divergência de interpretação e poderá ocorrer em três fases distintas do processo legislativo: b.5.2.1) antes da publicação: a norma poderá ser corrigida sem maiores problemas; b.5.2.2) no período de “vacatio legis”: Caso a lei tenha sido publicada, porém não tenha ainda entrado em vigor e tenha sido detectado algum erro material ou incorreção, poderá ela ser corrigida, sem necessidade de uma nova lei. Haverá nova publicação da lei e reiniciar-se-á o prazo da vacatio legis. Essa possibilidade de republicação da lei só é admitida para as hipóteses de imperfeições ortográficas ou gramaticais. Em caso de mudança de conteúdo da lei, não é possível se prescindir de nova lei. b.5.2.3) após a entrada em vigor: a norma poderá ser corrigida mediante uma nova norma de igual conteúdo, ainda que a correção se volte apenas para erros materiais, mostra-se imprescindível a elaboração de uma nova lei – a lei corretiva - que será publicada e entrará em vigor posteriormente. C) PRINCÍPIOS INFORMADORES DA EFICÁCIA DAS LEIS: Os princípios informadores da eficácia das leis orientam a aplicação da norma, e informam o jurista sobre o que deve ser feito, sempre que se deparar com alguma dúvida. São eles: c.1) Princípio da obrigatoriedade (art. 3º, LINDB), segundo esse princípio, somente a norma jurídica publicada é obrigatória a todos os seus destinatários e ninguém poderá descumpri-la, ale- gando ignorância, alegando o seu desconhecimento. É lógico que não somos obrigados a conhecer toda a legislação vigente. Isso seria humanamente impossível. A questão é que, se nos fosse dado alegar que desconhecemos a lei, para justificar o fato de a termos descumprida, a sociedade se transformaria em verdadeira balbúr- dia, e ninguém respeitaria o direito de ninguém. Assim, o princípio da obrigatoriedade das leis veio por ordem nas relações sociais. É princípio de segurança jurídica. c.2) Princípio da continuidade (art. 2º, LINDB), tal postula- do estabelece que uma norma permanente só perderá a eficácia se outra, de mesma ou superior hierarquia, vier modificá-la ou revogá-la. Portanto, não é possível a revogação da lei por deci- são judicial ou ato administrativo. No caso do desuso da lei, não faz com que esta perca sua eficácia formal. Em outras palavras, formalmente, a lei existe e vige, apesar de na realidade não ser observada por ninguém. Pode-se dizer que tal lei tem eficácia for- mal, mas não eficácia real ou material. Exceção é feita no que diz respeito à lei temporária, ou seja, aquela lei que já traz em seu texto o prazo de sua vigência. Findo este, automaticamente a lei já estará revogada, não sendo necessário, neste caso, outra lei que a revogue. c.3) Princípio da irretroatividade (art. 6º, LINDB), a lei nova não pode retroagir para abarcar situações consolidadas por lei anterior. Visa estabelecer a segurança jurídica do sistema, por in- termédio do direito adquirido, do ato jurídico perfeito e da coisa julgada. c.4) Princípio do Iura Novit Curia: estabelece que o juiz é conhecedor do Direito. Assim, não se faz necessário à parte in- teressada provar a existência de determinada lei. As exceções a esse princípio são: o direito estrangeiro, estadual, municipal, e consuetudinário.
  • 5.
    Didatismo e Conhecimento3 DIREITO CIVIL D) REVOGAÇÃO DA LEI É a hipótese em que a norma jurídica perde a vigência porque outra Lei veio modificá-la ou revogá-la, uma vez que a norma jurídica é permanente e só poderá deixar de surtir efeitos se à ela sobrevier outra norma que a revogue. d.1) As espécies de revogação da Lei são: d.1.1) revogação expressa: um novo comando normativo dis- põe expressamente a respeito da perda da eficácia da lei anterior ou os seus dispositivos que estão sendo revogados; d.1.2) revogação tácita: é aquela que ocorre quando a lei re- vogadora, embora não exponha expressamente quais são as lei ou os seus dispositivos que estão sendo revogados, o seu texto se mostra incompatível com o texto da lei anterior, ou então, regula inteiramente matéria tratada por outra lei. d.2) Essas duas espécies de revogação citadas acima podem acontecer de duas formas: d.2.1) ab-rogação: é a revogação total da norma, ou seja, a norma antiga perde sua eficácia na totalidade; d.2.2) derrogação: é a revogação parcial da norma, ou seja, a norma antiga continua vigorando com alguns dispositivos revo- gados pela nova lei. d.3) Para a verificação de revogação das normas, três critérios devem ser utilizados: d.3.1) hierárquico: verificar qual das normas é superior, in- dependentemente da data de vigência das duas normas (exemplo: um regulamento não poderá revogar uma lei ainda que entre em vigor após esta); d.3.2) cronológico: a norma que entrar em vigor posterior- mente irá revogar a norma anterior que estava em vigor; d.3.3) especialidade: as normas gerais não podem revogar ou derrogar preceito ou regra disposta e instituída em norma es- pecial. d.4) Repristinação da Lei Repristinação da Lei é a restauração da vigência da uma lei anteriormente revogada, em razão da revogação da lei anterior. A repristinação só é admitida expressamente, pois a repristinação tácita não é admitida. Assim, uma Lei nova que faça expressamente remissão à norma revogada poderá restituir-lhe a vigência, desde que em sua totalidade. Assim, a não repristinação ou não restauração da norma é a impossibilidade que uma norma jurídica tem de, uma vez revogada, voltar a vigorar no sistema jurídico novamente, pela simples revogação de sua norma revogadora, ou seja, o “aniquilamento” da norma revogadora não restaura a norma revogada. Para um melhor entendimento, suponhamos a Lei A em vigor. Posteriormente é promulgada Lei B que trata do mesmo assunto da Lei A de forma exaustiva e revoga a Lei A. Passado um tempo surge a Lei C que simplesmente revoga a Lei B sem regular o assunto tratado por esta. Como ficaria a questão, a Lei A estaria automaticamente revigorada pela Lei C? A resposta será não. Para que a Lei C ressuscite a Lei A, ou seja, para que fosse lei repristinadora, seria necessário disposição expressa neste sentido. Por exemplo: Lei C Art. 1º Fica revogada a Lei B. Art. 2º Volta a vigorar a Lei A. No caso em análise, tal não ocorreu. Portanto, simplesmente deixaria de se ter lei regulando a matéria. Em outras palavras, a repristinação jamais será tácita. O motivo dessa não restauração de normas é o controle do sistema legal para que se saiba exatamente qual norma está em vigor. E) APLICAÇÃO DA LEI Para resolver os casos que lhe são apresentados, o juiz procura, dentro da sistemática do direito, a lei que se deve aplicar à hipótese sub judice. Tal operação consiste em transferir para um caso particular e concreto a decisão que se encontra na regra abstrata. Esta é a premissa maior de um silogismo, e, partindo dela, o juiz aplicará a lei ao caso concreto. Por vezes, entretanto, o juiz não encontra na legislação escrita uma norma a aplicar ao caso concreto. Poderá ele recusar-se a decidir sob tal pretexto? Evidentemente não, sob pena de conturbar-se a ordem social. Compete ao Estado, através do Poder judiciário, solucionar os conflitos entre particulares, e a esse mister não poderá fugir. Quando a lei é omissa sobre algum problema, ou sobre a solução de alguma relação jurídica, diz-se que há uma lacuna da lei. Esta é inevitável em qualquer ordenamento jurídico, porque o legislador, por mais sagaz que seja, não pode prever todos os casos capazes de aparecer nas relações entre os indivíduos. E, mesmo que antevisse todas as relações jurídicas presentes, não teria o dom de prever casos que o progresso trará. Então como proceder? O artigo 4º da Lei da Introdução às Normas do Direito Brasileiro determina que quando a lei for omissa, o juiz deve decidir o caso concreto de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais do direito. Tais institutos serão descritos a seguir ao tratar da Interpretação e Integração das leis. F) INTERPRETAÇÃO DAS LEIS Hermenêutica jurídica é a ciência, a arte da interpretação da linguagem jurídica, é buscar a sua real intenção e significado. Serve para trazer os princípios e as regras que são as ferramentas do intérprete através de métodos para o alcance da justiça na aplicação adequada ao caso concreto. A aplicação, a prática das regras hermenêuticas, é chamada exegese. Assim, para que a Lei vigore plenamente, para que seja aplicada com Justiça, é preciso decifrá-la. É fundamental que fique claro que, por Lei, deve entender-se não só a norma escrita, mas toda e qualquer norma jurídica, seja qual for sua fonte: a lei escrita, os costumes, os princípios gerais não escritos, os valores, a doutrina, a jurisprudência, a dogmática. A interpretação admite quatro classes: quanto à origem, quanto aos métodos, quanto ao resultado, e quanto à natureza. Vejamos: a) Quanto à origem: I) Autêntica: é aquela que é exercida pelo próprio órgão que editou a norma. Geralmente, quando uma lei é interpretada por outra lei. Por exemplo, o art. 327 do CP, que traz o conceito de funcionário público para a caracterização dos crimes praticados por este, ou seja, é aquela feita pelo próprio legislador por inter- médio de lei interpretativa. É muito comum leis virem seguidas de decretos, com o objetivo de interpretá-las e regulamentá-las.
  • 6.
    Didatismo e Conhecimento4 DIREITO CIVIL II) Doutrinária: é a interpretação dada pelos estudiosos do Direito em livros, textos, pareceres etc. III) Judicial: é a interpretação fornecida pelos juízes e tri- bunais diante do caso concreto que lhes foi posto à apreciação. A interpretação judicial será, de regra, casuística, ou seja, o juiz interpretará a Lei em cada caso concreto. Já a autêntica e a dou- trinária serão, habitualmente, genéricas, não se referindo a caso concreto em especial, e quando adotam casos concretos, é, nor- malmente, para exemplificar. A interpretação judicial é, talvez, a mais importante de todas, uma vez que é o juiz, em última análise que aplica a norma ao caso concreto. b) Quanto aos métodos: I) gramatical ou linguística: decorre da análise sintática, se- mântica ou ortográfica das palavras que constam do texto da lei; II) lógica: a interpretação se dá por meios de critérios lógi- cos, raciocinando-se no plano das ideias manifestado pelo legislador; III) sistemática: é como um quebra-cabeças. O intérprete simplesmente encontrará lugar para a lei interpretada no sistema legal. Ora, não podemos interpretar o Código do Consumidor sem o Código Penal, sem o Código Civil, sem a Constituição e tantas outras leis. Todas elas, em conjunto, formam sistema que interage, uma complementando a outra; IV) ontológica: a interpretação quando se buscar a essência da Lei, sua razão de ser, a chamada ratio legis, ou razão da Lei; V) teleológica: é aquela que busca a finalidade da Lei, seus objetivos. Nesse ponto, devemos salientar que o art. 5º da LINDB menciona a finalidade a ser perseguida pelo juiz quando da aplicação da lei: “Na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum.”; VI) Analógica: o intérprete deve manusear o método comparativo, aplicando ao fato concreto preceitos que regulam situações similares; VII) histórica: perquirem-se os dados históricos que subsidiam a criação da norma para aclarar o sentido da lei atual; VIII) sociológica: deve o intérprete conjugar a norma legal com elementos extraídos do meio social à época de elaboração da lei para alcançar a exata conjuntura que implicou a edição da lei. c) Quanto ao resultado: I) restritiva: deve ser aplicada quando a norma diz mais do que deveria, implicando, em razão disso, a diminuição do alcance de sua interpretação; II) extensiva: deve ser aplicada quando a norma diz menos do que deveria, induzindo à ampliação de sua interpretação; III) declarativa: quando a norma não carece de ser ampliada ou diminuída, posto que na medida certa o seu conteúdo foi expresso. d) Quanto à natureza: I) Concreta: quando se estiver resolvendo um caso particular, real. A interpretação judicial, como vimos, é, como regra, concreta. II) Abstrata: é a que não leva em conta esse ou aquele caso real. Procura analisar a lei de forma não casuística. É o que, normalmente, faz a doutrina. Há de ser esclarecido, contudo, que a interpretação será, como regra, fenômeno empírico, o que vale dizer que a Lei, habitualmente, é interpretada, não de modo abstrato, mas diante de um ou mais casos concretos. Pela interpretação, o hermeneuta deverá subsumir a Lei ao caso concreto, conjugando os distintos métodos de exegese. Daí ser possível interpretar uma mesma norma de várias maneiras distintas, dependendo dos vários casos concretos que se tenha em vista. Deve-se dizer que o Direito Civil, especificamente, segundo a concepção mais atual, deve ser interpretado à luz da Constituição. Isso porque é na Constituição que iremos encontrar as bases do ordenamento jurídico. Consequentemente, será com fundamento nos valores por ela adotados que todas as normas infraconstitucionais deverão ser interpretadas. G) INTEGRAÇÃO DO ORDENAMENTO JURÍDICO Ocorre por razões de lacuna na lei (e não no direito), e de- corre da indeclinabilidade da jurisdição. Com efeito, diante da hipótese de anomia (ausência de normas), o ordenamento jurídico de um Estado deve adotar um entre os três sistemas conhecidos para solução da ausência de norma para o caso concreto, a saber: * Non liquet: sistema pelo qual o magistrado decide pela não solução da relação jurídica, por não haver respaldo legal. Esse sistema é criticado por não atender aos fins primordiais da jurisdição (realização da justiça, pacificação social e resolução da lide). * Suspensivo: por este, o intérprete suspende o andamento do feito, e consequentemente suspende a decisão para a relação jurídica, comunicando o legislativo da ausência de norma regulamentadora, para fins de edição. * Integrativo: sistema pelo qual, ante a ausência de lei aplicável à relação jurídica sob decisão, o intérprete não pode se furtar à sentença, devendo fazer uso da analogia, dos costumes e dos princípios gerais de Direito. É o sistema adotado por nossa Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro. O artigo 4º fez questão de estabelecer uma hierarquia entre as fontes, pois só autorizou o juiz a valer-se de outras fontes quando houvesse omissão na lei e impossibilidade de aplicação da analogia, buscando resoluções legais para casos semelhantes. Assim, temos o seguinte quadro: fonte principal: Lei; fontes secundárias ou acessórias: analogia, costumes e princípios gerais do Direito, e mais: doutrina, jurisprudência e brocardos jurídicos. A doutrina diverge quanto às fontes secundárias. Alguns autores entendem que apenas a analogia, os costumes e os princípios gerais de Direito são fontes secundárias, não admitindo a doutrina, a jurisprudência e os brocardos jurídicos. A maioria, porém, entende que estas últimas, fontes secundárias, também estão presentes no sistema jurídico. I) Analogia Analogia é fonte formal mediata do direito, utilizada com a finalidade de integração da lei, ou seja, a aplicação de dispositivos legais relativos a casos análogos, ante a ausência de normas que regulem o caso concretamente apresentado à apreciação jurisdicional (a que se denomina anomia). Na analogia usa-se uma lei que trata de um caso semelhante, ao caso concreto, para o qual não há lei específica. É a analo- gia legis (analogia legal). Pode haver a analogia iúris (analogia jurídica), em que se busca a solução não em outra lei, pois esta não existe, mas nas outras fontes do direito, no sistema do ordena- mento jurídico como um todo. Se o texto não é claro, mas existe, busca-se interpretá-lo com base em outro texto. A analogia ocorre na lacuna da lei (quando não existe lei).
  • 7.
    Didatismo e Conhecimento5 DIREITO CIVIL Amatériaétratadanoartigo4ºdaLeideIntroduçãoàsnormas do Direito Brasileiro que estabelece: “Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito”. É sabido que o intérprete é obrigado a integrar o sistema jurídico, ou seja, diante da lacuna (ausência de norma para o caso concreto) ele deve sempre encontrar uma solução adequada. Aliás, basta verificarmos o verbo “decidirá” para entendermos que o sistema jurídico ordena a decisão do caso concreto. II) Costumes O direito consuetudinário ou costumeiro pode ser conceituado como a norma aceita como obrigatória pela consciência do povo, sem que o Poder Público a tenha estabelecido, ou seja, é a reiteração constante de um comportamento em virtude da convicção de sua obrigatoriedade. O direito costumeiro apresenta os seguintes requisitos: • subjetivo (“opinio necessitatis”): é a crença na obriga- toriedade, isto é, a crença que, em caso de descumprimento, incide sanção; • objetivo (“diuturnidade”): constância na realização do ato. A diferença existente entre o costume e o hábito está no elemento subjetivo, que inexiste neste último. Isso significa que no hábito existe a prática constante, porém, sem a crença da sua obrigatoriedade. Os costumes classificam-se em: 1) “Contra legem”: é aquele contra a lei. O costume não respeita as normas constantes do sistema jurídico. É a desobedi- ência reiterada do comando legal com a crença na inefetividade da lei. Temos como exemplo, o costume de não respeitar o sinal vermelho, por questão de segurança, após um determinado horá- rio. 2) “Praeter legem”: é aquele que amplia o preceito da lei. É previsão de uma conduta paralela, não prevista pela lei; po- rém, não proibida por esta, podendo-se citar, como exemplo, o cheque que, apesar de ser uma ordem de pagamento à vista, fun- ciona como uma garantia de pagamento, respeitando-se sua dupla condição. O cheque pós-datado deve respeitar a data consignada para apresentação junto ao sacado, embora a apresentação à vis- ta garanta o pagamento. 3) “Secundum legem”: é o costume segundo o qual, o pró- prio texto da lei delega ao costume a solução do caso concreto. Esse caso é exemplificado pelo artigo 569, inciso II, do Código Civil, que determina ao locatário pagar pontualmente o aluguel segundo o costume do lugar, quando não houver ajuste expresso. Outros exemplos podemos encontrar nos artigos 596, 597, 615, todos do CC. III) Princípios gerais do Direito São postulados que estão implícito ou explicitamente expostos no sistema jurídico, contendo um conjunto de regras. Os princípios gerais de Direito são a última salvaguarda do intérprete, pois este precisa se socorrer deles para integrar o fato ao sistema. De acordo com as lições de Celso Antônio Bandeira de Mello, princípios são vetores de interpretação, que, por sua generalidade e amplitude, informam as demais regras, constituindo a base de todo o ramo do Direito ao qual se aplica. Em outras palavras, são as vigas mestras do ordenamento jurídico, as suas pilastras fundamentais. IV) Doutrina Chamada de Direito Científico é o conjunto de indagações, pesquisas e pareceres dos cientistas do Direito. Há incidência da doutrina em matérias não codificadas, como no Direito Administrativo e em matérias de Direito estrangeiro, não previstas na legislação pátria. Há duas orientações: 1) formalista: o doutrinador é o doutor em Direito. Até a década de 60, essa orientação era pacífica; 2) informal: não precisa ser escrita por doutor, bastando que seu autor consiga imprimir ao trabalho coerente conteúdo científico. V) Jurisprudência A jurisprudência é uma função atípica da jurisdição. São decisões reiteradas, constantes e pacíficas do Poder Judiciário sobre determinada matéria num determinado sentido. Não há necessidade de a jurisprudência ser sumulada para ser fonte. Aqui, cabe ressaltar que a jurisprudência não pode ser confundida com a orientação jurisprudencial, que é qualquer decisão do Poder Judiciário que esclareça a norma legal. A orientação jurisprudencial é apenas um método de interpretação da lei e não precisa de uniformidade, sendo rara a adoção da jurisprudência como fonte. Existem três posições quanto à jurisprudência: 1) corrente negativista: para essa corrente, a jurisprudên- cia não é fonte de Direito; 2) corrente jurisprudencialista: tudo se resolve pela juris- prudência; 3) corrente eclética (realista): a jurisprudência pode ser usada desde que tenha conteúdo científico. Em relação à súmula vinculante podemos dizer que há pontos favoráveis e desfavoráveis. Os pontos favoráveis fazem com que haja uma igualdade sistêmica entre as decisões, limitando o número de recursos para matérias amplamente discutidas, desafogando o Judiciário. Já os pontos desfavoráveis são porque torna o Direito estático e neste sentido há a necessidade de uma melhor sistematização dos métodos de criação sumular atualmente existentes. VI) Brocardos jurídicos Brocardos jurídicos são frases, sentenças concisas e de fácil memorização, que encerram uma verdade jurídica (exemplo: ne procedat judex ex officio – princípio da inércia da jurisdição). Funcionam como meio integrativo, estando configurada hipótese de anomia. Aplicam-se a todo o sistema jurídico, sendo muitas vezes traduzidos como normas do ordenamento positivo. Exemplo: Exceptio non adimpleti contractus, que vem devidamente previsto no artigo 1.092 do Código Civil. Passos para a Interpretação e Integração da lei São cinco os passos utilizados na interpretação da lei: 1) primeiro passo: interpretação literal (gramatical); 2) segundo passo: verificação dos outros métodos (lógica + sistemática + ontológica + teleológica + analógica + histórica + sociológica); 3) terceiro passo: utilização da analogia, e no tocante a esta aplicação, cumpre informar a existência de regra básica de her- menêutica apta a informar a aplicação do meio integrativo analó- gico, traduzida na expressão latina ubi idem ratio, ibi eadem dis- positio (onde há a mesma razão, aplica-se a mesma disposição); 4) quarto passo: uso das fontes secundárias (costumes + dou- trina + jurisprudência + brocardos jurídicos); 5) quinto passo: utilização dos princípios gerais do Direito.
  • 8.
    Didatismo e Conhecimento6 DIREITO CIVIL EQUIDADE Em brevíssimas linhas, a equidade poderá ser reduzida a um raciocínio análogo ao de justiça. Aplicando-se a equidade, busca-se, basicamente, um ideal daquilo que é justo. Embora não mencionada no art. 4º da LINDB, a equidade vem como viés inolvidável quando se trata da integração do ordenamento jurídico. É certo que o ordenamento jurídico não dispõe da equidade para aplicação indistinta e desordenada, tanto é que o art. 127 do CPC desponta: “O juiz só decidirá por equidade nos casos previstos em lei.” Mas, de igual modo, a equidade é recurso fornecido ao julgador no exercício de sua atividade judicante. A equidade nos induz a um raciocínio análogo ao de justiça. H) CONFLITO DE LEIS NO TEMPO O conflito de leis ocorre quando há dúvidas em relação à qual lei que deverá ser aplicada em determinada situação em virtude do tempo. Vale dizer que a parte do Direito que trata da questão temporal denomina-se Direito Intertemporal. Em outras palavras, a dúvida se instaura pois o fato jurídico ocorreu na data X, quando uma determinada lei tinha vigência. Mas ocorre que, posteriormente, essa lei fora revogada, surgindo uma nova lei que disciplina o assunto em questão. Nesse caso haverá conflito entre qual a lei que deverá ser aplicada sobre os efeitos de um fato que ocorreu na vigência de uma lei passada, mas que está sendo discutido sob a égide da lei atual? Estamos diante de um caso típico de conflito de leis no tempo. Acerca do problema, a LINDB forneceu algumas instruções em seu artigo 6º, que apresenta a seguinte redação: “A lei em vigor terá efeito imediato e geral, respeitados o ato jurídico perfeito, o direito adquirido e coisa julgada.” Em estreita sintonia com este artigo da LINDB, a CF/88 estabeleceu em seu artigo 5º, XXXVI, que “a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada”. O caput do art. 6º traz o Princípio da Irretroatividade das Leis, pelo qual uma lei presente ou futura não deverá atingir fatos passados. Ressalta-se a importância desse princípio uma vez que assegura a ordem e a Segurança Jurídica necessária a um Estado de Direito. Salienta-se que, se uma lei presente ou futura, atingir fatos passados, estaria seriamente maculada a segurança dos indivídu- os, pois, o que antes era permitido, futuramente pode ser proibido, e o indivíduo, que efetuou determinada relação com outro, sob o respaldo da lei, na época, ficaria prejudicado, se, futuramente a lei condenasse essa relação e seus efeitos. Dessa forma, a regra geral é que as leis não retroagem, ou seja, não atingem fatos que ocorreram antes de sua vigência. Urge então compreender o alcance das exceções, uma vez que não exis- te uma proibição direta em relação a existência de leis retroativas, o que existe é um limite ou critério que, obrigatoriamente, deve ser observado. Assim, uma nova lei poderá retroagir desde que respeite: • Direito adquirido - são aqueles cujos titulares possam exer- cer desde já; • Ato jurídico perfeito - é o que já produziu efeitos segundo a lei vigente ao tempo em que se efetuou; • Coisa julgada (caso julgado) - decisão judicial sob o qual não cabe mais recurso; Cabe, neste momento, o entendimento dessas três figuras ju- rídicas, que são as responsáveis pela nossa segurança social e econômica. a) Direito adquirido O direito adquirido é conceituado como aquele que já se incorporou definitivamente ao patrimônio e à personalidade de seu titular, ainda que de efeitos latentes, de modo que nem a lei e nem fato posterior possa alterar tal situação jurídica. Não se pode confundir o direito adquirido com a expectativa de direito. Por esse último, o que há é uma esperança de que algo venha a se concretizar, mas ainda não se concretizou efetivamente, resultando um fato aquisitivo incompleto e, por isso, não integrante do patrimônio de seu titular, sendo atingido portanto pela nova lei. O direito adquirido apresenta os seguintes limites: 1) não prevalece contra normas constitucionais, exceto, para alguns doutrinadores, se e quando decorrentes de emenda consti- tucional, pois o Direito adquirido é cláusula pétrea, por ser direito previsto no artigo 5º da Constituição Federal. 2) retroage normas administrativas e processuais; 3) retroage normas penais benéficas ao réu; 4) retroage normas que dizem respeito ao estado e à capaci- dade das pessoas. Dentro do conceito de Direito adquirido, existem dois que são espécies do gênero, quais sejam: a.1) Ato jurídico perfeito É o ato que tem aptidão para produzir efeitos. Alguns doutrinadores entendem que o ato jurídico não difere do negócio jurídico; no entanto, outros entendem que a diferença reside nos efeitos de um e de outro, tendo em vista que no ato jurídico os efeitos ocorrem independentemente da vontade das partes (exemplo: poder familiar), enquanto no negócio jurídico os efeitos são perseguidos pelas partes (exemplo: contratos em geral). No entanto, por ato jurídico perfeito deve ser aplicada a interpretação mais ampla, a englobar tanto o ato jurídico em sentido estrito, como o negócio jurídico. Ou seja, a palavra perfeito significa que o ato jurídico já completou seu ciclo de formação, já está pronto para produzir seus efeitos, de acordo com a lei vigente quando de sua conclusão. O ato jurídico pode ser: 1) instantâneo: aquele que, no momento de seu nascimento, já produz efeitos e, neste caso, não existe conflito de leis (exemplo: compra e venda à vista de um imóvel); 2) diferido: é o ato que produz efeito em momento único; todavia, a concretizar-se em momento posterior à sua prática (exemplo: compra e venda, com entrega e pagamento a prazo); 3) de trato sucessivo, ou execução continuada: ato que pro- duz efeitos periodicamente, enquanto a relação jurídica se protrai no tempo (exemplo: contrato de locação com pagamento de par- celas periódicas). O ato jurídico perfeito divide-se em duas espécies: 1) condicional: há manifestação de vontade; porém, os efeitos dependem de evento futuro e incerto, diferente de mera expectativa de direito; 2) termo: há manifestação de vontade; porém, os efeitos dependem de evento futuro e certo.
  • 9.
    Didatismo e Conhecimento7 DIREITO CIVIL a.2) Coisa julgada De acordo com a doutrina de vanguarda, coisa julgada é a qualidade dos efeitos da sentença, no sentido de lhes traduzir imutabilidade. Somente o dispositivo da sentença, cuja função é analisar o pedido, fará coisa julgada, não podendo haver coisa julgada quanto à fundamentação, em que se analisa a causa de pedir. A coisa julgada é soberana, ou seja, não pode ser alterada por ação rescisória, se decorrido o prazo legal para propositura desta (após o período de dois anos de trânsito em julgado, a questão ficará inquestionável). I) CONFLITO DE LEIS NO ESPAÇO Outra problemática é saber se a lei de um país pode ter eficácia, ou seja, surtir efeitos fora de seu território. Do artigo 7º até o último, a Lei de Introdução trata do conflito de leis no espaço, fixando regras para que o juiz brasileiro saiba qual Lei aplicar em conflitos internacionais, se a Lei brasileira ou a estrangeira. O Estado politicamente organizado tem, sobre o seu território e sobre os seus habitantes, um poder que não conhece outro maior, chamado soberania. Vale aqui lembrar a definição tradicional de Estado: reunião dos elementos: povo, governo e território. A soberania traduz-se, dentre vários aspectos, pela não eficácia de norma de outro Estado em seu território e pela obrigatoriedade de suas normas no seu território. A simples limitação física do território é insuficiente para abranger todas as relações jurídicas possíveis em um mundo em constante interação. A mobilidade dos homens foram fatores determinantes para que os Estados adotassem posição menos rígida; em outras pala- vras, surgiu a conveniência de se permitir em certas circunstân- cias que a lei de um Estado soberano fosse aplicada no território de outro Estado também soberano. Esta transigência não diminui ou ofende a soberania desses Estados, por se tratar de transigência recíproca e por se efetuar com base em critérios estabelecidos pelos próprios Estados envol- vidos, com aplicação de princípios e de convenções internacio- nais. Os critérios para aplicação são: a) questões envolvendo direitos da personalidade e direitos de família, são aquelas que tratam de direitos que toda pessoa possui, pelo simples e indiscutível fato de ser pessoa humana. São aqueles direitos que não se separam da pessoa, são inerentes à pessoa humana, ligados a ela perpétua e permanentemente. São eles, os direitos: à vida; à liberdade física ou intelectual; ao nome; ao corpo; à imagem; à honra. São questões de direitos de família as que se ocupam de regras para realização de casamento, dissolução do casamento, restauração do casamento, guarda de filhos, arbitramento de pensão, etc. Para estes “direitos”, o critério adotado é o do domicílio da pessoa envolvida. Ou seja, busca-se resolver os conflitos com a aplicação da norma do país onde a pessoa fixou-se, onde está vi- vendo e tem como referência. b) questões envolvendo Bens e Patrimônio, é possível que surja quando um conflito envolva um bem e pessoas que estejam em diferentes Estados. Todos os conflitos que tenham como centro um bem ou um patrimônio serão resolvidos com a aplicação da lei do país onde está localizado o bem. c) questões envolvendo obrigações, são aquelas que surgem quando a mobilidade das pessoas permite que travem relações, não somente no plano pessoal, mas naturalmente também no plano obrigacional. Contratos podem ser firmados para cumprimento de obrigação em mais de um território. Nestas situações, para administrar essas obrigações e solu- cionar conflitos que possam advir, deverá ser aplicada a lei do país onde foi constituída a obrigação. Vale dizer que, em relação às obrigações que foram celebradas no estrangeiro, não será apli- cada a lei brasileira e sim a do país onde foi celebrado o contrato. Deve-se ainda observar que será considerado local de cele- bração para aplicação deste critério o local em que reside o pro- ponente, aquele que figura como oferecedor da proposta. DECRETO-LEI Nº 4.657, DE 4 DE SETEMBRO DE 1942. Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro. (Redação dada pela Lei nº 12.376, de 2010) O PRESIDENTE DA REPÚBLICA, usando da atribuição que lhe confere o artigo 180 da Constituição, decreta: Art. 1o  Salvo disposição contrária, a lei começa a vigorar em todo o país quarenta e cinco dias depois de oficialmente publicada. § 1o  Nos Estados, estrangeiros, a obrigatoriedade da lei brasileira, quando admitida, se inicia três meses depois de ofi- cialmente publicada. (Vide Lei 2.145, de 1953)  (Vide Lei nº 2.410, de 1955)  (Vide Lei nº 3.244, de 1957)  (Vide Lei nº 4.966, de 1966)  (Vide Decreto-Lei nº 333, de 1967) § 2o  (Revogado pela Lei nº 12.036, de 2009). § 3o  Se, antes de entrar a lei em vigor, ocorrer nova publi- cação de seu texto, destinada a correção, o prazo deste artigo e dos parágrafos anteriores começará a correr da nova publicação. § 4o  As correções a texto de lei já em vigor consideram-se lei nova. Art. 2o  Não se destinando à vigência temporária, a lei terá vigor até que outra a modifique ou revogue. (Vide Lei nº 3.991, de 1961) § 1o  A lei posterior revoga a anterior quando expressa- mente o declare, quando seja com ela incompatível ou quando regule inteiramente a matéria de que tratava a lei anterior. § 2o  A lei nova, que estabeleça disposições gerais ou es- peciais a par das já existentes, não revoga nem modifica a lei anterior. § 3o  Salvo disposição em contrário, a lei revogada não se restaura por ter a lei revogadora perdido a vigência. Art. 3o  Ninguém se escusa de cumprir a lei, alegando que não a conhece. Art. 4o  Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito. Art. 5o  Na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum. Art. 6º A Lei em vigor terá efeito imediato e geral, res- peitados o ato jurídico perfeito, o direito adquirido e a coisa julgada. § 1º Reputa-se ato jurídico perfeito o já consumado segundo a lei vigente ao tempo em que se efetuou. § 2º Consideram-se adquiridos assim os direitos que o seu titular, ou alguém por ele, possa exercer, como aqueles cujo começo do exercício tenha termo pré-fixo, ou condição pré-estabelecida inalterável, a arbítrio de outrem.
  • 10.
    Didatismo e Conhecimento8 DIREITO CIVIL § 3º Chama-se coisa julgada ou caso julgado a decisão judicial de que já não caiba recurso. Art. 7o  A lei do país em que domiciliada a pessoa determi- na as regras sobre o começo e o fim da personalidade, o nome, a capacidade e os direitos de família. § 1o  Realizando-se o casamento no Brasil, será aplicada a lei brasileira quanto aos impedimentos dirimentes e às forma- lidades da celebração. § 2o O casamento de estrangeiros poderá celebrar-se pe- rante autoridades diplomáticas ou consulares do país de am- bos os nubentes. § 3o  Tendo os nubentes domicílio diverso, regerá os casos de invalidade do matrimônio a lei do primeiro domicílio con- jugal. § 4o  O regime de bens, legal ou convencional, obedece à lei do país em que tiverem os nubentes domicílio, e, se este for diverso, a do primeiro domicílio conjugal. § 5º - O estrangeiro casado, que se naturalizar brasileiro, pode, mediante expressa anuência de seu cônjuge, requerer ao juiz, no ato de entrega do decreto de naturalização, se apostile ao mesmo a adoção do regime de comunhão parcial de bens, respeitados os direitos de terceiros e dada esta adoção ao competente registro. § 6º  O divórcio realizado no estrangeiro, se um ou ambos os cônjuges forem brasileiros, só será reconhecido no Brasil depois de 1 (um) ano da data da sentença, salvo se houver sido antecedida de separação judicial por igual prazo, caso em que a homologação produzirá efeito imediato, obedecidas as condições estabelecidas para a eficácia das sentenças estrangeiras no país. O Superior Tribunal de Justiça, na forma de seu regimento interno, poderá reexaminar, a requerimento do interessado, decisões já proferidas em pedidos de homologação de sentenças estrangeiras de divórcio de brasileiros, a fim de que passem a produzir todos os efeitos legais. § 7o  Salvo o caso de abandono, o domicílio do chefe da família estende-se ao outro cônjuge e aos filhos não emanci- pados, e o do tutor ou curador aos incapazes sob sua guarda. § 8o  Quando a pessoa não tiver domicílio, considerar-se-á domiciliada no lugar de sua residência ou naquele em que se encontre. Art. 8o  Para qualificar os bens e regular as relações a eles concernentes, aplicar-se-á a lei do país em que estiverem situ- ados. § 1o  Aplicar-se-á a lei do país em que for domiciliado o proprietário, quanto aos bens moveis que ele trouxer ou se des- tinarem a transporte para outros lugares. § 2o  O penhor regula-se pela lei do domicílio que tiver a pessoa, em cuja posse se encontre a coisa apenhada. Art. 9o  Para qualificar e reger as obrigações, aplicar-se-á a lei do país em que se constituírem. § 1o  Destinando-se a obrigação a ser executada no Brasil e dependendo de forma essencial, será esta observada, admiti- das as peculiaridades da lei estrangeira quanto aos requisitos extrínsecos do ato. § 2o  A obrigação resultante do contrato reputa-se constitu- ída no lugar em que residir o proponente. Art.  10.  A sucessão por morte ou por ausência obedece à lei do país em que domiciliado o defunto ou o desaparecido, qualquer que seja a natureza e a situação dos bens. § 1º A sucessão de bens de estrangeiros, situados no País, será regulada pela lei brasileira em benefício do cônjuge ou dos filhos brasileiros, ou de quem os represente, sempre que não lhes seja mais favorável a lei pessoal do de cujus. § 2o  A lei do domicílio do herdeiro ou legatário regula a capacidade para suceder. Art. 11.  As organizações destinadas a fins de interesse co- letivo, como as sociedades e as fundações, obedecem à lei do Estado em que se constituírem. § 1o  Não poderão, entretanto ter no Brasil filiais, agências ou estabelecimentos antes de serem os atos constitutivos apro- vados pelo Governo brasileiro, ficando sujeitas à lei brasileira. § 2o  Os Governos estrangeiros, bem como as organizações de qualquer natureza, que eles tenham constituído, dirijam ou hajam investido de funções públicas, não poderão adquirir no Brasil bens imóveis ou susceptíveis de desapropriação. § 3o  Os Governos estrangeiros podem adquirir a proprie- dade dos prédios necessários à sede dos representantes diplo- máticos ou dos agentes consulares. Art. 12.  É competente a autoridade judiciária brasileira, quando for o réu domiciliado no Brasil ou aqui tiver de ser cumprida a obrigação. § 1o  Só à autoridade judiciária brasileira compete conhe- cer das ações relativas a imóveis situados no Brasil. § 2o A autoridade judiciária brasileira cumprirá, conce- dido o exequatur e segundo a forma estabelecida pele lei bra- sileira, as diligências deprecadas por autoridade estrangeira competente, observando a lei desta, quanto ao objeto das di- ligências. Art.  13.  A prova dos fatos ocorridos em país estrangeiro rege-se pela lei que nele vigorar, quanto ao ônus e aos meios de produzir-se, não admitindo os tribunais brasileiros provas que a lei brasileira desconheça. Art. 14.  Não conhecendo a lei estrangeira, poderá o juiz exigir de quem a invoca prova do texto e da vigência. Art. 15.  Será executada no Brasil a sentença proferida no estrangeiro, que reuna os seguintes requisitos: a) haver sido proferida por juiz competente; b) terem sido as partes citadas ou haver-se legalmente ve- rificado à revelia; c) ter passado em julgado e estar revestida das formalida- des necessárias para a execução no lugar em que foi proferida; d) estar traduzida por intérprete autorizado; e) ter sido homologada pelo Supremo Tribunal Federal. (Vide art.105, I, i da Constituição Federal). Parágrafo único.   (Revogado pela Lei nº 12.036, de 2009). Art. 16.  Quando, nos termos dos artigos precedentes, se houver de aplicar a lei estrangeira, ter-se-á em vista a dispo- sição desta, sem considerar-se qualquer remissão por ela feita a outra lei. Art. 17.  As leis, atos e sentenças de outro país, bem como quaisquer declarações de vontade, não terão eficácia no Brasil, quando ofenderem a soberania nacional, a ordem pública e os bons costumes. Art. 18. Tratando-se de brasileiros, são competentes as au- toridades consulares brasileiras para lhes celebrar o casamen- to e os mais atos de Registro Civil e de tabelionato, inclusive o registro de nascimento e de óbito dos filhos de brasileiro ou brasileira nascido no país da sede do Consulado. Art. 19. Reputam-se válidos todos os atos indicados no ar- tigo anterior e celebrados pelos cônsules brasileiros na vigên- cia do Decreto-lei nº 4.657, de 4 de setembro de 1942, desde que satisfaçam todos os requisitos legais. Parágrafo único. No caso em que a celebração desses atos tiver sido recusada pelas autoridades consulares, com funda- mento no artigo 18 do mesmo Decreto-lei, ao interessado é fa- cultado renovar o pedido dentro em 90 (noventa) dias contados da data da publicação desta lei.
  • 11.
    Didatismo e Conhecimento9 DIREITO CIVIL DAS PESSOAS. DAS PESSOAS NATURAIS: DA RESPONSABILIDADE E DA CAPACIDADE, DOS DIREITOS DA PERSONALIDADE. Podemos definir como pessoa natural o ser humano livre de qualquer adjetivação, ou seja, o ser humano independentemente de sexo, crença, idade, religião, etc. Portanto, para ser considerado pessoa natural basta que esse ser humano exista, é o ser humano considerado como sujeito de direitos e deveres. A pessoa natural no CC/1916 era conhecida como sinônimo de pessoa física, mas, com a nova normatização do CC/2002, da qual esta deva ser interpretada dentro dos parâmetros da CF/1988, deve-se evitar usar como sinônimo de pessoa natural o termo pessoa física, porque chamar o ser humano de pessoa física é patrimonializá-lo demais, é materializá-lo demais, e o direito civil atual caminha exatamente no sentido da despratimonialização. Não podemos, portanto, deixar de mencionar a proteção constitucional da pessoa natural que pode ser verificada no art. 1º, III da CF, porque afinal de contas este dispositivo prevê ex- pressamente que um dos fundamentos da República Federativa do Brasil é a proteção da pessoa humana. Justamente por isso muitos autores de direito civil falam e utilizam a expressão personalização do direito civil, pois com essa idéia de personalização do direito civil, a pessoa esta no centro do ordenamento jurídico brasileiro, ou seja, a personalidade jurídica concedida à pessoa natural é a aptidão para que se possa ser ti- tular de relações jurídicas e fazer jus a toda uma rede de proteção que é destinada aos direitos da personalidade. Assim, as pessoas, naturais ou jurídicas, são sujeitos dos direitos subjetivos, entes dotados de personalidade. É, principalmente, em função dessas pessoas, que existe a ordem jurídica. Na realidade, há duas acepções para o termo personalidade. Na primeira acepção, é atributo jurídico conferido ao ser humano e a outros entes (pessoas jurídicas), em virtude do qual se tornam capazes, podendo ser titulares de direitos e deveres nas relações jurídicas. A pessoa, por ser dotada de personalidade, é o elemento subjetivo da estrutura das relações jurídicas. Numa segunda acepção, a personalidade é um valor, “o valor fundamental do ordenamento jurídico e está na base de uma série aberta de situações existenciais, nas quais se traduz sua incessantemente mutável exigência de tutela”. Daí se falar em direitos da personalidade, que estudaremos no próximo capítulo. De qualquer forma, num primeiro momento a personalidade é invenção do Direito. Por isso dizemos que personalidade é atributo ou valor jurídico. A personalidade, em tese, não é natural. Tanto não é natural, que se atribui personalidade a entes não humanos, as pessoas jurídicas, que podem ser meros patrimônios, como as fundações. Sem sombra de dúvida, antigamente havia seres humanos aos quais o Direito não atribuía personalidade. Eram os escravos, considerados coisas perante o ordenamento jurídico. Hoje em dia, porém, o Direito não reconhece a escravidão e, com base nisso, podemos afirmar que todo ser humano é pessoa pela simples condição humana. Sendo assim, se a personalidade humana se adquire pela simples condição humana, podemos dizer que é atributo natural, inato. 1. INÍCIO DA PERSONALIDADE JURÍDICA DA PES- SOA NATURAL. A personalidade civil da pessoa natural inicia-se a partir do nascimento com vida, conforme disposto no art. 2º do CC, mas a lei protege desde a concepção, os direitos do nascituro, entretanto, estes direitos estão condicionados ao nascimento com vida, ou seja, se nascer morto, os direitos eventuais que viria a ter estarão frustrados. Assim, no instante em que principia o funcionamento do aparelho cárdio-respiratório, clinicamente aferível pelo exame de docimasia hidrostática de Galeno, o recém-nascido adquire personalidade jurídica, tornando-se sujeito de direito, mesmo que venha a falecer minutos depois. Na mesma linha, a Res. nº 1/88 do Conselho Nacional de Saúde dispõe que o nascimento com vida é a: “expulsão ou extração completa do produto da concepção quando, após a separação, respire e tenha batimentos cardíacos, tendo sido ou não cortado o cordão, esteja ou não desprendida a placenta”. Em uma perspectiva constitucional de respeito à dignidade da pessoa, não importa que o feto tenha forma humana ou tempo mínimo de sobrevida. Se o recém-nascido, cujo pai tenha morrido deixando esposa grávida, falece minutos após o parto, terá adquirido, por exemplo, todos os direitos sucessórios do seu genitor, transferindo-os para a sua mãe, uma vez que se tornou, ainda que por breves instantes, sujeito de direito. Portanto, a importância de se constatar se a criança respirou ou não, adquirindo ou não personalidade, é neste exemplo, em casos de herança, visto que, se a criança adquiriu personalidade, ela estará na qualidade de herdeiro. São três as teorias para explicação do início da personalidade jurídica: a) Teoria Natalista: a personalidade do ser humano se ini- cia do nascimento com vida, não se exigindo mais nenhuma carac- terística como a forma humana, viabilidade de vida ou tempo de nascido. Ademais, o subsequente registro no Cartório de Registro Civil das Pessoas Naturais possui natureza meramente declarató- ria, e não constitutiva. Não se pode confundir o neomorto com o natimorto. Nati- morto é aquele que nasceu morto, não adquirindo, portanto, per- sonalidade. O registro do natimorto é feito no cartório de Regis- tro Civil das Pessoas Naturais em livro próprio denominado “C Auxiliar” (art. 53, § 1º, Lei nº 6.015/73). Neomorto é aquele que nasceu com vida, ou seja, nasceu, respirou, porém, logo em se- guida veio a falecer. Nessa situação, diferentemente do natimorto, procede-se primeiro a um registro de nascimento e, posteriormen- te, a um registro de óbito, uma vez que chegou a ser, ainda que por breve instante, titular de personalidade, herdando e transmitindo os seus direito sucessórios. O CC/2002 adota a teoria natalista na primeira metade do art. 2º: “A personalidade civil da pessoa começa do nascimento com vida; mas a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro”. b) Teoria da Personalidade Condicional: entende que a personalidade tem início a partir da concepção, porém, condicio- na-se ao nascimento com vida. Em outras palavras, os adeptos dessa teoria dizem que antes de nascer o que existe é uma perso- nalidade jurídica formal a justificar o resguardo dos direitos de personalidade do nascituro, e depois do nascimento é que surge a personalidade jurídica material, que alcançará os direitos patri-
  • 12.
    Didatismo e Conhecimento10 DIREITO CIVIL moniais. Mas, a crítica a esta teoria é de que os direitos não patri- moniais, incluindo os direitos da personalidade, não dependem do nascimento com vida para a sua aplicação. c) Teoria concepcionista: a personalidade se adquire des- de a concepção, e o nascituro já possui personalidade jurídica. Tanto é assim que os concepcionistas sugerem uma releitura do art. 2º do CC, entendendo que, na realidade, o que se adquire com o nascimento com vida é a capacidade e não a personalidade, de modo que os direitos de personalidade já estariam salvaguarda- dos desde a concepção. Para fins práticos, muito se confunde em se tratando das teorias da personalidade condicional e concepcionista. É possível vislumbrar a diferença que existe entre elas se compreendermos que a teoria da personalidade condicional, embora reconheça direitos ao nascituro, aponta que a personalidade jurídica estaria sujeita a uma condição, qual seja, o nascimento com vida. Já os concepcionistas, além de reconhecerem direitos ao nascituro, admitem a personalidade jurídica desde a concepção, sem submetê-la a qualquer condição. A grande polêmica em torno do nascituro é se é pessoa ou se não é. Para os adeptos da teoria concepcionista, afirmam estes que atribuir direitos e deveres significa afirmar personalidade. Tanto a segunda parte do art. 2º, que é exemplificativo, como outras normas do Código reconhecem expressamente ao nascituro direitos e status (como o de filho, por exemplo), e não expectativas de direitos. O nascituro pode ser reconhecido ainda no ventre materno (art. 1.609, p. ú., do CC, e art. 26, p. ú., da Lei nº 8.069, de 13.07.1990), está sujeito à curatela (arts. 1.778 e 1.779) e pode ser adotado (art. 1.621). Além de direitos consagrados de modo expresso, a redação exemplificativa do art. 2º permite reconhecer o direito a alimentos ao nascituro e investigar-lhe a paternidade. É beneficiário de doação (art. 542) e herança (art. 1.799), direitos patrimoniais materiais, podendo o representante legal entrar na posse de bens doados ou herdados, provando-se a gravidez, por meio da posse em nome do nascituro (arts. 877 e 878 do CPC). O nascimento com vida apenas consolida o direito patrimonial, aperfeiçoando-o. O nascimento sem vida atua, para a doação e herança, como condição resolutiva, problema que não se apresenta em se tratando dos direitos não patrimoniais. Ora, é despiciendo dizer que, segundo a lógica tradicional de nosso sistema jurídico, direitos detem apenas as pessoas. Sendo assim, muito embora, a primeira parte do art. 2º se refira ao nascimento com vida, o Direito Brasileiro, considerado em seu todo, adota a posição concepcionista. São de grande relevância os direitos da personalidade do nascituro, entre os quais os direitos à vida, à integridade física, à honra e à imagem, assim como também o direito à proteção do pré-natal e a tipificação de crime em casos de aborto. O próprio Enunciado nº 1, do CJF afirma que: “A proteção que o Código defere ao nascituro alcança o natimorto no que concerne aos direitos de personalidade, tais como o nome, imagem e sepultura.” Esse enunciado demonstra a aguda tendência da doutrina à teoria concepcionista. Vale lembrar que a Lei de Alimentos Gravídicos (Lei nº 11.804/2008) encontra respaldo na proteção destinada ao nascituro e a sua base repousa na teoria concepcionista, sendo considerado como conceito de alimentos gravídicos o previsto em seu art. 2º que assim é expresso: “os alimentos de que trata esta Lei compreenderão os valores suficientes para cobrir as despesas adicionais do período de gravidez e que sejam dela decorrentes, da concepção ao parto, inclusive as referentes a alimentação especial, assistência médica e psicológica, exames complementares, internações, parto, medicamentos e demais prescrições preventivas e terapêuticas indispensáveis, a juízo do médico, além de outras que o juiz considere pertinentes”.   Uma questão bastante interessante a ser enfrentada neste terceiro milênio, é se a quarta era dos direitos, caracterizados pelos avanços da biomedicina, da genética e das telecomunicações, é se, o conceito de nascituro pode se estender ao nascituro concebido in vitro, isto é, fora do ventre materno? Para a doutrina moderna, o conceito de nascituro abrange tanto o que está no ventre materno, como o embrião pré- implantatório, in vitro ou crioconservado. A reprodução assistida é tratada de modo geral, sem pormenores, no art. 1.597, incisos III, IV, V, CC. 2. DA CAPACIDADE A personalidade possui certos atributos, certos elementos que a caracterizam. São eles, dentre muitos outros, a capacidade, o nome e o estado. O artigo 1º do CC/2002 prevê que toda pessoa é capaz de direitos e deveres na ordem civil. Devemos fazer algumas observações a respeito deste artigo, como: 1ª observação: o novo código civil não utiliza mais a expres- são homem e sim a expressão pessoa, uma vez que o código de 1916 utilizava em seu artigo 2º a expressão homem. Assim a ex- pressão pessoa é melhor adaptada a CF/88 que utiliza a expressão pessoa humana. 2ª observação: o dispositivo não fala mais em direitos e obri- gações e sim em direitos e deveres, isso porque existem deveres que não são obrigacionais em um sentido patrimonial, como por exemplo, o dever de fidelidade. 3ª observação: o dispositivo fala ordem civil, porque afinal de contas traz a pessoa enquadrada na socialidade, traz a pessoa dentro de uma idéia de função social. Continuando o estudo do art. 1º do CC quando o dispositivo fala que toda pessoa é capaz de direitos e deveres na ordem civil, temos neste dispositivo a chamada capacidade de direito. Essa capacidade de direito é a capacidade para ser sujeito de direitos e deveres, e todas as pessoas sem distinção tem essa capacidade de direito, também conceituada como capacidade de gozo. Existe também uma outra capacidade que é a de fato ou de exercício que algumas pessoas não tem. A personalidade, aptidão para ser titular de direitos e de- veres, é ínsita à pessoa, enquanto a capacidade é a medida da personalidade. Diz-se que a personalidade é um quid (substância, essência) e a capacidade, um quantum. Há duas espécies de capacidade: a) de direito ou de gozo: é a capacidade de aquisição de direitos, não importando a idade da pessoa; b) de fato ou de exercício: é a capacidade de exercício de direitos, de exercer, por si só, os atos da vida civil. As pessoas que possuem os dois tipos de capacidade têm a chamada capacidade plena, e aqueles que não possuem a capacidade de fato são chamados incapazes, tendo a chamada capacidade limitada. No Brasil não poderá existir incapacidade de direito.
  • 13.
    Didatismo e Conhecimento11 DIREITO CIVIL Portanto, todas as pessoas tem capacidade de direito ou de gozo, mas só a algumas a lei confere a capacidade de exercê-los pessoalmente. As que não tem a de exercício necessitam de outra pessoa que as representará ou as assistirá, conforme se trate de incapacidade absoluta ou de incapacidade relativa. Assim, se todos possuímos capacidade de direito, isso não quer dizer que todos possamos, de fato, exercer atos da vida civil. É evidente que o recém-nascido, o deficiente mental ou a pessoa esclerosada não podem. Desse modo, vemos que, além da capacidade de direito, ou seja, desse mero potencial, é necessário para o exercício da vida civil poder efetivo, real, que nos é dado pela capacidade de fato. Não confundir Capacidade com Legitimação, uma vez que esta última é a idoneidade para o exercício dos direitos, ou seja, há situações em que a pessoa mesmo sendo capaz, a lei impede que faca. Ex: Uma pessoa que tenha a capacidade de direito e de fato pode se casar, porém, se já é casado, não pode mais; outro ex: um homem (capacidade de direito), com 30 anos (capacidade de fato) querendo se casar, porém, se a esposa fosse sua irmã, o Código Civil impediria o casamento, por falta de legitimação. Assim, capacidade é diferente de legitimação, ou seja, a capacidade de fato é genérica, enquanto que a legitimação surge para um caso específico. 3. PREMISSAS PARA O ESTUDO DAS INCAPACIDA- DES: a) a regra é a capacidade, e a incapacidade, exceção. Se considerarmos que a incapacidade é a exceção e o legislador tem por ímpeto dispor na lei acerca das exceções, por evidente que estará previsto na lei civil o rol dos incapazes (arts. 3º e 4º, CC) e não dos capazes. b) Conceito de incapacidade: é a restrição legal para a prática, por si só, de atos na vida civil. Por meio desse conceito, extraímos que somente o legislador poderá apontar quem são os incapazes, não sendo admissível a incapacidade negocial ou con- tratual. c) O instituto da incapacidade existe para a proteção dos incapazes, repudiando qualquer manifestação que os avilte, humi- lhe ou rebaixe. d) Não se pode confundir incapacidade com falta de legiti- mação. O incapaz não pode praticar sozinho nenhum ato da vida jurídica. A falta de legitimação impede apenas a prática de um determinado ato da vida jurídica. e) Existem dois graus de incapacidade: total e parcial. 4. DA INCAPACIDADE ABSOLUTA (TOTAL): A incapacidade absoluta acarreta a proibição total da prática dos atos da vida civil, sob pena de nulidade (art. 166, I, do CC), e é suprida pela representação que agirá em nome e por conta do representado. A representação pode ser por força de lei ou outorga do interessado (art. 115 do CC). O incapaz é proibido de praticar sozinho qualquer ato da vida civil, sob pena de ser nulo todo ato praticado por ele. No entanto, pode haver exceções. Ex: Uma pessoa de dez anos comprando um picolé seria nulo. Mas, preserva-se a estabilidade jurídica. A incapacidade absoluta tem como conseqüência o simples fato de a pessoa não ter sua vontade levada em consideração. É como se não tivesse vontade própria. Tem assim, que ser representada por responsável legal em tudo o que for fazer. É a vontade desse representante que conta. Logicamente os poderes do representante são limitados. Dessa forma, necessita ele de autorização do juiz e do Ministério Público para realizar qualquer ato que importe perda patrimonial para o incapaz. Ficam, pois, proibidos de, sem autorização, vender, doar ou trocar bens do incapaz, fazer acordos em nome do incapaz, renunciar a direitos do incapaz etc. Os absolutamente incapazes são aqueles estabelecidos no art. 3º do CC. São eles: I) os menores de dezesseis anos; Também conhecidos por menores impúberes. Os pais são representantes legais dos filhos menores de 16 anos, dos quais detem o poder familiar (antigo pátrio poder), conforme o artigo 1.634, V, CC. II) os que, por enfermidade ou deficiência mental, não tiverem o necessário discernimento para a prática desses atos; Aqui há total falta de discernimento para a prática dos atos da vida civil em virtude de algum sofrimento mental. Apresenta-se como imprescindível a sentença que se manifeste pela interdição do alienado. O Código se preocupa com as aptidões para manifestar a vontade e ter discernimento que podem estar obstadas por causas várias, originadas da idade, e de ordem física ou mental. Suprimiram-se a expressão imprópria “loucos de todo o gênero” do Código revogado e a referência a surdos-mudos, pois eles não estão impedidos de manifestar a vontade e, em regra, podem fazê- lo de modo adequado para os fins visados pela lei. O Decreto-lei n. 24.559/34 trata minuciosamente da situação dos loucos. Autoriza ao juiz, na sentença de interdição, fixar limites à curatela. O Decreto-lei n. 891/38 regulou a interdição dos toxicômanos, que são aqueles que, em virtude do uso de tóxicos, perdem sua capacidade mental. Como nem sempre a dependência de tóxicos torna o toxicômano absolutamente incapaz, o Decreto-lei permitiu a fixação de limites para a curatela em caso de interdição, ou seja, o Juiz pode considerar o toxicômano relativamente incapaz, entendendo que ele poderá praticar alguns atos jurídicos. Com base nesse Decreto-lei, podem-se interditar, também, os alcoólatras. As duas hipóteses hoje são tratadas pelo Código Civil como de incapacidade relativa (art. 4º, II, CC), porém, podem gerar incapacidade absoluta quando a cognição da pessoa inexistir para a prática de atos jurídicos. A vontade do absolutamente incapaz é, em regra, desconsiderada pelo Direito. No Estatuto da Criança e do Adolescente, em caso de adoção, se a criança tiver 12 anos, deverá concordar com a adoção. O ordenamento jurídico cível brasileiro não admite a teoria dos lúcidos intervalos adotada em outros países. A referida teoria se presta a validade o ato praticado pelo absolutamente incapaz sob o argumento de que, no instante em que o praticou, o incapaz estava lúcido. III) os que, mesmo por causa transitória, não puderem exprimir sua vontade. O que temos aqui é a chamada incapacidade acidental. Na verdade, a pessoa não sofre de nenhuma patologia mental, mas, no momento da prática do ato, encontra-se impossibilitada de manifestar a sua vontade de maneira sadia. Não se exige, portanto, que a pessoa esteja interditada. Ocorre em situações de embriaguez, hipnose, perda de memória, estado de coma etc.
  • 14.
    Didatismo e Conhecimento12 DIREITO CIVIL Enquanto perdurar a causa que transitoriamente impede a manifestação de vontade, a pessoa é absolutamente incapaz. Desaparecendo a causa, restabelece-se a capacidade. 5. DA INCAPACIDADE RELATIVA (PARCIAL): Na incapacidade relativa é permitida a prática dos atos civis, desde que o incapaz seja assistido por seu representante, sob pena de anulabilidade (art. 171, I, do CC), e é suprida pela assistência. Assim os relativamente incapazes deverão praticar os atos da vida civil devidamente assistidos por terceira pessoa, isto é, o ato deverá ser praticado em conjunto por ambos. Isso porque na inca- pacidade relativa, não se despreza de todo a vontade do incapaz. Por vezes, a lei protege de modo igual os absolutamente e os relativamente incapazes, como no art. 934, do CC, segundo o qual aquele que ressarciu o dano causado por outrem não pode reaver daquele por quem pagou, se o causador do dano for descendente seu. Tratando-se de prescrição, ela só ocorre contra os absolutamente incapazes (art. 198, I do CC). Outras vezes, a lei sanciona o menor, seja absolutamente, seja relativamente incapaz, como ocorre em caso de ocultação dolosa da idade, conforme dispõe o art. 180 do CC. O Código Civil está permeado de institutos que protegem os incapazes. Por tal motivo, o legislador destinou uma pessoa capaz para representar o absolutamente incapaz e para assistir o relativamente incapaz, suprindo assim a incapacidade. Institui-se, por conseguinte, a ação declaratória de nulidade do ato jurídico, ou ação anulatória. Os relativamente incapazes são aqueles estabelecidos no art. 4º do CC. São eles: I) os maiores de dezesseis e menores de dezoito anos; Também conhecidos como menores púberes. Considerando que a maioridade civil foi antecipada de 21 anos para 18, a incapacidade relativa, começa aos 16 e termina aos 18. Embora o menor (homem ou mulher) com 16 anos possa se casar, conforme disposto o art. 1.517, ele necessita da autorização dos pais ou dos representantes legais. Existe algumas exceções em que os relativamente incapazes podem praticar atos sozinhos, como fazer um testamento (art. 1860, § único, do CC), aceitar mandato para negócios (art. 666 do CC), ser testemunha (art. 228, I do CC), exercer o direito de voto (art. 14, CF/88) e ajuizar ação popular (basta ser eleitor, Lei nº 4.717/65). Ademais, se o menor púbere tiver sido emancipado também não necessitará de assistência. Afora as exceções observadas acima, a regra é que o maior de 16 anos e menor de 18 anos só poderá praticar os atos da vida civil devidamente assistido. E, ratifique-se, caso pratique um ato da vida civil sem a assistência necessária, esse ato será anulável. Entretanto, se o menor púbere, ao praticar o ato, dolosamente oculta sua idade se inquirido sobre ela ou se, deliberadamente, se declarou maior, este ato praticado nessa circunstância será válido e plenamente exigível (art. 180, CC). Isso ocorre em decorrência da aplicação do princípio que impõe a impossibilidade de se tirar proveito da própria malícia (Teoria do tu quoque). II) os ébrios habituais, os viciados em tóxicos, e os que, por deficiência mental, tenham o discernimento reduzido; Inova o Código Civil ao introduzir no rol dos relativamente incapazes os ébrios habituais – não os eventuais – os viciados em tóxicos, bem como os deficientes mentais que tenham o discernimento reduzido. Estes antes incluíam-se como absolutamente incapazes na expressão ampla “loucos de todo gênero”, do Código revogado. Foi a ciência médico-psiquiátrica que ampliou as hipóteses de incapacidaderelativa,comonocasodealcoólatrasoudipsômanos, toxicômanos, entre outros que tenham sua capacidade cognitiva alterada. Todos esses precisarão da assistência de um curador (art. 1767, III, do CC). Esses incapazes são conhecidos por “fronteiriços”. Não se pode prescindir, nesta hipótese, da sentença de interdição. Os alcoólatras e toxicômanos são pessoas que não possuem a manifestação de vontade absolutamente livre, uma vez que seus atos são sempre norteados pela necessidade de obtenção da substância química que lhes satisfaça o vício. Em relação àqueles que sofrem de deficiência mental, deve ser observado o grau da doença e seus reflexos na manifestação da vontade. Assim, se a deficiência mental conduzir a um discernimento “reduzido” da pessoa, estaremos diante de um relativamente incapaz. III) os excepcionais, sem desenvolvimento mental completo; Além de diferenciar os deficientes mentais que não possam manifestar a vontade – considerados absolutamente incapazes – e os que o possam fazer, ainda que de modo insuficiente, o Código distingue deficiente mental e excepcional sem desenvolvimento mental completo, considerando-os em categorias diversas. A hipótese dá grande discricionariedade ao julgador, pois abarca todos os “fracos dementes”, portadores de anomalias psíquicas, comprovados e declarados em sentença de interdição, que os tornam incapazes de praticar atos da vida civil, sem assistência de um curador (art. 1767, IV, do CC). Como exemplo, os portadores de Síndrome de Down e aqueles que tenham o QI reduzido. Estas pessoas estão sujeitas a ter decretada pelo juiz sua incapacidade absoluta ou relativa, conforme restar apurado em perícia médica realizada na correspondente ação de interdição. IV) os pródigos. Pródigo é aquele que gasta ou destrói desordenadamente o seu patrimônio. O pródigo não é considerado louco, apenas possui um desvio de personalidade. Para estar sob a proteção da lei deverá estar interditado. A interdição do pródigo tem três características: • se ele tiver família para a proteção da família, poderá ser interditado, cujo conceito de família aqui é restrito ao cônjuge, aos descendentes e aos ascendentes. A jurisprudência acoplou a companheira no rol da família para requerer a interdição do pró- digo. O Ministério Público poderá requerer a interdição se houver somente filhos menores caso não exista qualquer pessoa da famí- lia que tenha capacidade para requerer a interdição; • se ele não tiver família, não poderá ser interditado, ten- do em vista não haver a quem proteger; • a restrição que ele sofre é muito pequena, só se limitan- do à prática de atos que acarretam a redução de seu patrimônio (transigir, alienação de bens, doação, dar quitação, inserir ônus real, etc – art. 1.782, CC). Assim, o pródigo poderá praticar sozinho os atos de mera administração, bem como os atos que não tenham repercussão na esfera patrimonial, como o casamento.
  • 15.
    Didatismo e Conhecimento13 DIREITO CIVIL No que diz respeito ao casamento, o pródigo pode livremente casar-se sem autorização de seu curador, e o regime de bens será o da comunhão parcial. Não é correto dizer que o regime de bens imposto por lei ao pródigo seja o da separação obrigatória. As pessoas sujeitas a esse regime estão no art. 1.641, do CC que deve ser interpretado restritivamente, e o pródigo por lá não se encontra. Porém, se o pródigo manifestar desejo de realizar pacto antenupcial, deverá fazê-lo conjuntamente com o seu curador. 6. SILVÍCOLAS É vulgarmente chamado de índio e sujeito a regime tutelar estabelecido em leis e regulamentos especiais, o qual cessará à medida que se adaptar a civilização do país. O artigo 4º, parágrafo único, do Código Civil, estabelece: «A capacidade dos índios será regulada por legislação especial». A incapacidade estabelecida por lei especial não é uma restrição e sim uma proteção, ou seja, não serão aplicáveis as regras do Código Civil aos índios. A Lei Federal nº 6.001/73, conhecida como Estatuto do Índio, regulamenta a proteção dos silvícolas que ficam sob a tutela da União (tutela estatal). Foi criado um órgão para tutelar os silvícolas em nome do Estado: a FUNAI. Há também a proteção Constitucional prevista nos arts. 231 e 232, da CF/88. Os silvícolas não possuem registro de nascimento civil, sendo que seu registro é feito na própria FUNAI. Se um silvícola se adaptar à civilização, poderá requerer sua emancipação, tornando-se, assim, pessoa capaz. Para a emancipação, os silvícolas devem comprovar que já completaram 21 anos de idade, que já conhecem a língua portuguesa e que já estão adaptados à civilização, podendo exercer uma atividade útil. O Estatuto do Índio dispõe que todo ato praticado por silvícola, sem a assistência da FUNAI, é nulo. O próprio Estatuto, no entanto, dispõe que o juiz poderá considerar válido o ato se constatar que o silvícola tinha plena consciência do que estava fazendo e que o ato não foi prejudicial a ele. 7. Observações importantes sobre algumas pessoas: a) O idoso não é incapaz, isso porque a velhice, por si só, não induz à incapacidade. Porém, não nos olvidemos das situações em que, acompanhando a idade avançada, precipita-se alguma de- bilidade psicológica, como a esclerose ou mal de Alzheimer. Nesse caso, em havendo a devida interdição, o idoso poderá ser posto em moldura de absoluta ou relativa incapacidade, a depender do grau de sua doença. b) Os surdos-mudos poderão se enquadrar na qualificação de absolutamente incapazes, relativamente incapazes, ou até mes- mo de plenamente capazes, tudo a depender do que a surdo-mudez cause àquela pessoa. c) O ausente é considerado capaz, pois, aonde quer que se encontre, essa pessoa não apresenta problema nenhum. 8. INTERDIÇÃO É processo judicial pelo qual pessoa capaz é declarada incapaz. Como vimos, em algumas hipóteses o reconhecimento judicial da incapacidade de determinada pessoa se mostra essencial para a sua proteção. Tal reconhecimento judicial se dará por meio de uma ação designada de interdição, cujo procedimento é especial de jurisdição voluntária a seguir a orientação prevista nos arts. 1.177 e ss. do CPC. A sentença, basicamente, reconhecerá uma situação jurídica que culminará na incapacidade jurídica. Ademais, caberá ao juiz a gradação do grau de incapacidade, por meio de especialistas, e a conseguinte designação de um curador para a devida representação ou assistência do incapaz. Ressalte-se que aqueles que possuem menos de 18 anos são incapazes (absoluta ou relativamente), independentemente de interdição. A proteção é automaticamente imposta por lei, por meio de critério objetivo: a reduzida idade que induz á presunção absoluta de imaturidade da pessoa. Entretanto, não podemos afastar a possibilidade de haver interesse na interdição de um menor, entre 16 e 18 anos, a fim de se reconhecer a sua incapacidade absoluta. Natureza jurídica da sentença de interdição. A doutrina não chega a um consenso sobre a natureza jurídica da sentença de interdição: se constitutiva ou se declaratória. Para os adeptos do primeiro posicionamento (sentença constitutiva positiva), a sentença cria um novo estado jurídico – o de interdito – para uma pessoa que, até então, apenas padecia de um sofrimento mental, por exemplo. Entretanto, tem prevalecido na doutrina o posicionamento de que a sentença da ação de interdição é meramente declaratória, já que o juiz apenas reconhece e declara um estado de incapacidade pré-existente, sobretudo em virtude da dicção do art. 1.773 do CC: “A sentença que declara a interdição produz efeitos desde logo, embora sujeita a recurso”. Atos praticados pelo incapaz antes de sua interdição. Embora partindo da posição prevalente de que a interdição apenas declara um estado de incapacidade pré-existente, temos para nós que tal sentença não retroagira atingindo ato anteriormente praticado pelo portador da causa justificadora de incapacidade. Assim, tal sentença possui efeitos ex nunc, isto é, a partir de sua prolação. Portanto, os atos praticados pelo incapaz antes de usa interdição permanecerão intactos. A explicação para isso é simples: busca-se proteger o terceiro de boa-fé e atender à segurança nas relações negociais. Se o terceiro demonstrar que o negócio foi feito em condições normais (sem abuso) e que a deficiência não era notória (aparentemente o deficiente parecia normal e a deficiência não era de conhecimento de todos), pode-se validar o ato jurídico. Nessa linha de intelecção, não podemos esquecer que se torna possível a invalidação do ato praticado antes da sentença de interdição, por meio da uma ação própria ajuizada pelo curador, em hipótese de notoriedade da causa justificadora da incapacidade, pois configurada estaria a má-fé do outro contratante, concluindo, o que se persegue é a proteção do terceiro que, de boa-fé, negociou com o interditado antes de sua interdição. Para garantir que não haja interdições de pessoas capazes, o interditando deverá ser citado no processo para que exerça sua defesa. Havendo sentença de interdição, esta deverá ser publicada, pelo menos, três vezes no jornal local. Sempre que um louco já interditado praticar qualquer ato jurídico sozinho, este será nulo, ainda que a terceira pessoa não soubesse da existência da sentença de interdição, tendo em vista a presunção da publicidade. Atualmente, o louco é civilmente irresponsável. Quem respon- de é o curador e, se este não possui bens, a vítima permanecerá irressarcida. Pelo novo Código Civil, de acordo com o artigo 928, o curador responde pelos atos de seu curatelado. Todavia, há a possibilidade de responsabilização subsidiária do deficiente men- tal, caso este possua bens e fique demonstrada a ausência de culpa de seu curador, atendendo ao princípio da vedação do enriqueci- mento sem causa. Por este artigo, a vítima foi beneficiada.
  • 16.
    Didatismo e Conhecimento14 DIREITO CIVIL 9. CESSAÇÃO DA INCAPACIDADE (formas de obten- ção de capacidade): Adquire-se a capacidade quando a causa geradora da incapacidade cessar. Exs.: o sofrimento mental se cure ou a prodigalidade deixe de existir. Evidentemente que a interdição deverá ser levantada quando cessar a causa que a determinou (art. 1.186, CPC). Ocorre que, se o motivo da incapacidade for a imaturidade, ou seja, a pessoa é incapaz por ser menor de idade, obter-se-á a capacidade quando completados 18 anos de idade (art. 5º, caput, CC). Entretanto, é possível que o menor de 18 anos obtenha capacidade plena para a prática de atos na vida civil, mediante a emancipação que, em qualquer das espécies que se manifeste, não admite a sua revogação. Portanto, vimos que há dois tipos de capacidade, a de direito, que todos possuem, e a de fato, que só os maiores de 18 anos e os emancipados possuem que veremos a seguir. 9.1 EMANCIPAÇÃO Pela emancipação uma pessoa incapaz torna-se capaz. Emancipação é, assim, a cessação da incapacidade e opera-se por concessão dos pais, por determinação legal, ou por sentença judicial. A emancipação pode ser de três espécies (artigo 5.º, parágrafo único, do Código Civil): voluntária ou negocial, judicial e legal. a) Emancipação voluntária ou negocial (art. 5º, p.ú., I, 1ª parte, CC): Aquela decorrente da vontade dos pais, que mediante instrumento público, emancipam o filho que apresente no mínimo 16 anos. A concessão da emancipação é feita pelos pais, ou de qualquer deles na falta do outro, como já era previsto pela própria Lei de Registros Públicos. Em caso de não haver o consentimento do pai ou da mãe, aquele que possuir interesse poderá requerer o suprimento judicial, ouvindo-se o tutor. A emancipação só pode ocorrer por escritura pública, através de um ato unilateral dos pais reconhecendo que o filho tem maturidade necessária para reger sua vida e seus bens. O atual sistema é mais rígido que o anterior que autorizava a emancipação por escritura particular. O inciso I, do parágrafo único, do artigo 5º foi expresso ao exigir o instrumento público. A escritura é irretratável e irrevogável para não gerar insegurança jurídica. Hoje a jurisprudência é tranquila no sentido de que os pais que emancipam os filhos por sua vontade não se eximem da responsabilidade por eles, ou seja, não há exoneração dos pais em caso de responsabilidade civil pelos danos causados pelo filho menor. No caso de leis especiais, como o Estatuto da Criança e do Adolescente, o Código de Transito Brasileiro etc., elas sempre irão se sobrepor ao Código Civil em relação à emancipação de menores, ou seja, ainda que sejam emancipados, os menores não poderão praticar atos não permitidos pelas leis especiais (exem- plo: um rapaz emancipado com 17 anos não pode adquirir habili- tação, pois esta é somente com 18 anos). b) Emancipação judicial: É aquela decretada pelo juiz. O menor sob tutela só poderá ser emancipado por ordem judicial, tendo em vista que o tutor não pode emancipar o tutelado. A emancipação judicial é operada pelo juiz, mediante sentença em relação ao menor que apresente no mínimo 16 anos e não tenha pais, estando, pois, sob tutela. O tutor, simplesmente, será ouvido pelo juiz para dar a sua opinião acerca do cabimento da emancipação. O procedimento é regido pelos arts. 1.103 e seguintes do CPC, com participação do Ministério Público em todas as fases. A sentença que conceder a emancipação será devidamente registrada (artigo 89 da Lei 6.015/73). c) Emancipação legal (art. 5º, p.ú., II, III, IV, e V, CC): É aquela que é decorrente de lei, automaticamente, sem que se tenha de tomar qualquer providência. No caso das hipóteses previstas nos incisos III, IV, e V indicam maturidade do interes- sado, tornando-o apto à emancipação. Ocorre nas seguintes si- tuações: II) pelo casamento: um dos efeitos pessoais do casamento é a emancipação. A lei não exige idade mínima para essa hipó- tese de emancipação porque, embora a idade núbil, tanto para o homem quanto para a mulher, seja de 16 anos, é possível que haja casamento abaixo dessa idade, excepcionalmente, em caso de gravidez (art. 1.520, CC), caso em que também haverá a eman- cipação. Se houver o fim do casamento por divórcio ou morte de um dos cônjuges, a emancipação continuará a produzir efeitos e segundo a maioria da doutrina, a anulação do casamento também não se reflete na plena capacidade adquirida. O casamento nulo putativo para o cônjuge de boa-fé também produz uma emancipa- ção válida. III) pelo exercício de emprego público efetivo: há orienta- ção da doutrina no sentido de que a emancipação também ocor- rerá em se tratando de cargo público e função pública, embora o inciso não mencione tais hipóteses. As situações de emprego temporário ou cargo comissionado não estariam abarcadas nesse quadrante, poderiam, entretanto se enquadrar nas situações do inciso V do parágrafo único do art. 5° do CC. Ademais, exige-se o efetivo exercício, não bastando a simples aprovação em concurso ou mesmo a posse. IV) pela colação de grau em curso de ensino superior: O legislador considera que quem o conclui, ainda que antes dos 18 anos, tem maturidade e discernimento suficientes para ser consi- derado absolutamente capaz. Não há exigência que seja em uni- versidade pública. V) pelo estabelecimento civil ou comercial, ou pela exis- tência de relação de emprego, desde que, em função deles, o menor com dezesseis anos completos tenha economia própria: é o caso do menor que possui independência financeira em decor- rência do estabelecimento civil ou comercial, ou então, relação de emprego. Importante atentar para o fato de que há exigência de mínimo de idade, isto é, 16 anos. 10. DOS DIREITOS DA PERSONALIDADE Uma das mudanças da parte geral do novo Código Civil Brasileiro consiste na inserção de um capítulo próprio, a tratar dos direitos da personalidade (arts. 11 a 21). Na realidade, não se trata bem de uma novidade, tendo em vista a Constituição Federal trazer uma proteção até mais abrangente, principalmente em seu art. 5º, caput, que consagra alguns dos direitos fundamentais da pessoa natural. Os direitos da personalidade podem ser conceituados como sendo aqueles direitos inerentes à pessoa e à sua dignidade. São os direitos que o ser humano possui sobre os seus atributos
  • 17.
    Didatismo e Conhecimento15 DIREITO CIVIL fundamentais sejam eles físicos, intelectuais, psíquicos e morais, surgindo assim, cinco ícones principais: vida/integridade física, honra, imagem, nome e intimidade. Essas cinco expressões-chave demonstram muito bem a concepção desses direitos. Segundo Rubens Limongi França, a classificação fundamental é: direito à integridade física (à vida, ao corpo vivo e morto, a partes separadas do corpo); à integridade intelectual (liberdade de pensamento, direito de autor, de inventor, de esportista); à integridade moral (liberdade civil, política e religiosa, honra, honorificência, recato, imagem, segredo, identidade pessoal/ nome, familiar e social). O nascituro também possui tais direitos, devendo ser enquadrado como pessoa. Aquele que foi concebido, mas, ainda não nasceu, possui personalidade jurídica formal: tem direito à vida, à integridade física, a alimentos, ao nome, à imagem como já visto anteriormente. Assim, personalidade é atributo jurídico que dá a um ser status de pessoa. Na realidade, há duas acepções para o termo personalidade. Na primeira acepção, é atributo jurídico conferido ao ser humano e a outros entes (pessoas jurídicas), em virtude do qual se tornam capazes, podendo ser titulares de direitos e deveres nas relações jurídicas. A pessoa, por ser dotada de personalidade, é o elemento subjetivo da estrutura das relações jurídicas. Numa segunda acepção, a personalidade é um valor. O valor fundamental do ordenamento jurídico está na base de uma série aberta de situações existenciais, nas quais se traduz na incessante mutabilidade exigência de tutela. Daí se falar em direitos da personalidade. De qualquer forma, num primeiro momento a personalidade é invenção do Direito. Por isso dizemos que personalidade é atributo ou valor jurídico. A personalidade, em tese, não é natural. Tanto não é natural, que se atribui personalidade a entes não humanos, as pessoas jurídicas, que podem ser meros patrimônios, como as fundações. Quanto à personalidade humana, a questão é um pouco mais complexa. Sem sombra de dúvida, antigamente havia seres considerados coisas perante o ordenamento jurídico. Hoje em dia, porém o Direito não reconhece a escravidão, e, com base nisso, podemos afirmar que todo ser humano é pessoa pela simples condição humana. Sendo assim, se a personalidade humana se adquire pela simples condição humana, podemos dizer que é atributo natural, inato. De acordo com Luciano Dalvi, citando Maria Helena Diniz: “A personalidade consiste no conjunto de caracteres próprios da pessoa, não sendo um direito. Na realidade, ela é que apóia os direitos e deveres que dela irradiam, é objeto de direito, sendo o primeiro bem da pessoa, pertencendo-lhe como primeira utilidade, para que ela possa ser o que é, para sobreviver e se adaptar às condições do ambiente em que se encontra, servindo de critério para aferir, adquirir e ordenar outros bens. Assim, são direitos subjetivos da pessoa de defender o que lhe é próprio, ou seja, a sua integridade física (vida, alimentos, próprio corpo vivo ou morto, corpo alheio, partes separadas do corpo); a sua integridade intelectual (liberdade de pensamento, autoria científica, artística, literária) e sua integridade moral (honra, segredo pessoal, profissional, doméstico, imagem, identidade pessoal, social e familiar).” Assim, para concluir, de acordo com Luciano Dalvi, “os direitos da personalidade transcendem à positivação, pois são direitos inerentes e indissociáveis à condição humana e, obrigatoriamente, não podem ser tachados de forma a limitá- los. É notório que a evolução da sociedade seja mais rápida do que as leis, surgindo novas formas de agressão à personalidade humana que reclamam novas formas de proteção pela legislação vigente. Desta forma, os direitos da personalidade é restringir o direito à vida, já que, ambos são inseparáveis, gerando flagrante inconstitucionalidade. Não vemos a possibilidade desta limitação nem se for feita pelo Poder Constituinte Originário, pois o Direito à Vida é o único atemporal e ilimitado. Caso admitíssemos limitação do Direito à vida, que é cláusula pétrea de nosso ordenamento jurídico, estaríamos afirmando que a Constituição é letra morta e que a declaração dos Direitos Humanos é apenas efetiva, mas não eficaz. Neste sentido, para aprofundarmos esta temática vamos consignar o art. 6º do CC: “A existência da pessoa natural termina com a morte.” Quer dizer, fica clara então a ligação inexorável da personalidade com a vida, pois, enquanto esta existir, vai perdurar a personalidade.” Continuando com os ensinamentos de Luciano Dalvi, citando Ricardo Luiz Lorenzetti, “a doutrina tem admitido, do ponto de vista da evolução histórica, a classificação dos direitos fundamentais (entre os quais os direitos da personalidade) em quatro gerações de direitos” vejamos cada uma dessas gerações (ou dimensões): a) Primeira Geração: seria a liberdade negativa, consa- grada a partir da Declaração dos Direitos do Homem (1789), em que se colocariam limites à atividade do Estado, quando importar esta, em uma intromissão na vida dos indivíduos. Tem caracterís- ticas negativas justamente por impor obrigações de não fazer por parte do Estado em benefício da liberdade individual. Exemplos de direitos humanos de primeira geração são: os direitos indivi- duais, como o direito de liberdade política, de livre iniciativa eco- nômica, de manifestação da vontade, de liberdade de pensamento, de ir e vir, entre outros. b) Segunda Geração: são os denominados direitos sociais: direito ao trabalho, a uma habitação digna, à saúde etc., foram incorporados através da constituição e de leis esparsas em meados do século passado. Estes direitos estão relacionados com os anteriores por serem a base de sua efetivação, visto que, para sermos livres, necessitamos de ter um nível de vida digna e um mínimo de educação, do contrário não haverá a possibilidade de se optar. Sua característica é que traduzem obrigações de fazer ou de dar por parte do Estado. Note: diferentes dos primeiros, que pedem que o Estado se abstenha, estes requerem que intervenha. Estes direitos começam a transcender ao indivíduo no que concerne a titularidade, desencadeando um fenômeno que se consagrará nos direitos de terceira geração, onde o legislador tem em vista grupos, tais como idosos, trabalhadores, jovens, crianças e outros c) Terceira geração: são os direitos dos povos ou direitos da solidariedade, frutos das lutas sociais e das transformações sócio-político-econômicas ocorridas nesses últimos três séculos de História da Humanidade e que resultaram em conquistas sociais e democráticas, que envolvem temas de interesse geral, como a biodiversidade e o meio-ambiente, entre outros, e surgem como resposta ao problema da contaminação da liberdade, fenômeno que demonstra a degradação das liberdades, devido aos avanços tecnológicos, ameaçando a qualidade de vida, o meio ambiente, o consumo, a liberdade à informática etc.Aqui se incluem os direitos que protegem bens como o patrimônio histórico e cultural da humanidade, o direito à autodeterminação, à defesa do patrimônio genético da espécie humana, entre outros. Tratam-se de direitos difusos, que interessam à comunidade como um todo, sem que exista uma titularidade individual determinada.
  • 18.
    Didatismo e Conhecimento16 DIREITO CIVIL d) Quarta geração: pro fim, temos a quarta geração ou dimensão (como preferem alguns autores) que está diretamente relacionada à comunicação, democratização da informação e in- ternet, entre outros temas. Características dos Direitos da Personalidade. Os direitos da personalidade são: a) Absolutos: por serem exigíveis e oponíveis a toda a socie- dade, sendo, portanto, oponíveis erga omnes; b) Vitalícios: por serem intransmissíveis por via sucessória, embora a proteção de alguns direitos da personalidade manter-se em uma projeção post mortem; c) Indisponíveis: por não admitirem a alienação (art. 11, CC). Entretanto, excepcionalmente, alguns dos direitos da per- sonalidade, como, por exemplo, o direito à imagem, podem ter o seu exercício cedido temporariamente, bem como se impõe a obrigatoriedade de exposição de foto em documento de identidade por interesse social e admite-se a doação de órgãos dentro das li- mitações legais. Diante dessas exceções, alguns os denominam re- lativamente disponíveis. É evidente que essa disposição encontra limites no princípio da dignidade da pessoa humana. Enunciado nº 4, CJF: “O exercício dos direitos da personalidade pode sofrer limitação voluntária, desde que não seja permanente nem geral.” Enunciado nº 139: “Os direitos .da personalidade podem sofrer limitações, ainda que não especificamente previstas em lei, não podendo ser exercidos com abuso de direito de seu titular, contra- riamente à boa-fé objetiva e aos bons costumes.” d) Extrapatrimoniais: por não se circunscreverem à esfera econômico-patrimonial, sendo possível, somente em caso de lesão ou ameaça, a estimação para uma eventual compensação. e) Impenhoráveis: os direitos da personalidade não podem sofrer qualquer constrição judicial para a satisfação de dívidas. f) Ilimitados: uma vez que não podem ser reduzidos a um rol taxativo de direitos: g) Imprescritíveis ou Perpétuos: o exercício de um direito da personalidade não está adstrito a prazos de qualquer espécie. A tutela deferida para a hipótese de violação de um direito da per- sonalidade está sujeita a um prazo (art. 206, § 3º, V, CC), mas o exercício de um direito da personalidade não. A Cláusula Geral de Tutela dos direitos da Personalidade Humana encontra-se estampada no art. 12 do CC, com o seguinte teor: “Pode-se exigir que cesse a ameaça, ou a lesão, a direito da personalidade, e reclamar perdas e danos, sem prejuízo de outras sanções previstas em lei.” Por esse artigo, vislumbra-se a possibi- lidade de manejar tanto preventivamente a tutela aos direitos da personalidade, quanto repressivamente, podendo o lesado socor- rer-se das medidas processuais cabíveis: medida cautelar nomi- nada e inominada, tutela antecipada, mandado de segurança com pedido de liminar (considerando-se a qualidade do lesante), para a ameaça de direitos, bem como ação constitutiva ou declaratória para a lesão consumada. Em caso de morte, terá legitimação para requerer as tute- las preventiva ou repressiva o cônjuge sobrevivente, ou qualquer parente em linha reta, ou na colateral até o quarto grau (art. 12, p.ú., CC), são os denominados lesados indiretos, que sofrem mui- tas vezes um dano reflexo, indireto, comumente denominado dano em ricochete. Estende-se a legitimidade também ao companheiro, conforme Enunciado n° 175, CJF: “O rol dos legitimados de que tratam os arts. 12, parágrafo único, e 20, parágrafo único, do Có- digo Civil também compreende o companheiro.” Assim, o art. 12 do novo Código Civil traz o princípio da prevenção e da reparação integral nos casos de lesão a direitos da personalidade. Continua a merecer aplicação a Súmula 37 do Superior Tribunal de Justiça, pela qual é possível cumulação de pedido de reparação material e moral, numa mesma ação. Aliás, o próprio Superior Tribunal de Justiça tem dado uma nova leitura a essa ementa, pela possibilidade de cumulação de danos materiais, morais e estéticos, como também pela fixação de multa diária (astreintes), para fazer cessar a lesão a direitos da personalidade. Além da tutela geral, há sanções específicas previstas em leis especiais, como a Lei de Direitos Autorais (arts. 102 a 110 da Lei nº 9.610/98). O art. 13 do CC trata da integridade física e veda a disposição de parte do corpo, a não ser em casos de exigência médica e desde que tal disposição não traga inutilidade do órgão ou contrarie os bons costumes. O que se quer dizer é que a pessoa natural não pode dispor de seu corpo como senhor absoluto de sua vida, de modo a se mutilar ou diminuir sua integridade física. Somente excepcionalmente e por exigência médica é que se admite a intervenção cirúrgica que interfira na integridade física. O artigo deve ser interpretado em harmonia com a Lei nº 9.434/97, que dispõe sobre a remoção de órgãos, tecidos e partes do corpo humano para fins de transplante, regulamentada pelo Decreto nº 2.268/97. O art. 9º, § 3º, da lei permite doação quando se tratar de órgãos duplos, como os rins, ou de partes de órgãos, tecidos ou partes do próprio corpo, quando isto não acarrete risco de vida ao doador ou grave comprometimento de suas aptidões vitais e saúde mental e quando não cause mutilação ou deformação inaceitável. A doação, que é revogável, será feita por documento escrito, devendo atender a necessidade terapêutica comprovadamente indispensável ao receptor. Esses e outros requisitos foram previstos no art. 14 do Decreto nº 2.268/97. Tratando-se de direito da personalidade, a autorização para a retirada de órgãos e tecidos depois da morte não deveria ser presumida, mas para facilitar a doação, e por razões de políticas legislativa, esse artigo do decreto estabelece que o não-doador deve fazer constar essa circunstância na Carteira de Identidade Civil e na Carteira Nacional de Habilitação, por meio da expressão “não-doador de órgãos e tecidos”. Em relação ao transexual, pessoa que tem a forma de um sexo (masculino), mas a mentalidade de outro (feminino), muito já evoluiu a jurisprudência. Hoje é comum que seja deferida a realização da cirurgia de mudança de sexo em nosso País, havendo julgados determinando a mudança de nome e registro do transexual, entendimento esse que merece aplausos. Diante da dignidade da pessoa humana, não se pode defender qualquer tipo de discriminação quanto à opção sexual. Assim por interpretação literal, o transexual não poderia se submeter à cirurgia de transgenitalização. Porém, admite-se tal possibilidade, diante do Enunciado n° 6, CJF: “A expressão ‘exigência médica’ contida no art. 13 refere-se tanto ao bem-estar físico quanto ao bem-estar psíquico do disponente.” E também o Enunciado n° 276, CJF: “O art. 13 do Código Civil, ao permitir a disposição do próprio corpo por exigência médica, autoriza as cirurgias de transgenitalização, em conformidade com os procedimentos estabelecidos pelo Conselho Federal de Medicina, e a consequente alteração do prenome e do sexo no Registro Civil.” Vide REsp 1.008.398/SP, j. 15/10/2009; REsp 737.993/MG, j. 10/11/2009.
  • 19.
    Didatismo e Conhecimento17 DIREITO CIVIL Além da ressalva de se admitir o ato de disposição do próprio corpo por exigência médica, o parágrafo único do art. 13 abre outra ressalva para a possibilidade de transplante de órgãos, por ato inter vivos, isto é, o transplante de órgãos do corpo vivo, ob- servada a forma estabelecida pela Lei n° 9.434/97 e do Decreto nº 2.268/97, como já explanado. O art. 14 do CC da atual codificação veda qualquer disposição de parte do corpo a título oneroso, sendo apenas possível aquela que assuma a forma gratuita, com objetivo altruístico ou científico no que diz respeito ao transplante para depois da morte, sendo possível, por evidente, a revogação do ato de disposição a qualquer tempo, desde que não iniciados os procedimentos médicos a que a disposição se refere. A questão é ainda regulamentada pela legislação específica, particularmente pela Lei nº 9.437/97, que trata da doação de órgãos para fins de transplante e pelo Decreto nº 2.268/97. A gratuidade já era prevista pelo art. 1º da lei e se harmoniza com o disposto no § 4º do art. 199 da CF. Os direitos do paciente encontram-se consagrados no art. 15 do CC, bem como o princípio da beneficência. Ninguém pode ser, assim, constrangido a tratamento médico ou intervenção cirúrgica que implique em risco de vida, uma vez que se admitido constranger alguém a submeter-se a tratamento médico ou cirúrgico, com risco de vida, haveria violação ao caput do art. 5º da CF, que assegura a inviolabilidade do direito à vida. Logicamente, se a pessoa está necessitando de uma cirurgia, à beira da morte, deve ocorrer a intervenção, sob pena de responsabilização do profissional de saúde, nos termos do art. 951 do mesmo diploma civil em vigor. Em relação ao paciente que por convicções religiosas, nega- se à intervenção, deve o médico efetuar a operação ou não? A maioria dos doutrinadores tem entendido que sim, em casos de emergência, deverá ocorrer a intervenção cirúrgica, eis que o direito à vida merece maior proteção do que o direito à liberdade, inclusive quanto àquele relacionado com a opção religiosa, com este exemplo demonstramos que um direito da personalidade pode ser relativizado, principalmente se entrar em conflito com outro direito da personalidade. No caso em questão, foram confrontados o direito à vida e o direito à liberdade. Os arts. 16 a 19 do CC confirmam a proteção do nome da pessoa natural, sinal que representa a mesma no meio social, bem como do pseudônimo, nome atrás do qual esconde-se o autor de uma obra cultural ou artística. Isso, em sintonia com as previsões anteriores da Lei de Registros Públicos (Lei nº 6.015/73) e da Lei de Direito Autoral (Lei nº 9.610/98). O nome, com todos os seus elementos, merece o alento legal, indeclinável, por ser direito inerente à pessoa. O art. 20 do CC consagra expressamente a proteção da imagem, sub-classificada em imagem retrato (aspecto físico da imagem, a fisionomia de alguém) e imagem atributo (repercussão social da imagem). Esse dispositivo tem redação que merece ser esclarecida, com o devido cuidado. Assim, a divulgação de escritos, a transmissão da palavra ou a publicação, a exposição ou utilização da imagem de uma pessoa estão protegidas do uso não autorizado, podendo ser proibidas, a seu requerimento e sem prejuízo da indenização que couber, se lhe atingirem a honra, a boa fama ou a respeitabilidade, ou caso se destinem a fins comerciais, salvo se necessárias à administração da justiça ou à manutenção da ordem pública (art. 20, CC). O Enunciado n° 279, CJF prevê que: “A proteção à imagem deve ser ponderada com outros interesses constitucionalmente tu- telados, especialmente em face do direito de amplo acesso à infor- mação e da liberdade de imprensa. Em caso de colisão, levar-se-á em conta a notoriedade do retratado e dos fatos abordados, bem como a veracidade destes e, ainda, as características de sua utili- zação (comercial, informativa, biográfica), privilegiando-se medi- das que não restrinjam a divulgação de informações.” Portanto, a utilização de imagem retrato alheia somente é possível mediante autorização do seu legítimo detentor. Mas como o comando legal prevê duas situações de exceção sendo a primeira nos casos envolvendo a administração da justiça e a segunda nos casos envolvendo a ordem pública, aqui, cabe a discussão se a pessoa investigada ou que teve imagem exposta sem autorização interessa ou não à sociedade como um todo. Logicamente, caberá análise casuística pelo magistrado, que deverá utilizar-se da equidade, em ações em que se pleiteia indenização por uso indevido de imagem alheia ou exposição pública de determinada pessoa. Mas não é só! Em se tratando de morto que sofreu lesão à imagem, terão legitimidade para promover a ação indenizatória os descendentes, ascendentes e o cônjuge, inserido aqui também o convivente. Curioso é que, diferentemente do art. 12, no caso de lesão à imagem, a lei não reconhece legitimidade aos colaterais até quarto grau. De qualquer forma, foi essa a opção do legislador: nos casos de lesão a direitos da personalidade – exceto de lesão à imagem - os colaterais até quarto grau devem ser considerados como lesados indiretos. O Projeto de Lei 6.960/2002 visa igualar tais dispositivos, incluindo também a legitimação do companheiro e convivente, o que é plenamente justificável, pela previsão constante do art. 226 da CF/88. Finalizando o tratamento quando aos direitos da personalidade, confirma o art. 21 do CC o direito à inviolabilidade da vida privada, já reconhecido no art. 5º, X, CF/88, ao lado da intimidade, da honra e da imagem das pessoas. Sendo, portanto, inviolável a vida privada da pessoa natural e cabendo sempre medidas visando proteger essa inviolabilidade. A intimidade não deve ser concebida somente no plano físico, mas também no plano virtual, do ambiente da internet, sendo inviolável o domicílio eletrônico de uma determinada pessoa. Cabe uma observação de que vida privada e intimidade não são sinônimos. Aquela tem âmbito maior, que contem a intimidade, ou seja, vida privada e intimidade podem ser consideradas círculos concêntricos. O Código foi omisso quanto ao segredo, círculo menor contido dentro do relativo à intimidade. Quem esta autorizado a ter acesso à vida privada de alguém não esta, automaticamente, autorizado a tê-lo quanto à intimidade do mesmo titular. O mesmo se afirme quanto à intimidade e ao segredo. PESSOAS NATURAIS: CAPÍTULO I DA PERSONALIDADE E DA CAPACIDADE Art. 1o Toda pessoa é capaz de direitos e deveres na ordem civil. Art. 2o A personalidade civil da pessoa começa do nasci- mento com vida; mas a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro. Art. 3o São absolutamente incapazes de exercer pessoalmente os atos da vida civil: I - os menores de dezesseis anos;
  • 20.
    Didatismo e Conhecimento18 DIREITO CIVIL II - os que, por enfermidade ou deficiência mental, não ti- verem o necessário discernimento para a prática desses atos; III - os que, mesmo por causa transitória, não puderem exprimir sua vontade. Art. 4o São incapazes, relativamente a certos atos, ou à maneira de os exercer: I - os maiores de dezesseis e menores de dezoito anos; II - os ébrios habituais, os viciados em tóxicos, e os que, por deficiência mental, tenham o discernimento reduzido; III - os excepcionais, sem desenvolvimento mental completo; IV - os pródigos. Parágrafo único. A capacidade dos índios será regulada por legislação especial. Art. 5o A menoridade cessa aos dezoito anos completos, quando a pessoa fica habilitada à prática de todos os atos da vida civil. Parágrafo único. Cessará, para os menores, a incapacidade: I - pela concessão dos pais, ou de um deles na falta do ou- tro, mediante instrumento público, independentemente de ho- mologação judicial, ou por sentença do juiz, ouvido o tutor, se o menor tiver dezesseis anos completos; II - pelo casamento; III - pelo exercício de emprego público efetivo; IV - pela colação de grau em curso de ensino superior; V - pelo estabelecimento civil ou comercial, ou pela exis- tência de relação de emprego, desde que, em função deles, o menor com dezesseis anos completos tenha economia própria. Art. 6o A existência da pessoa natural termina com a mor- te; presume-se esta, quanto aos ausentes, nos casos em que a lei autoriza a abertura de sucessão definitiva. Art. 7o Pode ser declarada a morte presumida, sem decre- tação de ausência: I - se for extremamente provável a morte de quem estava em perigo de vida; II - se alguém, desaparecido em campanha ou feito pri- sioneiro, não for encontrado até dois anos após o término da guerra. Parágrafo único. A declaração da morte presumida, nes- ses casos, somente poderá ser requerida depois de esgotadas as buscas e averiguações, devendo a sentença fixar a data prová- vel do falecimento. Art. 8o Se dois ou mais indivíduos falecerem na mesma ocasião, não se podendo averiguar se algum dos comorientes precedeu aos outros, presumir-se-ão simultaneamente mortos. Art. 9o Serão registrados em registro público: I - os nascimentos, casamentos e óbitos; II - a emancipação por outorga dos pais ou por sentença do juiz; III - a interdição por incapacidade absoluta ou relativa; IV - a sentença declaratória de ausência e de morte pre- sumida. Art. 10. Far-se-á averbação em registro público: I - das sentenças que decretarem a nulidade ou anulação do casamento, o divórcio, a separação judicial e o restabeleci- mento da sociedade conjugal; II - dos atos judiciais ou extrajudiciais que declararem ou reconhecerem a filiação; III - (Revogado pela Lei nº 12.010, de 2009) CAPÍTULO II DOS DIREITOS DA PERSONALIDADE Art. 11. Com exceção dos casos previstos em lei, os direi- tos da personalidade são intransmissíveis e irrenunciáveis, não podendo o seu exercício sofrer limitação voluntária. Art. 12. Pode-se exigir que cesse a ameaça, ou a lesão, a direito da personalidade, e reclamar perdas e danos, sem pre- juízo de outras sanções previstas em lei. Parágrafo único. Em se tratando de morto, terá legitima- ção para requerer a medida prevista neste artigo o cônjuge sobrevivente, ou qualquer parente em linha reta, ou colateral até o quarto grau. Art. 13. Salvo por exigência médica, é defeso o ato de dis- posição do próprio corpo, quando importar diminuição per- manente da integridade física, ou contrariar os bons costumes. Parágrafo único. O ato previsto neste artigo será admitido para fins de transplante, na forma estabelecida em lei especial. Art. 14. É válida, com objetivo científico, ou altruístico, a disposição gratuita do próprio corpo, no todo ou em parte, para depois da morte. Parágrafo único. O ato de disposição pode ser livremente revogado a qualquer tempo. Art. 15. Ninguém pode ser constrangido a submeter-se, com risco de vida, a tratamento médico ou a intervenção ci- rúrgica. Art. 16. Toda pessoa tem direito ao nome, nele compreen- didos o prenome e o sobrenome. Art. 17. O nome da pessoa não pode ser empregado por outrem em publicações ou representações que a exponham ao desprezo público, ainda quando não haja intenção difamató- ria. Art. 18. Sem autorização, não se pode usar o nome alheio em propaganda comercial. Art. 19. O pseudônimo adotado para atividades lícitas goza da proteção que se dá ao nome. Art. 20. Salvo se autorizadas, ou se necessárias à adminis- tração da justiça ou à manutenção da ordem pública, a divul- gação de escritos, a transmissão da palavra, ou a publicação, a exposição ou a utilização da imagem de uma pessoa poderão ser proibidas, a seu requerimento e sem prejuízo da indeni- zação que couber, se lhe atingirem a honra, a boa fama ou a respeitabilidade, ou se se destinarem a fins comerciais. Parágrafo único. Em se tratando de morto ou de ausente, são partes legítimas para requerer essa proteção o cônjuge, os ascendentes ou os descendentes. Art. 21. A vida privada da pessoa natural é inviolável, e o juiz, a requerimento do interessado, adotará as providências necessárias para impedir ou fazer cessar ato contrário a esta norma. DAS PESSOAS JURÍDICAS: DISPOSIÇÕES GERAIS. 1. Definição As pessoas jurídicas são entes abstratos criados por coletivi- dade de pessoas naturais para obtenção de fins comuns, nascendo da necessidade de elas se associarem. Têm patrimônio e finalida-
  • 21.
    Didatismo e Conhecimento19 DIREITO CIVIL de próprios, distinguem-se das pessoas naturais que as compõem, gozando de personalidade jurídica também própria. É portanto é um ente moral, uma entidade criada pelo ser humano ao qual o ordenamento jurídico atribui personalidade. 2. Função Social A pessoa jurídica deverá atender à função social, o que sig- nifica atribuir a ela responsabilidade social e conteúdo ético aos seus atos. Enunciado nº 53, CJF: “Deve-se levar em consideração o princípio da função social na interpretação das normas relativas à empresa, a despeito da falta de referência expressa.” 3. Requisitos caracterizadores da pessoa jurídica: a) Vontade humana criadora; b) Licitude de seus fins; c) Um agrupamento de pessoas ou a destinação de um pa- trimônio afetado a um fim específico; d) O atendimento às formalidades legais. 4. Características das Pessoas Jurídicas César Fiuza, elenca as principais características da pessoa jurídica dizendo que: “As pessoas jurídicas possuem algumas ca- racterísticas que não poderíamos deixar sem a devida atenção. Enumerando-as, temos: 1ª) Personalidade própria, que não se confunde com a de seus criadores. Como exemplo, temos que as dívidas e créditos do Ban- co do Brasil são suas, e não de seus acionistas. Se credor do Ban- co quiser receber seu crédito, deverá acionar na Justiça o Banco do Brasil, e não seus acionistas. 2a ) Nome próprio, que pode ser firma (razão) ou denominação. 3a ) Patrimônio próprio, que tampouco se confunde com o patrimônio de seus criadores. Assim, o patrimônio do Banco do Brasil não pertence a seus acionistas, mas sim à pessoa jurídica “Banco do Brasil S.A”. 4a ) Existência própria, que independe da vida de seus cria- dores. Ou seja, se os acionistas do Banco do Brasil morrerem, o Banco continua a existir. 5ª) Poderem exercer todos os atos que não sejam privativos das pessoas naturais, seja por natureza ou por força de lei. As pessoas jurídicas não podem se casar, visto que, por sua própria natureza, este é ato privativo das pessoas naturais. Também não podem ser sócias de sociedade jornalística, por proibição legal. Por outro lado, existem atos que são privativos das pessoas jurídi- cas, como emitir ações, fundir-se com outra etc. 6a ) Poderem ser sujeito ativo ou passivo de delitos. Logica- mente, serão sujeito ativo somente dos delitos compatíveis com a personalidade jurídica, como sonegação fiscal, por exemplo. As penas também hão de ser compatíveis, como multa ou mesmo ex- tinção. Evidentemente, as privativas de liberdade não o são”. De qualquer forma, sempre que pessoas naturais usarem pes- soas jurídicas para cometer qualquer tipo de ilícito, exatamente por saberem que punida será somente a pessoa jurídica, a perso- nalidade jurídica será desconsiderada, e a pessoa natural, punida em seu lugar. É a teoria da desconsideração da personalidade jurídica, criada pelo Direito Anglo-Saxão e Germânico, conheci- da como disregard of legal entity. A seu respeito falaremos mais adiante. 5. Classificação das Pessoas Jurídicas Para classificar as Pessoas Jurídicas, César Fiúza faz as seguintes ponderações: “Duas questões importantes devem ser resolvidas antes de prosseguirmos com a classificação. Primeira- mente, qual a importância de classificarmos uma pessoa jurídica? Bem, ao considerarmos, a título de ilustração, empresa pú- blica como pessoa jurídica de Direito Privado, estaremos dando a ela todo um tratamento legal específico para pessoas de Direito Privado. Seus empregados, por exemplo, serão tratados como em- pregados privados, e não como servidores públicos, como aconte- ce com os empregados das pessoas jurídicas de Direito Público. Esta é apenas uma das consequências, só para demonstrar como é importante esta classificação. Não é nem preciso falar que o regime jurídico das pessoas jurídicas nacionais era totalmente di- ferente do regime das estrangeiras. A segunda questão importante diz respeito à diferença entre os termos sociedade, associação, companhia, corporação, incor- poração, empresa e firma. São palavras que, vulgarmente, se em- pregam como sinônimas, mas que tecnicamente possuem signifi- cado diverso. Sociedade é todo grupo de pessoas que se reúnem, conjugan- do esforços e recursos para lograr fins comuns. São pessoas jurí- dicas. Associação é o mesmo que sociedade, só que sem fins lucra- tivos. Companhia é o mesmo que sociedade anônima. É aquela sociedade cujo capital é dividido em ações, que são distribuídas entre os sócios, chamados de acionistas. A palavra companhia pode também ser empregada como sinônimo de pessoa jurídica, principalmente as colegiadas. É também utilizada como parte do nome de certas sociedades, como, por exemplo, “Silva, Souza e Companhia Limitada (Cia. Ltda.)”. Corporação é palavra genérica, sinônima de pessoa jurídica colegiada. Pode ser empregada também no sentido de grupo de sociedades: corporação empresarial. Incorporação é também palavra polissêmica, ou seja, tem vá- rios sentidos. No Direito Americano é sinônima de pessoa jurídica e de sociedade anônima. Aliás, a palavra faz parte do nome das sociedades anônimas americanas: “General Motors Incorpora- tion”. Também em nossa linguagem encontramo-la nesses dois sentidos, mormente no segundo. Além disso, incorporação é termo empregado para significar o ato de uma sociedade incorporar ou- tra. Fala-se, então, em incorporação empresarial. Empresa é, no sentido mais técnico, sinônimo de atividade. Será, assim, substituível pela palavra atividade ou empreendimen- to. Na prática, porém, tem natureza polissêmica, ora sendo usada no sentido de atividade, ora como sinônimo de empresário, ora como estabelecimento empresarial. Dessarte, quando se diz que tal pessoa dirige empresa, utiliza-se a palavra no sentido de ativi- dade. Quando se diz que tal empresa demitirá alguns empregados, está-se a empregá-la no sentido de empresário, pessoa física ou jurídica. Quando alguém diz que vai à sua empresa, está usando o termo como sinônimo de estabelecimento empresarial. Firma é sinônimo de nome. Tanto as pessoas naturais quanto as pessoas jurídicas possuem firma, ou seja, nome. Daí a expres- são “reconhecer firma”.” Assim, as pessoas jurídicas podem ser agrupadas em várias classes, dependendo do ponto de referência que utilizemos. Des- sarte, haverá:
  • 22.
    Didatismo e Conhecimento20 DIREITO CIVIL a) Quanto à estrutura: I) pessoas jurídicas colegiadas (Corporações – universitas personarum): são as entidades constituídas por um agrupamento de pessoas, unidas por um affectio societatis, objetivando um fim em comum. Podem ser: associações ou sociedades, sendo que as sociedades podem se simples ou empresariais. As sociedades simples e as sociedades empresariais são tratadas no CC/2002 no Livro II da Parte especial, sob a denominação Direito de Empresa (arts. 966 e ss.). Além das associações e das sociedades, consoante a nova redação fornecida pela Lei nº 10.825/03, os doutrinadores tem considerado como corporação também as entidades religiosas e os partidos políticos. A União, os Estados-Membros, o Distrito Federal e os Muni- cípios são grupamentos de pessoas, em dado território, daí serem consideradas pessoas colegiadas. O mesmo acontece com a maio- ria quase que absoluta das pessoas jurídicas de Direito Público externo. II) pessoas jurídicas não colegiadas (Fundações – universi- tas bonorum): que não são grupos de pessoas, mas acervos pa- trimoniais aos quais a lei atribui personalidade como fundações e autarquias. Assim, são entidades decorrentes da personificação de um patrimônio, que perseguem um fim lícito. Obs.: as empresas públicas têm natureza peculiar, porque po- dem ser tanto colegiadas quanto não colegiadas, dependendo da forma como se organizam. Se, se organizarem sob forma de so- ciedade entre pessoas de Direito Público, serão colegiadas; caso contrário, serão não colegiadas. Fato é, contudo, que, apesar do nome, são pessoas jurídicas de Direito Privado. b) Quanto à nacionalidade: I) pessoas jurídicas nacionais: trata-se de pessoa jurídica cuja personalidade foi concebida pela ordem jurídica brasileira. II) pessoas jurídicas estrangeiras: trata-se de pessoa ju- rídica cuja personalidade advém de outro ordenamento jurídico, que não o brasileiro. Essas pessoas jurídicas obedecerão às leis de seu país de origem, entretanto, suas agências e filiais no Brasil devem atender à legislação brasileira, inclusive as regras atinen- tes à autorização para funcionamento. c) Quanto ao regime (função): I) pessoas jurídicas de Direito Público interno (art. 41, CC), que são a União, os Estados-Membros, o Distrito Federal, os Mu- nicípios, além de outras entidades de caráter público criadas por lei, como as fundações públicas e as autarquias, nestas incluídas as associações públicas; II) pessoas jurídicas de Direito Público externo (art. 42, CC), quais sejam, os Estados soberanos e todas as pessoas re- gidas pelo Direito Internacional Público, como, por exemplo, a ONU, a OTAN, o Mercosul, a União Européia, a Comunidade de Estados Independentes etc. Vale lembrar que a União é pessoa jurídica de Direito Público Interno, porém, é a República federa- tiva do Brasil que deve ser considerada pessoa jurídica de Direito Público Externo; III) pessoas jurídicas de Direito Privado (art. 44, CC). São criadas para atender aos interesses particulares das pessoas que a criaram. São elas: as sociedades, as associações, as fundações privadas e as empresas públicas. Enunciado nº 144, CJF: “A re- lação das pessoas jurídicas de Direito Privado, constante do art. 44, incs. I a V, do Código Civil, não é exaustiva.” O art. 44, alte- rado pela Lei 10.825 de 2003, foi acrescido dos incisos IV e V, que dispõem serem também pessoas jurídicas de Direito Privado as organizações religiosas e os partidos políticos, respectivamente. Na verdade, não seria necessária a inserção, uma vez que am- bos, partidos políticos e organizações religiosas, continuam sen- do associações por natureza, ainda que tenham regime próprio. Enunciado nº 142, CJF: “Os partidos políticos, os sindicatos e as associações religiosas possuem natureza associativa, aplicando- -se-lhes o Código Civil.” 6. Responsabilidade Civil da Pessoa Jurídica Na vigente Constituição Federal, a responsabilidade objetiva do estado está prevista no art. 37, § 6º. Segundo ela, as pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado que prestem serviços públicos respondem pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros. Assim, o art. 43, CC prevê que as pessoas jurídicas de direito público interno são civilmente respon- sáveis por atos dos seus agentes que nessa qualidade causarem danos a terceiros, ressalvado direito regressivo contra os causado- res do dano, se houver, por parte destes, culpa ou dolo. Não há nenhuma menção a dolo ou a culpa em sentido amplo (negligência, imprudência, imperícia). Dolo ou culpa só interes- sam ao próprio Estado para exercer o direito regressivo contra o responsável pelo dano causado ao particular. A regra geral é a de que as pessoas jurídicas respondem pelos atos dos seus prepostos e empregados (artigo 930 do Código Civil). Com efeito, o comando do artigo 932, inciso III, do Código Civil dispõe que também as pessoas jurídicas de Direito Privado respondem pelos atos de seus empregados. Art. 930. No caso do inciso II do art. 188, se o perigo ocorrer por culpa de terceiro, contra este terá o autor do dano ação re- gressiva para haver a importância que tiver ressarcido ao lesado. Art. 188. Não constituem atos ilícitos: (...) II - a deterioração ou destruição da coisa alheia, ou a lesão a pessoa, a fim de remover perigo iminente. Art. 932. São também responsáveis pela reparação civil: (...) III - o empregador ou comitente, por seus empregados, ser- viçais e prepostos, no exercício do trabalho que lhes competir, ou em razão dele; O entendimento hoje da doutrina e da jurisprudência é, no entanto, no sentido de que todas as pessoas jurídicas respondem pelos atos praticados por meio de seus prepostos e empregados, independentemente de terem ou não fins lucrativos. Desta forma, em relação a Responsabilidade extracontratual das Pessoas Jurídicas de Direito Público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos, estas responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros (qualquer dano, usando-se do nome da Pessoa Jurídica para a prática do ato, durante ou não o expediente), assegurado o direito de regresso da Pessoa Jurídica, contra o responsável nos casos de culpa ou dolo. Ou seja, estas pessoas jurídicas respondem igualmente de forma objetiva perante o terceiro lesado. Para a configuração da responsabilidade extracontratual objetiva, dispensa-se a aferição de culpa latu sensu (culpa strictu sensu ou dolo), sendo suficiente a conduta administrativa, o dano sofrido e o nexo de causalidade entre esses elementos. Dessa forma, cumpre ao lesado comprovar somente esses pontos, não sendo necessária a análise da culpa do agente causador do dano.
  • 23.
    Didatismo e Conhecimento21 DIREITO CIVIL Ressalte-se, entretanto, que a responsabilidade objetiva fundada na teoria do risco administrativo não se confunde com aquela baseada na teoria do risco integral, de modo que a responsabilidade do Estado pode ser afastada quando não haja nexo de causalidade entre a conduta administrativa e o dano sofrido. São as hipóteses de exclusão da responsabilidade, como quando se verifica a culpa exclusiva da vítima ou fatos imprevisíveis. Apesar de a responsabilidade das prestadoras de serviço público ser objetiva, essas somente poderão exercer o direito de regresso se comprovada a culpa ou o dolo do agente causador do dano, que tem responsabilidade subjetiva. Em relação a Responsabilidade extracontratual das pessoas jurídicas de direito privado, estas devem reparar o dano causado pelo seu representante que procedeu contra o direito (qualquer dano, usando-se do nome da Pessoa Jurídica para a prática do ato, durante ou não o expediente); respondem pelos atos ilícitos praticados pelos seus representantes, desde que haja presunção juris tantum de culpa in ligendo ou in vigilando, que provoca a reversão do ônus da prova, fazendo com que a pessoa jurídica tenha de comprovar que não teve culpa nenhuma (STF, Súmula 341); Assim, resumidamente, a responsabilidade civil da pessoa jurídica se divide em: Objetiva; subjetiva e; “quase” objetiva, ou seja: a) Subjetiva (arts. 186, 927 CC): estas não têm finalidade lucrativa; são as associações, fundações particulares, organiza- ções ou partidos. O ônus probatório é da vítima, ou seja, a vítima é que precisa provar a culpa (in eligendo ou in vigilando). b) Objetiva: são as pessoas jurídicas de direito público (art. 43 CC) ou pessoas jurídicas de direito privado prestadoras de serviços públicos (art 63, inciso LXIX CF). Nestes casos, há exclusão da responsabilidade por força maior ou culpa exclusiva da vítima. c) “Quase” Objetiva: são as pessoas jurídicas de direito privado com finalidade lucrativa, por exemplo as sociedades (art. 932, III CC). Nesse caso há exclusão da responsabilidade por: força maior; culpa exclusiva da vítima e; ausência de culpa «in vigilando» ou «in eligendo». O ônus probatório é da pessoa jurídica. Significando: Culpa in eligendo: é a culpa do Estado quando escolhe mal os seus contratados. Culpa in vigilando: é a culpa do Estado quando este não fiscaliza os seus contratados.  Juris tantum: Trata-se de expressão em latim cujo significado literal é “apenas de direito”. Normalmente a expressão em questão vem associada a palavra presunção, ou seja, presunção “juris tantum”, que consiste na presunção relativa, válida até prova em contrário. Por fim, em relação à Responsabilidade contratual: a pessoa jurídica de direito público e privado, no que se refere à realização de um negócio jurídico dentro do poder autorizado pela lei ou pelo estatuto, deliberado pelo órgão competente, é responsável, devendo cumprir o disposto no contrato, respondendo com seus bens pelo inadimplemento contratual (CC, art. 1.056); terá responsabilidade objetiva por fato e por vício do produto e do serviço. 7. Teoria da desconsideração da personalidade jurídica Sobre a desconsideração da personalidade jurídica, de forma bastante esclarecedora, César Fiuza diz que: “A inteligência hu- mana criadora e produtiva também tem seu reverso. Logo se per- cebeu que a segurança atribuída pela personalidade jurídica, no que tange à separação patrimonial e à limitação da responsabili- dade de seus membros, poderia ser utilizada para fins diversos dos sociais. A partir daí, surge uma teoria que visa considerar ineficaz a estrutura da pessoa jurídica quando utilizada desvirtuadamente. A primeira sistematização dogmática da teoria da desconsi- deração da personalidade jurídica foi elaborada por Rolf Serick, enquanto as primeiras referências ao assunto foram encontradas, antes, em 1912, nos estudos do jurista norte-americano Maurice Wormser. A teoria da desconsideração da personalidade jurídica con- solidou-se nos tribunais norte-americanos, denominando-se dis- regard doctrine. Registros doutrinários informam que o primeiro julgado em que foi aplicada a teoria da desconsideração da personalidade jurídica foi o conhecido episódio de Salomon v. Salomon & Co. Ltd., ocorrido na Inglaterra, no final do século XIX. O comerciante Aaron Salomon detinha 2.001 das 2.007 ações da empresa Salomon & Co. Ltd., enquanto as outras seis ações pertenciam a sua esposa e a seus cinco filhos. Como forma de in- tegralizar o capital correspondente a sua participação acionária, Aaron Salomon cedeu seu fundo de comércio particular à socie- dade, por valor superfaturado. Desta forma, passou a ser credor da sociedade pela diferença, instituindo, ainda, uma garantia real em seu favor. Na falência da referida sociedade, essa manobra permitiu ao sócio majoritário, Aaron Salomon, primeiramente, o direito de não honrar os débitos sociais, já que dispunha da prerrogativa legal da limitação de sua responsabilidade, e, posteriormente, de executar seu crédito preferencialmente aos demais credores sociais. Tal estratagema gerou um litígio entre Aaron Salomon e a massa falida de Salomon & Co. Ltd. Primeiramente, a High Court aplicou a teoria da desconsi- deração, condenando o comerciante a pagar os débitos sociais inadimplidos, ao fundamento de que teria havido inequívoca con- fusão do patrimônio societário com o patrimônio pertencente a Aaron Salomon, já que, de fato, a companhia nada mais era que uma representante deste. Diante da análise da Courtof Appeal, com fundamento na existência de uma característica relação fiduciária entre a pessoa jurídica e o sócio majoritário, a decisão foi mantida. Não obstante, atendo-se aos princípios ortodoxos da separa- ção patrimonial existente entre a pessoa jurídica e seus sócios, em 1897 a House of Lords, reformou as decisões proferidas, enten- dendo que, embora as ações da Salomon & Co. Ltd. estivessem concentradas nas mãos de um único sócio, não haveria qualquer ilicitude na constituição da companhia. Há quem afirme, porém, que o leading case (primeiro caso) da teoria da desconsideração ocorreu nos Estados Unidos, ainda em 1809. Trata-se do caso do Bank 01 the United States v. Deve- aux. O Juiz Marshall, lifting the corporate veil, isto é, alçando o véu protetor da personalidade jurídica da sociedade, no caso um banco, considerou características pessoais dos sócios, para fixar como competente para julgar o caso a Federal Court, diante do fato de serem estrangeiros os administradores da instituição financeira.
  • 24.
    Didatismo e Conhecimento22 DIREITO CIVIL A teoria da desconsideração da personalidade jurídica, ao contrário do que pode parecer, é uma ratificação do instituto da personalização da pessoa jurídica, na medida em que não a anu- la; apenas não a considera para certos atos praticados com desvio de finalidade. Parte de dois pressupostos: a pessoa jurídica tem personalidade distinta da dos sócios, e a responsabilidade destes é limitada. Caso se trate de sócios com responsabilidade ilimita- da, não há falar em desconsideração da personalidade jurídica, simplesmente por não ser necessário, uma vez que o patrimônio pessoal dos sócios responde mesmo pelas dívidas da sociedade. No Brasil, até bem pouco tempo, diversos tribunais aplicavam a teoria aos casos de abuso de direito e fraude, perpetrados pela má utilização da personalidade jurídica. Buscavam o fundamento na doutrina estrangeira e no art. 20 do Código Civil de 1916, que reconhecia a distinção entre a personalidade da sociedade e dos sócios. A positivação do instituto só ocorreu com o advento do Có- digo de Defesa do Consumidor, em 1990, de forma dissociada de suas verdadeiras raízes. Foi o Código Civil de 2002 que tratou da teoria em moldes mais adequados. Na verdade, a doutrina da desconsideração só deverá ser aplicada, quando não for possível responsabilizar os sócios pes- soalmente, por outros meios já previstos em lei. Como ressaltado, a primeira tentativa de positivação do insti- tuto ocorreu no art. 28 do Código de Defesa do Consumidor. Art. 28. O juiz poderá desconsiderar a personalidade jurídica da sociedade quando, em detrimento do consumidor, houver abuso de direito, excesso de poder, infração da lei, fato ou ato ilícito ou violação dos estatutos ou contrato social. A desconsideração tam- bém será efetivada quando houver falência, estado de insolvência, encerramento ou inatividade da pessoa jurídica provocados por má administração. § 1º (Vetado). § 2° As sociedades integrantes dos grupos societários e as sociedades controladas, são subsidiariamente responsáveis pelas obrigações decorrentes deste código. § 3° As sociedades consorciadas são solidariamente responsáveis pelas obrigações decorrentes deste código. § 4° As sociedades coligadas só responderão por culpa. § 5° Também poderá ser desconsiderada a pessoa jurídica sempre que sua personalidade for, de alguma forma, obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados aos consumidores. Este artigo possui dois problemas sérios. Em primeiro lugar, mistura casos de genuína aplicação da teoria a casos em que não se a aplicaria, por terem outra solução legal, em que os sócios já são penalizados pessoalmente. Em segundo lugar, há um gran- de exagero no último período do caput, que impõe aos sócios as penalidades do insucesso gerado pela má administração. Ocorre que foi exatamente para proteger os sócios de eventuais problemas externos e mesmo de uma eventual má administração, que surgiu a responsabilidade limitada. É também exatamente por isso, que se faz a distinção entre a pessoa jurídica e a pessoa dos sócios.” O Código do Consumidor, em sua ânsia protetiva, se olvidou de tudo isso. Não se deve confundir má administração com má-fé. A mesma tentativa equivocada ocorreu no art. 18 da Lei 8.884/94 (Lei Antitruste). Art. 18. A personalidade jurídica do responsável por infração da ordem econômica poderá ser desconsiderada quando houver da parte deste abuso de direito, excesso de poder, infração da lei, fato ou ato ilícito ou violação dos estatutos ou contrato social. A desconsideração também será efetivada quando houver falência, estado de insolvência, encerramento ou inatividade da pessoa ju- rídica provocados por má administração. Novamente, o texto legal aplica a teoria da desconsideração a situações para as quais já há solução na Lei. O caso acima, da Lei Antitruste, poderia ser resolvido com o art. 1.016 do Código Civil ou pelos arts. 117 e 158 da Lei 6.404/76 (sociedades anônimas). Art. 1.016. Os administradores respondem solidariamente pe- rante a sociedade e os terceiros prejudicados, por culpa no desem- penho de suas funções. Art. 117. O acionista controlador responde pelos danos cau- sados por atos praticados com abuso de poder. Art. 158. O administrador não é pessoalmente responsável pelas obrigações que contrair em nome da sociedade e em virtude de ato regular de gestão; responde, porém, civilmente, pelos pre- juízos que causar, quando proceder: I - dentro de suas atribuições ou poderes, com culpa ou dolo; II - com violação da lei ou do estatuto. Nos casos dos artigos citados, como se pode perceber, não é necessário se aplicar a doutrina, por já haver responsabilização pessoal dos sócios e/ou administradores. Ademais, a Lei Antitruste incorre no mesmo erro do Código do Consumidor, ao impor aos sócios as penalidades do insucesso gerado pela má administração. No entendimento de alguns, a CLT também admitiu a possibi- lidade de desconsideração no § 2° do art. 2°: Art. 2° [ ... ] § 2° Sempre que uma ou mais empresas, tendo embora, cada uma delas, personalidade jurídica própria, estiverem sob a dire- ção, controle ou administração de outra, constituindo grupo in- dustrial, comercial ou de qualquer outra atividade econômica, serão, para os efeitos da relação de emprego, solidariamente res- ponsáveis a empresa principal e cada uma das subordinadas. Conforme se vê, trata-se de simples caso de responsabilidade solidária pelo pagamento dos débitos trabalhistas. Não é, defini- tivamente, uma hipótese típica de desconsideração da personali- dade jurídica. Também pode parecer que os arts. 134, VII, e 135, III, do Código Tributário Nacional sejam casos de superação da perso- nalidade jurídica. Eis o teor dos dispositivos: Art. l34. Nos casos de impossibilidade de exigência do cum- primento da obrigação principal pelo contribuinte, respondem so- lidariamente com este nos atos em que intervierem ou pelas omis- sões de que forem responsáveis: [ ... ] VII – os sócios, no caso de liquidação de sociedade de pessoas. Art. 135. São pessoalmente responsáveis pelos créditos cor- respondentes a obrigações tributárias resultantes de atos pratica- dos com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos: [ ... ]
  • 25.
    Didatismo e Conhecimento23 DIREITO CIVIL III - os diretores, gerentes ou representantes de pessoas jurí- dicas de direito privado. Como fica claro da leitura dos artigos, os dispositivos signi- ficam apenas que, em determinadas circunstâncias, os sócios são responsáveis por dívida alheia - no caso, dívidas da sociedade. Não envolvem qualquer quebra ao princípio da separação entre o ser da pessoa jurídica e o ser da pessoa membro. O Código Civil de 2002 trouxe, em seu art. 50, o que pode ser entendido como o verdadeiro “espírito” da teoria: Art. 50. Em caso de abuso da personalidade jurídica, carac- terizado pelo desvio de finalidade, ou pela confusão patrimonial, pode o juiz decidir, a requerimento da parte, ou do Ministério Pú- blico quando lhe couber intervir no processo, que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica. As manifestações doutrinárias mais recentes apontam no sen- tido de que a redação do art. 50 do Código Civil reflete, com maior fidelidade, os princípios basilares da teoria da desconsideração. O abuso da personalidade ganhou tipificação aberta, ficando as hipóteses concretas subsumidas às espécies concebidas como “desvio de finalidade da pessoa jurídica” e “confusão patrimo- nial” entre os bens da pessoa jurídica e seus membros. Ocorrerá desvio de finalidade, sempre que a pessoa jurídica não cumprir a finalidade a que se destina, causando, com isso prejuízos a terceiros. Além disso, é também desvio de finalidade, ou melhor, de função, o desrespeito ao princípio da função social da empresa. A confusão patrimonial ocorrerá quando não for possível es- tabelecer claramente o que é da sociedade e o que é dos sócios. Destaque-se que a confusão patrimonial também ocorre nos casos de dissolução irregular da pessoa jurídica, quando desaparecem os sócios e os bens, e remanescem débitos a ser pagos. Caberá ao juiz aplicar fundamentadamente o instituto, diante das regras genéricas estabelecidas pelo Código. Mas quando se faria uso da teoria da desconsideração da personalidade jurídica? Tal questionamento é bastante pertinente, pois, como vis- to, existem no ordenamento jurídico dezenas de hipóteses de responsabilização pessoal e direta dos sócios, bem como ou- tras diversas hipóteses de anulabilidade dos negócios jurídicos praticados. Em primeiro lugar, devemos ter em mente que a desconsi- deração da personalidade jurídica é medida anômala e excep- cional, cujas hipóteses mostram-se corretamente dispostas no art. 50 do Código Civil. Tendo isto em mente, há de se partir dos dois requisitos independentes para a aplicação da teoria: desvio de finalidade ou confusão patrimonial, perpetrados através do abuso da estrutura da personificação. Para a correta aplicação do instituto devem ser mesclados os seguintes objetivos: coibir a fraude, o desvio de finalidade da pessoa jurídica, a confusão patrimonial, garantir o direito de receber dos credores e proteger o instituto da pessoa jurí- dica. Além disso, deve o intérprete ficar atento para o fato de não haver nenhuma outra norma que resolva o caso, responsa- bilizando os sócios pessoalmente. Um exemplo seria o do administrador de uma sociedade mineradora, que, para desvalorizar certo terreno, empreende atividades de mineração, de modo a arruinar o ambiente local. Além de ser a sociedade responsável pelos danos ambientais, poderá ser o caso de se desconsiderar a personalidade jurídi- ca, a fim de se atingir a pessoa do sócio administrador. A correta compreensão do instituto da desconsideração da personalidade jurídica permitirá sua boa aplicação, realçan- do-lhe a utilidade.” “A desconsideração inversa da personalidade jurídica. Vimos até aqui que se desconsidera a personalidade da pes- soa jurídica para alcançar o patrimônio de seus membros. O contrário também é possível de se aceitar segundo Mônica Queiroz, senão vejamos um exemplo: uma pessoa casada que adquire bens e coloca-os em nome da empresa, para evitar em um futuro divórcio a divisão de tais bens com o seu cônjuge. Nessa situação, torna-se possível desconsiderar a personalida- de da empresa para se alcançar tais bens e proceder à devida partilha. Isto é, busca-se a via inversa para se alcançar na jus- tiça. Enunciado nº 283, CJF: “É cabível a desconsideração da personalidade jurídica denominada “inversa” para alcançar bens de sócio que se valeu da pessoa jurídica para ocultar ou desviar bens pessoais, com prejuízo a terceiros.” Nesse senti- do: REsp 948.117/MS, j. 22/06/2010.” Ou seja: “A desconsideração pode ser aplicada, ainda, no direito de família e das sucessões, em hipóteses como desvio de finalidade, fraude, nas quais o patrimônio do casal foi indevi- damente incorporado ao da pessoa jurídica. Decretada a des- consideração, no caso concreto, os bens impugnados retornam ao patrimônio do casal com a finalidade de partilha inter vivos ou mortis causa.” Segundo Silmara Chinellato. 8. A Pessoa Jurídica e os Direitos da Personalidade. A normatização do artigo 52 segundo Regina Sahm, “poderia fazer parte das que compõem os direitos da personalidade, nas quais estaria mais adequada. Há muito a doutrina, com reflexos na jurisprudência, sustenta a possibilidade de a pessoa jurídica ser titular de direitos da personalidade. Reconhece-se, por exem- plo, que a pessoa jurídica é titular de honra objetiva, a projetada externamente, no âmbito da sociedade. Assim, inúmeros acórdãos estabelecem indenização por dano moral à pessoa jurídica, em caso de protesto indevido que lhe ofenderia a honra objetiva, o conceito de que goza no âmbito profissional, empresarial. Cite-se, ainda, a Súmula nº 227 do STJ, segundo a qual “a pessoa jurídi- ca pode sofrer dano moral”. O Código Civil harmoniza-se com o direito contemporâneo, no qual se sustenta, ainda, a responsa- bilidade penal da pessoa jurídica, exemplificando-se que causa dano ambiental, com suporte no art. 225, § 3º, da Constituição Federal.” Conclui Mônica Queiroz que, “O art. 52 do CC estende às pessoas jurídicas, naquilo que couber, a proteção dos direitos da personalidade da pessoa natural. A ressalva por meio da expres- são “no que couber”, contida no artigo, é óbvia diante da própria estrutura biopsicológica que diferencia a pessoa natural da pes- soa jurídica. Assim, seja recorrendo à tutela preventiva ou à tutela repressiva, pode a pessoa jurídica perquirir proteção ao seu nome comercial, à sua reputação e credibilidade no meio social etc. Não podemos nos esquecer, também, de que, bem antes do Código Civil de 2002, já se admitia o pleito de reparação por dano moral pela pessoa jurídica, sobretudo com base na Súmula 227 do STJ: “A pessoa jurídica pode sofrer dano moral.”
  • 26.
    Didatismo e Conhecimento24 DIREITO CIVIL Porém, a doutrina mais moderna critica o art. 52 do CC e a Súmula 227 do 5TJ, em virtude de significarem a banalização da dignidade e dos direitos da personalidade, o que culminou na aprovação do Enunciado n° 286, com o seguinte teor: “Os direi- tos da personalidade são direitos inerentes e essenciais à pessoa humana, decorrentes de sua dignidade, não sendo as pessoas jurí- dicas titulares de tais direitos.”.” TÍTULO II DAS PESSOAS JURÍDICAS CAPITULO I DISPOSIÇÕES GERAIS Art. 40. As pessoas jurídicas são de direito público, interno ou externo, e de direito privado. Art. 41. São pessoas jurídicas de direito público interno: I - a União; II - os Estados, o Distrito Federal e os Territórios; III - os Municípios; IV - as autarquias, inclusive as associações públicas; V - as demais entidades de caráter público criadas por lei. Parágrafo único. Salvo disposição em contrário, as pesso- as jurídicas de direito público, a que se tenha dado estrutura de direito privado, regem-se, no que couber, quanto ao seu fun- cionamento, pelas normas deste Código. Art. 42. São pessoas jurídicas de direito público externo os Estados estrangeiros e todas as pessoas que forem regidas pelo direito internacional público. Art. 43. As pessoas jurídicas de direito público interno são civilmente responsáveis por atos dos seus agentes que nessa qualidade causem danos a terceiros, ressalvado direito regres- sivo contra os causadores do dano, se houver, por parte destes, culpa ou dolo. Art. 44. São pessoas jurídicas de direito privado: I - as associações; II - as sociedades; III - as fundações. IV - as organizações religiosas; V - os partidos políticos. VI - as empresas individuais de responsabilidade limitada. (Incluído pela Lei nº 12.441, de 2011) § 1o São livres a criação, a organização, a estruturação interna e o funcionamento das organizações religiosas, sendo vedado ao poder público negar-lhes reconhecimento ou registro dos atos constitutivos e necessários ao seu funcionamento. § 2o As disposições concernentes às associações aplicam-se subsidiariamente às sociedades que são objeto do Livro II da Parte Especial deste Código. § 3o Os partidos políticos serão organizados e funcionarão conforme o disposto em lei específica. Art. 45. Começa a existência legal das pessoas jurídicas de direito privado com a inscrição do ato constitutivo no respec- tivo registro, precedida, quando necessário, de autorização ou aprovação do Poder Executivo, averbando-se no registro todas as alterações por que passar o ato constitutivo. Parágrafo único. Decai em três anos o direito de anular a constituição das pessoas jurídicas de direito privado, por de- feito do ato respectivo, contado o prazo da publicação de sua inscrição no registro. Art. 46. O registro declarará: I - a denominação, os fins, a sede, o tempo de duração e o fundo social, quando houver; II - o nome e a individualização dos fundadores ou institui- dores, e dos diretores; III - o modo por que se administra e representa, ativa e passivamente, judicial e extrajudicialmente; IV - se o ato constitutivo é reformável no tocante à admi- nistração, e de que modo; V - se os membros respondem, ou não, subsidiariamente, pelas obrigações sociais; VI - as condições de extinção da pessoa jurídica e o destino do seu patrimônio, nesse caso. Art. 47. Obrigam a pessoa jurídica os atos dos administra- dores, exercidos nos limites de seus poderes definidos no ato constitutivo. Art. 48. Se a pessoa jurídica tiver administração coletiva, as decisões se tomarão pela maioria de votos dos presentes, sal- vo se o ato constitutivo dispuser de modo diverso. Parágrafo único. Decai em três anos o direito de anular as decisões a que se refere este artigo, quando violarem a lei ou estatuto, ou forem eivadas de erro, dolo, simulação ou fraude. Art. 49. Se a administração da pessoa jurídica vier a faltar, o juiz, a requerimento de qualquer interessado, nomear-lhe-á administrador provisório. Art. 50. Em caso de abuso da personalidade jurídica, ca- racterizado pelo desvio de finalidade, ou pela confusão patri- monial, pode o juiz decidir, a requerimento da parte, ou do Mi- nistério Público quando lhe couber intervir no processo, que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica. Art. 51. Nos casos de dissolução da pessoa jurídica ou cas- sada a autorização para seu funcionamento, ela subsistirá para os fins de liquidação, até que esta se conclua. § 1o Far-se-á, no registro onde a pessoa jurídica estiver ins- crita, a averbação de sua dissolução. § 2o As disposições para a liquidação das sociedades apli- cam-se, no que couber, às demais pessoas jurídicas de direito privado. § 3o Encerrada a liquidação, promover-se-á o cancelamen- to da inscrição da pessoa jurídica. Art. 52. Aplica-se às pessoas jurídicas, no que couber, a proteção dos direitos da personalidade. DO DOMICÍLIO. Reservou-se o Título III do CC/02 para tratar do domicílio da pessoa física e da pessoa jurídica. Explicaremos aqui sobre o domicílio da pessoa física. Quanto ao domicílio da pessoa jurídica este será já foi estudado no tópico anterior “Das Pessoas Jurídicas”. “A saúde física e mental das pessoas, a capacidade, a legitimidade, a personalidade, o tempo, o estado familiar, o estado individual e o estado político, assim como o espaço ocupado por elas, a denominada sede jurídica, constituem os atributos da personalidade. De acordo com Limongi França, atributo é toda característica, situação ou condição suscetível de ser assumida pela personalidade e que seja capaz de ocasionar uma repercussão jurídica. Ao espaço político ocupado pelas pessoas dá-se o nome de domicílio, lugar onde elas estabelecem sua residência com ânimo definitivo. É, em síntese, o lugar onde se presume que elas estejam presentes para efeitos de direito (San Tiago Dantas).
  • 27.
    Didatismo e Conhecimento25 DIREITO CIVIL (...) Na conceituação do Instituto, deve-se afastar a noção de acidentabilidade, ocasionalidade, anormalidade e dar ênfase à habitualidade. Inúmeros são os efeitos da caracterização do domicílio: é um dos critérios para determinação da lei pessoal, o lugarondesepraticamdireitosedeveresnaordemprivada(negócio jurídico), local onde a pessoa exercita seus direitos políticos como votar e ser votado (lei eleitoral), foro competente para propositura de ação (processo civil) e ainda o local da abertura da sucessão do falecido (direito das sucessões). A existência de domicilio é importante para que se efetue a declaração da ausência (arts. 22 a 39 do CC) e para que se instaure o processo de habilitação para o casamento (arts. 1.525 a 1.532 do CC). A LINDB contém vários dispositivos de relevância para matéria. “A lei do país em que domiciliada a pessoa determina as regras sobre o começo e o fim da personalidade, o nome, a capacidade e os direitos de família” (art. 7º, caput). “A sucessão por morte ou por ausência obedece à lei do país em que domiciliado o defunto ou o desaparecido, qualquer que seja a natureza e a situação dos bens” (art. 10, caput). “A lei do domicílio do herdeiro ou legatário regula a capacidade para suceder” (art. 10, §2º). O primeiro domicílio da pessoa, relativo ao seu nascimento, é denominado de origem e corresponde ao dos seus pais”, segundo Regina Sahm. A noção de domicílio pertence ao direito material onde é devidamente disciplinada e sistematizada, a Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro adota o sistema de territorialidade moderada e dispõe em seu art. 7º toda a relevância do conceito de domicílio e seus efeitos. No direito das obrigações serve o domicílio para firmar a regra geral de que o pagamento deve ser efetuado no domicílio do devedor (é a chamada dívida quesível ou querable), se o contrário não resultar do contrato, das circunstâncias ou da natureza da obrigação, bem como da própria lei. Referente ao domicílio político este é relevante para o Direito Constitucional e ao Direito Eleitoral. Mesmo na seara processual penal, desconhecido o local onde se consumou o crime, a competência para julgar o réu poderá ser determinada por seu domicílio ou residência (art. 72 do CPC). Domicílio civil é o lugar onde a pessoa natural estabelece residência com ânimo definitivo, convertendo-o, em regra, em centro principal de seus negócios jurídicos ou de sua atividade profissional. É o local onde reside sozinho ou com seus familiares. É o lugar onde se fixa o centro de seus negócios jurídicos ou de suas ocupações habituais. O Código Civil Brasileiro de 2002 abarcou todas as hipóteses de domicílios nos arts. 70 a 72 e em seu parágrafo único. Necessário então se faz a distinção entre: Morada, Residência e Domicílio • Morada é o lugar onde a pessoa natural se estabelece provisoriamente, onde a pessoa se encontra em um determinado momento (hotel, pousada). • Residência pressupõe maior estabilidade. É o lugar onde a pessoa natural se estabelece habitualmente. O conceito de residência é um conceito fático. É o lugar onde a pessoa se encon- tra, ainda que por um longo espaço de tempo. • Domicílio abrange o conceito de residência, e, por con- sequência, o conceito de morada, uma vez que o conceito de do- micílio é um conceito jurídico. É o lugar onde a pessoa reside com caráter de permanência. De acordo com o artigo 70 do Código Civil: “O domicílio da pessoa natural é o lugar onde ela estabelece a sua residência com ânimo definitivo.” Domicílio civil, portanto, da pessoa natural é o lugar onde estabelece residência com ânimo definitivo, convertendo-o, em regra, em centro principal de seus negócios jurídicos ou de sua atividade profissional, ou seja, ao falarmos de domicílio, cabe esclarecer que nos interessa a cidade em que a pessoa é residente e domiciliada. A cidade nos leva à comarca, de importância vital para o Processo Civil. A rua já é informação secundária. Para que se configure o domicílio da pessoa natural, dois ele- mentos são exigidos: a) elemento objetivo ou material: a residência, o local de trabalho; b) elemento subjetivo ou psíquico: a intenção de permanecer (animus manendi), é o ânimo definitivo da pessoa ou o seu propósito de permanecer naquele lugar e de ter ali a sede de suas atividades. Importante destacar que o concurso dos dois elementos deve ser simultâneo. Da conjunção desses dois elementos que nasce o conceito de domicílio civil. Pluralidade de domicílios: é possível que a pessoa natural possua mais de um domicílio, e aí estaremos diante de uma plura- lidade de domicílios ou do chamado domicílio plúrimo. Ocorrerá quando a pessoa natural tiver diversas residências, onde, alter- nadamente, viva. Além disso, se considerarmos como domicílio da pessoa natural, no que diz respeito às relações profissionais, o lugar onde esta é exercida, se essa pessoa exercitar profissão em lugares diversos, cada um deles constituirá domicílio para as relações que lhe corresponderem (art. 71, CC). Domicílio Aparente ou Ocasional: a lei civil não se esque- ceu daqueles que não preencham os requisitos para configuração do domicílio, posto encontrados cada época em um lugar dife- rente, como, por exemplo, os ciganos, caixeiros-viajantes, artistas de circo e andarilhos. Assim, a lei solucionou estabelecendo que, para essas pessoas que não possuam residência habitual, o domi- cílio a ser considerado será o lugar onde forem encontradas (art. 73, CC). Trata-se, portanto, de imposição legal, pois o direito não pode ignorar os negócios jurídicos entabulados em suas várias fases (conclusão, execução e pós-execução) e muito menos a boa- -fé e a lealdade que os fundamentam (art. 113 do CC); sendo des- necessário para que se configure que as pessoas em tais condições considerem sua necessidade pela profissão ou pelo modo de vida exercido. Classificação de domicílio: a) Domicílio voluntário: é aquele escolhido livremente pela pessoa maior e capaz. Poderá ser alterado livremente também. Para tanto, basta a transferência da residência, com a intenção manifesta de mudá-lo, uma vez que o animus é sempre levado em consideração (art. 74, CC), desde que respeitadas as limitações do art. 76, CC. b) Domicílio necessário ou legal: é aquele imposto pela lei para determinadas pessoas em razão de seus caracteres pessoais (art. 76, CC). Possuem domicílio necessário: I) o incapaz (será o do representante ou assistente);
  • 28.
    Didatismo e Conhecimento26 DIREITO CIVIL II) o servidor público (será o lugar em que exercer permanen- temente suas funções); III) o militar (se for do Exército será onde servir, e sendo da Marinha ou da Aeronáutica a sede do comando a que estiver ime- diatamente subordinado); IV) o marítimo (onde o navio estiver matriculado); V) o preso (o lugar em que cumprir a sentença ou pena). c) Domicílio de eleição ou contratual ou voluntário espe- cial: é aquele estabelecido pelas partes em contrato escrito, que se presta a fixar onde serão cumpridos os direitos e deveres de- correntes da convenção e possíveis litígios decorrentes da avença (art. 78, CC). Em relação aos contratos de consumo que fixa domicílio em favor do próprio fornecedor, segundo a doutrina majoritária, é considerada ilegal a cláusula contratual que estabelece o foro de eleição em benefício do fornecedor do produto ou serviço, em pre- juízo do consumidor, por violar o disposto no art. 51, IV do CDC (considera-se nula de pleno direito a cláusula de obrigação iníqua, abusiva, que coloque o consumidor em desvantagem exa- gerada, ou sejam incompatíveis com a boa fé e a equidade). Mesmo que seja dada prévia ciência da cláusula ao consu- midor, o sistema protetivo inaugurado pelo Código, moldado por superior interesse público, proíbe que o fornecedor se beneficie de tal prerrogativa, especialmente em se considerando que nos contratos de adesão a liberdade negocial do consumidor é extre- mamente restrita. Tem-se admitido, inclusive, que o juiz possa declinar de ofício da sua competência. Também adverte Amauri Mascaro Nascimento que também não é admitido nos contratos de trabalho em face da notória hipossuficiência do trabalhador (art. 9 da CLT), quando importar em prejuízo ao contratante aderente. TÍTULO III DO DOMICÍLIO Art. 70. O domicílio da pessoa natural é o lugar onde ela estabelece a sua residência com ânimo definitivo. Art. 71. Se, porém, a pessoa natural tiver diversas residên- cias, onde, alternadamente, viva, considerar-se-á domicílio seu qualquer delas. Art. 72. É também domicílio da pessoa natural, quanto às relações concernentes à profissão, o lugar onde esta é exercida. Parágrafo único. Se a pessoa exercitar profissão em luga- res diversos, cada um deles constituirá domicílio para as rela- ções que lhe corresponderem. Art. 73. Ter-se-á por domicílio da pessoa natural, que não tenha residência habitual, o lugar onde for encontrada. Art. 74. Muda-se o domicílio, transferindo a residência, com a intenção manifesta de o mudar. Parágrafo único. A prova da intenção resultará do que declarar a pessoa às municipalidades dos lugares, que deixa, e para onde vai, ou, se tais declarações não fizer, da própria mudança, com as circunstâncias que a acompanharem. Art. 75. Quanto às pessoas jurídicas, o domicílio é: I - da União, o Distrito Federal; II - dos Estados e Territórios, as respectivas capitais; III - do Município, o lugar onde funcione a administração municipal; IV - das demais pessoas jurídicas, o lugar onde funciona- rem as respectivas diretorias e administrações, ou onde elege- rem domicílio especial no seu estatuto ou atos constitutivos. § 1o Tendo a pessoa jurídica diversos estabelecimentos em lugares diferentes, cada um deles será considerado domicílio para os atos nele praticados. § 2o Se a administração, ou diretoria, tiver a sede no estran- geiro, haver-se-á por domicílio da pessoa jurídica, no tocante às obrigações contraídas por cada uma das suas agências, o lu- gar do estabelecimento, sito no Brasil, a que ela corresponder. Art. 76. Têm domicílio necessário o incapaz, o servidor pú- blico, o militar, o marítimo e o preso. Parágrafo único. O domicílio do incapaz é o do seu re- presentante ou assistente; o do servidor público, o lugar em que exercer permanentemente suas funções; o do militar, onde servir, e, sendo da Marinha ou da Aeronáutica, a sede do co- mando a que se encontrar imediatamente subordinado; o do marítimo, onde o navio estiver matriculado; e o do preso, o lugar em que cumprir a sentença. Art. 77. O agente diplomático do Brasil, que, citado no es- trangeiro, alegar extraterritorialidade sem designar onde tem, no país, o seu domicílio, poderá ser demandado no Distrito Fe- deral ou no último ponto do território brasileiro onde o teve. Art. 78. Nos contratos escritos, poderão os contratantes especificar domicílio onde se exercitem e cumpram os direitos e obrigações deles resultantes. DOS BENS. DOS BENS CONSIDERADOS EM SI MESMOS: DOS BENS MÓVEIS E IMÓVEIS. DOS BENS PÚBLICOS. 1. Conceito Considera-se bem tudo aquilo que existe no universo e que é útil ao homem. Mônica Queiroz define bem afirmando que: “é tudo aquilo que, ao existir fora do ser humano, material ou não, possuindo valoração econômica ou não, esteja sob o domínio e poder de seu titular.” Há uma distinção entre bem e coisa. Bem é gênero e coisa é espécie. Somente são chamados de coisa aqueles bens que podem ser apreendidos pelo homem (bens corpóreos) e que têm valor econômico. César Fiuza, conclui que: “...coisa, neste sentido, é sinônimo de bem. Mas nem todo bem será coisa. Assim, não são coisas os bens chamados jurídicos, como a vida, a liberdade, a saúde etc. para que um bem seja coisa, são necessários três requisitos: 1) Interesse econômico: o bem deve representar interesse de ordem econômica. Uma folha seca não será bem nem coisa para o Direito; 2) Gestão econômica: deve ser possível individualizar e va- lorar o bem. A luz do sol, por exemplo, não possui gestão econô- mica. Portanto, não será coisa para o Direito; 3) Subordinação jurídica: o bem deve ser passível de su- bordinação a uma pessoa. Tampouco deste ângulo a luz do sol seria coisa. Mas um carro possui as três características. É, portanto, bem, por ser útil às pessoas, e coisa, por possuir aqueles três elementos.” O Código Civil na sua parte geral, relativa aos elementos da redação jurídica, segundo Regina Sahm, “após cuidar no Livro I do sujeito de direitos e deveres, dos seus atributos e dos direitos
  • 29.
    Didatismo e Conhecimento27 DIREITO CIVIL subjetivos de personalidade da pessoa física e da jurídica, passa a cuidar no Livro II do direito denominado, nesta parte, unicamente de bem (filosoficamente, “bem” é tudo que nos agrada, satisfaz melhoramentos e aformoseamento). Entretanto, o legislador utiliza igualmente o vocábulo “coisa” para designar o objeto dos direitos, e também no Livro III, ao tratar dos direitos das coisas e dos direitos reais (arts. 1.196 e segs. E 1.225 e segs. do CC). O termo “objeto” provém de objectum, que designa coisa que está colocada fora, que foi projetada diante quem a conhece. A qualificação de objeto se impõe necessariamente porque um outro elemento existe que não é objeto, mas sujeito. Pode-se dizer que sob o ponto de vista comum, objetos são as coisas que têm existência material. Sob o ponto de vista técnico-jurídico, objeto da relação jurídica ou do direito subjetivo são as ações, o comportamento humano (Francisco Amaral). Há divergência doutrinária quanto à distinção entre bens e coisas (...). Há quem considere, (...), que “bem” é todo objeto que interessa ao direito e que a palavra “coisa” conserva o sentido vastíssimo de entidade material ou imaterial. José Carlos Moreira Alves esclarece que, na redação do Livro II, foi utilizada somente a palavra “bens”, pois o Código Civil de 1916 recebeu críticas pelo uso indiscriminado de “coisa” e “bem”, conceitos que não se identificam. Objeto da relação jurídica, em sentido amplo, é tudo o que se pode submeter ao poder dos sujeitos de direitos (imediato, ius in re), direitos reais assim como o comportamento, a atividade, a ação ou omissão (dar, fazer, não fazer) dos sujeitos indiretos, direito dependente do adimplemento do crédito. Esse se consubstancia no direito obrigacional (ius ad rem). Os direitos podem ainda ser objetos de outros direitos (arts. 286, 1.393, 1.451 e 1.473, III, do CC).” 2. Bens corpóreos e bens incorpóreos. Há uma classificação que não consta do Código Civil, mas que é adotada pela doutrina, porque é trazida desde o Direito Romano: bens corpóreos e bens incorpóreos. Bens corpóreos são os que têm existência material, a exemplo de uma cadeira, de um livro etc. Bens incorpóreos são os que têm existência abstrata somente, a exemplo de créditos, direitos de autor, direito à sucessão aberta etc. Chamamos a atenção para que não se confunda a materialidade do título que comprova o crédito, por exemplo, com o próprio crédito, que em si é incorpóreo. Existem algumas expressões sobre os bens que eram utilizadas no Direito Romano e são utilizadas até hoje: • res nullis (é a coisa de ninguém, que existe no universo, mas não pertence a ninguém, como peixes e animais selvagens); • res derelicta (é a coisa abandonada, que já pertenceu a alguém e foi abandonada). O patrimônio das pessoas é formado por bens corpóreos e bens incorpóreos. A classificação do Código Civil é uma classificação científica que agrupa os bens por sua natureza. 3. Classificação dos Bens adotada pelo CC/2002 3.1 Dos bens considerados em si mesmos O código classifica os bens, em primeiro lugar por si mesmos, não os comparando ou ligando com nenhum outro, assim classifica os bens considerados em relação à própria natureza. Obedece o legislador não apenas a uma diversidade natural, mas igualmente social. Na classificação de bens móveis e bens imóveis, a intenção do homem deve ser considerada. Exemplo: se o indivíduo planta uma árvore para corte, esta é chamada de bem móvel por antecipação. 3.1.1 Bens imóveis Os bens imóveis, também conhecidos como bens de raiz, são os que não podem ser transportados, sem destruição, de um lugar para outro, conforme o art. 79 do CC, serão “o solo e tudo quanto se lhe incorporar natural ou artificialmente”. Nos artigos 79 e 80, o Código Civil classifica os bens imóveis em: 3.1.1.1 Bens imóveis por natureza: consideram-se bens imó- veis por natureza o solo e seus acessórios e adjacências, ou seja, tudo aquilo que adere ao solo naturalmente, a exemplo das ár- vores, frutos e subsolo. Alguns autores entendem que deveria ser bem imóvel por natureza somente o solo; acessórios e adjacências deveriam ser chamados bens imóveis por acessão natural. 3.1.1.2 Bens imóveis por acessão industrial (artificial): a palavra acessão vem de acesso ou ingresso, assim bens imóveis por acessão industrial é definido como tudo aquilo que resulta do trabalho do homem, tornando-se permanentemente incorporado ao solo. São as construções e as plantações. 3.1.1.3 Bens imóveis por acessão intelectual (por destinação do proprietário): a lei considera bem imóvel por acessão intelec- tual aqueles bens móveis que aderem a um bem imóvel pela vonta- de do dono, para dar maior utilidade ao imóvel ou até mesmo para o seu embelezamento, aformoseamento, a exemplo de um trator comprado para melhor utilização em uma fazenda, pois, enquanto o trator estiver a serviço da fazenda, será considerado como bem imóvel por acessão intelectual. São aqueles bens móveis incorpo- rados ao bem imóvel pela vontade do dono. Assim como o pro- prietário imobilizou o bem móvel, ele poderá, consequentemente, mobilizá-lo novamente quando não for utilizá-lo mais para aquilo a que se destinava. 3.1.1.4 Bens imóveis por determinação legal: são determinados bens que somente são imóveis porque o legislador resolveu enquadrá-los como tal, para que se possibilite, em regra, maior segurança jurídica nas relações que os envolvam, embora a priori não pudéssemos enquadrá-los na classe de imóveis ou móveis, posto que incorpóreos. De acordo com o art. 80 do CC, são bens imóveis para os efeitos legais: I- os direitos reais sobre imóveis e as ações que os asseguram (exemplos: a propriedade, a hipoteca, a ação reivindicatória); II- o direito à sucessão aberta, ainda que os bens deixados pelo de cujus sejam composto única e exclusivamente de bens móveis, o direito à sucessão aberta, ainda assim, será considerado como bem imóvel. “Obs.: para afastar discussões o CC dispõe, ainda, que não perdem o caráter de imóveis as edificações que, separadas do solo, mas conservando a sua unidade, forem removidas para outro local (ex.: casas de madeira pré-fabricadas). E também os materiais provisoriamente separados de um prédio, para nele se reempregarem (art. 81, CC). Desse modo, um azulejo que no depósito de construção pronto para ser vendido, é bem móvel, imobiliza-se, isto é, torna-se imóvel, uma vez acedido á construção. E mais, caso a construção entre em reforma e tais azulejos sejam cuidadosamente separados, para depois serem reempregados, não perderão eles o seu caráter de imóveis, adquirido por ocasião da acessão. Isso tudo se justifica porque o aspecto levado em consideração é a finalidade da separação.” Segundo Mônica Queiroz.
  • 30.
    Didatismo e Conhecimento28 DIREITO CIVIL 1.1.2 Bens móveis Determina o artigo 82 do Código serem bens móveis os bens suscetíveis de movimento próprio, ou de remoção por força alheia, sem alteração da substância ou da destinação econômico-social. Podem ser classificados da seguinte maneira: 3.1.2.1 Bens móveis por natureza: são bens móveis por natureza não só aqueles que têm movimento próprio, como tam- bém aqueles que não têm movimento próprio, ou seja, subdivi- dem-se em bens móveis propriamente ditos (aqueles que não têm movimento próprio) e bens semoventes (aqueles que têm movi- mento próprio, como por exemplo um cavalo). 3.1.2.2 Bens móveis por antecipação: aqueles bens imóveis que têm uma finalidade última como móvel. Assim, mesmo tempo- rariamente imóveis não perdem o caráter de bem móvel, em razão de sua finalidade, a exemplo das árvores plantadas para corte, ou, uma safra pendente. Ou seja, já recebem de antemão o tratamento de bens móveis, para facilitar a sua negociação. 3.1.2.3 Bens móveis por determinação legal: o CC dispõe em seu art. 83 que, embora incorpóreo, são alguns bens que a lei considera móveis por determinação legal, e consequentemente, aplicando as disposições sobre bens móveis nas relações que os envolvam. São eles: Os direitos reais sobre objetos móveis e respectivas ações (exemplos: o penhor e a hipoteca); os direitos de obrigação, direitos pessoais de caráter patrimonial e suas respectivas ações; além dos direitos do autor. O desenvolvimento técnico e o progresso trouxeram a indagação quanto à caracterização das energias que tenham valor econômico (gás, corrente elétrica, etc) reconhecidas como passíveis de furto. Assim no direito contemporâneo, qualquer energia natural que tenha valor econômico é bem móvel (v. Código Penal). A lei permite, por exceção, que navios e aviões, que são bens móveis, sejam dados em hipoteca, todavia, sem perder a característica de bens móveis, ou seja, os navios e aviões são bens móveis, ocorre que segundo César Fiuza “...são tratados em dois momentos, como se fossem imóveis. Num primeiro momento, devem ser registrados em órgão próprio, e, num segundo, podem ser hipotecados. Ora, o registro e a hipoteca, em nosso sistema jurídico, são institutos típicos de bens imóveis, daí a confusão. “Obs.: Atenção: segundo Mônica Queiroz, os materiais destinados a alguma construção, enquanto não forem empregados, conservam sua qualidade de móveis e readquirem essa qualidade os provenientes da demolição de algum prédio. Isso é o que dispõe o art. 84 do CC em plena sintonia com o já comentado art. 81, II do CC.” 1.1.3 Bens fungíveis e bens infungíveis (art. 85, CC) O artigo 85 do Código Civil aplica essa classificação apenas aos bens móveis. São bens fungíveis aqueles bens móveis que podem ser substituídos por outros da mesma espécie, natureza e qualidade, como o dinheiro por exemplo. Com efeito, em uma interpretaçãoacontrariosensudoartigo85doCC,quenosinforma o conceito dos bens fungíveis, chegamos aos bens infungíveis, que são aqueles bens móveis ou imóveis que possuem características especiais que os tornam distintos de outros da mesma espécie e qualidade, não permitindo, destarte, a sua substituição, como por exemplo, um quadro de um pintor famoso. Importante perceber que a infungibilidade pode decorrer não da natureza do bem, mas também da vontade das partes, a exemplo de bens fungíveis emprestados para ornamentação e posterior devolução deste mesmo bem, a que a doutrina dá o nome de comodato ad pompae vel ostentationes causa. Ainda na categoria dos bens infungíveis por convenção, podem destacar-se os infungíveis por convenção social. São bens por natureza fungíveis, mas na prática, de difícil substituição. É o caso dos automóveis. Em relação a bens desta natureza, há uma espécie de pacto social, no sentido de considerá-los infungíveis. 1.1.4 Bens consumíveis e bens inconsumíveis (art. 86, CC) O artigo 86 considera consumíveis os bens móveis cuja utilização acarreta a destruição da sua substância, a exemplo dos alimentos, e os destinados à alienação, como um livro, um disco, ou demais bens expostos para venda. Assim, há bens consumíveis de fato, ou materialmente consumíveis, como os alimentos em geral, e há bens consumíveis de direito, juridicamente consumíveis, como veículos, aparelhos elétricos colocados à venda etc. Dessa forma, uma roupa, enquanto estiver na loja para ser vendida, será consumível. No momento em que alguém a compra, volta a ser apenas inconsumível. Os bens inconsumíveis são aqueles que, em uma interpretação às avessas do art. 86 CC, a sua utilização não importa destruição imediata da sua própria substância e não estão destinados à alienação. Podem também ser inconsumíveis por natureza ou por convenção. Conforme ensinamentos de César Fiuza: “Por natureza são aqueles que não terminam com o uso, como uma casa, um carro etc. Por convenção teremos aqueles que por sua natureza são consumíveis, mas foram convencionados inconsumíveis pelos interessados. Suponhamos que um fazendeiro empreste a outro saca de café, com grãos especiais, a fim de que este a exponha em mostra agropecuária, devendo, em seguida, restituir a mesma saca, com os mesmos grãos de café. Vemos, neste exemplo, grãos de café inconsumíveis por convenção.” O usufruto somente recai sobre os bens inconsumíveis, entretanto o artigo 1392, § 1º, do Código Civil admite que o usufruto recaia sobre bens consumíveis, recebendo a denominação “usufruto impróprio”, ou “quase usufruto”. 1.1.5 “Bens duráveis e bens não duráveis – A cate- goria dos bens duráveis e não duráveis diz respeito, como regra, aos bens móveis. Não obstante, o Código do consumidor se refere aos bens não duráveis, dentre eles incluindo os bens imóveis, en- quanto produtos. De todo modo, bens duráveis e bens não duráveis são aqueles que duram mais ou menos no tempo. Um automóvel, um livro, um apartamento seriam exemplos de bens duráveis. Um saco de arroz, uma caneta descartável, um bloco de notas seriam bens não duráveis. Os bens duráveis podem sê-lo por natureza, como um livro, ou por convenção. Estes, os por convenção, são bens não duráveis por natureza, mas que se convencionaram duráveis. Uma garrafa de vinho de colecionador, que não se destina ao consumo, seria um bom exemplo. Como regra, os bens duráveis são inconsumíveis, e os não duráveis, consumíveis. Mas pode ocorrer que as categorias não coincidam. Exemplo seria um bem consumível por força de lei, que por natureza fosse durável: um relógio de pulso posto à venda no comércio. É durável e, enquanto destinado à alienação, consu- mível.” Segundo César Fiuza.
  • 31.
    Didatismo e Conhecimento29 DIREITO CIVIL 1.1.6 “Bens perecíveis e bens imperecíveis – perecí- veis são os bens que perecem rapidamente no tempo, se não forem observadas condições especiais de armazenamento, embalagem etc. exemplos seriam peças de carne, leite e outros. Imperecíveis são aqueles bens que não perecem rapidamente no tempo, inde- pendentemente de condições especiais de acondicionamento, ar- mazenagem etc. Como exemplo, poderíamos citar uma caneta, um livro, um sabonete, dentre outros. Não há confundir a categoria dos bens perecíveis e imperecí- veis com a dos bens consumíveis e inconsumíveis e duráveis e não duráveis. Enquanto a dos bens consumíveis e inconsumíveis diz respeito ao fato de os bens de consumirem ou não com o uso, a dos bens duráveis e não duráveis leva em conta o fato de o bem durar mais ou menos no tempo, e a dos bens perecíveis ou não perecíveis leva em conta o fato de o bem perecer ou não com o passar do tempo. São três critérios ontologicamente distintos um do outro. Há bens imperecíveis que são consumíveis e não duráveis, como um sabonete, uma garrafa de whisky ou uma caneta descar- tável.” Segundo César Fiuza. 1.1.7 Bens divisíveis e bens indivisíveis (art. 87, CC) São divisíveis as coisas que podem ser partidas em porções distintas, formando, cada porção, um todo perfeito. Assim, o bem é divisível quando cada porção continua com as características do todo, ou seja, são os que: “...podem fracionar sem alteração na sua substância, diminuição considerável de valor, ou prejuízo do uso a que se destinam.” Assim, indivisível o bem seria se considerássemos o contrário disposto no referido artigo. A indivisibilidade pode resultar da natureza, da lei e da vontade das partes: a) Bem indivisível por natureza (fisicamente): é aquele que, se for dividido, perde a característica do todo, quando ma- terialmente o bem não pode ser dividido (ex: um animal vivo, um automóvel etc); b) Bem indivisível por lei (legalmente): existem alguns bens que por natureza talvez fossem considerados divisíveis, en- tretanto a lei os torna indivisíveis. Como exemplo, podemos citar a Lei nº 6.766/79 que dispõe que o lote urbano não poderá ser inferior a 125 metros quadrados; c) Bem indivisível por vontade das partes (convencional- mente): há a possibilidade, nos casos de condomínio, de as partes convencionarem a indivisibilidade do bem. Essa indivisibilidade poderá valer por cinco anos no máximo (artigo 1.320, § 2.º, do Código Civil), podendo ser prorrogada por mais cinco. Nos casos de testamento e doação, não se pode, se o bem for considerado indivisível por vontade do doador ou testador, entende-se que o foi somente por cinco anos, sem possibilidade de prorrogação do prazo. d) Bem indivisível por valor econômico (Economicamen- te): quando a divisão do bem importar em redução considerável de seu valor econômico (ex.: se imaginarmos uma pedra de diamante grande, esta terá um valor, sem dúvida, muito maior, do que se a considerássemos fracionada em inúmeros pequeninos diamantes). De acordo com Mônica Queiroz, “Importante salientar que, diante dessa subclassificação de indivisibilidade, aquele determinado bem que de início é fisicamente suscetível à divisão, por vezes, uma lei, ou a vontade das partes, ou mesmo motivos econômicos se mostrem como fatores impedientes de sua divisão.” 1.1.8 Bens singulares e bens coletivos (art. 89, CC) Os bens são singulares ou coletivos conforme a maneira como são analisados. Desse modo, se analisarmos uma árvore isoladamente, ela será um bem singular, se analisarmos várias árvores numa floresta, será um bem coletivo. O Código Civil chama as coletividades de universalidades, que podem ser de fato ou de direito. A universalidade de fato ocorre quando há uma pluralidade de bens singulares que, pertinentes à mesma pessoa, tenham destinação unitária (por exemplo: uma floresta, uma biblioteca). Por universalidade de direito, menciona como exemplos a herança, o patrimônio e a massa falida, mesmo se constituídas somente de direitos e obrigações, sem demais bens materiais, ou seja, deve-se entender o complexo de relações jurídicas de uma pessoa, dotadas de valor econômico. 1.1 Dos bens reciprocamente considerados Após o estudo dos bens considerados em si mesmos, passamos ao estudo dos bens, quando reciprocamente considerados. O direito é uma ciência que se fundamenta nas relações em sociedade. Ocorrendo um fato relevante para o direito, esse o considera jurídico. Ao disciplinar a matéria, a lei aprecia, sob os planos de utilidade, economia e justiça, considerando a funcionalidade dos bens que acrescem e que são acrescidos, a reversibilidade e o efeito econômico visando ao equilíbrio das relações sociais. Nessa ótica, dividem-se os bens em principais e acessórios. Bem principal é aquele que existe por si, ou seja, não depende da existência de nenhum outro bem, possuindo existência própria (ex.: o solo). Por sua vez, ao revés, bem acessório é aquele que depende da existência do bem principal (por exemplo: a árvore que depende do solo para existir). O artigo 92 do Códex dispõe que a coisa acessória segue a principal, salvo disposição especial em contrário (art. 93 do CC). Essa regra, que atende ao conteúdo disposto no brocardo jurídico accessorium sequitur suum principale, causa várias consequências: a) presume-se que o dono do principal também é dono do acessório; b) determina ter o acessório a mesma natureza jurídica do principal; c) extinto o principal, extingue-se também o acessório, mas a recíproca não se mostra verdadeira. O caráter acessório pode existir entre coisas e entre direitos obrigacionais ou reais: a) fiança e cláusula penal são acessórios do contrato de compra e venda; b) a posse do imóvel faz presumir, até prova em contrário, a dos móveis e objetos que nele estiverem (art. 1.209 do CC); c) a obrigação de dar coisa certa abrange os acessórios, ainda que não mencionados, salvo se o contrário resultar do título ou das circunstâncias do caso (art. 233 do CC); d) na acessão de crédito se incluem todos os seus acessórios, salvo disposição em contrário (art. 287 do CC). 1.1.1 Categoria dos bens acessórios 3.2.1.1 Frutos: “São as utilidades que nascem e renascem, ou seja, se reno- vam a cada período, sem diminuir a substância do bem principal, ou seja, a separação do fruto não altera a sustância da coisa prin- cipal. Os frutos se classificam em:
  • 32.
    Didatismo e Conhecimento30 DIREITO CIVIL a.1) Quanto à origem, os frutos podem ser: naturais, indus- triais ou civis. Naturais são os frutos que decorrem da própria natureza (ex.: os frutos das árvores, as crias dos animais). Indus- triais são os frutos resultantes da intervenção humana (ex.: a lã de uma ovelha que se transforma em casaco). Civis ou rendimentos são os frutos que representam a remuneração que deverá ser paga a uma pessoa por ter concedido a posse a outrem (ex.: os juros e os aluguéis). a.2) Quanto ao estado, os frutos podem ser: colhidos, colhi- dos por antecipação, pendentes, percipiendos e estantes. Colhidos são os frutos que já foram percebidos, isto é, retirados da coisa principal. Colhidos por antecipação são os frutos que foram sepa- rados da coisa principal de maneira prematura. Pendentes são os frutos que ainda estão unidos à coisa que os produziu. Percipien- dos são aqueles frutos que deveriam ter sido colhidos, mas não o foram. Estantes são frutos que já foram separados e armazenados. Obs: em matéria de usufruto, só há o direito aos frutos, não aos produtos (art. 1.394 do CC). 1.1.1.2 Produtos: São as utilidades que são retiradas da coisa principal e não se renovam, isto é, não reproduzem periodicamente, e tem como consequência a progressiva diminuição do bem principal (exs.: pedras, metais, petróleo, retirados de determinada pedreira, mina ou poço). 1.1.1.3 Pertenças: São os bens acessórios que, não constituindo partes integrantes do bem principal, destinam-se de modo duradouro ao uso, ao serviço ou ao aformoseamento do outro (art. 93, CC). Alcançaremos a pertença se excluirmos tudo o que seja parte integrante do bem principal. Posto isso, o aparelho de ar condicionado que se encontra no interior de uma casa pode ser considerado pertença, já a porta dessa mesma casa, não, uma vez que se trata de parte integrante da casa. O art. 94, CC impõe que “os negócios jurídicos que dizem respeito ao bem principal não abrangem as pertenças, salvo se o contrário resultar da lei, da manifestação de vontade, ou das circunstâncias do caso.” Com a leitura deste dispositivo chegamos a uma importante conclusão: a regra de que o acessório segue a sorte do principal em caso de alienação do bem principal, se aplica às partes integrantes, não atingindo as pertenças. Então, embora a pertença seja também um bem acessório, a ela não se aplica o princípio da gravitação jurídica.” Conforme Mônica Queiroz. Assim, o artigo 93 do Código Civil, estabelece: “São pertenças os bens que, não constituindo partes integrantes, se destinam, de modo duradouro, ao uso, ao serviço ou ao aformoseamento de outro”. Apesar de acessória, a pertença conserva sua individualidade e autonomia, tendo apenas com a principal uma subordinação econômico-jurídica, pois, sem haver qualquer incorporação, vincula-se à principal para que esta atinja suas finalidades. Temos como exemplo a turbina de um avião, o órgão de uma igreja ou o motor de um automóvel. 1.1.1.4 Benfeitorias (necessárias, úteis e voluptuárias): Acrescenta o diploma civil que também são acessórios da coisa as benfeitorias (artigo 96 do Código Civil), salvo a pintura em relação à tela, a escultura em relação à matéria-prima e qualquer trabalho gráfico em relação ao papel utilizado. Essas exceções foram criadas para valorizar o trabalho artístico. Assim, os acessórios dos trabalhos artísticos serão, nesses casos, a tela, a matéria prima e os papéis. Benfeitoria é todo melhoramento ou acréscimo feito em coisa já existente. São as obras ou despesas realizadas na coisa com finalidade de conservação, melhoramento ou embelezamento. Há uma diferença entre benfeitoria e acessão industrial (construções e plantações), uma vez que esta representa toda construção ou plantação nova. O art. 96 do CC apresenta e conceitua três espécies de benfeitorias. Estas podem ser: a) Necessárias (art. 96, § 3º, CC): são aquelas benfeitorias destinadas a conservar a coisa, indispensáveis; são aquelas que, se não forem feitas, a coisa pode perecer, ou seu uso ser impossibilitado. São entendidas de forma ampla, como o pagamento de impostos, medidas judiciais de conservação da coisa, reforma de um telhado etc. O direito de retenção é assegurado até o reembolso ao possuidor de boa-fé, mas a indenização independe da boa ou má-fé. b) Úteis (art. 96, § 2º, CC): são as benfeitorias que aumentam ou facilitam o uso da coisa; não são indispensáveis, mas, se forem feitas, darão mais aproveitamento à coisa, a exemplo da construção de mais um cômodo em uma casa. Devem ser indenizadas ao possuidor de boa-fé com direito de retenção. c) Voluptuárias ou suntuárias (art. 96, § 1º, CC): são as benfeitorias de mero deleite ou recreio, que vem a aformosear o bem, aumentar-lhe o valor, embora não interfiram na normal utilização da coisa, como exemplo, a construção de uma piscina com cascata, ao redor de jardins, em uma casa. É possível ao possuidor de boa-fé levantá-las somente (ius tollendi). Por fim, relativamente às benfeitorias, salienta-se que a classificação acima não tem caráter absoluto, devendo ser analisada de acordo com o caso concreto, a exemplo de uma piscina, que em regra é conceituada como benfeitoria voluptuária, mas que, para alguém que necessita fazer hidroterapia, ou ainda para uma escola de natação, mostra-se como benfeitoria útil. Obs: o art. 97 do CC, segundo Regina Sahm, “dispõe que as acessões naturais que aumentam o valor do bem não são benfeitorias, uma vez que nessas não ocorre qualquer interferência do proprietário, possuidor e detentor. O mesmo se aplica quando há atuação por parte do Estado com obras de melhoria, utilidade ou embelezamento em áreas próprias ou sobre o próprio bem principal, tornando-o valioso. (...). Os efeitos do dispositivo se refletem nos direitos de retenção e indenização que são reconhecidos in casu para que não se configure o enriquecimento ilícito.” 3.3 Dos bens quanto aos titulares do domínio Sob esse aspecto, os bens se dividem em públicos e particulares. O artigo 98 do Código Civil considera públicos os bens que pertencem à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios; todos os demais são considerados particulares. Tem-se, no caso, verdadeira definição por exclusão. Ampliando o entendimento do art. 98, do CC, temos o Enunciado nº 287 que dispõe: “O critério da classificação dos bens públicos indicado no art. 98 do Código Civil não exaure a enumeração dos bens públicos, podendo ainda ser classificado como tal o bem pertencente a pessoa jurídica de direito privado que esteja afetado à prestação de serviços públicos.”
  • 33.
    Didatismo e Conhecimento31 DIREITO CIVIL Os bens públicos, por sua vez, dividem-se em três espécies: 1.1.1 Bens públicos de uso comum do povo: são todos aqueles de utilização comum, sem maiores ônus, pela coletividade, a exemplo das estradas, ruas, mares, praças. Ainda que a Administração Pública imponha alguma restrição por meio de cobrança para o uso, esse bem não se desnatura enquanto bem público (ex.: imposição de pedágio em trecho de rodovia). O art. 103 do CC nos informa que “o uso comum dos bens públicos pode ser gratuito ou retribuído, conforme for estabelecido legalmente pela entidade a cuja administração pertencerem”. 1.1.2 Bens públicos de uso especial: bens destinados ao funcionamento e aprimoramento dos serviços prestados pela máquina estatal, de utilização, por vezes, concedida aos particu- lares, em regra mediante contraprestação. Temos como exemplo os edifícios ou terrenos destinados a serviço ou estabelecimento onde funcionam os serviços públicos, como repartição pública, um hospital público ou uma escola pública; 1.1.3 Bens públicos ou dominicais: aqueles que pertencem ao domínio privado do poder público. São bens que constituem patrimônio das pessoas jurídicas de direito público, e, desde que desafetados de qualquer utilização pública, podem ser alienados, de acordo com as regras previstas para alienação de bens da administração, a exemplo da licitação. Os bens públicos têm características especiais, seguindo regras próprias, não sendo tratados no Direito Civil. A característica principal dos bens públicos é a inalienabilidade. Entretanto, são inalienáveis somente os bens públicos de uso comum e os de uso especial. Já os dominicais, como correspondem a patrimônio livre de determinada pessoa jurídica de direito público, poderão ser alienados. Desta forma, os bens dominicais, ainda que sejam bens públicos, seguem as regras dos bens particulares, com algumas modificações operadas em sede de legislação especial, como a Lei de Licitações (Lei n. 8.666/93). Osartigos100e101doCódigodispõemqueainalienabilidade, que é peculiar dos bens públicos, somente poderá ser afastada por lei, que por sua vez retira do bem a função pública à qual este se liga. A tal procedimento dá-se o nome de desafetação. Quando um bem dominical for utilizado para uma finalidade pública, ele será tratado como bem público, portanto, inalienável, em razão de sua afetação a uma função eminentemente pública. A afetação não depende de lei. Os bens públicos, desde a vigência do Código Civil de 1916, não podem ser objetos de usucapião, visto serem inalienáveis. Tal entendimento também é expresso na Constituição Federal e na Súmula nº 340 do Supremo Tribunal Federal. Em síntese: ocorre a desafetação quando a lei autoriza a venda de um bem público, desligando-o da função pública a que ele serve. Ocorre a afetação quando o bem dominical passa a ser utilizado como bem público. No que diz respeito à imprescritibilidade, essa característica atinge às três espécies de bens públicos, de modo que nenhum bem público estará sujeito à usucapião (art. 102, CC e arts. 183, § 3º e 191, p.ú., CF/88). 4. Do Bem de Família A respeito do Bem de Família, Mônica Queiroz classifica-o afirmando que: “Dois são os sistemas que coexistem em nosso ordenamento jurídico acerca do bem de família: o convencional e o legal. O convencional é o sistema estatuído no CC nos arts. 1.711 a 1.722. O sistema legal é regulamentado pela Lei nº 8.009/90. 4.1 Bem de Família Convencional: a) Regramento Legal: o bem de família convencional é tra- tado no CC/2002 nos arts. 1.711 a 1.722. b) Natureza Jurídica: a natureza jurídica do bem de famí- lia convencional se reduz a uma forma de afetação de bens com o fito de salvaguardar a dignidade humana dos membros da família. c) Formação: para se constituir bem da família convencio- nal é necessário que os cônjuges ou a entidade familiar, mediante escritura pública ou testamento, destinem parte de seu patrimônio para instituir o bem de família. E ainda, o terceiro poderá também instituir bem de família por meio de testamento ou doação. d) Eficácia: para que a instituição de um bem de família convencional possa produzir seus efeitos é necessário que haja o registro de seu título no Registro de Imóveis, quer tenha sido instituído pelos cônjuges ou por terceiro (art. 1.714, CC). Nessa última hipótese, a eficácia do ato, além da exigência do registro, submete-se também à aceitação expressa de ambos os cônjuges ou da entidade familiar beneficiada (art. 1.711, p.ú., CC). e) Objeto: o bem de família consistirá em prédio residen- cial urbano ou rural, com os seus acessórios. No CC/2002 poderá abranger valores mobiliários (exs.: créditos, ações, debêntures, títulos negociáveis) além do prédio residencial, cuja renda será aplicada na conservação do imóvel e no sustento da família, ob- servadas as regras estabelecidas no art. 1.713 do CC. f) Limite: o patrimônio reservado a título de bem de famí- lia não poderá exceder a um terço do patrimônio líquido da famí- lia, existente à época de sua instituição. Caso exceda a esse limite, a instituição não produzirá efeitos. Em se tratando de o bem de família abarcar também valores mobiliários, esses não poderão exceder o valor do prédio instituído em bem de família. g) Consequências ou Efeitos: a grande consequência da instituição de um bem de família é que este ficará isento de execu- ção por dívidas posteriores à sua instituição. Assim, a imunidade existirá somente em relação às dívidas surgidas posteriormente ao bem de família, de modo que a proteção não incidirá às dividas anteriores. Insta salientar que existem duas exceções trazidas pela lei que, mesmo se tratando de dívidas posteriores à instituição do bem de família, o patrimônio reservado não estará protegido e, portanto, poderá ser alvo de execução. As duas exceções são: os tributos relativos ao prédio (exs.: IPTU, ITR, contribuições de melhoria, taxas) e as despesas do condomínio. Havendo a exe- cução por uma dessas duas hipóteses, o saldo remanescente será aplicado em outro prédio como bem de família, ou em títulos da dívida pública, para sustento familiar, salvo se motivos relevantes aconselharem outra solução, a critério do juiz (art. 1.715, p.ú., CC). Então, a primeira consequência da instituição do bem de família convencional, nós podemos reduzir a uma palavra: impe- nhorabilidade. Salvo em se tratando de dívidas anteriores ao bem de família e das duas exceções retro mencionadas, aquele bem se torna impenhorável. Outra também importante consequência é a inalienabilidade. O bem de família, portanto, não poderá ser alienado. Para que haja a alienação do bem tornar-se-á necessá- rio o consentimento dos interessados e seus representantes legais, sendo ouvido o Ministério Público (art. 1.717, CC).
  • 34.
    Didatismo e Conhecimento32 DIREITO CIVIL h) Duração temporal: a instituição do bem de família se prolonga enquanto viver um dos cônjuges ou, na falta destes, até que os filhos completem a maioridade, desde que não sejam maiores incapazes e sujeitos à curatela (art. 1.716 c/c art. 1.722, ambos do CC). Caso espontaneamente os interessados pretendam colocar fim ao bem de família instituído, deverão requerer ao juiz da Vara de Família, que, após ouvir o Ministério Público, apre- ciará a justificativa apresentada. Insta lembrar que a dissolução da sociedade conjugal não é capaz de extinguir o bem de família. Se a dissolução da sociedade conjugal se der por falecimento de um dos cônjuges, o sobrevivente poderá requerer a desafetação daquele bem, e, por conseguinte, a extinção do bem de família, se for o único bem do casal (art. 1.721, CC). 4.2 Bem de Família Legal (Lei nº 8.009/90) a) Regramento Legal: o bem de família legal – ou a impenhorabilidade do imóvel residencial – está previsto e disciplinado na Lei nº 8.009/90. b) Natureza Jurídica: a natureza jurídica do bem de família legal se reduz a uma forma de afetação de bens com o fito de salvaguardar a dignidade humana dos membros da família. c) Formação e Eficácia: o bem de família legal existe independentemente de formalidades legais, e produz seus efeitos sem necessidade de qualquer registro. d) Objeto e Limite: de acordo com o art. 1º da lei nº 8.009/90: “O imóvel residencial próprio do casal, ou da entidade familiar, é impenhorável e não responderá por qualquer tipo de dívida civil, comercial, fiscal, previdenciária ou de outra natureza, contraída pelos cônjuges ou pelos pais ou filhos que sejam seus proprietários e nele residam, salvo nas hipóteses previstas nesta lei.” Não apenas o casal ou a entidade familiar se encontram protegidos pela impenhorabilidade da lei, o STJ entende que aquele que reside solitariamente em um imóvel também tem direito à proteção (Súmula 364, STJ): “O conceito de impenhorabilidade de bem de família abrange também o imóvel pertencente a pessoa solteiras, separadas e viúvas”. O objeto, portanto, é o imóvel que tenha por finalidade se prestar à residência de alguém. Não há limitações exigidas em lei, basta que o imóvel seja residencial. Além disso, conforme o parágrafo único do art. 1º: “A impenhorabilidade compreende o imóvel sobre o qual se assentam a construção, as plantações, as benfeitorias de qualquer natureza e todos os equipamentos, inclusive os de uso profissional, ou móveis que guarnecem a casa, desde que quitados.” A regra é que o imóvel que tenha por finalidade se prestar à residência de alguém é que merece proteção e, por conseguinte, os bens móveis que o guarnecem. Por fim, lembramos que caso os interessados possuam mais de um imóvel, será considerado como bem de família o de menor valor, ainda que estejam residindo em outro, exceto caso tenha havido instituição de bem de família convencional pelas regras do Código Civil sobre o imóvel de maior valor (art. 5º, p.ú., Lei nº 8.009/90). e) Consequência ou Efeito: haverá a impenhorabilidade do imóvel residencial. Destarte, o imóvel residencial, inclusive os móveis que o guarnecem serão protegidos contra eventual penhora. Vale lembrar que, aquele que, sabendo-se insolvente, adquire de má-fé imóvel mais valioso para transferir a residência familiar, independentemente de ter se desfeito ou não do imóvel anterior, não será protegido pela impenhorabilidade trazida pela lei (art. 4º, Lei nº 8.009/90). Nessa situação, poderá o juiz, na própria ação do credor, devolver a impenhorabilidade para a residência anterior, ou anular-lhe a venda, caso ela tenha sido vendida e liberar a mais valiosa para a penhora. f) Bens excluídos da impenhorabilidade: embora o imóvel residencial e os móveis que o guarnecem estejam protegidos pela lei, é expressa a possibilidade de haver penhora incidente sobre veículos de transporte, obras de arte e adornos suntuosos (art. 2º, Lei nº 8.009/90). Em se tratando de veículos de transporte, deve-se observar que se está diante de um instrumento de trabalho, caso em que não poderá haver penhora por proibição expressa prevista no CPC, art. 649, V. g) Exceções da Lei nº 8.009/90: o art. 3º dispõe, em rol taxativo, as obrigações que não estão protegidas sob o manto da impenhorabilidade. In verbis, as exceções da lei: I) Em razão de créditos de trabalhadores da própria residência e das respectivas contribuições previdenciárias. Aqui se encontram os trabalhadores da residência exclusivamente. Em se tratando de crédito de empregado de um condomínio edilício não há possibilidade de penhora do imóvel residencial, posto que a dívida é pertencente ao condomínio. II) Pelo titular do crédito decorrente do financiamento destinado a construção ou à aquisição do imóvel, no limite dos créditoseacréscimosconstituídosemfunçãodorespectivocontato. Essa hipótese se justifica como meio de evitar o enriquecimento ilícito daquele que construiu o imóvel utilizando-se de recurso alheiros. III) Pelo credor de pensão alimentícia. Quando o crédito alimentício decorrer de relações familiares, indiscutível se mostra a possibilidade de penhora do imóvel residencial do devedor. Porém, em se tratando de alimentos indenizatórios fixados por ocasião de reparação civil, a questão não se mostra pacífica na doutrina. IV) Para cobrança de imposto, predial ou territorial, taxas e contribuições devidas em função do imóvel familiar. Em relação às despesas condominiais, a lei foi omissa. Assim, a conclusão mais acertada, em se tratando de rol taxativo e que deva ser interpretado restritivamente, é de que a despesa condominial não é exceção que submete à penhora o imóvel residencial. Entretanto, não é isso que o STJ vem entendendo de maneira pacífica, sobretudo após a entrada em vigor do CC/2002, que admite a possibilidade de penhora do bem de família convencional para o pagamento de dívida condominial (REsp. 1.100.087/MG, DJ 03/06/2009). V) Para execução de hipoteca sobre o imóvel oferecido como garantia real pelo casal ou pela entidade familiar. Nessa hipótese, o bem foi dado voluntariamente em garantia pelos seus titulares para aquela dívida. A instituição da garantia real só libera o bem para a execução daquela dívida a qual o bem garantia, e não qualquer outra. VI) Por ter sido adquirido com produto de crime ou para a execução de sentença penal condenatória a ressarcimento, indenização ou perdimento de bens. Neste ponto, a lei quer ressaltar que o patrimônio lícito é que é alvo de proteção pela lei. VII)Porobrigaçãodecorrentedefiançaconcedidaemcontrato de locação. Esse item foi acrescentado pela Lei nº 8.245/91 e, na nossa opinião, se apresenta de todo inconstitucional por ferir o princípio da isonomia. Porém o STF tem se manifestado pela constitucionalidade do referido inciso: (...).” César Fiuza esclarece que para a Lei 8.245/91 (Lei do Inquilinato), “se o inquilino não pagar os aluguéis ou demais encargos, e não tiver como pagar, o fiador será responsabilizado, e seu imóvel residencial poderá ser penhorado. A regra é absurda e, a nosso ver, ilegítima e inconstitucional. O imóvel do próprio inquilino, caso tenha um, é impenhorável, enquanto o do fiador responderá pela dívida, que, diga-se de passagem, não lhe é própria. Vê-se, aqui, atentado contra os princípios da justiça material e da isonomia, corolários de nossa Constituição e, via de consequência, de nosso ordenamento jurídico.”
  • 35.
    Didatismo e Conhecimento33 DIREITO CIVIL LIVRO II DOS BENS TÍTULO ÚNICO Das Diferentes Classes de Bens CAPÍTULO I Dos Bens Considerados em Si Mesmos Seção I Dos Bens Imóveis Art. 79. São bens imóveis o solo e tudo quanto se lhe incor- porar natural ou artificialmente. Art. 80. Consideram-se imóveis para os efeitos legais: I - os direitos reais sobre imóveis e as ações que os asse- guram; II - o direito à sucessão aberta. Art. 81. Não perdem o caráter de imóveis: I - as edificações que, separadas do solo, mas conservando a sua unidade, forem removidas para outro local; II - os materiais provisoriamente separados de um prédio, para nele se reempregarem. Seção II Dos Bens Móveis Art. 82. São móveis os bens suscetíveis de movimento pró- prio, ou de remoção por força alheia, sem alteração da subs- tância ou da destinação econômico-social. Art. 83. Consideram-se móveis para os efeitos legais: I - as energias que tenham valor econômico; II - os direitos reais sobre objetos móveis e as ações cor- respondentes; III - os direitos pessoais de caráter patrimonial e respec- tivas ações. Art. 84. Os materiais destinados a alguma construção, en- quanto não forem empregados, conservam sua qualidade de móveis; readquirem essa qualidade os provenientes da demo- lição de algum prédio. Seção III Dos Bens Fungíveis e Consumíveis Art. 85. São fungíveis os móveis que podem substituir-se por outros da mesma espécie, qualidade e quantidade. Art. 86. São consumíveis os bens móveis cujo uso impor- ta destruição imediata da própria substância, sendo também considerados tais os destinados à alienação. Seção IV Dos Bens Divisíveis Art. 87. Bens divisíveis são os que se podem fracionar sem alteração na sua substância, diminuição considerável de valor, ou prejuízo do uso a que se destinam. Art. 88. Os bens naturalmente divisíveis podem tornar-se indivisíveis por determinação da lei ou por vontade das partes. Seção V Dos Bens Singulares e Coletivos Art. 89. São singulares os bens que, embora reunidos, se consideram de per si, independentemente dos demais. Art. 90. Constitui universalidade de fato a pluralidade de bens singulares que, pertinentes à mesma pessoa, tenham des- tinação unitária. Parágrafo único. Os bens que formam essa universalidade podem ser objeto de relações jurídicas próprias. Art. 91. Constitui universalidade de direito o complexo de relações jurídicas, de uma pessoa, dotadas de valor econômico. CAPÍTULO II Dos Bens Reciprocamente Considerados Art. 92. Principal é o bem que existe sobre si, abstrata ou concretamente; acessório, aquele cuja existência supõe a do principal. Art. 93. São pertenças os bens que, não constituindo partes integrantes, se destinam, de modo duradouro, ao uso, ao servi- ço ou ao aformoseamento de outro. Art. 94. Os negócios jurídicos que dizem respeito ao bem principal não abrangem as pertenças, salvo se o contrário re- sultar da lei, da manifestação de vontade, ou das circunstân- cias do caso. Art. 95. Apesar de ainda não separados do bem principal, os frutos e produtos podem ser objeto de negócio jurídico. Art. 96. As benfeitorias podem ser voluptuárias, úteis ou necessárias. § 1o São voluptuárias as de mero deleite ou recreio, que não aumentam o uso habitual do bem, ainda que o tornem mais agradável ou sejam de elevado valor. § 2o São úteis as que aumentam ou facilitam o uso do bem. § 3o São necessárias as que têm por fim conservar o bem ou evitar que se deteriore. Art. 97. Não se consideram benfeitorias os melhoramentos ou acréscimos sobrevindos ao bem sem a intervenção do pro- prietário, possuidor ou detentor. CAPÍTULO III Dos Bens Públicos Art. 98. São públicos os bens do domínio nacional perten- centes às pessoas jurídicas de direito público interno; todos os outros são particulares, seja qual for a pessoa a que pertencerem. Art. 99. São bens públicos: I - os de uso comum do povo, tais como rios, mares, estra- das, ruas e praças; II - os de uso especial, tais como edifícios ou terrenos des- tinados a serviço ou estabelecimento da administração federal, estadual, territorial ou municipal, inclusive os de suas autar- quias; III - os dominicais, que constituem o patrimônio das pesso- as jurídicas de direito público, como objeto de direito pessoal, ou real, de cada uma dessas entidades. Parágrafo único. Não dispondo a lei em contrário, consi- deram-se dominicais os bens pertencentes às pessoas jurídicas de direito público a que se tenha dado estrutura de direito pri- vado. Art. 100. Os bens públicos de uso comum do povo e os de uso especial são inalienáveis, enquanto conservarem a sua qualificação, na forma que a lei determinar. Art. 101. Os bens públicos dominicais podem ser aliena- dos, observadas as exigências da lei. Art. 102. Os bens públicos não estão sujeitos a usucapião.
  • 36.
    Didatismo e Conhecimento34 DIREITO CIVIL Art. 103. O uso comum dos bens públicos pode ser gratuito ou retribuído, conforme for estabelecido legalmente pela enti- dade a cuja administração pertencerem. FATOS E ATOS JURÍDICOS (MODALIDADES, VALIDADE E DEFEITOS). DOS FATOS JURÍDICOS 1.1 Considerações Iniciais Em primeiro lugar, segundo Maria Amália F. P. Alvarenga, “cumpre consignar que a denominação “Dos Fatos Jurídicos” foi mantida pelo Código Civil de 2002, pois representa, justamente, a correspondência entre o fato e a norma. Os acontecimentos que rodeiam a vida humana precisam “tocar” o direito para que se qualifiquem como jurídicos. Esses acontecimentos, que repercu- tem no direito ainda que de forma negativa, são considerados fa- tos jurídicos. O Direito valora os fatos e, por meio das normas jurídicas, erige à categoria de fato jurídico aqueles que têm relevância para as relações intersubjetivas humanas, uma vez que, não são todos os fatos que têm relevância para o mundo jurídico. Em outras pa- lavras, para que um fato seja considerado um fato jurídico é mis- ter que haja uma norma pertencente a um determinado sistema jurídico que atribua um efeito jurídico a esse fato. “A importância dos fatos jurídicos sobreleva-se exatamente porque são eles os fatos relevantes no mundo jurídico e os seus efeitos se traduzem na aquisição, conservação, transferência, mo- dificação e extinção de direitos”, segundo Mônica Queiroz. Assim, a norma jurídica, ao atuar sobre os fatos que com- põem o mundo, atribui-lhes consequências específicas, denomina- das efeitos jurídicos, em relação aos homens (pela causalidade normativa). Em síntese, pode-se afirmar que o mundo jurídico seleciona fatos da vida, que passam a integrá-lo, a constituí-lo, em virtude da incidência da norma jurídica sobre esses fatos. É nesse fio de raciocínio que Lourival Vilanova pondera: “O direito é um pro- cesso dinâmico de juridicização e desjuridicização de fatos, con- soante as valorações que o sistema imponha, ou recolha, como dado social (as valorações efetivas da comunidade que o legisla- dor acolhe e as objetiva como normas impositivas).” Alguns fatos do mundo entram duas ou mais vezes no mun- do jurídico, ou seja, há fatos do mundo que correspondem a dois ou mais fatos jurídicos. A explicação disso está em que o fato do mundo continua a integrar esse conjunto (conjunto dos fatos que compõem o mundo) e é determinado no espaço e no tempo, em que pese haver adentrado uma ou mais vezes no mundo jurídico, ou seja, como exemplo podemos citar: “a morte de A abre a sucessão de A, dissolve a comunhão de bens entre A e B, dissolve a socie- dade A & Companhia, exclui A da lista de sócios do Jockey Club e de professor do Instituto de Biologia ou de membro do corpo diplomático. 1.2 Classificação dos Fatos Jurídicos. Os fatos jurídicos podem decorrer da natureza ou da atuação do homem. Os fatos jurídicos que decorrem da simples manifesta- ção da natureza, e acabam por repercutir no mundo jurídico, são conhecidos por fatos jurídicos em sentido estrito (stricto sensu) ou fatos naturais. Estes, por sua vez, poderão se dividir em ordi- nários e extraordinários. Os fatos jurídicos em sentido estrito ordinários são aqueles que ocorrem previsível e corriqueiramente (fato independente da vontade humana) que suscita efeitos jurídicos, como, por exemplo: a morte, a maioridade, o nascimento, decurso do tempo, entre outros. Os fatos jurídicos em sentido estrito extraordinários, que são acontecimentos inesperados, são os fatos que se vinculam ao caso fortuito e à força maior, como, por exemplo, um terremoto, uma enchente, um furacão etc. Porém, como vimos, o evento poderá decorrer da atuação do homem. Todos sabem que o homem ao agir poderá perpetrar uma ação lícita ou ilícita, das quais ambas as ações humanas criam, transferem, modificam, ou extinguem direitos e obrigações. Às ações lícitas praticadas pelo homem dá-se o nome de ato jurídico em sentido amplo (lato sensu), que, por sua vez, poderá ser um ato jurídico em sentido estrito, ato-fato jurídico ou um negócio jurídico. Já às ações ilícitas praticadas pelo homem dá-se o nome de atos ilícitos. Os Atos Jurídicos em sentido estrito: representam uma mera submissão do agente ao ordenamento jurídico, ou seja, é a prá- tica de um ato por manifestação de uma simples intenção, cujo efeito está predeterminado na lei. Como exemplos de ato jurídico em sentido estrito podemos citar o reconhecimento de um filho, a adoção etc. Em todas essas hipóteses, os efeitos não decorrem da vontade do manifestante, mas da lei. O ato-fato jurídico: é um fato resultante de um ato, sem levar em consideração a vontade de praticá-lo. Ressalta-se a conse- quência do ato. Muitas vezes o efeito não é buscado nem imagi- nado pelo agente, mas é sancionado pela lei em virtude de uma conduta, independentemente de sua vontade. Cite-se o exemplo da pessoa que acha casualmente um tesouro (art. 1.264 do CC), e fica com a metade dele, independentemente de ter ou não querido achá-lo. Os Negócios Jurídicos: o CC/2002 dedica-se, nos arts. 104 a 184, a trabalhar o negócio jurídico. Trata-se, pois, da manifesta- ção da vontade que busca a produção de efeitos jurídicos. Esses efeitos jurídicos, ao revés dos efeitos dos atos jurídicos em sentido estrito, são também aqueles pretendidos pelas partes, e não so- mente os decorrentes da lei. Aqui, percebe-se o negócio jurídico como decorrente da autonomia privada. O exemplo comumente lembrado de negócio jurídico é o próprio contrato, em que as par- tes deixam transparecer as suas vontades e os efeitos surgem dali, da própria vontade das partes. Assim, pode-se dizer que o negócio jurídico se realiza me- diante a manifestação de uma vontade qualificada, que expressa intuito e finalidade negocial entre as partes. Ou seja, precisa ha- ver entre as partes a pretensão de adquirir, conservar, modificar, ou extinguir direitos com a realização do negócio. No negócio ju- rídico há uma composição de interesses, um regramento bilateral de condutas, como ocorre na celebração de contratos. Em suma, fato jurídico é todo acontecimento da vida que o ordenamento jurídico considera relevante no campo do Direito, que cria direitos e obrigações, possíveis de serem exigidos nas relações humanas, e que pode ser decorrente de fatos naturais ou
  • 37.
    Didatismo e Conhecimento35 DIREITO CIVIL humanos. Os fatos naturais são classificados em ordinários e ex- traordinários, sendo mera manifestação da natureza. Os fatos hu- manos se subdividem em ilícitos e lícitos. Os atos lícitos compor- tam três divisões: negócio jurídico, ato jurídico em sentido estrito e ato-fato jurídico. Do exposto acima, têm-se o esquema a seguir para melhor compreensão: 1.3 Do Suporte Fático O suporte fático é elemento essencial no estudo da juridicida- de, considerando que é a previsão, pela norma jurídica, da hipó- tese fática condicionante da existência do fato jurídico. Assim, o suporte fático é um fato, seja evento ou conduta, que poderá ocor- rer no mundo e que, por ter sido considerado relevante, tornou-se objeto da normatividade jurídica. Do exposto, torna-se evidente que suporte fático é um con- ceito do mundo dos fatos e não do mundo jurídico, uma vez que somente depois da concretização dos seus elementos (ocorrência no mundo dos fatos) é que, pela incidência da norma, surgirá o fato jurídico, a partir de quando será possível falar-se em concei- tos jurídicos. Importante ressaltar que há duas conotações a serem consi- deradas quando se fala em suporte fático: a) enquanto considerado apenas como enunciado lógico da norma jurídica, dá-se o nome de suporte fático hipotético ou abs- trato, uma vez que existe, somente, como hipótese prevista pela norma sobre a qual, se ocorrer, dar-se-á a sua incidência; b) quando já materializado, isto é, quando o fato previsto como hipótese concretiza-se no mundo fático, denomina-se supor- te fático concreto. Assim, as palavras fato (real), suporte fático e fato jurídico representam diferentes conceitos. Como elemento diferenciador, entre o fato em si mesmo considerado e o suporte fático, há o ele- mento valorativo. Nesse sentido, merece ser trazida à colação a li- ção de Marcos Bernardes, consubstanciada no seguinte exemplo: “A morte, por exemplo, somente compõe suporte fático quando conhecida, porque a sua prova constitui elemento que se integra ao fato real para constituí-lo em suporte fático. Só a morte conhe- cida interessa à comunidade e a juridicidade só existe em razão da intersubjetividade. Se alguém desaparece de seu domicílio e dele não se tem notícia, é considerado ausente, abrindo-se a sucessão provisória de seus bens, decorrido um certo tempo. Pode ocorrer que, de fato, aquela pessoa esteja morta. Mas, se da morte não se tem conhecimento, ela é considerada apenas ausente, para os fins do direito, e não morta, até que se faça a prova de sua morte, ou seja, considerada presuntivamente morta. Tudo se passa em sua esfera jurídica como se viva estivesse. Assim, a morte é fato e a morte conhecida é suporte fático.” 1.4 Da Eficácia dos Fatos Jurídicos É a ordem jurídica que diz quais os efeitos a serem conferidos aos fatos. E, neste sentido, pode-se falar de eficácia dos fatos. Em outras palavras, constata-se, na realidade fática, que se um certo e determinado fato ocorrido no mundo real é capaz de produzir dados efeitos que interessam à esfera jurídica, tal fato é dotado de eficácia. Ou seja, existe aí a eficácia do fato. Assim, pode-se afirmar que o fato é jurídico quando contém em si razão suficiente para ser eficaz. Por outro lado, como uma recíproca indissolúvel, só o fato passível de ser conotado eficaz acarreta efeitos jurídicos. E tais efeitos apresentam-se como sendo certos direitos, certos poderes. São direitos de receber uma coisa, objeto de um contrato de com- pra e venda; são poderes de estabelecer certos atos, de instituir determinadas relações, entre outros. A eficácia jurídica é o que se produz no mundo do Direito como decorrência dos fatos jurídicos. Porém, é de se observar que não é ao suporte fático que corresponde a eficácia. “Os elementos do suporte fático são pressupostos do fato jurídico; o fato jurídico é o que entra, do suporte fático, no mundo jurídico, mediante a incidência da regra jurídica sobre o suporte. A relação que se estabelece entre o fato e o efeito é imediata, instantânea. Ocorrido o fato no mundo real, o efeito de pronto se configura. Todavia, não se pode olvidar que há inúmeros exemplos em que o fato ocorre e o efeito esperado não lhe é imediato. É o caso daquelas hipóteses em que um dos elementos necessários à constituição do ato não se verificou, não se fez presente. Quando isso ocorre, diz-se que o fato está incompleto. Por outro lado, casos há em que certo requisito de eficácia não se pro- duziu. Em tais casos, os fatos podem ser denominados de imper- feitos. Contudo, seguindo a ordem normal das coisas, o fato jurídico visa a desenvolver eficácia. Apesar de distintos os conceitos de fato e eficácia, ambos pos- suem pontos de semelhança. A partir da observação da realidade fática, observa-se que inexiste conduta de natureza jurídica que não tenha sido ditada em face de uma certa circunstância, de uma ocorrência do mundo exterior. Dito de outra forma, o mundo do ser indica-nos que não há Direito sem uma subjacente realidade fática cuja existência é verificada no dia a dia. Como corolário, pode-se afirmar que, mesmo os denominados direitos absolutos, ou seja, os direitos relativos à personalidade humana, o direito à vida, ao nome, à nacionalidade, entre outros, mesmo esses, não têm existência dissociada dos fatos. Ou seja, ainda em tais hipóteses, o fato condiciona o Direito. Os direitos absolutos existem porque a realidade social, fá- tica, valorou-os como indispensáveis à vida da coletividade. Eles não são fruto, pura e simplesmente, de idéias. Eles existem e são reputados vitais, porque a sociedade sentiu, no cotidiano, a neces- sidade de valorá-los. 1.5 Da Incidência da Norma Jurídica A incidência é o efeito da norma jurídica de transformar em fato jurídico a parte do seu suporte fático que o Direito considerou relevante para ingressar no mundo jurídico. Só após o surgimento do fato jurídico, em decorrência da incidência, é que se poderá falar de situações jurídicas e de todas as demais espécies de efei- tos jurídicos.
  • 38.
    Didatismo e Conhecimento36 DIREITO CIVIL Diante do exposto, é possível chegar-se à seguinte conclu- são: nem à norma jurídica sozinha, nem ao fato sem a incidência, pode-se atribuir qualquer efeito jurídico. Assim, o fato, enquanto apenas fato, e a norma jurídica, en- quanto não se realizarem seus pressupostos de incidência (suporte fático), não tem qualquer efeito vinculante relativamente aos ho- mens. Sobre tal aspecto, é oportuno destacar-se a lição de Emílio Betti quanto ao significado da parêmia latina ex facto oritur ius (o direito nasce do fato): “Quer dizer-se com ela que a lei, só por si, não dá nunca vida a novas situações jurídicas, se não se verifica- rem alguns fatos por ela previstos: não porque o fato se trans- forme em direito, mas porque é uma situação jurídica preexistente que se converte, com o sobrevir de um dado fato, numa situação jurídica nova. A nova situação jurídica estabelecida pela norma não se produz enquanto não se verificar, inteiramente, a hipótese de fato, a fattispecie, que é o seu pressuposto.” DO ATO JURÍDICO EM SENTIDO AMPLO (lato sensu) Se alguma norma jurídica incidir sobre os atos humanos, essa incidência torná-los-ão atos jurídicos. Só assim passam a ter efi- cácia jurídica. Nesse passo, pode-se afirmar que o ato humano cuja importância restrinja-se às relações de cortesia, ou que só é objeto de apreciação moral, não é ato jurídico. No entanto, merece ressalva o seguinte aspecto: é mister que a norma jurídica incida sobre o ato humano e não sobre a consequência de tal ato. Nesse sentido, destaca-se a lição de Pontes de Miranda: “Se destruo o objeto, não pratico ato jurídico, de que resulte o perecimento do objeto: sou causa de fato, que é o perecimento, e o perecimento é que é fato jurídico, acontecimento, e não ato jurídico.” Assim, por ato jurídico entenda-se o fato jurídico cujo suporte fático tenha como cerne uma exteriorização consciente da vonta- de, dirigida a obter um resultado juridicamente protegido ou não proibido e possível. A partir desse conceito, é possível destacar os seguintes elementos que o integram: a) o ato humano volitivo, correspondendo a uma conduta que representa uma exteriorização da vontade, mediante declaração ou manifestação, conforme a espécie, que constitua uma conduta juridicamente relevante e, por isso, prevista como suporte fático da norma jurídica; b) a necessidade de que essa exteriorização seja consciente, ou seja, que o sujeito que manifesta ou declara a vontade o faça com o intuito de realizar aquela conduta juridicamente relevante; c) que esse ato tenha por finalidade a obtenção de um resul- tado possível e protegido, ou pelo menos não proibido (permitido) pelo Direito. Do exposto, resulta evidente que, para o Direito, apenas a vontade exteriorizada é considerada hábil para compor o suporte fático do ato jurídico. A vontade não externada, que permanece como reserva mental, não comporá o suporte fático do ato jurí- dico. Porém, há situações, como no dolo, na ignorância, no erro, em que os elementos volitivos internos constituem elementos do suporte fático de norma jurídica (não de ato jurídico). Quanto ao aspecto formal da exteriorização da vontade, em outras palavras, no que pertine à forma como a vontade é exte- riorizada, distinguem-se manifestação de vontade e declaração de vontade. Nesse diapasão, a manifestação de vontade revela-se por meio do mero comportamento do indivíduo, em que pese esse comportamento ser concludente. Já as declarações de vontade são manifestações explícitas da vontade. Para ilustrar essa distinção, pode-se lançar mão do seguinte exemplo: Se alguém lança ao lixo determinado objeto, manifesta sua vontade de abandoná-lo; se, de forma diversa, comunica às pessoas de seu convívio que vai lançar o objeto no lixo, declarou a sua vontade de abandoná-lo, não somente manifestou sua vontade. O ato jurídico tem por objeto uma atribuição de cunho práti- co que a ordem jurídica alberga e protege. Essa atribuição cons- titui o objeto do ato jurídico e se caracteriza pela eficácia que as normas jurídicas lhe imputam. Por outros símbolos, o ato jurídico é aquele do qual decorra, ou haja a possibilidade de decorrer, uma atribuição jurídica caracterizada pela possibilidade de alteração da esfera jurídica daqueles que figuram no ato jurídico. Ou seja, o ato jurídico, via de regra, é eficaz. No entanto, caso o ato jurídico dependa de uma condição suspensiva, ele só será eficaz, isto é, só produzirá efeitos se a condição vier a se concretizar. DOS NEGÓCIOS JURÍDICOS 1.1 Definição Como definição do Negócio Jurídico, Silvio Rodrigues aponta que: “No título I do Livro III, trata o legislador do Negócio Jurí- dico, isto é, daquele ato lícito da vontade humana, capaz de gerar efeitos na órbita do direito. O ordenamento jurídico representa uma prerrogativa que o ordenamento jurídico confere ao indivíduo capaz de, por sua von- tade, criar relações a que o direito empresta validade, uma vez que se conformem com a ordem social. A vontade procura um fim que não destoa da lei e que, por esse motivo, obtém dela a eficácia necessária. O fim da declaração é produzir efeitos jurídicos imediatos, e, dada a liceidade do propósito, tais efeitos são efetivamente gera- dos. A esse princípio se chama autonomia da vontade. Representa a medida na qual o direito positivo reconhece aos indivíduos a possibilidade de praticar atos jurídicos, produzindo seus efeitos. Uma vez estabelecida uma relação jurídica, por convenção entre os particulares, legalmente constituída, a lei lhe empresta sua força coercitiva e ela se torna obrigatória. Alguns códigos dizem que tal convenção tem força de lei. É o princípio do pacta sunt servanda, o qual, embora muito atacado nos últimos tempos, e a despeito das exceções que nele se insinuam, continua a reger as relações privadas, pois, efetivamente e como ponto de partida, as convenções ente os particulares são válidas e geram efeitos, sempre que não colidirem com a lei de ordem pública. Verdade que, como aponta Julliot de La Morandière, os preceitos de ordem pública se multiplicam, limitando, cada vez mais, o âmbito da au- tonomia da vontade.” Continuando, César Fiuza define Negócio Jurídico como: “... toda ação humana combinada com o ordenamento jurídico, volta- da a criar, modificar ou extinguir relações ou situações jurídicas, cujos efeitos vem mais da atuação individual do que da lei. (...) A vontade, condicionada à satisfação de necessidades ou de- sejos, é a principal fonte de efeitos. Trocando em palavras mais claras, negócios jurídicos são atos destinados à produção de efei- tos jurídicos, desejados pelo agente e tutelados pela Lei. (...) (...). Daí se dizer que os negócios jurídicos se baseiam em vontade de resultado (...). Por exemplo, em contrato de locação, as partes, locador e locatários, se reúnem e celebram o negócio, pac- tuando todas as cláusulas e efeitos do contrato. A lei nada mais faz do que estabelecer algumas regras, procurando aparar possíveis arestas e proteger a vontade manifesta no contrato. Os efeitos des- te contrato não são produto inteiro da Lei, mas, principalmente, da vontade das partes contratantes.
  • 39.
    Didatismo e Conhecimento37 DIREITO CIVIL Dessarte, negócio jurídico é toda ação humana, voluntária e lícita que, condicionada por necessidades ou desejos, acha-se voltada para a obtenção de efeitos desejados pelo agente, quais sejam, criar, modificar ou extinguir relações ou situações jurídi- cas, dentro de uma perspectiva de autonomia privada, ou seja, de autorregulação dos próprios interesses. Segundo César Fiuza. 1.2 Da Interpretação dos negócios Jurídicos A parte geral do Código Civil trata da interpretação do negó- cio jurídico nos arts. 111 a 114. Segundo Mônica Queiroz e Maria Amália F. P. Alvarenga: “O vetor a nos orientar, em se tratando da interpretação do negócio jurídico, é a boa-fé objetiva, que impõe a lealdade das partes, sem nos esquecermos do atendimento aos usos do local em que o negócio jurídico foi celebrado. Preleciona o art. 113, ao impor que “os negócios jurídicos devem ser interpretados conforme a boa-fé e os usos do lugar de sua celebração”. A boa-fé aqui mencionada é a boa-fé objetiva, que nos remete à probidade ínsita ao negócio celebrado, como princípio basilar da vida dos negócios, é dever de cada parte con- tratante agir de forma a não defraudar a confiança da outra parte, para que ambos possam alcançar os objetivos previstos e intencio- nados por cada um. Duas são as teorias mais importantes que versam sobre a in- terpretação do ato negocial: a) Teoria da Vontade Subjetiva ou Voluntarística: impõe que a intenção das partes deve prevalecer sobre a vontade mani- festada no acordo celebrado. b) Teoria Objetiva ou da Declaração: impõe a prevalência das palavras expostas no negócio, desprezando a real vontade in- terna dos declarantes. O código Civil de 2002 em seu art. 112 estabelece: “Nas declarações de vontade se atenderá mais à intenção nelas consubstanciada do que o sentido literal da linguagem.” A parte essencial do negócio jurídico é a manifestação de vontade, e essa vontade precisa ser esclarecida, interpretada, pra que possa fixar o real conteúdo do negócio. O dispositivo deste artigo vem afirmar que quando o intérprete do ato negocial for analisá-lo, deverá ater-se não ao exame literal ou restritamente a seus termos, mas sim fixar-se na vontade, procurar suas conseqüências jurídicas, indagando a intenção dos contratantes, sem se prender ao sentido lingüístico do ato negocial. Então, caberá ao intérprete investigar a real intenção dos contratantes, já que a declaração de vontade somente terá significado se realmente a vontade existe, pois o que importa é a vontade real e não a declarada. O art. 111 do CC preconiza que “o silêncio importa anuência, quando as circunstâncias ou os usos o autorizarem, e não for necessária a declaração de vontade expressa”. O silêncio aqui consignado não pode ser confundido com a declaração de vontade tácita, uma vez que essa não se traduz necessariamente em um silêncio, podendo se dar de maneira grafada ou verbalizada. O silêncio, então, se reduziria á inércia propriamente dita do agente. Exemplo típico ocorre na doação pura e simples; em observando as peculiaridades do caso concreto, podemos entender pela aceitação com o simples silêncio do donatário. O silencio poderá importar em manifestação de vontade se não for necessária a declaração de vontade expressa, ou seja, a declaração mediante o silêncio existe sempre que a lei não haja prescrito outra forma ou quando não exigir por lei ou por contrato uma declaração explícita. Portanto, o dito popular “quem cala consente” não tem força jurídica, salvo quando a lei o autoriza. Dessa forma, noutras palavras, em geral, “quem cala nada diz”, a não ser que o silêncio possa gerar outro efeito, legalmente previsto. A última regra da parte geral acerca da interpretação do negócio jurídico encontra-se presente no art. 114, que estabelece que “os negócios jurídicos benéficos e a renúncia interpretam- se estritamente”. Sendo, negócios benéficos aqueles que se caracterizam por uma obrigação unilateral em um negócio bilateral, ou seja, somente uma das partes desenvolverá a atividade determinada no negócio jurídico. E, tradicionalmente, uma das partes se sacrificará onerosamente em benefício de outra. É o caso da doação, em que há uma vantagem para o donatário (acréscimo patrimonial), em detrimento do doador (decréscimo patrimonial). Os sacrifícios onerarão apenas uma das partes e beneficiarão a outra. Em relação à renúncia, esta é de caráter subjetivo, é uma figura jurídica especial. Por esses motivos, o negócio jurídico benéfico e a renuncia deverão ser interpretados restritivamente, isso significa que não se admite a interpretação ampliativa, diversa do que esta estabelecido no negócio; deve- se limitar somente as cláusulas traçadas pelos contratantes no negócio jurídico.” 1.3 Os planos do Negócio Jurídico: Existência, Validade e Eficácia. Para a explicação dos planos do negócio jurídico nos prenderemos aos ensinamentos de Mônica Queiroz e M. Amália F. P. Alvarenga, que os fazem com maestria: a) O Plano da Existência: aqui estão os elementos funda- mentais do negócio jurídico, sem os quais o negócio inexistiria. Havendo tais substantivos, sem que se exija qualquer adjetivação, já podemos concluir pela existência de um negócio jurídico. Esses elementos são: o agente, a vontade, o objeto e a forma. b) O Plano da Validade: O plano da validade se expressa no CC por meio do art. 104, que traz os elementos essenciais da validade do negócio jurídico. Aqui os substantivos mencionados no plano da existência deverão ser adjetivados. Portanto: b.1) o agente capaz: para que um contrato seja válido, o agente deverá ser capaz, e tal capacidade deve ser aferida no momento do ato. No caso de incapacidade, esta deverá ser suprida pelos meios legais. A incapacidade absoluta será suprida pela representação e a incapacidade relativa será suprida pela assistência. A capacidade superveniente à prática do ato não é suficiente para sanar a nulidade. Por outro lado, a incapacidade que sobrevém ao ato não o invalida nem o vicia. Essa capacidade é conhecida como geral, e existe também a capacidade especial ou legitimação, porquanto certos negócios jurídicos exigem, além da capacidade do agente, que ele também seja legítimo, isto é, que tenha competência para praticá-lo. A falta de legitimação pode tornar o negócio jurídico nulo ou anulável. É o caso do marido que vende uma residência sem o consentimento da mulher, alienação passível de anulação (arts. 1.649 e 1.650 do CC), exceto se o regime de bens for o de separação absoluta (art. 1.648 do CC). b.2) a vontade livre: embora não prevista expressamente, a vontade livre será do agente capaz e deve ser manifestada, ainda que de forma tácita ou presumida, para compor o suporte fáti- co do negócio jurídico. Esta manifestação de vontade, para que o negócio jurídico exista, necessita estar direcionada para uma finalidade negocial, ou seja, o propósito de adquirir, modificar, conservar ou extinguir direitos e obrigações.
  • 40.
    Didatismo e Conhecimento38 DIREITO CIVIL b.3) o objeto lícito, possível, determinado ou determinável: O objeto deve ser lícito, possível, determinado ou determinável conforme redação do artigo 104, inciso II, do Código Civil. O artigo 166, inciso II, do Código Civil, diz que é nulo o negócio jurídico, quando o objeto for ilícito, impossível ou indeterminável, ou seja, no caso do objeto, deve-se observar se é lícito, de acordo com os bons costumes, com a ordem pública e a moral, pois sendo o objeto ilícito, nulo será o negócio jurídico. A impossibilidade do objeto pode ser física ou jurídica. Impossibilidade física ocorre quando a prestação não pode ser cumprida por nenhum humano, como por exemplo um contrato que obriga uma pessoa a reunir todo o sal do litoral brasileiro em um pote, é nulo. Impossibilidade jurídica ocorre quando a prestação esbarra numa proibição expressa da lei (exemplo: o artigo 426 do Código Civil, que proíbe herança de pessoa viva). Determinado é o objeto previamente descrito, qualificado e individualizado no início do negócio. Às partes só caberá seu cumprimento da forma combinada no momento da execução (por exemplo, a compra de um carro na concessionária). Determinável é quando a individualização da prestação é futura, suscetível de determinação até o momento da execução (por exemplo, a compra e venda de soja a ser plantada, que no momento da celebração do contrato não pode ser individualizada). b.4) e a forma prescrita ou não defesa em lei: forma é a de- claração de vontade. É adotada, em princípio, a forma livre, que pode se manifestar por todos os meios. Mas há negócios jurídicos que deverão seguir determinada forma de manifestação de vonta- de ao se praticar o ato, hipótese das formas especiais, situação em que a lei exige certas formalidades para revestir o negócio jurídi- co. A inobservância dessas formas especiais acarretará a ineficá- cia do negócio jurídico. Portanto o principio geral é manifestação de vontade de forma livre, independente de alguma formalidade, sendo relevante somente a intenção do declarante, mas dentro dos limites em que seus direitos podem ser exercidos. A forma especial ou solene é a exigida pela lei, como requisito de validade de deter- minados negócios jurídicos. Isso para assegurar a autenticidade dos negócios, garantir a livre manifestação da vontade, demons- trar a seriedade do ato e facilitar a sua prova. c) O Plano da Eficácia: aqui se verifica a possibilidade de produção de efeitos do negócio jurídico de imediato ou a submis- são a determinados elementos acidentais que podem implicar a perpetração dos efeitos ou a sua contenção, como é o caso da condição e do termo. A escada Ponteana: a essa disposição dos referidos planos, criada por Pontes de Miranda, deu-se a designação de “Escada Ponteana”, o que nos induz ao raciocínio de que o negócio deve existir, e após a sua existência, poderá se considerado válido. E, mais, em sendo existente e válido, produziria os seus regulares efeitos. Todavia, não devemos crer em tal premissa de maneira peremptória. O que se quer demonstrar é que os planos são independentes, podendo haver sim a manifestação de um, sem a manifestação de outro. Por exemplo, é perfeitamente possível que o negócio seja existente, inválido e, ao mesmo tempo, eficaz. É o caso, por exemplo, do casamento putativo em relação ao cônjuge de boa-fé. Trata-se de um negócio nulo ou anulável que, porem, gera os seus efeitos em relação ao cônjuge de boa-fé. Lembremos também que é possível que o negocio exista, seja válido, porém ineficaz, como , por exemplo, o contrato celebrado sob condição suspensiva, sem que se tenha havido ainda o implemento da condição. 1.4 Classificação dos Negócios Jurídicos Costumam os doutrinadores, ao tratar dessa matéria, proceder à classificação dos negócios jurídicos. Apresentamos aqui a classificação de Mônica Queiroz, de forma sucinta, porém bastante esclarecedora: a) Quanto à manifestação de vontade das partes: I) Unilaterais: a manifestação de vontade decorre de uma só pessoa. Ex.: o testamento, a promessa de recompensa, a emis- são de um cheque. II) Bilaterais: torna-se necessária a manifestação de mais de uma pessoa para que o ato se aperfeiçoe. Ex.: o contrato. III) Plurilaterais: decorrem da manifestação de vontade de mais de uma pessoa. Porém, essas manifestações de vontade de- vem se orientar no mesmo sentido. Ex.: o contrato de sociedade e o contrato de consórcio. b) Quanto às vantagens oferecidas pelo negócio: I) Gratuitos: são atos de liberalidade em que apenas uma das partes sofre sacrifício patrimonial. Ex.: o contrato de doação. II) Onerosos: ambas as partes sofrerão sacrifícios patrimo- niais e, ao mesmo tempo, se beneficiarão com o negócio. Ex.: o contrato de locação e o contrato de compra e venda. III) Neutros: são aqueles que, por não haver uma atribui- ção patrimonial predeterminada, não podem se enquadrar como gratuitos ou onerosos. Ex.: instituição de um bem de família vo- luntário. IV) Bifrontes: são aqueles que podem ser gratuitos ou onero- sos, a depender do que intencionam as partes. Ex.: o contrato de depósito em que, em princípio, é gratuito, nada impedindo que se convencione uma remuneração ao depositário. c) Quanto aos efeitos: I) Inter vivos: produzem efeitos desde logo, isto é, em vida dos interessados. Ex.: a compra e venda. II) Causa mortis: reservam seus efeitos para depois da mor- te de determinada pessoa. Ex.: o testamento. d) Quanto à existência do negócio: I) Principais: subsistem por si próprios, independentemen- te de qualquer outro negócio. Ex.: o contrato de locação. II) Acessórios: são aqueles que dependem de outro para existir. Ex.: o contrato de fiança. e) Quanto à forma do negócio: I) Formais: são aqueles em que a lei predetermina uma formalidade a ser seguida, sem a qual faltará ao negócio regu- laridade. Ex.: o testamento, o casamento, e a compra e venda de imóvel. II) Informais: admitem a forma livre e representam a regra geral no Código Civil, conforme o art. 107. Ex.: a compra e venda de um bem móvel. f) Quanto às características pessoais das partes: I) Personalíssimos ou Intuitu personae: levam em conside- ração as características pessoais de um dos agentes. Ex.: o con- trato de fiança. II) Impessoais: desconsideram as características pessoais de determinada pessoa, podendo ser cumprido por qualquer um. Ex.: o contrato de compra e venda.
  • 41.
    Didatismo e Conhecimento39 DIREITO CIVIL g) Quanto ao momento do aperfeiçoamento: I) Consensuais: consideram-se formados e, portanto, ge- ram seus efeitos simplesmente quando se dá o acordo de vontade entre as partes. Ex.: o contrato de compra e venda. II) Reais: consideram-se aperfeiçoados apenas após a en- trega da coisa. Ex.: os contratos de depósito, comodato e mútuo. 2. Da Representação Inovou o Código Civil de 2002 ao introduzir um Capítulo exclusivamente para tratar da representação que se traduz no poder de agir em nome de um terceiro. As pessoas naturais e jurídicas nem sempre estão aptas a praticar negócios jurídicos, seja por impedimento legal (incapazes) ou pessoal (capazes com indisponibilidade de tempo, momentaneamente ausentes, acometidos de alguma doença etc). O instituto da representação surge para tutelar tais situações, constituindo um instrumento jurídico em que o representante pratica atos em nome do representado. De acordo com o artigo 115 do Código Civil, temos uma representação legal e outra representação convencional, sendo: a representação legal a que é imposta por lei e atine aos incapazes, manifestando-se nos poderes que os pais, tutor ou curador possuem para realizar atos e negócios jurídicos em nome e no interesse dos filhos menores, do pupilo e do curatelado respectivamente; e, a outra, representação convencional (ou voluntária), é que decorre da declaração de vontade do representado e, via de regra, é instituída por mandato conferido pelo representado ao representante, através do qual são definidos o objeto da representação, a maneira de atuação do representante e a extensão dos seus poderes, tudo conforme preceituado no art. 653 e seguintes do CC, impondo-se realçar que, em face do disposto no art. 166, II, do CC, sob pena de nulidade, a representação não pode ter objeto ilícito. O limite da representação é exatamente o limite de poderes que vincula o representante com o representado (artigo 116 do Código Civil). Em havendo a manifestação do representante dentro dos poderes que lhe foram outorgados, os efeitos serão produzidos em relação ao representado. Uma vez realizado o negócio jurídico pelo representante, o representado deverá cumprir as obrigações e gozar os direitos decorrentes de tal negócio. O artigo 118, do CC, estabelece que cabe ao representante a prova de sua qualidade e a extensão de seus poderes de representação, podendo até mesmo ser responsabilizado civilmente ou penalmente pelos atos que excederem aos poderes que lhe forma concedidos ou por ter agido de má-fé. Hoje o artigo 117 do Código Civil autoriza o contrato consigo mesmo, é o chamado negócio consigo mesmo, isto é, a convenção em que um só sujeito de direito, está revestido de duas qualidades jurídicas diferentes, atuando simultaneamente em seu próprio nome, bem como no nome de outrem. Temos como exemplo, a possibilidade da pessoa vender um bem a si mesmo, através de um contrato de mandato. O Código Civil de 1916 rechaçava a hipótese (artigo 1.133). O parágrafo único do artigo 117 do CC, prevê a hipótese do substabelecimento, em que os atos do substabelecido (mandatário substituto) serão tidos com praticados pelo representante, que pode delegar funções, porém continua responsável pelos atos praticados por seu substituto (art. 667 do CC). Já os poderes decorrentes da representação legal não podem ser substabelecidos. Conflito de Interesses. O representante que pratica um negócio jurídico contra o interesse do representado, na hipótese do fato ser do conhecimento do terceiro ou no fato do mesmo ter a obrigação de ter a ciência gera anulabilidade (artigo 119 do Código Civil), não se podendo, portanto, desconsiderar a boa-fé do outro contratante que acaba por validar o ato e a pendência será resolvida entre representante e representado, mediante aplicação das normas de responsabilidade civil. Caso o outro contratante soubesse ou devesse saber do conflito de interesses, será possível a anulação do negócio jurídico, mediante a iniciativa do representado, no prazo decadencial de 180 dias a contar, na hipótese de representação legal, da cessação da incapacidade, ou a contar da conclusão do negócio jurídico, em se tratando de representação convencional. Por fim, insta lembrar que na hipótese de conflito de interesses entre o representante e o representado, para que os negócios sejam considerados válidos, deverão ser realizados por meio de um curador especial. 3. Elementos Acidentais do Negócio Jurídico: Condição, Termo e Encargo. Ao tratarmos das modalidades do negócio jurídico, cuidaremos de seus elementos acidentais, isto é, daqueles que, não sendo indispensáveis para a sua constituição, podem existir para alterar as consequências que dele, ordinariamente, resultam. São maneiras que podem afetar o negócio jurídico, quando apostas pela vontade das partes, ou seja, os elementos acidentais do negócio jurídico são assim chamados porque podem existir ou não, isto é, podem acidentalmente estar presentes ou não no negócio jurídico. Para que um elemento acidental se caracterize, é mister que se possa conceber a eficácia do ato jurídico independente dele, pois, caso contrário, tratar-se-ia de um elemento essencial. Assim, a condição, o termo e o encargo provêm do ajuste entre as partes, mas sua presença não é indispensável para a existência do negócio. Modificam-lhe as consequências, modelam diferentemente a avença, mas a inexistência de uma cláusula que os consigne não impossibilita que se conceba o contrato. Portanto, os elementos acidentais atingem todo o negócio ou parte dele. São autolimitações da vontade, pois têm a finalidade de modificar os efeitos do negócio jurídico, restringindo-o no tempo ou retardando o seu nascimento ou exigibilidade. Pode ainda limitar o alcance de um ato de liberalidade (uma doação, por exemplo). Assim, os atos jurídicos se dividem em três modalidades, segundo contenham apenas elementos essenciais e naturais ou se, além deles, contenham elementos acidentais. Assim teremos atos jurídicos puros e simples, atos jurídicos condicionais, atos jurídicos a termo e atos jurídicos modais ou com encargo. 3.1 Atos jurídicos puro e simples Segundo César Fiuza, “O ato jurídico será puro e simples quando contiver apenas elementos essenciais e naturais, sem qualquer elemento acidental, ou seja, condição, termo ou encargo. Se vou a uma lanchonete e compro um salgado, pagando e comendo na hora, estarei diante de um ato jurídico puro e simples. Nele só se encontram elementos essenciais e naturais. Os essenciais são as duas partes, uma querendo comprar e a outra querendo vender, o preço em dinheiro e a coisa, objeto do contrato de compra e venda, qual seja, um salgado. O elemento natural é a entrega, ou seja, a tradição do salgado. Não está presente nenhum dos elementos acidentais.”
  • 42.
    Didatismo e Conhecimento40 DIREITO CIVIL Por isso, dizemos também, por exemplo, que se trata de uma doação pura. É dizer que a referida doação não está submetida a nenhuma condição, termo ou encargo. 3.2 Condição (arts. 121 a 130, CC): 3.2.1. Conceito É a cláusula acessória, que subordina a eficácia do negócio jurídico a um evento futuro e incerto. Prescreve o artigo 121 do Código Civil: «Considera-se condição a cláusula que, derivando exclusivamente da vontade das partes, subordina o efeito do negócio jurídico a evento futuro e incerto». Desse conceito depreendemos as três características da condição: voluntariedade, futuridade e incerteza. A condição afeta sempre a eficácia do negócio, nunca a sua existência, uma vez que a vontade foi legítima. A condição imprópria é aquela em que o evento não é futuro, é apenas ignorado. Exemplo: Faço doação do carro se o Brasil ganhar a Copa 94. Ou a declaração é ineficaz, se não ganhou; ou é obrigação pura e simples, se ganhou. 3.2.2 Características da Condição: a) Voluntariedade: a condição deve derivar exclusivamen- te da vontade das partes, o que significa que não existe condição proveniente de lei. Desse modo, equivocado utilizar a expressão “condição legal”. b) Futuridade: a condição é necessariamente futura, proje- tando-se no tempo a possibilidade de vir a perpetrar-se. c) Incerteza: a condição é sempre incerta, o que significa dizer que o evento poderá ocorrer ou não. Temos as seguintes variações da incerteza: 1ª Incertus An Incertus quando - Não se sabe nem se acontecerá e nem quando - Ex. Comprarei um hotel se o EUA se desmilitarizarem. 2ª Incertus An Certus quando - Não se sabe se acontecerá mas se sabe quando. Ex. Faço doação de minhas jóias, se meu filho passar no concurso até o final do ano. 3ª Certus An Incertus quando - Sabe-se que o fato ocorrerá, porém não quando. Ex. Compro um apartamento quando minha sogra morrer. 4ª Certus An Certus quando - Sabe-se que o fato ocorrerá e quando. Exemplo: Doarei meu carro com o término da Copa do Mundo de 98. O artigo 129 do CC estabelece que “reputa-se verificada, quanto aos efeitos jurídicos, a condição cujo implemento for maliciosamente obstado pela parte a quem desfavorecer, considerando-se, ao contrário, não verificada a condição maliciosamente levada a efeito por aquele a quem aproveita o seu implemento.” Não é permitido que ocorra a interferência de qualquer interessado para que se dê o implemento ou se impeça o implemento da condição, resultando, aos olhos do legislador, como se o contrário tivesse ocorrido. 3.2.3 Espécies de Condição: a) Quanto ao início ou término da produção de efeitos do negócio: I) Condição Suspensiva (art. 125, CC): é aquela que de- libera a própria falta de efeitos da vontade manifestada inicial- mente. Desse modo, quando há uma manifestação de vontade sub- metida a uma condição suspensiva, essa vontade não produz os seus efeitos, que só passarão a perpetrar-se com o implemento da condição. O que importa é que, enquanto a condição não se ve- rificar, o beneficiário não terá adquirido direito algum, tampouco poderá exercê-lo, possuindo apenas um direito eventual. Por isso, se diz que a condição suspensiva impede a aquisição do direito. Por exemplo, doarei a João um carro se Maria se casar. Significa que, por enquanto, João possui apenas um direito eventual, que passará a ser um direito adquirido somente com o casamento de Maria, que é um evento futuro que poderá ocorrer ou não. Obs.: Ressalve-se que de acordo com o art. 126 do CC: “Se alguém dispuser de uma coisa sob condição suspensiva, e, pen- dente esta, fizer quanto àquela novas disposições, estas não te- rão valor, realizada a condição, se com ela forem incompatíveis.” Trata-se da hipótese em que, por exemplo, uma pessoa doa algo a outra sob condição suspensiva, porém, antes mesmo do implemen- to da condição, vende o bem a um terceiro. Pelo referido artigo, esse segundo negócio – a compra e venda – não terá valor. II) Condição Resolutiva (art. 127, CC): sob essa condição, já há a produção de efeitos da vontade desde quando manifestada, porém se a condição resolutiva se implementar implicará o fim daqueles efeitos. Então, ao revés da suspensiva, o implemento da condição resolutiva significará a “morte” daquele negócio jurídi- co. Para sermos mais precisos, poderíamos dizer que a condição resolutiva subordina a ineficácia da vontade manifestada a evento futuro e incerto. Por exemplo, João poderá ficar utilizando o meu carro até que Maria se case. Nesse exemplo, a vontade manifes- tada inicialmente produziu seus efeitos normalmente, porém, se Joana se casar, cessará a produção de efeitos daquela vontade, de modo que o carro terá que ser devolvido. Obs. 1: pela dicção do art. 128 do CC: “Sobrevindo a condição resolutiva, extingue-se, para todos os efeitos, o direito a que ela se opõe; mas, se aposta a um negócio de execução continuada ou periódica, a sua realização, salvo disposição em contrário, não tem eficácia quanto aos atos já praticados, desde que compatíveis com a natureza da condição pendente e conforme aos ditames de boa-fé.” Obs. 2: como dito anteriormente, o implemento da condição resolutiva colocará fim aos efeitos produzidos pelo negócio. Porém, se estivermos diante de um negócio de execução continuada ou periódica, o implemento da condição resolutiva não atingirá os efeitos já produzidos como, por exemplo, permito que João utilize o meu apartamento da maneira que bem lhe aprouver, isto é, residindo ou alugando-o, enquanto Maria não se case. Suponhamos que João optasse por alugar o apartamento e auferisse aquela renda por alguns anos. Com o posterior casamento de Maria, Paulo teria que devolver o apartamento, pois ocorreu o implemento da condição. Entretanto, os aluguéis por ele já percebidos não teriam que ser devolvidos. Patente está o princípio da irretroatividade da condição resolutiva.
  • 43.
    Didatismo e Conhecimento41 DIREITO CIVIL b) Quanto à licitude: I) Condição lícita (art. 122, 1ª parte, CC): aquela que não é contrária à lei, á ordem pública ou aos bons costumes. II) Condição ilícita, proibida ou defesa (art. 122, 2ª parte, CC): poderá ser de duas espécies: perplexas ou potestativas pu- ras. Perplexas são aquelas que privam o negócio jurídico da pro- dução de seus efeitos normais. Por exemplo, vendo a você o meu carro se você não utilizá-lo. É claro que o efeito lógico buscado por uma pessoa que adquire algo é a sua utilização, que não será possível diante de tal condição. As potestativas puras são aquelas que se restringem, exclusivamente, ao alvedrio de uma das partes. Por exemplo, doarei a você o meu carro se amanhã eu sair de camisa branca. É claro que dependerá só de mim a escolha da cor da camisa que sairei amanhã, por isso, essa condição é proibida. Saliente-se que, se a condição for meramente ou simplesmente po- testativa, não haverá qualquer ilicitude em seu emprego, sendo tal condição permitida. Isso porque na condição meramente ou simplesmente potestativa não há a subordinação exclusiva ao al- vedrio de uma das partes. Há sim dependência da vontade de uma das partes, mas não exclusivamente dessa parte. Por exemplo, se digo que se eu passar no vestibular que farei no domingo, dar-te-ei um carro, trata-se de uma condição perfeitamente permitida por seu uma condição simplesmente ou meramente potestativa. Isso porque dependerá de mim a aprovação no vestibular, mas não apenas de mim, também do mau aproveitamento nas provas dos demais candidatos. A ilicitude da condição resulta na própria invali- dação do negócio jurídico, conforme disposto no art. 123, II, CC. c) Quanto à fonte de onde deriva: I) Condição causal: é aquela que depende exclusivamente do acaso, de evento fortuito. Por exemplo, dar-te-ei um carro se eu ganhar na loteria. II) Condição potestativa: trata-se da condição que, para que haja o seu implemento, depende-se de uma das partes. Lem- bre-se como dito na classificação anterior, somente a condição simplesmente ou meramente potestativa é admitida, já a condição puramente potestativa é ilícita. III) Condição mista: trata-se da condição vinculada con- comitantemente a um ato de vontade e a um evento da natureza. Por exemplo, “dar-te-ei R$ 20.000,00, se cantares amanhã sob um belo arco-íris”. d) Quanto à possibilidade de seu implemento: I) Condições possíveis: são aquelas cujo implemento é plenamente viável. II) Condições impossíveis: podem ser física ou juridica- mente impossíveis. Condição fisicamente impossível é aquela que não é concretizável materialmente, como, por exemplo, “doarei a você um carro se você varrer toda a areia da praia ou se você tocar o céu com as mãos”. Por condição juridicamente impossí- vel, deve-se compreender como sendo aquela que colide com o ordenamento jurídico, ou seja, fere a lei, a moral e os bons costu- mes, como por exemplo, “doarei a você um carro se você matar determinada pessoa”. 3.2.4 Condições que invalidam o negócio jurídico. O art. 123 do CC traz um elenco de condições que, se apostas ao negócio jurídico, resultarão em sua invalidade. São as seguintes condições: a) As condições física ou juridicamente impossíveis, quan- do suspensivas. O exemplo seria: dar-te-ei um carro se tocares o céu com as mãos. Percebemos que nesse caso o negócio restará inválido, já que nunca será possível se concretizar a condição. Importante salientar que se a condição de “tocar o céu com as mãos” fosse, ao invés de suspensiva, resolutiva, não induziria à invalidade do negócio jurídico, mas sim à inexistência da própria condição, sendo, pois, o negócio válido (art. 124, CC); b) As condições ilícitas ou de fazer coisa ilícita. Se admi- tíssemos o negócio válido mesmo com uma condição lícita ou de fazer coisa ilícita, tal fato traduzir-se-ia em forma indireta de au- torizar o descumprimento da lei; c) As condições incompreensíveis ou contraditórias. Exem- plo: dar-te-ei este carro, se eu vendê-lo a José. 3.2.5 Condições tidas por inexistentes. O art. 124 do CC apresenta as condições que, se apostas ao negócio jurídico, não induzirão a sua invalidação, sendo, pois, considerado válido. Porém, a consequência será a consideração da própria inexistência da condição. O negócio jurídico valerá, portanto, como incondicionado, sendo o negócio puro ou simples. As condições tidas por inexistentes são: a) As condições impossíveis, quando resolutivas. Por exem- plo, “você pode ficar utilizando o carro arte conseguir tocar o céu com as mãos.” Nesse caso, a condição impossível se apresenta como resolutiva, assim o negócio será válido, porém, a condição deverá ser tida por inexistente. b) As condições de não fazer coisa impossível. Em virtude da obviedade de não se poder cumprir aquilo que é impossível é que uma condição que assim preveja deve ser tida por inexistente, com o negócio jurídico sendo considerado válido e produzindo os seus regulares efeitos. 3.2.6 Prerrogativas do titular do direito eventual (art. 130, CC): é reservado ao titular de um direito eventual, ou seja, aque- le que aguarda o pretenso implemento da condição, a prática de atos destinados à conservação de seu direito. Pode, por exemplo, requerer inventário, pedir caução, repudiar atos de esbulho ou turbação etc. 3.2.7 Negócios jurídicos que não admitem condição: São os negócios que depende de norma cogente. Estão presentes no Direito de Família e Sucessão. Traria incerteza aos institutos públicos. Exemplo: Ninguém pode se casar sob condição; ninguém pode aceitar ou renunciar a herança sob condição (artigo 1808 do Código Civil). 3.3 Termo (arts. 131/135, CC) 3.3.1 Conceito É a cláusula acessória que subordina os efeitos(a eficácia)ou fim dos efeitos (a ineficácia) do negócio jurídico a evento futuro e certo. Ao revés da condição, o termo não suspende a aquisição do direito, mas tão somente o seu exercício (art. 131, CC). Do conceito expresso acima depreendemos as duas características do termo: a futuridade e a certeza, a seguir analisadas.
  • 44.
    Didatismo e Conhecimento42 DIREITO CIVIL 3.3.2 Características do termo: a) futuridade: o termo é necessariamente futuro, projetando- -se no tempo o seu implemento. b) certeza: o termo é sempre certo, o que significa dizer que o evento necessariamente ocorrerá. 3.3.3 Espécies de termo: a) Quanto ao início ou término da produção de efeitos do negócio: I) Inicial / Suspensivo / Dies a quo: referente ao termo que suspende o início da eficácia do negócio. II) Final / Resolutivo / Dies ad quem: referente ao termo que faz findar a eficácia do negócio. b) Quanto à determinação: I) Certo ou Determinado: ocorre quando a data já estiver preestabelecida, ainda que não numericamente. Por exemplo, o veículo será entregue dia 27 de fevereiro, no dia do seu aniversá- rio do próximo ano, daqui a duas semanas. II) Incerto ou Indeterminado: ocorre quando a data não está preestabelecida, porém há a certeza do acontecimento. As- sim, sabe-se que haverá o evento, entretanto, não se sabe quando. Por exemplo, o veículo será entregue quando da morte de Pedro. É evidente que Pedro morrerá um dia, pois ínsita à vida está a morte. Entretanto, não se sabe previamente o dia em que tal fato ocorrerá. Obs.: note que, se a ocorrência do evento morte for delimita- da no tempo, se transformará em condição. Assim, por exemplo, dar-te-ei um veículo se Pedro morrer este ano. Embora a morte de Pedro seja certa, é incerto que ocorrerá este ano. Ainda é possível vislumbrar a morte como condição no seguinte caso: dar-te-ei um veículo se Pedro morrer antes de José. Devido à similitude dos institutos condição e termo, o art. 135 do CC impõe que “ao termo inicial e final aplicam-se, no que cou- ber, as disposições relativas à condição suspensiva e resolutiva”. Assim, as disposições previstas nos arts. 126 e 130 do CC referen- tes às condições, já analisadas anteriormente, se aplicam, de igual modo, ao elemento acidental termo. 3.4 Prazo 3.4.1 Conceito É o lapso de tempo entre a manifestação válida de vontade e a superveniência do tempo. É o lapso de tempo entre dois termos, o inicial e o final. Isso porque a manifestação de vontade pode estar subordinada a uma condição. 3.4.2 Regras importantes acerca da contagem dos prazos: a) computam-se os prazos excluindo-se o dia do início e incluindo-se o do fim, salvo disposição legal e convencional em contrário, assim, esse princípio é adotado em todos os ramos do direito, afora o Direito Penal, pois o tempo de pena inclui o dia do começo. b) terminado o prazo em feriado prorroga-se para o dia útil subsequente. c) Meado, considera-se em qualquer mês, o 15º dia; d) os prazos em meses ou ano vencem no dia de igual número ao início, ou no imediato, se faltar a exata correspondência; e) os prazos fixados em horas contam-se minuto a minuto; f) em se tratando de testamento, presume-se o prazo em favor do herdeiro. Assim, se houver prazo para a entrega de um legado ou o cumprimento de um encargo, há a presunção legal de que o prazo foi fixado em favor do herdeiro obrigado a pagar o legado e não em favor do legatário, o mesmo se dizendo do encargo. Portanto, não haverá qualquer problema caso o herdeiro queira pagar o legado ou cumprir o encargo antes do vencimento do prazo estabelecido no negócio. g) em se tratando de contato, presume-se o prazo em favor do devedor. Assim, se o devedor quiser pagar antes do vencimento, não há óbice para tanto. Salvo se o contrário foi estabelecido no contrato ou das circunstâncias se puder extrair que o prazo foi estabelecido em favor do credor ou de ambos os contratantes. Se em favor do credor, este poderá exigir o pagamento antes do vencimento. Se em favor de ambos os contratantes, somente por mútuo acordo, haverá o vencimento antecipado (art. 133, CC). h) a regra é a de que os negócios são instantâneos, somente admitindo a forma continuada se houver previsão em contrário, ou pela própria natureza do negócio, ou se tiver que ser cumprido em outra localidade (art. 134, CC). 3.5 Encargo ou Modo (arts. 136 e 137, CC): É a restrição que se impõe à vantagem à vantagem obtida pelo beneficiário que estabelece uma obrigação para com o próprio instituidor, ou terceiro ou a coletividade. Por exemplo, “doarei ao Município um terreno para que se construa um hospital”. Trata- se de uma doação com encargo, também conhecida como doação modal. O encargo só ocorre nos negócios jurídicos gratuitos, isso porque nos onerosos, o que existe é uma contraprestação. O encargo não se confunde com a contraprestação, porém, também não se trata de um mero conselho. Aqui se vislumbra o caráter coercitivo do encargo. Tanto é que em caso de descumprimento do encargo duas opões são deferidas ao instituidor: revogar o negócio jurídico ou obrigar a outra parte ao cumprimento da prestação, se possível. O encargo distingue-se da condição porque não suspende a aquisição do direito, e se distingue do termo, porque não suspende o seu exercício (art. 136, CC). Todavia, poderá o encargo vir no negócio jurídico expressamente como condição suspensiva. Nessa hipótese, a aquisição e o exercício do direito somente ocorrerão após o implemento do encargo. Por fim, considera-se não escrito o encargo ilícito ou impossível (seja física ou juridicamente), salvo se constituir o motivo determinante da liberalidade, caso em que se invalida o próprio negócio (art. 137, CC). Exemplo de encargo ilícito: “Dar-te-ei a minha casa a fim de que você assassine determinada pessoa.” Tal encargo deve ser tido como não escrito. Diferente solução se apresentaria se o encargo ilícito se apresentasse como o motivo que determinou a liberalidade, caso em que o negócio deve ser invalidado. O exemplo é: “Dar-te-ei a minha casa para que você a utilize como cativeiro para aquele sequestro.” 4. Dos Defeitos do Negócio Jurídico. São aqueles defeitos que decorrem, em geral, da manifestação de vontade. São seis as hipóteses de vícios, se subdividindo em vícios do consentimento (erro, dolo, coação, estado de perigo e lesão) e os vícios sociais (fraude contra credores e simulação).
  • 45.
    Didatismo e Conhecimento43 DIREITO CIVIL Nos vícios do consentimento (vícios da vontade), há uma contradição entre aquilo que a pessoa deseja e o que ela faz, ou seja, o que a pessoa manifesta não é o que ela realmente desejaria fazer. A vontade declarada não corresponde com a intenção do agente. Nos vícios sociais, a vontade declarada corresponde exatamente à intenção do agente, entretanto uma intenção de prejudicar terceiros ou fraudar a lei. Tanto os vícios do consentimento, quanto o vício social a fraude contra credores conduzem a possibilidade de anulação do negócio jurídico (art. 171, II, CC), havendo um prazo decadência de 4 (quatro) anos para requerer a anulação a contar da celebração do negócio, exceto na hipótese de coação em que o prazo se conta de quando cessar a coação (art. 178, I e II, CC). Caso não seja respeitado esse prazo, o contrato não poderá mais ser anulado. O decurso do prazo decadencial vem a sanar o defeito do negócio jurídico (art. 178, I e II, CC). De outro lado, o vício social da simulação é causa de nulidade do negócio jurídico. Noutras palavras, neste caso, o ato é nulo, nos demais antes citados, anulável. 4.1 Vícios do Consentimento a) Erro ou ignorância Erro é a percepção psíquica distorcida, em poucas palavras, o equívoco espontâneo. Já a ignorância é a total falta de percepção. Embora o erro e a ignorância não possuam o mesmo significado, o CC entendeu por destinar a ambos o mesmo tratamento nos arts. 138 a 144. No erro, a pessoa se engana sozinha a respeito de uma circunstância importante que, se ela conhecesse, não faria o negócio. O erro é de difícil prova, tendo em vista o que se passa na mente da pessoa; existe um elemento subjetivo. O fato de o legislador estabelecer algumas exigências (art. 138, CC), torna as ações baseadas no erro muito raras. O erro deverá ser substancial, escusável e real para que o contrato seja anulável, ou seja, o erro será substancial quando for sobre aspectos relevantes do negócio que caso a pessoa soubesse, jamais faria o negócio; será escusável, aceitável, desculpável, quando for um erro que a maioria das pessoas cometeria; e, será real quando o erro causar um efetivo prejuízo. Há dois critérios para saber se um erro é escusável ou não: 1) Homo medius: toma-se por base a média das pessoas. Se um homem médio também cometeria o engano, o erro seria escusável. Não foi esse, entretanto, o critério aplicado pelos tribunais. 2) Caso concreto: é o critério aplicado pelos tribunais. É aplicado, por analogia, a cada caso concreto o critério do art. 152 do CC (que trata da coação), que determina que o juiz leve em conta as condições pessoais da vítima, como: idade, saúde, sexo, temperamento, e outras condições, para saber se ela seria levada ao erro (exemplo: uma pessoa semi-analfabeta seria mais facilmente levada ao erro do que alguém que possui curso superior). Erro Substancial. Assim, por substancial, entende-se o erro que, acaso inexistente, levaria à não realização do negócio, isto é, o negócio só se realizou porque o agente agiu em erro. O CC dispõe no art. 139 quando haverá erro substancial e dividiu em cinco espécies: a) Erro in negotti: trata-se do erro que diz respeito à na- tureza do negócio (a pessoa se engana a respeito da espécie do contrato que celebrou). Ex.: o intento do agente era realizar um contrato de compra e venda, que por faltar-lhe o preço acabou por transmudar-se em um contrato de doação; b) Erro in corpore: trata-se do erro relativo ao objeto prin- cipal da declaração (a pessoa adquire coisa diferente daquela que imaginava estar adquirindo). Ex.: intencionava-se adquirir um re- lógio de ouro, porém adquire-se um relógio inteiramente de latão amarelo; c) Erro in substantia: trata-se do erro relativo a alguma das qualidades essenciais do objeto (a pessoa adquire o objeto que imaginava, mas engana-se quanto às suas qualidades). Ex.: a pessoa adquire um quadro com determinada gravura, somente porque julgava ser de um renomado pintor, depois vem a descobrir que era de uma pessoa desconhecida; d) Erro in persona: trata-se do erro relativo à indentida- de ou qualiddae essencial da pessoa (nos casos de contratos per- sonalíssimos ou no caso de se contratar um profissional que se acreditava ser bom e não era). Ex.: contrata-se alguém para fazer determinado serviço e depois se descobre que havia negociado com um homônimo; e e) Erro de direito: trata-se do erro decorrente de má inter- pretação da norma, sem, é claro, implicar recusa à aplicação da lei, devendo ser o único e principal motivo do negócio, conforme previsto no art. 139, III, do CC. Portanto, o erro de direito po- derá ser alegado para justificar a boa-fé (ex.: firma-se um con- trato de importação de uma mercadoria e logo após descobre-se que existia uma lei que proibia a importação de tal mercadoria. Poder-se-á alegar ignorância da lei para anular o contrato). As- sim, a ignorância da lei, só não poderá ser alegada em caso de descumprimento da lei (artigo 3º da Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro). Atenção: não confundir erro substancial com vício redibitório, pois, vício redibitório é o defeito oculto (não aparece facilmente) que torna a coisa imprestável ao uso a que se destina. É de natureza objetiva. As ações cabíveis são chamadas de Edilícias e são de duas espécies: ação redibitória (para rescindir contrato); e ação quanti minoris (pedido de abatimento no preço). O prazo dessa ação é decadencial de trinta (30) dias para bem móvel e um (1) ano para bem imóvel (art. 445, CC). No Código de Defesa do Consumidor o prazo é de 30 dias para bem não durável e 90 dias para bem durável. Já o erro substancial é de natureza subjetiva e a ação cabível é a anulatória com prazo decadencial de quatro (4) anos. O art. 140 do CC dispõe sobre o falso motivo (falsa causa) como razão determinante do contrato. Se a causa do contrato, desde que seja colocada expressamente como razão determinante do negócio, for declarada falsa, o contrato poderá ser anulado (exemplo: uma pessoa fica sabendo por terceiros que tem um filho; tentando ajudar, faz uma doação, mas dispõe expressamente na escritura que está fazendo a doação porque foi informada que o donatário é seu filho; caso seja comprovado que o donatário não é filho, a doação poderá ser anulada). Assim, o falso motivo por si só não é suficiente para anular um negócio, sendo admitida tal possibilidade de anulação apenas quando esse motivo falso for expresso como razão determinante do negócio jurídico celebrado.
  • 46.
    Didatismo e Conhecimento44 DIREITO CIVIL Erro Acidental. Se há um engano a respeito de um aspecto irrelevante, não será considerado um erro substancial, mas sim erro acidental, que não vicia a vontade. Erro acidental, portanto, é aquele que diz respeito a elementos ou características secundárias do negócio jurídico. O CC traz, exemplificativamente, duas hipóteses que não conduziriam á anulação do negócio jurídico por serem erros acidentais. A primeira é a situação do erro de indicação de pessoa ou de coisa a que se referir a declaração de vontade, se pelo contexto se puder identificar a coisa ou pessoa cogitada (art. 142). Essa hipótese é reproduzida no âmbito do direito das sucessões no art. 1.903 do CC. A outra situação, que não induz á anulação do negócio jurídico, mas apenas à retificação da declaração de vontade é o erro de cálculo (art. 143, CC). O art. 141 do CC fala do erro em caso de mensagem “truncada”, ou seja, pode haver erro no negócio quando há algum defeito na mensagem devido ao instrumento ou à pessoa intermediária. Assim, quando a vontade for transmitida por meios interpostos (internet, fax, televisão, rádio) e houver incorreções, na transmissão, procedentes do veículo utilizado, poderá haver a anulação do negócio como se este tivesse sido realizado por meio de declaração direta das partes, exatamente porque a vontade do emitente não chegou corretamente ao seu destinatário. Princípio da Conservação do Negócio Jurídico: está consagrado no art. 144 do CC ao estabelecer que o negócio será válido, se a pessoa a quem a vontade se dirige se oferecer para executá-la na conformidade da vontade real do manifestante. É o caso da pessoa que somente adquire aquele relógio por entender que era de ouro, porém leva para casa um relógio de latão amarelo. Se, posteriormente, aquele que vendeu se manifestar no sentido da entrega de um verdadeiro relógio de outro para o prejudicado, será mantido o negócio, pois houve, assim, a conformação da vontade manifestada com a vontade real do declarante. b) Dolo Existe um elemento objetivo de induzimento, sendo mais fácil a sua prova, tendo visto poder haver testemunhas. Dolo é o induzimento malicioso à prática de um ato que é prejudicial ao agente, ou seja, se traduz na obtenção da vontade equivocada de alguém, por meio do emprego de manobras maliciosas ou ardis. Assim, diferentemente do erro onde o equívoco é espontâneo, no dolo há também um equívoco, porém este é induzido, provocado. Por exemplo, a pessoa compra um relógio, paga um preço bem alto porque a pessoa que vendeu garantiu tratar-se de um relógio de ouro, sendo que não era. O dolo pode ser: * Principal: aquele que é a causa do negócio, ou seja, é o dolo que foi responsável pelo negócio. Se não houvesse o induzimento, a pessoa não faria o negócio (art. 145, CC). Isto é, o negócio somente foi realizado, porque alguém por meio de um processo malicioso, obteve a vontade equivocada de outrem. Sem o processo malicioso empregado, o negócio não se teria realizado. Assim, o comprador somente adquiriu aquele relógio dourado e por ele pagou quantia elevada, pois o vendedor lhe informou que era de ouro. Sem a informação deturpada (o dolo) o interessado em adquirir um relógio de ouro não teria comprado aquele de material diverso. O dolo principal é o dolo que induz à anulação do negócio jurídico. * Acidental: aquele que a seu despeito o negócio teria sido realizado, mas em condições melhores para a vítima. Como não é a causa do negócio, o dolo acidental não anula o mesmo, mas dá direito a perdas e danos. Nessa hipótese também houve o emprego de manobras, ardis, porém, ainda que não tivesse havido o dolo, o negócio se teria celebrado também, embora por outro modo. É a hipótese em que uma pessoa já decidida a comprar determinado automóvel que lhe agradara desde o início indaga do vendedor qual seria o ano daquele veículo. O vendedor informa que o veículo é ano 2010, sendo que, na verdade, tratava-se de veículo ano de fabricação 2009, modelo 2010. Nesse caso, o vendedor também se utilizou de um ardil, porém, ainda que não tivesse utilizado, o negócio seria realizado, é claro que por um valor um pouco reduzido para o comprador, mas se teria realizado. Em se tratando de dolo acidental (art. 146, CC), não caberá anulação do negócio, procedendo tão somente o direito a perdas e danos. O dolo poderá ser também: * Dolus bonus (dolo bom): é o dolo tolerável nos negócios em geral, ou seja, as pessoas não se sentem enganadas porque já esperam esse tipo de dolo; é normal, fazendo parte do comércio, e não causa nulidade do negócio. Ex.: quando o vendedor se refere ao veículo que está vendendo como o “melhor da cidade”. O que não poderá haver, pois extrapolaria aos limites do tolerável, é a publicidade enganosa, prática abusiva vedada CDC (art. 7, § 1º). * Dolus malus (dolo mau): é aquele exercido com a intenção de prejudicar e, se for provado, causa nulidade do negócio ou pleito de indenização da parte lesada, pois se manifesta na utilização de artifícios maliciosos para obter a vontade equivocada de outrem. A distinção do dolus bonus e do dolus malus deverá ser feita à luz do caso concreto, sendo observadas todas as nuances do negócio celebrado, inclusive as condições pessoais dos celebrantes. O dolo poderá ser ativo ou passivo (ação ou omissão). Geralmente o dolo é praticado por ação. O dolo ativo se traduz em um processo malicioso mais fácil de se visualizar, uma vez que decorre de uma atuação positiva por parte de quem age dolosamente. Isto é, o agente fez algo ou disse algo, por exemplo, ao dizer que o objeto possuía determinada característica que não correspondia à realidade. O art. 147, CC, prevê o dolo por omissão (passivo), situação em que um dos contratantes omite uma circunstância relevante que, se fosse conhecida pelo outro contratante, não haveria o negócio, como, por exemplo, na hipótese em que alguém, ao realizar um contrato de seguro de vida, omite uma doença preexistente gravíssima ou então, quando da realização da compra e venda de um apartamento, o vendedor omite a inexistência de vaga na garagem. O legislador quis, com isso, proteger a boa-fé nos negócios. Essa omissão dolosa pode ser chamada de reticência. Não apenas o dolo ativo induz à anulação do negócio jurídico, mas de igual modo o dolo passivo, se este for principal; se o dolo passivo for acidental, caberá tão somente o direito a perdas e danos. O dolo pode ser da parte ou de terceiro, ou seja, é possível que a atuação dolosa decorra de um terceiro que não o próprio beneficiário, chamamos de dolo de terceiro. Caso típico é a situação em que uma pessoa, pretendendo vender um apartamento que lhe é próprio, contrata os serviços de um corretor de imóveis para que este faça todo o serviço de anúncio do bem. Após um tempo, o corretor de imóvel capta um comprador para o imóvel,
  • 47.
    Didatismo e Conhecimento45 DIREITO CIVIL porém este comprador somente se interessou pela compra em razão do emprego de artifícios maliciosos utilizados pelo corretor de imóveis. Realizado o negócio, o que temos é um comprador que foi ludibriado, não pela atuação do dono do imóvel (o beneficiário), mas sim pela atuação dolosa do corretor de imóveis (o terceiro). O que importa indagar é se esse negócio celebrado em virtude do dolo de terceiro é anulável ou não. O Código Civil tem duas regras a esse respeito sobre o dolo de terceiro: 1ª o negócio será anulado se o beneficiário sabia, ou pelo menos, tinha como saber dos artifícios utilizados pelo corretor de imóveis; e 2ª o negócio será mantido no caso de o terceiro agir por si só, não tendo o beneficiário conhecimento do dolo. Neste caso caberá à vítima ação de perdas e danos contra o terceiro que agiu de má-fé, conforme dispõe o art. 148, CC: “Pode também ser anulado o negócio jurídico por dolo de terceiro, se a parte a quem aproveite dele tivesse ou devesse ter conhecimento; em caso contrário, ainda que subsista o negócio jurídico, o terceiro responderá por todas as perdas e danos da parte a quem ludibriou”. Ainda, o dolo pode ser recíproco ou torpeza bilateral. O dolo bilateral é quando os dois contratantes tentam enganar-se um ao outro, ou seja, há dolo de ambas as partes. Neste caso, não há ação cabível para nenhuma das partes, visto terem ambas agido de má-fé. Isto é, se em um negócio, ambas as partes utilizaram cada qual a sua quota de malícia indevida, nenhuma delas poderá requerer a anulação, nem pleitear indenização por perdas e danos (art. 150, CC). Aqui tem guarida o brocardo de que ninguém pode alegar a torpeza do outro em cima de sua própria torpeza (Nemo proprium turpitudinem allegans). Dolo do representante: por fim, é possível que o dolo tenha sido perpetrado pelo representante do beneficiário. Cumpre, em primeiro plano, saber que o representante poderá ser legal ou convencional (art. 115, CC). Representante legal é aquele cuja representação decorre de imposição legal como, por exemplo, os pais, tutores ou curadores. A representação convencional, por sua vez, ocorre quando o representante for escolhido por livre ato do representado. Se o dolo for praticado pelo representante legal de uma das partes, o representado tem sua responsabilidade pelas perdas e danos limitada pelo proveito que teve com o negócio jurídico, exatamente porque não houve escolha livre de seu representante. Entretanto, se o dolo tiver sido praticado pelo representante convencional, ou seja, aquela pessoa escolhida livremente pelo representado, a responsabilidade pelas perdas e danos deste torna-se solidária com a de seu representante, então, voltando ao exemplo do dolo praticado pelo corretor de imóveis (dolo de terceiro), vimos que, se o beneficiário sabia ou tinha como saber do dolo do terceiro, o negócio será anulado. Além da anulação, o prejudicado poderá pleitear indenização por perdas e danos. Caso a indenização seja devida, uma vez que se trata de representação convencional, arcarão com as perdas e danos o beneficiário e o terceiro solidariamente. c) Coação Ocorre quando alguém força uma pessoa para que ela faça ou deixe de fazer alguma coisa. Está prevista no CC nos arts. 151 ao 155. Todavia, vale lembrar que a coação prevista nesses artigos se trata da chamada coação moral. É que, em verdade, existem duas espécies de coação: a física e a moral. Assim, a coação pode ser: a) Coação física (vis absoluta): implica violência física e a vítima não chega a manifestar a sua vontade, agindo como instrumento para o coator, uma vez que foi suprida sua possibilidade de escolha. Neste caso, o ato é inexistente, visto que não houve um dos requisitos de existência do negócio jurídico, que é a manifestação de vontade. Não é um vício do consentimento, visto que sequer houve o consentimento. Ex.: a pessoa assina o contrato simplesmente porque o coator segura-lhe a mão, obrigando-o; b) Coação moral ou psicológica (vis compulsiva): também conhecida como coação relativa. Ocorre quando o coator faz uma grave ameaça à vítima, que terá a opção de ceder ou de resistir à ela. Não há o emprego de violência física, mas sim o temor de um mal injusto que o coator incute na vítima. Neste caso, existe um vício do consentimento, visto que houve a manifestação da vontade, embora sob pressão. Por exemplo, quando o coator fala à vitima que, se esta não assinar o contrato, terá o filho agredido. Assim, no caso de coação moral, o negócio existe, pois manifestação de vontade houve, porém esse negócio será anulável, porque a manifestação da vontade se deu de maneira diversa da vontade real do coagido. Nos casos de negócio jurídico, o art. 151 do CC faz uma série de exigências para que se caracterize a coação moral que vicie o negócio. Assim são requisitos da coação: a) a coação deve ser a causa do negócio, ou seja, se não houvesse a coação não haveria o negócio; b) a coação deve ser grave, ou seja, quando causa um fundado temor, um receio na vítima. O art. 153 do CC não considera coação o simples temor reverencial que se traduz no receio de desagradar à pessoa que naturalmente se respeita, visto que não tem gravidade suficiente. Por exemplo, o respeito que se tem pelos pais, pelos mais velhos, pelo padre, pelo pastor, pelo empregador etc. Assim, a esposa não pode requerer a anulação do contrato de compra e venda da casa, alegando que o assinara apenas movida pelo receio de desagradar ao marido; c) a coação deve ser injusta, ou seja, coação ilegal. O art. 153, 2ª parte, não considera coação o exercício normal de um direito, ou seja, não configura coação exatamente porque o mal temido pelo coagido é justo. Assim, o temor de um mal justo não poderia configurar a coação. Ex.: quando um credor diz ao seu devedor “se você não me pagar até amanhã, protestarei este título”; d) a coação deve ser proporcional, ou seja, o legislador exige que haja uma certa proporção entre os prováveis prejuízos que a vítima possa ter. Deve-se levar em consideração que essa proporcionalidade é relativa, visto que existem coisas que possuem grande valor estimativo; e) a coação deve recair sobre a pessoa do contratante, alguém de sua família ou seus bens. A doutrina entende que a palavra “família” descrita na lei deve ser entendida no seu mais amplo sentido, devendo ser incluídas todas as pessoas que possuem uma relação de intimidade com o contratante que está sendo coagido. Embora o referido artigo não mencione, tem-se que, se a coação for dirigida contra o próprio coator, por exemplo, na hipótese em que alguém para obter a vontade de outrem diz “se não fizeres isso para mim, mato-me”, há também a possibilidade de se requerer a anulação do negócio por coação.
  • 48.
    Didatismo e Conhecimento46 DIREITO CIVIL Importante regra de solidariedade social foi inserta no parágrafo único do art. 151 do CC, que abre a possibilidade de se requerer a anulação do negócio, se este foi realizado para evitar uma ofensa a um terceiro. Apreciação da coação. O art. 152 do CC dispõe que, ao apreciar a gravidade da coação, o Juiz deve levar em conta as condições pessoais da vítima, ou seja, a idade, a saúde, o temperamento, o sexo e outras circunstâncias que possam influir na gravidade da coação, uma vez que a tolerância humana varia de pessoa para pessoa. Isso significa que, ao se apreciar a coação, deverá ser observado o critério do caso concreto, afastando-se do critério do homem médio. Conclui-se que, se a vítima não receia a ameaça, não se trata de hipótese de coação, sendo válido o negócio. Efeitos da coação. Como defeito do negócio jurídico que é, a coação moral enseja a anulação do negócio jurídico (art. 171, II, CC). Além disso, o coator terá que indenizar em perdas e danos o coagido. Na esfera criminal, a coação poderá configurar o crime de extorsão (art. 158, CP) ou constrangimento ilegal (art. 146, CP). Coação de terceiro. É possível que o negócio se tenha celebrado somente porque um terceiro estranho à relação tenha ameaçado um dos celebrantes. Assim, nesta hipótese caberá anulação do negócio jurídico se o terceiro coator agia de maneira que o beneficiário sabia ou tivesse meios de saber. Além disso, o beneficiário arcará solidariamente com o terceiro com as perdas e danos. Ao revés, o negócio não será anulado, não obstante a ameaça perpetrada por terceiro, se o beneficiário não sabia ou não tivesse como saber da atuação do terceiro. Ressalva-se ao coagido o direito de pleitear perdas e danos do terceiro coator (arts. 154 e 155, CC). d) Estado de Perigo É a assunção de uma obrigação excessivamente onerosa por uma razão humanitária, ou seja, para salvar uma vida. A vida a ser salva poderá ser tanto a da pessoa que se obriga ou a de alguém de sua família. Em outras palavras, é a hipótese de alguém, ameaçado por perigo iminente, anui em pagar preço desproporcional para o seu livramento. Temos o exemplo do náufrago que oferece ao seu salvador recompensa exagerada ou o caso do doente que se dispõe a pagar alta cifra para obter a cura pelo médico. Nas hipóteses acima mencionadas não é nem justo que o salvador fique sem remuneração e nem justo que o obrigado empobreça. O ato calamitoso não foi provocado por ninguém, apenas o contrato foi efetuado de maneira desvantajosa. O perigo não é provocado por qualquer contratante, por isso o problema não é simples. Diante da contraposição de interesses, em que ambas as partes obram de boa-fé, a mera anulação do negócio jurídico, exonerando o declarante de cumprir sua obrigação conduz a um resultado injusto. O autor da promessa anulada enriqueceu indevidamente. Nesses casos, o juiz deve apenas invalidar o negócio jurídico no que exorbite. Em se tratando de pessoa não pertencente à família do declarante, o juiz decidirá segundo as circunstâncias do caso, art. 156, p. ú., CC. Dolo de aproveitamento: para que se configure o estado de perigo é imprescindível o dolo de aproveitamento que se traduz na má-fé da parte que se beneficia do negócio ao saber da necessidade do declarante em salvar-se ou a alguém de sua família. Encontra-se expresso o dolo de aproveitamento no art. 156 do CC, onde inserimos negrito: “Configura-se estado de perigo quando alguém, premido da necessidade de salvar-se, ou a pessoa de sua família, de grave dano conhecido pela outra parte, assume obrigação excessivamente onerosa.” e) Lesão Disciplina o artigo 157 do Código Civil: “Ocorre a lesão quando uma pessoa, sob premente necessidade, ou por inexperiência, se obriga a prestação manifestamente desproporcional ao valor da prestação oposta.” Do artigo citado, extraímos os dois requisitos para que ocorra a lesão prevista no CC: a) Requisito objetivo: desarrazoada desproporção nas prestações, isto é, a prestação não se justifica de forma razoável. A quantificação da desproporção não foi preestabelecida pela lei, devendo o magistrado, no caso concreto, perquiri-la. Importa lem- brar que a desproporção das prestações será apreciada segundo os valores vigentes ao tempo em foi celebrado o negócio jurídico (art. 157, § 1º). Assim, imaginemos a seguinte hipótese: um imóvel foi vendido no ano de 2004 pelo valor de R$ 200 mil; porém, a essa época o valor real do imóvel era de R$ 400 mil. No ano se- guinte, foi construída um penitenciária ao lado do imóvel, o que levou à sua desvalorização para o valor de R$ 200 mil. Em 2006, o anterior proprietário do imóvel, o qual foi ofendido pela lesão, resolver ajuizar ação para anulação do negócio. O pleito da anu- lação se mostra perfeitamente possível, e a parte que comprou o imóvel não poderá alegar a referida desvalorização, uma vez que a desproporção será avaliada segundo o valor do imóvel à época em que o negócio foi celebrado. b) Requisito subjetivo: o estado de premente necessidade ou inexperiência da parte lesada. A premente necessidade se tra- duz na inevitabilidade que incide sobre o espírito do contratante, da importância de se contratar naquele momento, por exemplo, quando se dá ensejo à venda de algo para obtenção de determi- nada quantia em dinheiro para impedir o protesto de um título ou um pedido de falência. Já a inexperiência deve ser entendida em sentido amplo, não incidente apenas sobre o “matuto” ou aquele que é inculto, mas sobre qualquer pessoa, isto é, trata-se da falta de habilidade ou fragilidade de conhecimentos para o ato da con- tratação em si. Somente os dois requisitos dispostos acima são exigidos para que se configure a lesão do CC. Não é necessário o dolo de aproveitamento nesta espécie de lesão, e tal entendimento foi corroborado pelo Enunciado nº 150, CJF: “A lesão de que trata o art. 157 do CC não exige o dolo de aproveitamento.” Assim, havendo a premente necessidade ou inexperiência do contratante associado a prestações desproporcionais, poderá haver o requerimento da anulação do contrato (art. 171, II, CC). Entretanto, caso seja oferecido suplemento suficiente, ou se a parte favorecida concordar com a redução do proveito, não se decretará a anulação do negócio. Essa regra tem por supedâneo o princípio da conservação ou preservação dos contratos. É interessante para a sociedade que os contratos sejam mantidos,
  • 49.
    Didatismo e Conhecimento47 DIREITO CIVIL haja vista a circulação de riqueza, a geração de empregos e a distribuição de renda gerados pelo contrato. Nessa senda, o Enunciado nº 149: “Em atenção ao princípio da conservação dos contratos, a verificação da lesão deverá conduzir, sempre que possível, à revisão judicial do negócio jurídico e não à sua anulação, sendo dever do magistrado incitar os contratantes a seguir as regras do art. 157, § 2º, do CC.” Ademais, pode o lesionado pleitear direitamente a revisão judicial do negócio. Entendimento este firme no enunciado nº 291: “Nas hipóteses de lesão previstas no art. 157 do CC, pode o lesionado optar por não pleitear a anulação do negócio jurídico, deduzindo, desde logo, pretensão com vista à revisão judicial do negócio por meio da redução do proveito do lesionador ou do complemento do preço.” Traços distintivos entre a lesão e o estado de perigo: a) Quanto à necessidade de celebrar o negócio: na lesão é para solucionar um problema econômico; no estado de perigo, para salvar a uma vida. b) Quanto à exigência do dolo de aproveitamento: na le- são é dispensável; no estado de perigo, imprescindível. c) Quanto ao objeto da obrigação: na lesão é um dar; no estado de perigo, poderá ser um dar ou um fazer. 4.2 Vícios Sociais No vício social embora a vontade se manifeste de acordo com o desejo dos contratantes, a intenção é sempre de prejudicar um terceiro. a) Fraude contra credores Baseia-se no princípio da responsabilidade patrimonial: “é o patrimônio do devedor que responde por suas obrigações”. Ocorre a fraude contra credores quando um devedor pratica negócios que o torne insolvente. Ainda que o devedor venda algum bem, se restarem bens suficientes para pagar as dívidas, não será considerado insolvente. O Código Civil dispõe quatro situações em que podem ocorrer fraudes contra credores, as quais passamos a analisar: a) Alienações onerosas (artigo 159 do Código Civil) É a situação mais comum de fraude contra credores. Se o devedor vende seus bens, tornando-se insolvente, caracteriza- se fraude contra credores. O terceiro adquirente poderá estar de boa-fé (quando não sabe da situação real do devedor) ou de má- fé (quando sabe da situação real do devedor). Havendo boa-fé do terceiro adquirente, os bens não retornam ao devedor para o pagamento dos credores. São dois os requisitos exigidos para que os credores tenham sucesso na ação contra o devedor que vende seus bens para fraudar os credores: * eventus damni: o credor deve provar que, com a venda, o devedor se tornou insolvente, não mais possuindo bens suficientes para o pagamento de suas dívidas; * consilium fraudis (má-fé do terceiro adquirente): não há necessidade de se provar que o terceiro adquirente estava combinado com o devedor, bastando a prova de que ele estava ciente da situação financeira do devedor. O artigo 159 do Código Civil prevê duas presunções de má-fé do terceiro adquirente: * quando era notória a insolvência do devedor; * quando o terceiro adquirente tinha motivos para conhecer a má situação financeira do devedor. Os tribunais estabeleceram quando o terceiro teria motivos (parentes próximos, amizade íntima, negócios feitos anteriormente etc.). Essa presunção não é absoluta, visto que o legislador deixou meio vago quanto aos motivos. b) Alienações a título gratuito e remissões de dívidas (artigo 158 do Código Civil) Quando o devedor faz doações de seus bens. Quando se trata de doações, o único requisito que os credores devem provar é a insolvência do devedor. Não há necessidade de prova da má-fé do terceiro adquirente. Ocorre também fraude quando o devedor procede à remissão de dívidas, ou seja, quando o devedor é credor de terceiro e deixa de cobrar o seu crédito, perdoando o terceiro devedor, uma vez que o crédito sendo passível de penhora, o devedor prefere então prejudicar o seu credor perdoando a dívida de seu devedor. c) Pagamento de dívida ainda não vencida, estando o devedor insolvente (artigo 162 do Código Civil) Quando o devedor insolvente tendo dívidas já vencidas, opta, exatamente, por pagar aquela ainda não vencida. Se isso ocorrer, os outros devedores poderão ingressar com uma ação contra o credor que recebeu. Havendo o pagamento de dívida não vencida, a presunção de fraude se torna absoluta. Importante perceber que, em caso contrário, se o devedor proceder ao pagamento da dívida já vencida, não há problema algum. d) Concessão de garantia real a um credor quirografário, estando o devedor insolvente (artigo 163 do Código Civil) Quando o devedor, já insolvente, resolve privilegiar um dos credores quirografários, dando-lhe uma garantia real (hipoteca, penhor ou anticrese). Tal ato será considerado em fraude contra os demais credores, uma vez que o devedor que concedeu a garantia, desse modo beneficiou a um dos credores em detrimento dos demais. Neste caso, os outros credores podem ingressar com uma ação para anular essa garantia. Conforme ressalva do art. 164 do CC, não se configura a fraude contra credores quando o negócio jurídico praticado pelo devedor for indispensável à manutenção de estabelecimento mercantil, rural ou industrial, ou à sua subsistência e de sua família. Por exemplo, a disposição de estoque rotativo de pequeno comércio do devedor. Fundamenta-se tal dispositivo na teoria do patrimônio mínimo, que propugna pela razoabilidade de tal ato de disposição patrimonial, tendo em vista a necessidade do devedor, que precisa ter, antes de tudo, a sua dignidade preservada, uma vez que esta se encontra acima dos interesses dos credores. Assim, muitas vezes, o ato de disposição do patrimônio se mostra inevitável para garantir ao devedor um mínimo de sustento de sua pessoa e de seus familiares. Não podemos esquecer, entretanto, que a presunção de boa-fé estampada no art. 164 do CC é iuris tantum, admitindo, portanto, prova em contrário. Requisitos para a configuração da fraude contra credores: a) Insolvência do devedor ou iminência de se tornar insol- vente com o ato praticado: a insolvência ocorre quando o patri- mônio passivo é superior ao patrimônio ativo (volume de dívidas superior ao de bens). Neste ponto, não se pode confundir insolvên-
  • 50.
    Didatismo e Conhecimento48 DIREITO CIVIL cia com inadimplência, uma vez que esta última se manifesta pelo não cumprimento de uma obrigação. Assim, é bem possível uma pessoa insolvente e adimplente, ou então, solvente e inadimplente. b) Eventus damni (elemento objetivo): trata-se do dano ou prejuízo sofridos pelo credor diante do ato praticado pelo devedor. c) Consilium fraudis ou scientia fraudis (elemento subje- tivo): manifesta-se no conluio fraudulento ente aquele que dispõe do bem e aquele que o adquire. A prova desse requisito é dispen- sada em se tratando de fraude a título gratuito, pagamento de dí- vida não vendida e concessão de garantias reais, vez que nessas hipóteses há uma presunção iure et de iure de conluio entre as partes. Ao revés, o consilium fraudis se apresenta indispensável e deve ser provado diante da fraude a título oneroso. Assim se extrai do art. 159, no qual grifamos: “Serão igualmente anuláveis os contratos onerosos do devedor insolvente, quando a insolvência for notória, ou houver motivo para ser conhecida do outro con- tratante.” A insolvência será notória quando conhecida de todos, por exemplo, em havendo títulos protestados ou publicações pela imprensa. Será, porém, presumida a insolvência quando houver motivos para ser conhecida pelo outro contratante, por exemplo, amizade íntima ou parentesco próximo entre o disponente do bem (o devedor) e o adquirente. Ação Pauliana ou Revogatória A ação pauliana somente é utilizada nos casos de fraude contra credores. Não se confunde esta com a ação revocatória da Lei de Falências. A ação pauliana foi tratada no Código Civil como uma ação anulatória, portanto de natureza desconstitutiva. Ou seja, busca- se a demonstração e o reconhecimento da fraude contra credores. Se o juiz julga procedente a ação, ele anulará a venda ou a doação do bem. Hoje, a jurisprudência passou a considerar a ação pauliana como ação declaratória de ineficácia do negócio jurídico em face dos credores que a ajuizaram. Então, havendo anulação, o Juiz autorizará os credores a penhorarem os bens alienados pelo devedor. Legitimidade Ativa O art. 158 do CC dispõe que somente o credor quirografário está legitimado para propor ação pauliana, ou seja, aquele que não possui nenhuma garantia real, e desde que já fosse credor na data da alienação (§ 2º, art. 158, CC), visto que o credor quirografário depende dos bens do devedor para a quitação da dívida. É lógica a conclusão, haja vista que o credor titular de uma garantia real não tem interesse de agir no que tange à referida ação. Isso porque, sendo titular de uma garantia, possui o direito de seqüela sobre o bem que foi dado em garantia, podendo, simplesmente pleitear a sua penhora mesmo que em mãos de terceiro. Porém, o § 1º do art. 158, CC, admite que o credor titular de uma garantia real poderá ajuizar a ação pauliana se o bem dado em garantia se tornar insuficiente para o pagamento da dívida. O Enunciado nº 151, CJF dispõe que: “O ajuizamento da ação pauliana pelo credor com garantia real prescinde de prévio reconhecimento judicial da insuficiência da garantia.” Legitimidade Passiva O artigo 161 dispõe que a ação pauliana poderá ser proposta contra o devedor e os terceiros adquirentes de má-fé. Assim, a ação deverá ser ajuizada contra o devedor insolvente, a pessoa que com ele celebrou a estipulação considerada fraudulenta e o terceiro subadquirente que haja procedido de má-fé. Se esse último tiver adquirido de boa-fé, o negócio não será atingido, de modo que o de má-fé deverá repor o equivalente em dinheiro. O direito de se pleitear a anulação do negócio por meio da ação pauliana ou revocatória decai em 04 (quatro) anos a contar da celebração do negócio (art. 178, II, CC). Indispensável se torna o ajuizamento da ação pauliana para atingir o ato praticado em fraude, confirmado isso pela Súmula 195 do STJ, que dispõe: “Em embargos de terceiro, não se anula ato jurídico, por fraude contra credores.” Assim, se o bem tivesse sido alienado, poderia tão somente o credor requerer a penhora desse bem em poder de terceiro. Esse, por sua vez, apresentaria embargos de terceiro, e aqui se discutiria a fraude. Porém, a súmula retro citada afasta totalmente essa possibilidade, não restando ao credor outra possibilidade que não o ajuizamento da ação pauliana. Efeitos da ação pauliana: como defeito do negócio jurídico que é, a fraude contra credores comprovada em ação pauliana induz à anulação daquele negócio jurídico, conforme estabelece o art. 171, II, CC. Assim, tendo em vista um negócio praticado em fraude contra credores, o regime a ser aplicado é o da anulabilidade. O artigo 164 do Código Civil dispõe que são válidos os negócios ordinários indispensáveis à manutenção de seu comércio, indústria e agricultura. O artigo 160 do Código Civil trata de uma situação que a doutrina chama de “fraude não consumada”. Há a permissão de que o terceiro adquirente de boa-fé – que dá um sinal e fica de pagar o preço, descobrindo a situação do devedor – para evitar a consumação da fraude, pode depositar o restante do preço em juízo, requerendo a citação dos credores para, eventualmente, levantarem o dinheiro depositado. b) Simulação Inovou o Código Civil ao determinar que a simulação é uma hipótese de negócio jurídico nulo (artigo 167). A simulação é uma declaração enganosa da vontade que visa produzir efeito diferente do ostensivamente indicado. Oferece uma aparência diferente do efetivo querer das partes. As partes fingem o negócio que de forma alguma querem ou desejam. É uma burla intencional, um conluio das partes que almejam disfarçar a realidade enganando terceiro. O artigo 167 do CC dispõe que: “É nulo o negócio jurídico simulado, mas subsistirá o que se dissimulou, se válido for na substância e na forma”. Esse dispositivo, para ser compreendido, deverá ser repartido em duas partes: a primeira, que nos informa que o negócio simulado é sempre nulo; e a segunda, que impõe a subsistência do negócio dissimulado se válido em sua substancia e forma. Para alcançarmos o real sentido da disposição, precisamos aceitar que um negócio simulado é, na verdade, formado por dois negócios: a) Negócio dissimulado ou real: trata-se do negócio ver- dadeiramente desejado pelas partes, aquilo que elas realmente intencionavam, mas que por um motivo ou outro não puderam ou quiseram fazê-lo.
  • 51.
    Didatismo e Conhecimento49 DIREITO CIVIL b) Negócio simulado: é o negócio apresentado à socieda- de. Representa, então, a máscara ou o véu utilizado pelas partes que não puderam apresentar à sociedade o seu real intento, por isso apresentam o simulado. Assim, o negócio simulado esconde o negócio dissimulado, ou seja, aquilo que as partes realmente queriam. Por isso, dizemos que o negócio simulado é composto por dois negócios: um por fora (negócio simulado) e um por dentro, oculto (negócio dissimulado). Ex.: o nosso ordenamento jurídico não admite que um homem casado doe bens à sua concubina (art. 550, CC). Daí que esse homem casado, procurando contornar a proibição, delibera por fazer então um contrato de compra e venda com a sua concubina. Nessa hipótese temos uma simulação. Dissecando o ato simulado, encontramos dois negócios: o negócio simulado, que foi o que ele apresentou a toda a sociedade, a compra e venda; e um negócio dissimulado, que era o que o homem realmente queria: a doação. Tendo em vista o art. 167 do CC, podemos dizer que a compra e venda será nula e que a doação, exatamente porque não é válida em sua substância, não subsistirá. Por outro lado, podemos vislumbrar uma situação em que o negócio simulado será nulo (mesmo porque o negócio simulado sempre será nulo), porém o negócio dissimulado poderá subsistir. Para tanto, esse último deverá ser válido em sua substância e em sua forma. Hipóteses de simulação (art. 167, § 1º, CC): a) Quando o negócio aparentar conferir ou transmitir di- reitos a pessoas diversas daquelas às quais realmente conferem ou transmitem; b) Quando o negócio contiver declaração, confissão, con- dição ou cláusula não verdadeira; c) Quando os instrumentos particulares forem antedatados, ou pós-datados. Espécies de simulação: a) Simulação Absoluta: ocorre quando aquele que pratica o ato fraudulento, não busca de sua atuação os efeitos normais do ato. Pode-se dizer que, na verdade, as partes não realizam nenhum negócio. Por exemplo, o homem casado que antevendo o fim de seu casamento, emite títulos de crédito em favor de um amigo, para diminuir o futuro monte partível. Nesse ato, não são perseguidos pelo homem casado que o pratica os seus efeitos na- turais, quais sejam, constituição de um credor e de um devedor, mas sim, tão somente prejudicar a esposa quando da separação do casal. Outro exemplo: quando o proprietário de um imóvel, para motivar uma ação de despejo contra o inquilino, finge vender o imóvel a terceiro, temos aqui uma simulação absoluta, pois não existe venda alguma por trás do ato fraudulento. b) Simulação relativa: busca-se a produção e efeitos no negócio praticado. É nesta espécie de simulação que encontramos os dois negócios tratados anteriormente: o negócio simulado (que é sempre nulo) e o negócio dissimulado (que poderá subsistir se válido for na sua substância e em sua forma). A simulação relativa divide-se em: I) Subjetiva: é aquela que ocorre por interposição de al- guém, assim, transferem-se direitos a pessoa diversa daquela à qual realmente se transmite. Aqui encontramos a figura do “la- ranja”, “testa de ferro”, “homem-de-palha”, que apenas aparen- temente receberá o direito. Ex.: um tutor, não podendo adquirir bens de seu tutelado, convoca um amigo para que o faça por ele. II) Objetiva: aqui se pratica um negócio para encobrir ou- tro, ou então, contém uma condição, declaração ou cláusula não verdadeira, ou mesmo quando os instrumentos particulares forem antedatados ou pós-datados. Ex: o homem que pretendendo doar bens à sua amante, não podendo por encontrar óbice legal, cele- bra um contrato de compra e venda. Ou então, o sujeito que na escritura de compra e venda faz constar valor inferior ao real do imóvel para diminuir o imposto de transmissão incidente, temos uma simulação relativa objetiva, pois temos um negócio real e um negócio aparente. Simulação inocente: é aquela que não objetiva violar a lei ou prejudicar a terceiro. Ex: o homem solteiro que, ao esconder uma doação à sua amante, faz um contrato de compra e venda. Simulação maliciosa ou fraudulenta: é aquela que objetiva fraudar a lei ou prejudicar a terceiro. O CC de 1916 trazia dispositivo tratando da simulação ino- cente e reputando o negócio válido. Porém, o CC de 2002 não re- petiu esse dispositivo. Assim, não faz mais sentido, a distinção ora comentada, de modo que a doutrina tende a apontar pela nulida- de em uma ou outra hipótese. Reiterando esse posicionamento, o Enunciado nº 152, do CJF, esclarece: “Toda simulação, inclusive a inocente, é invalidante.” Terceiro de boa-fé: o CC protege o terceiro de boa-fé que celebra um negócio com um dos simuladores. Imagine, por exem- plo, no caso do homem casado que, não podendo doar bens à sua amante, faz com ela um contrato de compra e venda de um veículo e, posteriormente, essa aliena o veículo a um terceiro que nada sabe acerca da simulação. Os interesses desse último deverão ser protegidos, pois se trata de um terceiro de boa-fé. Portanto, há a inoponibilidade do negócio simulado perante terceiros de boa-fé. Assim, estabelece o § 2º do art. 167 do CC: “Ressalvam-se os direitos do terceiro de boa-fé em face dos contraentes do negócio jurídico simulado.” Reserva mental: ocorre quando o declarante manifesta sua vontade com o intuito deliberado de não cumpri-la, ocultando esse propósito mentalmente. É obvio que o negócio praticado em re- serva mental subsiste. A grande característica da reserva mental é que ela é sempre unilateral, ou seja, o outro declarante não toma conhecimento do real propósito da declaração de uma das par- tes. E é exatamente por isso que o negócio praticado em reserva mental é irrelevante e subsistirá. Porém, os contornos da situação mudam se o declarante faz com que o declaratário tome conheci- mento e consinta no propósito enganoso, porque nesse momento o que era unilateral torna-se bilateral, adquirindo relevância ju- rídica. Daí que, se há consenso entre as partes, estamos diante de um ato simulado que é sempre nulo de pleno direito, como vimos anteriormente. Confira, a propósito, o art. 110, CC: “A manifesta- ção de vontade subsiste ainda que o seu autor haja feito a reserva mental de não querer o que manifestou, salvo se dela o destinatá- rio tinha conhecimento.” Ex.: um estrangeiro em situação irregu- lar no país, para evitar a sua expulsão, casa-se com uma mulher brasileira. Se esta não sabe do real motivo do casamento, este será válido. Porém, se a mulher sabe das reais razões e a elas anui, o casamento será nulo, em virtude da simulação operada.
  • 52.
    Didatismo e Conhecimento50 DIREITO CIVIL 5. Da Invalidade dos Negócios Jurídicos (Nulidades e Anulabilidades). A invalidade do negócio jurídico é gênero que engloba duas espécies: a nulidade e a anulabilidade. É dizer que o negócio poderá ser invalido porque é nulo ou porque é anulável. Nulidade (nulidade absoluta): é a sanção que se impõe ao negócio jurídico por conter um defeito grave. Assim, diz-se que o negócio contém um defeito grave exataemnte por atingir a inteeresse público e ferir a pacificação social. Hipóteses de nulidade absoluta (art. 166, CC): a) Celebrado por pessoa absolutamente incapaz (art. 3º, CC); b) O seu objeto for ilícito, impossível ou indeterminável; c) O motivo determinante, comum a ambas as partes, for ilícito; d) Não revestir a forma prescrita em lei; e) Alguma solenidade que a lei considere essencial para a sua validade for preterida; f) Tiver por objetivo fraudar lei imperativa; e g) A lei taxativamente o declarar nulo, ou proibir-lhe a prá- tica, sem cominar sanção. Além das hipóteses trazidas pelo art. 166 do CC, será também fulminado por nulidade absoluta o negócio praticado em simulação, conforme o art. 167 do CC. Peculiaridades do regime das nulidades a) Quanto aos efeitos: o negócio nulo não produz os efeitos que lhe são próprios. Isso em razão de que a sentença que declara a nulidade possui efeitos ex tunc, o que significa que ela retroage e fulmina tudo o que ficou para trás. Assim o negócio nulo não che- ga a produzir efeitos nem mesmo entre a celebração do negócio e a prolação da sentença que declarou a nulidade. b) Quem poderá alegar: a nulidade, por ofender a interesse público, poderá ser alegada, conforme o art. 168 e seu parágrafo único, do CC, por qualquer interessado ou pelo Ministério Públi- co, quando lhe couber intervir. Ademais, deverá o juiz pronunciá- -la de ofício quando detectá-la no negócio jurídico. c) Possibilidade de confirmação: o negócio nulo não pode- rá ser confirmado pelos interessados, assim dispõe expressamente a primeira parte do art. 169 do CC. d) Prazo decadencial para pleitear a declaração de nulida- de: não há prazo para se alegar a nulidade absoluta, o que significa que a todo tempo poderá ser alegada. Conclui-se, portanto, que a alegação de nulidade absoluta é perpétua, ou como preferem alguns, o ato nulo é “imprescritível”. Portanto, quando a segunda metade do art. 169 preceitua que “(...) nem convalesce com o decurso do tempo” , isso significa dizer que, ainda que se passem muitos anos, o ato nulo não se restabelece, não se cura com o transcurso do tempo. e) Conversão do nulo ou conversão substancial dos ne- gócios jurídicos (art. 170, CC): como dito anteriormente, o ato nulo não pode ser confirmado pelas partes, porém é como se uma tábua de socorro fosse lançada em favor dos celebrantes do negó- cio nulo, quando estamos diante da possibilidade de conversão do nulo. A conversão do nulo significa o aproveitamento dos elemen- tos materiais do negócio nulo, para transposição e adequação em outro negócio que seja válido. O princípio que inspira a conversão é o princípio da conversão ou preservação do negócio jurídico. Por exemplo, a conversão de um contrato de compra e venda de imóvel realizado por instrumento particular (negócio nulo) em uma promessa de compra e venda por instrumento particular (ne- gócio válido). Anulabilidade (nulidade relativa): é a sanção que se impõe ao negócio jurídico por conter defeito leve ou menos grave. A ofensa, nesse caso, não atinge a interesses públicos, a proteção volta-se aos interesses privados. Hipóteses de nulidade relativa (art. 171, CC). a) Celebrado por relativamente incapaz (art. 4º, CC); b) Celebrado por vício resultante de erro, dolo, coação, es- tado de perigo, lesão ou fraude contra credores. Peculiaridades do regime das anulabilidades: a) Quanto aos efeitos: o negócio jurídico anulável, para a doutrina tradicional, produz efeitos desde a sua celebração até a prolatação da sentença que decretou a anulação. Assim, se diz que essa sentença que decreta a anulação produz efeitos ex nunc. Esse posicionamento é justificado pelo art. 177 do CC, onde marcamos em negrito: “A anulabilidade não tem efeito antes de julgada por sentença, nem se pronuncia de ofício; só os interessados a po- dem alegar, e aproveita exclusivamente aos que a alegarem, salvo o caso de solidariedade ou indivisibilidade.” Entretanto, não há pacificidade na doutrina e na jurisprudência nesse ponto. É forte a corrente que entende o contrário, que a sentença da ação anu- latória possui efeitos ex tunc, bem como a já citada sentença que declara a nulidade absoluta. Esse entendimento encontra guarida no art. 182 do CC: “anulado o negócio jurídico, restituir-se-ão as partes ao estado em que antes dele se achavam, e, não sendo possível restituí-las, serão indenizadas com o equivalente.” b) Quem pode alegar: conforme o art. 177 do CC, somente os interessados podem alegar a anulabilidade e aproveita exclusi- vamente aos que a alegarem, salvo o caso de solidariedade e indi- visibilidade. Assim, o juiz de ofício não poderá pronunciá-la, nem o representante do Ministério Público poderá suscitá-la quando tiver de intervir no processo. c) Possibilidade de confirmação: o negócio anulável ad- mite a confirmação pelas partes. É o que dispõe o art. 172 do CC, ressalvado o direito de terceiro. A confirmação poderá ser de três espécies: I) Expressa: quando o ato de confirmação deve conter a substância de negócio celebrado e a vontade expressa de mantê-lo (art. 173, CC); II) Tácita: quando o negócio já foi cumprido em parte pelo devedor (art. 174, CC); III) Presumida: quando o interessado deixa transcorrer in albis o prazo decadencial (arts. 178 e 179, ambos do CC) para reclamar a anulação. d) Convalescimento do negócio por meio da obtenção de autorização: é admitido quando o motivo da anulabilidade decor- rer da falta de autorização de um terceiro, caso esta seja obtida posteriormente (art. 176, CC). e) Prazo decadencial para pleitear a anulação: o prazo decadencial para alegação da anulabilidade do negócio jurídico será de quatro anos, com o início do prazo a depender do fato gerador da anulabilidade (art. 178, CC). Em se tratando de coa- ção, o prazo se inicia quando cessar a coação. Isso se apresenta como óbvio, uma vez que a vítima, enquanto coagida, não possui liberdade para pleitear a anulação do ato. Se a causa geradora da
  • 53.
    Didatismo e Conhecimento51 DIREITO CIVIL anulação for o erro, o dolo, a fraude contra credores, o estado de perigo ou a lesão, a contagem se inicia do dia em que se realizou o negócio jurídico. E na hipótese de ato de relativamente incapazes, a contagem se inicia do dia em que cessar a incapacidade. Isso porque o incapaz não pode postular pessoalmente a anulação do negócio jurídico. Obs.: além das hipóteses descritas no art. 171 do CC, admite-se a anulação do negócio em outras situações, desde que expressamente declaradas em lei. Nesse caso, o art. 179 do CC dispõe que: “Quando a lei dispuser que determinado ato é anulável, sem estabelecer prazo para pleitear-se a anulação, será este de dois anos, a contar da data da conclusão do ato.” Observações importantes: a) Teoria do Tu Quoque: o art. 180 dispõe: “O menor, entre dezesseis e dezoito anos, não pode, para eximir-se de uma obrigação, invocar a sua idade se dolosamente a ocultou quando inquirido pela outra parte, ou se, no ato de obrigar-se declarou-se maior.” O que o referido artigo quer dizer é que diante da malí- cia empregada pelo menor, o negócio será perfeitamente válido e exigível, não podendo o menor entre dezesseis anos e dezoito anos, depois de realizado o negócio, buscar a proteção da lei, se de início agiu esperta e maliciosamente enganando a outra parte acerca de sua idade. O que há neste dispositivo é a aplicação da teoria do tu quoque. A expressão “tu quoque” deriva, em verda- de, da famosa indagação de Júlio césar, em 44 a.C., quando ao detectar dentre os seus assassinos, seu filho Marco Júnio Bruto, questiona: “Tu quoque, Brutus, tu quoque, fili mili?” que em tra- dução significa: “Até tu, Brutus, até tu, meu filho?” Doravante, a indagação consagrou-se universalmente como sinônimo de espan- to e decepção. b) Impossibilidade de se reclamar a devolução da impor- tância paga a um incapaz: como bem sabemos, em não havendo a malícia empregada pelo incapaz, estaremos diante da nulidade do ato (para os absolutamente incapazes) ou de sua anulabilidade (para os relativamente incapazes). No caso de nulidade, qualquer interessado poderá pleitear a nulidade e o juiz de ofício poderá pronunciá-la também. No caso de anulabilidade, somente o in- capaz poderá pleiteá-la, e não aquele que com ele contratou (art. 105, CC). Posto isso, o absoluta ou relativamente incapaz, diante da declaração de invalidade de seu ato, não terá a obrigação de restituir o que recebeu. A outra parte, para obter a restituição do que foi pago, deverá demonstrar que reverteu em proveito do in- capaz a importância paga (art. 181, CC). c) Princípio da incomunicabilidade das nulidades: a nu- lidade poderá ser total ou parcial. A nulidade total importará o alcance de seus efeitos em todo o negócio jurídico, é dizer, será todo ele atingido pelos efeitos fulminantes da nulidade. Entretan- to, é possível que a nulidade seja parcial; de tal modo, apenas a parte do negócio maculada será atingida pela nulidade. Em sendo possível a cindibilidade da parte viciada do negócio de sua parte válida, devemos crer que a parte viciada não contaminará o ne- gócio como um todo. Ex.: em se anulando um testamento por ter se invadido a legítima de herdeiros necessários, perdurará como válida a parte do negócio atinente ao reconhecimento do filho. Nesse sentido, dispôs o legislador do CC, na primeira parte do ar- tigo 184: “Respeitada a intenção das partes, a invalidade parcial de um negócio jurídico não o prejudicará na parte válida, se esta for separável; (...). “A invalidade da obrigação principal induz à das obrigações acessórias, em razão da prevalência do princípio da gravitação jurídica (“o acessório segue o principal”). Por isso dispôs o CC, na segunda parte do art. 184: “(...) a invalidade da obrigação principal implica a das obrigações acessórias, mas a destas não induz a da obrigação principal”. Ex.: a nulidade da lo- cação (contrato principal) atingirá a fiança (contrato acessório). d) A invalidade do instrumento: nos negócios jurídicos pe- los quais a lei impõe determinada forma – os negócios formais – em havendo a sua inobservância, a consequencia é a nulidade do ato (art. 166, IV, CC). Isso porque o instrumento funciona, em alguns casos, como requisito de validade. Assim, a invalidade do instrumento contamina o conteúdo do ato. Porém, existem negó- cios em que a forma se mostra desnecessária – os negócios infor- mais – e se esses negócios se manifestarem por meio de um deter- minado instrumento, nessas hipóteses, o instrumento se apresenta apenas como meio de prova. São os negócios ad probationem tantum, isto é, que podem ser realizados pela forma livre, porém as partes resolvem celebrá-lo por escrito. Para esses negócios, a conclusão é a de que, se desnecessária determinada forma, na hipótese de sua doação e de sua eventual invalidade, incólume permanecerá o ato que poderá ser provado por outro meio. Por isso, dispõe o art. 183 do CC: “A invalidade do instrumento não induz a do negócio jurídico sempre que este puder provar-se por outro meio.” LIVRO III Dos Fatos Jurídicos TÍTULO I Do Negócio Jurídico CAPÍTULO I Disposições Gerais Art. 104. A validade do negócio jurídico requer: I - agente capaz; II - objeto lícito, possível, determinado ou determinável; III - forma prescrita ou não defesa em lei. Art. 105. A incapacidade relativa de uma das partes não pode ser invocada pela outra em benefício próprio, nem aproveita aos co-interessados capazes, salvo se, neste caso, for indivisível o objeto do direito ou da obrigação comum. Art. 106. A impossibilidade inicial do objeto não invalida o negócio jurídico se for relativa, ou se cessar antes de realizada a condição a que ele estiver subordinado. Art. 107. A validade da declaração de vontade não dependerá de forma especial, senão quando a lei expressamente a exigir. Art. 108. Não dispondo a lei em contrário, a escritura pública é essencial à validade dos negócios jurídicos que visem à constituição, transferência, modificação ou renúncia de direitos reais sobre imóveis de valor superior a trinta vezes o maior salário mínimo vigente no País. Art. 109. No negócio jurídico celebrado com a cláusula de não valer sem instrumento público, este é da substância do ato. Art. 110. A manifestação de vontade subsiste ainda que o seu autor haja feito a reserva mental de não querer o que manifestou, salvo se dela o destinatário tinha conhecimento. Art. 111. O silêncio importa anuência, quando as circunstâncias ou os usos o autorizarem, e não for necessária a declaração de vontade expressa. Art. 112. Nas declarações de vontade se atenderá mais à intenção nelas consubstanciada do que ao sentido literal da linguagem.
  • 54.
    Didatismo e Conhecimento52 DIREITO CIVIL Art. 113. Os negócios jurídicos devem ser interpretados conforme a boa-fé e os usos do lugar de sua celebração. Art. 114. Os negócios jurídicos benéficos e a renúncia interpretam-se estritamente. CAPÍTULO II Da Representação Art. 115. Os poderes de representação conferem-se por lei ou pelo interessado. Art. 116. A manifestação de vontade pelo representante, nos limites de seus poderes, produz efeitos em relação ao representado. Art. 117. Salvo se o permitir a lei ou o representado, é anulável o negócio jurídico que o representante, no seu interesse ou por conta de outrem, celebrar consigo mesmo. Parágrafo único. Para esse efeito, tem-se como celebrado pelo representante o negócio realizado por aquele em quem os poderes houverem sido subestabelecidos. Art. 118. O representante é obrigado a provar às pessoas, com quem tratar em nome do representado, a sua qualidade e a extensão de seus poderes, sob pena de, não o fazendo, responder pelos atos que a estes excederem. Art. 119. É anulável o negócio concluído pelo representante em conflito de interesses com o representado, se tal fato era ou devia ser do conhecimento de quem com aquele tratou. Parágrafo único. É de cento e oitenta dias, a contar da conclusão do negócio ou da cessação da incapacidade, o prazo de decadência para pleitear-se a anulação prevista neste artigo. Art.120.Osrequisitoseosefeitosdarepresentaçãolegalsão os estabelecidos nas normas respectivas; os da representação voluntária são os da Parte Especial deste Código. CAPÍTULO III Da Condição, do Termo e do Encargo Art. 121. Considera-se condição a cláusula que, derivando exclusivamente da vontade das partes, subordina o efeito do negócio jurídico a evento futuro e incerto. Art. 122. São lícitas, em geral, todas as condições não contrárias à lei, à ordem pública ou aos bons costumes; entre as condições defesas se incluem as que privarem de todo efeito o negócio jurídico, ou o sujeitarem ao puro arbítrio de uma das partes. Art. 123. Invalidam os negócios jurídicos que lhes são subordinados: I - as condições física ou juridicamente impossíveis, quando suspensivas; II - as condições ilícitas, ou de fazer coisa ilícita; III - as condições incompreensíveis ou contraditórias. Art. 124. Têm-se por inexistentes as condições impossíveis, quando resolutivas, e as de não fazer coisa impossível. Art. 125. Subordinando-se a eficácia do negócio jurídico à condição suspensiva, enquanto esta se não verificar, não se terá adquirido o direito, a que ele visa. Art. 126. Se alguém dispuser de uma coisa sob condição suspensiva, e, pendente esta, fizer quanto àquela novas disposições, estas não terão valor, realizada a condição, se com ela forem incompatíveis. Art. 127. Se for resolutiva a condição, enquanto esta se não realizar, vigorará o negócio jurídico, podendo exercer-se desde a conclusão deste o direito por ele estabelecido. Art. 128. Sobrevindo a condição resolutiva, extingue- se, para todos os efeitos, o direito a que ela se opõe; mas, se aposta a um negócio de execução continuada ou periódica, a sua realização, salvo disposição em contrário, não tem eficácia quanto aos atos já praticados, desde que compatíveis com a natureza da condição pendente e conforme aos ditames de boa-fé. Art. 129. Reputa-se verificada, quanto aos efeitos jurídicos, a condição cujo implemento for maliciosamente obstado pela parte a quem desfavorecer, considerando-se, ao contrário, não verificada a condição maliciosamente levada a efeito por aquele a quem aproveita o seu implemento. Art. 130. Ao titular do direito eventual, nos casos de condição suspensiva ou resolutiva, é permitido praticar os atos destinados a conservá-lo. Art. 131. O termo inicial suspende o exercício, mas não a aquisição do direito. Art. 132. Salvo disposição legal ou convencional em contrário, computam-se os prazos, excluído o dia do começo, e incluído o do vencimento. § 1o Se o dia do vencimento cair em feriado, considerar- se-á prorrogado o prazo até o seguinte dia útil. § 2o Meado considera-se, em qualquer mês, o seu décimo quinto dia. § 3o Os prazos de meses e anos expiram no dia de igual número do de início, ou no imediato, se faltar exata correspondência. § 4o Os prazos fixados por hora contar-se-ão de minuto a minuto. Art. 133. Nos testamentos, presume-se o prazo em favor do herdeiro, e, nos contratos, em proveito do devedor, salvo, quanto a esses, se do teordo instrumento, ou das circunstâncias, resultar que se estabeleceu a benefício do credor, ou de ambos os contratantes. Art. 134. Os negócios jurídicos entre vivos, sem prazo, são exeqüíveis desde logo, salvo se a execução tiver de ser feita em lugar diverso ou depender de tempo. Art. 135.Ao termo inicial e final aplicam-se, no que couber, as disposições relativas à condição suspensiva e resolutiva. Art. 136. O encargo não suspende a aquisição nem o exercício do direito, salvo quando expressamente imposto no negócio jurídico, pelo disponente, como condição suspensiva. Art. 137. Considera-se não escrito o encargo ilícito ou impossível, salvo se constituir o motivo determinante da liberalidade, caso em que se invalida o negócio jurídico. CAPÍTULO IV Dos Defeitos do Negócio Jurídico Seção I Do Erro ou Ignorância Art. 138. São anuláveis os negócios jurídicos, quando as declarações de vontade emanarem de erro substancial que poderia ser percebido por pessoa de diligência normal, em face das circunstâncias do negócio. Art. 139. O erro é substancial quando: I - interessa à natureza do negócio, ao objeto principal da declaração, ou a alguma das qualidades a ele essenciais; II - concerne à identidade ou à qualidade essencial da pessoa a quem se refira a declaração de vontade, desde que tenha influído nesta de modo relevante; III - sendo de direito e não implicando recusa à aplicação da lei, for o motivo único ou principal do negócio jurídico.
  • 55.
    Didatismo e Conhecimento53 DIREITO CIVIL Art. 140. O falso motivo só vicia a declaração de vontade quando expresso como razão determinante. Art. 141. A transmissão errônea da vontade por meios interpostos é anulável nos mesmos casos em que o é a declaração direta. Art. 142. O erro de indicação da pessoa ou da coisa, a que se referir a declaração de vontade, não viciará o negócio quando, por seu contexto e pelas circunstâncias, se puder identificar a coisa ou pessoa cogitada. Art. 143. O erro de cálculo apenas autoriza a retificação da declaração de vontade. Art. 144. O erro não prejudica a validade do negócio jurídico quando a pessoa, a quem a manifestação de vontade se dirige, se oferecer para executá-la na conformidade da vontade real do manifestante. Seção II Do Dolo Art. 145. São os negócios jurídicos anuláveis por dolo, quando este for a sua causa. Art. 146. O dolo acidental só obriga à satisfação das perdas e danos, e é acidental quando, a seu despeito, o negócio seria realizado, embora por outro modo. Art. 147. Nos negócios jurídicos bilaterais, o silêncio intencional de uma das partes a respeito de fato ou qualidade que a outra parte haja ignorado, constitui omissão dolosa, provando-se que sem ela o negócio não se teria celebrado. Art. 148. Pode também ser anulado o negócio jurídico por dolo de terceiro, se a parte a quem aproveite dele tivesse ou devesse ter conhecimento; em caso contrário, ainda que subsista o negócio jurídico, o terceiro responderá por todas as perdas e danos da parte a quem ludibriou. Art. 149. O dolo do representante legal de uma das partes só obriga o representado a responder civilmente até a importância do proveito que teve; se, porém, o dolo for do representante convencional, o representado responderá solidariamente com ele por perdas e danos. Art. 150. Se ambas as partes procederem com dolo, nenhuma pode alegá-lo para anular o negócio, ou reclamar indenização. Seção III Da Coação Art. 151. A coação, para viciar a declaração da vontade, há de ser tal que incuta ao paciente fundado temor de dano iminente e considerável à sua pessoa, à sua família, ou aos seus bens. Parágrafoúnico.Sedisserrespeitoapessoanãopertencente à família do paciente, o juiz, com base nas circunstâncias, decidirá se houve coação. Art. 152. No apreciar a coação, ter-se-ão em conta o sexo, a idade, a condição, a saúde, o temperamento do paciente e todas as demais circunstâncias que possam influir na gravidade dela. Art. 153. Não se considera coação a ameaça do exercício normal de um direito, nem o simples temor reverencial. Art. 154. Vicia o negócio jurídico a coação exercida por terceiro, se dela tivesse ou devesse ter conhecimento a parte a que aproveite, e esta responderá solidariamente com aquele por perdas e danos. Art. 155. Subsistirá o negócio jurídico, se a coação decorrer de terceiro, sem que a parte a que aproveite dela tivesse ou devesse ter conhecimento; mas o autor da coação responderá por todas as perdas e danos que houver causado ao coacto. Seção IV Do Estado de Perigo Art. 156. Configura-se o estado de perigo quando alguém, premido da necessidade de salvar-se, ou a pessoa de sua família, de grave dano conhecido pela outra parte, assume obrigação excessivamente onerosa. Parágrafo único. Tratando-se de pessoa não pertencente à família do declarante, o juiz decidirá segundo as circunstâncias. Seção V Da Lesão Art. 157. Ocorre a lesão quando uma pessoa, sob premente necessidade, ou por inexperiência, se obriga a prestação manifestamente desproporcional ao valor da prestação oposta. § 1o Aprecia-se a desproporção das prestações segundo os valores vigentes ao tempo em que foi celebrado o negócio jurídico. § 2o Não se decretará a anulação do negócio, se for oferecido suplemento suficiente, ou se a parte favorecida concordar com a redução do proveito. Seção VI Da Fraude Contra Credores Art. 158. Os negócios de transmissão gratuita de bens ou remissão de dívida, se os praticar o devedor já insolvente, ou por eles reduzido à insolvência, ainda quando o ignore, poderão ser anulados pelos credores quirografários, como lesivos dos seus direitos. § 1o Igual direito assiste aos credores cuja garantia se tornar insuficiente. § 2o Só os credores que já o eram ao tempo daqueles atos podem pleitear a anulação deles. Art. 159. Serão igualmente anuláveis os contratos onerosos do devedor insolvente, quando a insolvência for notória, ou houver motivo para ser conhecida do outro contratante. Art. 160. Se o adquirente dos bens do devedor insolvente ainda não tiver pago o preço e este for, aproximadamente, o corrente, desobrigar-se-á depositando-o em juízo, com a citação de todos os interessados. Parágrafo único. Se inferior, o adquirente, para conservar os bens, poderá depositar o preço que lhes corresponda ao valor real. Art. 161. A ação, nos casos dos arts. 158 e 159, poderá ser intentada contra o devedor insolvente, a pessoa que com ele celebrou a estipulação considerada fraudulenta, ou terceiros adquirentes que hajam procedido de má-fé. Art. 162. O credor quirografário, que receber do devedor insolvente o pagamento da dívida ainda não vencida, ficará obrigado a repor, em proveito do acervo sobre que se tenha de efetuar o concurso de credores, aquilo que recebeu. Art. 163. Presumem-se fraudatórias dos direitos dos outros credores as garantias de dívidas que o devedor insolvente tiver dado a algum credor.
  • 56.
    Didatismo e Conhecimento54 DIREITO CIVIL Art.164.Presumem-se,porém,deboa-féevalemosnegócios ordinários indispensáveis à manutenção de estabelecimento mercantil, rural, ou industrial, ou à subsistência do devedor e de sua família. Art. 165. Anulados os negócios fraudulentos, a vantagem resultante reverterá em proveito do acervo sobre que se tenha de efetuar o concurso de credores. Parágrafo único. Se esses negócios tinham por único objeto atribuir direitos preferenciais, mediante hipoteca, penhor ou anticrese, sua invalidade importará somente na anulação da preferência ajustada. CAPÍTULO V Da Invalidade do Negócio Jurídico Art. 166. É nulo o negócio jurídico quando: I - celebrado por pessoa absolutamente incapaz; II - for ilícito, impossível ou indeterminável o seu objeto; III - o motivo determinante, comum a ambas as partes, for ilícito; IV - não revestir a forma prescrita em lei; V - for preterida alguma solenidade que a lei considere essencial para a sua validade; VI - tiver por objetivo fraudar lei imperativa; VII - a lei taxativamente o declarar nulo, ou proibir-lhe a prática, sem cominar sanção. Art. 167. É nulo o negócio jurídico simulado, mas subsisti- rá o que se dissimulou, se válido for na substância e na forma. § 1o Haverá simulação nos negócios jurídicos quando: I - aparentarem conferir ou transmitir direitos a pessoas diversas daquelas às quais realmente se conferem, ou trans- mitem; II - contiverem declaração, confissão, condição ou cláusula não verdadeira; III - os instrumentos particulares forem antedatados, ou pós-datados. § 2o Ressalvam-se os direitos de terceiros de boa-fé em face dos contraentes do negócio jurídico simulado. Art. 168. As nulidades dos artigos antecedentes podem ser alegadas por qualquer interessado, ou pelo Ministério Público, quando lhe couber intervir. Parágrafo único. As nulidades devem ser pronunciadas pelo juiz, quando conhecer do negócio jurídico ou dos seus efeitos e as encontrar provadas, não lhe sendo permitido supri- -las, ainda que a requerimento das partes. Art. 169. O negócio jurídico nulo não é suscetível de con- firmação, nem convalesce pelo decurso do tempo. Art. 170. Se, porém, o negócio jurídico nulo contiver os requisitos de outro, subsistirá este quando o fim a que visavam as partes permitir supor que o teriam querido, se houvessem previsto a nulidade. Art. 171. Além dos casos expressamente declarados na lei, é anulável o negócio jurídico: I - por incapacidade relativa do agente; II - por vício resultante de erro, dolo, coação, estado de perigo, lesão ou fraude contra credores. Art. 172. O negócio anulável pode ser confirmado pelas partes, salvo direito de terceiro. Art. 173. O ato de confirmação deve conter a substância do negócio celebrado e a vontade expressa de mantê-lo. Art. 174. É escusada a confirmação expressa, quando o negócio já foi cumprido em parte pelo devedor, ciente do vício que o inquinava. Art. 175. A confirmação expressa, ou a execução voluntá- ria de negócio anulável, nos termos dos arts. 172 a 174, impor- ta a extinção de todas as ações, ou exceções, de que contra ele dispusesse o devedor. Art. 176. Quando a anulabilidade do ato resultar da falta de autorização de terceiro, será validado se este a der poste- riormente. Art. 177. A anulabilidade não tem efeito antes de julgada por sentença, nem se pronuncia de ofício; só os interessados a podem alegar, e aproveita exclusivamente aos que a alegarem, salvo o caso de solidariedade ou indivisibilidade. Art. 178. É de quatro anos o prazo de decadência para pleitear-se a anulação do negócio jurídico, contado: I - no caso de coação, do dia em que ela cessar; II - no de erro, dolo, fraude contra credores, estado de pe- rigo ou lesão, do dia em que se realizou o negócio jurídico; III - no de atos de incapazes, do dia em que cessar a inca- pacidade. Art. 179. Quando a lei dispuser que determinado ato é anulável, sem estabelecer prazo para pleitear-se a anulação, será este de dois anos, a contar da data da conclusão do ato. Art. 180. O menor, entre dezesseis e dezoito anos, não pode, para eximir-se de uma obrigação, invocar a sua idade se dolosamente a ocultou quando inquirido pela outra parte, ou se, no ato de obrigar-se, declarou-se maior. Art. 181. Ninguém pode reclamar o que, por uma obriga- ção anulada, pagou a um incapaz, se não provar que reverteu em proveito dele a importância paga. Art. 182. Anulado o negócio jurídico, restituir-se-ão as partes ao estado em que antes dele se achavam, e, não sendo possível restituí-las, serão indenizadas com o equivalente. Art. 183. A invalidade do instrumento não induz a do ne- gócio jurídico sempre que este puder provar-se por outro meio. Art. 184. Respeitada a intenção das partes, a invalidade parcial de um negócio jurídico não o prejudicará na parte válida, se esta for separável; a invalidade da obrigação principal implica a das obrigações acessórias, mas a destas não induz a da obrigação principal. DOS ATOS ILÍCITOS. 1 DOS ATOS JURÍDICOS LÍCITOS O legislador destina o art. 185 do CC ao ato jurídico em sen- tido estrito. Cuida o presente artigo do ato jurídico stricto sensu, ou seja, o que tem por escopo a mera realização da vontade exclusiva do único agente, pois não há partes; por exemplo, derrelição, trans- ferência de domicílio, reconhecimento voluntário de paternidade, adoção etc. Diferencia-se do negócio jurídico na medida em que é produto da conduta voluntária, mas sem conteúdo negocial, vin- culando-se a conduta a um dever jurídico preexistente, em que a vontade atua, mas sem autonomia para condicionar ou definir os respectivos efeitos. Em todas essas hipóteses, os efeitos não decor- rem da vontade do manifestante, mas da lei, aliás, pouco importa que o agente deseje os efeitos, uma vez que derivam da lei, a von- tade é de simples manifestação.
  • 57.
    Didatismo e Conhecimento55 DIREITO CIVIL Para um melhor entendimento, segundo César Fiuza, “ pode- mos citar como exemplo os atos de registro civil, ou seja, quando um pai registra o seu filho, pratica ato de emissão de vontade com- binado com o ordenamento jurídico. Ao registrar o filho, o pai não tem em mente nenhum objetivo específico, como criar, modificar ou extinguir relação ou situação jurídica. Faz o registro por mero respeito à lei e por questão de segurança. Os efeitos do registro, porém, quais sejam, segurança, publicidade, autenticidade etc., não nascem dessa emissão de vontade, mas da própria lei.” 2 DOS ATOS ILÍCITOS 2.1 Conceito Ato ilícito é aquele que colide com a lei, com a moral, ou com os bons costumes e, por isso, gera outros efeitos que não os queridos pelo seu autor, ou seja, é aquele ato humano que não se acomoda com a lei, provocando um resultado que se não afaz à vocação do ordenamento jurídico. Ato ilícito é, portanto, a infração ao dever de não lesar outrem. As disposições sobre os atos ilícitos, no Código Civil, são encontradas nos artigos 186 a 188. Dispõe o artigo 186 do diploma civil que aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito ou causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito. A verificação da culpa e a avaliação da responsabilidade regulam-se pelo disposto nesse código, nos artigos 927 ao 954. A lesão abarcada pelos dispositivos legais trata-se daquela que cause dano, tanto de natureza patrimonial quanto de natureza moral. Assim, de acordo com Gilbert R. L. Florêncio, “reputa-se ato ilícito o que, estando em desacordo com a ordem jurídica, viola direito subjetivo e causa dano, material ou moral, a alguém, constituindo-se a inclusão deste numa das grandes inovações do CC, que na esteira da CF (art. 5º, V e X), reafirmou a existência do dano moral, pondo termo aos debates e às resistências porventura ainda remanescentes dos tribunais. Frise-se que neste artigo se vê a consagração da responsabilidade civil fundada na culpa, ou seja, subjetiva, nascida da exegese conjunta dos artigos 186 e 927 do CC, donde se tem que é necessário provar-se a culpa do agente para que a ilicitude seja reconhecida.” 1.2 Atos ilícitos: subjetivo (art. 186, CC) e objetivo (art. 187, CC) 2.2.1 Teoria Subjetiva. O art. 186, do CC impõe a todas as pessoas o dever de não lesar outrem (neminen laedere). Todo aquele que causa um dano deve repará-lo, desde que a vítima prove que o causador do dano agiu com culpa. Assim, o diploma civil pátrio adotou, como regra, a teoria subjetiva, segundo a qual deve-se proceder na análise da existência de culpa do agente. A “culpa” pelos atos ilícitos, a que se refere o artigo 186, tem sentido amplo, abrangendo tanto o dolo ao utilizar a expressão “voluntária” quanto a culpa em sentido estrito ao expressar “imprudência (ação involuntária) ou negligência (omissão involuntária)”, situações nas quais o agente concorre para o dano, sem que tenha intenção de causá-lo, e, recebe a denominação de culpa aquiliana, em decorrência de sua origem (Lex Aquilia). Ademais, o ato ilícito poderá decorrer da ação ou omissão do agente, sem prescindir da existência de um dano. Isto posto, conclui-se que os elementos essenciais para evidenciar-se a ilicitude são: 1) conduta (comissiva ou omissiva); 2) culpa, em sentido lato, englobando tanto o dolo quanto a culpa stricto sensu; 3) dano, seja patrimonial ou moral; 4) nexo de causalidade entre a conduta e o dano. Sendo: age com dolo aquele que, intencionalmente, procura causar dano a outrem; ou ainda aquele que, consciente das consequências funestas de seu ato, assume o risco de provocar o evento danoso. E, atua culposamente aquele que causa prejuízo a terceiro em virtude de sua imprudência, imperícia ou negligência. Obs.: Em alguns casos, o ato poderá ser ilícito tanto na esfera civil quanto na penal, podendo, ainda, ser somente um ilícito penal. Entretanto, deve-se salientar que, na maioria das vezes, o ilícito penal é também ilícito civil, pois este sempre, ou quase sempre, gera um prejuízo à vítima. As implicações decorrentes de um ilícito civil são diferentes daquelas que decorrem de um ilícito penal, uma vez que aquele tem como consequência tornar o agente responsável pela reparação do dano, a teor do que dispõe o artigo 186 do Código Civil (responsabilidade civil) sendo tal responsabilidade de cunho patrimonial. Com relação aos ilícitos penais, ao agente é imputado castigo corporal ou multa, sendo a responsabilidade de cunho pessoal, não se transferindo a terceiros como é possível de ocorrer na responsabilidade civil. A título de exemplo, temos a responsabilidade civil por ato de terceiro, a do pai que responde pelo ato do filho, do patrão que responde por ato de seu empregado, do Estado que responde pelos atos do servidor. 2.2.1.1 Dano É a lesão ou diminuição sofrida pelo bem jurídico. O bem jurídico, por sua vez, poderá ser patrimonial ou moral. Em se tratando do bem jurídico patrimonial ofendido, estaremos diante do chamado dano material. Essa espécie de dano poderá compreender os danos emergentes (danos positivos) e os lucros cessantes (danos negativos). Se o bem jurídico ofendido for moral, estaremos diante do chamado dano moral. No que respeita ao dano material, conforme o art. 402 do CC, os danos emergentes se manifestam naquilo que a vítima efetivamente perdeu, como, por exemplo, os gastos com o conserto do veículo e as despesas hospitalares e com medicamentos. Porém, é possível que o prejuízo experimentado pela vítima vá além disso, e aí estaremos diante dos lucros cessantes que se traduzem naquilo que a vítima razoavelmente deixou de lucrar, como, por exemplo, o período em que o taxista deixou de trabalhar, pois seu carro estava na oficina consertando-se. O dano também poderá ser moral, como se disse, e este se manifesta na ofensa aos direitos da personalidade da vítima. A possibilidade do pleito de reparação pelo dano moral, consolidou- se com CF/88, embora a jurisprudência já o considerasse. O CC/16 não o havia contemplado. Já o CC/02, na esteira da CF/88, estabeleceu-o expressamente em seu art. 186. Súmula 37, STJ: “São cumuláveis as indenizações por dano material e dano moral oriundos do mesmo fato.” Súmula 387, STJ: “É lícita a cumulação das indenizações de dano estético e dano moral.”
  • 58.
    Didatismo e Conhecimento56 DIREITO CIVIL Entre a ação ou omissão do agente e o dano sobrevindo, que como vimos, poderá ser material ou moral, torna-se necessária a existência do nexo causal. Nexo causal é o liame que interliga a conduta do agente ao dano. A guisa de conclusão, o art. 186 do CC, estabelece que são necessários os seguintes elementos concomitantemente, novamente citando: 1) Conduta humana antijurídica: comissiva ou omissiva; 2) Culpa, em sentido lato, englobando tanto o dolo quanto a culpa stricto sensu; 3) Nexo causal entre a conduta e o dano; e 4) Dano: material e/ ou moral. Ou seja, que haja uma ação ou omissão por parte do agente; que a mesma seja causa do prejuízo experimentado pela vítima; que haja ocorrido efetivamente um prejuízo; e que o agente tenha agido com dolo ou com culpa. 1.1.2 Abuso de Direito: subjetivo e objetivo. Já o art. 187, do CC, segundo Gilbert R. L. Florêncio, “diz respeito à figura do abuso de direito, situando-o no rol dos atos ilícitos. O direito há de ser exercido por seu titular de forma equilibrada, norteando sempre pela boa-fé e pelos bons costumes. Além disso, nasce o direito da necessidade da convivência pacífica entre os homens, ser social e éticos impostos à atividade individual na vida em sociedade. Ocorrerá, pois, abuso de direito sempre que o agen- te invocar autorização legal para atingir objetivo não tolerado pelo consenso social. Há duas teorias acerca da configuração do abuso de direito. A primeira é a concepção subjetiva, também denominada teoria da emulação, que tem por requisito fundamental para averiguação da responsabilidade civil a intenção do agente em lesar injustamente a outrem; a segunda é a concepção objetiva, que entende ser possível responsabilizar o agente que cause dano, independentemente de sua vontade. Não obstante o entendimento predominante defenda a concepção subjetiva, o Conselho da Justiça Federal emitiu o Enunciado n. 37, que ampara a concepção objetiva ao dispor que “A responsabilidade civil decorrente do abuso do direito independe de culpa, e fundamenta-se somente no critério objetivo-finalístico”. O exercício de um direito, para que não haja abuso, deve harmonizar-se com os valores sociais, éticos e econômicos. Fica claro, pela exegese deste artigo, que o legislador buscou neste código a valorização da eticidade nas condutas, que devem pautar-se pela lealdade e pela honestidade, primando pelo reto proceder objetivo, em que propósito de não lesar direitos alheios traduz-se em atitudes concernentes com a ordem social vigente.” Segundo Gilbert R. L. Florêncio. Assim, a compreensão dessa espécie de ato ilícito parte da idéia de que todas as pessoas possuem direitos subjetivos e é dever de cada um exercitá-los dentro de determinados limites. Quais seriam esses limites? A finalidade econômica e social do direito subjetivo, a boa-fé objetiva e os bons costumes. Assim, caso o titular de um direito subjetivo, ao exercê-lo, extrapole esses limites, estará a praticar um ato ilícito, pois a conotação que se dá hoje a isso não é mais a do simples exercício de um direito, mas sim a de um abuso de direito, o que, para CC/2002, é ato ilícito. A consequência da prática de um ato ilícito é a imposição de indenização, seja um ato ilícito subjetivo (art. 186, CC), seja um ato ilícito objetivo ou por abuso de direito (art. 187, CC). Isso é o que impõe o caput do art. 927 do CC: “Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará- lo.” É claro que não é intenção do presente estudo trabalhar a responsabilidade civil estabelecida nos arts. 927 ao 954 do CC. Portanto, restringir-nos-emos à análise do ato ilícito que é tema tratado dentro da parte geral do CC. 2.3 As excludentes de ilicitude Não constituem atos ilícitos os atos elencados nos incisos I e II do art. 188 do CC, embora lesivos, ou seja, causem dano, retratam circunstâncias especiais que afastam a ilicitude, mas que, ainda assim, geram sanção, qual seja, o dever de reparar o dano, diante da denominada responsabilidade civil objetiva ou mesmo na responsabilidade civil pelo risco. São elas: 2.3.1 A legítima defesa: ocorre a legítima defesa sempre que alguém, moderadamente, para defender direito seu ou de outrem, vale-se de meios necessários para repelir injusta agressão atual ou iminente, sendo injusta agressão a qual não deu causa. 1.1.2 O estado de necessidade: que consiste na ofen- sa a direito alheio para remover perigo iminente, não provocado por vontade e impossível de outro modo evitar, quando as circuns- tâncias o tornarem absolutamente necessário e não exceder os li- mites do indispensável para remoção do perigo. 1.1.3 O exercício regular de um direito: este só acarretará dever de indenizar se for praticado com abuso ou de forma irregular, em manifesto excesso aos limites impostos por seu fim econômico ou social, ferindo a boa-fé ou os bons costumes (v. art. 187). 1.1.4 O estrito cumprimento de um dever legal. O que este artigo pretende estabelecer é que, causado um dano sob o pálio de umas dessas excludentes, não se terá cometido ato ilícito. Porém, não se deve esquecer que, embora não se tenha praticado ato ilícito é possível que seja devida indenização, uma vez que sobreveio algum dano, conforme propugna o art. 929 do CC: “Se a pessoa lesada, ou o dono da coisa, no caso do inciso II do art. 188, não forem culpados do perigo, assistir-lhes-á direito à indenização do prejuízo que sofreram.” ATOS JURÍDICOS TÍTULO II Dos Atos Jurídicos Lícitos Art. 185. Aos atos jurídicos lícitos, que não sejam negócios jurídicos, aplicam-se, no que couber, as disposições do Título anterior. TÍTULO III Dos Atos Ilícitos Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, ne- gligência ou imprudência, violar direito e causar dano a ou- trem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito. Art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes. Art. 188. Não constituem atos ilícitos: I - os praticados em legítima defesa ou no exercício regular de um direito reconhecido; II - a deterioração ou destruição da coisa alheia, ou a lesão a pessoa, a fim de remover perigo iminente. Parágrafo único. No caso do inciso II, o ato será legítimo somente quando as circunstâncias o tornarem absolutamente necessário, não excedendo os limites do indispensável para a remoção do perigo.
  • 59.
    Didatismo e Conhecimento57 DIREITO CIVIL DA PRESCRIÇÃO E DECADÊNCIA. 1. BREVES NOÇÕES ACERCA DO FATO JURÍDICO E O FATOR TEMPO Fato jurídico lato sensu corresponde a todo acontecimento ao qual o Direito atribui eficácia. O saudoso Orlando Gomes explicita que “no sentido lato, o fato jurídico apresenta-se como a força de propulsão da relação jurídica, por efeito da qual se movimentam as normas jurídicas adequadas. Da lei não surgem diretamente direitos subjetivos; é preciso uma causa e essa causa se chama fato jurídico”. Stricto sensu, cuida-se de evento natural, independente da vontade humana, que produz efeitos constitutivos, modificativos ou extintivos de direitos e obrigações. Os fatos jurídicos em sentido estrito classificam-se em ordinários – de usual ocorrência, tal qual a morte e o nascimento - e extraordinários – que, consoante o magistério de Maria Helena Diniz, caracterizam-se pela presença de requisitos objetivo, consistente na inevitabilidade do evento, e subjetivo, “que é a ausência de culpa na produção do acontecimento”. Nessa categoria enquadram-se o caso fortuito e a força maior. Dentre os acontecimentos naturais ordinários (fatos jurídicos em sentido estrito), destaca-se o decurso do tempo, que exerce função de relevo em alguns institutos do direito civil, tais quais a usucapião ou prescrição aquisitiva, a prescrição extintiva e a decadência. 2. FUNDAMENTO E NATUREZA O fundamento para os institutos em estudo é esclarecido nas palavras de Silvio Rodrigues, quando salienta: “Mister que as relações jurídicas se consolidem no tempo. Há um interesse social em que a situação de fato que o tempo consagrou adquira juridicidade, para que sobre a comunidade não paire, indefinidamente, a ameaça de desequilíbrio representada pela demanda. Que esta seja proposta enquanto os contendores contam com elementos de defesa, pois é de interesse da ordem e da paz social liquidar o passado e evitar litígios sobre atos cujos títulos se perderam e cuja lembrança se foi.” O Código Civil de 2002, em consonância com os dizeres do Prof. Dr. Miguel Reale, foi inspirado em três princípios fundamentais: socialidade, eticidade e operabilidade. Lastreado nestes princípios, o Código Civil regulou a prescrição e a decadência, estabelecendo que são de prescrição os prazos previstos, apenas e tão-somente na Parte Geral, nos arts. 205 (regra geral) e 206 (regras especiais). Todos os demais prazos, estabelecidos na Parte Geral ou Especial do Código Civil, são de decadência. Observa-se que o Código de 2002 adota, quanto a esses institutos, a tese de Agnelo Amorim Filho, que, em artigo impecável tecnicamente, associou os prazos de prescrição às ações condenatórias (critério científico para distinguir a prescrição da decadência e para identificar as ações imprescritíveis, RT 300/7 e 744/725). De fato, os prazos especiais apresentados no art. 206 dizem respeito a ações condenatórias, particularmente aquelas que visam à cobrança de valores ou à reparação de danos, mantendo uma relação com direitos subjetivos. Para ações dessa natureza, nas quais não houver previsão de prazo específico, aplica-se a regra geral de dez anos, conforme o art. 205 do CC de 2002. O CC passou então a adotar a tese de que a prescrição é a perda ou a extinção da pretensão, por relacionar-se com um direito subjetivo. Dessa forma, com a nova codificação, não se pode mais admitir o conceito de prescrição extintiva relacionado à perda da ação ou do direito de ação. Cumpre destacar existirem debates doutrinários quanto à natureza jurídica da prescrição extintiva, havendo quem entenda tratar-se de um fato jurídico stricto sensu (fato natural) e outros que entendem ser a prescrição um ato jurídico stricto sensu. Para Flávio Tartuce, o primeiro posicionamento é o correto, pois na prescrição há perda da pretensão justamente por uma ausência de vontade: seu titular não a exerce em um prazo fixado pela lei. Além disso, a extinção da pretensão decorre do tempo, que é um fato natural, sem a interferência humana. De fato, no art. 189 fica consignado que a prescrição extingue a pretensão, que, por seu turno, nasce com a violação do direito. Ora, conforme visto, apenas os direitos subjetivos em sentido estrito comportam violação, e portanto, o instituto da prescrição com eles se relaciona. Com a lesão ao direito material, surge a pretensão, que é deduzida em juízo através da ação. Deste modo, ao extinguir a pretensão, a prescrição termina por atingir também a ação. Tratamento diverso deve ser dado à prescrição aquisitiva, por usucapião, prevista na parte especial da codificação privada, que realmente não se confunde com a figura legal aqui estudada, pois, o legislador pátrio atribui ao sujeito que possui uma coisa com animo domini, de modo pacífico e contínuo, durante determinado lapso temporal, a possibilidade de incorporá-la ao seu patrimônio, convertendo, destarte, a posse em propriedade. Há, neste caso, prescrição aquisitiva, também denominada usucapião, regulamentada na Parte Especial do Código Civil, dentro do Direito das Coisas. Cuida-se de modo originário de aquisição da propriedade, móvel ou imóvel, e de outros direitos reais passíveis de exercício continuado. Insta realçar, todavia, a diversidade dos institutos, justificadora de sua abordagem em capítulos distintos da Lei Civil. Vale transcrever, neste sentido, as lições do mestre Orlando Gomes: “Por fim, enquanto a idéia central da prescrição é a inércia do titular do direito, o elemento básico da usucapião é a posse. Tão notáveis são as diferenças entre os dois institutos, que tem sido condenada a unidade do conceito da prescrição.” Finalizando, é o teor do Enunciado n. 14, aprovado na I Jornada de Direito Civil, realizada em setembro de 2002 e idealizada pelo Conselho da Justiça Federal: “Art. 189: 1) o início do prazo prescricional ocorre com o surgimento da pretensão, que decorre da exigibilidade do direito subjetivo; 2) o art. 189 diz respeito a casos em que a pretensão nasce imediatamente após a violação do direito absoluto ou da obrigação de não fazer”. 3. DAS ESPÉCIES DE DIREITOS E SUAS AÇÕES CORRESPONDENTES Segundo a clássica divisão de Giuseppe Chiovenda, três são as ações existentes, cada qual se prestando a finalidades distintas: a) Ação condenatória: meio de proteção de um direito a uma prestação; ou seja, espécie de direito que corresponde aos direitos de se obter um bem na vida. Assim, há um sujeito passivo obrigado a uma prestação de dar, fazer ou não fazer. Por exemplo: o direito de se receber uma determinada quantia em dinheiro. b) Ação constitutiva: meio de exercício de um direito po- testativo; ou seja, espécie de direito que se traduz na possibilidade que tem uma das partes de invadir a esfera jurídica alheia impon-
  • 60.
    Didatismo e Conhecimento58 DIREITO CIVIL do um estado de sujeição. Reduzem-se a direitos sem prestação. Existem alguns direitos potestativos que só podem ser exercitados mediante ação. Exemplo: o direito de se anular um contrato cele- brado sob coação e o direito de se colocar fim ao vínculo conjugal. c) Ação declaratória: meio de obtenção de uma certeza ju- rídica. Vale lembrar o art. 4º do CPC: “O interesse do autor pode limitar-se à declaração: I – da existência ou inexistência de rela- ção jurídica; II – da autenticidade ou falsidade de documento.” Ao atentarmos para os direitos a uma prestação, é importante lembrar que esses direitos comportam a ideia de violação, de lesão. Assim, em havendo a violação a um direito a uma prestação, nascerá uma pretensão. A ação cabível para se proteger o direito a uma prestação, como vimos, é a ação condenatória. O interessado, porém, deverá ajuizar a ação dentro de um determinado prazo, pois um instituto chamado prescrição extinguirá a pretensão. Exemplo: João deve a Paulo a quantia de R$ 1.000,00 com vencimento previsto para o dia 10/09/2012. Chegado o dia do vencimento, se João não proceder ao pagamento, isto é, se João violar o direito a uma prestação de Paulo de receber a quantia, surgirá para Paulo uma pretensão que se extinguirá por meio da prescrição. Quando tratamos dos direitos potestativos, devemos esclarecer que essa categoria de direitos não comporta a ideia de violação, por isso trata-se de direitos sem pretensão. Assim, para que surja o direito potestativo de alguém, não é necessário que outrem o tenha violado. Portanto, basta que nasça o direito potestativo, para que o titular do direito possa manejar um ação constitutiva, posto ser essa ação pela qual se exercita um direito potestativo. Ocorre que a ação potestativa deverá ser manejada dentro de um determinado lapso temporal, pois um instituto denominado decadência ou caducidade colocará fim ao direito. Exemplo: João assinou um contrato porque Pedro incutiu-lhe o temor de um mal injusto. O contrato assinado sob o vício do consentimento designado coação, como nós sabemos, está sujeito à anulação. Simplesmente, surge para João o direito potestativo de anular o contrato. Ocorre que deverá fazê-lo dentro do prazo de 4 (quatro) anos (art. 178, I, CC), pois, transcorrido o prazo in albis, o direito potestativo de anular o contrato restará fulminado pela decadência. Assim, podemos concluir que: a) Estão sujeitas à prescrição: as ações condenatórias; b) Estão sujeitas à decadência: as ações constitutivas com prazo. Nesse ponto, urge salientarmos que as ações constitutivas – aquelas pelas quais se exerce um direito potestativo – poderão ser com prazo ou sem prazo. Exemplo de ação constitutiva com prazo: a ação anulatória (art. 178, CC). Exemplo de ação consti- tutiva sem prazo: a ação de divórcio. Por isso, dizemos que estão sujeitas à decadência as ações constitutivas com prazo. c) Ações Imprescritíveis ou Ações Perpétuas: (isto é, não estão sujeitas a nenhum prazo prescricional ou decadencial): as ações constitutivas sem prazo, já expostas anteriormente e as ações declaratórias, uma vez que essa modalidade de ação não causa intranquilidade social ou insegurança jurídica, pois objeti- va tão somente a obtenção de uma certeza jurídica, não implican- do em modificação no mundo exterior. Em outras palavras, não há, aqui, razão a justificar a estipulação legal de prazo extintivo. Convém realçar que, a princípio, todas as ações são prescritíveis, sendo a perpetuidade exceção à regra. 4. REGRAS SOBRE A PRESCRIÇÃO Em conformidade com o art.189 do novo Diploma Civil, consagrador da teoria actio nata, é possível concluir que o prazo prescricional começa a correr no instante em que o direito subjetivo é violado. Na hipótese de direito obrigacional, esta lesão ocorre no momento em que, no dia do vencimento, o devedor não cumpre a prestação que lhe é imposta. Em se tratando de direito real, a violação resta configurada quando terceiro perturba seu exercício. O cômputo do prazo prescricional é feito excluindo-se o dia do começo (dies a quo non computatur in termine) e incluindo-se o dia final (dies ad quem computatur in termine). Deste modo, a prescrição consuma-se no derradeiro dia do lapso temporal, que, se for feriado, prorroga-se para o primeiro dia útil subsequente. A prescrição da exceção (art. 190, CC). A exceção prescreve no mesmo prazo em que a pretensão. Desse modo, se não se pode mais exigir aquela pretensão, também não se poderá alegá-la como defesa. Exemplo: João é credor de Maria. Com o vencimento da dívida, nasce para João a pretensão que será extinta pela prescrição com decurso de um prazo predeterminado. Se imaginarmos que, posteriormente, Maria se torne credora de João, por outra razão qualquer, temos que, chegado o vencimento da dívida, João não arca com a sua obrigação. Por óbvio, nasce para Maria uma pretensão. Maria, diligentemente, ajuíza a ação condenatória cabível dentro do prazo prescricional. Diante desse quadro,seriapossívelaJoãoalegaremsua defesa,operando-seem seu favor uma possível compensação, levando-se em consideração a anterior dívida já prescrita? Pelo CC 2002, decerto que não, uma vez que a defesa prescreve no mesmo prazo que a pretensão, isto é, a pretensão não poderá ser alegada em matéria de defesa. Impossibilidade de alteração dos prazos prescricionais pela vontade das partes. As normas sobre prescrição são de ordem pública, não podendo ser afastadas pela vontade das partes, diferentemente da decadência que pode ter origem convencional, conforme veremos oportunamente. Conforme disposto no artigo 192 os prazos prescricionais não podem ser alterados por vontade das partes. Esse raciocínio se amolda perfeitamente à impossibilidade de se renunciar previamente à prescrição, como demonstraremos a seguir. Renúncia a Prescrição. O art.191 estatui que a prescrição é renunciável apenas após a consumação do prazo prescricional, ainda assim, desde que feita sem prejuízo a terceiro, ou seja, passa a ser admitida a renúncia à prescrição por parte do que dela se beneficia: o devedor. Está superada portanto a admissão da renúncia prévia, pois a renúncia somente é possível após a consumação da prescrição. Ou seja, para atentarmos à possibilidade de renúncia da prescrição, devemos visualizar primeiro a quem o implemento da prescrição favorece. Quando se extingue a pretensão, diante da inércia do credor, o devedor encontra-se desonerado da dívida. Assim, fica claro que a prescrição beneficia o devedor. Pois bem. Imaginemos que, não obstante o devedor se encontre desonerado da dívida, ele resolva honrar a obrigação e pagá-la. Isso se mostra plenamente possível e viável. Na verdade, o que está ocorrendo nessa hipótese é a renúncia à prescrição. Portanto, só poderá renunciar à prescrição quem se beneficia dela, e já sabemos que quem se beneficia dela é a figura do devedor. Porém, releva notar que, para que se admita a renúncia à prescrição torna-se necessário o preenchimento de dois requisitos:
  • 61.
    Didatismo e Conhecimento59 DIREITO CIVIL a) Que o prazo prescricional já esteja consumado. É dizer que não se admite a renúncia prévia da prescrição, a renúncia de um prazo prescricional ainda em curso. Se a prescrição se apre- senta como matéria de ordem pública, pois interessa a toda a so- ciedade, é claro que, antes de consumado o prazo prescricional, não poderá, por exemplo, o credor entabular um contrato com o devedor pelo qual municiando o credor contra si próprio ad infi- nitum. Agora, após ter se efetivado a prescrição, óbice nenhum há para que o devedor queira pagar o seu credor. b) Que a renúncia não prejudique a terceiro. Desse modo, não pode o devedor renunciar à prescrição, ainda que o prazo já esteja consumado, porém, em razão de sua insolvência, prejudi- cando a outros credores que eventualmente possua. Nesse caso, prevalecerá o interesse dos credores cuja dívida não esteja pres- crita, de modo que a renúncia poderá ser anulada por estes, por meio de ação pauliana. A renúncia é ato de vontade unilateral e não receptício - dispensando, deste modo, a aceitação do beneficiado para operar - que implica na abdicação do direito de invocar a prescrição como matéria de defesa. O artigo 191 retro aludido estabelece que ela pode ser expressa, ou seja, manifestada de qualquer forma, inclusive verbal; ou tácita, quando, de acordo com as lições de Miguel Maria de Serpa Lopes, “resulta de um fato incompatível com a vontade de se valer da prescrição”. Podendo ainda ser admitida a renúncia judicial da prescrição. Suprimento de ofício pelo Juiz. O artigo 194 do CC de 2002 foi revogado pela recente Lei n. 11.280/2006, que regia que o juiz não podia suprir de ofício a alegação de prescrição, salvo se fosse para favorecer absolutamente incapaz. Além da revogação, a referida lei alterou o art. 219, § 5º, do CPC, que passou a prever que o juiz deve conhecer de ofício a prescrição. Momento de alegação da prescrição. Ressalte-se, outrossim, que, a prescrição pode ser invocada pela parte interessada (logicamente pelo devedor) em qualquer grau de jurisdição. Neste sentido são as lições do artigo 193 do CC. Insta esclarecer, todavia, que, a prescrição não será conhecida pelo STF e STJ se alegada originariamente em grau de recurso extraordinário e especial, em face da exigência de pré-questionamento da matéria nas instâncias inferiores. Registre-se, ademais, que, em conformidade com o art. 741, VI do CPC, não é possível invocar a prescrição em embargos à execução fundada em título judicial, salvo se superveniente à sentença. Responsabilização do representante da pessoa jurídica e do assistente do relativamente incapaz. Por força do art. 195 do CC, “os relativamente incapazes e a pessoas jurídicas têm ação contra seus assistentes ou representantes legais que derem causa à prescrição ou não a alegarem oportunamente”. Note-se que o dispositivo não abrange os absolutamente incapazes. Isto porque contra eles há causa impeditiva a obstar o transcurso do prazo prescricional. Este artigo deverá ser interpretado conjuntamente com o art. 186 do CC, isto é, para se demandar contra o representante é necessário que este tenha agido com dolo ou culpa. Continuação da prescrição. Demais disso, urge atentar para o art. 196 do CC, consoante o qual “a prescrição iniciada contra uma pessoa continua a correr contra o seu sucessor”. Cuida- se da denominada acessio praescriptionis. A codificação novel substitui a expressão herdeiro pelo termo sucessor. Dessa forma, o texto é mais uma vez ampliativo, diante da possibilidade de continuidade da prescrição, tanto em decorrência de ato mortis causa (testamento ou legado) quanto inter vivos (compra ou sucessão de empresas). Por fim, os estimados professores baianos, Pablo Stolze e Rodolfo Pamplona, chegam à seguinte conclusão: “para a consumação da prescrição e, no que couber, da decadência, faz-se mister, em síntese, a conjugação de quatro fatores bem nítidos: a) Existência de um direito exercitável; b) Inércia do titular pelo não-exercício; c) Continuidade da inércia por certo tempo; d) Ausência de fato ou ato impeditivo, suspensivo ou interruptivo do curso da prescrição, requisito aplicável à decadência excepcionalmente, somente por previsão legal específica.” 4.1 DAS CAUSAS QUE IMPEDEM OU SUSPENDEM A PRESCRIÇÃO O prazo prescricional pode ser impedido, suspenso ou interrompido por causas diversas, elencadas no Código Civil. O impedimento constitui-se em fato que não permite o início do transcurso do lapso temporal prescricional. Na suspensão, ao revés, o prazo começa a correr, mas é momentaneamente cessado, aproveitando-se, todavia, o período já transcorrido. Extinguindo- se a causa ensejadora da suspensão, o prazo retoma seu curso, não se perdendo o tempo já decorrido. Neste diapasão, vale ressaltar as dicções de Francisco Amaral, verbo ad verbum: “Suspensa a prescrição, o direito subjetivo permanece inextinguível pelo decurso de tempo, embora inerte seu titular. O devedor fica também impossibilitado de invocar a prescrição contra o credor”. Saliente-se que as causas impeditivas e suspensivas da prescrição são as mesmas, estando relacionadas no arts. 197, 198 e 199 do CC, já que, conforme salientado por Pablo Stolze e Rodolfo Pamplona “a priori não há diferença ontológica entre impedimento e suspensão da prescrição, pois ambas são formas de paralisação do prazo prescricional. A sua diferença fática é quanto ao termo inicial...” No art. 197, CC, são causas impeditivas ou suspensivas de caráter subjetivo bilateral (porque o fator que impede ou suspende a prescrição de correr é atinente às condições pessoais de ambas as partes): a) Entre cônjuges, na constância da sociedade conjugal. Vide Enunciado nº 296, CJF: “Não corre a prescrição entre os companheiros, na constância da união estável.” Justifica- se este inciso, de acordo com Miguel Maria de Serpa Lopes, pela necessidade de preservar a paz na família. Deste modo, a prescrição de qualquer pretensão tocante a direitos patrimoniais pode ser invocada pelos cônjuges entre si, tendo, o prazo respectivo, início ou continuidade com a dissolução da sociedade conjugal. b) Entre ascendentes e descendentes, durante o poder familiar. Disposição igualmente embasada na paz e tranquilidade da família. c) Entre tutelados e curatelados e seu tutores ou curadores, durante a tutela ou curatela. Já no art. 198, CC encontramos as causas subjetivas unilaterais. Recebem essa designação porque o fator impeditivo ou suspensivo diz respeito à condições pessoais de uma das partes, que inviabiliza o transcurso da prescrição. Por isso, corre a prescrição:
  • 62.
    Didatismo e Conhecimento60 DIREITO CIVIL a) Contra os absolutamente incapazes; b) Contra os ausentes do País em serviço público da União, dos Estados ou dos Municípios; c) Contra os que se acharem servindo nas Forças Armadas, em tempo de guerra. Cumpre atentar para o fato de que o lapso prescricional não correrá contra tais pessoas, correndo, entretanto, em prol delas. O art. 199 do CC traz as chamadas causas objetivas ou materiais. Na realidade, desnecessária a referência que o legislador faz a essa hipóteses, pois como, perceberemos, são situações em que, na verdade, nem pretensão há. Assim, é possível enumerar as seguintes causas impeditivas ou suspensivas de caráter objetivo, isto é, referentes à relação jurídica: a) Pendência de condição suspensiva. De acordo com o art. 125 do CC, enquanto tal condição não se verificar, “não se terá adquirido o direito a que ela visa”. Ora, não se pode vislumbrar prescrição de uma pretensão relativa a direito que ainda não se adquiriu. a) Não vencimento do prazo. Tal ocorre porque, enquanto não vencido o prazo, o direito não se configura. b) Pendência de ação de evicção. Miguel Maria de Serpa Lopes pontifica que “a razão de ser desse preceito assenta em que só depois de ganha a demanda pelo evictor é que o comprador evicto tem ação contra o vendedor para obrigá-lo a responder pela evicção (Ac. Do 2º Grupo de câmaras Cívil do TJSP, de 16/5/1946, RT, 157, p.682)”. Consoante salienta Pablo Stolze e Rodolfo Pamplona, em todas as situações aventadas no art. 199 (causas interruptivas e suspensivas de caráter objetivo) a pretensão ainda não surgiu, não sendo possível, pois, cogitar-se em prescrição. Tal observação evidencia ser, tal cânone, desnecessário. Convém destacar, neste tópico, a redação do art. 200, CC, em conformidade com o qual, “quando a ação se originar de fato que deva ser apurado no juízo criminal, não correrá a prescrição antes da respectiva sentença definitiva”. Por fim, ressalte-se que o art. 201, CC estatui que a suspensão da prescrição em favor de um dos credores solidários só aproveita os outros se a obrigação for indivisível. Francisco Amaral lembra outras causas impeditivas e suspensivas do lapso prescricional presentes em leis extravagantes. Assim, exempli gratia, a Lei de Falências dispõe, no art.47, que fica suspenso o curso da prescrição relativa a obrigações do falido; o Decreto-lei 9228/46 determina que não corre a prescrição durante o processo de liquidação extrajudicial de Bancos e Casas Bancárias. 4.2 DAS CAUSAS QUE INTERROMPEM APRESCRIÇÃO A interrupção da prescrição implica na cessação da fluência do prazo respectivo, inutilizando-se o tempo já transcorrido. Desaparecida a causa interruptiva, inicia-se a contagem de novo lapso temporal prescricional. Em regra, a interrupção depende de um ato de vontade do titular do direito subjetivo lesado, tendente à proteção ou exercício desse direito. A respeito das diferenças entre as causas impeditivas, suspensivas e interruptivas do prazo prescricional, Miguel Maria deSerpaLopesexplicita: “Oscasosdeimpedimentoedesuspensão da prescrição irmanam-se com os da interrupção num determinado ponto: todos convergem para um efeito comum: atingir o curso de uma prescrição. Diferem, porém, estruturalmente, na intensidade e na forma da produção desse efeito. Nas causas de impedimento e nas de suspensão, que ocorrem quando há um motivo legal para empecer o início de um lapso prescricional ou para deter o já iniciado, a prescrição se detém e dorme, para recomeçar a partir do momento em que tais causas venham a desaparecer; nas causas de interrupção, o lapso se interrompe para de súbito recomeçar; nas primeiras (causas suspensivas), o lapso anterior à suspensão não se reputa perdido, mas se soma ao tempo que sobrevier após a cessão da suspensão, de modo que o lapso prescricional se perfaz com a adição do tempo posterior à suspensão ao que lhe correu, anteriormente, ao passo que na interrupção, mui ao contrário, e esta é a principal diferença, a prescrição recomeça a correr da data do ato que a interrompeu, ou do último processo para a interromper, e recomeçar significa novamente iniciar-se”. Convém destacar a louvável inovação do novo código, presente no caput do art. 202, consistente no fato de que a interrupção, a partir do diploma civil de 2002, somente poderá ocorrer uma única vez. Em conformidade com o dispositivo retro citado, são causas interruptivas da prescrição: a) O despacho do juiz, mesmo incompetente, que ordenar a citação, se o interessado a promover no prazo e na forma da lei processual. Salta aos olhos a modificação constante do inc. I do art. 202. Com efeito, o código de 1916, no art.172, estabelecia que a citação pessoal –e não o despacho- interrompia o prazo prescricional. Esse dispositivo, todavia, era interpretado em conformidade com os parágrafos 1º e 2º do art. 219 do Livro Adjetivo que determinavam a retroatividade da interrupção à data da propositura da ação, desde que a parte promovesse a citação do réu nos dez dias subsequentes à decisão que a ordenasse. Era forçoso concluir, assim, que a data de ajuizamento da actio é que interrompia o prazo prescricional. A melhor doutrina entende que os dispositivos retro invocados do Livro dos Ritos não foram revogados. Assim, o despacho ordenando a citação interromperia o prazo, mas a aludida interrupção retroagiria ao dia em que a ação fora proposta. b) O protesto. Cuida-se da medida cautelar de protesto, regulada pela lei processual, destinada a prevenir responsabilidade, prover a conservação e ressalva de direito, feito por petição dirigida ao juiz, com requerimento de intimação a quem de direito (vide art.866, CPC). Por força da ressalva feita ao final do inciso II, art. 202 do NCC, aplica-se, na hipótese presente, as mesmas regras do inciso anterior, referentes ao despacho de citação. c) O protesto cambial. Há, aqui, inovação em relação ao codex anterior, que previa apenas o protesto judicial como causa interruptiva do prazo prescricional. Com tal inciso, resta superada a súmula 153 do STF, em cujos termos: “simples protesto cambiário não interrompe a prescrição”. d) A apresentação do título de crédito em juízo de inventário ou em concurso de credores. Trata-se da habilitação de crédito, que revela preocupação e diligência do sujeito ativo, equiparando- se, para efeitos interruptivos, à propositura de uma ação. e) Qualquer ato judicial que constitua em mora o devedor. f) Qualquer ato inequívoco, ainda que extrajudicial, que importe reconhecimento do direito pelo devedor.
  • 63.
    Didatismo e Conhecimento61 DIREITO CIVIL Neste caso, diferentemente do ocorrente nas outras hipóteses arroladas, a interrupção opera-se por ato do devedor, e não do credor. Para tanto, é necessário que o ato seja inequívoco, ou seja, fora de dúvidas. Ademais, exige-se a manifestação do sujeito passivo no sentido de reconhecer o direito pertencente ao sujeito ativo. Em conformidade com a redação do art. 203, CC, a prescrição pode ser interrompida por qualquer interessado. Quanto aos efeitos da interrupção do prazo prescricional, de acordo com as lições de Miguel Maria de Serpa Lopes, vige o princípio do non datur interruptio de persona ad personam active et passive, ou seja, a interrupção da prescrição aproveita apenas a quem a promove e prejudica somente aquele contra quem ela se processa. Neste sentido reza o caput do art. 204, do CC. Observe-se, porém, que, em se tratando de obrigações solidárias, a interrupção da prescrição beneficiará todos os credores ou prejudicará todos os devedores, conforme o caso (parágrafo 1º). Demais disso, a interrupção contra o devedor principal prejudica o fiador (parágrafo 3º). 4.3 DOS PRAZOS DA PRESCRIÇÃO Na sistemática do Código Civil, são prescricionais apenas e tão-somente os prazos fixados, em numerus clausus, nos arts. 205 e 206 do CC. Tal fato, todavia, não impede que a legislação especial estabeleça outros interstícios temporais para o exercício de pretensões atinentes a direitos que regulem. É o caso, por exemplo, do Decreto 20.910/1932, que regula a prescrição de pretensões contra a Fazenda federal, estadual e municipal, nos seguintes e precisos termos: “art. 1º. As dívidas passivas da União, dos Estados e dos Municípios, bem assim todo e qualquer direito ou ação contra a Fazenda federal, estadual ou municipal, seja qual for a sua natureza, prescrevem em 5 (cinco) anos, contados da data do ato ou fato do qual se originarem”. Não obstante o dispositivo supra transcrito fixe o prazo prescricional em cinco anos, seja qual for a natureza da “ação”, a jurisprudência, à época do código de 1916, assentou entendimento de que tal artigo alcançaria apenas aquelas de cunho pessoal, não assim, as reais (não se olvide, entretanto, que, diante do novo codex, torna-se mais adequado substituir o vocábulo ação por pretensão). Isto porque, se assim não o fosse, abrir-se-ia ao Estado o direito de usucapir em cinco anos. Ora, não havendo lei alguma estabelecendo tal direito, como não há, deve-se entender que ele se submete às condições normais para a aquisição da propriedade, fixadas nos artigos 550 e 551 do código antigo, hodiernamente constantes nos cânones 1238 e 1242. Isto posto, voltemos aos prazos prescricionais estabelecidos no novo código. A doutrina, com lastro na lei antiga, costumava classificar tais lapsos temporais em ordinários e especiais. Adaptando-se tal classificação à nova lei, podemos asseverar que os primeiros compreendem a regra geral, incidente sobre toda e qualquer pretensão não submetida a prazo legal específico. Frise-se, portanto, que toda pretensão prescreve. Tal norma geral é estabelecida no art. 205, nos termos que se seguem: “A prescrição ocorre em 10(dez) anos, quando a lei não lhe haja fixado prazo menor”. Cumpre observar que o prazo aludido foi reduzido. Com efeito, o art. 177 do CC/1916 fixava em vinte anos o prazo para a prescrição das “ações” pessoais e em dez (entre presentes) ou quinze anos (entre ausentes), para as “ações” reais. Os prazos prescricionais especiais, por seu turno, compreendem as pretensões submetidas à disposição legal especial, que afasta a incidência da norma geral. Assim sendo, são especiais os prazos fixados no art. 206 do CC. 5. REGRAS SOBRE O INSTITUTO DA DECADÊNCIA Insta realçar, a priori, que o prazo decadencial tem termo a quo distinto do prescricional. A respeito do tema, convém destacar o magistério de J. M. Leoni Lopes de Oliveira: “Na decadência, seu início (do prazo) é diverso do da prescrição. Na prescrição, o prazo começa a correr a partir da lesão, isto é, no momento em que nasce a pretensão de direito material. Na decadência, o seu início se dá com o nascimento do direito potestativo”. Saliente-se, ademais, que, ao contrário da prescrição, fixada apenas em lei, a decadência pode ser legal ou convencional. Suprimento de Ofício. Em se tratando de decadência legal, deve ser reconhecida de ofício pelo magistrado (vide art. 210 do CC). Por isso, o Juiz deve pronunciar a decadência legal de ofício, julgando o pedido improcedente com a resolução do mérito (art. 269, IV, CPC). Na segunda hipótese, em que o instituto é fruto da autonomia de vontade dos negociantes, o reconhecimento da decadência pelo juiz subordina-se à alegação da parte a quem aproveita. Momento de Alegação. O artigo 211 do CC dispõe que em se tratando de decadência convencional, a parte a quem aproveita pode alegá-la em qualquer grau de jurisdição. Cabe também tal regra a decadência legal por envolver a ordem pública e interesses da coletividade. Vale, aqui, a mesma restrição atinente à exigência de pré-questionamento para a invocação da matéria em recursos especial e extraordinário. Causas Impeditivas, Suspensivas e Interruptivas. Em princípio, os prazos decadenciais são fatais e peremptórios, não comportando suspensão nem interrupção. Esta regra, consubstanciada no art. 207 do CC, todavia, admite exceções legais. A propósito, convém registrar as lições de Carlos Roberto Gonçalves: “A inserção da expressão ‘salvo disposição legal em contrário’ no aludido dispositivo (art. 207, CC) tem a finalidade de definir que tal regra não é absoluta, bem como de esclarecer que não são revogados os casos em que um dispositivo legal, atualmente em vigor (como o art. 26, parágrafo 2º, do CDC, p. ex), determine, para atender a hipótese especialíssima, a interrupção ou suspensão de prazo de decadência. Tal ressalva tem também o condão de acentuar que a regra do art. 207 é de caráter geral, só admitindo exceções por lei, e não pela simples vontade das partes quando a lei não lhes dá tal faculdade”. Renúncia à Decadência. O art. 209 prescreve a nulidade da renúncia à decadência fixada em lei (decadência legal). Tal ocorre devido à natureza pública do instituto, conforme realçado em tópico anterior. Note-se que tal dispositivo não abrange a decadência convencional, que, diversamente, possui natureza privada, admitindo, por conseguinte, a renúncia. Por força do art. 208, o prazo decadencial não corre contra os absolutamente incapazes. Demais disso, em virtude do mesmo preceito, os relativamente incapazes e as pessoas jurídicas têm ação contra os seus assistentes ou representantes legais que derem causa à decadência ou não a alegarem oportunamente.
  • 64.
    Didatismo e Conhecimento62 DIREITO CIVIL Prazos Decadenciais. De acordo com a nova disciplina conferida à matéria, todos os prazos previstos no Código Civil, em sua parte geral ou especial, que não estejam incluídos nos arts. 205 e 206 do CC, são decadenciais. Ao revés dos prazos prescricionais, os prazos decadenciais não se encontram concentrados na parte geral do CC, como os de prescrição. Encontramos sim, prazos de decadência na parte geral, nos arts. 178, 179 e no parágrafo único do artigo 119. Os demais estão espalhados pela parte especial do CC. Por fim, registre-se que os direitos potestativos para os quais a lei não estabelece prazo de exercício de modo específico são “imprescritíveis” ou, nas palavras de Agnelo Amorim Filho, perpétuos, já que em relação a eles não há norma geral semelhante àquela estabelecida para a prescrição, constante do art. 205 do CC. 6. OS PRAZOS E O DIREITO INTERTEMPORAL A questão que se coloca no presente tópico diz respeito às situações jurídicas pendentes, ou seja, aos prazos extintivos que estavam em andamento quando da entrada em vigor do novo Código Civil, que fixou, conforme visto acima, lapsos temporais diferentes daqueles previstos na Lei Substantiva anterior. Nessa perspectiva, como conciliar a lei antiga com a nova? Procurando solucionar o problema, o art. 2028 do NCC estabeleceu o seguinte: “Art. 2028. Serão os da lei anterior os prazos, quando reduzidos por este Código, e se, na data de sua entrada em vigor, já houver transcorrido mais da metade de tempo estabelecido na lei revogada”. Assim, o prazo da lei antiga incidirá desde que o prazo tenha sido diminuído pela lex nova, bem assim, que na data de entrada em vigor do novel codex, tenha transcorrido mais da metade do tempo. Note-se, entretanto, que o dispositivo em tela não abraça todas as hipóteses passíveis de ocorrência no mundo dos fatos. Deste modo, para as situações por ela não regulamentadas, é de se aplicar as seguintes regras, propostas por Wilson de Souza Campos Batalha, citadas por Pablo Stolze e Rodolfo Pamplona: “I- Se a lei nova aumenta o prazo de prescrição ou de decadência, aplica-se o novo prazo, computando-se o tempo decorrido na vigência da lei antiga; II- Se a lei nova reduz o prazo de prescrição ou decadência, há que se distinguir: a) se o prazo maior da lei antiga se escoar antes de findar o prazo menor estabelecido pela lei nova, adota-se o prazo da lei anterior; b) se o prazo menor da lei nova se consumar antes de terminado o prazo maior previsto pela lei anterior, aplica-se o prazo da lei nova, contando-se o prazo a partir da vigência desta”. Quadro explicativo: PRESCRIÇÃO DECADÊNCIA Perde a pretensão Perde o direito Ação condenatória Ações Constitutivas com prazo Ação Anulatória Desconstitutiva. Prevista somente em lei Prevista em lei ou contrato (conven- cional). Não pode ser renunciada previamente Decadência Legal – Irrenunciável; Decadência Convencional – Renun- ciável Pode ser declarada de ofício (mudança em 2006) Decadência legal, deve ser reconhe- cida de ofício pelo magistrado. Decadência convencional o reco- nhecimento da decadência pelo juiz subordina-se à alegação da parte a quem aproveita. Pode ser o prazo suspen- so (art. 197, 198 e 199, Código Civil), ou interrompido (art. 202 – uma única vez). Não se suspende ou não se inter- rompe Prazos • Gerais (art. 205) – 10 anos • Especiais – 206 – 1,2,3,4 ou 5 anos Em regra não há prazo geral – art. 179. Prazo especial – em dias, meses, ano e dia.. espalhados pelo Código Civil. PRESCRIÇÃO E DECADÊNCIA. CAPÍTULO I Da Prescrição Seção I Disposições Gerais Art. 189. Violado o direito, nasce para o titular a preten- são, a qual se extingue, pela prescrição, nos prazos a que alu- dem os arts. 205 e 206. Art. 190. A exceção prescreve no mesmo prazo em que a pretensão. Art. 191. A renúncia da prescrição pode ser expressa ou tácita, e só valerá, sendo feita, sem prejuízo de terceiro, depois que a prescrição se consumar; tácita é a renúncia quando se presume de fatos do interessado, incompatíveis com a prescri- ção. Art. 192. Os prazos de prescrição não podem ser alterados por acordo das partes. Art. 193. A prescrição pode ser alegada em qualquer grau de jurisdição, pela parte a quem aproveita. Art. 194. (Revogado pela Lei nº 11.280, de 2006) Art. 195. Os relativamente incapazes e as pessoas jurídicas têm ação contra os seus assistentes ou representantes legais, que derem causa à prescrição, ou não a alegarem oportuna- mente. Art. 196. A prescrição iniciada contra uma pessoa conti- nua a correr contra o seu sucessor. Seção II Das Causas que Impedem ou Suspendem a Prescrição Art. 197. Não corre a prescrição: I - entre os cônjuges, na constância da sociedade conjugal; II - entre ascendentes e descendentes, durante o poder fa- miliar; III - entre tutelados ou curatelados e seus tutores ou cura- dores, durante a tutela ou curatela. Art. 198. Também não corre a prescrição: I - contra os incapazes de que trata o art. 3o ;
  • 65.
    Didatismo e Conhecimento63 DIREITO CIVIL II - contra os ausentes do País em serviço público da União, dos Estados ou dos Municípios; III - contra os que se acharem servindo nas Forças Arma- das, em tempo de guerra. Art. 199. Não corre igualmente a prescrição: I - pendendo condição suspensiva; II - não estando vencido o prazo; III - pendendo ação de evicção. Art. 200. Quando a ação se originar de fato que deva ser apurado no juízo criminal, não correrá a prescrição antes da respectiva sentença definitiva. Art. 201. Suspensa a prescrição em favor de um dos cre- dores solidários, só aproveitam os outros se a obrigação for indivisível. Seção III Das Causas que Interrompem a Prescrição Art. 202. A interrupção da prescrição, que somente poderá ocorrer uma vez, dar-se-á: I - por despacho do juiz, mesmo incompetente, que orde- nar a citação, se o interessado a promover no prazo e na forma da lei processual; II - por protesto, nas condições do inciso antecedente; III - por protesto cambial; IV - pela apresentação do título de crédito em juízo de in- ventário ou em concurso de credores; V - por qualquer ato judicial que constitua em mora o de- vedor; VI - por qualquer ato inequívoco, ainda que extrajudicial, que importe reconhecimento do direito pelo devedor. Parágrafo único. A prescrição interrompida recomeça a correr da data do ato que a interrompeu, ou do último ato do processo para a interromper. Art. 203. A prescrição pode ser interrompida por qualquer interessado. Art. 204. A interrupção da prescrição por um credor não aproveita aos outros; semelhantemente, a interrupção operada contra o co-devedor, ou seu herdeiro, não prejudica aos demais coobrigados. § 1o A interrupção por um dos credores solidários apro- veita aos outros; assim como a interrupção efetuada contra o devedor solidário envolve os demais e seus herdeiros. § 2o A interrupção operada contra um dos herdeiros do de- vedor solidário não prejudica os outros herdeiros ou devedo- res, senão quando se trate de obrigações e direitos indivisíveis. § 3o A interrupção produzida contra o principal devedor prejudica o fiador. Seção IV Dos Prazos da Prescrição Art. 205. A prescrição ocorre em dez anos, quando a lei não lhe haja fixado prazo menor. Art. 206. Prescreve: § 1o Em um ano: I - a pretensão dos hospedeiros ou fornecedores de víveres destinados a consumo no próprio estabelecimento, para o pa- gamento da hospedagem ou dos alimentos; II - a pretensão do segurado contra o segurador, ou a deste contra aquele, contado o prazo: a) para o segurado, no caso de seguro de responsabilidade civil, da data em que é citado para responder à ação de indeni- zação proposta pelo terceiro prejudicado, ou da data que a este indeniza, com a anuência do segurador; b) quanto aos demais seguros, da ciência do fato gerador da pretensão; III - a pretensão dos tabeliães, auxiliares da justiça, ser- ventuários judiciais, árbitros e peritos, pela percepção de emo- lumentos, custas e honorários; IV - a pretensão contra os peritos, pela avaliação dos bens que entraram para a formação do capital de sociedade anôni- ma, contado da publicação da ata da assembléia que aprovar o laudo; V - a pretensão dos credores não pagos contra os sócios ou acionistas e os liquidantes, contado o prazo da publicação da ata de encerramento da liquidação da sociedade. § 2o Em dois anos, a pretensão para haver prestações ali- mentares, a partir da data em que se vencerem. § 3o Em três anos: I - a pretensão relativa a aluguéis de prédios urbanos ou rústicos; II - a pretensão para receber prestações vencidas de ren- das temporárias ou vitalícias; III - a pretensão para haver juros, dividendos ou quais- quer prestações acessórias, pagáveis, em períodos não maiores de um ano, com capitalização ou sem ela; IV - a pretensão de ressarcimento de enriquecimento sem causa; V - a pretensão de reparação civil; VI - a pretensão de restituição dos lucros ou dividendos recebidos de má-fé, correndo o prazo da data em que foi deli- berada a distribuição; VII - a pretensão contra as pessoas em seguida indicadas por violação da lei ou do estatuto, contado o prazo: a) para os fundadores, da publicação dos atos constitutivos da sociedade anônima; b) para os administradores, ou fiscais, da apresentação, aos sócios, do balanço referente ao exercício em que a violação tenha sido praticada, ou da reunião ou assembléia geral que dela deva tomar conhecimento; c) para os liquidantes, da primeira assembléia semestral posterior à violação; VIII - a pretensão para haver o pagamento de título de crédito, a contar do vencimento, ressalvadas as disposições de lei especial; IX - a pretensão do beneficiário contra o segurador, e a do terceiro prejudicado, no caso de seguro de responsabilidade civil obrigatório. § 4o Em quatro anos, a pretensão relativa à tutela, a contar da data da aprovação das contas. § 5o Em cinco anos: I - a pretensão de cobrança de dívidas líquidas constantes de instrumento público ou particular; II - a pretensão dos profissionais liberais em geral, procu- radores judiciais, curadores e professores pelos seus honorá- rios, contado o prazo da conclusão dos serviços, da cessação dos respectivos contratos ou mandato; III - a pretensão do vencedor para haver do vencido o que despendeu em juízo.
  • 66.
    Didatismo e Conhecimento64 DIREITO CIVIL CAPÍTULO II Da Decadência Art. 207. Salvo disposição legal em contrário, não se apli- cam à decadência as normas que impedem, suspendem ou in- terrompem a prescrição. Art. 208. Aplica-se à decadência o disposto nos arts. 195 e 198, inciso I. Art. 209. É nula a renúncia à decadência fixada em lei. Art. 210. Deve o juiz, de ofício, conhecer da decadência, quando estabelecida por lei. Art. 211. Se a decadência for convencional, a parte a quem aproveita pode alegá-la em qualquer grau de jurisdição, mas o juiz não pode suprir a alegação. EXERCÍCIOS 1- (TÉCNICO JUDICIÁRIO – TJ/MT – 2008 – VUNESP) Sobre o fenômeno da repristinação, pode-se dizer que: (A) somente será admitido em nosso ordenamento jurídico para modificar a coisa julgada material. (B) somente será admitido em nosso ordenamento jurídico para modificar a coisa julgada formal. (C) não será admitido em nosso ordenamento jurídico. (D) poderá ser admitido em nosso ordenamento jurídico so- mente para fins de cumprimento de sentença estrangeira. (E) poderá ser aplicado por convenção das partes. 2- (ADVOGADO ESPECIALISTA EM PROCESSO CIVIL – CESP – 2009 – VUNESP) É correto afirmar que: (A) as correções a texto de lei já em vigor não são conside- radas lei nova. (B) a lei revogada se restaura por ter a lei revogadora perdido a vigência. (C) a lei nova, que estabeleça disposições gerais ou especiais a par das já existentes, não revoga nem modifica a anterior. (D) mesmo que se destine à vigência temporária, a lei terá vigor até que outra a modifique ou revogue. (E) salvo disposição contrária, a lei começa a vigorar em todo o País 3 meses depois de oficialmente publicada. 3- (EXAME OAB/SP N. 137 – 2009 – CESPE) A Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, contém princípios gerais sobre as normas sem qualquer discriminação, indicando como aplicá-las, determinando-lhes a vigência e efi- cácia, suas projeções nas situações conflitivas, evidenciando os respectivos elementos de conexão determinantes das normas subs- tantivas aplicáveis no caso de haver conflito de leis no tempo e no espaço (Maria Helena Diniz. Curso de direito civil brasileiro. Teoria geral do direito civil. Vol. 1, 24.ª ed., São Paulo, Saraiva, 2007). Considerando as ideias do texto acima e os dispositivos da LICC, assinale a opção correta. (A) Em caso de lacunas, a LICC estabelece mecanismos de integração de normas, tais como a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito. (B) Na interpretação sociológica da norma, o aplicador exa- mina cada termo do texto normativo, isolada ou sintaticamente, atendendo à pontuação, colocação de vocábulos e origem etimo- lógica das palavras. (C) Na aplicação da norma, observa-se a existência do crité- rio de subsunção quando, ao aplicar a norma ao caso, o juiz não encontra norma que lhe seja aplicável. (D) A obrigação torna sem efeito uma parte da lei. 4- (TJ/DFT_2003) A pretensão de reparação civil, de acordo com o vigente Código Civil, prescreve: (A) em vinte anos; (B) em cinco anos; (C) em três anos; (D) em dez anos. 5- (25º Concurso MP/DFT) Julgue os itens abaixo. I) Tanto no Código Civil em vigor como no novo, a doação pode ser revogada por ingratidão do donatário ou inexecução do encargo. II) Em tema de responsabilidade civil, o novo Código Civil prevê a obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, riscos para o direito de outrem. III) De acordo com o novo Código Civil, a indenização decorrente de ato ilícito mede-se pela extensão do dano, não podendo o juiz reduzir o valor indenizatório ainda que haja desproporção entre a gravidade da culpa e o dano. IV) O novo Código Civil exige os mesmos pressupostos que o Código de Defesa do Consumidor para que seja operada a revisão do contrato de trato sucessivo, em face de onerosidade excessiva para o comprador de determinado bem. Estão certos apenas os itens (A) I e II. (B) I e III. (C) II e IV. (D) III e IV. 6- (26º Concurso MP/DFT) Julgue os itens abaixo, conforme disciplina constante no Código Civil (Lei 10.406/02). I) O estado de perigo configura-se independentemente do conhecimento do grave dano pela outra parte. II) A resolução por onerosidade excessiva não se aplica aos contratos de execução instantânea. III) É acidental o dolo que, a seu despeito, o negócio seria realizado, embora por outro modo. IV) A lesão, embora não seja classificada como defeito do negócio jurídico, enseja a invalidação do contrato, bem como a restituição das partes ao estado anterior. Estão corretos apenas os itens (A) - I e II (B) - I e III (C) - II e III. (D) - III e IV. (E) - I e IV. 7- (XI Concurso TRF 1ª Região_2005) Acerca da Responsabilidade Civil, julgue os itens: I) No Código Civil de 2002 tem-se como regra geral a responsabilidade subjetiva, embora alguns autores admitam que, com o novo texto, a regra geral é a da responsabilidade objetiva.
  • 67.
    Didatismo e Conhecimento65 DIREITO CIVIL II) A admissão do dano moral, embora não possa ser cumulado com o dano patrimonial, fundamenta-se, unicamente, no Código Civil. III) Para a fixação da indenização por dano patrimonial e do dano moral é irrelevante o binômio possibilidade-necessidade. IV) A pedagogia da pena é elemento caracterizador e imprescindível para a admissão da indenização por danos patrimoniais e morais. (A) I e II são verdadeiros; (B) somente o I é verdadeiro; (C) II e III são verdadeiros; (D) I, II e IV são falsos. 8- (XI Concurso TRF 1ª Região_2005) A responsabilidade civil ambiental foi introduzida no ordenamento positivo brasileiro com a: (A) Constituição de 1988; (B) Lei nº 9.605, de 12.2.98; (C) Lei nº 7.913, de 07.12.89; (D) Lei nº 6.938, de 31.8.81. 9- (XLIV Concurso MP/RS) Considerando o novo Código Civil e as seguintes assertivas: I) - Incorre em nulidade o negócio jurídico quando apresente objeto indeterminável. II) - Nulifica o negócio jurídico ofensa cometida contra lei imperativa, que tanto pode dar-se por ofensa frontal ou direta, convencionando-se o que a lei proíbe (“agere contra legem”), como a partir de negócio jurídico lícito e válido que, por via reflexa, atinge o resultado proibido (“agere in fraudem legis”). III) - É nulo o contrato de compra e venda se a fixação do preço resta com o exclusivo arbítrio de uma das partes. IV) - É nulo o negócio jurídico praticado direta e pessoalmente por quem, em razão de causa transitória, não possa exprimir a sua vontade. V) - É nulo o negócio jurídico por vício resultante de dolo. Assinale a alternativa correta: (A) Somente as assertivas I, II, III e IV estão corretas. (B) Somente as assertivas I, III e V estão corretas. (C) Somente as assertivas II, III e V estão corretas. (D) Somente as assertivas I, II, e IV estão corretas. (E) Todas as assertivas estão corretas. 10- (XLII Concurso MP/RS) Uma empresa de vendas de eletrodomésticos publicou em jornal de grande circulação local um anúncio contendo oferta de fornos microondas por preço proporcional e convidativo, sem, contudo, indicar o número de unidades disponíveis. Inúmeros consumidores acorreram a loja, mas o estabelecimento comercial, alegando que a publicidade foi veiculada com erro no preço e que não dispunha de aparelhos para atender à demanda, recusou- se à venda pelo preço anunciado. Cedendo aos pedidos dos consumidores e do Procon, a empresa vendeu os aparelhos pelo preço da oferta, mas, posteriormente, propôs ação de anulação das vendas. Isso posto, é correto afirmar-se que: (A) o negócio jurídico é anulável, porque houve erro- obstáculo. (B) o negócio jurídico é anulável, porque houve erro-vício. (C) aplica-se à publicidade a disciplina própria dos atos jurídicos, inclusive a do erro, porque o fato publicitário depende da vontade para produzir efeitos, sendo relevantes os vícios que possam afetar a vontade de sua produção. (D) o negócio jurídico é válido e eficaz, porque a publicidade, contato social de consumo, produziu vinculação jurídica negocial e obrigações, mesmo antes de celebrado contrato de compra e venda dos eletrodomésticos. (E) lícita a recusa da empresa a vender os eletrodomésticos anunciados, porque não há falar em responsabilidade pré- negocial no direito brasileiro. 11- (83º Concurso MP/SP_2002) A personalidade civil inicia-se com o nascimento com vida, colocando-se a salvo os direitos do nascituro, sendo necessário, todavia, que a criança (A) se livre totalmente do ventre materno mantendo-se ligada ao cordão umbilical, mesmo que não apresentando de imediato sinais de respiração ou viabilidade de sobreviver, ostente forma humana. (B) consiga separar-se por inteiro ou parcialmente do ventre materno respirando, mediante parto natural ou intervenção cirúrgica, pouco importando que o cordão umbilical não seja rompido, que seja viável ou não, e que não tenha necessariamente forma humana. (C) se separe por inteiro, ou mesmo que parcialmente do ventre materno, e desligada necessariamente do cordão umbilical, o parto seja efetuado normalmente, ou por meio de cesariana, e que respire e tenha forma humana. (D) venha à luz, ainda que se mantendo ligada ao cordão umbilical, mesmo que o parto se concretize através de cesariana ou pelo meio natural, e evidencie possibilidade de poder vir a respirar. (E) necessariamente venha à luz, com o rompimento do cordão umbilical, por meio de parto cesariano ou natural, e que apresente aptidão vital. 12- (OAB/DF_2004) Assinale a alternativa correta. (A) O direito à integridade física compreende a proteção jurídica ao corpo humano, quer em sua totalidade, quer em relação a tecidos, órgãos e partes do corpo humano suscetíveis de separação e individualização; (B) O indivíduo é livre para deliberar sobre a concessão ou não de material para fins de exame de DNA. A negativa, entretanto, gerará presunção absoluta da veracidade do fato que se pretendia provar; (C) Não basta o adultério da mulher, ainda que confessado, para elidir a presunção legal de paternidade; (D) Cabe ao marido o direito de contestar a paternidade dos filhos nascidos de sua mulher, sendo tal ação imprescritível. 13- (OAB/PR_2004) Assinale a alternativa INCORRETA. (A) Ante o caráter personalíssimo dos direitos de personalidade, as normas que regem essa ordem de direitos são dispositivas e supletivas, de modo a preservar a liberdade individual expressa por meio da autonomia privada. (B) A agressão aos direitos da personalidade poderá ensejar a reparação do dano tanto material quanto moral. (C) A divulgação de escritos, gravações de voz, ou outras manifestações que a tecnologia permite esbarram na proteção aos direitos da personalidade e podem gerar direito à indenização, salvo se autorizadas ou se necessárias à administração da justiça ou à manutenção da ordem pública.
  • 68.
    Didatismo e Conhecimento66 DIREITO CIVIL (D) A pessoa não pode dispor de seu próprio corpo, quando estadisposiçãoimportaremdiminuiçãopermanentedaintegridade física, ou contrariar os bons costumes, salvo se por exigência médica, ou para fins de transplante, na forma estabelecida em lei especial. 14- (MP/RN_2004) Importantes inovações foram introduzidas no novo Código Civil, destacando-se da parte geral, pela relevância, a maioridade civil, os direitos da personalidade, nestes incluídos o direito à integridade do próprio corpo, ao nome, à privacidade, à imagem, entre outros. Em vista dos preceitos normativos contidos na citada parte geral, julgue as assertivas abaixo, assinalando a alternativa correta: I) – A personalidade inicia-se no momento do nascimento, que, em qualquer caso, torna possível a aquisição e perda de direitos subjetivos pelo indivíduo, ressaltando a nossa lei, também, os direitos do nascituro; II) – Os direitos da personalidade não podem ser transferidos à esfera jurídica de outrem, nem ultrapassar a esfera de seu titular, com exceção dos casos previstos em lei; III) – É permitida a doação em vida de órgãos ou tecidos do próprio corpo, para fins terapêuticos e de transplante, quando não venha a diminuir permanentemente a integridade física do doador; IV) – Em qualquer caso, o Código Civil oferece tutela jurídica ao pseudônimo adotado contra atentados de terceiros, por gozar da mesma proteção que se dá ao nome; V) – Na tutela ao direito à imagem do morto ou do ausente, na qualidade de lesados indiretos, são partes legítimas para requerer reparação: o cônjuge, os ascendentes, os descendentes ou os colaterais até o quarto grau. (A) I e II estão corretas; (B) III e IV estão corretas; (C) IV e V estão corretas; (D) II e III estão corretas; (E) I e V estão corretas. 15- (Polícia Civil_ GO 2003) O novo Código Civil preceitua no seu art. 12, que “se pode exigir que cesse a ameaça ou a lesão, a direito da personalidade, e reclamar perdas e danos, sem prejuízo de outras sanções previstas em lei”. Em caso de morte, tem legitimação para requerer a medida prevista no artigo citado (A) o cônjuge sobrevivente e os demais descendentes. (B) o cônjuge sobrevivente, qualquer parente em linha reta e colateral até o terceiro grau. (C) o cônjuge sobrevivente, qualquer parente em linha reta e colateral até quarto grau. (D) o cônjuge sobrevivente, qualquer parente em linha reta e o colateral em segundo grau. 16- (Procuradoria/BA 2002) Considere as seguintes afirmações: I). A lei perde a eficácia desde que comprovado o seu desuso por um período de tempo superior a 10 anos. II). Denomina-se repristinação o fenômeno pelo qual a lei revogada é restaurada quando a lei que revogou perdeu a vigência. III). A lei ordinária só pode ser revogada, de modo parcial (derrogação) ou total (ab-rogação), por outra lei de natureza e hierarquia superiores. IV). Quando um preceito de uma lei contraria uma nova ordem constitucional falta-lhe fundamento de existência e validade e, por isso, diz-se que ele não foi recepcionado. V). Na aplicação da lei sempre será possível a utilização da equidade. APENAS está correto o que se afirma em (A) II e IV. (B) III e IV. (C) I e III. (D) I e V. (E) II e V. 17- (174º Concurso TJ/SP) O art. 4º, da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, ao dispor que, ante a omissão da lei, o Juiz decidirá de acordo com a analogia e os costumes, é norma (A) dirigida exclusivamente ao campo do Direito Privado. (B) dirigida a todos os campos do Direito Positivo. (C) que se aplica ao campo do Direito Privado, mas não a todos os campos do Direito Positivo. (D) que se aplica a todos os campos do Direito Positivo, com exceção do Direito Penal. 18- (Defensoria Pública/MA_2003) Comete ato ilícito, ficando civilmente responsável pela reparação do dano (A) o causador de qualquer dano, exceto se provar culpa exclusiva da vítima. (B) o agente que pratica o ato em legítima defesa de direito de outrem, cabendo contra este ação regressiva. (C) aquele que age no exercício regular de um direito reconhecido, causando dano a outrem, salvo se for servidor público. (D) o que age em estado de necessidade, mesmo que o perigo tenha sido ocasionado pela pessoa lesada ou dono da coisa destruída. (E) o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social. 19 - (175º Concurso TJ/SP) Considere as seguintes afirmações sobre prescrição e decadência: I). a prescrição ocorre em 15 (quinze) anos, quando a lei não lhe haja fixado prazo menor; II). em nenhuma hipótese o juiz pode suprir, de ofício, a alegação de prescrição; III). deve o juiz conhecer, de ofício, da decadência, tanto a convencional, quanto a estabelecida por lei; IV). entre as causas que interrompem a prescrição, inclui-se o protesto, salvo o cambial. Pode-se afirmar que não são integralmente corretas as afirmações (A) I e II, somente. (B) III e IV, somente. (C) I, II, III, somente. (D) I, II, III e IV.
  • 69.
    Didatismo e Conhecimento67 DIREITO CIVIL 20 - (83º Concurso MP/SP) O novo Código Civil estabeleceu prazos de prescrição e prazos de decadência em diversos artigos. Os prazos prescricionais estão previstos na Parte Geral, Título IV, Capítulo I. Os decadenciais são aqueles não previstos no Título IV, Capítulo I, da Parte Geral, podendo também ser disciplinados por normas legais específicas. Diante de tais afirmativas, será correto afirmar que (A) não está sujeita a prazo de decadência, e sim prescricional, a pretensão de acionar os incapazes de que trata o art. 3o do Código Civil, isto é, os menores de dezesseis anos, os que, por enfermidade ou deficiência mental, não tiverem o necessário discernimento para a prática dos atos da vida civil, e os que, mesmo por causa transitória, não puderem exprimir sua vontade. (B) deve obrigatoriamente sujeitar-se a prazo prescricional, a pretensão dos credores não pagos contra os sócios ou acionistas e os liquidantes, contado o prazo da publicação da ata de encerramento da liquidação da sociedade. (C) a pretensão para reaver o pagamento de título de crédito, a contar do vencimento, ressalvadas as hipóteses de lei especial, está sujeita a prazo decadencial. (D) está também sujeita a prazo decadencial, e não de prescrição, a pretensão do beneficiário contra o segurador, e a do terceiro prejudicado, no caso de seguro de responsabilidade civil obrigatório. (E) se sujeita a prazo prescricional de quatro anos, a parte que esteja legitimada ao exercício do direito de demandar a exclusão do herdeiro ou legatário, contando-se esse lapso da abertura da sucessão. 21- (OFICIAL DE JUSTIÇA E AVALIADOR – TJ/SC – 2010 – TJ/SC) Nos termos do Código Civil, NÃO constitui um pessoa jurídi- ca de direito privado: (A) Autarquia. (B) Partido político. (C) Fundação. (D) Associação. (E) Sociedade. 22- (ADVOGADO ESPECIALISTA EM PROCESSO CIVIL – CESP – 2009 – VUNESP) A desconsideração da personalidade jurídica tem como pres- supostos legais para caracterizar o abuso de personalidade: (A) desvio de finalidade ou confusão patrimonial. (B) desvio de finalidade ou previsão legal específica. (C) previsão legal específica ou confusão patrimonial. (D) responsabilidade ilimitada da pessoa jurídica cumulada com o desvio de finalidade. (E) responsabilidade ilimitada da pessoa jurídica cumulada com a confusão patrimonial. 23- (OFICIAL DE JUSTIÇA E AVALIADOR – TJ/SC – 2010 – TJ/SC) Desaparecendo a pessoa de seu domicílio e declarando-se a sua ausência, deve lhe ser nomeado: (A) Um provedor. (B) Um tutor. (C) Um assistente. (D) Um curador. (E) Um administrador provisório. 24- (ESCREVENTE JUDICIÁRIO I – TJ/GO – 2008 – TJ/GO) Assinale a alternativa correta: A) consideram-se bens móveis as energias que tenham valor econômico. B) consideram-se bens fungíveis aqueles que não podem subs- tituir-se por outros da mesma espécie, qualidade ou quantidade. C) bens divisíveis são aqueles que não podem ser fracionados sem alteração de sua substância. D) consideram-se bens móveis para efeitos legais o direito à sucessão aberta. 25- (OFICIAL DE JUSTIÇA E AVALIADOR – TJ/SC – 2010 – TJ/SC) De acordo com o Código Civil, a aptidão da pessoa natural para ser sujeito de direitos começa: (A) Do nascimento com vida. (B) Da concepção. (C) Aos 18 anos completos. (D) Aos 16 anos completos. (E) Do registro de nascimento da pessoa no registro público. 26- (ESCREVENTE JUDICIÁRIO I – TJ/GO – 2008 – TJ/GO) Álvaro possui uma casa na cidade de Goiânia onde permanece durante todas as semanas por força da atividade profissional que desempenha na Capital. Aos finais de semana, Álvaro viaja para a cidade de Acreúna onde o aguardam sua esposa e filhas em uma casa de propriedade da família. Nos termos das regras previstas no artigo 70 e seguintes do Código Civil, pode-se dizer que o domicílio civil de Álvaro situa-se: (A) apenas na cidade de Goiânia. (B) apenas na cidade de Acreúna. (C) no local onde for encontrado. (D) tanto na cidade de Acréuna, como na cidade de Goiânia. 27- (ESCREVENTE JUDICIÁRIO I – TJ/GO – 2008 – TJ/GO) Cessará, para os menores, a incapacidade: (A) pelo exercício de emprego público efetivo ou cargo na ini- ciativa privada. (B) pela concessão dos pais, ou de um deles na falta do outro, mediante instrumento particular, dependente de homologação ju- dicial, ou por sentença do juízo, ouvido o tutor, se o menor tiver 16 (dezesseis) anos completos. (C) pelo casamento. (D) pelo estabelecimento no comércio informal. 28- (DELEGADO DE POLICIA – POLICIA CIVIL/DF – 2009 – FUNIVERSA) Acerca dos fatos jurídicos, assinale a alternativa correta. (A) Os fatos jurídicos voluntários independem da vontade do homem, porém, não são a ele estranhos, uma vez que atingem as relações jurídicas, e, como é o homem o seu sujeito a ele interessa. (B) O ato-fato decorre da ação ou conduta humana lícita que gera consequência jurídica ainda que a pessoa não tenha vontade que o efeito se verifique. (C) O fato ilícito, para produzir efeitos, submete-se ao plano da validade jurídica. (D) O decurso do tempo constitui ato jurídico em sentido es- trito. (E) O dever que tem o pai de cuidar do filho que acabou de nascer configura exemplo de fato jurídico dispositivo.
  • 70.
    Didatismo e Conhecimento68 DIREITO CIVIL 29- (ESCREVENTE JUDICIÁRIO I – TJ/GO – 2008 – TJ/GO) São absolutamente incapazes de exercer pessoalmente os atos da vida civil: (A) os maiores de 16 (dezesseis) e menores de 18 (dezoito) anos. (B) os menores de 16 (dezesseis) anos. (C) aqueles que, por deficiência mental, tenham o discerni- mento reduzido. (D) os excepcionais, sem desenvolvimento mental completo. 30- (DELEGADO DE POLICIA – POLICIA CIVIL/DF – 2009 – FUNIVERSA) A respeito do negócio jurídico, assinale a alternativa correta. (A) A declaração judicial de nulidade do negócio jurídico produz efeitos ex nunc. (B) O ato negocial que deixar de revestir a forma especial determinada por lei será anulável. (C) A derrelição tipifica exemplo de negócio jurídico lícito. (D) É causa de nulidade do negócio jurídico a impossibilida- de absoluta superveniente do seu objeto. (E) A vontade do agente tipifica a existência de elemento aci- dental do negócio jurídico. 31. (ANALISTA DE PROMOTORIA I – MP/SP – 2010 – VU- NESP) A interdição é medida judicial: (A) de proteção ao incapaz, maior ou menor, por meio da qual se lhe nomeia curador com o fito de administrar-lhe os bens e acompanhá-lo na prática dos atos da vida civil. (B) de proteção ao menor incapaz por meio da qual se lhe no- meia tutor com o fito de administrar-lhe os bens e acompanhá-lo na prática dos atos da vida civil. (C) de proteção ao maior incapaz por meio da qual se lhe no- meia curador com o fito de administrar-lhe os bens e acompanhá- -lo na prática dos atos da vida civil. (D) destinada a agilizar a confirmação da morte presumida, garantindo aos cônjuges a disponibilidade de convolarem novas núpcias. (E) destinada a agilizar a confirmação da ausência, garantin- do aos cônjuges a disponibilidade de convolarem novas núpcias. 32. (JUIZ DE DIREITO – TJ/MG – 2009 – FUNDEP) No que tange ao negócio jurídico anulável, marque a afirma- tiva CORRETA. (A) A anulabilidade não tem efeito antes de julgada, mas pode se pronunciada, de ofício, a favor terceiros prejudicados. (B) O negócio jurídico anulável, assim como o negócio jurídi- co nulo, não pode ser confirmado pelas partes. (C) A anulação do negócio jurídico somente pode ser alegada pelas pessoas afetadas pelo negócio jurídico e em benefício de quem se anula o ato. (D) Na hipótese de negócio jurídico praticado por agente re- lativamente incapaz, a sanção é destinada a proteger o interesse público. 33- (ANALISTA JUDICIÁRIO – EXECUÇÃO DE MANDA- DOS – TRF4 – 2010 – FCC) O dolo do representante legal de uma das partes: (A) obriga o representado a responder civilmente até a impor- tância do proveito que teve, bem como responderá solidariamente com ele por perdas e danos. (B) só obriga o representado a responder civilmente até a im- portância do proveito que teve. (C) obriga o representado a responder civilmente até a im- portância do proveito que teve, bem como responderá subsidiaria- mente ao representante legal por perdas e danos. (D) não obriga o representado a responder civilmente por qualquer quantia em dinheiro nem determina qualquer obrigação legal. (E) obriga o representado a responder civilmente até a impor- tância do proveito que teve, bem como a responder até o limite de vinte vezes o valor do negócio jurídico por perdas e danos. 34- (ASSESSOR JURÍDICO DE GABINETE DE JUIZ DE ENTRÂNCIA FINAL – TJ/PI – 2010 – FCC) Considere as seguintes assertivas a respeito da prescrição: I. Prescreve em dois anos, a pretensão para haver prestações alimentares, a partir da data em que se vencerem. II. Prescreve em cinco anos a pretensão do vencedor para haver do vencido o que despendeu em juízo. III. A prescrição iniciada contra uma pessoa extingue-se com a sua morte, não continuando a correr contra o seu sucessor. IV. A prescrição ocorre em dez anos, quando a lei não lhe haja fixado prazo menor. De acordo com o Código Civil brasileiro está correto o que se afirma APENAS em: (A) I, II e IV. (B) I, II e III. (C) III e IV. (D) II e IV. (E) I e II. 35- (ASSESSOR JURÍDICO DE GABINETE DE JUIZ DE ENTRÂNCIA FINAL – TJ/PI – 2010 – FCC) Determinado negócio jurídico foi celebrado com a presença de dolo acidental de uma das partes. De acordo com o Código Civil brasileiro, o dolo acidental: (A) anula o negócio jurídico e obriga a satisfação das perdas e danos. (B) só anula o negócio jurídico. (C) só obriga à satisfação das perdas e danos. (D) não anula o negócio jurídico e nem obriga a satisfação das perdas e danos. (E) torna o negócio jurídico anulável. 36- (ASSESSOR JURÍDICO DE GABINETE DE JUIZ DE ENTRÂNCIA FINAL – TJ/PI – 2010 – FCC) Considere as seguintes assertivas a respeito do Domicílio: I. O agente diplomático do Brasil, que, citado no estrangeiro, alegar extraterritorialidade sem designar onde tem, no país, o seu domicílio, poderá ser demandado no Distrito Federal ou no último ponto do território brasileiro onde o teve. II. Ter-se-á por domicílio da pessoa natural, que não tenha residência habitual, o lugar onde for encontrada. III. O domicílio do militar da Marinha ou da Aeronáutica é a sede do comando a que se encontrar imediatamente subordinado. IV. O domicílio do preso é o lugar onde o cônjuge ou, na falta dele, descendente ou ascendente estabelecer residência com âni- mo definitivo. De acordo com o Código Civil brasileiro, está correto o que se afirma APENAS em:
  • 71.
    Didatismo e Conhecimento69 DIREITO CIVIL (A) I e II. (B) I e III. (C) I e IV. (D) I, II e III. (E) II, III e IV. 37- (ASSESSOR JURÍDICO DE GABINETE DE JUIZ DE ENTRÂNCIA FINAL – TJ/PI – 2010 – FCC) Quanto à classificação dos bens, segundo as normas preconi- zadas pelo Código Civil brasileiro é correto afirmar: (A) Consideram-se móvel para os efeitos legais os direitos re- ais sobre imóveis e as ações que os asseguram. (B) São singulares os bens que, embora reunidos, se conside- ram de per si, independentemente dos demais. (C) Consideram-se imóveis para os efeitos legais as energias que tenham valor econômico. (D) Os negócios jurídicos que dizem respeito ao bem princi- pal, em regra, abrangem as pertenças. (E) São consumíveis os bens móveis ou imóveis que podem substituir-se por outros da mesma espécie, qualidade e quantida- de. 38- (JUIZ DE DIREITO – TJ/MG – 2009 – FUNDEP) Relativamente aos Direitos da Personalidade, o art. 12 do Código Civil, sem indicar o sujeito da ação, textualmente dispõe que se pode exigir “que cesse a ameaça, ou lesão, a direito da personalidade, e reclamar perdas e danos, sem prejuízos de ou- tras sanções previstas em lei”. No contexto do mencionado artigo, marque a opção CORRETA. (A) A indeterminação do sujeito na oração do art. 12 do Códi- go Civil tem por intuito não confundir o sujeito do direito da per- sonalidade com o objeto do direito protegido, mas,objetivamente, o que se protege é somente direito da personalidade avaliável eco- nomicamente. (B) Quando o mencionado artigo dispõe sobre a cessação de ameaça ou lesão aos direitos da personalidade, está a referir-se aos direitos da personalidade objetivados no Código Civil, possi- bilitando a reparação material da lesão. (C) O Código Civil não especifica de modo taxativo os direi- tos da personalidade. Não havendo tipificação, tem-se que o art. 12 do Código Civil elege praticamente uma cláusula genérica de proteção dos direitos da personalidade, que será integrada com os dispositivos constitucionais de proteção à honra, à imagem, ao direito à privacidade, ao nome, à integridade e à dignidade da pessoa humana, sem prejuízo da aplicação de leis especiais. (D) Sendo considerados os direitos da personalidade direitos subjetivos, que decorrem de previsão legal, somente serão consi- derados como objeto de ameaça ou de lesão direitos tipificados em lei. 39- (JUIZ DE DIREITO – TJ/MG – 2009 – FUNDEP) O domicílio é um dos atributos da personalidade. É a loca- lização da pessoa no espaço. O lugar onde ela estabelece sua re- sidência com ânimo definitivo (art. 70 do Código Civil).Tendo di- versas residências, onde alternadamente viva, o seu domicílio será considerado o lugar de qualquer uma delas (art. 71 do Código Civil). Não tendo residência, o domicílio da pessoa natural será o do local em que for encontrada (art. 73 do Código Civil). Diante das hipóteses acima elencadas, aponte a afirmação CORRETA. (A) Quando fixado pela lei, o domicílio é um fato jurídico. Quando não fixado por lei, é um ato jurídico em senso estrito, por expressar uma manifestação voluntária do sujeito, relativamente ao local onde estabelece sua residência com caráter definitivo. (B) A fixação do domicilio é sempre um ato jurídico stricto sensu, decorrendo, em todas as hipóteses elencadas no enunciado, sempre, do ânimo da pessoa relativamente ao lugar onde estabe- leceu a sua residência. (C) O domicílio decorre sempre de uma relação de fato entre a pessoa e o lugar. Então, domicílio e residência devem sempre coincidir. (D) O direito brasileiro não admite a pluralidade de domi- cílio. 40- (JUIZ DE DIREITO – TJ/MG – 2009 – FUNDEP) Principal é o bem que existe sobre si, abstrata ou concreta- mente; acessório, aquele cuja existência supõe a do principal. (art. 92 do Código Civil). A lei estabelece um vínculo entre o bem principal e o acessório. Relativamente a este último, o bem aces- sório, é CORRETO afirmar que: (A) A relação de acessoriedade só existe entre coisas. (B) A relação de acessoriedade existe entre coisas e direitos. (C) Apenas os bens móveis podem ser acessórios. (D) As relações obrigacionais não podem ser acessórias. GABARITO: 1 - C 11 - B 21 - A 31 - C 2 - C 12 - B 22 - A 32 - C 3 - A 13 - A 23 - D 33 - B 4 - C 14 - D 24 - A 34 - A 5 - A 15 - C 25 - A 35 - C 6 - C 16 - A 26 - D 36 - D 7 - B 17 - C 27 - C 37 - B 8 - D 18 - E 28 - B 38 - C 9 - A 19 - D 29 - B 39 - A 10 - D 20 - B 30- D 40 - B ANOTAÇÕES ————————————————————————— ————————————————————————— ————————————————————————— ————————————————————————— ————————————————————————— ————————————————————————— —————————————————————————
  • 72.
    Didatismo e Conhecimento70 DIREITO CIVIL ANOTAÇÕES ———————————————————————————————————————————————————— ———————————————————————————————————————————————————— ———————————————————————————————————————————————————— ———————————————————————————————————————————————————— ———————————————————————————————————————————————————— ———————————————————————————————————————————————————— ———————————————————————————————————————————————————— ———————————————————————————————————————————————————— ———————————————————————————————————————————————————— ———————————————————————————————————————————————————— ———————————————————————————————————————————————————— ———————————————————————————————————————————————————— ———————————————————————————————————————————————————— ———————————————————————————————————————————————————— ———————————————————————————————————————————————————— ———————————————————————————————————————————————————— ———————————————————————————————————————————————————— ———————————————————————————————————————————————————— ———————————————————————————————————————————————————— ———————————————————————————————————————————————————— ———————————————————————————————————————————————————— ———————————————————————————————————————————————————— ———————————————————————————————————————————————————— ———————————————————————————————————————————————————— ——————————————————————————————————————————————————— ——————————————————————————————————————————————————— ———————————————————————————————————————————————————— ———————————————————————————————————————————————————— ———————————————————————————————————————————————————— ———————————————————————————————————————————————————— ————————————————————————————————————————————————————