#131 AI não é SaaS. E avaliar startups de AI como se fossem pode custar caro.
AI
Na edição passada, eu trouxe bastante da frustração em torno do GPT-5. Mas nessa edição, trago um artigo com um recorte bem interessante: o modelo não foi feito para quem já vive dentro do ecossistema, ele foi feito para alcançar os 700 milhões de usuários gratuitos que usam o ChatGPT de forma ocasional e ainda não geram receita.
Visto por esse ângulo, o que parecia um update modesto ganha outra camada. Certo? Aparentemente, esse é o primeiro passo do plano de monetização mais ambicioso da OpenAI.
A peça central é o Router, o sistema que decide qual modelo usar em cada pergunta e quanto esforço computacional investir em cada resposta. Parece detalhe técnico, mas é base para algo maior: um assistente gratuito que entende quando você está só explorando e quando está pronto para comprar.
Imagina o ChatGPT ajudando a escolher um voo, contratar um advogado ou montar o carrinho do mercado. Ele compara, seleciona e conclui e a OpenAI passa a capturar parte dessa transação. Não há anúncios no feed: a receita surge no próprio ato de intermediar a decisão. É uma mudança de modelo de negócios que coloca a empresa em rota de colisão com Google, Meta e Amazon.
E esse movimento não é isolado. O Google está indo na mesma direção.
Com o novo Flight Deals, eles começam a testar AI como interface para buscas com menos intencionalidade. Em vez de esperar alguém digitar “voo SP–Lisboa em janeiro”, o sistema responde coisas como “quero viajar no inverno para comer bem, só voos diretos”. A resposta já vem com destino, data e preço, mesmo que você nem soubesse que queria ir para lá.
Se o Router é a infraestrutura, o que vem agora é o desafio mais sutil: manter o vínculo com os usuários enquanto o produto muda de forma e de função.
A entrevista com Nick Turley, head do ChatGPT, revela o que está por trás do ajuste de rota da OpenAI nos últimos dias, incluindo a decisão de trazer o GPT-4o de volta depois do backlash. Muita gente não estava reclamando do modelo, mas sentindo falta de uma "presença". Do tom, do jeito de conversar, digamos da “personalidade”.
A OpenAI não esperava essa reação. E agora está tentando entender o que, de fato, torna um modelo querido. Porque no momento em que o ChatGPT começa a agir como agente, a confiança emocional entra no jogo também. E isso abre um novo front de desafios: calibrar a “personalidade” dos modelos e criar uma relação que ajude sem substituir o mundo real.
Seguindo o fio da semana passada, nem todo coding assistant tem um negócio por trás... A Cursor virou queridinha entre devs ao prometer um editor com AI integrada, baseado nos melhores modelos do mercado. Cresceu rápido com uma assinatura fixa e uso “ilimitado”. Mas o custo real varia com o uso e depende de fornecedores como OpenAI e Anthropic.
A empresa não controla nem o modelo, nem o preço, nem a margem. O que parecia PMF pode ser só um produto subsidiado demais para se sustentar. Quando tentou corrigir subindo preço e impondo limites, vieram a revolta e o churn.
O gráfico sobe, mas a pergunta continua: tem demanda real ou só distorcida pelo desconto?
Agora, uma coisa é fato, até aqui, a Cursor é o melhor case que o mercado viu. Segundo Ed Zitron, antes da revolta dos usuários, a empresa já faturava US$ 42 milhões por mês, mais do que qualquer outra em AI generativa, tirando OpenAI e Anthropic. E tudo isso com um único produto, vendido direto pro consumidor, rodando (quase todo) em cima da infraestrutura da Anthropic.
É surreal. E é justamente por isso que preocupa. Se até o melhor exemplo de tração em AI precisa escolher entre crescer e sobreviver, talvez a questão não seja só o PMF mas o modelo de negócio da categoria inteira.
Zitron não poupa ninguém: critica o mercado, os VCs, os founders. Diz que a maior parte da AI atual se resume a embalar prejuízo em interface bonita e chamar de disrupção.
O que está em jogo aqui não é só a Cursor. É a possibilidade real de estarmos empilhando uso não rentável sobre custos que ninguém quer encarar. E chamando isso de futuro.
Esse baita artigo propõe um framework específico para avaliar o valuation de aplicações de AI com um conceito central: o D factor, uma medida de quão perto seu produto está de ser canibalizado por um modelo fundacional.
A lógica é de que quanto mais horizontal, superficial ou fácil de replicar via API for o seu produto, maior o D. Quanto mais profundo, regulado, sensível ou enfiado no workflow, menor o D. Um app com US$10M de ARR e D=0.8 vale, na prática, só US$2M. A receita está lá. O valor não.
O texto também mostra que o sweet spot não é só evitar o D alto, é ter uma tese clara de como reduzir ele com o tempo. Moat de dados próprios, integração densa, vantagem regulatória, agentes verticais em rede... tudo isso conta.
Outros
Voar continua sendo seguro. E, ajustado pela inflação, também está mais barato. Mas o número de voos com mais de 3 horas de atraso é 4,5x maior hoje do que em 1990. Atrasos de 1 a 1,5h dobraram. O truque? As companhias inflaram o tempo estimado das rotas, então muita coisa "chega adiantada" mas só no papel.
O texto analisa as possíveis causas: gargalos de infraestrutura, falta de controladores de voo e até a financeirização das aéreas (que hoje lucram mais vendendo milhas do que voando). No final, voos viraram um produto mais seguro e barato mesmo, mas muito menos confiável.
O New York Times seguiu uma carga de fentanil do interior do México até o Arizona e o que encontrou não foi uma brecha ocasional, mas um sistema sofisticado, desenhado para funcionar. O cartel de Sinaloa opera como uma máquina de logística: compartimentos escondidos nos carros, olheiros ao longo da rota, propina para militares e até agentes da fronteira pagos para garantir a passagem.
Mesmo sob pressão dos dois governos, o esquema se adapta. As cargas ficaram menores, a produção se espalhou e até rivais viraram aliados. O sistema continua rodando com eficiência quase empresarial e um controle assustador nas bordas.
Um engenheiro de software de 24 anos que vive em Ottawa está usando bots de AI para influenciar a política americana. Saihajpreet Singh criou perfis que disparam milhares de posts por dia no X (ex-Twitter), sempre com viés pró-Trump e contra políticos progressistas.
Seu bot mais famoso, o DOGEai, tem mais de 127 mil seguidores e já foi retuitado por Trump e Elon Musk. Agora, ele testa outro bot, o CityDeskNYC, focado em atacar um candidato de esquerda à prefeitura de Nova York. A ideia, segundo ele, é mostrar como a tecnologia pode ser usada em campanhas e vender isso como serviço.
É um bom retrato de como a guerra política online está sendo automatizada.
No X…
Uma empresa financiada por Bill Gates criou uma “manteiga” feita a partir de carbono. Sem vaca, sem planta, sem óleo. Só hidrogênio, carbono e oxigênio manipulados até virarem uma gordura que parece manteiga.
O produto já está sendo testado por restaurantes e padarias nos EUA. A promessa é sustentabilidade, baixo impacto e escala. Mas o resultado parece mais saído de ficção científica do que da cozinha e tem gerado reações que vão do nojo ao apocalipse conspiratório.
Se antes era “você é o que você come”, agora é “você é o que o laboratório sintetizou no lugar”.
AI tá encolhendo o mercado B2B num ritmo alucinante. Já tem agente para advogado vietnamita de indenização, e o pitch é aquele clássico: “estamos vendendo trabalho, então o TAM é infinito”.
A piada é boa, mas tem verdade ali. Como a AI ataca custo operacional direto, e não mais o orçamento de software, dá para entregar valor mais rápido, com tickets maiores e propostas mais claras (até em nichos minúsculos).
Mas a vantagem dura pouco. Quando todo mundo consegue copiar, o valor migra para fora do produto. Quem quiser ficar de pé vai ter que construir rede, contexto, conexão, etc.
Todo mundo pergunta “o que a AI vai matar?”. Mas talvez a pergunta mais útil seja: que tipo de software ela não consegue copiar tão fácil?
Um investidor de software privado analisou empresas como se fossem organismos: quanto tempo leva para vender, implementar, gerar valor, ser substituído. E, principalmente, o que prende (ou não) o cliente ali.
Calendly vira exemplo de um produto ágil, fácil de adotar, usar, trocar. Ótimo para escalar. Mas, no cenário atual, também fácil de ser replicado por um agente baratinho.
Softwares com ciclos longos, dependência operacional ou moat de dados jogam outro jogo. Um mais lento, mas também mais defensável.
OpenAI já vale o mesmo que a Coca-Cola e isso escancara o tipo de escala que só o digital permite.
Para virar presença global, a Coca levou um século, criou uma rede física gigantesca e sustenta milhões de empregos diretos e indiretos. Já a OpenAI, com algumas APIs e uma interface simples, chegou a meio bilhão de usuários em dois anos - com uma equipe de, no máximo, 5 mil pessoas.
Fundador & ex-CMO @taglivros | Fundador & CEO @mindfly
1moCara, que edição fantástica. Não canso de recomendar.
Healthcare leader | PhD | Top Voice | Creating something new with AI
2moVocê resumiu bem o diferencial de startups de IA hoje: - Integração profunda com o workflow - Mercado regulados - agentes em diferentes verticais Só isso consegue impedir um modelo fundacional de tocar no seu negócio. ótima edição Florian!
Digital Transformation & Growth | P&L Leadership | Customer Success | Pre-Sales & Delivery
2moEu me sinto até mais inteligente após ler essa edição.
Entrepreneur, Early-stage Investor | Stanford GSB
2moNão poderia concordar mais. E some-se a isto o fato do que se chama de ARR em startups de AI, não ser ARR de verdade, porque grande parte dessa receita recorrente vem de experimentações subsidiadas ou integrações superficiais que evaporam quando os custos de API sobem, inflando métricas que parecem sólidas mas são ilusórias. Como fica retenção e onde vai parar o churn depois de tudo isso, ninguém sabe...
Design @ Barte
2moPesada essa edição!🔥 E esse caso do cursor não é isolado, a reflexão é importante demais nesse momento.